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htm (14/12/2010)
Robert Kurz
Desde o princípio, a relação entre trabalho e capital foi um dos objetos centrais de
discussão sobre economia política. O conceito abstrato trabalho, assim como a
mercadoria nua, desvinculada de qualquer relação não-mercantil, é um produto do
processo capitalista de modernização. Mas na superfície dessa relação fetichista
moderna, trabalho e mercadoria aparecem como usurpados pelo dinheiro (capitalista),
ainda que sejam somente um estágio transitório do próprio dinheiro como capital. Desse
ofuscamento superficial resulta o impulso de querer, de alguma maneira, ‘libertar’ o
trabalho e a mercadoria (fenômenos capitalistas) do dinheiro (o meio capitalista que é
um fim em si mesmo).
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quer libertar-se de todo ou ao menos tomar as rédeas dessa cisão, sem atacar-lhe os
fundamentos sociais que são sua causa primeira. O sujeito burguês quer suprimir
(aufheben) a sociedade burguesa, mas sem suprimir a si mesmo como sujeito burguês.
A tentativa de Proudhon de dominar o poder abstrato do dinheiro por meio dos "bancos
do povo", com ajuda dos quais as mercadorias deveriam ser trocadas por ‘‘crédit
gratuit’’, acabaria também, inevitavelmente, num desastre prático.
A frágil utopia de que o dinheiro não seja mais dinheiro sempre deduz os males e
catástrofes do modo de produção capitalista não do fim tautológico do trabalho abstrato,
mas somente do fim tautológico do dinheiro, embora um seja inevitavelmente o reverso
do outro. Não é a racionalidade baseada na economia empresarial, com os seus
potenciais destrutivos, que se toma objeto de crítica, mas somente a suposta deficiência
da justiça distributiva e da justiça da troca, nos planos da distribuição e da circulação.
Com a continua produção capitalista e a racionalidade econômico-empresarial, seriam
abolidos os modos capitalistas da distribuição e da circulação. Dessa forma, não é o
capital real ou o capital produtivo da indústria, do agrobusiness e dos serviços que se
manifesta como "capitalismo", mas única e exclusivamente o capital especulativo
(zinstragendes Kapital) da superestrutura financeira, concentrado no sistema bancário.
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provenha da subjetividade do proprietário do dinheiro), mas, antes, decorra da
necessidade que um sistema produtor de mercadorias tem de ser representado e mediado
por um equivalente geral.
Os descendentes programáticos de Proudhon não ousaram mais patinar no gelo fino dos
conceitos da economia política, no sentido estrito do termo. Eles preferiram, fiéis a sua
mentalidade de construtores da pátria e engenheiros sociais, fundamentar apenas
"tecnicamente", de maneira pseudofísica, o poder peculiar do dinheiro em oposição ao
trabalho e à mercadoria. Na argumentação de Silvio Gesell, o dinheiro, ao contrário das
mercadorias não se deteriora nem consome tanto como os gastos com a subsistência da
força de trabalho; ele não acarreta, portanto, nenhum "custo de manutenção" ou de
estocagem. (Silvio Gesell, Die natürliche Wirtschaftsordnung,, 6ª. ed., Berlim. 1924. p.
317 ss.). O neogeselliano Helmut Creutz, indicado como candidato a um "Prêmio Nobel
alternativo", também vê nisto o problema fundamental: "Imaginemos que as portas de
um cofre com dez mil marcos fique fechado por 14 dias, depois que as portas de um
mercado, com mercadorias no valor de dez mil marcos, e as portas de uma sala, onde
cinco pessoas cuja renda é normalmente de dez mil marcos em 14 dias, também fiquem
fechadas. Após 14 dias, abrimos as portas: é bem provável que as cinco pessoas que
ocupavam a sala estejam mortas, que as mercadorias do mercado estejam em grande
parte estragadas, mas as cédulas do cofre estarão tão novas quanto antes (Helmut
Creutz, Das Geld-Syndrom, Frankfurt/M. e Berlim, 1994, p. 32).
Rudolf Steiner e, sobretudo, Silvio Gesell - sendo este último quem mais amplamente
desenvolveu todo esse princípio -, propõem como remédio uma típica panacéia, que
Marx, ao tratar de Proudhon e dos ricardianos de esquerda, utopistas do trabalho, já
designara, de maneira bem direta, como "trabalho sujo do dinheiro". Steiner e Gesell, no
entanto, não queriam mais queimar os dedos nos "bancos de troca" de Proudhon, mas
iludir a lógica do dinheiro por meio de um truque administrativo, à maneira de Daniel
Düsentrieb. O dinheiro até agora utilizado deveria ser substituído por um ‘dinheiro
alternativo" (Steiner) ou "notas bancárias enferrujáveis" (Gesell). O que seria e como se
pode distinguir esse dinheiro da inflação habitual?
