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Religião e transtornos mentais na


perspectiva de profissionais de saúde,
pacientes psiquiátricos e seus familiares
Religion and mental disorders in the perspective of health
professionals, psychiatric patients and their families

Amanda Márcia dos Santos Reinaldo1, Raquel Lana Fernandes dos Santos2

RESUMO O objetivo do estudo foi compreender as percepções de profissionais de saúde, pa-


cientes e seus familiares com relação à religião e aos transtornos psiquiátricos. Estudo etno-
gráfico. Para análise, foi utilizada a análise de conteúdo. Categorias identificadas: 1. Vivência
religiosa/espiritualidade como fator que fortalece o indivíduo no enfrentamento da doença;
2. Vivência religiosa/espiritualidade como fator que dificulta o tratamento; 3. Dificuldades
do profissional de lidar com a vivência religiosa/espiritualidade de pacientes e familiares. É
necessário reconhecer a necessidade de uma abordagem cultural do tema. Muitas perguntas
se mantêm sem respostas e desafiam os estudiosos da área.

PALAVRAS-CHAVE Religião. Saúde mental. Espiritualidade. Psiquiatria. Transtornos mentais.

ABSTRACT The aim of the study was to understand the perceptions of health professionals, pa-
tients and their families with regard to religion and psychiatric disorders. It is an ethnographic
study. For analysis, it was used the content analysis. Categories identified: 1. Religious/spiritua-
lity experience as a factor that strengthens the individual in the confrontation of the disease; 2.
Religious/spirituality experience as a factor that complicates the treatment; 3. Difficulties en-
countered by the professional in dealing with the religious/spirituality experience of patients and
family members. It is necessary to recognize the need for a cultural approach to the topic. Many
questions remain unanswered and challenge researchers in the field.

KEYWORDS Religion. Mental health. Spirituality. Psychiatry. Mental disorders.


1 Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG),
Escola de Enfermagem,
Departamento de
Enfermagem Aplicada
– Belo Horizonte (MG),
Brasil.
amandamsreinaldo@gmail.
com

2 Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG),
Escola de Enfermagem
– Belo Horizonte (MG),
Brasil.
quel.lana@hotmail.com

Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 40, n. 110, p. 162-171, JUL-SET 2016 DOI: 10.1590/0103-1104201611012
Religião e transtornos mentais na perspectiva de profissionais de saúde, pacientes psiquiátricos e seus familiares 163

