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SIGLAS

BS Boletim Salesiano. Turim 1877 ss.

Cost. SDB Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales [1858]-1875.


Textos críticos de Francisco Motto, Roma LAS
1982.

E Epistolário de São João Bosco, 4 volumes (1835-1888), de Eugênio


Ceria. Turim, CEI 1955-1959.

Em JOÃO BOSCO, Epistolário, 2 volumes (1835-1868), edição Crítica


de Francisco Motto. Roma, LAS 1991 e 1996.

FdB ASC – Fundo Dom Bosco. Microfichas e descrição.

MB Memórias Biográficas de Dom (do Venerável... do Bem-aventurado...


de São) João Bosco, 20 volumes: 1-9, João Batista
Lemoyne; 10, A. Amadei; 11-19, Eugênio Ceria;
20(Índices), É. Foglio. São Benigno Canavese-
Turim 1898-1948, edição extra comercial.

MO (1991) JOÃO BOSCO, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales,


Edição crítica de Antônio Ferreira da Silva,
Roma, LAS 1991.

OE JOÃO BOSCO, Obras editadas, reprodução anastática, 38 volumes.


Roma, LAS 1977-1987.

RSS Pesquisas Históricas Salesianas. Revista semestral de história


religiosa e civil. Roma, LAS 1982 ss.

O Sistema preventivo (1877= texto publicado em primeira edição bilíngüe: Inauguração


do patronato de São Pedro em Nice. Finalidade do mesmo esposta pelo
padre João Bosco com apêndice sobre o Sistema Preventivo na
Educação da Juventude. Turim, Tipografia e livraria Salesiana 1977,
68 páginas, OE XXIII 380-446.

O Sistema preventivo (1878= promemória a Francisco Crispi, em JOÃO BOSCO, O


sistema preventivo na educação da juventude. Introdução e textos
críticos de Pedro Braido, RSS4 (1985) 171-321 [300-304].

NB. As “crônicas” utilizadas por J. Bonetti, de. Ruffino. J.B. Lemoyne, G. Berto, M.
Rua, G. Barberis, G. Reano, C. Viglietti, são tiradas de cadernos
manuscritos guardados no Arquivo Salesiano Central (ASC) de
Roma e Constam na Bibliografia.

PREVENIR, NÃO REPRIMIR


O Sistema Preventivo de Dom Bosco

Pedro Braido
LAS. Roma..
1999

APPRESENTAÇÃO

O “sistema educativo”, ou mais explicitamente, a experiência preventiva de Dom Bosco, é


um projeto que cresceu e progrediu nas muitas e variadas instituições e obras realizadas
por seus colaboradores e discípulos.
É óbvio que sua vitalidade operativa pode ser garantida no tempo, somente se for fiel à lei
de qualquer crescimento autêntico: a renovação, a adaptação, a continuidade.
A renovação é confiada ao persistente e repetido compromisso teórico de cada um e das
comunidades. É uma tarefa sempre aberta.
A continuidade só pode ser garantida pelo árduo confronto com as origens.
A finalidade desta rápida síntese é provocar um vivificante contacto com as raízes
primitivas da experiência preventiva de Dom Bosco e com seus traços fundamentais.
Este trabalho não pretende oferecer programas de ação imediatamente aplicáveis. Quer
somente descrever os elementos originais essenciais, ainda que historicamente
condicionados e limitados. Todo projeto presente ou futuro terá valor, somente se tiver em
conta estes elementos. Tempo e espaço culturais variam constantemente.
Nesta terceira edição, retocada e ampliada, o dado histórico é mais bem cuidado, certas
idealizações são atenuadas e alguns elementos úteis são mais esclarecidos, tudo com a
finalidade de ajudar inevitáveis revisões e revitalizações. Para tanto ajuda também a
bibliografia atualizada e enriquecida.
Pedro Braido
12 de setembro de 1998
INTRODUÇÃO

Parece já tranqüilo que a fórmula SISTEMA PREVENTIVO, interpretada com base nos
documentos deixados por Dom Bosco, e sobretudo à luz de sua experiência educativa e de
seus colaboradores, é própria para expressar tudo aquilo que ele disse e fez como educador.
Outro é o assunto com relação a seus contemporâneos.

É preciso notar que os termos preventivo e repressivo não são talvez os mais apropriados
para expressar uma realidade educativa, que comporta intervenções ativas, promocionais,
expansivas da personalidade do educando. Daí resulta que, às vezes, preventivo foi
interpretado, e o é ainda hoje em alguns lugares, como momento pré-educativo. Como
veremos mais adiante, Antônio Rosmini e Félix Dupanloup entendem o prevenir como um
dos momentos do processo educativo global, como se fosse uma pré-condição. Aconteceu
ainda pior com o termo repressivo. Houve quem o entendesse como não-educativo.

No decorrer do trabalho ficará claro que sistema preventivo e sistema repressivo são dois
verdadeiros sistemas de educação, relativamente distintos. Foram, em suas mais variadas
versões, praticados na história, tanto das famílias quanto das instituições. Ambos se fundam
sobre razões plausíveis e podem se orgulhar de metodologia e êxito positivos. Um se
preocupa mais com o garoto1 e com os limites de sua idade, portanto com uma assistência
assídua e amorosa do educador, que paternal ou maternalmente está presente, aconselha,
guia, ampara. Daí nascem regimes educativos de origem familiar. O outro se preocupa com
a meta a ser atingida, e por isso olha o jovem como um futuro adulto e como tal deve ser
tratado desde os primeiros anos. Nascem então regimes educativos mais austeros e
exigentes, escolas rigidamente regidas por leis, relações e atitudes fortemente
responsabilizantes, colégios de estilo militar e coisas semelhantes. Na realidade, na
plurimilenar experiência histórica, os dois sistemas foram vividos em versões
abundantemente compostas. Entre os dois se coloca, por exemplo, com plena legitimidade
histórica, teórica e prática, com vasta gama de aplicações, a chamada EDUCAÇÃO
CORRECIONAL, muito conhecida no mundo penal, educativo e re-educativo. Sobre isto
escrevia, com veemente paixão, quando Dom Bosco estava chegando em Turim, o
Conselheiro de Estado do Reino da Sardenha, conde Ilarione Petitti di Roretto (1790-1850),
no segundo capítulo de seu trabalho Della condizione attuale delle carceri e dei mezzi di
migliorarla (1840) com o título Dell’istoria dell’educazione correttiva e dello stato attuale
della scienza2.Ele desempenhou um papel de protagonista, como veremos mais adiante,
ocupando-se de jovens prestes a deixar a Generala, após um período de educação
correcional”3.

1
Não, certamente, no sentido mais evoluído da Pedagogia contemporânea, centrada no menino e ativista,
das escolas novas, do montessorismo e semelhantes.
2
D condição atual das prisões e dos meios para melhora-la. Tratado do conde Dom Carlos IlariãoPetitti di
Roreto, Conselheiro de Estado ordinário e sócio da Real Academia das Ciências. Turim, G. Pomba e Cia.
1840, em C.I.PETITTI di Roreto, Obras escolhidas, cuidada por G. M. Bravo. Turim, Fundação Luis Einaudi
1969, páginas 319-587, Capítulo 2, páginas 361-447. Cfr. mais adiante, capítulo 2, parágrafos 2 e 3.
3
Cfr adiante, capítulo 10, parágrafo 1.
O próprio Dom Bosco vai escrever no início de suas páginas de 1877 sobre o sistema
preventivo: dois são os sistemas usados na educação da juventude em todos os tempos:
Preventivo e Repressivo4.

Fazia a mesma distinção no promemória a Francisco Crispi, alguns meses depois: dois são
os sistemas usados na educação moral e cívica da juventude: Repressivo e Preventivo,
ambos aplicáveis na sociedade civil e nas casas de educação5.

Dom Bosco optou pela primeira hipótese e por uma tradição que, provavelmente menos
usada do que a outra, ele a julgava mais apropriada aos tempos e à juventude de que se
ocupava.

Nesta prospectiva, ele certamente não elaborou um sistema pedagógico preventivo em


termos teoréticos, mas muito conscientemente experienciou e refletidamente adotou
princípios, métodos e instituições que lhe permitiram dar aos jovens uma formação humana
e cristã bastante completa, e indicar aos seus colaboradores uma proposta educativa
orgânica e unitária. “Preventivo” para ele nunca foi entendido como puro momento
propedêutico, preventivo, preparativo da educação propriamente dita, nem simplesmente
limitado ao setor da disciplina ou do governo, que, para Herbart, era um dos três pilares da
pedagogia científica.

Nas mesmas paginas sobre o SISTEMA PREVENTIVO NA EDUCAÇÃO DA


JUVENTUDE DE 1877, os elementos educativos positivos superam de muito, em
qualidade e em quantidade, as medidas disciplinares e protetivas. Fala-se de educadores que
são pais amorosos, constantemente presentes na vida dos alunos, que falam, guiam,
aconselham, corrigem amigavelmente. A missa quotidiana e os sacramentos da penitência e
da eucaristia são considerados colunas que sustentam todo o edifício educativo. Suas bases
de conteúdo e de método são a razão, a religião e a amorevolezza. A prática global é
inspirada na caridade, conforme canta São Paulo (1Cor 13).

A propósito, cumpre lembrar a feliz intuiçâo do pedagogista austríaco Hubert Henz,


que, referindo-se explicitamente ao sistema preventivo de Dom Bosco, assim escreve: o
método preventivo é um modo de educar que previne a corrupção moral do aluno e a
necessidade de punições. Exige do educador estar constantemente com o aluno, numa total
dedicação à tarefa educativa, numa vida juvenil rica, dinâmica, completa.”O algo mais
que ele deseja do sistema preventivo, é justamente aquilo que Dom Bosco entende com o
seu preventivo: tornar os jovens honestos cidadãos e bons cristãos, maduros e
responsáveis. Com efeito, o seu sistema preventivo visa este objetivo e não se completa no
simples proteger ou amparar6.

Por outro lado, as páginas de 1877 não são as únicas que falam do sistema preventivo, ainda
que seja a primeira vez que a fórmula é adotada. Dom Bosco voltará, na palavra e nos

4
O Sistema Preventivo (1877), página 44, OE XXVIII 422.
5
O Sistema Preventivo (1878), RSS 4 (1985) 300.
6
HENZ, Manual de Pedagogia Sistemática. Friburgo, Herder 1964, página 232.
escritos, a usar o termo no decênio sucessivo. Mas a mentalidade claramente preventiva o
havia inspirado desde os primeiros anos de dedicação à obra assistencial em favor dos
jovens pobres e desamparados, que deveriam ser prevenidos, protegidos, salvos, a começar
pelos meios e pelos recursos aptos a introduzi-los e a fazê-los crescer no mundo da graça,
além de fazer uma obra construtiva em nível de subsistência, instrução, profissão,
crescimento moral e social7.

Nos últimos anos, na sua palavra, o sistema preventivo se tornou o nosso sistema educativo
e até mesmo espírito salesiano8.

Nesta ótica foi realizada a presente exposição sistemática da experiência pedagógica de


Dom Bosco: uma experiência educativa prática, constantemente integrada pela reflexão e
por uma verdadeira experimentação9. A re-construção consta nos dez capítulos da
segunda parte da obra.

Mas, visto que se trata de uma experiência e não de uma teoria abstrata, ela não pode ser
entendida sem uma referência explícita à personalidade de Dom Bosco. Por sua vez, esta
experiência e a própria idéia preventiva se tornam compreensíveis à luz do contexto no
qual o protagonista age, e do longo tempo no qual a idéia vai aos poucos amadurecendo.
É este o motivo dos oito primeiros capítulos do livro.

Para maior clareza, o primeiro capítulo se destina a descrever os tempos e os espaços


mais amplos onde Dom Bosco inicia sua obra e elabora gradualmente sua experiência
educativa e pedagógica. Tal jeito de encarar o problema da colocação de Dom Bosco
educador na história de curta e de longa duração, nasce da convicção de que o sistema
preventivo, mesmo aquele que é vivido e entendido pela tradição cristã, não esgota todos
os possíveis sistemas de educação, nem o sistema preventivo de Dom Bosco exaure todas
as possíveis versões do sistema preventivo. Este não é riqueza solitária. Tem origens
longínquas. Primeiramente no evangelho. E se formos fiéis à história, ele continua rico de
promessas e de progressos para o futuro.

7
Sobre os primeiros vinte anos de trabalho entre os jovens e sobre o “Sistema Preventivo” constantemente
seguido, cfr. PEDRO BRAIDO, O Sistema Preventivo de Dom Bosco nas origens (1841-1862). O caminho do
“preventivo” na realidade e nos documentos, RSS14 (1995) 255-320.
8
Cfr PEDRO BRAIDO, a experiência pedagógica de Dom Bosco em seu “devir”, em “Orientamenti
Pedagogici” 36 (1989) 27-36.
9
Cfr PEDRO BRAIDO, pedagogia perseverante entre desafios e apostas, em “Orientamenti Pedagogici” 38
(1991) 906-911.
CAPÍTULO 1

OS TEMPOS DE DOM BOSCO

Dom Bosco vive entre 16 de agosto de 1815 e 31 de janeiro de 1888 . Seu nascimento
coincide com a data que marca a passagem definitiva da Europa do antigo regime à idade
contemporânea. Esta passagem foi provocada pela revolução francesa e pelo império
napoleônico (1789-1814).
A reviravolta teve uma freiada nas resoluções do congresso de Viena (1814-1815), que deu
uma provisória organização na geografia política da Europa, e na Santa Aliança (26 de
setembro de 1815).

Mas com o tempo, tomarão a frente fenômenos tão profundos, que tudo ficará mudado no
final do século: o rosto da Europa, e de certo modo do mundo inteiro, mudou . Entre os
principais fenômenos se podem destacar: as rápidas transformações culturais e sociais; a
revolução industrial; as profundas aspirações à unidade nacional, que de início
inesperadas, foram depois realizadas com particular determinação na Alemanha e Itália; a
expansão colonial da Europa e o concomitante imperialismo econômico, político, cultural1.

O resultado é, antes de tudo, em modo progressivo e diversificado, a passagem do modelo


secular de sociedade das ordens (aristocracia, clero, estado), para a sociedade burguesa,
fundada na divisão de classes. Esta sociedade vai ser marcada por crescentes tensões,
acirradas pelo nascer de um proletariado industrial consciente da própria miséria, das
injustiças existentes, e, ao mesmo tempo, da própria força, principalmente graças à
consciência socialista emergente.

De grande significado histórico é a revolução industrial, a mais dramática depois da


revolução neolítica2, com imprevisíveis repercussões em todos os níveis da vida humana:
técnico-científico, econômico, social, cultural, político. A revolução industrial de cunho
capitalista teve sua pátria na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII. Em meados
do século XIX se afirmará em graus diversos na Bélgica, na França, na Alemanha, na
Suíça, nos Estados Unidos. Na Itália ela vai iniciar mesmo nos últimos 20 anos do século:
quanto aos decênios precedentes, pode-se, no máximo, falar de fenômeno de pré-
industrialização em nível local, como Turim, por exemplo.

Gradualmente mais clara, intensa e desenvolvida, acontecerá a unidade política da nação,


promovida, sobretudo, pelas forças liberais e democráticas, obstaculadas pelo
conservadorismo político, pelos regionalismos e por visões particularistas: na Itália, entre
outras, pelas condições especiais do Estado Pontifício. Não se pode esquecer que, após o

1
Cfr J. GODECHOT, A época das revoluções. Turim, UTET 1981, 929 páginas.
2
Cfr C. M. CIPOLLA, A revolução industrial em: História das Idéias políticas, econômicas e sociais, aos
cuidados de L. Firpo. Turim UTET 1972, Volume V, página 11.
Congresso de Viena, a Itália, que no decorrer dos séculos, nunca lograra uma unidade
nacional, estava dividida nas seguintes unidades políticas: o reino Lombardo-Vêneto,
sujeito ao domínio austríaco (o Trentino, Trieste e parte da Ístria tornaram-se territórios
imperiais); o Ducado de Parma e Piacenza, doado a Maria Luísa de Absburgo (1815-
1847), ex-imperatriz dos franceses (quando morrer, o Ducado passará aos Bourbons de
Parma); o Ducado de Modena e Reggio, consignado a Francisco IV de Absburgo-Este
(1815-1846); o Ducado de Massa e Carrara concedido a Maria Beatriz de Este, mãe de
Francisco IV(quando morrer em 1831, o Ducado passará ao filho); o Ducado de Lucca,
dos Bourbons de Parma. Foi depois incorporado ao Grão-Ducado da Toscana, quando
morreu Maria Luísa, em 1847, com a passagem dos Bourbons de Parma ao Ducado de
Parma e Piacenza. O Grão-Ducado da Toscana, doado a Fernando III de Absburgo-
Lorena (1814-1824), irmão do imperador da Áustria, Francisco I de Absburgo (1806-
1832); o Estado Pontifício, restituído em Avinhão a Pio VII(1800-1823); o reino das Duas
Sicílias, cedido a Fernando IV de Bourbon (1815-1825); o reino da Sardenha sob Vítor
Manoel I de Sabóia (1802-1821), formado pela Sabóia, Piemonte, Nizza, Sardenha e
aumentado depois com o território da ex-república de Gênova3.

Com a ascenção das nações mais poderosas (Inglaterra, França, Alemanha, Áustria,
Rússia), a Europa atinge seu apogeu na segunda metade do século. Nos últimos trinta anos
a consolidação do capitalismo e a intensificação da revolução industrial tornarão mais
violenta a competição econômica e mais acelerada a corrida armamentista. Ao mesmo
tempo cresce a exigência da expansão comercial, política e cultural em nível mundial. Esta
exigência encontra sua manifestação mais vasta e brilhante no colonialismo, com a
consequente reviravolta dos espaços extra-europeus4. Ao mesmo tempo, entram para o
cenário mundial duas novas grandes potências: os Estados Unidos e o Japão.

Não pode ser esquecido o fenômeno da emigração das massas, que de 1840 a 1914 leva de
30 a 35 milhões de europeus a deixar a Europa para se espalharem pelo mundo. A pressão
demográfica era determinante: em 1800 a população da Europa, contando com a Rússia,
era de 180 milhões de habitantes. Em 1850 já eram 274 milhões ; em 1900, 423 milhões.

Junto com a crescente complicação da vida econômica, social, política e com o ainda que
lento ampliar-se das liberdades, cresce um pluralismo mais evidente das concepções de
mundo, das ideologias políticas, dos conceitos morais e religiosos. Emergem grandes
orientações de idéias e de ação divergentes nas concepções e organizações tanto dos
destinos individuais quanto das formas de vida associada . Apesar de persistentes forças
conservadoras e às vezes reacionárias, avançam ideologias novas: liberais, continuando a
natureza burguesa da revolução francesa ; democráticas e radicais, semelhantes às suas

3
A republica de São Marino Conservara sua secular independência.
4
Sobre o imperialismo e colonialismo do século XIX, cfr. A. DESIDERI, História e Historiografia, volume II
Do iluminismo à idade do imperialismo. Messina – Florença, G.D’Anna 1997, 1337 páginas; R Marx-
R.Poidevin, Da revolução francesa ao imperialismo. Milão, CDE 1990, 410 páginas; P. SINANNI, emigração
e imperialismo. Roma, editoras reunidas 1975, 258 páginas; F. BOIARDI, História das doutrinas políticas,
volume V colonialismo e imperialismo (1875-1945). Milão, Nova CEI 1982, 911 páginas; G. BALANDIER e
outros, As religiões na idade do colonialismo e do neo colonialismo. Bari-Roma, laterza 1990, XXIV-307
páginas.
expressões jacobinas; nacionais e nacionalistas, de cunho romântico; mais tarde,
socialistas de um lado e cristãs-sociais de outro5. .

Para uma compreensão do mundo espiritual italiano, da impostação pastoral, do caráter


das iniciativas assistenciais , educativas e catequéticas, pode ser útil uma referência
histórica especifica da região mestra, o Piemonte, da Itália, interessada nos
acontecimentos decisivos e nas notáveis transformações nos diversos campos: políticos,
religioso sócio-econômico, educativo-escolar.

1. Elementos de transformação em campo político

O acontecimento político mais importante é a unificação nacional e o fim do poder


temporal dos papas: também para este aspecto, a história política da Itália se entrelaça
inevitavelmente com a história religiosa6. No fim do processo evolutivo (1870, tomada de
Roma), os nove estados nos quais a península é desmembrada, tornam-se um único
organismo político.

Ocorre aqui fixar a sucessão dos reis de Sabóia: Vítor Manoel I (1802-1821), Carlos Félix
(1821-1831), Carlos Alberto (1831-1849), Vítor Manoel II (1849-1878), Humberto I (1878-
1900), que tomaram parte na “revolução” nacional. No período 1815-1848 domina o
clima da “restauração”, que é também “reação”. Progridem, ao mesmo tempo, as idéias
liberais e se espalham movimentos e sociedades quase sempre secretas, decididas a
promover movimentos mais radicais em campo político e social de inspiração
“democrática”: maçonaria, federações, ligas estudantis, a “Jovem Itália” e a “Jovem
Europa” de G. Mazzini. Com frequência explodem movimentos revolucionários: nos
biênios 1820-1821 e 1830-1831, em 1834, em 1843, 1844, 1845. É o prelúdio da grande
insurreição de caráter político, social, nacional que de Paris se propaga pelas principais
capitais e cidades européias em fevereiro-junho de 1848: Viena, Budapeste, Praga,
Berlim, Milão, Veneza, Palermo, Nola no Napolitano. São concedidas “constituições”
forçadas ou espontâneas, muitas delas rasgadas logo depois por repressões autoritárias.
Carlos Alberto concede o Estatuto em 4 de março, e comanda contra a Áustria uma
primeira guerra de independência (1848-1849), que acaba com a derrota e com a
abdicação.

Com relação à ordem precedente, grande parte dos católicos se sente improvisamente
colocada diante de situações quase traumáticas: a liberdade de imprensa e portanto
também de propaganda religiosa, a competição com forças leigas e muitas vezes
anticlericais, a perda de privilégios seculares, como o foro elesiástico e as imunidades com
a lei Siccardi de 1850, a expulsão dos jesuítas do reino Sardo, das Damas do Sagrado
Coração, do arcebispo de Turim, Dom Luís Fransoni, a supressão das Ordens Religiosas e

5
R. ALBRECHT-CARRIÉ, As revoluções nacionais. Turim, UTET 1981, 543 páginas.
6
Por uma parte a existência do estado pontifício é visto como problema territorial e político italiano; ao
contrário, pela outra é considerada problema teológico vital que interessa à Igreja universal e abarca a
política internacional.
o confisco dos bens em 1855, algumas restrições no campo escolar, em força da lei
Boncompagni de 1848 e Casati de 1859.

