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VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar

20 a 24 de setembro de 2010
O capitalismo axiomático de Deleuze e Guattari: sobre o sentido da ideia de
“axiomática geral dos fluxos descodificados” elaborada em O Anti-Édipo e Mil
Platôs.

Bernardo de Carvalho Tavares dos Santos


Bolsista CAPES
Mestrado - PUC/SP

Que querem dizer Deleuze e Guattari quando definem o capitalismo


aproximando-o do método axiomático aplicado às ciências? Se não se trata aí duma
“simples metáfora”, é porque há um movimento comum ao funcionamento de ambos.
Segundo os autores, tal movimento remeteria, fundamentalmente, à descodificação dos
fluxos, sua conjunção em sistemas lógico-abstratos e, por fim, à “concretização” destes
sistemas em modelos de realização empíricos. Tanto o capitalismo quanto uma teoria
axiomatizada considerariam diretamente “elementos e relações puramente funcionais
cuja natureza não é especificada”, encadeamentos lógicos “em si”, fora de campos
específicos nos quais responderiam a um código que os determinaria e limitaria. Mas
isto não basta para que se crie uma axiomática: toda sociedade testemunha
acontecimentos que fogem de suas codificações; também os saberes sempre conheceram
algo das relações e elementos puramente funcionais. É preciso, portanto, que tais fluxos
se encontrem e se articulem mutuamente – que sejam consistentes e componham, assim,
um sistema, social ou teórico. Este sistema, contudo, ainda permanece abstrato e
“inútil”, se não se aplica a modelos de realização concretos, cujas formas reais
expressam-se no encadeamento lógico proposto pela axiomática: tanto teorias
científicas empíricas, quanto as relações sociais concretas, às quais se impõem as
necessidades abstratas do capital, analisadas por Marx. Na medida em que uma única
axiomática comporta modelos de realização diversos, a axiomatização será sempre
generalizante. Esta perspectiva propõe uma ideia diferente das crises do capitalismo e
sua suposta “flexibilidade”: esta última não seria sua capacidade de “ceder” frente a
demandas variadas, mas de englobá-las para nunca parar de crescer; aquelas não
corresponderiam à possibilidade de sua dissolução, mas a períodos de transformação. É
que basta que não se encaminhe o sistema para a contradição para que se possa
adicionar ou subtrair axiomas ao sabor das contingências e em função de um núcleo
fixo, fundamental, do capital.

Palavras chave: capitalismo, fluxos descodificados, axiomática, Deleuze, Guattari

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Em O anti-Édipo e Mil Platôs, apesar de atravessarem uma porção de assuntos,
Deleuze e Guattari sempre o fazem da perspectiva duma crítica ao capitalismo. É que,
para eles, a criação de conceitos filosóficos deve também implicar uma “resistência ao
presente” (DELEUZE; GUATTARI, 1997b, p. 140). Contudo, eles não se contentam
em simplesmente dirigir suas palavras contra a sociedade capitalista, tomando-a a partir
de certo “senso-comum” crítico que, impregnado em nós, faz acreditar que já se disse
tudo o que era necessário sobre ela e que nos caberia somente, uma vez que tivéssemos
tomado consciência desta compreensão definitiva, lutar segundo seus termos e despertar
sua consciência também em nossos vizinhos. Para impor ao capitalismo uma crítica
positiva, Deleuze e Guattari questionam também este “senso-comum”, numa tentativa
não de invalidar as concepções críticas, por assim dizer, “tradicionais”, mas de levá-las
adiante. Assim, através duma retomada bastante singular e heterodoxa de Marx eles
elaboram uma concepção do capitalismo que, apesar de não ser totalmente nova nem ter
esta pretensão, conduz a crítica habitual através de caminhos, no mínimo, “não-
tradicionais”. É assim que eles definirão finalmente a sociedade capitalista como uma
“axiomática geral de fluxos descodificados”. É esta noção que aqui se pretende discutir
ainda de forma um tanto preliminar.
Para tanto, é necessário, antes de tudo, que compreendamos a concepção de
sociedade em que Deleuze e Guattari apóiam sua análise. Em primeiro lugar, aquilo que
eles chamam de máquina social, ou socius tem, como objetos, puros fluxos. Os fluxos
não são ainda relações sociais, mas se movem aquém delas e são seus componentes.
Uma relação social é tão somente expressão cristalizada de certa organização ou certo
condicionamento dum conjunto de fluxos numa máquina social. Assim, se podemos
estender o universo das relações sociais sobre toda a experiência humana – dado que a
sociedade não é apenas fruto, mas condição desta experiência, seja ela coletiva ou
individual –, também a ideia de fluxo abrange todos os aspectos da vida. Há fluxos de
pessoas, de recursos naturais, de excrementos, de alimentos, de reprodução, de
parentesco, de sentimentos, fluxos míticos, religiosos, identitários, jurídicos, fluxos de
morte, de doença, de prazer, de produtos, de trabalho, de capital...
A função do socius é, pois, impor aos variados fluxos que o atravessam – e que
inclusive se criam nele – uma organização. Mas tal organização não é estática. Ela
remete mesmo a relações, a fluxos em movimento e interação. Se o socius é capaz de
controlar esses fluxos, portanto, é apenas os marcando, os definindo, imprimindo neles

