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Amanda Márcia dos Santos Reinaldo1, Raquel Lana Fernandes dos Santos2
ABSTRACT The aim of the study was to understand the perceptions of health professionals, pa-
tients and their families with regard to religion and psychiatric disorders. It is an ethnographic
study. For analysis, it was used the content analysis. Categories identified: 1. Religious/spiritua-
lity experience as a factor that strengthens the individual in the confrontation of the disease; 2.
Religious/spirituality experience as a factor that complicates the treatment; 3. Difficulties en-
countered by the professional in dealing with the religious/spirituality experience of patients and
family members. It is necessary to recognize the need for a cultural approach to the topic. Many
questions remain unanswered and challenge researchers in the field.
2 Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG),
Escola de Enfermagem
– Belo Horizonte (MG),
Brasil.
quel.lana@hotmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 40, n. 110, p. 162-171, JUL-SET 2016 DOI: 10.1590/0103-1104201611012
Religião e transtornos mentais na perspectiva de profissionais de saúde, pacientes psiquiátricos e seus familiares 163
colaboradores, a princípio, foi realizada por em três áreas: 1. Fontes – onde o sistema é
meio da técnica de bola de neve, na qual alimentado com os dados da pesquisa, or-
um indicava o outro, e assim foi composta a ganizados de acordo com a necessidade do
amostra do estudo. Compuseram a amostra investigador; 2. Criação de codificação ou
56 pessoas com diagnóstico de transtorno categorias – interpretativas ou descritivas;
psiquiátrico ou abuso de drogas há mais de e 3. Questionamento – o investigador cria as
3 anos, com ou sem vivência religiosa/espiri- dimensões, os indicadores ou as categorias,
tualidade e que estivessem, no momento da sejam elas interpretativas ou descritivas, que
entrevista, fora da crise e em tratamento; 35 serão analisadas de acordo com modelos de
profissionais de saúde (médicos, enfermei- análise previamente elaborados para cada
ros, assistentes sociais e psicólogos) que de- uma delas (COSTA; LINHARES; SOUZA, 2012).
senvolviam, à época da coleta, atendimento a Neste estudo, foram utilizados os se-
pacientes psiquiátricos de forma direta, com guintes conceitos: Espiritualidade: algo que
ou sem algum tipo de vivência religiosa; 46 transcende o humano, como valores morais
familiares dos pacientes colaboradores do e de saúde ligados ao sobrenatural e à reli-
estudo, com ou sem vivência religiosa/espi- gião, e que está além da religião. Inclui a
ritualidade, e que convivessem diretamente busca do autoconhecimento para transcen-
com eles; e 12 líderes religiosos (pastores, der, implica fé e devoção (GARCIA; KOENIG, 2013);
padres, trabalhadores de centros espíritas, Religião: “é um sistema comum de crenças
trabalhadores de terreiros de umbanda) e práticas relativas a seres sobre humanos
que conheciam e conviviam com usuários dentro de universos históricos e culturais
da saúde mental e seus familiares há, no específicos”; Religiosidade: “é o grau em que
mínimo, um ano. um indivíduo acredita, segue, e/ou pratica
A amostra dos estudos etnográficos é uma religião” (BEHERE, 2013, p. 192); Saúde mental:
formada por um recorte da realidade, onde
podemos observar eventos, atividades, in- o bem-estar subjetivo, a auto eficácia perce-
formações, documentos, em diferentes bida, a autonomia, a competência, a depen-
momentos, por isso a coleta de dados foi rea- dência Inter geracional e a auto realização do
lizada em mais de um momento e, em alguns potencial intelectual e emocional da pessoa
casos, em diferentes cenários (casa espírita, [...] é algo mais do que a ausência de trans-
igreja, residência do colaborador, centro de tornos mentais. (OMS, 2001, p. 4);
umbanda, consultório do profissional en-
trevistado, serviços de saúde) (GERMAIN, 1993). Transtornos mentais:
Todos os entrevistados assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, e a pes- condições clinicamente significativas carac-
quisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em terizadas por alterações do modo de pensar
Pesquisa da instituição de origem do pesqui- e do humor (emoções) ou por comportamen-
sador principal (nº 31574814.6.0000.5149). tos associados com angústia pessoal e/ou
Os dados foram avaliados por meio da deterioração do funcionamento sustentadas
análise de conteúdo que compreende: 1. A ou recorrentes e que resultem em certa de-
pré-análise; 2. A exploração do material; terioração ou perturbação do funcionamento
e, por fim, 3. O tratamento dos resultados pessoal em uma ou mais esferas da vida. (OMS,
(BARDIM, 2009). Os dados foram tabulados com 2001, p. 18).