Introdução espiritualidade, visto que os demais concei-


tos envolvidos são mais tangíveis e estão pró-
A relação entre religião, religiosidade, espi- ximos do universo da profissão (RUDOLFSSON;
ritualidade e saúde/doença mental tem sido BERGGREN; SILVA, 2014; GARCIA; KOENIG, 2013).
um assunto de interesse nas ciências sociais, O objetivo do estudo foi compreender a
comportamentais e de saúde. percepção de profissionais de saúde, líderes
A experiência religiosa e suas diferentes religiosos, pacientes e seus familiares com
formas de expressão foram ignoradas por relação à religião, à religiosidade, à espiritu-
muito tempo na abordagem ao paciente alidade e aos transtornos psiquiátricos.
psiquiátrico, e, em contrapartida, algumas
religiões desencorajavam ou proibiam seus
seguidores de procurar tratamento quando Métodos
do adoecimento mental (ALVES et al., 2010).
Para a psiquiatria, a espiritualidade, a Trata-se de um estudo etnográfico que tem
religião, a religiosidade e suas manifesta- como objetivo a compreensão do compor-
ções estiveram, historicamente, associadas tamento humano inserido em seu contexto
a atitudes negativas que comprometiam a cultural. A etnografia é um trabalho descri-
evolução do quadro clínico e influenciavam tivo da cultura de um povo ou de um grupo,
na produção de sintomas (PARGAMENT; LOMAX, e a cultura caracteriza o modo de vida desse
2013). São temas que estão integrados na grupo, incluindo o modo como seus integran-
rotina psiquiátrica, sendo essa uma evidên- tes resolvem seus problemas, comunicam-
cia científica, apesar da controvérsia que o -se, interagem, comem, vestem-se, quais são
tema traz para a área (KING et al., 2013; ALMEIDA; suas tradições, crenças e costumes. Engloba,
KOENIG; LUCCHETTI, 2014). Pesquisas apontam que também, a compreensão de suas ações e seus
o envolvimento religioso está relacionado sentimentos diante das adversidades. Todos
a melhores resultados na recuperação de os grupos apresentam um modo constan-
doença física e mental, na manutenção da te e complexo de se comportar diante dos
saúde mental, física e da longevidade. Por eventos que lhes rodeiam (JACKSON, 2003).
outro lado, também pode estar associado a Os informantes do estudo etnográfico
resultados negativos – como o fanatismo, as devem ser selecionados de acordo com o
mortificações e o tradicionalismo opressivo grau de envolvimento com o fenômeno de
– e ao uso inadequado dos serviços de saúde interesse do pesquisador. Já o informante-
(PARGAMENT; LOMAX, 2013). -chave é aquele que, além de deter o conhe-
O potencial para os efeitos positivos e cimento sobre o fenômeno, também conhece
negativos está associado ao processo saúde/ as pessoas envolvidas no desenvolvimen-
doença mental, combinado com o envol- to do mesmo e em seus desdobramentos
vimento com as questões religiosas, o que (JACKSON, 2003).
sugere que essa é uma área que demanda in- A coleta das informações foi realiza-
vestigação. Independentemente das relações da no próprio local de trabalho ou de
que se estabelecem, compreende-se que as atuação do sujeito da pesquisa, ou em locais
escolhas e expressões religiosas devem ser pré-definidos entre pesquisador e colabora-
respeitadas quando esse é o desejo do pa- dor. O instrumento de coleta de dados foi um
ciente, em respeito à fé individual (PARGAMENT; roteiro de entrevistas onde os colaboradores
LOMAX, 2013). discorriam sobre o tema de forma livre, por
Para a enfermagem, o desafio está um tempo de 60 a 120 minutos.
em abordar essa temática considerando As entrevistas foram gravadas e, pos-
os conceitos de religião, religiosidade e teriormente, transcritas. A definição dos

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colaboradores, a princípio, foi realizada por em três áreas: 1. Fontes – onde o sistema é
meio da técnica de bola de neve, na qual alimentado com os dados da pesquisa, or-
um indicava o outro, e assim foi composta a ganizados de acordo com a necessidade do
amostra do estudo. Compuseram a amostra investigador; 2. Criação de codificação ou
56 pessoas com diagnóstico de transtorno categorias – interpretativas ou descritivas;
psiquiátrico ou abuso de drogas há mais de e 3. Questionamento – o investigador cria as
3 anos, com ou sem vivência religiosa/espiri- dimensões, os indicadores ou as categorias,
tualidade e que estivessem, no momento da sejam elas interpretativas ou descritivas, que
entrevista, fora da crise e em tratamento; 35 serão analisadas de acordo com modelos de
profissionais de saúde (médicos, enfermei- análise previamente elaborados para cada
ros, assistentes sociais e psicólogos) que de- uma delas (COSTA; LINHARES; SOUZA, 2012).
senvolviam, à época da coleta, atendimento a Neste estudo, foram utilizados os se-
pacientes psiquiátricos de forma direta, com guintes conceitos: Espiritualidade: algo que
ou sem algum tipo de vivência religiosa; 46 transcende o humano, como valores morais
familiares dos pacientes colaboradores do e de saúde ligados ao sobrenatural e à reli-
estudo, com ou sem vivência religiosa/espi- gião, e que está além da religião. Inclui a
ritualidade, e que convivessem diretamente busca do autoconhecimento para transcen-
com eles; e 12 líderes religiosos (pastores, der, implica fé e devoção (GARCIA; KOENIG, 2013);
padres, trabalhadores de centros espíritas, Religião: “é um sistema comum de crenças
trabalhadores de terreiros de umbanda) e práticas relativas a seres sobre humanos
que conheciam e conviviam com usuários dentro de universos históricos e culturais
da saúde mental e seus familiares há, no específicos”; Religiosidade: “é o grau em que
mínimo, um ano. um indivíduo acredita, segue, e/ou pratica
A amostra dos estudos etnográficos é uma religião” (BEHERE, 2013, p. 192); Saúde mental:
formada por um recorte da realidade, onde
podemos observar eventos, atividades, in- o bem-estar subjetivo, a auto eficácia perce-
formações, documentos, em diferentes bida, a autonomia, a competência, a depen-
momentos, por isso a coleta de dados foi rea- dência Inter geracional e a auto realização do
lizada em mais de um momento e, em alguns potencial intelectual e emocional da pessoa
casos, em diferentes cenários (casa espírita, [...] é algo mais do que a ausência de trans-
igreja, residência do colaborador, centro de tornos mentais. (OMS, 2001, p. 4);
umbanda, consultório do profissional en-
trevistado, serviços de saúde) (GERMAIN, 1993). Transtornos mentais:
Todos os entrevistados assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, e a pes- condições clinicamente significativas carac-
quisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em terizadas por alterações do modo de pensar
Pesquisa da instituição de origem do pesqui- e do humor (emoções) ou por comportamen-
sador principal (nº 31574814.6.0000.5149). tos associados com angústia pessoal e/ou
Os dados foram avaliados por meio da deterioração do funcionamento sustentadas
análise de conteúdo que compreende: 1. A ou recorrentes e que resultem em certa de-
pré-análise; 2. A exploração do material; terioração ou perturbação do funcionamento
e, por fim, 3. O tratamento dos resultados pessoal em uma ou mais esferas da vida. (OMS,
(BARDIM, 2009). Os dados foram tabulados com 2001, p. 18).
o uso do software de análise de textos, vídeos,
áudios e imagens Web Qualitative Data Para fins da apresentação dos resulta-
Analysis (WebQDA). O sistema é organizado dos, foram agrupados os termos religião,

