Вы находитесь на странице: 1из 4

Zygmunt Bauman: 'Três décadas de

orgia consumista resultaram em uma


sensação de urgência sem fim'
A frouxidão de nossa era está novamente sob escrutínio do sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Criador do conceito de modernidade líquida, que acusa a fragilidade das relações atuais, ele se volta
às angústias destes “dias de interregno”: quando os velhos jeitos de agir já não servem, mas os novos
não foram inventados. “Trinta anos de orgia consumista resultaram em um estado de emergência sem
fim”, diz – e indica uma saída: “O que pensávamos ser o futuro está em débito conosco. Para superar a
crise, temos de ‘voltar ao passado’, a um modo de vida imprudentemente abandonado”

Zygmunt Bauman presenciou os principais acontecimentos do século 20 e na virada do milênio criou


uma teoria que levaria seu nome para além do campo da sociologia e o tornaria um escritor best-seller –
sobre a liquidez da sociedade, das relações, do nosso tempo. Um dos principais pensadores da
modernidade, este polonês prestes a completar 91 anos não perde um debate, e tudo que o inquieta é
transformado em livro. Fecundo autor, já escreveu cerca de 70 títulos – entre os mais de 30 publicados
no Brasil, todos pela Zahar, estão Modernidade Líquida, Amor Líquido e o mais recente A Riqueza de
Poucos Beneficia Todos Nós? Ele está lançando agora Babel – Entre a Incerteza e a Esperança, mas,
nesta entrevista concedida ao Aliás, já anuncia uma nova obra para 2017, Retrotopia, e comenta sobre
Strangers at Our Door, de 2016 e ainda inédito aqui.

Babel fala do interregno – termo usado por Bauman e pelo jornalista Ezio Mauro, seu interlocutor na
obra – em que estamos vivendo. Um tempo entre o que não existe mais e o que não existe ainda. De
incertezas e instabilidade. Para eles, não há, no momento, movimento político que ajude a minar o
velho mundo e esteja preparado para herdá-lo. Um período em que testemunhamos uma guinada
conservadora geral, a instalação do medo devido a ameaças terroristas constantes – a ponto de um
grupo de espanhóis confundir uma flashmob com um ataque e entrar em pânico – e as crises diversas –
econômica, política, migratória, e, sobretudo da democracia que, depois de muito esforço para derrotar
ditaduras, ainda precisa lutar diariamente por sua supremacia e para provar sua legitimidade, como
apontam os autores. A seguir, trechos da entrevista de Bauman, professor emérito das universidades de
Varsóvia e de Leeds. 

Quando o sr. criou o conceito de modernidade líquida, vivíamos tempos
melhores ou piores? O conceito ainda se aplica hoje ou já caminhamos
para um outro tempo? Que interregno é esse que estamos vivendo e o
que acontece depois?

Como medir a relativa excelência do nosso estilo de vida? Em que aspectos, por quais critérios? E quem
são os “nós” cuja vida queremos analisar? Entre os diferentes setores da sociedade nem o ritmo e nem
as direções tomadas são coordenadas (pense no fabuloso crescimento da renda e da riqueza dos 1% que
estão no topo da hierarquia social frente à estagnação ou mesmo piora do nível de vida dos restantes
99%, e a outrora confiante classe média se juntando ao ‘proletariado’ ortodoxo para formar uma nova
categoria, do ‘precariado’ – notória pela posição social frágil e suas perspectivas indefinidas). No geral,
podemos dizer que 15 anos depois da publicação de Modernidade Líquida, a nova era, ainda incipiente
e pouco percebida em meio a 30 anos de orgia consumista, de gastar dinheiro não ganho e de viver o
pouco tempo que resta em novos bairros já moribundos está chegando à sua total fruição: estamos
vivendo à sombra de suas consequências. E isso significa incerteza existencial, medo do futuro, uma
perpétua ansiedade e uma sensação de urgência sem fim, com a primeira geração do pós-guerra
sentindo a queda do nível de bem-estar social conseguido por seus pais e, na vida pública, a perda total
de confiança na capacidade dos governos cumprirem suas promessas e o dever de proteger os direitos
dos cidadãos e atender aos seus interesses. O fim desta confiança engendra, por outro lado, um
ambiente em que ‘ninguém assume o controle’, em que os assuntos do estado e seus sujeitos estão em
queda livre, e prever com alguma certeza que caminho seguir, sem falar em controlar o curso dos
ALIÁS » Zygmunt Bauman: 'Três décadas de orgia consumista resultaram em uma sensaçã…
acontecimentos, transcende a capacidade humana individual e coletiva. O ‘interregno’ significa que
 
velhas maneiras de agir não dão mais resultado, contudo, as novas ainda precisam ser encontradas ou
inventadas. Ou: tudo pode acontecer, mas nada pode ser feito e visto com certeza.