o uso do software de análise de textos, vídeos,
áudios e imagens Web Qualitative Data Para fins da apresentação dos resulta-
Analysis (WebQDA). O sistema é organizado dos, foram agrupados os termos religião,
estrutura cognitiva, práticas religiosas e ex- pertencerem a um grupo social, não tendo,
pressão saudável do estresse gerado pelo portanto, o apoio desse grupo quando neces-
adoecimento (KIM; HUH; CHAE, 2015). sitam (SMOLAK et al., 2013).
Os profissionais de saúde entrevistados Para os familiares e líderes religiosos
identificaram a religião como um fator que entrevistados, a vivência religiosa/espiri-
contribui para a saúde mental do indivíduo tualidade é importante quando o paciente
quando ela se apresenta como um recurso de consegue separar ‘o que é da doença e o que
reinserção social, um espaço de trocas afeti- não é’; aproxima o paciente da família e do
vas e um local de apoio social. Alguns pro- grupo religioso, protegendo-o de situações
fissionais (15) apontam que pacientes com de risco; proporciona melhor convívio fa-
vivência religiosa/espiritualidade usavam miliar e contribui para que o paciente siga o
menos medicação e tinham melhor qualida- tratamento corretamente.
de de vida do que aqueles que não possuíam Estudo realizado na Coreia do Sul, com 235
um sistema de crenças. pacientes ambulatoriais com transtornos de-
A reforma psiquiátrica brasileira e seus pressivos, ao avaliar o quadro clínico dos pa-
pressupostos, entre eles, a reabilitação psi- cientes associando dados, como estado civil,
cossocial, favorecem essa compreensão por tempo de tratamento e gravidade da doença
parte dos profissionais de saúde. Embora com maior ou menor grau de importância
alguns profissionais se declarassem ateus, a para religião e espiritualidade, a partir da
questão da necessidade de apoio social e a Clinical Global Impression – Improvement
possibilidade de encontrá-lo nos ambientes Scale (CGI-I), observou melhores respos-
religiosos foi identificada nos discursos de tas ao tratamento medicamentoso utilizado
todos os entrevistados. (SMOLAK et al., 2013).
Estudo comparando a cultura norte-ame- Apesar da diversidade religiosa em nosso
ricana e a do Reino Unido afirma que não há País, observa-se que, independentemente da
diferença quando se relaciona prevalência vivência religiosa/espiritualidade dos indiví-
de transtornos mentais entre pessoas reli- duos, há implicações maiores no que tange
giosas ou não, e assinala que a religiosidade/ à questão em estudo. O envolvimento com o
espiritualidade está associada a uma melhor tratamento, com grupos sociais e familiares e
saúde mental. Entre os 7.403 participantes o sentimento de pertença e segurança geram
do estudo, 35% tinham uma compreensão ambientes propícios para melhor qualidade
religiosa da vida, professavam uma religião; de vida dos pacientes e de seus familiares.
19% consideravam ter uma vida espiritual; e
46% não tinham religião ou cultivavam uma Vivência religiosa como fator que
vida espiritual. Entre as pessoas que não dificulta o tratamento
eram religiosas nem tinham uma vida espi-
ritual, 73% já haviam tido alguma experiên- Neste estudo, os pacientes e familiares entre-
cia com drogas na vida, 56% afirmaram que vistados evidenciam que a religião se torna
comiam mal e 95% queixaram-se de ansieda- algo prejudicial quando usuários e familia-
de e fobia ou apresentaram algum transtorno res, em nome da vivência religiosa/espiritu-
neurótico. Também foi observado que esse alidade que professam, negam a necessidade
grupo utilizava mais medicação psicotrópica de tratamento para os transtornos mentais.