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religiosidade e espiritualidade sob a deno- com os processos de adoecimento e trata-


minação vivência religiosa/espiritualidade. mento, tais como a autorregulação, o apego,
As categorias identificadas foram: 1. A vivên- o conforto emocional, o significado e a espi-
cia religiosa/espiritualidade como fator que ritualidade. Foi observado que os indivíduos
fortalece o indivíduo no enfrentamento da do estudo puderam autorregular seus sinto-
doença; 2. A vivência religiosa/espirituali- mas quando se sentiam seguros e amparados
dade como fator que dificulta o tratamento; por um ser divino e apresentavam menos
3. Dificuldade do profissional de abordar e sintomas negativos, melhor funcionamento
lidar com a vivência religiosa/espiritualida- social e, consequentemente, melhor quali-
de com pacientes e familiares. dade de vida. A religião pode ser utilizada
como recurso de apoio para o indivíduo pelo
sentimento de pertença ao grupo religioso, e
Resultados e discussão o contrário também se dá quando esse é visto
como alguém possuído por alguma entidade
do mal – daí advém o sentimento de isola-
Vivência religiosa/espiritualidade mento e a busca de apoio e conforto espiritu-
como fator que fortalece o indivíduo al em Deus (PARGAMENT; LOMAX, 2013).
no enfrentamento da doença O fato de frequentar um espaço religioso
também foi visto pelos entrevistados como
As pessoas com transtornos mentais entre- fator protetor para o desencadeamento da
vistadas identificaram que a vivência reli- crise. Os usuários da saúde mental aponta-
giosa/espiritualidade traz um alento para ram que a relação com os líderes religiosos
a vida quando associada ao apoio da rede tem papel fundamental no momento de
social que se estabelece nas agências reli- avaliar se estão ou não ‘entrando’ em crise. É
giosas frequentadas por esses indivíduos. a eles que essas pessoas se reportam em pri-
Para eles, o fato de não serem vistos como meiro plano quando identificam que há algo
diferentes ou tratados como pessoas doentes de errado com seus pensamentos ou ações
também ajuda na lida diária com os sintomas do dia a dia. Em geral, esses líderes indicam
da doença. A vivência religiosa/espirituali- que um serviço de apoio em saúde seja pro-
dade foi identificada como uma ferramenta curado o mais rápido possível e, em alguns
de enfrentamento às dificuldades do dia a casos, correntes de oração, trabalhos espiri-
dia impostas pelas limitações acarretadas tuais e novenas em sua intenção para ajudar
por delírios e alucinações, principalmente naquele momento de dificuldade.
na relação dessas pessoas com familiares e A religião atribui significado à experiên-
amigos. Para os entrevistados, ela traz con- cia de adoecimento. Com relação aos sinto-
forto e esperança de dias melhores no seu mas, propriamente, estudos apontam que
cotidiano. pacientes com delírios místicos ou religiosos
Em estudo realizado na Suíça com pa- e alucinações auditivas com conteúdo reli-
cientes esquizofrênicos, após três anos do gioso encontraram nos representantes das
diagnóstico, a religião foi compreendida agências religiosas apoio para compreender
como uma forma de enfrentar o adoecimen- e enfrentar as dificuldades impostas pelos
to ou de se manter passivo diante do mesmo. sintomas e formas de manejar situações de
Independentemente da forma como ela foi estresse (PARGAMENT; LOMAX, 2013).
utilizada, os participantes do estudo consi- A religião influencia a saúde mental por
deraram a religião um recurso vital e adapta- meio de comportamentos e estilo de vida
tivo para sua condição de vida e sua relação saudáveis, apoio social, sistemas de crenças,

