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princípios da Modernidade
Spinoza, Locke and the debate about tolerance in the beginnings of Modernity
Introdução
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Graduando em História pela UFPE. Orientador: Prof.: Dr. Érico Andrade Marques de Oliveira (UFPE).
Agência financiadora: PIBIC-FACEPE. E-mail: thiagosilva1988@hotmail.com
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representantes de duas tradições distintas, no que diz respeito às discussões sobre tolerância;
Locke fazia sua defesa da tolerância de um ponto de vista estritamente teológico,
fundamentado na tradição arminiana 2 com a qual simpatizava e visando sempre à salvação das
almas dos crédulos, enquanto Spinoza abordava o tema do ponto de vista do republicanismo e
tendo por base seu ideal de liberdade filosófica, o libertas philosophandi; essa distinção é
fundamental para entendermos onde as duas visões conflitam.
Locke é considerado, com justiça, um dos precursores das modernas discussões sobre
o tema da tolerância. A primeira e mais famosa de suas Cartas3 sobre o tema – a Epistola de
Tolerantia, escrita quando de sua estada nas Províncias Unidas, mas publicada
anonimamente, em 1689 – é parte do cânone das discussões sobre a tolerância, sua
importância se equivalendo talvez apenas a do igualmente relevante Tratado sobre a
Tolerância, de Voltaire.
Spinoza, por sua vez – ainda que considerado como o maior pensador do racionalismo
cartesiano, tido mesmo como um reformador do pensamento de Descartes (ISRAEL, 2007) –
costuma atrair a atenção mais por suas discussões sobre Deus e a natureza – elaboradas na
Ética, considerada sua obra maior – do que por sua importância para as discussões sobre a
tolerância, que desenvolve em seu Tratado Teológico-Político, publicado, também
anonimamente, em 1670.
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Refere-se à doutrina de Jacobus Arminius (1560-1609), teólogo reformado das Províncias Unidas e
seus seguidores, os Remonstrantes. O ponto crucial do arminianismo remonstrante reside na afirmação de que a
dignidade humana requer a liberdade perfeita do arbítrio.
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Locke escreveu uma série de textos sobre a tolerância, sendo o primeiro deles um ensaio intitulado
Essay on Toleration, de 1667, a Epistola de Tolerantia, de 1689, além de outras três cartas, que datam de 1690,
1692 e 1704 respectivamente. A primeira das Cartas é o mais conhecido e também mais discutido de seus textos
sobre o tema. As demais constituem uma polêmica entre o autor e o clérigo anglicano inglês Jonas Proast acerca
de temas teológicos e sobre a possibilidade de o magistrado poder restringir expressões da “falsa religião”.
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Os judeus, que haviam sido expulsos da Península Ibérica, rumaram aos países baixos,
a maior província da República Neerlandesa e conhecida por ser um grande centro de
tolerância no continente, o que permitiu que esses refugiados retomassem suas práticas de
culto; as práticas religiosas desses grupos, no entanto, tinham pouca relevância, uma vez que
eles possuíam influência econômica considerável e de vital importância para o
desenvolvimento da chamada Era de Ouro (GOLDSTEIN, 2009, p. 94-5).
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O termo Iluminismo Radical que aqui utilizamos foi tomado de empréstimo ao historiador inglês Jonathan
Israel, que, em sua obra intitulada Iluminismo Radical: A Filosofia e a Construção da Modernidade, 1650-1750,
o define como um movimento de pensadores radicais, sendo Spinoza o mais destacado entre eles e que se difere
das vertentes tradicionais do pensamento iluminista, como os franceses Rousseau, Voltaire e Montesquieu ou os
ingleses Newton e John Locke, por seu caráter imoderadamente crítico à Teologia e ao poder político que dela se
apropriava, para exercer poder sobre os homens.
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como permitir a tolerância para com outras formas de credo dentro do próprio Cristianismo,
sem que isso implicasse também a necessidade de tolerar manifestações de irreligião e
ateísmo.
Em sua primeira Carta sobre a Tolerância, John Locke defende a separação entre o
Estado e a religião como elemento crucial para a tolerância entre os homens, que têm,
naturalmente, interesses e opiniões diversas e não raro conflitantes.