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um código que os legitima e qualifica, que autoriza seus movimentos e os põe em
relação, limitando seu campo de ação. A sociedade é, para Deleuze e Guattari, portanto,
“um socius de inscrição onde o essencial é marcar e ser marcado”, de modo que só há
movimento “quando a inscrição o exige ou permite.” (DELEUZE; GUATTARI, 2010,
p. 189) Eis então porque elementos da mesma natureza podem integrar fluxos
completamente diferentes em sociedades distintas: é que, da perspectiva do socius, o
que importa é a funcionalidade do código que o sustenta e que garante sua manutenção
– algo que, evidentemente, só se mede em relação a fatores estritamente materiais –,
mais do que uma suposta essência intrínseca ou uma natureza profunda das coisas. E se
toda sociedade, por outro lado, acredita conhecer as coisas em sua essência ou sua
verdade, isto é apenas outro efeito fundamental da codificação, que melhor se mantém,
quanto menos espaço deixa para que se pense fora de seus limites, ou ainda, quanto
menos fluxos descodificados deixa fugir. Tem-se agora que, em Deleuze e Guattari, a
descodificação dos fluxos não remete à tradução ou decifração dum código, mas aponta
para “o estado de um fluxo que não é mais compreendido dentro de seu próprio código,
que escapa a seu próprio código”. (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 145)
Só que as sociedades não cessam nunca de se deparar com acontecimentos fora
do comum. Fluxos novos surgem de onde não se espera, outros com os quais já se está
acostumado tomam um rumo inusitado. Repentinamente, uma linha de fuga
descodificada rasga o socius e ameaça embaralhar todo o código. A máquina social
sempre está sujeita a uma catástrofe natural, uma revolta, uma invasão, uma descoberta
a que se deve reagir prontamente, que é preciso incorporar ao código, situar em função
dos campos que ele articula – campo espiritual, político, moral, jurídico, comercial,
familiar, bélico... De modo que é sempre este, portanto, o problema do socius: a todo
custo codificar os fluxos, “inscrevê-los, registrá-los, fazer que nenhum fluxo corra sem
ser tamponado, canalizado, regulado” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p.51). Uma
simples linha de fuga, um pequeno fluxo descodificado que se destaca pode colocar uma
sociedade em maus lençóis. Mas isso apenas no caso das sociedades pré-capitalistas –
Deleuze e Guattari observam que, com o capitalismo, não será bem desta forma.
Antes de tratarmos do capitalismo, no entanto, façamos um pequeno desvio
através do método axiomático aplicado às ciências. Ora, bem se pode supor que também
elas mantêm uma relação íntima com os códigos, já que eles determinam sua
elaboração, sua transmissão e sua transformação. Por outro lado, contudo, as ciências

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também recorrem a certa descodificação requerida pela aplicação do método
axiomático.
Vejamos como. Deleuze e Guattari esclarecem que, diferentemente dos códigos,

“a axiomática considera diretamente os elementos e as relações puramente funcionais


cuja natureza não é especificada, e que se realizam imediatamente e ao mesmo tempo
em campos muito diversos, enquanto os códigos são relativos a esses campos, enunciam
relações específicas entre elementos qualificados”. (DELEUZE; GUATTARI, 1997a,
p. 153)