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estrutura cognitiva, práticas religiosas e ex- pertencerem a um grupo social, não tendo,
pressão saudável do estresse gerado pelo portanto, o apoio desse grupo quando neces-
adoecimento (KIM; HUH; CHAE, 2015). sitam (SMOLAK et al., 2013).
Os profissionais de saúde entrevistados Para os familiares e líderes religiosos
identificaram a religião como um fator que entrevistados, a vivência religiosa/espiri-
contribui para a saúde mental do indivíduo tualidade é importante quando o paciente
quando ela se apresenta como um recurso de consegue separar ‘o que é da doença e o que
reinserção social, um espaço de trocas afeti- não é’; aproxima o paciente da família e do
vas e um local de apoio social. Alguns pro- grupo religioso, protegendo-o de situações
fissionais (15) apontam que pacientes com de risco; proporciona melhor convívio fa-
vivência religiosa/espiritualidade usavam miliar e contribui para que o paciente siga o
menos medicação e tinham melhor qualida- tratamento corretamente.
de de vida do que aqueles que não possuíam Estudo realizado na Coreia do Sul, com 235
um sistema de crenças. pacientes ambulatoriais com transtornos de-
A reforma psiquiátrica brasileira e seus pressivos, ao avaliar o quadro clínico dos pa-
pressupostos, entre eles, a reabilitação psi- cientes associando dados, como estado civil,
cossocial, favorecem essa compreensão por tempo de tratamento e gravidade da doença
parte dos profissionais de saúde. Embora com maior ou menor grau de importância
alguns profissionais se declarassem ateus, a para religião e espiritualidade, a partir da
questão da necessidade de apoio social e a Clinical Global Impression – Improvement
possibilidade de encontrá-lo nos ambientes Scale (CGI-I), observou melhores respos-
religiosos foi identificada nos discursos de tas ao tratamento medicamentoso utilizado
todos os entrevistados. (SMOLAK et al., 2013).
Estudo comparando a cultura norte-ame- Apesar da diversidade religiosa em nosso
ricana e a do Reino Unido afirma que não há País, observa-se que, independentemente da
diferença quando se relaciona prevalência vivência religiosa/espiritualidade dos indiví-
de transtornos mentais entre pessoas reli- duos, há implicações maiores no que tange
giosas ou não, e assinala que a religiosidade/ à questão em estudo. O envolvimento com o
espiritualidade está associada a uma melhor tratamento, com grupos sociais e familiares e
saúde mental. Entre os 7.403 participantes o sentimento de pertença e segurança geram
do estudo, 35% tinham uma compreensão ambientes propícios para melhor qualidade
religiosa da vida, professavam uma religião; de vida dos pacientes e de seus familiares.
19% consideravam ter uma vida espiritual; e
46% não tinham religião ou cultivavam uma Vivência religiosa como fator que
vida espiritual. Entre as pessoas que não dificulta o tratamento
eram religiosas nem tinham uma vida espi-
ritual, 73% já haviam tido alguma experiên- Neste estudo, os pacientes e familiares entre-
cia com drogas na vida, 56% afirmaram que vistados evidenciam que a religião se torna
comiam mal e 95% queixaram-se de ansieda- algo prejudicial quando usuários e familia-
de e fobia ou apresentaram algum transtorno res, em nome da vivência religiosa/espiritu-
neurótico. Também foi observado que esse alidade que professam, negam a necessidade
grupo utilizava mais medicação psicotrópica de tratamento para os transtornos mentais.
quando comparado com os que professavam Compartilham desse pensamento os profis-
alguma religião ou afirmavam ter uma vida sionais de saúde que veem nesse momento
espiritual. A pesquisa aponta que, sem uma a religião como algo que desequilibra os pa-
crença, fé ou interesse religioso, esses indi- cientes e desestabiliza suas relações sociais,
víduos ficam vulneráveis no sentido de não dificultando o tratamento.

