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O ganzá e o caleidoscópio: notas sobre a poesia de Sérgio de Castro Pinto

expeditoferrazjr@gmail.com.br

Um poema se faz com palavras, certo. Mas não é rigorosamente de palavras que se ocupa certa
espécie de poetas. Falo daqueles que parecem manuseá-las por uma mera contingência: a de serem
elas os únicos “seres” portadores de certos fragmentos de som e de sentido cujo arranjo meticuloso
constitui o seu verdadeiro artesanato. Para esses poetas, a palavra entra no poema, sobretudo, para ser
apreendida com olhos, ouvidos e imaginação atentos ao movimento desses grãos de ritmo e imagem
— combinação que exige, certamente, do poeta e do leitor muito mais esforço do que a simples
disposição lógica de termos numa frase (muito embora a poesia nem sempre prescinda desse nível
primeiro de elaboração).*
Os poemas de Sérgio de Castro Pinto sempre me dão a impressão de existirem para confirmar
essas afirmações. Há alguns anos, convidado a falar sobre sua poesia a professores de Ensino
Fundamental, convenci-me de que precisava recorrer a uma imagem concreta, que pudesse ilustrar
esse aspecto do seu processo de composição: sua arquitetura microscópica do poema. Na ocasião, o
que me ocorreu foi representar a ideia a partir da combinação de dois objetos relativamente familiares
ao cotidiano escolar, os quais, embora possuindo natureza e usos distintos — um instrumento musical
e um brinquedo ótico —, se assemelham bastante na forma e na condição de produzirem seus efeitos
a partir da ação dos fragmentos que contêm. A figura que definiria, para mim, a poesia de Sérgio
seria, portanto, a de um objeto estranho, que hesitasse entre o funcionamento de um caleidoscópio e o
de um ganzá.
Pois não é isso que ocorre, muitas vezes, com a palavra no poema? Espécie de artefato híbrido,
a palavra que serve ao poeta vai mover-se, na leitura, ora para produzir algum efeito sonoro
expressivo, ora para suscitar-nos uma imagem inusitada (em geral, para fazer as duas coisas
simultaneamente). Para percebermos esses efeitos e, principalmente, para entendermos as escolhas do
poeta, precisamos perscrutar menos o sentido estático, convencional, das palavras do que o atrito
dessas partículas rítmico-semânticas e os arranjos que dele decorrem. Precisamos vibrar externa e
internamente as palavras, fazendo ressoar seu ritmo e formar-se o desenho surpreendente de suas
imagens. Não é à toa que certas invenções, que podem parecer ilógicas ou arbitrárias para um leitor
desavisado, não o serão para um leitor atento às relações que ocorrem nesse nível mais fundo de
construção da mensagem poética.
Quando o poeta de Zoo imaginário afirma, das cigarras, que elas “são guitarras trágicas”, por
exemplo, ele não constrói apenas uma metáfora que nos faz ver no inseto ruidoso atributos do
instrumento musical. Ele não apenas transfere o nome de uma coisa para outra. Realiza antes uma
fusão sonora e visual dos significantes, análoga à fusão metafórica dos significados ali envolvidos.
As palavras cigarras, guitarras e trágicas compartilham letras e sons, num achado anagramático
sofisticado. Assim, ao mesmo tempo em que ouvimos, nas aliterações e assonâncias do texto, o poeta
imitar os sons de que fala, vemos, no movimento das letras idênticas, uma palavra metamorfosear-se
em outra: cigarras transformarem-se em guitarras, carregando no próprio corpo (da palavra, do ser)
a condição trágica que as faz gargarejar “vidros moídos / o cristal dos verões”. Mais do que isso:
objeto visual e sonoro (caleidoscópio e ganzá), o poema revela ainda uma dimensão tátil. Por todo o
texto ecoa uma música estridente e áspera, de cigarra ou de guitarra, esses e erres que chiam e
vibram, afinal, na garganta do próprio leitor, quando o texto é lido em voz alta, fazendo-o
experimentar sensorialmente o gargarejar de vidros a que se referem aqueles versos. É, portanto, no
corpo do leitor, como no da cigarras/guitarras, que o poema acontece: música, imagem, vibração.
Agora, ao escolher como tema o futebol, neste A flor do gol, Sérgio de Castro Pinto reafirma os
principais traços do modo de fazer que define sua criação. Assim como aquele Lampião visto de
dentro, do seu primeiro livro — aquele de quem se diz que “o olho aberto/ via pra fora / o olho cego/
via pra dentro” —, a última poesia de Sérgio mira, simultaneamente, dois aspectos ou dimensões do
seu objeto: as possibilidades líricas desse fenômeno de massa que tanto nos comove, e a beleza da
linguagem com que a crônica esportiva de tempos atrás ilustrava e traduzia esse mesmo espetáculo.
Apropriando-se de expressões há muito fixadas em nossa percepção, o poeta as agita (como a um
caleidoscópio), reconfigurando-as semanticamente, extraindo-lhes imagens novas e surpreendentes.
Da tradução do espetáculo visual do futebol em poesia, um dos exemplos mais claros é o
primeiro dos dois textos dedicados a Mané Garrincha. Quem guardou na memória os truques e
provocações do atacante diante de um adversário; quem reparou na irreverência com que ele iludia
seus marcadores na imprevisível e clownesca alternância entre o correr e o parar, entre o ir e o não ir,
sabe bem a beleza sutil que o poeta extrai do ritmo, da pontuação e da sintaxe nos versos que abrem
cada uma das três estrofes do poema.
Quando Garrincha dribla, fica.
A frase que define o estilo do jogador corre solta em sete sílabas, para na vírgula, ameaça
correr novamente, mas para outra vez no ponto e no limite do verso. “Quando Garrincha dribla,
fica.” O efeito se repete no início da segunda estrofe, mas, na terceira e última, o olhar já
automatizado do leitor recebe o drible definitivo, porque, dessa vez, o verbo ficar muda de sujeito,
surge uma oração em ordem inversa e a frase volta a correr, encadeando-se no verso seguinte:
“Quando Garrincha dribla, fica / o adversário pra contar a história...” O ritmo desses versos não é,
portanto, apenas um recurso musical: é também diagrama dos movimentos que o próprio texto
descreve.
A releitura de expressões consagradas na crônica esportiva é constante: o epíteto “furacão da
copa”, atribuído ao ponta-direita Jairzinho, em 1970, motiva um trocadilho com gradações dos ventos
no verso: “furacão tornado brisa”, em que “tornado” é, ao mesmo tempo, verbo no particípio e
substantivo. A imagem das pernas arqueadas de Garrincha, celebrizada na expressão “anjo de pernas
tortas” (colhida de um soneto de Vinícius e logo adotada pela mídia), ali recebe nova elaboração: sai
a figura do anjo e surgem, ora uma imagem metalinguística do futebol como escritura (“nos
parênteses das pernas tortas”), ora um sentido bélico (e, em certo sentido, épico) em: “no arco
retesado das pernas tortas”.
Mas talvez o exemplo mais acabado disso esteja no poema “Didi”. Destaque do time brasileiro
na Copa do Mundo de 1958, o jogador era dono de um chute “de efeito”, isto é, de trajetória sinuosa,
que a imprensa da época batizou de “folha seca” (algo que se move no ar de forma leve, aleatória,
imprevisível) — metáfora exata e expressiva, que o poema de Sérgio retoma e desenvolve. Primeiro
ele explica a imagem, quase em prosa, quase lhe devolvendo ao sentido denotativo, mas acentuando
seu aspecto visual:
Didi bate a falta com efeito.