Os argumentos de Locke para a tolerância têm suas bases mais em questões práticas e
psicológicas do que propriamente morais, já que, se considerarmos – como o fez Locke – que
o maior propósito da religião é a salvação da alma e que o cristianismo é o melhor caminho
nessa jornada, daí não se segue que o Estado deve obrigar os cidadãos a se converterem ao
cristianismo, pois, mesmo que tal medida fosse tentada, estaria condenada a fracassar, uma
vez que a força e o poder do Estado é exterior, enquanto que a salvação da alma só pode se
dar no interior, através da conversão sincera. Assim sendo, do argumento de Locke se entende
que “a conversão bem-sucedida à religião verdadeira é o único motivo plausível para a
intolerância religiosa” (GOHRAM, 2011, p. 104). O poder de convencimento sobre o outro,
em matéria de fé, só pode ser feito pelo homem destituído da função de magistrado, com
argumentos, não com ordens; “o poder civil não deve prescrever artigos de fé com a lei civil,
quer se trate de dogmas ou de formas de culto divino” (LOCKE, 1965, p. 92). Vale ressaltar,
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no entanto, que, na época em que Locke produziu seus escritos, prisões, excomunhões e
genocídios eram comumente cometidos, visando ao fortalecimento da uniformidade religiosa,
muito mais através da diminuição que do alargamento da comunidade religiosa.
Nesse sentido, Locke defende, por um lado, que não cabe ao poder civil garantir a uma
religião em particular o direito de reprimir as demais, uma vez que não lhe é permitido
conceder um direito que não tem e, por outro, também não o é permitido aos clérigos, já que
também não o cabe à sua igreja tentar estender sua autoridade eclesiástica a questões civis, ou
“punir por motivos religiosos um homem estranho à sua igreja e à sua fé e prejudica-lo na sua
vida, liberdade ou qualquer parte dos seus bens terrestres” (LOCKE, 1965, p. 100), os bens
civis, cuja função do magistrado é garantir a proteção.
“[...] implacável para com os que não partilham a sua opinião, ao passo que é
indulgente com os pecados e vícios indignos do nome cristão, demonstra
abertamente que, embora tenha sempre na boca a palavra Igreja, procura outro reino
e não o de Deus” (LOCKE, 1965, p. 91).
Esse argumento de Locke também era compartilhado por Pierre Bayle, que tentou
mostrar, em seus comentários sobre a tolerância, que as perseguições religiosas e as tentativas
de se impor uma visão de mundo pela força resultavam apenas na destruição de vidas e da
propriedade, o que as torna intrinsecamente erradas e que, justamente por isso, não poderiam
ser autorizadas por Deus ou pelos clérigos. Bayle era conhecido por ser um eloquente
defensor da tolerância e dos ateus como indivíduos virtuosos, sendo ele mesmo
provavelmente um ateu, mas também era conhecido por ser um grande retórico, o que acaba
tornando suas palavras a esse respeito necessárias de uma crítica mais aprofundada, já que
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parece questionável se elas são de todo sinceras ou apenas um conveniente eco das palavras
de Locke (ISRAEL, 1999, p. 7).
Locke se opunha à perseguição religiosa, por considerar que era melhor correr os
riscos de apostatar, de abandonar a crença, do que nela persistir sem nenhum propósito. Mas
mesmo de um ponto de vista estritamente teológico, a tolerância em Locke se mostra algo
problemática, uma vez que ele não a garante aos católicos, que chamava, de maneira
derrogatória, de “papistas”, adjetivo muito usado pelos opositores da Igreja Católica à época.
Locke expressa seu repúdio pelo catolicismo também de um ponto de vista da manutenção do
Estado. Para ele, o magistrado não deve tolerar nenhum dogma que vise a garantir
exclusividade por parte de um grupo específico em detrimento do resto da sociedade, ou os
que pregam a intolerância com a religião diferente. Além disso, “a igreja em que cada um
passa ipso facto para o serviço e a obediência de outro príncipe” (LOCKE, 1965, p.117) não
merece tolerância, já que, ao assim agir, a igreja toma partido por um estrangeiro, podendo
oferecer risco ao Estado, quando de uma guerra, por exemplo.