O decênio 1852-1861 é dominado pelo presidente do Conselho, Camilo Benso de Cavour


(ministro desde outubro de 1850). Apoiado em uma coligação de liberais moderados e de
democráticos não extremistas, comandados por Urbano Rattazzi, ele conduz uma enérgica
política de liberalização leiga do estado, com base no princípio Igreja livre em Estado
livre, unida a uma intensa atividade visando internacionalizar o problema da unidade da
Itália. Esta acontece em sua maior parte no biênio 1859-1860, com a segunda guerra de
independência (1859), com a expedição dos Mil, comandada por Garibaldi (1860) e com
as sucessivas anexações. Completa-se quase inteiramente com a terceira guerra de
independência (anexação do Vêneto em 1866) e com a tomada de Roma (1870 ). Já em 16
de março de 1861, Vítor Manoel II foi proclamado rei da Itália e Roma declarada
formalmente capital: tornar-se-á de fato em 1871, com a transferência para lá da corte e
do governo, que estavam provisoriamente em Florença, no período 1865-1871.

A Santa Sé não aceitou o fato consumado, não reconheceu a lei das garantias 7 e em 1874
proibiu os católicos italianos de participar das eleições parlamentares de um Estado
usurpador.

Sobre a Direita histórica (liberais moderados), em 1876 prevaleceu no Parlamento a


Esquerda histórica, constituída por liberais de esquerda e apoiada em forças muitas vezes
heterogêneas (o transformismo), que deram vida a sucessivos ministérios, liderados por
Agostinho Depretis, Bento Cairoli e Francisco Crispi, com manifestações quase sempre
laicistas e radicalizantes.

2. Situações no campo religioso

Também na vida religiosa é clara a passagem de acentuada aliança entre trono e altar a
uma crescente separação, imposta em parte por medidas políticas consideradas vexatórias,
provocada em larga escala pela incapacidade de respeitar operativamente as necessárias
distinções entre a esfera do religioso e do político, consumada enfim pela autoexclusão
política da não aceitação da Igreja.É todavia notável a presença da Igreja e dos católicos
no campo religioso e social.

2.1. Na Igreja católica

Aparecem como animadores da reconquista cristã da sociedade os papas, cercados de


novo prestígio depois das medidas perseguidoras revolucionárias (Pio VI) e napoleônicas
(Pio VII). São eles: Pio VII (1800-1823), eleito em Veneza depois da morte de Pio VI em

7
Era a lei de 13 de maio de 1871, através da qual o estado italiano pretendia legitimar a ocupação de Roma
de 20 de setembro de 1870, a conquista para o reino da Itália do ex-estado pontifício e regulamentar as
relações com o vaticano. Esta lei nunca foi reconhecida pela Santa Sé
Valence (França), Leão XII (1823-1829), Pio VIII (1829-1830), Gregório XVI (1831-
1846), Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903).

Sem dúvida, em prospectiva mundial, a Igreja católica apresenta sinais evidentes de


retomada, de aprofundamento e reforço das próprias estruturas e da ação evangelizadora
e pastoral. Instauram-se relações mais amplas com as várias nações através de
concordatas. É determinante a retomada missionária. Multiplicam-se as tomadas de
posição doutrinais, diferentes no significado teológico e nos êxitos: a encíclica Mirari Vos
de GregórioXVI sobre o catolicismo liberal (1832), a definição do dogma da Imaculada
Conceição (1854), a publicação da encíclica de Pio IX Quanta Cura e do Syllabus (1864)
contra os erros do século, a celebração do Concilio Vaticano I (1869-1870) com a
promulgação da Constituição De Fide Catholica e a proclamação do dogma da
Infalibilidade Pontifícia.

Há uma forte onda de conversões ligadas à mentalidade romântica e depois com o


movimento de Oxford, iniciado em 1833 e alimentado pela conversão de J.H. Newman
(1801-1890) em 1845, e de H. E. Manning (1808-1892) em 1852.

Com Leão XII em 1824 acontece uma primeira restauração dos estudos universitários. É o
ponto de partida para um revigoramento da cultura e para uma mais cuidadosa formação
do clero, que tem o seu apogeu com Leão XIII.

Ao empenho caritativo dos católicos se somam, ao longo do século, mais fortemente na


Alemanha e na Bélgica, expressões do catolicismo social, que encontrarão seu primeiro
aval oficial na encíclica Rerum Novarum de 1891. São precedidas de um explícito
enquadramento organizativo e apostólico do laicato.

Fenômeno característico do século XIX é, enfim, a proliferação de congregações religiosas


masculinas e femininas com finalidades caritativas, assistenciais, educativas, missionárias.

O encontro com o mundo novo que nasce, parece fundamentalmente positivo quando a
Igreja é governada por Pio VII, ajudado pelo cardeal Hércules Consalvi (1757-1824).
Sofre turbulências e freiadas com Leão XII e com Gregório XVI. Torna-se, primeiro,
encontro entusiasta; depois, espera ambígua; enfim, conflito político-religioso com Pio IX
e com o cardeal Antonelli.

A anistia concedida por Pio IX, um mês depois da eleição (1846), suscita entusiasmos
desmedidos, acrescidos por decisões sucessivas: a resolução de construir ferrovias
(manifesto do 7 de novembro), o edito sobre a imprensa de 15 de março de 1847, a
instituição da Consulta (19 de abril e 14 de outubro), a criação do conselho de Ministros
(12 de junho), a formação da guarda Cívica (5 de julho), a instituição do Conselho
Municipal de Roma (3 de outubro), e a cautelosa introdução de leigos no conselho de
Ministros (29 de dezembro). Seguem a célebre Alocução de 10 de fevereiro de 1848 e a
concessão do Estatuto em 14 de março de 1848. Multiplicam-se assim as manifestações
populares de consenso e se propaga o grito: “Viva Pio IX”, com a crescente pressão dos
círculos “democráticos”8.

Mas a partir da Alocução de 29 de abril de 1848, na qual a viva simpatia pela causa da
unidade nacional italiana, é claramente acompanhada pela declaração da impossibilidade
de intervir diretamente contra a Áustria, acirram-se ambiguidades e incompreensões .

Chega-se quase fatalmente ao confronto: o assassinato do Presidente do Conselho


Pellegrino Rossi e a revolução romana (15-16 de novembro de1848), que desembocará,
depois da fuga do papa para Gaeta (24 de novembro), em um governo provisório laicista e
na proclamação da República Romana (5 de fevereiro de 1849). Depois da volta a Roma
(1850), reconquistada pelas tropas francesas no ano precedente, Pio IX, ajudado pelo
cardeal Antonelli (1806-1876), conduzirá uma política intransigente, que excluirá
qualquer possível acordo com o governo italiano sobre a existência da Roma papal e do
Estado Pontifício.

Não é sem fundamento falar, com referência aos extratos mais vivos da catolicidade, de um
verdadeiro “caso de consciência”, que, às dificuldades de conciliar o ser “cristão” e o ser
“cidadão” no novo estado leigo, acrescentava o conflito entre a paixão pela unidade
nacional e a fidelidade ao papa, ao mesmo tempo chefe espiritual e soberano de um estado,
cuja existência era incompatível com tal unidade.

2.2. Na Igreja em Turim

O Piemonte não ficou alheio à complexa problemática religiosa católica italiana. Antes,
por sua particular posição política, por seu nível cultural e econômico e pela riqueza de
suas obras de caridade, serve de paradigma para outras regiões.

Durante a vida de Dom Bosco, cinco arcebispos se sucedem na Igreja de Turim:


Colombano Chiaverotti, camaldulense (1818-1831); Luís Fransoni, de nobre família
genovesa (1832-1862, expulso do reino Sardo em 1850, morreu em Lyon em 1862);
Alexandre Riccardi di Netro, de Biella (1867-1870); Lourenço Gastaldi, de Turim (1871-
1873);o cardeal Caetano Alimonda (1883-1891).

Na situação histórica e pelas singularidades de temperamento, Chiaverotti, Fransoni e


Gastaldi tiveram uma influência mais duradoura. Monsenhor Chiaverotti distingue-se pela
intensa cura pastoral numa diocese provada pelo período revolucionário e napoleônico.
Ele reabre o seminário de Bra para os estudantes de filosofia, acerta o de Giaveno
conforme o espírito da Igreja, e em Chieri, na casa dos Filipinos, abre uma sucursal do
seminário filosófico-teológico de Turim (1829): neste seminário estudará Dom Bosco, no
sexênio 1835-1841. Neste ínterim nascia em Turim o Convitto (Colégio Eclesiástico) de

8
Durante uma visita a Roma, em 1846, o Conde Solaro della Margherita “observava que ninguém gritava
“Viva o papa”, mas somente “Viva pio IX” (...)”: P.PIRRI, Visita de Solaro della Margherita a Pio IX em
1946, em : “La Civiltá Catolica” 1928, III, página 509 (Carta ao rei de 05 de setembro de 1846).
São Francisco de Assis. Iniciou-o o teólogo Luís Guala em 1817, num clima de quentes
discussões entre probabilistas e tucioristas. O arcebispo o aprovou em 23 de fevereiro de
18219.

Mais decisivo na história da Igreja de Turim e da Itália, foi o governo de Monsenhor


Fransoni. Ele se dedica, antes de tudo, ao cuidado do clero, assim distribuído segundo
uma estatística de 1839: 623 sacerdotes diocesanos, 325 sacerdotes religiosos, 216
religiosos leigos, 213 freiras. Com a Restauração, a Igreja do reino da Sardenha tinha
recuperado os direitos e os privilégios do antigo regime, em força de uma legislação
fortemente confessional de conotação jurisdicista. A censura eclesiástica é forte e o
sistema escolar é de inspiração clerical, baseado no Regulamento de 1822, de clara
orientação jesuítica. Predominam tendências conservadoras, muitas vezes até
reacionárias. São consideradas suspeitas instituições e inovações com ressaibos de
liberalismo, de protestantismo, de espírito revolucionário: obras filantrópicas como a
Casa de acolhida da Mendicância, as escolas para a infância de Aporti, os cursos de
metódica (é típico o choque entre Fransoni e Carlos Alberto, por ocasião do curso
ministrado por Aporti do fim de agosto a princípio de outubro de 1844), as escolas
noturnas e dominicais, as ferrovias, os Congressos científicos. A situação se agrava
definitivamente a partir de 1847, com as primeiras reformas e com a demissão, da parte de
Carlos Alberto, do reacionário conde Solaro della Margherita, com redimensionamento
da censura, com a liberdade de imprensa e de culto, com a abolição do direito de asilo e
do foro eclesiástico. A partir deste momento, a história religiosa do Piemonte e os
conflitos que a caracterizam entrelaçam-se sempre mais com a história da Itália, dando
lugar a repercussões sempre mais vastas.

Neste período, é importante a reunião de Villanovetta, de 25 a 29 de julho de 1849, dos


bispos da província eclesiástica de Turim, preocupados em projetar uma ação comum
frente à nova situação política e religiosa. Nesta reunião, é examinado o problema da
imprensa, e os bispos de Mondovì e de Ivrea são convidados a “apresentar um projeto de
associação para a imprensa e difusão dos melhores escritos eclesiásticos”.

Particular atenção se deveria ter com as orientações morais e pastorais. Um elemento ou


outro será indicado mais adiante, sobre o Convitto eclesiástico e as dependências das
doutrinas de Santo Afonso e da espiritualidade juvenil, propagada particularmente pela
então renascida Companhia de Jesus 10.

9
Cfr. G.TUNITETTI, Lourenço Gastaldi (1815-1883), volume I. Teólogo, publicista, rosminiano, bispo de
Saluzzo 1815-1871. Casale Monferrato, Edições Piemme 1983, páginas 35-37.
10
Cfr PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, dois volumes, Roma, LAS
1979/1981; IDEM, Dom Bosco na história econômica e social (1815-1870),Roma, LAS 1980. Pode ser de
orientação a seguinte nota: “Não causa maravilha se, no santuário de Lanzo e no Colégio Eclesiástico,
dominasse o espírito da Companhia de Jesus e as suas características distinguissem os cenáculos espirituais
dirigidos por Guala: Ascética inaciana, luta decisiva contra o jansenismo e o regalismo, sincera e terna
devoção ao Sagrado Coração, a Nossa Senhora, ao Papa, freqüência dos sacramentos, a teologia moral
segundo o espírito de santo Afonso”: F.BAUDUCCO, S.I, São José Cafasso e a Companhia de Jesus, em “A
Escola Católica” 88 (1960) 289.
3. Elementos de transformação no campo sócio-econômico

Neste espaço de tempo a Itália apresenta um mapa econômico e social muito heterogêneo
segundo as regiões e as diversas entidades políticas. A população passa dos 18 milhões no
início do século aos 24 milhões em 1850, aos 34 milhões no fim do século. A região vive
uma estrutura agrícola e artesanal e ficará assim, mesmo depois da primeira
industrialização do fim do século11. Permanece grande a disparidade entre região e região
e, sobretudo, entre norte e sul, tornando sempre mais grave a chamada “questão
meridional”. Mas, ainda que em graus diferentes, a pobreza está presente em toda parte,
mais nos campos e nas montanhas que nas cidades, que se tornaram metas das migrações
dos pobres, com o inevitável cortejo das doenças físicas e mentais, dos desnutridos e
malnutridos12.

Fenômenos parciais de retomada se vêem especialmente em 1850; e um dos centros mais


envolvidos é justamente o Piemonte e a capital Turim. No século XIX a capital registra
uma notável expansão demográfica, econômica, habitacional. A população da cidade se
torna cinco vezes maior, passando dos 65 mil habitantes em 1808 aos 320 mil em 1891,
com um ritmo de crescimento particularmente rápido entre 1835 e 1864 (de 117 mil a 218
mil) e especialmente de 1848 a 1864( de 137 mil a 218 mil)13

No período mais quente dos inícios do Oratório, a cidade vê aumentar seus habitantes de
80 mil unidades, das quais 25 mil no quinquênio 1858-1862. Não intervêm somente causas
sócio-políticas, mas também econômicas: carestia na montanha e no campo; aumento das
fábricas na cidade: fábricas de tecidos, arsenal, moinhos, fábrica de alimentos, de armas,
de fumo, de carruagens e carroças, ampliação da burocracia e dos empregos; aumento da
construção civil; melhoramento das comunicações. Em 1858 o Piemonte tinha 935
quilômetros de ferrovias contra 100 do reino de Nápoles e 17 do Estado Pontifício;
providências legislativas extraordinárias; iniciativas da administração civil, também para
prevenir uma possível crise que poderia acontecer com a transferência da capital para
Florença(1865)14

Este fenômeno da migração interna deu endereço ao primeiro apostolado oratoriano de D.


Bosco; depois de 1870 vai motivar a abertura de várias obras na Itália e na França.

11
Cfr. A obra fundamental em colaboração , aos cuidados de G.MORI, A industrialização da Itália (1861-
1900) Bolonha, Il Mulino 1981, segunda edição, 509 páginas.
12
Cfr. F.DELLA PERUTA, Aspectos da sociedade italiana na Itália da Restauração, em “Estudos históricos”
17 (1976) número 2, páginas 27-68; Temor e caridade. Os pobres na Itália moderna. Atas do Congresso,
Pauperismo e assistência nos antigos estados italianos, Cremona, 28-30 março de 1980, aos cuidados de G.
Politi, M. Rosa e F. Della Peruta. Cremona, edição do Congresso de 1982, XIV-500páginas; A.
MONTICONE, pobres a caminho. Mobilidade e assistência entre a Úmbria e Roma na idade moderna. Milão.
F. Angeli 1993, XIV-417 páginas; F. DELLA PERUTA, doença e medicina, sétimo volume dos Anais da
História da Itália. Turim, Einaudi 1984, XX – 1293.
13
Uma imagem precisa de Turim pode ser encontrada no volume do Padre Pedro Baricco, por vários anos
vice-prefeito da cidade: Turim descrita. Turim, tipografia de João Batista Paravia e companhia, 1869, 972
páginas.
14
G. M. BRAVO, Turim operária: mundo do trabalho e idéias sociais na época de Carlos Alberto. Turim,
Fundação Luís Einaudi 1968, 300 páginas.
3. Transformações no campo cultural, educativo, escolar

À estagnação dos primeiros decênios do século, sobretudo depois de 1830, dá lugar um


gradual interesse pela cultura e pela escola popular. A ação catequética se põe num
contexto de notável expansão pedagógica e escolar na Europa, na Itália e no Piemonte15.
Na primeira metade do século floresce o romantismo com Fröbel, Pestalozzi, Girard, e
outros; aparece a escola realista de Herbart; cresce o espiritualismo; um pouco mais
tarde, a pedagogia e a didática positivistas. No Piemonte é sensível, a partir dos anos 30,
a contestada simpatia pelos internatos infantis de Ferrante Aporti, iniciados em Cremona
em novembro de 1828.

Mais adiante faremos menção de reais ou hipotéticos contactos entre estas novas
iniciativas
do oitocentos e as instituições juvenis de Dom Bosco16.

No plano da organização escolar, depois do reacionário Regulamento de Carlos Félix


(1822), nota-se uma primeira decidida ruptura com o passado, provocada pela lei
Boncompagni, que consagra certo monopólio estatal revertendo a situação precedente,
concentrando a instrução pública nas mãos do Secretário de Estado para a Instrução
Pública17.

Uma re-ordenação geral da Instrução Pública é feita pela lei Casati de 13 de novembro de
1859. O poder executivo foi pondo limites sempre mais apertados à escola particular. O
próprio Dom Bosco teve este problema na condução de suas escolas.

Também o caminho da escola pública italiana, no decorrer de todo o século, ficava longo e
difícil, sobretudo em nível de instrução elementar e popular.1

15
Ainda na metade do século a Itália sofre, como a maioria da população européia, a praga do
analfabetismo. Dom Bosco, porém, inicia a sua obra no Piemonte, que era a região mais alfabetizada e das
menos pobres.
16
Cfr. A. GAMBARO, A pedagogia italiana na época do Risorgimento, em Novas questões de história da
pedagogia, volume II. Brescia. La Scuola 1977, páginas 535-796; D. BERTONI JOVINE, História da escola
popular na Itália. Turim. Einaudi 1954, 511 páginas.
17
Cfr. V. SINISTRERO, A lei Boncompagni de 4 de 0utubro de 1848 e a liberdade da escola, em
“Salesianum” 10 (1948) 369-423.
18
Cfr. G. GOZZER e outros, Ensaios de história da escola italiana da lei Casati a 1982. Roma, Armando 1982,
147 páginas; D. RAGAZZINI, História da escola e história da Itália desde a unificação até hoje. Bari, De
Donato 1982, 276 páginas; D. RAGAZZINI, História da escola italiana. Linhas gerais e problemas de
pesquisa. Florença, Le Monnier 1983, 132 páginas. Sobre a situação nos anos que sucederam imediatamente
à lei Casati, quem fornece documentação preciosa é G. TALAMO, A escola, da lei Casati à inspecção de
1864. Milão, Giuffrè 1960,VII-420 páginas. A revista “Os problemas da pedagogia” 5 (1959), número 1 de
janeiro-fevereiro, dedicou um número especial à lei Casati de 13 de novembro de 1859, que depois se tornou
a lei orgânica da escola italiana até à reforma Gentile de 1923.
CAPÍTULO 2

MELHOR PREVENIR QUE REPRIMIR

Após a imprevista e traumática experiência da revolução francesa, seguida pela não menos
radical subversão da ordem antiga, causada por Napoleão Bonaparte (1769-1821), a
Europa parecia quase obcecada, mais do que em qualquer outro tempo, pela idéia
preventiva. Ela vem acompanhando projetos “restauradores” com diferentes acentuações,
conforme as mentalidades e as culturas.

Em vários setores conservadores ou mesmo reacionários, restauração e prevenção são


motivadas pelo medo e caracterizadas por não poucas atitudes repressivas. É medo dos
novos revolucionários, das seitas, das sociedades secretas do “liberalismo” (liberdade de
imprensa, de associação, de cultos). É, além disso, desconfiança de novas iniciativas
educativas tidas como subversivas; são consideradas uma ameaça ao princípio de
autoridade, porquanto precocemente voltadas para a educação da racionalidade e da
independência da família e da Igreja: os novos métodos, a formação de grupos, a escola
popular, os internatos infantis (J. de Maistre, Monaldo Leopardi, Clemente Solaro della
Margherita...). Há uma insistência sobre a vigilância rigorosa, a censura preventiva, as
“missões populares” para reconquistar as massas e moralizá-las mediante a religião, e a
prevenção contra o ócio e contra a libertinagem.

Entre os moderados ou disponíveis, se tende a recuperar, junto com o que se considera


válido da antiga ordem (a instrução e a prática religiosa, os tradicionais valores morais),
também o novo: a difusão das “luzes” do saber, a gradual extensão da escola elementar às
classes populares, a recuperação do trabalho e da solidariedade social, a escolha de
métodos mais justos e humanos no modo de enfrentar os males crônicos da pobreza e da
delinquência, o desenvolvimento das obras caritativas e de socorro mútuo, a difusão dos
bons livros, a criação de bibliotecas populares etc...