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monetária"). Elas só guardariam seu valor nominal quando nelas se apusesse,
periodicamente, um selo de valor respectivo ou fossem carimbadas contra o pagamento
de uma taxa. Por meio dessas medidas, o dinheiro deveria, no futuro, sujeitar-se a
determinados "custos de manutenção", fazendo com que o proprietário do dinheiro
perdesse suas vantagens diante dos proprietários de mercadorias e da força de trabalho.
Em contrapartida, todo dinheiro depositado a longo prazo como poupança no sistema
bancário, e que servisse de base para créditos lucrativos, deveria ser automaticamente
poupado dessa "ferrugem" ou dessa "redução" do meio circulante. Assim sendo, Gesell
acredita derrubar três coelhos de uma só cajadada. Primeiro, a economia seria
fomentada, porque não haveria mais estímulo para reter dinheiro ou para que este
rendesse juros: cada um se empenharia em gastar na economia real, para evitar as taxas
dos "custos de manutenção" administrativos. Segundo, embora os juros desapareçam
sem deixar substituto, haveria um estimulo real à poupança, uma vez que o dinheiro
depositado seria excluído da "redução" administrativa das notas em circulação e dos
saldos líquidos. E, terceiro, finalmente, a economia poderia preservar sua completa
estabilidade, pois a medida de preço para a força de trabalho e para o crédito tornar-se-
ia invariável. O mal do capital especulativo desapareceria, o dinheiro perderia a sua
vantagem em relação às outras mercadorias e poderia, apesar disso, preencher suas
funções necessárias. Estariam, assim, lançados os fundamentos para a prosperidade e a
estabilidade.
[...]
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produto lógico e histórico desse ofuscamento. Nesse ambiente surgiu o vinculo entre
"judeu" e "dinheiro", por intermédio de uma perfídia específica da Idade Média cristã,
que solucionou a contradição entre a condenação dos juros e a necessidade de crédito
das relações monetárias atribuindo aos judeus a função de usurários.
Que justamente os judeus tenham sido onerados com essa função deve-se sobretudo a
motivos externos - históricos e religiosos. Mas, estruturalmente, trata-se da lógica
interna da função de bode expiatório, que deriva da cisão do sujeito-mercadoria. Dessa
esquizofrenia estrutural resulta a pressão para projetar para fora, em um "ser estranho",
aspectos "ruins", sinistros, abstratos da relação mercadoria-dinheiro. A auto-alienação
interna do sujeito-mercadoria aparece, ela própria, como imagem do inimigo externo,
podendo assim, mesmo em sua forma embrionária, manifestar-se no seio da alma-
mercadoria cindida. Tal mecanismo clássico de projeção impregnou-se profundamente,
no curso de mais de mil anos, na sociedade ocidental e em sua consciência.
Neste ponto, como foi frequentemente observado, é até mesmo possível haver um "anti-
semitismo sem judeus" (Cf. Jürgen Elsässer, Antisemitismus-- das alte Gesicht des
neuen Deutschland, Berlim, 1992, p. 55 ss.). Como se trata de um antagonismo nascido
no próprio interior do sujeito-mercadoria - antagonismo este que se projeta para fora -,
sua verdadeira essência permanece intocada. "Judeu" torna-se uma cifra fantástica e
homicida para o ódio que sentem por si mesmas as pessoas "que ganham dinheiro", as
quais querem se "libertar" de sua própria esquizofrenia estrutural, sem porém tocar ou
suprimir o modo de produção capitalista ou a si próprios como sujeitos-mercadoria. Na
medida que o termo "judeu" é usado conto sinônimo do lado abstrato, negativo, do
sistema produtor de mercadorias e essa projeção da vulgaridade econômica é
identificada com o capital especulativo, não é necessário, em princípio, que existam
judeus verdadeiros para desencadear o reflexo anti-semita. O fantasma dessa psicose
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coletiva é onipresente, e no pogrom ele se "materializa" nas comunidades judaicas como
vítimas e bodes expiatórios; entretanto, grupos de esquerda, políticos liberais, escritores
críticos da sociedade, artistas modernos, estrangeiros, outras minorias religiosas etc.
podem também, caso necessário, ser definidos como "judeus" pela consciência psicótica
daqueles que insuflam pogroms.