“Porque o magistrado, segundo a Carta, não tem que tolerar igrejas que reclamam
uma autoridade que podem causar distúrbios à paz civil e à soberania do Estado,
como o fazem os católicos, que reclamam que o Papa possa dispensá-los de
juramentos de aliança (oaths of allegiance), deponha governantes e os liberem de ter
de manter relações de fé e juramentos com ‘hereges’” (ISRAEL In: GRELL;
POTTER, 2006, p.103-4).
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A terceira das limitações atribuídas por Locke à tolerância diz respeito aos ateus.
Sobre estes, escreve Locke que:
“...os que negam a existência de uma divindade não devem de maneira alguma
tolerar-se. A palavra, o contrato e o juramento de um ateu não podem constituir algo
de estável e de sagrado, pois são os vínculos da sociedade humana, a tal ponto que,
suprimida a crença em Deus, tudo se desmorona. Além disso, ninguém pode
reivindicar, em nome da religião, o privilégio da tolerância, se elimina radicalmente
toda a religião mediante o ateísmo. No tocante às outras opiniões práticas, embora
não estejam livres de todo o erro, se nelas não se tende a assegurar a própria igreja o
domínio ou a impunidade civis, não há motivo para não se tolerarem” (LOCKE,
1965, p.118).
A recusa de Locke em garantir a tolerância aos ateus revela não apenas o quão forte
era a influência da religião sobre ele e seu desejo de manter a coesão social, mas, mais que
isso, o que difere sua posição da de Spinoza. O problema de Locke, nesse sentido, é com a
liberdade de consciência e de pensamento para além das discussões religiosas. A esse
respeito, é pontual o comentário de Raymond Polin, na introdução da Carta, pois, segundo
ele, “é melhor, pensa Locke, não defender a tolerância em nome da consciência e dos seus
direitos, pois, poder-se-ia igualmente, e sem qualquer controlo possível, invocar a mesma
consciência a favor do pior dogmatismo ou do pior fanatismo” (POLIN In: LOCKE, 1965, p.
54).
A posição de Locke com relação aos ateus está em concordância com seus critérios
para delimitar a tolerância, visto que esses não creem em Deus, nem estão vinculados a
nenhuma religião organizada, o que contrasta severamente com as bases teológicas de sua
teoria da tolerância, que supõem que todos os homens possuem uma alma imortal para a qual
devem garantir a salvação.
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Spinoza pertencia à comunidade sefardista fundada nas Províncias Unidas por antigos
Novos-cristãos que haviam sido forçados a se converter na Espanha e em Portugal no final do
século XV e começo do XVI. Teve, desde cedo, contato com estudiosos do Talmud, além de
pensadores com inclinação mística, de quem tomou conhecimento sobre a Cabala e o
misticismo judaico, e de pensadores mais próximos do racionalismo filosófico. Em
consonância com seus estudos do judaísmo, estudou também os clássicos e a língua latina sob
a tutela de livres-pensadores e humanistas, o que fez com que se tornasse um conhecedor
profundo da obra e do racionalismo de Descartes, além de um adepto de seu método
matemático; tal fator teve consequências decisivas para sua vida, uma vez que seus estudos
polímatas e sua perspicácia intelectual o levaram a questionar as escrituras da religião, o que,
posteriormente, causou sua excomunhão do judaísmo.
Após ser excomungado, Spinoza não buscou outra religião; preferiu afirmar sua fé na
razão e, assim, “optou pelo secularismo numa época em que o conceito ainda nem havia sido
formado” (GOLDSTEIN, 2009, p. 5), agindo dessa maneira pelo princípio da preservação de
sua liberdade de pensar e filosofar.