Neste contexto, tem-se uma mais sistemática afirmação do princípio preventivo até à
tradução explícita na fórmula sistema preventivo, que depois passou à história. Esta traz
as inconfundíveis marcas do século. Com efeito, ainda que com acentos diferentes, ela
nasce no clima da “restauração”, retratando os caracteres e as diversidades das posições.
Nela se encontram tanto saudosos do antigo regime e legitimistas, mesmo conscientes da
impossibilidade de uma volta ao passado, quanto moderados, abertos ao novo, à
modernidade, como detentores de projetos mais corajosos. Poullet, Laurentie, Pavoni,
Champagnat, Aporti, Rosmini, Dupanloup, Dom Bosco e muitos outros podem ser
associados legitimamente ao sistema preventivo, mas condições reais, mentalidades,
objetivos, conferem às mesmas visões ou experiências de base, acentuações e traços
notavelmente diferentes.
É a mesma ambiguidade ou ambivalência daquela “inquietude preventiva” que parece
impregnar todo o século, em tempos e prospectivas diferentes. Também Dom Bosco parece
condividi-la, tanto em nível cultural e político, como na pastoral e na educação, com
formas mais atenuadas. Isto ele deixa claro tanto na História Eclesiástica (1845), quanto
na Historia da Itália (1855): “PERGUNTA: Quem provocou a perseguição francesa?
RESPOSTA: As sociedades secretas, alguns fanáticos chamados iluministas junto com
filósofos com pretensões de reformar o mundo, produzindo em todos a igualdade e a
liberdade, promoveram uma perseguição que, começando em 1790, durou dez anos e foi
causa do derramamento de muito sangue”1. “No arco destes quase cinquenta anos houve
uma paz quase completa em toda a Itália e no resto da Europa; isto deu oportunidade a
muitos homens sábios de enriquecer as ciências e as artes com muitas úteis descobertas,
mas deixou também à vontade as sociedades secretas para executar seus projetos. Estas
sociedades secretas são geralmente conhecidas pelo nome de Carbonários, Pedreiros Livres,
Iluminados, Jacobinos, e tomaram vários nomes conforme os vários tempos, mas sempre
com os mesmos fins. Querem subverter a sociedade presente porque são descontentes e
não encontram nela um lugar conveniente para sua ambição, nem liberdade para desafogar
suas paixões Para arruinar a sociedade, trabalham para destruir toda religião e toda idéia
moral no coração dos homens, e para derrubar toda autoridade religiosa e civil, isto é, o
Pontificado Romano e os tronos...Muitos se deixaram facilmente envolver por estas
sociedades, porque de início não revelam a iniquidade do fim e falam somente de
fraternidade, de filantropia e coisas semelhantes...A classe média foi aquela que começou a
revolução servindo-se da plebe, e a plebe por sua vez a quis prosseguir e se tornar soberana,
como de fato se tornou e acabou levando ao patíbulo centenas daqueles mesmos burgueses
que tinham condenado à morte os padres e os nobres. Para a revolução, o que estava em
cima ficou em baixo e o que estava em baixo ficou em cima, e assim reinou a anarquia do
populacho. As sociedades secretas que tinham feito a revolução na França, já haviam
entrado na Itália, onde se espalhavam as sedutoras idéias de liberdade, de igualdade e de
reformas”2.

Como emerge de todo o discurso, nem tudo no século das luzes é considerado negativo;
antes, na sua parte mais sadia e significativa, este século “deu oportunidade a muitos
homens sábios de enriquecer as ciências e as artes com muitas úteis descobertas”: uma
enorme contribuição de novidades que encontrará lugar ideal e efetivo entre os elementos
positivos do sistema preventivo, a par de moderadas instâncias de racionalidade, de
liberdade, fraternidade e humanidade (conteúdos da filantropia humanitária conciliáveis
com a verdade cristã ).

1
JOÃO BOSCO, História eclesiástica para o uso das escolas,útil a qualquer classe de pessoas, Turim,
tipografia Speirani e Ferrero, 1845, páginas 342-343, OE I 500-501.
2
JOÃO BOSCO, História da Itália contada à juventude desde seus primeiros habitantes até os dias de hoje.
Turim, tipografia Paravia e companhia, 1855, páginas 455-457, OE VII 455-457. O desígnio “sectário”,
segundo Dom Bosco, continua mesmo depois do Congresso de Viena: “Naquele mesmo tempo, aquelas
sociedades secretas, que tinham subvertido toda a França, formaram um novo e estranho projeto de criar
uma república só, com todos os reinos da Itália. Para atingir tal fim, vejam bem, deviam derrubar todos os
tronos da Itália e a própria religião(...). Deram um jeito de sublevar as populações contra os seus reis,
pedindo uma constituição semelhante àquela que foi concedida pela Espanha, graças à qual o príncipe
dividia seu poder com o povo, e todos os súditos se tornavam iguais perante as leis” (JOÃO BOSCO, História
da Itália..., página 476, OE VII 476).
No decorrer do século XIX, o fenômeno global da “inquietude preventiva” se exprime
sobretudo em cinco níveis: político, social, jurídico-penal, assistencial, escolar-educativo,
religioso.

1. Prevenção Política

O “princípio preventivo” inspira os participantes do congresso de Viena, reunidos para


redesenhar o mapa político da Europa após a tempestade napoleônica, com o fim de
restaurar o antigo, conservando o que de positivo haviam trazido as novas idéias e os novos
tempos. Em linha geral, eram reconfirmados substancialmente os tradicionais princípios
religiosos e morais: o conceito religioso e austeramente paterno da autoridade em todos os
níveis: eclesiástico, civil, familiar; a observância das leis e a obediência como fator de
equilíbrio nas relações interpessoais; o “bem estar” e a “felicidade” dos povos cuidados por
uma administração estatal justa e sólida, garantida por um centro forte; a diferente
atribuição de responsabilidades e de poderes conforme o diferente prestígio social,
espiritual, econômico; a força de regeneração social expressa pelo cristianismo. Todavia,
junto com orientações absolutistas e realidades repressivas, há também fortes instâncias
inovadoras: a Inglaterra e a França, seguidas pela Noruega, pelos Países Baixos e por
alguns estados alemães, desempenham um papel notável de renovação. A restauração dos
legítimos poderes não significava voltar ao passado puro e simples, declarava o astuto
representante da França em Viena, Charles-Maurice de Talleyrand Périgord. “Hoje a
opinião universal é que os governos existem unicamente para os povos e que o poder
legítimo é aquele que pode melhor garantir a sua felicidade e a sua paz. Nem redunda
menos ao interesse do soberano que ao interesse dos súditos, constituir o poder de tal modo
que, todos os motivos de temor que ele pode inspirar sejam evitados”3 Análoga era a
convicção de Pio VII em 1816, a propósito da reorganização administrativa das Províncias
dos Estados Pontifícios, recentemente “recuperadas.”

“Tornou-se quase impossível a volta ao antigo regime. Novos hábitos substituíram


os antigos, novas opiniões surgiram e se difundiram universalmente nos diversos
setores da Administração e da Economia Pública. Novas luzes que, a exemplo de
outras nações da Europa passaram a brilhar , exigem nas nossas províncias a
adoção de um novo sistema mais adaptado à presente condição dos habitantes,
hoje muito diferente do passado”4.

Uma maior certeza de ordem e de equilíbrio para o futuro, foi o que quiseram alguns
protagonistas de Viena com o Pacto da Santa Aliança, celebrado em 16 de setembro de

3
C. TALLEYRAND, Relatório ao Rei durante sua viagem de Gand a Paris (junho de 1815), em Memórias,
volume III, página 197 e seguintes, citado por C. BARBAGALLO, História Universal, volume V, segunda
parte: Da era napoleônica ao fim da primeira guerra mundial(1799-1919). Turim, UTET 1946, página 1089.
Na mesma linha se encontram Guizot, Cousin, Royer-Collard, etc.
4
Motu proprio da Santidade de Nosso Senhor Papa Pio sétimo na data de 6 de julho de 1816 sobre a
organização da Administração Pública, exibido nas Atas de Nardi, Secretário da Câmara, no dia 14 do já
citado mês e ano. Roma, apud V. Poggioli, Tipógrafo da Reverenda Chancelaria Apostólica, 1816, página 5.
1815 entre os soberanos da Rússia, Prússia e Áustria. Esta aliança se inspirava em
princípios cristãos expressos pelas três confissões - ortodoxa, católica, luterana - e tinha
como meta criar vínculos de “fraternidade” entre os três reis, e de “paternidade” entre estes
e seus respectivos povos, para assegurar estabilidade e paz a toda a Europa. Os dois
primeiros artigos constituem uma síntese do “sistema preventivo” em chave político-
religiosa.

Art.1- Conforme as palavras das Sagradas Escrituras, que ordenam a todos os


homens de respeitar-se como irmãos, os três monarcas que assinam este tratado
ficarão unidos com vínculo de indissolúvel fraternidade e se considerarão
compatriotas em qualquer situação ou lugar, ajudando-se mutuamente; serão para
seus súditos civis e militares outros pais de família, guiando-os no mesmo espirito
de fraternidade que os anima, para proteger a religião, a paz e a justiça.
Art.2- Consequentemente, o único princípio em vigor, tanto entre os três
governantes quanto entre seus súditos, será o de prestar serviços recíprocos; de
manifestar-se com uma benevolência inalterável, as afeições mútuas que devem
animá-los; de considerar-se todos como membros de uma mesma nação cristã; os
príncipes aliados se consideram delegados da Providência para governar três
ramos de uma mesma família, isto é, a Áustria, a Prússia e a Rússia. Declaram
então que a nação cristã da qual eles e seus súditos fazem parte, não têm outro
soberano se não Aquele a quem pertence todo o poder, porque é só nele que se
encontram os tesouros do amor, da ciência e da sabedoria infinita, isto é Deus, o
nosso Divino Salvador Jesus Cristo, o Verbo do Altíssimo, a Palavra de vida”5.

Um debate político sobre a alternativa repressão e prevenção se desenrolou em nível


europeu, em condições sociais e culturais profundamente mudadas, na Segunda metade do
século, logo que nasceu a Internacional Socialista (Londres 1864). Surgiram duas frentes
bastante flexíveis: uma de tendência “liberal”, dominante na Inglaterra Áustria e Itália;
outra mais rígida na França, Espanha, Prússia e Rússia.

O ministro do Exterior italiano, Visconti Venosta , sustentava que, contra os fautores da


Internacional “ bastava a vigilância do governo para imobilizar a mente dos agitadores,
acabar com as intrigas e vacinar o país contra perigos tão graves. Podiam-se usar medidas
preventivas para evitar a difusão de doutrinas perniciosas que ameaçam a Europa com uma
nova barbárie”, mas tais medidas deviam ser “ compatíveis com as nossas instituições e
com os nossos costumes”. A Espanha, ao invés, com o ministro Praxedes Mateo Sagasta,
ainda que liberal, proscrevia a Internacional. A França fez o mesmo com a lei 13/14 de
março de 1872. O ministro do Exterior francês, Francois Rémusat, achava convenientes “as
medidas preventivas, isto é, considerar crime o simples fato de pertencer à Internacional”.
Era mais repressivo do que governo italiano.

5
É óbvio que os grifos são nossos.
Mais uma vez o governo de Roma mostrou a vontade de aderir à mentalidade
inglesa e deixar fazer antes que tomar medidas de rigor preventiva e geral:
primeiro ministro do Interior Lanza, e logo o chanceler De Falco comunicaram ao
seu colega do ministério do Exterior a impossibilidades de atender às solicitações
espanholas e francesas (...) O ânimo dos políticos de Roma estava muito mais
inclinado ao modo inglês de Granville e de Gladsitone clara e profundamente
liberal, impregnado daquele estilo que em fato de política interna, podia ser
considerado o princípio informador do liberalismo inglês e europeu, ou seja, o
princípio do reprimir e não do prevenir. Mais tarde, dois homens a esquerda,
Cairoli e Zanardelli iriam proclamar o mesmo princípio, indo contra Crispi, futura
eminência parda do governo forte, que reclamava por medidas preventivas; mas
naqueles dias do 71-72, pelo menos, foi o princípio que guiou os homens da
Direita”6

No Discurso pronunciado em Pavia...em 15 de outubro de 1878 o ministro B. Cairoli dizia:


“A autoridade governativa cuide para que a ordem pública não seja perturbada; seja
inexorável no reprimir e não arbitrária no prevenir”7. José Zanardelli condividia a mesma
posição política8 . Francisco Crispi, em 5 de dezembro de 1878 declarava: “ a autoridade
política tem o direito de prevenir, como a autoridade judiciária tem o direito de reprimir os
crimes”; insistia deixando subentendida certa discreção autoritária do governo no exercício
da prevenção: esta “ consiste em um complexo de atos de prudência; em muitos gestos
cautelosos, seguros e morais, em força dos quais o governo mantêm a paz pública sem cair
no arbítrio. É difícil exercitá-la. Quem a põe em prática deve ser, não somente um
previsivo, mas deve ter um grande sentimento de justiça e uma grandíssima moralidade”9.

É curioso que ao ministro Crispi, em fevereiro de 1878, Dom Bosco tinha enviado o seu
promemória sobre o sistema preventivo na educação da juventude. Havia manifestado a
intenção de enviá-lo também a Zanardelli10. Não é fácil imaginar o impacto que o uso
“pedagógico” dos termos “preventivo” e “repressivo” pôde ter tido sobre dois homens
habituados a tratá-los em antitético sentido “político”11.

6
F. CHABOD, História da política externa italiana de 1870 a 1896. Bari, Laterza 1962, páginas 435-436.
Sobre todo o problema, cfr. páginas 392-404 (A liberdade e a lei).
7
B. CAIROLI, Discurso pronunciado em Pavia...em 15 de outubro de 1878. Roma 1878, página 6, citado por
F. CHABOD, História da política externa..., página 435, número 1.
8
G. ZANARDELLI, Discurso eleitoral em Iseo, 3 de novembro de 1878, e discursos na Câmara em 5 e 6 de
dezembro de 1878, citado por F. CHABOD, História da política exterior..., página 436, número 2.
9
Discursos parlamentares II 313 (5 de dezembro de 1878), citado por F. CHABOD, História da política
externa..., página 436, número 3. Deixando de lado as idéias liberais, Francisco Crispi foi, na prática
política, homem extremamente autoritário. “A teoria da repressão, cara a Zanardelli e a Cairoli, era
abandonada e substituída pela da prevenção; e mesmo na prevenção, o jeito de Crispi foi sempre bastante
duro” (F. CHABOD, História da política externa..., página 546).
10
Cartas dos dias 21 de fevereiro e 23 de julho de 1878, E III 298-299 e 366-367.
11
Seja como for, tanto na pedagogia quanto na política, na teoria e na prática, os limites entre os dois
sistemas nunca foram claramente definidos. Certezas e declarações de intenções foram sempre
acompanhadas por temores e apreensões, cercadas de intervenções autoritárias e até mesmo “repressivas”.
O próprio sistema preventivo de Dom Bosco inclui ao menos “uma palavra sobre os castigos”.
Com base nos trabalhos preparatórios de duas comissões, uma alemã e outra austríaca, de 7
a 29 de novembro de 1872, se reuniu em Berlim uma conferência, que acabou favorável a
medidas repressivas de crimes sociais e não a intervenções preventivas contra o perigo do
socialismo subversivo12.
2- Prevenção Social: Pauperismo e mendicância

Mais do que no campo político, a idéia preventiva, antecipada em alguns setores nos
séculos XVII e XVIII, se afirma com novo vigor no campo social, sobretudo na Espanha ,
na França e na Inglaterra, com particular interesse no amplo fenômeno do pauperismo e da
mendicância, da criminalidade, da assistência à infância, da educação. Neste setor
encontram lugar os meninos abandonados e fugitivos, vítimas da vagabundagem e da
mendicância13.

No século XIX, com a pré-industrialização e com a industrialização, o problema se une,


também na Itália, com o da corrida para a cidade de camponeses em busca de melhores
condições de vida e de trabalho. Para os grandes e intelectuais era uma desordem, um
escândalo, ao qual se procurava remediar baseados nas idéias de Luís Vives no seu De
subventione pauperum (1526), oferecendo assistência, educação, trabalho nos “refúgios
gerais” na França, nas “casas de trabalho” na Inglaterra.

O problema vem de novo posto, em chave mais decididamente preventiva, no século XIX,
também no reino Sardo14.
A categoria do “preventivo” unifica todo o conjunto das obras de beneficência romanas em
favor dos pobres, conforme relata o sacerdote romano C. L. Morichini: hospitais, orfanatos,
asilos de velhos, de viúvas, entidades esmoleres, prontos socorros, escolas. Estas obras
abraçam idealmente “o pobre antes do seu nascimento, depois na sua educação, e
finalmente na sua impotência e desemprego, velhice e enfermidade,” enquanto “todos os
esforços dos homens de caridade inteligente se destinam a separar o verdadeiro do falso

12
Cfr. F. CHABOD, História da política exterior..., página 445. O autoritário conde Eduardo de Launay, da
Sabóia, ministro da Itália em Berlim, comentava com pessimismo: “Ficou mais uma vez claro quanto é difícil
para estes altos funcionários, para estes juristas, chegar a algo de prático e eficaz sobre as medidas a serem
adotadas, tanto preventivas quanto repressivas(...). Pode-se ainda esperar que os governos venham a
abandonar sua rotina tradicional para entrar em guerra aberta contra uma sociedade que não quer outra
coisa, senão subverter a sociedade, a família, a propriedade, com todos os meios revolucionários” (citado
por F. CHABOD, História da política exterior..., página 450, número 2).
13
Cfr. J. P. GUTTON, A sociedade e os Pobres. O exemplo da gerealidade de Lyon, 1534-1789. Paris, As
Belas Letras 1971; J. HUTON, O Pobre da França do século XVIII, 1750-1789. Oxfoord, Clarendon 1974; J.
P. GUTTON, O Estado e a mendicância na primeira metade do século XVIII. Auvergne Beaujolais Forez
Lyonnais [Feurs], Centro de Estudos Forezianos sobre a História da Pobreza, dirigido por M. Mollat. Paris,
Publicações da Sorbonne 1974; A. MONTICONE, A história dos pobres. Pauperismo e assistência na idade
moderna. Roma, Edições Studium 1985, XII-300 páginas (incluindo boa bliografia).
14
Cfr. D. MALDINI, Classes dirigentes, governo e pauperismo 1800-1850, em ª AGOSTI e G. M. BRAVO,
História do movimento operário do socialismo e das lutas operárias no Piemonte, volume I. Da época pré-
industrial ao final do 800. Bari. De Donato 1979, páginas 185-217.
pobre, a prevenir antes que socorrer a miséria e a educar o pobre no espírito de previdência
e de economia e confortá-lo na virtude”15.

O piemontês Conde Carlos Hilarião Petitti di Roreto (1790-1850), um conservador


iluminado, entre as medidas de prevenção mais idôneas a remover as causas gerais da
mendicância, elencava algumas abertamente preventivas.
Promover e favorecer a instrução elementar das pequenas populações, dirigindo-as
especialmente para os verdadeiros princípios religiosos e morais, que tanto
persuadem o homem sobre suas obrigações de ganhar a vida com o próprio
trabalho e sobre a utilidade de observar este preceito (...) Promover, favorecer e
encorajar a instituição das caixas econômicas(...) visto que, aquelas caixas,
acostumando o homem à previdência e à economia, o mantêm longe do vício e lhe
asseguram um fundo de reserva para ajudá-lo em casos urgentes, impedindo-o de
ter que recorrer à caridade pública ou privada.. Promover o pobre, proteger e
encorajar as associações de socorro mútuo entre os operários16.Com estas
providências indiretas (...) um regulamento iluminado, atento e paterno consegue
manter a população tranquila, moralizada e sadia17.

Em uma linha preventiva em sentido positivo,acham-se também as indicações que ele


concluía do exame das leis repressivas e diretivas sobre a mendicância em vigor nos
principais estados europeus.

Nem sempre as leis repressivas e coativas conseguem atingir seu objetivo, se não
forem removidas as causas dos males. Por isso qualquer governo que quiser
eficazmente conseguir a verdadeira prosperidade e moralidade, deve com todos os
meios possíveis e diligentes cuidados estabelecer a ordem civil, de modo que, uma
vez removidas com meios indiretos as causas da mendicância, se consiga com os
mais diretos, proporcionais às circunstâncias de tempo e lugar, prevenir e impedir
esta praga funesta da sociedade18 .

Está presente também aos filântropos do século XIX o tema da redenção dos indigentes
mediante aquele tipo de prevenção que é a instrução e a educação. Este tema se encontra

15
Dos Institutos de caridade pública e de instrução primária em Roma. Ensaio histórico e estatístico de Dom
Carlos Luís MORICHINI. Roma, tipografia do Orfanato Apostólico de Pedro Aureli 1835 (primeira edição),
páginas X-XI. A obra sairá, acrescentada em duas outras edições com o título parcialmente modificado: Dos
Institutos de caridade pública e de instrução primária das prisões em Roma...Nova edição. Roma, tipografia
Marini e companhia, 1942, 2 volumes; Dos Institutos de caridade para a subsistência e educação dos pobres e
dos prisioneiros em Roma. Três livros do cardeal Carlos Luís Morichini...Novíssima edição. Roma,
Estabelecimento tipográfico da Câmara 1870, 816 páginas. As citações são da edição de 1835.
16
Ensaio sobre a boa gerência da mendicância, dos institutos de beneficência e das prisões, do conde Carlos
Hilarião PETITTI di Roreto, volume primeiro. Turim, Bocca 1837, páginas 40-42.
17
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume primeiro, página 45.
18
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume I, páginas 111-112; sobre a insuficiência
das legislações vigentes repressivas em vários estados europeus, cfr. Páginas 90-112.
desenvolvido pelo francês Barão José Maria De Gerando (1772-1842)19 que dedica a
segunda parte de sua obra monumental Sobre a Beneficência Pública, às instituições
destinadas a prevenir a indigência20.

De todos os tipos de beneficência a que previne a miséria na sua fonte é a mais


fecunda e mais salutar. Ora, a beneficência preventiva não pode ser exercitada de
modo mais seguro e mais útil do que com a educação do pobre. Aqui se unem os
dois caracteres da beneficência, uma vez que esta socorre no presente e prepara o
futuro. A educação lhe dará forças morais, intelectuais e físicas que constituem a
riqueza própria do homem, que lhe procurarão o indispensável e o colocarão em
grau de lutar contra o infortúnio21.Quanto mais estudamos as causas da indigência,
tanto mais concluímos que o defeito de educação é uma das causas que produz
maior numero de indigentes. Um dos maiores serviços que nós podemos prestar aos
pobres, é o de preservar os seus filhos de tão funesta influência: uma boa educação
dará a estes filhos uma oportunidade de um dia sustentar seus velhos pais e de
consolá-los22.

O processo educativo começa com os asilos para as crianças de menos de sete anos,
prossegue com a escola primária, prolonga-se nas escolas noturnas e dominicais para
aqueles que não puderam usufruir da instrução precedente; integra-se com o conselho e
com a assistência moral e jurídica na escolha do ofício, na redação do contrato de trabalho,
no período de aprendizado e na proteção junto aos dadores de trabalho eventualmente
exploradores23.