Silvio Gesell, por sua vez, aparentemente não proclamou um aberto anti-semitismo,
embora também afirmasse que "os judeus ocupavam-se com gosto das transações
financeiras" (Silvio Gesell, apud Klaus Schmitt, "Geldanarchie und
Anarchofeminismus", in: Silvio Gesell. "Marx" der Anarchist?, Berlim, 1989, p. 197).
Todavia, quando ele se volta contra a "difamação dos judeus" como uma "injustiça
colossal", ele o faz a partir do argumento puramente econômico de que a identidade
entre o "cobrador de juros" e o "judeu" é simplesmente acidental. Esse recurso ao plano
da lógica econômica (redutora) desconsidera tanto a correlação histórica como o
problema estrutural de uma projeção do antagonismo interno do sujeito-mercadoria, que
se realiza sobre um "estrangeiro" externo, justamente porque o próprio Gesell afirma em
seus princípios o sujeito-mercadoria. Assim, ele é e continua sendo, por força da
matéria, um "economista político do anti-semitismo", ainda quando confessa, de modo
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subjetivo, que os judeus têm o direito de desfrutar dos "privilégios de proprietários do
dinheiro", enquanto este não for neutralizado pela panacéia geselliana.
Os neogesellianos atuais passam por cima dessa ideologia absurda da "higiene racial" de
seu mestre de maneira envergonhada, como se se tratasse apenas de uma questão
externa da concepção econômica, ou então vão a ponto de querer recuperar para a
ideologia da raça biológica seus aspectos positivos nos dias de hoje. Günther Bartsch e
Klaus Schmitt, por exemplo, atrevem-se a vender as considerações de seu mestre a
respeito da raça humana como o todo especialíssimo "feminismo fisiocrata". É certo que
aspectos biologistas também se encontram, ocasionalmente, no feminismo atual, mas aí
eles não se prendem à idéia de "seleção" biológica como no neogeselliano Bartsch, que
gostaria também de exumar esse tema de horror: "Uma eugenia fisiocrata, fundada na
livre escolha amorosa e na livre competição, deixará [...] de lado as causas da
degeneração (!). [...] Gesell queria abrir caminho para a seleção natural(!). Não no
plano físico, mas como um estímulo a conquistas (!) cada vez melhores e maiores, que
elevem os capazes (!) e favoreçam sua reprodução mais vigorosa (!) [...]" (Bartsch, op.
cit., p. 16).
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Isto também vale, infelizmente, para o marxismo e os partidos operários. O fato de,
neles, as referências serem menos numerosas do que em Silvio Gesell ou nos
antropósofos (como nos escritos de Karl Kautsky, na consciência de massas do antigo
movimento operário ou no contexto ideológico do stalinismo) não é tomado por
neogesellianos do calibre de Schmitt e Bartsch como uma oportunidade de fazer uma
crítica de época tão radical quanto abrangente, que não pouparia nem sequer seus
"próprios" precursores teóricos, mas exatamente como justificativa não só para
desculpar tais idéias bárbaras da "teoria social" geselliana, mas também para retomá-las
descaradamente e propagá-las no final do século XX.
Mais importante que a correlação das idéias históricas é a pergunta sobre qual valor
ainda podem ter as idéias biologistas sobre raça humana e "seleção" na economia
política do anti-semitismo. A imaginação desvairada das pessoas "que ganham
dinheiro" no mercado reproduz essas ideologias meio esquecidas da primeira metade do
século na nova situação de crise desse final de século e tenta reformulá-las no mais alto
nível de abstração possível. Num mundo mais "individualizado" do que nunca na
história da modernização, no qual vivem milhões de singles e onde cada uma dessas
mônadas monetárias está exposta à concorrência total e globalizada, não surge apenas
uma mistura explosiva entre o antigo egoísmo exacerbado e anárquico do individualista
Max Stirner (1806-1856), a quem os gesellianos fazem referência, e todas as ideologias
modernas de concorrência e da exclusão: nada mais lógico, também, que esse
pensamento procure armar-se novamente com argumentos pseudobiologistas.
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um feixe de músculos do tipo Rambo ou um "super-homem", um profissional cool ou
um mamífero geneticamente super-dotado em comparação com o "sub-homem
degenerado". O deplorável pega-pra-capar na disputa pela comida escassa na
manjedoura da "ocupação" e da renda monetária é estilizada em batalha divina dos
nobres contra os não-nobres.