De repente, parece que o mundo virou de ponta­cabeça: ameaças
terroristas, crises econômicas, sociais e migratórias – e uma guinada
conservadora está em curso. Como chegamos até aqui? Isso foi uma
surpresa? 

A probabilidade dos fenômenos que você mencionou foi sugerida – na verdade, inferida – pelos
sintomas que se acumulam da cada vez mais ampla separação, beirando o divórcio, do poder (ou seja, a
capacidade de realizar as coisas) e da política (a capacidade de decidir quais coisas necessitam ser
feitas). Essas duas condições indispensáveis para uma ação efetiva até mais ou menos 50 anos atrás
caminhavam de mãos dadas no Estado-nação, mas se separaram e seguiram destinos diferentes:
enquanto o poder em grande medida ficou ‘globalizado’ – e se tornou ‘extraterritorial’, livre de
controles, direção e orientação por instituições políticas – a política permaneceu como antes, local,
confinada ao território do Estado e impotente diante da influência importante dos poderes que não se
submetem a controles e que são os que importam na escala global. Hoje, os poderes emancipados do
monitoramento e da supervisão política enfrentam políticos pé no chão e sofrendo o contínuo, e até
agora incurável, déficit de poder. Vivemos uma crise institucional permanente. Os instrumentos de ação
coletiva herdados dos nossos ancestrais e cujo fim foi servir à causa da independência de estados
territorialmente soberanos não são mais adequados nesta situação de interdependência mundial criada
pela globalização do poder.

A atual crise da democracia, e, portanto, a crise das instituições
democráticas, como o sr. coloca, são importantes tópicos de ‘Babel’. O
senhor diz que os governos democráticos são instáveis porque tudo está
fora de controle, e que a democracia não é autossuficiente. Qual é a real
ameaça que enfrentamos? E qual é a origem desta crise?

Uma advertência: ‘crise de democracia’ é uma abreviação, uma noção limitada. Em países com
constituições democráticas, a crise de um Estado-nação territorialmente confinado é culpa (afirmação
fácil, mas não muito competente) de seus órgãos e características definidos constitucionalmente, com a
divisão de poderes, liberdade de expressão, equilíbrio de poderes, direitos das minorias, para citar
alguns. Mas se a democracia está ‘em crise’ é porque o Estado-nação territorialmente soberano
(concebido em 1648 pelo Tratado de Westfalia e cuja fórmula é cuius regio eius religio – os súditos
obedecem ao governante) está em crise, incapaz de atacar e enfrentar, sem falar em solucionar,
problemas gerados pela nova interdependência da humanidade. Houvesse um governo autoritário ou
ditatorial substituindo um regime democrático, os órgãos políticos resultantes não estariam livres da
fragilidade dos órgãos de governos democráticos que ele substituiu e pela qual a democracia hoje é
acusada. Quero acrescentar que o veredicto atribuído a Winston Churchill (“democracia é o pior dos
sistemas políticos, à exceção de todos os outros”) continua verdadeiro até hoje. Para não dar confusão,
acho que é aconselhável evitar atribuir responsabilidades pela impotência observada hoje dos Estados
territorialmente soberanos e, em vez disso, analisar a incongruência fundamental do nosso tempo
ansiando por uma revisão radical das ideias e uma reformulação das formas de coabitação da
humanidade na Terra.» Segundo Ulrich Beck, essa incongruência deriva do fato de que nós todos,
ALIÁS Zygmunt Bauman: 'Três décadas de orgia consumista resultaram em uma sensaçã…  
gostemos ou não, já estamos inseridos numa situação cosmopolita, mas não nos preparamos
seriamente para a tarefa extremamente urgente de desenvolver e assimilar a consciência cosmopolita.

No Brasil existe um grupo pedindo a volta dos militares ao poder e
outro dizendo que o processo de impeachment contra a presidente
Dilma Rousseff é golpe político. Na Turquia, os militares tentaram
tomar o poder. De onde vem essa vontade de “ordem”? O quão
prejudicial isso pode ser para o atual estado das coisas? Enquanto isso,
Trump conquista legitimamente mais e mais eleitores. O que sua vitória
pode representar para o mundo? E o que sua ascensão nos diz sobre os
EUA de hoje?