De convicção análoga nasce a iniciativa educativa de F. Aporti, começando com a “escola


da infância”. “A pobreza do povo, que tem origem na falta de educação, que torna o
homem bruto e imprudente, será superada por meio de uma bem ordenada e pública
educação que o povo deverá receber desde a infância nos institutos criados para tal fim. E o
mais torpe vício, a pobreza que gera mendicância, é superado através das escolas infantis

19
A seu respeito, cfr. S. MORAVIA, A ciência do homem no 700. Bari, Laterza 1970, páginas 223-238.
20
Da beneficiencia publica. Tratado do Barrão de Gerando... Florensa, C.Tort 1842-1846, em quatro partes,
distribuídas em sete tomos: I. A indigência considerada nas suas relações com a economia social; II. Das
instituições relativas à educação dos pobres; III. Das subvenções publicas; IV . Das regras gerais da
beneciciencia publicas consideradas em seu regime; Edição francesa, Da beneficiencia publica. Paris 1839,
quatro volumes.
21
JMD GERANDO, da beneficiencia publica..., tomo segundo, florença, C. Torti 1843, páginas 249-250.
22
O visitador do pobre do Barrão de Gerando. Florensa, C. Torti 1846, página 103.
23
J.M.D GERANDO, O visitador do pobre..., páginas 105-117. a solução está ligada também a medidas
preventivas no plano financeiro: Cfr. IDEM, da beneficiencia publica, segunda parte, livro III, tomo V.
Florensa, C. Torti 1844. Dos meios gerais aptos para melhorar a condição das classes menos favorecidas,
capitulo I. Dos meios gerais para prevenir a indigência que se prope obter através de algumas modificações no
sistema da economia social; capitulo II. Da organização do trabalho; capitulo III. Da melhoria do regime de
vida física na classe trabalhadora, Capitulo IV. Da melhora dos costumes na classe dos trabalhadores
[notáveis o parágrafo V Sobre o contentamento das classes trabalhadoras; e o parágrafo VIII Sobre o
trabalho considerado como meio de educação]; capitulo VI influencia da religião sobre a moral e sobre o
bem estar da classe trabalhadora.
que deve repetir-lhes todo dia que o homem nasceu para o trabalho e cada um deve prover
ao próprio sustento com o trabalho e não viver do fruto do trabalho dos outros; o que é
exigido pelos princípios da justiça natural e da religião24.

Enfim motivos políticos, sociais e educativos, em prospectiva previdencial e positivamente


preventiva, encontram-se recolhidos em síntese na concepção de um progressista
moderado, C. Cattaneo. Ele analisa as diversas posições de teóricos e legisladores sobre as
causas da miséria e da mendicância e os possíveis remédios. Ele, pessoalmente, opta pela
prevenção e pela previdência.

No meio destas discussões algumas verdades aparecem límpidas; e parece fora de


dúvida que a educação dos pobres é necessária; a repressão de toda a
mendicância, a fundação de caixas econômicas, das companhias de mútuo socorro,
dos fundos de pensão e outras instituições semelhantes ajudarão muito cada pessoa
a prover o próprio futuro, reservando-se os meios de um honrado descanso25.
NOTA: A propósito dos problemas dos pobres, pode-se lembrar o uso dos termos
“repressivo” e “preventivo” introduzidos por Malthus(1766-1834) na célebre obra Um
ensaio sobre o princípio da População conforme ele afeta o futuro empobrecimento da
sociedade26. Segundo Malthus a pobreza tende a crescer porque a produção dos meios de
subsistência é muito mais lento do que o crescimento da população. O único jeito possível
de melhorar a condição do pobre é “ baixar o numero de pobres”27. Ora, os obstáculos que
agem continuamente com mais ou menos força em cada sociedade e mantêm a população
em níveis de subsistência, se podem dividir em duas partes principais: uns são preventivos
e outros repressivos28. Os obstáculos repressivos são as guerras, as carestias, a peste e os
muitos efeitos da miséria e do vício. O obstáculo ou meio preventivo principal é o
matrimônio tardio, a abstinência do casamento para quem não tem certeza de poder manter
os filhos, a continência sexual voluntária, observando a castidade29.

2. Prevenção no campo penal

24
Carta de 05 de abril de 1842, no volume A GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos do Risordgimento,
volume II. Turim, Gráfica Piemontês 1937, páginas 479-480.
25
C.CATTANEO, Da beneficiencia publica, em Obras editas e inéditas de Carlos Cattaneo, volume V
Escritos de economia publico, volume II. Florensa, Lê Monnier 1988, página 305.
26
A primeira edição e de 1798; mas a completam as que vêm em seguida, começando pela de 1803,
completamente reelaborada, seguida por outras até à sexta edição de 1826.
27
Th. R.MALTHUS, Ensaio sobre o principio de população. Turim, UTET 1949, livro IV, capitulo III página
464.
28
Th. R.MALTHUS, Ensaio sobre o principio de população. Livro primeiro, capitulo segundo, página 09.
29
Cfr. Th R. MALTOS, ensaio sobre os principios de população, páginas 09-11, 452, 454, 460. Os capítulos I
e II do livro IV tendem a demonstrar a possibilidade a racionalidade e o valor religioso da restrição moral:
da restrição moral e do nosso dever de praticar esta virtude (páginas 445-452) Efeitos da restrição moral sobre
a sociedade (páginas 453-459).
È talvez no campo penal, carcerário e penitenciário que, entre o século XVIII e XIX,
crescem mais os termos “repressão”, “prevenção”, correção”. Disto oferece ricas
informações o lembrado Petitti di Roreto, que escreve e trabalha em Turim no ano da
formação das primeiras experiências oratorianas de Dom Bosco30.

Em uma memória de grande abertura histórica e teórica sobre os vários regimes de


assistência aos acusados de crime e aos condenados seja durante, como depois das
vicissitudes judiciárias e penais, ele distingue três formas de detenção: “preventiva, a dos
acusados; repressiva, a dos condenados a pena de breve duração; corretiva, a dos
condenados a pena de maior duração”. Elas são pensadas com relação a diversos fins a
serem atingidos com os relativos tratamentos e disciplinas. A primeira, preventiva, é a favor
daqueles “homens incautos presos” mas “bem longe ainda de ser realmente inclinados à má
conduta”. A Segunda, repressiva, é reservada a “não poucos jovens, transviados e levianos,
não ainda corrompidos”; a outros jovens “réus de culpas leves ou condenados a penas leves
ou por crimes pequenos; a condenados não ainda criminosos”. A terceira, corretiva,
reservada “aos condenados por crimes de longa pena”, apresenta uma vantagem dupla:
impede o aumento da corrupção e a sua propagação aos das outras categorias; mas
sobretudo favorece “o fim principal da punição a eles infligida, isto é, a sua emenda”31.

É óbvio que, para cada detenção distinta, deveria corresponder uma cadeia separada,
preventiva, repressiva, corretiva, com o acréscimo de outras especiais32.

O tema “preventivo” tem porem suas particularidades especificas, quando se trata de


antecipar o momento o crime e os sucessivos da detenção preventiva, da intervenção
judiciária e penal com a relativa “correção”. Neste caso, a prevenção assume duplo
significado: em primeiro lugar, prevenir completamente os crimes; depois, uma vez
cometidos, agir “corretivamente” com reeducação e recuperação, de modo a preveni-los no
futuro.

Tornaram-se célebres, nesta prospectiva, o aristocrata milanês César Beccaria (1738-1794)


e o filântropo inglês João Howard (1726-1790).

No controvertido livro Sobre os crimes e sobre as penas (1764) César Beccaria escrevia
sobre tema Como prevenir os crimes: “É melhor prevenir os crimes do que puni-los. Este é
o fim principal de qualquer boa legislação, que e a arte de conduzir os homens ao máximo

30
Sera dito mais adiante capitulo X paragrafo I, a respeito de um envolvimento de Dom Bosco com uma
iniciativa beneficiente e educativa promovida pelo conde nos anos 1846-1849.
31
C.I.PETITTI di roleto, da condição atual das prissões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 487-489.
32
C.I.PETITTI di roleto, da condição atual das prissões..., em Obras escolhidas, volume I,, páginas 499, 507-
510.
de felicidade ou ao máximo de infelicidade possível”33. Indicava em seguida alguns meios
de prevenção: toda a força da nação seja concentrada no fazer observar leis claras e
simples, fazer com que os cidadãos temam só as leis e não os homens, combater a
ignorância, recompensar as virtudes 34. Chegava enfim ao mais seguro, a educação: “
Finalmente o mais seguro, mas o mais difícil meio de prevenir os crimes é aperfeiçoar a
educação, objeto muito vasto que vai além daquilo que me propus de tratar, objeto, ouso
dizer, que concerne muito intrinsecamente à natureza do governo, para que não seja sempre
até os mais remotos séculos da pública felicidade um campo estéril, e cultivado cá e lá por
poucos sábios”35.

A isto segue uma vasta publicidade, alimentada ainda por De Gérando, por Petitti di Roreto
e por Carlos Cattaneo (1861-1869). O tema preventivo se entrelaça com os outros
amplamente tratados na publicidade carcerária e “correcional”: as penas, o trabalho
forçado, a solitária mais ou menos rígida.

Compreendeu-se finalmente que a aplicação das penas legais não é, da parte da


sociedade, uma simples arma de defesa e de vingança; que esta não tem por
objetivo somente impedir que o culpado prejudique o outro e impedir que os outros
o imitem; mas que deve efetuar a correção do culpado 36. O trabalho deve ter uma
parte essencial; mas pela principal razão que o trabalho é para o homem um meio
natural de melhora37. O isolamento será para ele uma salvaguarda. Por isso a
primeira condição do castigo é o exílio. Não deixem se aproximar dele nenhum
daqueles que possam afastá-lo do arrependimento, ou fomentar-lhe os vícios, ou
deixar-se corromper por ele. A nosso ver aqui se fixa limite da pena. Existe um
comércio do qual o maior réu entre os homens não pode ser privado: é o das
pessoas de bem; ele nada poderá perder e tudo ganhar. Nem é preciso que tal
comércio seja reservado a um ministro da religião, a um inspetor das prisões. Por
que aqueles que são deles amigos e parentes, que com estimável caráter poderiam
associar-se às mesmas opiniões, não seriam admitidos a ir ajudar o trabalho,
reforçando o poder das exortações com a influência de sua amizade? 38.

Petitti di Roreto presta particular atenção aos condenados à morte, às casas de trabalho
“onde se prendem jovens ou mesmo adultos, os quais, dados a uma vida desregrada, se quer
preventivamente afastar do perigo da má vida”39. Estes são classificados conforme os
diversos níveis de criminalidade. Mas para todos o autor parte da substancial confiança nas
potencialidades humanas, favorável portanto a providências preventivas, tanto protetoras
quanto positivas, para indivíduos “nos quais existe maior razão para crer que não esteja
33
C.BECCARIA, Dos delitos e das penas, aos cuidados de G.Francioni com As edições Italianas do “Dos
delitos e das penas” De: Luiz Firpo. Milão, Mediobanca 1984, Parágrafo 41, página 121.
34
C.BECCARIA, Dos delitos ..., Parágrafos 41-44, páginas 121-126.
35
C.BECCARIA, Dos delitos ..., Parágrafo 45, páginas 126-127.
36
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV página 202
37
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV, página 208.
38
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV, páginas 215-118.
39
C.I PITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa regência..., t.II, página 482.
inteiramente apagado o instinto para o bem”: “Se por qualquer motivo os meios coativos
devem às vezes apresentar o aspecto de um rigor maior, a autoridade que governa aqueles
institutos deve ser mais paterna e por isso mais inclinada a unir ao rigor da ordem a doçura
do bom conselho”40.

Semelhante é a orientação de Carlos Cattaneo que insiste sobre a exigência de um estudo


científico do “impulso criminoso” diversamente manifestado nos criminosos e das forças de
neutralização e de recuperação.

Uma grande parte da reação contra o impulso deverá ser confiada à lei criminal,
ao carcereiro e às vezes até ao carrasco; mas uma grande parte deverá ser
delegada a cuidados indiretos e a outros ramos da autoridade civil, sobretudo no
que diz respeito à educação e à moral; uma outra parte deverá ser confiada ao
médico; e talvez uma prisão preventiva livre de qualquer outra penalidade poderá
ser o único caminho para proteger a sociedade contra certos crimes, que são mais
um impulso natural do que calculada malvadez41.

3. A educação como prevenção

Junto com a educação preventiva emerge claramente na história a idéia de educação como
prevenção de vários modos realizada, com métodos “preventivos” ou “repressivos”.
Insistem nisto os autores já citados Morichini, Aporti, Degérando, Petitti di Roretto.

Como observa profundamente Romagnosi – escreve Morichini – é de competência


civil, isto é, de direito absoluto dos governantes exigir de todos os indivíduos o
cuidado dos primeiros elementos, porque é o meio mais poderoso de manter
tranquila a sociedade. Seria estulto dizer que a autoridade civil pode punir com
penas severas os crimes mas não pode preveni-los. Ora, não existe homem sábio
que negue ser a instrução pública um dos meios mais poderosos de prevenção 42.

Carlos Cattaneo citava Romagnosi quando concluía um estudo sobre os danos da


deportação penal: “O estudo do regime penal demostra sempre mais quão profundo e sábio

40
C.I PITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa regência..., t.II,páginas 483, 484.
41
C. CATTAMEO, Escritos polítios e epistolátio, publicados por G. Rosa e J. White Mário. Florença,
Barbeira 1892, páginas 88-89: é um fragmento sobre o Atavismo criminoso.
42
C. L. MORICHINI, dos institutos de caridade pública..., página 33.
é o que diz Romagnosi que um bom governo é uma grande proteção unida a uma grande
educação 43.

Ferrante Aporti pensa o seu asilo infantil como instituição preventiva que tende a corrigir as
deformações sofridas pelas crianças que crescem em famílias incapazes de educar
corretamente ou impossibilitadas de fazê-lo 44: em uma palavra, “de modo eficaz defender
dos vícios e dos erros a inocente infância do pobre”45. Com as escolas da infância, ele
pretendia dar início a uma vasta rede de novas instituições destinadas a prevenir a
imoralidade desde a infância, visto que, uma vez crescida na alma a imoralidade,
dificilmente é curada46 . Sobre a extraordinária receptividade infantil e sobre a urgência de
satisfazê-la com cuidados educativos preventivos, escrevia ele no Prefacio ao manual de
educação e treinamento (1833)47. A escola infantil era motivada pela caridade destinada a
prevenir, antes que deixar nascer os males para serem curados48 .Expressando gratidão à
Comissão dos Asilos infantis de Veneza, escrevia: enfim, tudo o que em Veneza se refere a
esta dupla caridade destinada a prevenir antes que deixar nascer os males para medicá-
los, é e será para mim e para quantos amam o bem, argumento perene de justa admiração.
Por isso, esta preciosíssima Comissão tenha como muito leais as expressões de
congratulação que tenho a honra de dirigir-lhe, porque até agora trabalhou muito bem na
árdua tarefa de reordenar a educação do pobre, único meio válido para redimi-lo da
abjeção da ignorância e dos vícios que a seguem. Estão preparando um tesouro
inestimável para a Igreja Católica e para o estado49.

Petitti di Roreto condividia a mesma idéia: “Os educadores da primeira infância – escrevia
ele – com as chamadas salas de asilo, e os da adolescência com os orfanatos, tanto os
estáveis quanto os temporários, a protegem na idade mais delicada e a preservam de muitos
perigos físicos e morais; procuram para eles um meio de aprender uma arte e um ofício que
lhes garantam um futuro. As casas de refúgio para os jovens conseguem com a persuasão,
com a firmeza e com paternas recomendações reconduzi-los ao bom caminho e salvam
assim para a sociedade alguns indivíduos que de outro modo , lhe viriam a ser nocivos. As
casas de trabalho e de internato oferecem um meio de providenciar-se um sustento

43
C. CATTANEO, Da reforma penal, II. Da deportação, no volume Obras de João Domingos Romagnosi,
Carlos Cateneo, José Ferrary, Aos cuidados de Ernesto Cestan. Milão-Nápolis, R. Ricciardi 1957, página 505
(na nota, a expressão exata adotada por Romagnosi em duas obras distintas).
44
cfr. O denso ensaio histórico, com abundantes referencias bibliográficas, de L. PAZZAGLIA, Orfanatos,
Igreja e Mundo Católico na Itália do 800, em “Pedagogia e vida”, série 56, 1958, 4, páginas 63-78.
45
Carta a C.Bom Compagni de 30 de junho de l838, em A.GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos no
Risorgimento, volume II. Documentos Memórias Cartazes. Turim l937, página 397.
46
Carta a G. Petrucci de 6 de agosto de l842, em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos..., volume II
páginas 470-471.
47
F. APORTI, Escritos pedagógicos, recolhidos e ilustrados por A. GAMBARO volume I.
Turim, Chiantore l944, páginas 8-14.
48
F. APORTI, Elementos de pedagogia, em Escritos pedagógicos, recolhidos e ilustrados por A. Gambaro,
volume II, Turim, Chiantore 1945, página 114.
49
Carta de julho-agosto de 1842 em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos, volume II, páginas 378-
379. “Vista no defeito universal de educação doméstica – confessava – a grande fonte dos vícios que nos
deturpam e aviltam, e percebendo que ninguém se interessava, arrisquei tentar um remédio” (Carta a João
Rebasti de Picenza, 21 de março de 1841, Ibidem, página 445).
honrado”50. O conceito preventivo volta quando se fala das regras para Educadores da
primeira infância e da adolescência: “Convém ainda educar na religião, na moral, nas
letras e nas artes o filho do pobre, porque a ignorância e a imprevidência dos pais, a
carência de meios e às vezes ainda a sua má vontade o deixaria deseducado e orientado
para o mal e para as consequências que dele deriva”51.

Mais ampla é a proposta de educar o pobre para prevenir a necessidade e a criminalidade,


na citada obra Sobre a condição atual das prisões: educá-lo, acostumá-lo a ser previdente
e socorre-lo quando necessário.

As escolas da infância, as escolas primárias e elementares, s institutos agrícolas, de


artes e ofícios, atingem tal objetivo e querem ser promovidas, favorecidas e protegidas por
todo governo, que queira realmente melhorar as populações a ele confiadas. Só a
instrução porém não basta para atingir este fim, se não for acompanhada pela educação
religiosa e moral, pela qual os jovens se formam para o bem e se mantêm afastados dos
perigos das paixões humanas. O trabalho do povo muitas vezes lhe consegue grandes
lucros que superam as necessidades atuais. Se não houver um incentivo a economizar o
supérfluo, reservando-o para futuras necessidades, o que sobra se perderá em desordens,
em vícios ou em despesas inúteis. As caixas econômicas, os seguros de vida, as ações de
sociedades de socorro mútuo ou de alguma empresa industrial produtiva, são outros tantos
empreendimentos que devem ser4 promovidos, favorecidos e protegidos, porque garantem
a renda popular contra qualquer desperdício. E preciso sublinhar a indispensável
intervenção do governo em tais especulações para garantir os interesses daqueles que
economizaram52.

A revista O Educador primário é firme instrumento de propaganda da cultura popular em


prospectiva análoga: “que a instrução popular seja, se não necessária, nos nossos tempos é
inevitável; que a instrução deve responder às necessidades do país e das pessoas que a
recebem; que o governo deve responder a estas necessidades; que as crianças se preparem
para se tornar homens, que nas escolas eles façam um exercício de vida civil, são verdades
das quais não se podem duvidar”53.

4. A Religião meio de prevenção

50
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre uma boa gerência..., volume I, páginas 139-140.
51
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre uma boa gerência..., volume I, página 225.
52
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 562-563.
53
V. TROYA, Proposta de alguns meios para que a instrução pública cumpra o seu dever, em “O Educador
primário” 1 (1845) número 2, janeiro, páginas 25-26.
Fator insubstituível de prevenção social e pessoal, garantia de ordem e de prosperidade é a
religião, universalmente reconhecida como tal.

Disto está persuadido Morichini quando insiste que somente a religião pode criar um
vínculo entre instrução escolar e educação autêntica: “para obter a perfeição moral, convém
unir instrução e educação. A base da educação é a religião porque ilumina o intelecto e
forma o coração na virtude. É isso que importa. É portanto racional que o principal ensino
nas escolas seja o catecismo; A ele se soma o ler e o escrever em todas as escolas; em
muitas, também as quatro operações; em algumas finalmente as línguas italiana, latina e
francesa, a história sagrada e profana, a geografia e o desenho”54.

Desta convicção participa também Degérando que afirma que a religião tem uma influência
a mais sublime e a mais válida, particularmente visível cm o cristianismo, que é a
expressão mais sublime da religião55.”Grandes luminares produziram grandes ruínas. Hoje
as mentes parecem mais inclinadas à reflexão; a moral religiosa mostra-se geralmente como
um dos principais bens da humanidade”56.

Petitti sublinha a importância do fator religioso na “correção dos prisioneiros cuja


dignidade pessoal precisa ser reeducada e recuperada. Ele denúncia, antes de tudo muitos
inconvenientes- causa de imoralidade e de impiedade -, que nas prisões impedem o sucesso
da instrução religiosa e moral dada aos detentos prevista pela lei; rebate sua
imprescindível necessidade e exigência de uma reforma57.

Ele elenca as disciplinas fundamentais, que devem regular a vida de uma instituição penal
realmente corretiva, concluindo com a décima quinta e última: “Finalmente não se pode
duvidar que a instrução moral e religiosa, onde é ministrada constantemente, tentando
chamar de novo para aqueles corações fechados a bons princípios, aqueles sentimentos que
receberam nos primeiros anos, não consiga enfim converter ao bem aqueles ânimos
pervertidos”58.

Trata disto depois para cada tipo de cárcere. No cárcere preventivo “ a instrução moral seria
nula ou insuficiente sem o concurso da instrução religiosa, e esta seria também imperfeita

54
C. L. MORICHINI, Dos Institutos de caridade pública..., página 34.
55
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., volume V, páginas 245-249 Poder especial do
cristianismo sobre a melhoria dos costumes populares.
56
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., volume V, página 273.
57
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 349- 351,
358-359.
58
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, página 491; cfr.
páginas 489-493. Ele reduz a três as vantagens da “educação corretiva”: “1. impossibilidade de maior
corrupção para os detentos; 2. grande probabilidade para eles de adquirir os hábitos da obediência e do
trabalho, e de tornar-se, porém, tranqüilos e úteis cidadãos; 3. probabilidade, ainda que menor, de uma
reforma radical” (Ibidem.., página 493).
se não fosse acompanhada de uma rigorosa observância de todas as práticas do culto
prescritas a qualquer bom cristão”. Importantes são a quantidade e as condições das
práticas. Exigências maiores e semelhantes são previstas na prisão repressiva. Cuidados
intensivos e personalizados são incentivados nas casas correcionais ou penitenciárias com
capelães cuidadosamente escolhidos, prudentes e preparados59. Ele tinha já chamado a
atenção também sobre algumas modalidades, que poderiam tornar atraentes as práticas
religiosas.