Com base nisso, porém, a síndrome ideológica cinde-se mais uma vez de forma
polarizada. Com efeito, a imagem fantasiosa dos "improdutivos" e dos biologicamente
"impuros" é também duplicada como reflexo da cisão própria, sendo experimentada
como oposição polar: ora como "sub-homem", ora como "super-homem negativo" (cf.
sobre isso, baseado na teoria de Moishe Postone, Joachim Bruhn, "Unmensch und
Übermensch, über Rassismus und Antisemitismus", in: Kritik und Krise no. 4/5.
Freiburg, 1991). Tanto os pensionistas do Estado social, fracos concorrentes, como os
poderes do capital especulativo, fortes concorrentes, são economicamente improdutivos
no mercado. Ao traduzir a concorrência econômica e social na língua da concorrência
pseudobiológica, essa diferença aparece novamente como aquela entre o geneticamente
"inferior", de um lado, e o geneticamente "superior", de outro. A essa concepção
corresponde também a diferença entre racismo e anti-semitismo: o racismo qualifica
como "inferiores" os negros, os europeus do leste ou os asiáticos, mas também os
árabes, os europeus mediterrâneos (romanos, "Welsche"1) e até mesmo grupos
populacionais dentro do próprio país. O anti-semitismo, ao contrário, imagina "os
judeus" como o fantasma do poderoso capital financeiro, como uma "conspiração
mundial" de dissimuladas super-inteligências estrangeiras etc. O sujeito-mercadoria,
que compreende a si mesmo como "produtivo", natural da pátria, idêntico a si próprio,
"racialmente puro" e "hereditariamente sadio", perfila-se imaginariamente entre essas
duas formas fantasmagóricas do "outro", a inferior e a superior, ambas igualmente
simples projeções externas de suas próprias contradições internas.
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ideologia anti-semita. A marca geral da época era a ilusão da "primazia da política", que
também foi apropriada pelo regime nacional-socialista (cf. Christina Kruse, Die
Vokswirtschaftslehre im Nationalsozialismus, Freihurg, 1988).
Porém a utopia monetária da economia vulgar só podia ser, mesmo assim, um pretexto e
um disfarce para o desvario da projeção, que integra a lógica da mercadoria. O nacional-
socialismo fez o possível para preservar essa projeção, atuando de ambos os lados de
seu mecanismo. Tanto os grupos definidos, de maneira racial e sociodarwinista, como
"inferiores" (eslavos, homossexuais, ciganos, deficientes físicos etc.) assim como os
judeus, definidos de maneira anti-semita como negativamente ‘‘superiores", foram
levados para os campos de extermínio: "O sujeito de valor pleno tem de enfrentar-se
com os inferiores e os superiores" (Joahim Bruhn, op. cii., p. 19). O filisteu de uniforme
preto, que se imaginava como sujeito-trabalho ou como sujeito-mercadoria
geneticamente "saudável", queria eliminar os dois lados do "estrangeiro" em seu próprio
ser, enviando "o outro" para a câmara de gás.
Mas é justamente para isso que se prestaria, de uma forma todo especial, o
neogesellianismo, servindo a uma nova formação ideológica correspondente. Em muitos
aspectos, a concepção geselliana mostra-se talhada para focalizar de novo, no fim do
século XX, a antiga ideologia homicida e exclusivista. De fato, essa concepção contém
todos os elementos essenciais da economia política do anti-semitismo, mas em outras
dosagens e em outras constelações que não as da ideologia nacional-socialista. É
exatamente isso, porém, que faz com que o neogesellianismo possa ser, potencialmente,
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um promotor de um novo surto esquizofrênico no sujeito-mercadoria, já incapaz de
suportar a sua normalidade estúpida.
Justamente porque Silvio Gesell e sua tendência liberal em economia não foram, no
passado, absorvidos na organização do nacional-socialismo, os seus seguidores
ideológicos hoje podem voltar a falar, sem preocupações, de idéias análogas. E
justamente pelo fato de limitarem essa ideologia à sua manifestação econômica, isto é, à
crítica econômica vulgar do capital especulativo, eles são capazes de agir como abre-
alas para a economia política do anti-semitismo, sob uma forma histórica renovada. O
anti-semitismo aberto não se fará esperar, e, no frigir dos ovos, é indiferente se o
pogrom anti-semita é perpetrado na crise monetária pelos próprios neogesellianos ou
por bandos vinculados à respectiva ideologia econômica ,sem mais negar, com pudor, a
conseqüência anti-semita.