Ora, o que seriam, na axiomática, esses elementos e relações “desqualificados”, cuja


existência não remete a campos de ação específicos, senão fluxos descodificados? Por
outro lado, contudo, se estamos falando de ciência, não podemos acreditar que tais
fluxos permaneçam entregues à própria descodificação, que sejam mantidos em estado
selvagem, caótico, indiscernível, “não-acompanhável” – linhas de fuga puras. É que,
com a descodificação, o método axiomático tem o objetivo de trazer à tona o aspecto
“puramente funcional” de elementos e relações, para se ocupar, tão somente, da
estrutura lógica que eles desenham. Uma estrutura que, como veremos, não necessita da
referência a um campo específico, mas que pode reaparecer nos mais variados campos,
manifesta por meio de elementos e relações distintos. Se os fluxos são descodificados,
portanto, é tão somente para serem “dominados” por um sistema axiomático que os
captura e encerra numa estrutura lógica.
Robert Blanché, em sua introdução à axiomática, nos ensina que o compromisso
dum sistema deste tipo não é tanto com uma realidade concreta específica – ou com um
campo determinado, dotado de elementos qualificados – que ela teria a intenção de
descrever, mas antes com o encadeamento lógico de termos e proposições, tomados em
suas relações puramente funcionais, a partir de propriedades fundamentais abstratas,
derivadas de certos axiomas primeiros, mais ou menos arbitrários, colocados a título de
simples hipóteses indemonstráveis. Deste modo, Blanché esclarece que a validade dum
sistema axiomático remonta menos à sua verdade empírica do que à sua coerência
estrutural – descodificada.
Por outro lado, contudo, um sistema axiomático apenas justifica seu grau de
abstração em função de sua capacidade de interferir no plano empírico. É por isso que
os axiomas fundamentais duma teoria não são completamente arbitrários. Blanché

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explica que o empreendimento axiomático não consiste na invenção, por parte do
cientista, de axiomas quaisquer com o objetivo de simplesmente perseguir suas
derivações. Antes, o objetivo duma axiomática é, dado um sistema concreto, extrair um
sistema mínimo de princípios abstratos dos quais se possa deduzi-lo – “é apenas nos
livros que uma axiomática começa com os axiomas”. (BLANCHÉ, 1990, p. 87) O que
acontece é que, uma vez criada, a teoria axiomatizada torna-se autônoma em relação ao
sistema concreto ou ao campo a que, inicialmente, estaria referida. Assim, pode-se
verificar que uma mesma axiomática se aplica a diferentes situações concretas –
codificadas. É o caso da teoria axiomatizada dos números naturais, elaborada por
Giuseppe Peano, no fim do século XIX, e citada por Blanché. Não se demorou muito
para perceber que Peano criara, na verdade, um sistema que extrapolava o campo dos
números naturais, e era adequado, na verdade, a expressar qualquer progressão – fosse
de números naturais, números reais, ou então simplesmente de pontos ou instantes,
elementos que sequer dizem respeito ao campo da aritmética. (idem, pp. 41-42) Os
vários sistemas concretos, cuja estrutura lógica é dada por uma mesma teoria
axiomática, Blanché denomina os modelos de realização concretos desta teoria.

A esta altura, já conhecemos o suficiente da axiomática para nos introduzirmos


ao capitalismo. Ele também tem uma relação especial com os fluxos descodificados. É
que, se para as outras sociedades, estes fluxos representavam perigo, para o capitalismo
eles são uma condição. De modo que a atual sociedade testemunha em sua origem, não
a emergência de um fluxo descodificado que teria arruinado com o código feudal, mas
uma conjunção de fluxos descodificados que, na medida em que reagem uns sobre os
outros, desencadeiam e perpetuam uma axiomatização generalizada da vida social.
Foi Marx quem observou a ocorrência de tal conjunção. De um lado, corre um
fluxo descodificado de pessoas: um imenso contingente populacional ocioso, desterrado
e depauperado, possuindo pouco mais do que o próprio corpo, sua força de trabalho,
pura e simples, à disposição para ser trocada pelos mínimos meios de subsistência. Um
tal fluxo de pessoas está na origem, portanto, dum fluxo de trabalho abstrato: trabalho
tomado em seu aspecto puramente funcional, descodificado em relação às diferentes
formas concretas que pode assumir. De outro lado, fruto duma acumulação primitiva,
corre um imenso fluxo de dinheiro, equivalente geral abstrato – e, logo, descodificado –
nas mãos de muito poucos, capaz de se apropriar de qualquer coisa. Este dinheiro, por