O goleiro adversário é puro espanto:

vê a bola de couro
me-ta-mor-fo-se-ar-se
em uma folha seca...

Mas logo evoca uma segunda metáfora, contígua a essa última imagem, transformando em alegoria o
tema inicial: “...numa folha seca / do mais triste outono”. A imagem do cair da folha é representada
com uma tonalidade melancólica, já que o lance é visto da perspectiva do “goleiro adversário”.
Então, ainda insistindo na semântica do vegetal, ele transfigura a bola, que era folha e se tornará
“semente”, “goivo” e por fim fará desabrochar “a flor do gol” — explosão de cores da torcida, em
contraponto com a tristeza outonal dos versos anteriores —, na metáfora que empresta o título ao
livro.
Já se disse que a poesia deve ser como a pintura. Na criação de Sérgio de Castro Pinto, o poema
aspira ao audiovisual: é som e cor, surpresa e drible, imagem em movimento.
______________
Notas:

No último dia 10 de julho, o poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto lançou A flor do gol (ed. Escrituras), e me
deu a honra de fazer a apresentação da obra na cerimônia de lançamento, na Academia Paraibana de Letras.
Transcrevo aqui o texto que li naquela ocasião.

*Em sua tese sobre o poeta (Signo e Imagem em Castro Pinto, 1995), João Batista de Brito desenvolve essa
proposição com muito mais clareza e precisão do que eu conseguiria fazer, reportando-se, para tanto, a
conceitos teóricos como “código” (Rifaterre) e “pluriisotopia” (Greimas/Rastier). Devo, portanto, meu ponto
de partida nestas anotações à leitura desse trabalho e de suas principais referências.

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