[...]
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Após o período das grandes catástrofes da primeira metade do século, cujos presságios
intelectuais foram as idéias paranóicas de salvação, os modos de vida extravagantes e as
seitas da crise, o curto verão siberiano do "milagre econômico" fordista aparentemente
extinguira, nas poucas décadas posteriores às guerras, o fantasma do anti-semitismo ou
mesmo a lembrança de sua gênese ideológica. Entretanto, a estrutura ideológica da
economia política desse anti-semitismo oculta-se na própria forma-mercadoria social e,
como resultado, no "inconsciente coletivo", no qual ela pode surgir em configurações
modificadas.
A breve época histórica da prosperidade produziu, de uma forma por assim dizer
vergonhosamente mecânica, até mesmo na crítica social marxista, a ilusão monstruosa
de que o sistema produtor de mercadorias passara pelo pior, restando agora apenas
eliminar gradual mente, pelo trabalho de organização e desenvolvimento, os vestígios
dos tempos de catástrofe. Absurdamente, essa cômoda noção democrática persiste até
hoje (inclusive reforçada pelo colapso do socialismo de Estado), apesar de a
prosperidade econômica do mercado terse há muito desvanecido. Cegas aos surtos reais
de crise, a absurda palavra de ordem das pessoas, no âmbito da esquadrilha reformista
habermasiana, é, com maior razão, "civilizar o capitalismo até desfigurá-lo" (Helmut
Dubiel). O que aconteceu, na verdade, foi o inverso: a própria crítica radical da
sociedade há muito foi desfigurada e emporcalhou-se democraticamente, em vez de
renovar-se à força de "superar" a si mesma (durch "Aufhebung").
É preciso levar em conta que, desde 1968, a oposição radical da Nova Esquerda (Neue
linke), bem como o ulterior movimento alternativo dos verdes experimentaram sua
socialização política ainda nos desdobramentos da época de prosperidade e sempre
desfrutaram, tacitamente, da posição privilegiada do mercado ocidental, especialmente
na Alemanha Ocidental, Seus conceitos, suas idéias, soluções e exigências sempre
tiveram, de certa maneira, uma "economia de mercado bem-sucedida" como seu surdo
pano de fundo, mesmo quando se ocupavam com teorias da crise. Desde o início,
entretanto, não era de bom-tom, em todas as facções, falar em "teoria do colapso", que
passou a ser vista como um tabu, embora esse objeto de horror existisse quase só em
forma quimérica e nunca tivesse sido sistematicamente elaborado, Nesse recalque da
possibilidade de o sistema produtor de mercadorias submeter-se a uma catastrófica e
absoluta finitude histórica talvez estivesse decidido, de antemão, que a Nova Esquerda
não atravessaria o rubicão da crítica radical, da mesma forma que ocorrera com a velha
esquerda.
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do Partido Verde, bem como o restante do antigo radicalismo de esquerda, buscam
refúgio nos mesmos critérios equivocados da razão e da revolução burguesas (uns, com
base na atual democracia de mercado; outros, por meio de uma infusão diluída da
variante das lutas de classes do antigo marxismo, dentro das mesmas formas mercantis
do pensamento iluminista); por outro lado, a oposição a esse tipo de recalque da crise
recai num crescente irracionalismo, que não é a superação da racionalidade burguesa,
mas somente seu reverso, como ela se mostrou desde o princípio, revelando sempre (a
começar com Johann Georg Hamann, no século XVIII) as falhas da razão mercantil e
conduzindo, ao mesmo tempo, nas crises de ruptura, a modelos bárbaros de pensamento
e ação. Essa alternativa errada e funesta ressurge hoje na nova grande crise do sistema
produtor de mercadorias.