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sua vez, já circula num mercado embrionário, com potencial de expansão, em que o
movimento das mercadorias testemunha a descodificação da utilidade dos produtos em
favor de seu valor de troca enquanto propriedade privada. Há, ainda, um fluxo de
tecnologia disparado pela máquina a vapor – uma descodificação da técnica, que não se
aplica a problemas localizados, segundo necessidades específicas, mas é apropriada ao
aumento da produtividade em geral.
Embora deva haver outros fluxos a se abordar, a conjunção destes quatro – um
fluxo de “trabalhadores desterritorializados” (literalmente desterrados), um de “dinheiro
que escorre”, um de “propriedades que se vendem”, e outro de “meios de produção que
se preparam na sombra” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 297) – já é capaz de nos
oferecer um esboço um tanto rudimentar (sem pretensão, portanto, de ser exaustivo) da
axiomática capitalista. Talvez seja prudente observar apenas que a presente pesquisa
não tem como objetivo, a princípio, fazer o inventário dos axiomas fundamentais do
capitalismo, algo cuja pertinência ainda é necessário avaliar. O que importa, de início, é
o funcionamento axiomático deste sistema, algo que não supõe a enunciação prévia dos
axiomas, mas sim que se observe a aplicação dum modelo lógico abstrato – o do
mercado capitalista – aos movimentos concretos da vida social.
Suponhamos agora um sistema com os seguintes axiomas: 1) mercadoria é
qualquer objeto ou relação que se permuta, no mercado, segundo um valor de troca (ou
simplesmente valor) em dinheiro; 2) todo valor expressa determinada quantidade de
dinheiro, ou capital, empregada na produção da mercadoria que o carrega; 3) burguês é
aquele que investe capital na produção de mercadorias; 4) toda produção de mercadorias
demanda investimento de capital em meios de produção e força de trabalho; 5) todo
capital investido na produção de mercadorias deve resultar uma mais-valia; 6) mais-
valia é a diferença, sempre positiva, entre o valor que a força de trabalho produz,
transformando os meios de produção em mercadorias, e o capital investido na força de
trabalho pelo burguês.
Ao se fazer funcionar este sistema rudimentar já se percebe como, no
capitalismo, qualquer coisa que se produza – seja apartamentos de luxo, medicamentos,
o álbum de um pop star, aviões de guerra teleguiados ou clipes de papel – será
simplesmente mercadoria e terá, portanto, sua existência condicionada pelo princípio de
que “todo capital investido na produção de mercadorias deve resultar uma mais-valia”.
Ora, neste movimento, os fluxos heterogêneos de produtos, meios de produção e

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trabalhadores, são, fatalmente, reduzidos à sua referência ao capital, ou seja, são
descodificados – compreendidos fora de seu código particular – para serem
axiomatizados segundo o sistema acima descrito.
É importante que se repare que não se trata aí duma simples recodificação, uma
vez que, nos códigos, ainda que eles suponham uma unidade, ela é como que subjacente
aos termos, é indireta (o deus, o déspota); a qualificação dos fluxos não impede que haja
autonomia entre os diversos campos. Na axiomática, por outro lado, “a qualidade dos
fluxos resulta apenas de sua conjunção como fluxos descodificados” (DELEUZE;
GUATTARI, 2010, p. 322), não há qualquer autonomia entre eles, o fator “unificante”
atua, aqui, diretamente em sua conjunção. Assim, a mercadoria é, em si, capital
“encarnado”; os meios de produção (que podem ser um prédio de escritórios, um torno
mecânico ou uma tonelada de resina plástica), responsáveis por determinar o nível de
produtividade do trabalho em função de seu nível tecnológico, são o capital constante; a
força de trabalho, independente da sua natureza, é o capital variável, capaz de produzir,
com meios apropriados, um valor maior que o de seu custo para a produção.
Isso não significa, contudo, que o socius capitalista exclua os códigos da sua
superfície. Mas, ao se falar desse assunto, já se saiu da axiomática, para se abordar seus
modelos de realização. Tais modelos podem certamente ser as empresas, já que no
interior delas sempre há códigos que garantem a aplicação dos axiomas – manifestos
através de hierarquias as mais variadas, regimes de produção, controles de qualidade,
cartões de ponto, metas de produtividade, bonificações, “funcionário do mês” e por aí
vai... Mas outro modelo de realização são os Estados. São eles que, de acordo com sua
população, seu território, seus recursos, suas relações, concretizam a axiomática
capitalista. Sua função, neste sentido, é muito simples: “impedir que fluxos
descodificados fujam por todos os cantos da axiomática social” (DELEUZE;
GUATTARI, 2010, p. 334). Para tanto, ele deve “inventar códigos” apropriados a esta
axiomática.
Assim, se o capitalismo tende a uma descodificação generalizada – impulsionada
por seu polo, por assim dizer, “liberal” –, por outro lado, ele também implica, mesmo
que os liberais desejem que não, uma codificação efetuada pelo polo de Estado, que
mantém o sistema sobre os eixos. É certo, neste sentido, que o Estado controla os
trabalhadores, ora reprimindo sua resistência, ora lhes proporcionando algum bem estar,
para apaziguar seus ânimos e estimular a produtividade. Mas ele também interfere no