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Para as pessoas com transtornos mentais imprescindível compreender a importância


entrevistadas, atividades religiosas que as da família como protagonista no tratamento
expõem publicamente como alguém pos- do sujeito em sofrimento mental. A inclusão
suído por uma entidade do mal ou algo da pessoa com transtorno mental no pla-
correlacionado geram sofrimento e cons- nejamento do que é melhor para a sua vida
trangimento, o que contribui para o isola- responsabiliza e envolve esse sujeito no pro-
mento social. A partir desse momento, eles cesso de tomada de decisões, o que possibi-
identificaram que os sintomas se agravavam lita assumir um papel ativo na condução do
e que, quando essa situação não é rapida- tratamento.
mente resolvida ou amenizada, o quadro Para os líderes religiosos, apesar de iden-
agudo se instala. tificarem que alguns casos de transtornos
Estudo na Inglaterra, com 7.403 pessoas, mentais estão intimamente ligados a ques-
examinou a associação entre a compreensão tões espirituais, portanto, fora da esfera da
espiritual ou religiosa da vida e os sintomas saúde, o tratamento de saúde deve ser rea-
e diagnósticos psiquiátricos. O estudo indica lizado concomitantemente. Não foi identi-
que pessoas com uma compreensão espiritu- ficada nos discursos dos líderes religiosos
al da vida tiveram melhor saúde mental do proscrição ao tratamento conduzido pelos
que aquelas que não adotavam uma vida nem profissionais de saúde.
religiosa nem espiritual (AGORASTOS; DEMIRALAY; Revisão realizada a partir de 43 publica-
HUBER, 2014). ções entre os anos 2000 e 2010 sobre apoio
Os familiares não religiosos que co- social e religião aponta que curandeiros,
laboraram com a pesquisa apontam que clérigos, profissionais de saúde mental,
seus membros portadores de transtornos membros da família, parentes, cuidado-
mentais, quando apresentam envolvimento res primários e pessoas em geral atribuem
ativo em atividades de cunho religioso, que como fatores causais para a esquizofrenia:
se caracterizam como fanatismo, em geral, 1) Feitiçaria (incluindo magia negra, maldi-
têm crises mais frequentes, com manifesta- ções, olho mau, enfeitiçamento); 2) Punição
ções e discursos de cunho religioso. Isso é de Deus (incluindo ira divina, vontade de
percebido como prejudicial para as relações Deus); 3) Posse (incluindo intrusão de espí-
familiares, pois eles atribuem o adoecimento rito e exorcismo); 4) Espíritos malignos; 5)
ao não envolvimento da família com vivência Cósmica (incluindo o destino/predestina-
religiosa/espiritualidade. ção, horóscopo desfavorável, o mal feito na
Os profissionais citam que em alguns vida anterior, desequilíbrio de yin e yang e
momentos os pacientes atribuem a piora do influências planetárias); 6) Falta de fé ou fé
quadro clínico a causas externas, de cunho equivocada; 7) Antepassados (comunicação
espiritual, e que nesses casos eles não se res- e antepassados irritados); e 8) Fator não
ponsabilizam pelo tratamento, aguardando especificado (entrevistado declarou que as
uma solução divina. Quando há compre- atribuições de causalidade foram de ordem
ensão da família de que a vivência religiosa sobrenatural). O estudo também aponta que
do paciente está interferindo no tratamen- a religião tem papel fundamental no manejo
to, inicia-se um conflito onde o ponto mais da esquizofrenia quando se considera o apoio
vulnerável é o paciente, que assume posição social, sentimento de pertença a um grupo,
central entre o que defende o líder religioso fé, crença em uma força superior que pode
e o que pensa a família. salvar o indivíduo do mal que o acomete. É
A família nesse momento deve ser aciona- importante citar que, apesar dessa compre-
da com o paciente para que estratégias sejam ensão, 5 dos estudos apontam a necessidade
oportunizadas na resolução do conflito. É de buscar ajuda junto aos profissionais da