O problema não é o número crescente, em vários países, de pretendentes a regimes autoritários, mas do
ainda mais rápido crescimento de seus devotados apoiadores. Não é uma questão sobre os que querem
o poder (eles sempre serão muitos, já que a demanda popular por eles é abundante), mas sobre a
ampliação da demanda pelos serviços que eles falsamente prometem que constitui indiscutivelmente o
mais perigoso dos desafios futuros que enfrentaremos. Aproveito para citar, neste aspecto, um
fragmento do meu recente livro Strangers At Our Doors: “Numa flagrante violação da intenção e das
promessas modernas de substituir as incertezas do destino por uma ordem coerente das coisas, sem
ambiguidades, orientada por princípios morais de justiça e responsabilidade – assegurando assim uma
correspondência estrita entre as aflições dos humanos e suas opções comportamentais –, os humanos
hoje veem-se expostos a uma sociedade repleta de riscos, mas vazia de certezas e garantias. A primeira
causa é a transcendental ‘individualização’, codinome dos que representam para a imaginada
insistência da ‘sociedade’ em subsidiar a tarefa de resolver os problemas gerados pela incerteza
existencial com recursos eminentemente inadequados exigidos dos próprios indivíduos. (...) Como
Byung-Chul Han sugere, nossa ‘sociedade de desempenho’ se especializou numa mudança no campo da
manufatura e no expurgo de ‘depressivos e desajustados’. Eles são simultaneamente vítimas e
cúmplices do seu fracasso e da depressão que ao mesmo tempo é causa e consequência. (...) Com os
poderes do alto lavando as mãos e rejeitando seu dever de tornar a vida das pessoas suportável, as
incertezas da existência humana são privatizadas, a responsabilidade para enfrentá-las tem de ser
arcada pelo frágil indivíduo, enquanto as opressões e calamidades existenciais são descartadas como
tarefas tipo ‘faça você mesmo’ a serem executadas pelo indivíduo que padece. (...) Para o indivíduo que
se vê abandonado e desalojado com a retirada do Estado, a ‘individualização’ pressagia uma nova
precariedade da condição existencial: uma situação ruim que se torna cada vez pior.” Agora este é um
contexto psicossocial em que a ânsia de um homem forte (ou mulher) que proponha ‘me deem o poder
absoluto e eu o libertarei das tormentas de riscos que você não consegue enfrentar e das decisões que
não consegue tomar’, só se expande.

Onde estão nossas utopias? Estamos perdendo nossa capacidade de
sonhar? 

Acho que uma mudança transcendental é provável. Ao sonharmos com uma sociedade mais acolhedora
e uma vida decente e significativa, avançamos gradativamente da utopia (lugar ainda inexistente, mas à
espera no futuro) para o que chamo de ‘retrotopia’ (‘volta ao passado’, ao modo de vida que foi
exageradamente, irrefletidamente e imprudentemente abandonado). Trato disso no meu novo livro,
<CF742>Retrotopia</CF>, a ser publicado pela Polity Books em 2017. Podemos concluir
sensaçã…que passado e
ALIÁS » Zygmunt Bauman: 'Três décadas de orgia consumista resultaram em uma  
futuro estão nesse quadro intercambiando suas respectivas virtudes e vícios. Agora é o futuro que
parece ter chegado ao tempo de ser ridicularizado, sendo primeiro condenado pela falta de confiança e
dificuldade de manejar e que está em débito. E agora o passado é o credor – um crédito merecido
porque neste caso a escolha ainda é livre e o investimento é na esperança na qual ainda se acredita.

O senhor é otimista com relação ao futuro próximo do mundo? A
esperança é mesmo imortal, como o senhor afirma em ‘Babel’?

Procuro seguir o preceito de Antonio Gramsci: ser pessimista a curto prazo e otimista a longo prazo.
Afinal, esta não é a primeira crise na história da humanidade. De alguma maneira, as pessoas
encontraram meios para superá-las no passado. Eles podem (e é essa capacidade que nos torna
humanos) repetir a façanha mais uma vez. A única preocupação é: quantas pessoas pagarão com suas
vidas desperdiçadas e oportunidades perdidas até que isto ocorra? /TRADUÇÃO DE TEREZINHA
MARTINO

Вам также может понравиться