Os subsídios religiosos devem ser ministrados conforme a idade e as condições


diversas dos detentos; portanto enquanto se quer esconjurar o perigo de afastar os
jovens da religião com práticas muito longas que enjoam ou tiram a atenção, urge
despertar-lhe o interesse, empregando para tanto eclesiásticos iluminados, de muito
crédito e grande doçura, unidas à necessária firmeza60.

Em uma página intensamente religiosa sobre o sistema preventivo de 1877, depois de Ter
proposto algumas expressões fundamentais do culto católico, Dom Bosco advertia: “nunca
enjoar nem obrigar os jovens à frequência dos santos sacramentos”; antes – continuava –
“sublinhar a beleza, a grandeza, e a santidade do sacramento”61.

Petitti alem disso liga a eficácia da educação religiosa à figura do capelão, dedicando um
parágrafo sobre as Qualidades e incumbências do capelão.

O ofício do capelão é muito importante, como o do diretor. De fato é dele que deve
partir toda a motivação para a observância do regulamento e para a correção. O
superior eclesiástico deverá estar atento em indicar somente um homem dotado de
zelo iluminado, de caridade evangélica, de caráter firme e desenvolto, de muita
destreza, de profunda doutrina, de idade madura, de aspecto dignitoso que imponha
a confiança e o respeito. O capelão não deve além disso se preocupar com a
execução do regulamento disciplinar e conservar-se fora de qualquer ato de
repressão ou de recompensa. Seu dever é somente exortar e consolar. Terá cuidado
especial de despertar nos detentos a fé, a esperança e a caridade. A fé deve
persuadi-lo das verdades religiosas; a esperança deve despertar nele a confiança
em um futuro melhor; a caridade deve movê-lo a não prejudicar mais a sociedade.
Nestes três elementos consiste toda a ação religiosa, que é eficaz somente com o
concurso da graça sinceramente invocada, e só ela pode provocar conversão
sincera e radical.

59
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 519-520,
525-526, 536-537.
60
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume II, página 485.
61
O sistema preventivo (1877), página 54, OE XXVIII 432.
Concluiremos portanto insistindo que capelão deve ser o confidente, o conselheiro,
o consolador dos detentos, mas de modo iluminado e paterno, e também prudente62.

As afirmações de Petitti batem com as de Dom Bosco, conforme o relato de sua conversa
com Urbano Rattazzi em 1854. Referiam-se precisamente à possibilidade de introduzir o
sistema preventivo nas próprias instituições penais, sobretudo encarnado na pessoa, nas
palavras, nas atitudes conquistadoras do ministro de Deus63.

Na linha de uma enérgica restauração da unidade e da autoridade na Igreja e da regeneração


das consciências e da sociedade mediante um despertar geral da religião, pretendia colocar-
se também a obra dos papas e da Igreja após a “revolução”. Se pensa em uma ação que quer
ser ao mesmo tempo de recuperação, de defesa e de prevenção: negativamente, com a luta
contra o indiferentismo e um difuso espírito libertário; positivamente, mediante a atividade
missionária desenvolvida por todas as partes, formas novas de apostolado e a educação e
reeducação da juventude64. “E existe verdadeiramente em muitos – observa M. Petrocchi-
esta premente necessidade de levar em conta os tempos novos, a mudada mentalidade dos
jovens, a necessidade de não se fixar muito no passado, de conceder o possível”66.

Trabalham nesta prospectiva todos os papas do século XIX: Pio VII na encíclica Diu satis
de 15 de maio de 1800; Leão XII na encíclica Ubi primum de 15 de maio de 1823; Pio VIII
na encílica Traditi humilitati Nostrae de 24 de maio de 1829; Gregório XVI na encíclica
Mirari vos de 15 de agosto de 1832; Pio IX na encíclica Nostis et Nobiscum de 8 de
dezembro de 1849, aos bispos da Itália; na carta aos bispos do reino das Duas Sicílias de 20
de janeiro de 1858; na encíclica Quanta cura de 8 de dezembro de 1864.

Na Diu satis Pio VII recomendava aos bispos de atender a grei cristã, mas de dedicar
vigilância e solicitudes, indústrias e atividades, com amor preferencial pelas crianças e
adolescentes, porque estes, como cera mole, podem ser plasmados para o bem e para o
mal66. O papa citava a passagem da Bíblia, muito repetida pelos séculos cristãos O
adolescente, uma vez tomado o seu rumo, não se afasta dele nem mesmo na velhice67.

Pio IX exortava os bispos a tomar consciência das “criminosas e múltiplas artes com as
quais, em tanta tristeza destes tempos, os inimigos de Deus e da humanidade tentam
perverter e corromper a indefesa juventude” e a orientar todos os seus esforços para uma

62
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 553-555.
63
Cfr. ANTÔNIO FERREIRA DA SILVA, Colóquio com Urbano Rattazzi (1854), em PEDRO BRAIDO, Dom
Bosco educador. Roma, LAS 1997, páginas 85-87.
64
Cfr. S. FONTANA, A contra-revolução católica na Itália(1820-1830). Brescia, Morcelliana 1968, páginas
65-124.
66
M. PETROCCHI, A Restauração, o cardeal Consalvi e a reforma de 1816. Florença, Lê Monnier 1941,
página 4.
66
Encíclica Diu satis de 15 de maio de 1800, Bull. Rom. Cont., t. XI 23.
67
Provérbios 22, 6.
“reta educação da juventude, da qual depende em grande parte a prosperidade da sociedade
cristã e civil”68. Somente a educação cristã estava à altura de oferecer as palavras e os
meios da graça aptos a restaurar espiritualmente cada um e a sociedade.

Das mesmas raízes evangélicas e declaradamente católicas tirarão inspirações, estimulo e


meios, com mais vastas prospectivas de promoção humana e social “conforme as
necessidades os tempos”, variadas experiências sociais e educativas no século XIX. Entre
estas está a de Dom Bosco69.

68
Carta Apostólica ao Reino das duas Sicílias Cum nuper de 20 de janeiro de 1858, Atos de Pio IX, volume
III, página 12.
69
Naturalmente, é possível citar só algumas, tendo presente a proximidade geográfica e ideal.
CAPÍTULO 2

MELHOR PREVENIR QUE REPRIMIR

Após a imprevista e traumática experiência da revolução francesa, seguida pela não menos
radical subversão da ordem antiga, causada por Napoleão Bonaparte (1769-1821), a
Europa parecia quase obcecada, mais do que em qualquer outro tempo, pela idéia
preventiva. Ela vem acompanhando projetos “restauradores” com diferentes acentuações,
conforme as mentalidades e as culturas.

Em vários setores conservadores ou mesmo reacionários, restauração e prevenção são


motivadas pelo medo e caracterizadas por não poucas atitudes repressivas. É medo dos
novos revolucionários, das seitas, das sociedades secretas do “liberalismo” (liberdade de
imprensa, de associação, de cultos). É, além disso, desconfiança de novas iniciativas
educativas tidas como subversivas; são consideradas uma ameaça ao princípio de
autoridade, porquanto precocemente voltadas para a educação da racionalidade e da
independência da família e da Igreja: os novos métodos, a formação de grupos, a escola
popular, os internatos infantis (J. de Maistre, Monaldo Leopardi, Clemente Solaro della
Margherita...). Há uma insistência sobre a vigilância rigorosa, a censura preventiva, as
“missões populares” para reconquistar as massas e moralizá-las mediante a religião, e a
prevenção contra o ócio e contra a libertinagem.

Entre os moderados ou disponíveis, se tende a recuperar, junto com o que se considera


válido da antiga ordem (a instrução e a prática religiosa, os tradicionais valores morais),
também o novo: a difusão das “luzes” do saber, a gradual extensão da escola elementar às
classes populares, a recuperação do trabalho e da solidariedade social, a escolha de
métodos mais justos e humanos no modo de enfrentar os males crônicos da pobreza e da
delinquência, o desenvolvimento das obras caritativas e de socorro mútuo, a difusão dos
bons livros, a criação de bibliotecas populares etc...

Neste contexto, tem-se uma mais sistemática afirmação do princípio preventivo até à
tradução explícita na fórmula sistema preventivo, que depois passou à história. Esta traz
as inconfundíveis marcas do século. Com efeito, ainda que com acentos diferentes, ela
nasce no clima da “restauração”, retratando os caracteres e as diversidades das posições.
Nela se encontram tanto saudosos do antigo regime e legitimistas, mesmo conscientes da
impossibilidade de uma volta ao passado, quanto moderados, abertos ao novo, à
modernidade, como detentores de projetos mais corajosos. Poullet, Laurentie, Pavoni,
Champagnat, Aporti, Rosmini, Dupanloup, Dom Bosco e muitos outros podem ser
associados legitimamente ao sistema preventivo, mas condições reais, mentalidades,
objetivos, conferem às mesmas visões ou experiências de base, acentuações e traços
notavelmente diferentes.
É a mesma ambiguidade ou ambivalência daquela “inquietude preventiva” que parece
impregnar todo o século, em tempos e prospectivas diferentes. Também Dom Bosco parece
condividi-la, tanto em nível cultural e político, como na pastoral e na educação, com
formas mais atenuadas. Isto ele deixa claro tanto na História Eclesiástica (1845), quanto
na Historia da Itália (1855): “PERGUNTA: Quem provocou a perseguição francesa?
RESPOSTA: As sociedades secretas, alguns fanáticos chamados iluministas junto com
filósofos com pretensões de reformar o mundo, produzindo em todos a igualdade e a
liberdade, promoveram uma perseguição que, começando em 1790, durou dez anos e foi
causa do derramamento de muito sangue”1. “No arco destes quase cinquenta anos houve
uma paz quase completa em toda a Itália e no resto da Europa; isto deu oportunidade a
muitos homens sábios de enriquecer as ciências e as artes com muitas úteis descobertas,
mas deixou também à vontade as sociedades secretas para executar seus projetos. Estas
sociedades secretas são geralmente conhecidas pelo nome de Carbonários, Pedreiros Livres,
Iluminados, Jacobinos, e tomaram vários nomes conforme os vários tempos, mas sempre
com os mesmos fins. Querem subverter a sociedade presente porque são descontentes e
não encontram nela um lugar conveniente para sua ambição, nem liberdade para desafogar
suas paixões Para arruinar a sociedade, trabalham para destruir toda religião e toda idéia
moral no coração dos homens, e para derrubar toda autoridade religiosa e civil, isto é, o
Pontificado Romano e os tronos...Muitos se deixaram facilmente envolver por estas
sociedades, porque de início não revelam a iniquidade do fim e falam somente de
fraternidade, de filantropia e coisas semelhantes...A classe média foi aquela que começou a
revolução servindo-se da plebe, e a plebe por sua vez a quis prosseguir e se tornar soberana,
como de fato se tornou e acabou levando ao patíbulo centenas daqueles mesmos burgueses
que tinham condenado à morte os padres e os nobres. Para a revolução, o que estava em
cima ficou em baixo e o que estava em baixo ficou em cima, e assim reinou a anarquia do
populacho. As sociedades secretas que tinham feito a revolução na França, já haviam
entrado na Itália, onde se espalhavam as sedutoras idéias de liberdade, de igualdade e de
reformas”2.

Como emerge de todo o discurso, nem tudo no século das luzes é considerado negativo;
antes, na sua parte mais sadia e significativa, este século “deu oportunidade a muitos
homens sábios de enriquecer as ciências e as artes com muitas úteis descobertas”: uma
enorme contribuição de novidades que encontrará lugar ideal e efetivo entre os elementos
positivos do sistema preventivo, a par de moderadas instâncias de racionalidade, de
liberdade, fraternidade e humanidade (conteúdos da filantropia humanitária conciliáveis
com a verdade cristã ).

1
JOÃO BOSCO, História eclesiástica para o uso das escolas,útil a qualquer classe de pessoas, Turim,
tipografia Speirani e Ferrero, 1845, páginas 342-343, OE I 500-501.
2
JOÃO BOSCO, História da Itália contada à juventude desde seus primeiros habitantes até os dias de hoje.
Turim, tipografia Paravia e companhia, 1855, páginas 455-457, OE VII 455-457. O desígnio “sectário”,
segundo Dom Bosco, continua mesmo depois do Congresso de Viena: “Naquele mesmo tempo, aquelas
sociedades secretas, que tinham subvertido toda a França, formaram um novo e estranho projeto de criar
uma república só, com todos os reinos da Itália. Para atingir tal fim, vejam bem, deviam derrubar todos os
tronos da Itália e a própria religião(...). Deram um jeito de sublevar as populações contra os seus reis,
pedindo uma constituição semelhante àquela que foi concedida pela Espanha, graças à qual o príncipe
dividia seu poder com o povo, e todos os súditos se tornavam iguais perante as leis” (JOÃO BOSCO, História
da Itália..., página 476, OE VII 476).
No decorrer do século XIX, o fenômeno global da “inquietude preventiva” se exprime
sobretudo em cinco níveis: político, social, jurídico-penal, assistencial, escolar-educativo,
religioso.

5. Prevenção Política

O “princípio preventivo” inspira os participantes do congresso de Viena, reunidos para


redesenhar o mapa político da Europa após a tempestade napoleônica, com o fim de
restaurar o antigo, conservando o que de positivo haviam trazido as novas idéias e os novos
tempos. Em linha geral, eram reconfirmados substancialmente os tradicionais princípios
religiosos e morais: o conceito religioso e austeramente paterno da autoridade em todos os
níveis: eclesiástico, civil, familiar; a observância das leis e a obediência como fator de
equilíbrio nas relações interpessoais; o “bem estar” e a “felicidade” dos povos cuidados por
uma administração estatal justa e sólida, garantida por um centro forte; a diferente
atribuição de responsabilidades e de poderes conforme o diferente prestígio social,
espiritual, econômico; a força de regeneração social expressa pelo cristianismo. Todavia,
junto com orientações absolutistas e realidades repressivas, há também fortes instâncias
inovadoras: a Inglaterra e a França, seguidas pela Noruega, pelos Países Baixos e por
alguns estados alemães, desempenham um papel notável de renovação. A restauração dos
legítimos poderes não significava voltar ao passado puro e simples, declarava o astuto
representante da França em Viena, Charles-Maurice de Talleyrand Périgord. “Hoje a
opinião universal é que os governos existem unicamente para os povos e que o poder
legítimo é aquele que pode melhor garantir a sua felicidade e a sua paz. Nem redunda
menos ao interesse do soberano que ao interesse dos súditos, constituir o poder de tal modo
que, todos os motivos de temor que ele pode inspirar sejam evitados”3 Análoga era a
convicção de Pio VII em 1816, a propósito da reorganização administrativa das Províncias
dos Estados Pontifícios, recentemente “recuperadas.”

“Tornou-se quase impossível a volta ao antigo regime. Novos hábitos substituíram


os antigos, novas opiniões surgiram e se difundiram universalmente nos diversos
setores da Administração e da Economia Pública. Novas luzes que, a exemplo de
outras nações da Europa passaram a brilhar , exigem nas nossas províncias a
adoção de um novo sistema mais adaptado à presente condição dos habitantes,
hoje muito diferente do passado”4.

Uma maior certeza de ordem e de equilíbrio para o futuro, foi o que quiseram alguns
protagonistas de Viena com o Pacto da Santa Aliança, celebrado em 16 de setembro de

3
C. TALLEYRAND, Relatório ao Rei durante sua viagem de Gand a Paris (junho de 1815), em Memórias,
volume III, página 197 e seguintes, citado por C. BARBAGALLO, História Universal, volume V, segunda
parte: Da era napoleônica ao fim da primeira guerra mundial(1799-1919). Turim, UTET 1946, página 1089.
Na mesma linha se encontram Guizot, Cousin, Royer-Collard, etc.
4
Motu proprio da Santidade de Nosso Senhor Papa Pio sétimo na data de 6 de julho de 1816 sobre a
organização da Administração Pública, exibido nas Atas de Nardi, Secretário da Câmara, no dia 14 do já
citado mês e ano. Roma, apud V. Poggioli, Tipógrafo da Reverenda Chancelaria Apostólica, 1816, página 5.
1815 entre os soberanos da Rússia, Prússia e Áustria. Esta aliança se inspirava em
princípios cristãos expressos pelas três confissões - ortodoxa, católica, luterana - e tinha
como meta criar vínculos de “fraternidade” entre os três reis, e de “paternidade” entre estes
e seus respectivos povos, para assegurar estabilidade e paz a toda a Europa. Os dois
primeiros artigos constituem uma síntese do “sistema preventivo” em chave político-
religiosa.

Art.1- Conforme as palavras das Sagradas Escrituras, que ordenam a todos os


homens de respeitar-se como irmãos, os três monarcas que assinam este tratado
ficarão unidos com vínculo de indissolúvel fraternidade e se considerarão
compatriotas em qualquer situação ou lugar, ajudando-se mutuamente; serão para
seus súditos civis e militares outros pais de família, guiando-os no mesmo espirito
de fraternidade que os anima, para proteger a religião, a paz e a justiça.
Art.2- Consequentemente, o único princípio em vigor, tanto entre os três
governantes quanto entre seus súditos, será o de prestar serviços recíprocos; de
manifestar-se com uma benevolência inalterável, as afeições mútuas que devem
animá-los; de considerar-se todos como membros de uma mesma nação cristã; os
príncipes aliados se consideram delegados da Providência para governar três
ramos de uma mesma família, isto é, a Áustria, a Prússia e a Rússia. Declaram
então que a nação cristã da qual eles e seus súditos fazem parte, não têm outro
soberano se não Aquele a quem pertence todo o poder, porque é só nele que se
encontram os tesouros do amor, da ciência e da sabedoria infinita, isto é Deus, o
nosso Divino Salvador Jesus Cristo, o Verbo do Altíssimo, a Palavra de vida”5.

Um debate político sobre a alternativa repressão e prevenção se desenrolou em nível


europeu, em condições sociais e culturais profundamente mudadas, na Segunda metade do
século, logo que nasceu a Internacional Socialista (Londres 1864). Surgiram duas frentes
bastante flexíveis: uma de tendência “liberal”, dominante na Inglaterra Áustria e Itália;
outra mais rígida na França, Espanha, Prússia e Rússia.

O ministro do Exterior italiano, Visconti Venosta , sustentava que, contra os fautores da


Internacional “ bastava a vigilância do governo para imobilizar a mente dos agitadores,
acabar com as intrigas e vacinar o país contra perigos tão graves. Podiam-se usar medidas
preventivas para evitar a difusão de doutrinas perniciosas que ameaçam a Europa com uma
nova barbárie”, mas tais medidas deviam ser “ compatíveis com as nossas instituições e
com os nossos costumes”. A Espanha, ao invés, com o ministro Praxedes Mateo Sagasta,
ainda que liberal, proscrevia a Internacional. A França fez o mesmo com a lei 13/14 de
março de 1872. O ministro do Exterior francês, Francois Rémusat, achava convenientes “as
medidas preventivas, isto é, considerar crime o simples fato de pertencer à Internacional”.
Era mais repressivo do que governo italiano.

5
É óbvio que os grifos são nossos.
Mais uma vez o governo de Roma mostrou a vontade de aderir à mentalidade
inglesa e deixar fazer antes que tomar medidas de rigor preventiva e geral:
primeiro ministro do Interior Lanza, e logo o chanceler De Falco comunicaram ao
seu colega do ministério do Exterior a impossibilidades de atender às solicitações
espanholas e francesas (...) O ânimo dos políticos de Roma estava muito mais
inclinado ao modo inglês de Granville e de Gladsitone clara e profundamente
liberal, impregnado daquele estilo que em fato de política interna, podia ser
considerado o princípio informador do liberalismo inglês e europeu, ou seja, o
princípio do reprimir e não do prevenir. Mais tarde, dois homens a esquerda,
Cairoli e Zanardelli iriam proclamar o mesmo princípio, indo contra Crispi, futura
eminência parda do governo forte, que reclamava por medidas preventivas; mas
naqueles dias do 71-72, pelo menos, foi o princípio que guiou os homens da
Direita”6

No Discurso pronunciado em Pavia...em 15 de outubro de 1878 o ministro B. Cairoli dizia:


“A autoridade governativa cuide para que a ordem pública não seja perturbada; seja
inexorável no reprimir e não arbitrária no prevenir”7. José Zanardelli condividia a mesma
posição política8 . Francisco Crispi, em 5 de dezembro de 1878 declarava: “ a autoridade
política tem o direito de prevenir, como a autoridade judiciária tem o direito de reprimir os
crimes”; insistia deixando subentendida certa discreção autoritária do governo no exercício
da prevenção: esta “ consiste em um complexo de atos de prudência; em muitos gestos
cautelosos, seguros e morais, em força dos quais o governo mantêm a paz pública sem cair
no arbítrio. É difícil exercitá-la. Quem a põe em prática deve ser, não somente um
previsivo, mas deve ter um grande sentimento de justiça e uma grandíssima moralidade”9.

É curioso que ao ministro Crispi, em fevereiro de 1878, Dom Bosco tinha enviado o seu
promemória sobre o sistema preventivo na educação da juventude. Havia manifestado a
intenção de enviá-lo também a Zanardelli10. Não é fácil imaginar o impacto que o uso
“pedagógico” dos termos “preventivo” e “repressivo” pôde ter tido sobre dois homens
habituados a tratá-los em antitético sentido “político”11.

6
F. CHABOD, História da política externa italiana de 1870 a 1896. Bari, Laterza 1962, páginas 435-436.
Sobre todo o problema, cfr. páginas 392-404 (A liberdade e a lei).
7
B. CAIROLI, Discurso pronunciado em Pavia...em 15 de outubro de 1878. Roma 1878, página 6, citado por
F. CHABOD, História da política externa..., página 435, número 1.
8
G. ZANARDELLI, Discurso eleitoral em Iseo, 3 de novembro de 1878, e discursos na Câmara em 5 e 6 de
dezembro de 1878, citado por F. CHABOD, História da política exterior..., página 436, número 2.
9
Discursos parlamentares II 313 (5 de dezembro de 1878), citado por F. CHABOD, História da política
externa..., página 436, número 3. Deixando de lado as idéias liberais, Francisco Crispi foi, na prática
política, homem extremamente autoritário. “A teoria da repressão, cara a Zanardelli e a Cairoli, era
abandonada e substituída pela da prevenção; e mesmo na prevenção, o jeito de Crispi foi sempre bastante
duro” (F. CHABOD, História da política externa..., página 546).
10
Cartas dos dias 21 de fevereiro e 23 de julho de 1878, E III 298-299 e 366-367.
11
Seja como for, tanto na pedagogia quanto na política, na teoria e na prática, os limites entre os dois
sistemas nunca foram claramente definidos. Certezas e declarações de intenções foram sempre
acompanhadas por temores e apreensões, cercadas de intervenções autoritárias e até mesmo “repressivas”.
O próprio sistema preventivo de Dom Bosco inclui ao menos “uma palavra sobre os castigos”.
Com base nos trabalhos preparatórios de duas comissões, uma alemã e outra austríaca, de 7
a 29 de novembro de 1872, se reuniu em Berlim uma conferência, que acabou favorável a
medidas repressivas de crimes sociais e não a intervenções preventivas contra o perigo do
socialismo subversivo12.
2- Prevenção Social: Pauperismo e mendicância

Mais do que no campo político, a idéia preventiva, antecipada em alguns setores nos
séculos XVII e XVIII, se afirma com novo vigor no campo social, sobretudo na Espanha ,
na França e na Inglaterra, com particular interesse no amplo fenômeno do pauperismo e da
mendicância, da criminalidade, da assistência à infância, da educação. Neste setor
encontram lugar os meninos abandonados e fugitivos, vítimas da vagabundagem e da
mendicância13.