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saúde no que se refere à doença e à tomada de Durante parte do século XX, profissio-
medicação, independentemente da crença; e nais de saúde mental negavam os aspectos
10 estudos salientaram que uma abordagem religiosos da vida humana e consideravam
não invalida a outra (LEDFORD et al., 2015). tal dimensão como um aspecto patológico
Toda vivência religiosa/espiritualida- da doença. No entanto, estudos epidemio-
de tem seu sistema de crenças, por isso, é lógicos realizados nas últimas décadas têm
importante conhecê-lo para identificar se mostrado que a religiosidade continua a ser
interfere de forma positiva ou não no trata- um aspecto importante da vida humana e
mento das pessoas com transtornos psiqui- que, geralmente, tem uma associação positi-
átricos e para intervir, se necessário. Diante va com boa saúde mental (KIM; HUH; CHAE, 2014).
da inserção do usuário da saúde mental em Três profissionais relataram casos em
diferentes cenários, que não apenas na rede que, ao abordarem a questão da vivência re-
de atenção de cuidados, é importante ouvir o ligiosa/espiritualidade, verificaram que os
que pensam a família e os líderes religiosos pacientes modificaram a relação com o tra-
a respeito do tema, considerando-os como tamento. Nesses casos, além do tratamento
parceiros importantes na rede social de convencional, os pacientes realizaram tra-
apoio do paciente. tamentos espirituais, com melhora geral do
quadro clínico. Os profissionais declararam
Dificuldades do profissional para que, de forma geral, desconhecem o tema,
abordar e lidar com a vivência religio- mas que, entre eles, às vezes, o tema surge
sa/espiritualidade com pacientes e em conversas informais sobre casos interes-
familiares santes em que pacientes, após tratamentos
espirituais, não tiveram mais crises.
Para os profissionais de saúde entrevistados, Um profissional relatou que, após o trata-
abordar o tema da vivência religiosa/espiri- mento espiritual de um paciente que acom-
tualidade com seus pacientes foi identifica- panhava há muitos anos, percebeu que o
do como um problema quando eles têm que conteúdo dos seus delírios e das alucinações
lidar com os desdobramentos dessa aborda- passou a ter um cunho religioso. Esse profis-
gem. Alguns profissionais (26) relataram que sional avaliou que, nesse caso, a relação com
não abordam o tema por achá-lo irrelevante. o paciente também se modificou, pois, com o
Por fim, há uma compreensão dos profissio- tempo, o paciente deixou de informar sobre
nais de que a vivência religiosa/espirituali- sintomas dessa natureza por acreditar que
dade é importante para alguns pacientes e essa informação poderia ser usada contra ele.
familiares, mas isso não implica que o pro- Os temas religiosos, comumente encon-
fissional deva se envolver com essa questão. trados em delírios e alucinações associados
A pesquisa sugere que os pacientes têm a transtornos mentais, foram objeto de um
necessidades espirituais que devem ser estudo que buscou estabelecer a frequência
identificadas e tratadas, mas que, em geral, de ocorrência de delírios e alucinações de
profissionais de saúde mental não se sentem cunho religioso e sua inter-relação. O estudo
confortáveis diante do tema. concluiu que são necessários critérios de
Na presença de psicopatologia, a religião pesquisa mais claros para facilitar o estudo
pode contribuir para a produção dos sinto- dessas relações, mas indica que nem sempre
mas. Em outros casos, ela pode integrar o pa- os pacientes se sentem livres para comentar
ciente na sociedade ou motivá-lo a procurar com os psiquiatras seus sintomas religiosos,
tratamento, porém, pode dificultar o trata- com medo de serem mal interpretados e ter
mento, quando proíbe a psicoterapia ou o uso seu tratamento modificado (ALMEIDA; KOENIG;
da medicação (KIM; HUH; CHAE, 2014; COOK, 2015). LUCCHETTI, 2014).