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mercado, com impostos, leis, investimentos diretos, intervenção de empresas estatais, de
bancos centrais ou então de entidades internacionais – a atual crise do capitalismo é um
excelente exemplo disso. Ora, se é assim, o Estado não pode, portanto, apenas se
empenhar em reproduzir os axiomas fundamentais do capital, ele também precisa criar
outros ou suprimi-los se necessário, com a condição, entretanto, de que a adição ou
supressão de axiomas não contradiga os principais.
O capitalismo compõe, portanto, um sistema axiomático não-saturado – ou seja,
um que admite a proposição de novos axiomas. É graças a isto que ele é capaz de
operar, quando tem que se haver com os próprios limites, grandes reposicionamentos,
transformações drásticas em alguns princípios do seu funcionamento, capazes de
garantir sua permanência e seu crescimento – e que marcam sua história. Desta
perspectiva, imperialismo, neo-imperialismo, liberalismo, neoliberalismo, Estado de
bem-estar, fascismo, democracia ou as atuais transformações globais, com a
“emergência dos emergentes” são sempre regimes de axiomas, que se erguem no
capitalismo segundo as contingências.
Eis aqui uma importante contribuição da teoria de Deleuze e Guattari para a
crítica do capitalismo. Se é verdade, como Marx ensinou, que a aplicação da axiomática
tende à crise sistêmica e se é verdade também, como a história demonstrou, que a
máquina capitalista acaba sempre se recuperando, não é apenas graças à imensa carga
de violência que ela pode empregar para se defender, nem à sua suposta “flexibilidade”.
A ideia de flexibilidade sugere algo como uma “essência imóvel” do capitalismo – dada
pelo máximo de lucros e exploração do trabalho – da qual as sociedades se
aproximariam ou afastariam conforme as condições possibilitadas pela luta de classes,
como se o sistema pudesse ser “mais” ou “menos” capitalista dependendo das
contingências. Se, por outro lado, pensarmos nossa sociedade da perspectiva da
axiomática, substituímos esta noção implícita duma essência imóvel do capitalismo, por
outra que assume que o sistema se sustenta numa estrutura lógica, que, impregnada no
pensamento das pessoas, determina ou, ao menos, condiciona suas ações, de modo
bastante semelhante em situações completamente diferentes.
Ora, tem-se à disposição agora uma diferente perspectiva quanto à luta contra o
capital. Não se pode mais tratá-la como uma simples luta de classes, em que uma
avançaria em detrimento da outra. É que, no capitalismo, nada impede que as conquistas
dos trabalhadores sejam também conquistas do capital, que é tanto menos ameaçado

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quanto mais axiomas deixa florescer ao seu redor, resguardando-o. É evidente, por outro
lado, que não se deve ignorar que a melhora concreta da vida das pessoas é um objetivo
mais que legitimo. Todavia, vale perguntar deste novo ponto de vista: o capitalismo é
realmente ameaçado quando os trabalhadores vivem um pouco melhor, ainda que
continuem sendo explorados e ainda que só compreendam a vida em termos de lógica
do capital, ou quando algumas pessoas conseguem, de alguma forma, ainda que
localizada, ainda que microscópica ou parcial, viver uma parte da suas vidas à margem
da axiomática? Se o caso for este último, então as conquistas no âmbito da axiomática
do capital são tanto mais importantes quanto mais colaborarem para que se possa viver
parcialmente fora dela. A luta agora não é apenas de uma classe dominada contra a dos
dominadores, uma luta que só traria mudanças reais quando chegasse a seu termo, mas é
uma luta de todos para construir, no tempo presente, modos de vida a que correspondam
mudanças imediatas em relação à lógica da qual a classe dos dominadores se vale para
manter-se em sua posição.

Referências Bibliográficas:

BLANCHÉ, Robert; L’axiomatique. 3. ed. Paris: PUF, 1990, 100 p.


DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix; O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. 1.
ed. São Paulo: Editora 34, 2010, 560 p.
______; ______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 1. ed. São Paulo: Editora 34,
1997a, Vol 5.
______; ______. O que é a filosofia?. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997b, 288 p.

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