No século XIX, com a pré-industrialização e com a industrialização, o problema se une,


também na Itália, com o da corrida para a cidade de camponeses em busca de melhores
condições de vida e de trabalho. Para os grandes e intelectuais era uma desordem, um
escândalo, ao qual se procurava remediar baseados nas idéias de Luís Vives no seu De
subventione pauperum (1526), oferecendo assistência, educação, trabalho nos “refúgios
gerais” na França, nas “casas de trabalho” na Inglaterra.

O problema vem de novo posto, em chave mais decididamente preventiva, no século XIX,
também no reino Sardo14.
A categoria do “preventivo” unifica todo o conjunto das obras de beneficência romanas em
favor dos pobres, conforme relata o sacerdote romano C. L. Morichini: hospitais, orfanatos,
asilos de velhos, de viúvas, entidades esmoleres, prontos socorros, escolas. Estas obras
abraçam idealmente “o pobre antes do seu nascimento, depois na sua educação, e
finalmente na sua impotência e desemprego, velhice e enfermidade,” enquanto “todos os
esforços dos homens de caridade inteligente se destinam a separar o verdadeiro do falso

12
Cfr. F. CHABOD, História da política exterior..., página 445. O autoritário conde Eduardo de Launay, da
Sabóia, ministro da Itália em Berlim, comentava com pessimismo: “Ficou mais uma vez claro quanto é difícil
para estes altos funcionários, para estes juristas, chegar a algo de prático e eficaz sobre as medidas a serem
adotadas, tanto preventivas quanto repressivas(...). Pode-se ainda esperar que os governos venham a
abandonar sua rotina tradicional para entrar em guerra aberta contra uma sociedade que não quer outra
coisa, senão subverter a sociedade, a família, a propriedade, com todos os meios revolucionários” (citado
por F. CHABOD, História da política exterior..., página 450, número 2).
13
Cfr. J. P. GUTTON, A sociedade e os Pobres. O exemplo da gerealidade de Lyon, 1534-1789. Paris, As
Belas Letras 1971; J. HUTON, O Pobre da França do século XVIII, 1750-1789. Oxfoord, Clarendon 1974; J.
P. GUTTON, O Estado e a mendicância na primeira metade do século XVIII. Auvergne Beaujolais Forez
Lyonnais [Feurs], Centro de Estudos Forezianos sobre a História da Pobreza, dirigido por M. Mollat. Paris,
Publicações da Sorbonne 1974; A. MONTICONE, A história dos pobres. Pauperismo e assistência na idade
moderna. Roma, Edições Studium 1985, XII-300 páginas (incluindo boa bliografia).
14
Cfr. D. MALDINI, Classes dirigentes, governo e pauperismo 1800-1850, em ª AGOSTI e G. M. BRAVO,
História do movimento operário do socialismo e das lutas operárias no Piemonte, volume I. Da época pré-
industrial ao final do 800. Bari. De Donato 1979, páginas 185-217.
pobre, a prevenir antes que socorrer a miséria e a educar o pobre no espírito de previdência
e de economia e confortá-lo na virtude”15.

O piemontês Conde Carlos Hilarião Petitti di Roreto (1790-1850), um conservador


iluminado, entre as medidas de prevenção mais idôneas a remover as causas gerais da
mendicância, elencava algumas abertamente preventivas.
Promover e favorecer a instrução elementar das pequenas populações, dirigindo-as
especialmente para os verdadeiros princípios religiosos e morais, que tanto
persuadem o homem sobre suas obrigações de ganhar a vida com o próprio
trabalho e sobre a utilidade de observar este preceito (...) Promover, favorecer e
encorajar a instituição das caixas econômicas(...) visto que, aquelas caixas,
acostumando o homem à previdência e à economia, o mantêm longe do vício e lhe
asseguram um fundo de reserva para ajudá-lo em casos urgentes, impedindo-o de
ter que recorrer à caridade pública ou privada.. Promover o pobre, proteger e
encorajar as associações de socorro mútuo entre os operários16.Com estas
providências indiretas (...) um regulamento iluminado, atento e paterno consegue
manter a população tranquila, moralizada e sadia17.

Em uma linha preventiva em sentido positivo,acham-se também as indicações que ele


concluía do exame das leis repressivas e diretivas sobre a mendicância em vigor nos
principais estados europeus.

Nem sempre as leis repressivas e coativas conseguem atingir seu objetivo, se não
forem removidas as causas dos males. Por isso qualquer governo que quiser
eficazmente conseguir a verdadeira prosperidade e moralidade, deve com todos os
meios possíveis e diligentes cuidados estabelecer a ordem civil, de modo que, uma
vez removidas com meios indiretos as causas da mendicância, se consiga com os
mais diretos, proporcionais às circunstâncias de tempo e lugar, prevenir e impedir
esta praga funesta da sociedade18 .

Está presente também aos filântropos do século XIX o tema da redenção dos indigentes
mediante aquele tipo de prevenção que é a instrução e a educação. Este tema se encontra

15
Dos Institutos de caridade pública e de instrução primária em Roma. Ensaio histórico e estatístico de Dom
Carlos Luís MORICHINI. Roma, tipografia do Orfanato Apostólico de Pedro Aureli 1835 (primeira edição),
páginas X-XI. A obra sairá, acrescentada em duas outras edições com o título parcialmente modificado: Dos
Institutos de caridade pública e de instrução primária das prisões em Roma...Nova edição. Roma, tipografia
Marini e companhia, 1942, 2 volumes; Dos Institutos de caridade para a subsistência e educação dos pobres e
dos prisioneiros em Roma. Três livros do cardeal Carlos Luís Morichini...Novíssima edição. Roma,
Estabelecimento tipográfico da Câmara 1870, 816 páginas. As citações são da edição de 1835.
16
Ensaio sobre a boa gerência da mendicância, dos institutos de beneficência e das prisões, do conde Carlos
Hilarião PETITTI di Roreto, volume primeiro. Turim, Bocca 1837, páginas 40-42.
17
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume primeiro, página 45.
18
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume I, páginas 111-112; sobre a insuficiência
das legislações vigentes repressivas em vários estados europeus, cfr. Páginas 90-112.
desenvolvido pelo francês Barão José Maria De Gerando (1772-1842)19 que dedica a
segunda parte de sua obra monumental Sobre a Beneficência Pública, às instituições
destinadas a prevenir a indigência20.

De todos os tipos de beneficência a que previne a miséria na sua fonte é a mais


fecunda e mais salutar. Ora, a beneficência preventiva não pode ser exercitada de
modo mais seguro e mais útil do que com a educação do pobre. Aqui se unem os
dois caracteres da beneficência, uma vez que esta socorre no presente e prepara o
futuro. A educação lhe dará forças morais, intelectuais e físicas que constituem a
riqueza própria do homem, que lhe procurarão o indispensável e o colocarão em
grau de lutar contra o infortúnio21.Quanto mais estudamos as causas da indigência,
tanto mais concluímos que o defeito de educação é uma das causas que produz
maior numero de indigentes. Um dos maiores serviços que nós podemos prestar aos
pobres, é o de preservar os seus filhos de tão funesta influência: uma boa educação
dará a estes filhos uma oportunidade de um dia sustentar seus velhos pais e de
consolá-los22.

O processo educativo começa com os asilos para as crianças de menos de sete anos,
prossegue com a escola primária, prolonga-se nas escolas noturnas e dominicais para
aqueles que não puderam usufruir da instrução precedente; integra-se com o conselho e
com a assistência moral e jurídica na escolha do ofício, na redação do contrato de trabalho,
no período de aprendizado e na proteção junto aos dadores de trabalho eventualmente
exploradores23.

De convicção análoga nasce a iniciativa educativa de F. Aporti, começando com a “escola


da infância”. “A pobreza do povo, que tem origem na falta de educação, que torna o
homem bruto e imprudente, será superada por meio de uma bem ordenada e pública
educação que o povo deverá receber desde a infância nos institutos criados para tal fim. E o
mais torpe vício, a pobreza que gera mendicância, é superado através das escolas infantis

19
A seu respeito, cfr. S. MORAVIA, A ciência do homem no 700. Bari, Laterza 1970, páginas 223-238.
20
Da beneficiencia publica. Tratado do Barrão de Gerando... Florensa, C.Tort 1842-1846, em quatro partes,
distribuídas em sete tomos: I. A indigência considerada nas suas relações com a economia social; II. Das
instituições relativas à educação dos pobres; III. Das subvenções publicas; IV . Das regras gerais da
beneciciencia publicas consideradas em seu regime; Edição francesa, Da beneficiencia publica. Paris 1839,
quatro volumes.
21
JMD GERANDO, da beneficiencia publica..., tomo segundo, florença, C. Torti 1843, páginas 249-250.
22
O visitador do pobre do Barrão de Gerando. Florensa, C. Torti 1846, página 103.
23
J.M.D GERANDO, O visitador do pobre..., páginas 105-117. a solução está ligada também a medidas
preventivas no plano financeiro: Cfr. IDEM, da beneficiencia publica, segunda parte, livro III, tomo V.
Florensa, C. Torti 1844. Dos meios gerais aptos para melhorar a condição das classes menos favorecidas,
capitulo I. Dos meios gerais para prevenir a indigência que se prope obter através de algumas modificações no
sistema da economia social; capitulo II. Da organização do trabalho; capitulo III. Da melhoria do regime de
vida física na classe trabalhadora, Capitulo IV. Da melhora dos costumes na classe dos trabalhadores
[notáveis o parágrafo V Sobre o contentamento das classes trabalhadoras; e o parágrafo VIII Sobre o
trabalho considerado como meio de educação]; capitulo VI influencia da religião sobre a moral e sobre o
bem estar da classe trabalhadora.
que deve repetir-lhes todo dia que o homem nasceu para o trabalho e cada um deve prover
ao próprio sustento com o trabalho e não viver do fruto do trabalho dos outros; o que é
exigido pelos princípios da justiça natural e da religião24.

Enfim motivos políticos, sociais e educativos, em prospectiva previdencial e positivamente


preventiva, encontram-se recolhidos em síntese na concepção de um progressista
moderado, C. Cattaneo. Ele analisa as diversas posições de teóricos e legisladores sobre as
causas da miséria e da mendicância e os possíveis remédios. Ele, pessoalmente, opta pela
prevenção e pela previdência.

No meio destas discussões algumas verdades aparecem límpidas; e parece fora de


dúvida que a educação dos pobres é necessária; a repressão de toda a
mendicância, a fundação de caixas econômicas, das companhias de mútuo socorro,
dos fundos de pensão e outras instituições semelhantes ajudarão muito cada pessoa
a prover o próprio futuro, reservando-se os meios de um honrado descanso25.
NOTA: A propósito dos problemas dos pobres, pode-se lembrar o uso dos termos
“repressivo” e “preventivo” introduzidos por Malthus(1766-1834) na célebre obra Um
ensaio sobre o princípio da População conforme ele afeta o futuro empobrecimento da
sociedade26. Segundo Malthus a pobreza tende a crescer porque a produção dos meios de
subsistência é muito mais lento do que o crescimento da população. O único jeito possível
de melhorar a condição do pobre é “ baixar o numero de pobres”27. Ora, os obstáculos que
agem continuamente com mais ou menos força em cada sociedade e mantêm a população
em níveis de subsistência, se podem dividir em duas partes principais: uns são preventivos
e outros repressivos28. Os obstáculos repressivos são as guerras, as carestias, a peste e os
muitos efeitos da miséria e do vício. O obstáculo ou meio preventivo principal é o
matrimônio tardio, a abstinência do casamento para quem não tem certeza de poder manter
os filhos, a continência sexual voluntária, observando a castidade29.

6. Prevenção no campo penal

24
Carta de 05 de abril de 1842, no volume A GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos do Risordgimento,
volume II. Turim, Gráfica Piemontês 1937, páginas 479-480.
25
C.CATTANEO, Da beneficiencia publica, em Obras editas e inéditas de Carlos Cattaneo, volume V
Escritos de economia publico, volume II. Florensa, Lê Monnier 1988, página 305.
26
A primeira edição e de 1798; mas a completam as que vêm em seguida, começando pela de 1803,
completamente reelaborada, seguida por outras até à sexta edição de 1826.
27
Th. R.MALTHUS, Ensaio sobre o principio de população. Turim, UTET 1949, livro IV, capitulo III página
464.
28
Th. R.MALTHUS, Ensaio sobre o principio de população. Livro primeiro, capitulo segundo, página 09.
29
Cfr. Th R. MALTOS, ensaio sobre os principios de população, páginas 09-11, 452, 454, 460. Os capítulos I
e II do livro IV tendem a demonstrar a possibilidade a racionalidade e o valor religioso da restrição moral:
da restrição moral e do nosso dever de praticar esta virtude (páginas 445-452) Efeitos da restrição moral sobre
a sociedade (páginas 453-459).
È talvez no campo penal, carcerário e penitenciário que, entre o século XVIII e XIX,
crescem mais os termos “repressão”, “prevenção”, correção”. Disto oferece ricas
informações o lembrado Petitti di Roreto, que escreve e trabalha em Turim no ano da
formação das primeiras experiências oratorianas de Dom Bosco30.

Em uma memória de grande abertura histórica e teórica sobre os vários regimes de


assistência aos acusados de crime e aos condenados seja durante, como depois das
vicissitudes judiciárias e penais, ele distingue três formas de detenção: “preventiva, a dos
acusados; repressiva, a dos condenados a pena de breve duração; corretiva, a dos
condenados a pena de maior duração”. Elas são pensadas com relação a diversos fins a
serem atingidos com os relativos tratamentos e disciplinas. A primeira, preventiva, é a favor
daqueles “homens incautos presos” mas “bem longe ainda de ser realmente inclinados à má
conduta”. A Segunda, repressiva, é reservada a “não poucos jovens, transviados e levianos,
não ainda corrompidos”; a outros jovens “réus de culpas leves ou condenados a penas leves
ou por crimes pequenos; a condenados não ainda criminosos”. A terceira, corretiva,
reservada “aos condenados por crimes de longa pena”, apresenta uma vantagem dupla:
impede o aumento da corrupção e a sua propagação aos das outras categorias; mas
sobretudo favorece “o fim principal da punição a eles infligida, isto é, a sua emenda”31.

É óbvio que, para cada detenção distinta, deveria corresponder uma cadeia separada,
preventiva, repressiva, corretiva, com o acréscimo de outras especiais32.

O tema “preventivo” tem porem suas particularidades especificas, quando se trata de


antecipar o momento o crime e os sucessivos da detenção preventiva, da intervenção
judiciária e penal com a relativa “correção”. Neste caso, a prevenção assume duplo
significado: em primeiro lugar, prevenir completamente os crimes; depois, uma vez
cometidos, agir “corretivamente” com reeducação e recuperação, de modo a preveni-los no
futuro.

Tornaram-se célebres, nesta prospectiva, o aristocrata milanês César Beccaria (1738-1794)


e o filântropo inglês João Howard (1726-1790).

No controvertido livro Sobre os crimes e sobre as penas (1764) César Beccaria escrevia
sobre tema Como prevenir os crimes: “É melhor prevenir os crimes do que puni-los. Este é
o fim principal de qualquer boa legislação, que e a arte de conduzir os homens ao máximo

30
Sera dito mais adiante capitulo X paragrafo I, a respeito de um envolvimento de Dom Bosco com uma
iniciativa beneficiente e educativa promovida pelo conde nos anos 1846-1849.
31
C.I.PETITTI di roleto, da condição atual das prissões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 487-489.
32
C.I.PETITTI di roleto, da condição atual das prissões..., em Obras escolhidas, volume I,, páginas 499, 507-
510.
de felicidade ou ao máximo de infelicidade possível”33. Indicava em seguida alguns meios
de prevenção: toda a força da nação seja concentrada no fazer observar leis claras e
simples, fazer com que os cidadãos temam só as leis e não os homens, combater a
ignorância, recompensar as virtudes 34. Chegava enfim ao mais seguro, a educação: “
Finalmente o mais seguro, mas o mais difícil meio de prevenir os crimes é aperfeiçoar a
educação, objeto muito vasto que vai além daquilo que me propus de tratar, objeto, ouso
dizer, que concerne muito intrinsecamente à natureza do governo, para que não seja sempre
até os mais remotos séculos da pública felicidade um campo estéril, e cultivado cá e lá por
poucos sábios”35.

A isto segue uma vasta publicidade, alimentada ainda por De Gérando, por Petitti di Roreto
e por Carlos Cattaneo (1861-1869). O tema preventivo se entrelaça com os outros
amplamente tratados na publicidade carcerária e “correcional”: as penas, o trabalho
forçado, a solitária mais ou menos rígida.

Compreendeu-se finalmente que a aplicação das penas legais não é, da parte da


sociedade, uma simples arma de defesa e de vingança; que esta não tem por
objetivo somente impedir que o culpado prejudique o outro e impedir que os outros
o imitem; mas que deve efetuar a correção do culpado 36. O trabalho deve ter uma
parte essencial; mas pela principal razão que o trabalho é para o homem um meio
natural de melhora37. O isolamento será para ele uma salvaguarda. Por isso a
primeira condição do castigo é o exílio. Não deixem se aproximar dele nenhum
daqueles que possam afastá-lo do arrependimento, ou fomentar-lhe os vícios, ou
deixar-se corromper por ele. A nosso ver aqui se fixa limite da pena. Existe um
comércio do qual o maior réu entre os homens não pode ser privado: é o das
pessoas de bem; ele nada poderá perder e tudo ganhar. Nem é preciso que tal
comércio seja reservado a um ministro da religião, a um inspetor das prisões. Por
que aqueles que são deles amigos e parentes, que com estimável caráter poderiam
associar-se às mesmas opiniões, não seriam admitidos a ir ajudar o trabalho,
reforçando o poder das exortações com a influência de sua amizade? 38.

Petitti di Roreto presta particular atenção aos condenados à morte, às casas de trabalho
“onde se prendem jovens ou mesmo adultos, os quais, dados a uma vida desregrada, se quer
preventivamente afastar do perigo da má vida”39. Estes são classificados conforme os
diversos níveis de criminalidade. Mas para todos o autor parte da substancial confiança nas
potencialidades humanas, favorável portanto a providências preventivas, tanto protetoras
quanto positivas, para indivíduos “nos quais existe maior razão para crer que não esteja
33
C.BECCARIA, Dos delitos e das penas, aos cuidados de G.Francioni com As edições Italianas do “Dos
delitos e das penas” De: Luiz Firpo. Milão, Mediobanca 1984, Parágrafo 41, página 121.
34
C.BECCARIA, Dos delitos ..., Parágrafos 41-44, páginas 121-126.
35
C.BECCARIA, Dos delitos ..., Parágrafo 45, páginas 126-127.
36
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV página 202
37
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV, página 208.
38
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., tV, páginas 215-118.
39
C.I PITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa regência..., t.II, página 482.
inteiramente apagado o instinto para o bem”: “Se por qualquer motivo os meios coativos
devem às vezes apresentar o aspecto de um rigor maior, a autoridade que governa aqueles
institutos deve ser mais paterna e por isso mais inclinada a unir ao rigor da ordem a doçura
do bom conselho”40.

Semelhante é a orientação de Carlos Cattaneo que insiste sobre a exigência de um estudo


científico do “impulso criminoso” diversamente manifestado nos criminosos e das forças de
neutralização e de recuperação.

Uma grande parte da reação contra o impulso deverá ser confiada à lei criminal,
ao carcereiro e às vezes até ao carrasco; mas uma grande parte deverá ser
delegada a cuidados indiretos e a outros ramos da autoridade civil, sobretudo no
que diz respeito à educação e à moral; uma outra parte deverá ser confiada ao
médico; e talvez uma prisão preventiva livre de qualquer outra penalidade poderá
ser o único caminho para proteger a sociedade contra certos crimes, que são mais
um impulso natural do que calculada malvadez41.

7. A educação como prevenção

Junto com a educação preventiva emerge claramente na história a idéia de educação como
prevenção de vários modos realizada, com métodos “preventivos” ou “repressivos”.
Insistem nisto os autores já citados Morichini, Aporti, Degérando, Petitti di Roretto.

Como observa profundamente Romagnosi – escreve Morichini – é de competência


civil, isto é, de direito absoluto dos governantes exigir de todos os indivíduos o
cuidado dos primeiros elementos, porque é o meio mais poderoso de manter
tranquila a sociedade. Seria estulto dizer que a autoridade civil pode punir com
penas severas os crimes mas não pode preveni-los. Ora, não existe homem sábio
que negue ser a instrução pública um dos meios mais poderosos de prevenção 42.

Carlos Cattaneo citava Romagnosi quando concluía um estudo sobre os danos da


deportação penal: “O estudo do regime penal demostra sempre mais quão profundo e sábio

40
C.I PITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa regência..., t.II,páginas 483, 484.
41
C. CATTAMEO, Escritos polítios e epistolátio, publicados por G. Rosa e J. White Mário. Florença,
Barbeira 1892, páginas 88-89: é um fragmento sobre o Atavismo criminoso.
42
C. L. MORICHINI, dos institutos de caridade pública..., página 33.
é o que diz Romagnosi que um bom governo é uma grande proteção unida a uma grande
educação 43.