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Religião e transtornos mentais na perspectiva de profissionais de saúde, pacientes psiquiátricos e seus familiares 169

Entre os profissionais de saúde que relata- espiritualidade e religiosidade em pessoas


ram não abordar o tema com seus pacientes e com transtornos mentais, como limites
familiares, nove se declararam ateus e acham éticos, abordagem centrada na pessoa, con-
que a vivência religiosa/espiritualidade não tratransferência, interesse genuíno, respeito
interfere no processo de adoecimento ou no às crenças dos pacientes, valores e experiên-
tratamento. Quando percebem que o pacien- cias (BEHERE, 2013).
te ou familiar quer falar a respeito do tema, Entre os profissionais entrevistados, há
mudam de assunto ou ignoram a informação. uma queixa recorrente com relação à forma-
Estudo desenvolvido para avaliar o grau ção acadêmica, durante a qual esse assunto
de religiosidade e espiritualidade de 99 psi- não é abordado, e não há parâmetros para
quiatras alemães concluiu que quanto mais avaliar se esse envolvimento é benéfico ou
religiosos eram, mais consideravam a reli- não para a relação terapêutica. Para pacien-
gião e a espiritualidade como algo benéfico tes e familiares, o profissional, em geral, não
na compreensão da doença e no tratamento se importa com a questão.
do paciente, articulando tratamento con- As vivências religiosas/espiritualidade
vencional com apoio religioso e espiritual dos pacientes psiquiátricos podem ser um
(LEDFORD et al., 2015). tema negligenciado no momento da consul-
Autores divergem sobre até que ponto o ta. Talvez esse fato esteja ligado à falta de
terapeuta pode se envolver com o pacien- estudos sobre a forma como tais questões
te sem colocar em risco o tratamento. Eles podem ser abordadas na prática psiquiátri-
apontam que, apesar de a oração ser um fator ca. Para alguns autores, é importante que
de conforto e esperança para os pacientes, se pergunte sobre o quanto a fé e a religião
não há consenso se o médico deve manter são importantes na vida dos indivíduos, ca-
uma posição neutra com relação às incli- racterizando, assim, a história espiritual dos
nações, crenças religiosas e espirituais dos mesmos (ALVES et al., 2010; PARGAMENT; LOMAX, 2013).
pacientes sob o risco de violar sua individua- A dificuldade de pesquisar a área e definir
lidade e integridade, ou se ele deve defender limites e relações entre saúde, doença, re-
e incentivar a vivência religiosa/espirituali- ligião, religiosidade e espiritualidade é
dade (ALMEIDA; KOENIG; LUCCHETTI, 2014). multifatorial, pois esses são fenômenos mul-
As pesquisas assinalam que, entre as es- tidimensionais, e nenhum fato pode explicar
pecialidades médicas, os psiquiatras são os completamente suas ações e consequências.
menos religiosos, o que gera tensões entre A combinação de crenças, comportamentos
médicos, pacientes e líderes de comunidades e ambiente promovida pelo envolvimento
religiosas quando há divergências quanto à religioso, provavelmente, age para determi-
compreensão do tema (PARGAMENT; LOMAX, 2013). nar os efeitos sobre a saúde de pessoas re-
Os profissionais de saúde que abordaram ligiosas. No entanto, estudos empíricos têm
a questão (nove) eram pessoas com vivên- tido sucesso limitado quando se propõem
cia religiosa/espiritualidade regular e que mensurar os mecanismos psicossociais en-
consideravam que esse tema deve ser pauta volvidos nessa relação e seus efeitos na pro-
no momento da consulta e no planejamento moção da saúde (BEHERE, 2013).
do projeto terapêutico. Para eles e para os Para os pacientes falarem sobre suas vi-
familiares com vivência religiosa/espiritua- vências religiosas/espiritualidade, depende
lidade, é necessário integrar as abordagens da relação que existe entre eles e o profissio-
física e espiritual em benefício do paciente e nal que os acompanha. Com alguns profis-
da qualidade de vida dessa pessoa. sionais, eles se sentem seguros para explorar
Alguns princípios gerais devem ser a questão, já com outros, têm a impressão
seguidos para avaliar questões como de que não são ouvidos ou que terão sua