quando comparado com os que professavam Compartilham desse pensamento os profis-
alguma religião ou afirmavam ter uma vida sionais de saúde que veem nesse momento
espiritual. A pesquisa aponta que, sem uma a religião como algo que desequilibra os pa-
crença, fé ou interesse religioso, esses indi- cientes e desestabiliza suas relações sociais,
víduos ficam vulneráveis no sentido de não dificultando o tratamento.
saúde no que se refere à doença e à tomada de Durante parte do século XX, profissio-
medicação, independentemente da crença; e nais de saúde mental negavam os aspectos
10 estudos salientaram que uma abordagem religiosos da vida humana e consideravam
não invalida a outra (LEDFORD et al., 2015). tal dimensão como um aspecto patológico
Toda vivência religiosa/espiritualida- da doença. No entanto, estudos epidemio-
de tem seu sistema de crenças, por isso, é lógicos realizados nas últimas décadas têm
importante conhecê-lo para identificar se mostrado que a religiosidade continua a ser
interfere de forma positiva ou não no trata- um aspecto importante da vida humana e
mento das pessoas com transtornos psiqui- que, geralmente, tem uma associação positi-
átricos e para intervir, se necessário. Diante va com boa saúde mental (KIM; HUH; CHAE, 2014).
da inserção do usuário da saúde mental em Três profissionais relataram casos em
diferentes cenários, que não apenas na rede que, ao abordarem a questão da vivência re-
de atenção de cuidados, é importante ouvir o ligiosa/espiritualidade, verificaram que os
que pensam a família e os líderes religiosos pacientes modificaram a relação com o tra-
a respeito do tema, considerando-os como tamento. Nesses casos, além do tratamento
parceiros importantes na rede social de convencional, os pacientes realizaram tra-
apoio do paciente. tamentos espirituais, com melhora geral do
quadro clínico. Os profissionais declararam
Dificuldades do profissional para que, de forma geral, desconhecem o tema,
abordar e lidar com a vivência religio- mas que, entre eles, às vezes, o tema surge
sa/espiritualidade com pacientes e em conversas informais sobre casos interes-
familiares santes em que pacientes, após tratamentos
espirituais, não tiveram mais crises.
Para os profissionais de saúde entrevistados, Um profissional relatou que, após o trata-
abordar o tema da vivência religiosa/espiri- mento espiritual de um paciente que acom-
tualidade com seus pacientes foi identifica- panhava há muitos anos, percebeu que o
do como um problema quando eles têm que conteúdo dos seus delírios e das alucinações
lidar com os desdobramentos dessa aborda- passou a ter um cunho religioso. Esse profis-
gem. Alguns profissionais (26) relataram que sional avaliou que, nesse caso, a relação com
não abordam o tema por achá-lo irrelevante. o paciente também se modificou, pois, com o
Por fim, há uma compreensão dos profissio- tempo, o paciente deixou de informar sobre
nais de que a vivência religiosa/espirituali- sintomas dessa natureza por acreditar que
dade é importante para alguns pacientes e essa informação poderia ser usada contra ele.
familiares, mas isso não implica que o pro- Os temas religiosos, comumente encon-
fissional deva se envolver com essa questão. trados em delírios e alucinações associados
A pesquisa sugere que os pacientes têm a transtornos mentais, foram objeto de um
necessidades espirituais que devem ser estudo que buscou estabelecer a frequência
identificadas e tratadas, mas que, em geral, de ocorrência de delírios e alucinações de
profissionais de saúde mental não se sentem cunho religioso e sua inter-relação. O estudo
confortáveis diante do tema. concluiu que são necessários critérios de
Na presença de psicopatologia, a religião pesquisa mais claros para facilitar o estudo
pode contribuir para a produção dos sinto- dessas relações, mas indica que nem sempre
mas. Em outros casos, ela pode integrar o pa- os pacientes se sentem livres para comentar
ciente na sociedade ou motivá-lo a procurar com os psiquiatras seus sintomas religiosos,
tratamento, porém, pode dificultar o trata- com medo de serem mal interpretados e ter
mento, quando proíbe a psicoterapia ou o uso seu tratamento modificado (ALMEIDA; KOENIG;
da medicação (KIM; HUH; CHAE, 2014; COOK, 2015). LUCCHETTI, 2014).
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