Ferrante Aporti pensa o seu asilo infantil como instituição preventiva que tende a corrigir as
deformações sofridas pelas crianças que crescem em famílias incapazes de educar
corretamente ou impossibilitadas de fazê-lo 44: em uma palavra, “de modo eficaz defender
dos vícios e dos erros a inocente infância do pobre”45. Com as escolas da infância, ele
pretendia dar início a uma vasta rede de novas instituições destinadas a prevenir a
imoralidade desde a infância, visto que, uma vez crescida na alma a imoralidade,
dificilmente é curada46 . Sobre a extraordinária receptividade infantil e sobre a urgência de
satisfazê-la com cuidados educativos preventivos, escrevia ele no Prefacio ao manual de
educação e treinamento (1833)47. A escola infantil era motivada pela caridade destinada a
prevenir, antes que deixar nascer os males para serem curados48 .Expressando gratidão à
Comissão dos Asilos infantis de Veneza, escrevia: enfim, tudo o que em Veneza se refere a
esta dupla caridade destinada a prevenir antes que deixar nascer os males para medicá-
los, é e será para mim e para quantos amam o bem, argumento perene de justa admiração.
Por isso, esta preciosíssima Comissão tenha como muito leais as expressões de
congratulação que tenho a honra de dirigir-lhe, porque até agora trabalhou muito bem na
árdua tarefa de reordenar a educação do pobre, único meio válido para redimi-lo da
abjeção da ignorância e dos vícios que a seguem. Estão preparando um tesouro
inestimável para a Igreja Católica e para o estado49.

Petitti di Roreto condividia a mesma idéia: “Os educadores da primeira infância – escrevia
ele – com as chamadas salas de asilo, e os da adolescência com os orfanatos, tanto os
estáveis quanto os temporários, a protegem na idade mais delicada e a preservam de muitos
perigos físicos e morais; procuram para eles um meio de aprender uma arte e um ofício que
lhes garantam um futuro. As casas de refúgio para os jovens conseguem com a persuasão,
com a firmeza e com paternas recomendações reconduzi-los ao bom caminho e salvam
assim para a sociedade alguns indivíduos que de outro modo , lhe viriam a ser nocivos. As
casas de trabalho e de internato oferecem um meio de providenciar-se um sustento

43
C. CATTANEO, Da reforma penal, II. Da deportação, no volume Obras de João Domingos Romagnosi,
Carlos Cateneo, José Ferrary, Aos cuidados de Ernesto Cestan. Milão-Nápolis, R. Ricciardi 1957, página 505
(na nota, a expressão exata adotada por Romagnosi em duas obras distintas).
44
cfr. O denso ensaio histórico, com abundantes referencias bibliográficas, de L. PAZZAGLIA, Orfanatos,
Igreja e Mundo Católico na Itália do 800, em “Pedagogia e vida”, série 56, 1958, 4, páginas 63-78.
45
Carta a C.Bom Compagni de 30 de junho de l838, em A.GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos no
Risorgimento, volume II. Documentos Memórias Cartazes. Turim l937, página 397.
46
Carta a G. Petrucci de 6 de agosto de l842, em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos..., volume II
páginas 470-471.
47
F. APORTI, Escritos pedagógicos, recolhidos e ilustrados por A. GAMBARO volume I.
Turim, Chiantore l944, páginas 8-14.
48
F. APORTI, Elementos de pedagogia, em Escritos pedagógicos, recolhidos e ilustrados por A. Gambaro,
volume II, Turim, Chiantore 1945, página 114.
49
Carta de julho-agosto de 1842 em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os orfanatos, volume II, páginas 378-
379. “Vista no defeito universal de educação doméstica – confessava – a grande fonte dos vícios que nos
deturpam e aviltam, e percebendo que ninguém se interessava, arrisquei tentar um remédio” (Carta a João
Rebasti de Picenza, 21 de março de 1841, Ibidem, página 445).
honrado”50. O conceito preventivo volta quando se fala das regras para Educadores da
primeira infância e da adolescência: “Convém ainda educar na religião, na moral, nas
letras e nas artes o filho do pobre, porque a ignorância e a imprevidência dos pais, a
carência de meios e às vezes ainda a sua má vontade o deixaria deseducado e orientado
para o mal e para as consequências que dele deriva”51.

Mais ampla é a proposta de educar o pobre para prevenir a necessidade e a criminalidade,


na citada obra Sobre a condição atual das prisões: educá-lo, acostumá-lo a ser previdente
e socorre-lo quando necessário.

As escolas da infância, as escolas primárias e elementares, s institutos agrícolas, de


artes e ofícios, atingem tal objetivo e querem ser promovidas, favorecidas e protegidas por
todo governo, que queira realmente melhorar as populações a ele confiadas. Só a
instrução porém não basta para atingir este fim, se não for acompanhada pela educação
religiosa e moral, pela qual os jovens se formam para o bem e se mantêm afastados dos
perigos das paixões humanas. O trabalho do povo muitas vezes lhe consegue grandes
lucros que superam as necessidades atuais. Se não houver um incentivo a economizar o
supérfluo, reservando-o para futuras necessidades, o que sobra se perderá em desordens,
em vícios ou em despesas inúteis. As caixas econômicas, os seguros de vida, as ações de
sociedades de socorro mútuo ou de alguma empresa industrial produtiva, são outros tantos
empreendimentos que devem ser4 promovidos, favorecidos e protegidos, porque garantem
a renda popular contra qualquer desperdício. E preciso sublinhar a indispensável
intervenção do governo em tais especulações para garantir os interesses daqueles que
economizaram52.

A revista O Educador primário é firme instrumento de propaganda da cultura popular em


prospectiva análoga: “que a instrução popular seja, se não necessária, nos nossos tempos é
inevitável; que a instrução deve responder às necessidades do país e das pessoas que a
recebem; que o governo deve responder a estas necessidades; que as crianças se preparem
para se tornar homens, que nas escolas eles façam um exercício de vida civil, são verdades
das quais não se podem duvidar”53.

8. A Religião meio de prevenção

50
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre uma boa gerência..., volume I, páginas 139-140.
51
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre uma boa gerência..., volume I, página 225.
52
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 562-563.
53
V. TROYA, Proposta de alguns meios para que a instrução pública cumpra o seu dever, em “O Educador
primário” 1 (1845) número 2, janeiro, páginas 25-26.
Fator insubstituível de prevenção social e pessoal, garantia de ordem e de prosperidade é a
religião, universalmente reconhecida como tal.

Disto está persuadido Morichini quando insiste que somente a religião pode criar um
vínculo entre instrução escolar e educação autêntica: “para obter a perfeição moral, convém
unir instrução e educação. A base da educação é a religião porque ilumina o intelecto e
forma o coração na virtude. É isso que importa. É portanto racional que o principal ensino
nas escolas seja o catecismo; A ele se soma o ler e o escrever em todas as escolas; em
muitas, também as quatro operações; em algumas finalmente as línguas italiana, latina e
francesa, a história sagrada e profana, a geografia e o desenho”54.

Desta convicção participa também Degérando que afirma que a religião tem uma influência
a mais sublime e a mais válida, particularmente visível cm o cristianismo, que é a
expressão mais sublime da religião55.”Grandes luminares produziram grandes ruínas. Hoje
as mentes parecem mais inclinadas à reflexão; a moral religiosa mostra-se geralmente como
um dos principais bens da humanidade”56.

Petitti sublinha a importância do fator religioso na “correção dos prisioneiros cuja


dignidade pessoal precisa ser reeducada e recuperada. Ele denúncia, antes de tudo muitos
inconvenientes- causa de imoralidade e de impiedade -, que nas prisões impedem o sucesso
da instrução religiosa e moral dada aos detentos prevista pela lei; rebate sua
imprescindível necessidade e exigência de uma reforma57.

Ele elenca as disciplinas fundamentais, que devem regular a vida de uma instituição penal
realmente corretiva, concluindo com a décima quinta e última: “Finalmente não se pode
duvidar que a instrução moral e religiosa, onde é ministrada constantemente, tentando
chamar de novo para aqueles corações fechados a bons princípios, aqueles sentimentos que
receberam nos primeiros anos, não consiga enfim converter ao bem aqueles ânimos
pervertidos”58.

Trata disto depois para cada tipo de cárcere. No cárcere preventivo “ a instrução moral seria
nula ou insuficiente sem o concurso da instrução religiosa, e esta seria também imperfeita

54
C. L. MORICHINI, Dos Institutos de caridade pública..., página 34.
55
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., volume V, páginas 245-249 Poder especial do
cristianismo sobre a melhoria dos costumes populares.
56
J.- M. DE GERANDO, Da beneficência pública..., volume V, página 273.
57
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 349- 351,
358-359.
58
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, página 491; cfr.
páginas 489-493. Ele reduz a três as vantagens da “educação corretiva”: “1. impossibilidade de maior
corrupção para os detentos; 2. grande probabilidade para eles de adquirir os hábitos da obediência e do
trabalho, e de tornar-se, porém, tranqüilos e úteis cidadãos; 3. probabilidade, ainda que menor, de uma
reforma radical” (Ibidem.., página 493).
se não fosse acompanhada de uma rigorosa observância de todas as práticas do culto
prescritas a qualquer bom cristão”. Importantes são a quantidade e as condições das
práticas. Exigências maiores e semelhantes são previstas na prisão repressiva. Cuidados
intensivos e personalizados são incentivados nas casas correcionais ou penitenciárias com
capelães cuidadosamente escolhidos, prudentes e preparados59. Ele tinha já chamado a
atenção também sobre algumas modalidades, que poderiam tornar atraentes as práticas
religiosas.

Os subsídios religiosos devem ser ministrados conforme a idade e as condições


diversas dos detentos; portanto enquanto se quer esconjurar o perigo de afastar os
jovens da religião com práticas muito longas que enjoam ou tiram a atenção, urge
despertar-lhe o interesse, empregando para tanto eclesiásticos iluminados, de muito
crédito e grande doçura, unidas à necessária firmeza60.

Em uma página intensamente religiosa sobre o sistema preventivo de 1877, depois de Ter
proposto algumas expressões fundamentais do culto católico, Dom Bosco advertia: “nunca
enjoar nem obrigar os jovens à frequência dos santos sacramentos”; antes – continuava –
“sublinhar a beleza, a grandeza, e a santidade do sacramento”61.

Petitti alem disso liga a eficácia da educação religiosa à figura do capelão, dedicando um
parágrafo sobre as Qualidades e incumbências do capelão.

O ofício do capelão é muito importante, como o do diretor. De fato é dele que deve
partir toda a motivação para a observância do regulamento e para a correção. O
superior eclesiástico deverá estar atento em indicar somente um homem dotado de
zelo iluminado, de caridade evangélica, de caráter firme e desenvolto, de muita
destreza, de profunda doutrina, de idade madura, de aspecto dignitoso que imponha
a confiança e o respeito. O capelão não deve além disso se preocupar com a
execução do regulamento disciplinar e conservar-se fora de qualquer ato de
repressão ou de recompensa. Seu dever é somente exortar e consolar. Terá cuidado
especial de despertar nos detentos a fé, a esperança e a caridade. A fé deve
persuadi-lo das verdades religiosas; a esperança deve despertar nele a confiança
em um futuro melhor; a caridade deve movê-lo a não prejudicar mais a sociedade.
Nestes três elementos consiste toda a ação religiosa, que é eficaz somente com o
concurso da graça sinceramente invocada, e só ela pode provocar conversão
sincera e radical.

59
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 519-520,
525-526, 536-537.
60
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre a boa gerência..., volume II, página 485.
61
O sistema preventivo (1877), página 54, OE XXVIII 432.
Concluiremos portanto insistindo que capelão deve ser o confidente, o conselheiro,
o consolador dos detentos, mas de modo iluminado e paterno, e também prudente62.

As afirmações de Petitti batem com as de Dom Bosco, conforme o relato de sua conversa
com Urbano Rattazzi em 1854. Referiam-se precisamente à possibilidade de introduzir o
sistema preventivo nas próprias instituições penais, sobretudo encarnado na pessoa, nas
palavras, nas atitudes conquistadoras do ministro de Deus63.

Na linha de uma enérgica restauração da unidade e da autoridade na Igreja e da regeneração


das consciências e da sociedade mediante um despertar geral da religião, pretendia colocar-
se também a obra dos papas e da Igreja após a “revolução”. Se pensa em uma ação que quer
ser ao mesmo tempo de recuperação, de defesa e de prevenção: negativamente, com a luta
contra o indiferentismo e um difuso espírito libertário; positivamente, mediante a atividade
missionária desenvolvida por todas as partes, formas novas de apostolado e a educação e
reeducação da juventude64. “E existe verdadeiramente em muitos – observa M. Petrocchi-
esta premente necessidade de levar em conta os tempos novos, a mudada mentalidade dos
jovens, a necessidade de não se fixar muito no passado, de conceder o possível”66.

Trabalham nesta prospectiva todos os papas do século XIX: Pio VII na encíclica Diu satis
de 15 de maio de 1800; Leão XII na encíclica Ubi primum de 15 de maio de 1823; Pio VIII
na encílica Traditi humilitati Nostrae de 24 de maio de 1829; Gregório XVI na encíclica
Mirari vos de 15 de agosto de 1832; Pio IX na encíclica Nostis et Nobiscum de 8 de
dezembro de 1849, aos bispos da Itália; na carta aos bispos do reino das Duas Sicílias de 20
de janeiro de 1858; na encíclica Quanta cura de 8 de dezembro de 1864.

Na Diu satis Pio VII recomendava aos bispos de atender a grei cristã, mas de dedicar
vigilância e solicitudes, indústrias e atividades, com amor preferencial pelas crianças e
adolescentes, porque estes, como cera mole, podem ser plasmados para o bem e para o
mal66. O papa citava a passagem da Bíblia, muito repetida pelos séculos cristãos O
adolescente, uma vez tomado o seu rumo, não se afasta dele nem mesmo na velhice67.

Pio IX exortava os bispos a tomar consciência das “criminosas e múltiplas artes com as
quais, em tanta tristeza destes tempos, os inimigos de Deus e da humanidade tentam
perverter e corromper a indefesa juventude” e a orientar todos os seus esforços para uma

62
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 553-555.
63
Cfr. ANTÔNIO FERREIRA DA SILVA, Colóquio com Urbano Rattazzi (1854), em PEDRO BRAIDO, Dom
Bosco educador. Roma, LAS 1997, páginas 85-87.
64
Cfr. S. FONTANA, A contra-revolução católica na Itália(1820-1830). Brescia, Morcelliana 1968, páginas
65-124.
66
M. PETROCCHI, A Restauração, o cardeal Consalvi e a reforma de 1816. Florença, Lê Monnier 1941,
página 4.
66
Encíclica Diu satis de 15 de maio de 1800, Bull. Rom. Cont., t. XI 23.
67
Provérbios 22, 6.
“reta educação da juventude, da qual depende em grande parte a prosperidade da sociedade
cristã e civil”68. Somente a educação cristã estava à altura de oferecer as palavras e os
meios da graça aptos a restaurar espiritualmente cada um e a sociedade.

Das mesmas raízes evangélicas e declaradamente católicas tirarão inspirações, estimulo e


meios, com mais vastas prospectivas de promoção humana e social “conforme as
necessidades os tempos”, variadas experiências sociais e educativas no século XIX. Entre
estas está a de Dom Bosco69.

68
Carta Apostólica ao Reino das duas Sicílias Cum nuper de 20 de janeiro de 1858, Atos de Pio IX, volume
III, página 12.
69
Naturalmente, é possível citar só algumas, tendo presente a proximidade geográfica e ideal.
CAPÍTULO 3

A REALIDADE PREVENTIVA ANTES DA FÓRMULA

A realidade precede as fórmulas. Mesmo não sendo um resultado de uma particular


pesquisa histórica, a afirmação com a qual D. Bosco inicia a exposição do “sistema
preventivo”, responde a uma tradição mais que milenar, mais visível ainda na idade
moderna. A distinção entre “ preventivo” e “repressivo” inadvertida ou pressentida, esteve
sempre nas mais diversas formas de formação e educação dos filhos . Quanto a D. Bosco,
respondia também às suas experiências diretas e pessoais: na família, na escola, no
seminário.

Elas se ampliavam na medida em que a cultura se expandia, do catecismo às pregações, aos


mais variados aprendizados escolares e extraescolares.

1. Temáticas preventivas de uma educação familiar de estilo postridentino.

Do mesmo catecismo diocesano sobre o matrimônio Joãozinho Bosco podia saber que entre
as obrigações dos casados, havia aquelas com os filhos: “pensar seriamente em prover-lhes
as necessidades; dar-lhes uma boa e piedosa educação, deixá-los na plena liberdade de
escolher o estado ao qual Deus os chamou”1. Belarmino na Copiosa Declaração da
Doutrina Cristã, mesmo persuadido que “o amor dos pais pelos filhos é tão comum, natural
e ordinário, que não foi preciso outra lei escrita para lembrar aos pais a obrigação que têm
com os filhos”, todavia na explicação do quarto mandamento, depois de ter ilustrado os
deveres dos filhos com os pais, não deixa de lembrar que também estes “estão obrigados a
prover os filhos, não somente de alimentação e vestuário, mas também de instrução e
educação”2.

Mais que persuadido disto foi o grande reformador postridentino, Carlos Borromeu, que via
a educação cristã das crianças e dos jovens como gravíssimo compromisso conjunto da
família e da paroquia, em primeiro lugar quanto à “doutrina cristã.” Em uma de suas visitas
pastorais falou com muita ênfase sobre a responsabilidade educativa dos pais paroquianos
de Cannobbio. “É seu dever é obrigação levar a Cristo aqueles filhos que receberam de
Deus!”. E é “vã, estúpida e falsa prudência” dar aos “filhos bens temporais, riquezas”,
“quando o pensamento principal dos pais deveria ser o de confiar seus filhos a Cristo, à
1
Compêndio da doutrina cristã para o uso da diocese de Turim. Turim, apud Eredi Avondo 1786, página 126.
Este texto não mudou no texto de Dom Fransoni.
2
Copiosa Declaração da Doutrina Cristã. Em Veneza, apud João Batista Ciotti Scenese 1601, páginas 137-
138.
Igreja, às reuniões da Doutrina Cristã”. Um dos principais fins do matrimônio é a “justa
educação dos filhos, ou seja, leva-los a Cristo”3.

Faltava um ano para a morte. Naqueles meses um eclesiástico amigo, por ele solicitado,
estava redigindo um magnífico tratado, cujos capítulos ele pôde ir lendo um a um. Era a
harmônica síntese de pedagogia humanista cristã, Sobre a Educação cristã dos filhos”4de
Sílvio Antoniano (1540-1603), futuro cardeal, ligado ao círculo de São Filipe de Neri.
É significativo que o segundo dos três livros da obra seja todo dedicado à educação e
instrução religiosa, e siga os conteúdos do Catecismo aos Párocos.

Com muita certeza Dom Bosco não terá lido o trabalho de Antoniano, mas através de sua
formação cristã e sacerdotal, acaba por alinhar-se perfeitamente com a práxis e a concepção
postridentina da educação familiar, que a obra de Antoniano traduz e contribui para
perpetuar.

O texto é espelho e manifestação de uma acentuada impostação cristã e teológica da prática


educativa, humana, religiosa e moral. “A finalidade principalíssima deste livro – enfatiza
no final do livro segundo, inteiramente dedicado à educação, como cristã, o que não pode
ser de forma alguma, sem o conhecimento e a observância da lei de Deus por meio de sua
santíssima graça”5. A “forma” cristã porém, não faz o culto monsenhor se esquecer de que
a educação inclui necessariamente a dimensão “humana”, “civil”. É dever dos pais, por isso
“educar civil e cristãmente os filhos”6, “fazer um verdadeiro homem de bem, isto é, um
bom cristão”, um filho que “seja realmente bom no íntimo de seu coração, por amor de
Deus e da virtude, exortando-o a não querer servir às concupiscências, crudelíssimas
tiranas, mas servir a vontade de Deus”7. Para esta formação do “homem de bem e bom
cristão”, que deve começar desde a infância, concorrem a reta razão e a fé8.

Para esta são chamadas a concorrer, integrando-se e harmonizando-se, a educação


particular “paterna” e a educação “comum”, sob a autoridade pública: “a educação
particular é ordenada à pública que aperfeiçoa e completa a particular”; e nada pode ser
mais salutar em uma república do que ser de tal modo ordenada, que aquela boa disciplina
que o jovem tiver aprendido pela educação familiar, a conserve pela pública, antes a reforce
sendo racional que o bem público seja maior e mais perfeito do que o particular”. É ainda
justo que tal cooperação aconteça tanto em nível moral com em nível cristão, porque “ todo
3
Sermão de 17 de junho de 1583, em J. A. SAXIUS, Homilias, volume I, página 247: citado por A. DEROO,
São Carlos Borromeu, o cardeal reformador. Milão, Âncora 1965, página 369.
4
Três livros Da educação cristã dos filhos. Escritos por M. Silvio Antoniano, a pedido do Ilustríssimo
Monsenhor Cardeal de Santa Praxedes, Arcebispo de Milão. Em Verona, 1583, impresso por Sebastião dalle
Donne e Jerônimo Stringari, Companheiros [184 folhas].
5
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 140, folha 122v.
6
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 124, folha 108v.
7
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 128, folha 111r-v.
8
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 7, folhas 4r-5r; livro I, capítulo 37, folhas 21v-22v; livro
II, capítulos 126-127, folhas 116v-117v.
estudo da educação moral é fraco e imperfeito, se não se reduz à educação cristã, como
mais alta e mais excelente, tanto quanto ao fim como quanto a perfeição, que qualquer
outra”; por isso “enquanto o reitor eclesiástico procura fazer um bom cristão, com a
autoridade e meios espirituais, segundo a sua finalidade, procura ao mesmo tempo por
conseguinte fazer um bom cidadão (...). Daí grave erro é o daqueles, que distinguem coisas
tão unidas, e pensam poder ter bons cidadãos com outras regras e por outros caminhos,
diferentes daqueles que fazem o bom cristão”9. Em síntese, cumpridos os deveres relativos
à cura do corpo, da vida natural e a educação moral conforme a razão, “ o próprio do cristão
e dos fiéis é educar os filhos segundo a regra de Cristo, vivendo e morrendo bem e
santamente, sejam na terra instrumentos de Deus, para benefício, e ajuda da sociedade, e
sejam no céu herdeiros do Reino do próprio Deus”10. Antoniano faz duas breves chamadas
de atenção para seu discurso sobre a educação familiar. Em primeiro lugar, não levará em
conta, senão em medida limitada, as diferenças de sexo e de idade dos filhos a serem
educados; e quanto ao nível social e econômico da família, tratará “da educação como uma
via de meio, com relação aos homens que vivem nas cidades, e pertencem a uma “classe
média”11. Em segundo lugar, quanto ao exercício das responsabilidades da educação, “uma
segunda geração” “comum ao pai e à mãe”, na qual “devem estar de pleno acordo”, o autor
dá estas indicações: “falando de modo geral, o cuidado das filhas, por causa do sexo,
pertence mais à mãe”; quanto aos meninos, “ na primeira infância e na pré- adolescência o
maior cuidado é da mãe, mas quando o menino crescer e se tornar capaz de decisões mais
maduras, e está mais inclinado a sair com mais frequência de casa, será mais obrigação do
pai instruir e vigiar o filho”12.