As reservas que fizeram com que Spinoza, após ter sido excomungado, optasse por
não se afiliar a nenhuma outra religião derivam de sua experiência com a intolerância, ainda
que vivesse em um país reconhecido por sua tolerância religiosa. Talvez mais chocante que
sua própria excomunhão, o tratamento dado a seu correligionário e amigo Adriann Koerbagh
(1632-1669), um filósofo radical que compartilhava de muitas das ideias de Spinoza sobre
metafísica, inclusive sua identificação de Deus com a natureza, foi acusado e condenado por
blasfêmia após a publicação de seu Een Ligt schynende in duystere plaatsen, om te verligten
de voornaamste saaken der Godsgeleerdtheyd en Godsdienst (Uma Luz que brilha na
Escuridão: Esclarecimentos em matéria de Teologia e Religião), escrito em língua vernácula,
uma ousadia que nem Spinoza havia cometido, sob a justificativa de tentar esclarecer não
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apenas as mentes da elite acadêmica, mas também as pessoas comuns (CLITEUR, 2010,
p.22). Além desse caso em particular, havia muitos outros conflitos de natureza religiosa
ainda em andamento nas Províncias Unidas, a maioria deles envolvendo seitas dissidentes do
Protestantismo.
“Spinoza foi o primeiro a arguir que a Bíblia não era a palavra literal de Deus, mas
um trabalho literário produzido por humanos; que “religião verdadeira” nada tem a
ver com teologia, cerimônias litúrgicas ou dogmas sectários, mas consiste apenas em
uma simples regra moral: amai ao próximo; e que autoridades eclesiásticas não
deviam desempenhar qualquer função no governo do Estado moderno. Ele também
insistiu que a “divina providência” não é nada além das leis da natureza, que
milagres (entendidos como violações da ordem natural das coisas) são impossíveis e
que a crença neles é apenas a expressão de nossa ignorância sobre as verdadeiras
causas dos fenômenos, e que os profetas do Velho Testamento eram apenas
indivíduos que, ainda que eticamente superiores, possuíam uma imaginação
particularmente vívida” (NADLER, 2009, p.xiii).
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crítica, buscava mostrar que os ensinamentos da Bíblia eram irrelevantes para um Estado
moderno e plural em sua base intelectual. Sua teoria política, influenciada por Hobbes e
Maquiavel, foi sistematizada como uma nova forma de republicanismo de caráter urbano,
comercial e igualitário, que ele considerava uma forma de contestar as ideias sobre a natureza
da vida social e a função do Estado.
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Spinoza, no entanto, concordava com Locke que uma crença religiosa sincera não
poderia jamais ser imposta sobre ninguém por forças externas:
“Por maior que seja, pois, o direito que tem os supremos poderes sobre todas as
coisas, e por muito que os consideremos como intérpretes do direito e da piedade,
eles jamais poderão evitar que os homens façam sobre as coisas um juízo que
depende da sua própria maneira de ser ou que estejam possuídos desta ou daquela
paixão” (ESPINOSA, 2008, p.301).
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Considerações finais
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Referências
CLITEUR, Paul. The Secular Outlook: In Defense of Moral and Political Secularism. Willey-
Blackwell. West Sussex, 2010.
ESPINOSA, Baruch de. Tratado Teológico-Político. Martins Fontes. São Paulo, 2008.
GOLDSTEIN, Rebecca. Betraying Spinoza: the renegade Jew who gave us modernity.
Schocken Books. New York, 2006.
GORHAM, Geoffrey. Spinoza, Locke, and the Limits of Dutch Toleration In: Macalester
International, Vol. 27, n.1, article 12, 2011, p.104-118.
GRELL, Peter; PORTER, Roy (ed.). Toleration in Enlightenment Europe. Cambridge
University Press. New York, 2006.
ISRAEL, Jonathan. Iluminismo Radical: A Filosofia e a Construção da Modernidade, 1650-
1750. Madras Editora Ltda. São Paulo, 2009.
__________. Locke, Spinoza and the Philosophical Debate Concerning Toleration in the
Early Enlightenment (c. 1670- c.1750). Koninklijke Nederlandse Akademie van
Wetenschappen. Amsterdam, 1999.
__________. Spinoza as an Expounder, Critic, and ‘Reformer’ of Descartes. Intellectual
History Review Vol. 17, n.1, 2007, p. 59-78.
LOCKE, John. Carta sobre a Tolerância. Edições 70. Lisboa, 1965.
LUCAS, Jean-Maximilien. A vida e o espírito de Baruch de Espinosa. Tratado dos Três
Impostores. Martins Fontes. São Paulo, 2007.
NADLER, Steven. A Book Forged in Hell: Spinoza’s Scandalous Treatise and the Birth of the
Secular Age. Princeton University Press. New Jersey, 2011.