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170 REINALDO, A. M. S.; SANTOS, R. L. F.

medicação aumentada. Após relatarem suas é desejo do paciente, respeitando-se a fé in-


experiências, crenças e valores a respeito do dividual de cada um (ALMEIDA; KOENIG; LUCCHETTI,
tema, eles sentem medo de não serem cuida- 2014; GARCIA; KOENIG, 2013).
dos pelos profissionais.
Ao estudar a relação espiritualidade, valores
espirituais e enfermagem, observa-se que a Considerações finais
espiritualidade, quando relacionada aos cui-
dados de enfermagem, pode ser confundida Observa-se que os dados da pesquisa corro-
com cuidado por parte do enfermeiro com o boram a produção científica na área, embora
paciente (GARCIA; KOENIG, 2013). apresentem os limites do contexto cultural
Um profissional relatou que visitou um na qual ela foi desenvolvida. Percebe-se que
serviço fora do País onde se congregavam os discursos dos colaboradores da pesquisa
tratamentos espirituais e convencionais. se entrelaçam em diferentes momentos, ora
Segundo ele, essa visita modificou a sua se aproximando de um consenso com relação
forma de pensar e abordar essa questão, e ao tema, ora se distanciando, e que, mesmo
agora ele discute o tema com os pacientes e quando divergentes, complementam-se.
os incentiva a buscar apoio em suas crenças Os resultados apontam avanços na per-
e valores espirituais. cepção e na compreensão do tema pelos
Crenças espirituais e religiosas são atores envolvidos no estudo. Alguns avanços
comuns em todo o mundo, sendo que pelo e recuos podem ser identificados, entre eles,
menos 90% da população mundial está a necessidade de pesquisas com grupos em
atualmente envolvida em alguma forma de contextos específicos; a criação e a validação
prática religiosa ou espiritual. Há evidên- de instrumentos para mensurar até quando
cias consistentes de que a religiosidade e a as vivências religiosas/espiritualidade
espiritualidade desempenham um papel podem ser benéficas ou não no tratamento
importante em vários aspectos da vida, espe- dos transtornos mentais, já que os existentes
cialmente na saúde mental. foram desenvolvidos e validados em con-
Diante dessa evidência, organizações textos que nem sempre expressam a coleti-
profissionais, como a American College of vidade, e existe a necessidade expressa do
Physicians, a American Medical Association, profissional de saúde de ter um parâmetro
a American Nurses Association e a para avaliar essa interface.
Comissão Conjunta sobre a Acreditação de Destaca-se a necessidade de pesquisar
Organizações de Saúde Americana, reconhe- e discutir como e o que fazer para sensibi-
cem que o cuidado espiritual é um compo- lizar o profissional de saúde sobre o tema e
nente importante dos cuidados de saúde e de como lidar com as tensões entre os atores
que os profissionais de saúde devem integrá- envolvidos quando há divergência entre a
-lo na prática clínica no que se refere à saúde compreensão do mesmo. O estudo, apesar de
mental. Independentemente das relações suas limitações, ouviu os atores envolvidos
que se estabelecem entre saúde, religião e na questão e, a partir dessa escuta, sugere
doença, compreende-se que a vivência espi- uma nova perspectiva para as pesquisas na
ritual ou religiosa deve ser motivada quando área. s

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Religião e transtornos mentais na perspectiva de profissionais de saúde, pacientes psiquiátricos e seus familiares 171

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