Desse meio desenvolveu-se, com crescente nitidez das restrições sociais, uma
"atmosfera" que vinha ao encontro das ideologias irracionais de crise, nas quais a crise
real da socialização sob a forma-mercadoria era reelaborada numa forma
fantasmagoricamente distorcida. Em vez de uma análise, de uma crítica ou de uma
superação do sistema produtor de mercadorias, surgiu a tentativa de afirmar-se por
meios irracionais e fantásticos no interior da própria concorrência. As técnicas
mediadoras, as formas de comportamento, as "regras de vida" etc., manifestam-se,
então, como atributos individuais; como processo ideológico coletivo, ao contrário,
surgem a discriminação que brota de órgãos sectários ou até mesmo o extermínio "dos
outros’. O ponto de partida para isso é, uma vez mais, a crescente "naturalização" do
social, da forma como ela se evidenciou, nesse meio tempo, como ampla corrente
ideológica. A propaganda de uma "ordem natural" já se ocultava nos primeiros esboços
de um conceito abstrato da natureza, que nos anos 80 começou a herdar o conceito
sociológico das relações sociais. Era sintomático, por exemplo, que a editora Fischer
desse inicio à série "Teoria e história do movimento trabalhista" e, paralelamente à
"alternativa Fischer’, fosse lançada uma grande série "Antroposofia", mesclada a títulos
significativos como "Guia do dinheiro" e "Guia da especulação" — uma clara reação à
mudança das necessidades do público. O fim do marxismo do antigo movimento
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operário e os seus revivals na Nova Esquerda certamente estavam na ordem do dia,
porém não produziram uma superação crítica; em vez disso, somente exumou-se um
outro cadáver ideológico da história de ascensão do sistema produtor de mercadorias, o
do irracionalismo e do conceito abstrato de natureza, enquanto se recorria, ao mesmo
tempo, às "benesses do mercado" oferecidas. O sociologismo redutor e subjetivista do
batido paradigma da "luta de classes", coerente à forma-rnercadoria, não foi substituído
por um nível mais elevado de reflexão, mas por um retrocesso aquém do sociologismo.
A substituição do conceito crítico de sociedade pelo conceito de natureza não está muito
longe da naturalização do social, da "ordem econômica natural". Ao revival da
antroposofia seguiu-se o revival de Silvio Gesell e a ramificação desse patrimônio
ideológico nas correntes autônomas e de esquerda. E nesse estranho "retomo à esfera
económica", cada princípio radical e emancipatório é extirpado; torna-se clara a careta
sociodarwinista e anti-semita de uma crítica social perdida, distorcida. A própria Nova
Esquerda, que se mostrou incapaz de transformar o marxismo, converteu-se em duas
décadas num catalisador para a nova economia política do anti-semitismo, que começa a
tornar-se socialmente autônoma como as velhas "inovações" da esquerda e de seus
diversos "meios".
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Hoje, nesses círculos, ainda se vota no Partido Socialista Alemão (PDS), o que
tampouco deixa de ser ambíguo, nessa mistura de ambiente de cervejaria, ideologia do
trabalho, geografia pátria e ódio ao "vilão" Capital, cujo aspecto não dispensa o nariz
adunco. Quanto ainda falta para sucumbir à paranóia? E o micélio da economia política
do anti-semitismo tem um chão fértil para crescer ainda mais. Uma parte considerável
do cenário cultural alternativo depende das injeções de créditos estatais, a exemplo dos
"espaços alternativos" comunais, e esses fundos são cortados até mesmo pelos
parlamentares da facção "Realos" do Partido Verde. A reação a isso não é
necessariamente emancipatória, e pode descambar no gesellianismo e em suas
conseqüências sociodarwinistas.
Sem dúvida, esses reduzidos meios sociais têm pouca importância, ainda que as suas
mutações ideológicas surtam efeito social. A reprodução no âmbito dos movimentos de
esquerda, cuja dinâmica é classicamente pequeno-burguesa e restrita a profissionais
liberais (mas que não exclui, também, os "biscates" ou "bicos"), compõe na área social,
porém, o espectro infinitamente maior da nova classe média dos setores de serviços do
Estado (professores, assistentes sociais etc.), que sofrem uma brutal redução com a crise
do crédito estatal, a exemplo dos projetos alternativos; como resultado, aumenta
também a possibilidade de ingresso no âmbito da economia política do anti-semitismo.
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aburguesamento de toda a sociedade - processo este pós-moderno, não mais preso à
pequena propriedade, mas à estrutura nuclear do sujeito-mercadoria -, que caminha para
o seu ponto de culminância histórico e para a crise da forma-mercadoria totalizada.
Tanto o interesse particular pela catástrofe de segmentos sociais isolados quanto o
processo como um todo de atomização social podem servir de gancho para uma variante
modernizada da economia política do anti-semitismo. E é bom contar com isso. Já se
tornou patente que não existe forma de ocupação absurda o bastante a que os acuados
sujeitos-mercadoria não se possam entregar desenfreadamente.
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