Cronologicamente é, portanto, a mãe a protagonista daquela educação primária, preventiva


por natureza, que é própria da família13. A mulher parece encarnar as melhores condições:
é “inclinada à piedade e à religião”; ainda mais “soma-se a ternura”, “a maneira mais suave
de admoestar, e com maior perseverança, e paciência que o pai não costuma ter”14.

Acima de todos os estados e condições, existe para a educação cristã um indispensável


ponto de referência, o fim: “todos em qualquer estado estamos obrigados a conhecer e a
amar a Deus, e obedecer seus santos mandamentos”15; “eu sou cristão, no batismo fiz uma
grande promessa e a nobre profissão de lutar sob a bandeira de Cristo crucificado, e de
cumprir, com a sua divina graça, sua santíssima lei”16. É, portanto, primeira obrigação do “

9
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 43, folhas 25v-26r.
10
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo IV, folha 2v.
11
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 44, folha 26v-27r.
12
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 45, folha 27r-v.
13
Será visto mais adiante a propósito da infância e da meninice.
14
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 46, folhas 27v-28r. Naturalmente, segundo Antoniano, a
educação verdadeira tem início, quando nas crianças “brilha uma luzinha, como se fosse a aurora da luz da
razão”(Ibidem, capítulo 37, folhas 21v-22v, Quando começa o cuidado da educação dos costumes; cfr.
também o capítulo 38 Do erro de alguns, para os quais não é verdade que a educação comece tão cedo assim,
folhas 22v-23r).
15
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 44, folha 27r.
16
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 3, folha 2r.
bom pai instilar, imprimir no ânimo do menino um grande respeito pela lei de Deus e um
temor santo; e um firme propósito de não transgredi-la nunca”17.

O método deverá ser o do amor e do temor: “o bom pai, ora com a isca do amor e do
prêmio, ora com a vara do temor e do castigo, moverá o tenro ânimo do menino, formando
e imprimindo nele algumas máximas cristãs, utilíssimas em toda a vida, tanto para nos
afastar do mal, quanto para orientar-nos para o bem”18. O binômio temor-amor, severidade-
doçura volta também a propósito da obediência às leis humanas, da submissão aos pais, e
do dualismo virtude- ócio. É “necessário que o menino se acostume a respeitar, e a observar
as leis humanas, não tanto por temor da pena, quanto pelo amor da virtude, persuadindo-se
de que os governantes e os superiores são, na terra, representantes de Deus e todo poder
vem de Deus”19; “depois, crescendo sua inteligência e a luz de sua razão, mostre- lhe o pai
a beleza da virtude e a feiura do vício”20.

É inculcado um justo equilíbrio entre os dois aspectos, em harmonia com um costume


decididamente orientado em favor do princípio de autoridade: “o pai, porém, não deve ser
demasiado indulgente com o filho e não retê-lo demasiado consigo, principalmente quando
já está um pouco crescido, mas também não seja rígido e severo além das medidas, mas
conserve certa energia, temperada com suavidade e doçura, de tal modo que o filho ao
mesmo tempo tema e ame o pai, e é a isto que chamamos respeitar”21.

Um lugar importante na prevenção educativa é dado à castidade. Falando Das vãs e


desonestas pinturas, Antoniano declara: “Deve-se fazer todo o possível para guardar a
pureza de um menino e de uma menina, a fim de que o diabo não a roube”22. É dado forte

17
S. ANTONIANO, Da educação..., livro I, capítulo 29, folha 49r; “é necessário pôr em tempo o freio da
razão e o jugo do temor de Deus, a lei cristã amorosa e perfeitíssima nestes cavalos selvagens”(Ibidem, livro
II, capítulo 78, folha 78r-v).
18
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 29, folha 49v; cfr. também o livro I, capítulo 50 Porque
na instrução dos meninos a gente deve adaptar-se, de tempo em tempo às suas capacidades; livro II, capítulo I
Os meninos devem ser ensinados na doutrina da santa fé; capítulo 2 Das escolas da doutrina cristã e da
pregação; capítulo 11 Da Santa Igreja Católica Romana; capítulo 12 Como o pai deve ensinar os filhos a
serem obedientes à santa Igreja; capítulo 14 Dos novíssimos; capítulo 22 Da Santíssima Eucaristia, e como o
pai deve ensinar os filhos a serem devotos da Eucaristia; capítulo 23 Sobre alguns que desaprovam a
comunhão freqüente; capítulo 24 Da penitência ou confissão; capítulo 25 Como os meninos devem aprender
a aborrecer o pecado e apreciar a confissão; capítulo 26 Da importância de um bom confessor e de um diretor
espiritual; capítulo 28 Do Decálogo ou dos dez preceitos da lei; capítulo 29 Como se deve acostumar os
meninos a serem observantes da lei divina; capítulo 31 Do primeiro mandamento. Não terás outros deuses: o
bom pai de família deve estar atento para lembrar ao filho, a todo momento, o santo temor de Deus”(folha
50r).
19
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 30, folha 49v.
20
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 51, folha 60v, Da virtude da verdade.
21
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 70, folha 74r.
22
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 42, folha 56r. Os capítulos 85-98 do livro II se referem
ao sexto mandamento: capítulo 85 Do sexto mandamento, não cometer adultério; capítulo 86 Do cuidado
paterno pela castidade do filho; 87 Do erro de alguns muito indulgentes com a juventude; capítulo 88 Da
cautela que se deve ter ao se tratar da castidade; capítulo 89 Algumas razões cristãs para persuadir à
castidade; capítulo 90 Dos prejuízos que causa uma vida impudica; capítulo 91 Dos vários remédios para
realce no perigo do “vício da carne”, uma vez que “mais comumente costuma este inimigo
infestar a juventude e a adolescência, quando é maior a abundância do sangue, e quando ele
fica mais quente”; “ocorrem diligência, esforço, fadiga”23. Sobre este ponto não se deve
transigir “porque, como dizem os santos, não existe vício que ofusque mais a inteligência, e
a afunde no lodo, e a torne mais obtusa e inapta às operações próprias dela, do que o vício
da desonestidade”24.

A estratégia sugerida é já “tradição”, ulteriormente reforçada por elementos protetores no


futuro. Ela se desenvolve em três dimensões: a remoção e a fuga das ocasiões, a orientação
esclarecedora e positiva, o recurso aos meios da graça. Antes de mais nada “a vitoria contra
o vício carnal, como dizem os santos, se consegue fugindo, e não existe melhor arma para
combatê-lo do que a luta consigo mesmo”25. Mas não é o primeiro nem o principal dos
meios, em sua maioria construtivos, no plano da razão e da graça. “Poderá também o pai
conversar com o filho sobre a castidade, de tal modo que ele se enamore profundamente
desta belíssima virtude, e adquira ódio e aversão pelo vício libidinoso, e, principalmente
quando chegar o tempo do matrimônio, o exortará sobre a observância da fidelidade
matrimonial”26. “Deixei para o final aquele remédio que, sem dúvida alguma é o primeiro,
isto é, de se esforçar por infundir no coração do filho o sentido do amor de Deus. Seja este,
portanto, o principal esforço do nosso bom pai de família: levar a criança a enamorar-se de
Deus, da glória do paraíso e da beleza da virtude(...) Portanto, com todo bom e santo
exercício de piedade e de religião, com frequentes e suaves ensinamentos e com a
constância na oração, o bom pai arme o filho contra as investidas do diabo, mas
especialmente com a frequência dos santos sacramentos da confissão e da Eucaristia”27.

Métodos análogos são aconselhados para combater o vício do furto, um pecado social
sumamente lesivo à ordem constituída. O pai “faça o seu filho odiar o furto, apenas ele
atinja o uso da razão, e esteja apto a entender a beleza da virtude e a feiura do vício
contrário; basta somente dizer que este vício é contrário à rainha das virtudes, isto é, à
justiça”28. Os meios são ainda mais positivos que negativos: “o exemplo vivo e constante”
do pai; “as advertências paternas e a eficácia das motivações, demonstrando a beleza da

conservar a castidade, e sobretudo, da guarda dos sentidos; capítulo 92 Da fuga do ócio e da sobriedade;
capítulo 93 Das delicadezas e excessivos cuidados do corpo; capítulo 94 Do enfeite das mulheres em
particular; capítulo 95 Do dever e cuidado particular da mãe com os enfeites das filhas; capítulo 96 Da
importância de estar atentos com as conversas de fora; capítulo 98 Da freqüência dos sacramentos e do amor
de Deus.
23
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 86, folhas 85r-v.
24
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 87, folhas 85v-86r, Do erro de alguns indulgentes com a
juventude.
25
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 96, folha 91v.
26
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 88, folha 86v, Da cautela que se deve ter ao se falar da
castidade
27
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 98, folha 92v.
28
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 102, folha 95v.
virtude e a feiura do vício, façam com que o jovem aborreça um e se enamore do outro”;
“fazer o mesmo removendo as solicitações ao mal e acostumando o menino a fazer bem”29.

Equilíbrio de razão, temor e amor deve também caracterizar as correções e os castigos na


meninice30. Norma de base é “a justa medida”.

Lembrem-se o pai e os mestres que as pancadas são remédio, e como tal deve ser
dado a tempo e medida, de tal modo que não prejudique mais que ajude, e devem
castigar cm discreção e juízo para medicar verdadeiramente a alma do menino, que
no mais das vezes falha por ignorância e fragilidade (...) O pai pretende
principalmente tornar o filho internamente bom, de tal modo que ele se abstenha do
pecado mais por amor à virtude do que por temor o castigo. E o meio mais eficaz
deve ser o temor de Deus e o conhecimento da beleza da virtude e da feiura do vício
(...). E finalmente a reverência paterna deve ser o freio e o estímulo que freie ou
estimule o menino conforme a necessidade. E, em suma, eu desejaria que o nosso
bem educado filho fosse de tal forma acostumado a respeitar seu pai, que só em ver
conturbado o rosto do pai, e nele qualquer sinal de descontentamento, fosse para
ele já gravíssimo castigo (...). Pelo tanto deve o pai agir com o filho de tal modo
que este o ame mais que o tema (...) Fazer-se somente temer não ganha o coração
do menino, não o faz internamente convicto, e as coisas feitas só por temor não são
duradouras (...). Tempere portanto um com o outro e mantenha uma suave
severidade, de tal modo que seja amado e temido, de temor, porém, filial e não
servil, de escravo, que tem medo do bastão; o filho, pelo contrário, porque ama,
teme fazer qualquer coisa que desagrade seu caro pai (...) Em poucas palavras,
sempre que o bom pai quiser bater no filho, que o faça guiado pela razão e não
pela cólera cega”31.

Baseado neste exemplo paterno deve ser o método didático e educativo seguido pelo
preceptor particular e pelo professor da escola. “O professor ocupa o lugar do pai, e não
deve só ensinar friamente as letras, mas formar o tenro ânimo do menino na virtude, com o
bom exemplo, com úteis advertências, com se fora o próprio pai; antes, o pai e o professor
devem se entender tão bem, que o menino veja em casa a educação da escola, e na escola a
educação do pai. Efetivamente, uma grande parte da boa e cristã educação se apóia na
diligência dos professores”. “Seja por isso – conclui – o nosso professor de vida regrada e
exemplar, e se demonstre de tal modo, que os alunos vejam nele a imagem de uma
verdadeira bondade cristã, e os cidadãos o estimem como se fosse o pai comum de seus

29
S. ANTONIANO, Da educação..., livro II, capítulo 101, folhas 94r-95r; cfr. também o capítulo 102, folha
95r-v.
30
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 5 Do bater nas crianças; capítulo 6 Da excessiva
indulgência e ternura de alguns pais, folhas 126v-127v.
31
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 7, folhas 12v-128v, Da mediocridade em corrigir os
filhos e do amor e temor filial; cfr. também o livro III, capítulo 8 Dos vários modos de corrigir e castigar os
meninos, folhas 128v-129r.
filhos”32. O temor de Deus, “principio da sabedoria”, é maior que a gramática33; além do
mais, a devoção a Nossa Senhora, “mãe da pureza”, garantirá “inteligência e docilidade e
memória para que logrem a aprender”34.

Atenção muito especial é dada à adolescência, isto é, à idade entre 14 e 21 anos, que –
conforme os seculares cânones transmitidos por Aristóteles na Retórica – é “idade
perigosíssima”: com efeito, “os adolescentes são volúveis, caprichosos e arrojados quando
tentam conseguir o que desejam”, “são apaixonados pelas caçadas, cavalgadas; esbanjam o
dinheiro, pensam pouco nas coisas úteis e necessárias, não dão ouvidos às repreensões e
correções, são facilmente enganados, e, como cera mole se amoldam ao vício, se agrupam
facilmente, e mais facilmente ainda criam patotinhas para farras, arruaças e gozações;
muitas outras coisas se podem ainda dizer sobre a natureza dos adolescentes e jovens, mas
o maior inimigo deles, segundo os filósofos, é a incontinência da carne, que os domina cm
maior facilidade”35.

É mais que decisiva uma educação “preventiva” no tempo da infância e da pré-


adolescência: “com certeza, nesta idade, se não se deu uma boa educação, e se o temor de
Deus e o amor da virtude não tiverem criado alguma raiz no ânimo do jovem, é coisa
difícil, para não dizer impossível, que ele saia vencedor (...) Se a meninice não foi
acostumada a suportar o jugo da disciplina, quando o sentido era menos aguçado, não se
pode esperar outra coisa da idade seguinte, quando o mesmo sentido é robusto e estimulado
por objetos mais poderosos, senão licença e dissolução”36. De qualquer modo, são
reforçadas e continuadas as normas precedentes de educação religiosa e moral: a frequência
dos sacramentos, o seguir “os conselhos, e confortos do sábio confessor”, também como
diretor espiritual fora da confissão; a obediência ao pai: “fique atento ainda o pai de família
em manter com o filho a costumeira autoridade e reverência paterna, de tal modo que o
mesmo filho não perceba até certo ponto, de ter deixado de ser menino, se bem que o pai
não deve tratá-lo em tudo como se fosse ainda menino, para o que ocorre grande prudência,
e por isso convém usar de cautela, não desprezando o garoto a fim de que não se prejudique
o amor, nem tratando-o muito indulgentemente a fim de que não se prejudique o temor,
mas mantendo uma atitude enérgica e moderada”37.
Será colocada em ato ainda, uma pedagogia de contenção, de preservação, de vigilância:
prevenir adolescente contra “ os maus e viciosos companheiros”, “ as más companhias”:
“portanto grandíssimo cuidado e vigilância deve ter o pai de família a fim de que seu filho

32
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 34, folhas 146r-v, Do dever do professor sobre os
costumes bons e cristãos.
33
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 35, folhas 146v-147r, Como os professores devem
exercitar quotidianamente os meninos na piedade cristã.
34
S. ANTONIANO, Da educação..., Ibidem; cfr. o já citado livro II, capítulo 35, folhas 52r-v, Da especial
devoção a Nossa Senhora.
35
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 53, folha 158r-v, Dos perigos da adolescência
36
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 53, folha 158v.
37
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 54, folhas 158v-159v, Da continuação dos exercícios
cristãos e do temor reverencial para com os pais
não siga companhias suspeitas e perigosa38; encorajá-lo a estreitar “ amizades que se fazem
com os bons, que praticam a virtude e não o vício, e se unem com o vínculo da caridade e
de um sincero amor, e não por interesse ou por um prazer passageiro”; em particular com
os amigos paternos39; com os iguais, se “os olhos da diligência paterna velam sobre ele”40;
fugir do ócio e dos “ociosos e grevistas”41.

Substancialmente tradicional é a pedagogia feminina, fixada já no título do capítulo a ela


consagrado: Sobre o cuidado das filhas e como devem fugir do ócio. Defesa da castidade,
fugir do ócio e ocupar bem o tempo, não acostumar-se a uma “familiaridade com os
homens” perigosa para a “vergonha”, são os cuidados que devem ter o pai e a mãe. Esta
sobretudo “mantenha suas filhas bem ocupadas e afastada do ócio”: “e não porque
nasceram de pai nobre e rico devem desprezar a agulha e o fuso e os outros exercícios
próprios do seu sexo”.

Concluindo, “o pai e a mãe de família conservem as próprias filha em boa guarda,


e se façam logo temer porque do contrário, porque o sexo feminino é lascivo, e
leviano por natureza, e aquela idade é pouco considerada. E de resto e de se
esperar que a boa educação precedente e temor de Deus, e o santo exemplo da
mãe, conservarão a nossa filha de família de tal modo que, vivendo santamente na
casa paterna, possa depois ser digna e feliz mãe de muitos bons filhos e filhas, que
para a glória e Deus deverão ser por ela educados, com a mesma forma de casta e
cristã educação”42.

2. Carlos Borromeu, iniciador da pedagogia oratoriana

Quando se fala de São Carlos Borromeu, deve-se forçosamente fazer referência à sua obra
legislativa, à disciplina dos internatos – colégios diocesanos e seminários – e aos oratórios.
Quanto aos primeiros, parece que na regulamentação da vida prevalecem modelos mais
“repressivos”. Ao invés, as regras das escolas da doutrina cristã, não estranhas ao
nascimento e ao desenvolvimento dos oratórios, parecem conter elementos ao menos
virtualmente “preventivos”43.

38
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 55, folhas 159v-160v, Como são perigosas as más ações
especialmente na juventude.
39
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 56, folhas 160v-161r. Da utilidade das boas ações e das
amizades; cfr. capítulo 57, folha 161r-v, Da conversa do filho de família com os amigos paternos.
40
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 58, folhas 161v-162r. Da conversa com os jovens da
mesma idade; cfr. o capítulo 59, folha 162v-163r, Da condição dos amigos e deveres da amizade.
41
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 60, folhas 163r-164r; Da fuga da vida ociosa e vadia.
42
S. ANTONIANO, Da educação..., livro III, capítulo 61, folhas 164r-165r.
43
Cfr. Constituições e Regras da Companhia e escolas da Doutrina cristã escritas pelo cardeal de Santa
Praxedes, arcebispo, em execução das decisões do segundo concílio provincial [1569], para uso da província
de Milão, em Atos da Igreja de Milão, volume III, tomo II, colunas 149-261 (edição de G. Fontana, Milão
1585). As Regras são divididas em três partes: a primeira trata Das partes e condições que devem ter os
operários e irmãos da Companhia e das escolas da doutrina cristã (colunas 149-192), a segunda Da Instituição
“A Doutrina Cristã, coisa diviníssima” exige trabalhadores “qualificados”, isto é: primeiro,
“deveriam ser de certo modo luz do mundo”; segundo “neste amor para com Deus ser
especialistas e por ele acesos, inflamados”; terceiro, “é necessário que tenham grande zelo
pela salvação das almas remidas pelo precioso sangue de nosso Salvador Jesus Cristo”;
quarto, “é preciso que tenham ardente caridade para com os próximos”; quinto, “com a
mesma caridade com a qual recebem e ensinam aqueles que vêm às suas escolas para
aprender, façam todos os esforços possíveis para atrair também aqueles que não vêm”;
sexto, “devem os irmãos saberem muito bem aquelas coisas que ensinam aos outros”;
sétimo, “é muito necessário ter paciência”; oitavo, “devem ter muita prudência para saber
adaptar-se às capacidades de cada um”; nono, “é necessário que tenham muito cuidado e
solicitude em procurar manter e fazer crescer a cada dia uma obra de tanta importância
como esta”44.

Para conseguir esta qualidade “devem preparar-se para receber de Deus a graça de dedicar-
se com sacrifício a este trabalho, e buscar para tanto os meios necessários”45 São indicados
seis: purificar a consciência com o sacramento da Penitência, começando com a confissão
geral, “a frequência do santíssimo Sacramento da Eucaristia”, “a oração mental e vocal”, “o
exercício das obras de misericórdia”, “a obediência que todos devem ter pelos seus
Superiores, tanto para com os de toda a Companhia, quanto para os de cada escola”;
finalmente, o bom exemplo46.

Em cada escola é necessário que haja ao menos um sacerdote que seja “pai espiritual”,
ordinariamente o pároco. Ele, além de possuir as específicas qualidades sacerdotais
(ciência, pureza de vida, honestidade de costumes, bom exemplo), “ocorre ainda, que sendo
pai espiritual de todos os de sua escola, tenha grande amor e afeição por todos da
Companhia, e em particular pelos de sua escola”, procurando conhecê-los pessoalmente,
confessando-os, interessando-se pelas suas necessidades corporais e espirituais,
promovendo a concórdia, visitando as escolas, apascento-os com a palavra de Deus47.

Seguem alguns capítulos que se referem às principais obrigações: do prior, do vice-prior,


dos conselheiros, do avisador encarregado da correção fraterna, do chanceler ou secretário,
dos pacificadores, dos contramestres, dos professores, dos encarregados do silêncio, dos
enfermeiros, do porteiro48. Em todos os lugares se encontram conceitos, termos, intuições
que pertencem com todo o direito à pedagogia preventiva do zelo apostólico e da
amorevolezza.

e ordem da Companhia da doutrina cristã (colunas 193-242); a terceira, Que contém algumas regras
particulares pertinentes às escolas e congregações diocesanas (colunas 243-261).
44
Constituições..., colunas 149-151.
45
Constituições..., coluna 152.
46
Constituições..., colunas 152-162.
47
Constituições..., capítulo III Do dever do sacerdote, coluna 162-165.
48
Constituições..., capítulos IV-XVI, colunas 165-190.
O prior “se esforçará, se alguém se retirou ou quase se perdeu, por fazê-lo retornar, e com
exortações animar os desanimados, colocar em linha com amigável repressão o negligente,
com caridosa severidade corrigir o que erra, para que se emende do seu erro”49. “ Acima
de tudo veja bem e procure com diligência, que os meninos aprendam com a Doutrina
Cristã o viver cristão, que é a finalidade pela qual se vem a estas escolas; e se alguns destes
estivessem envolvidos em algum vício, sejam procurados pelos pastores, para que se
tornem puros e corretos”50. “Findo o exercício, se lhe for apresentado algum aluno
indisciplinado que tenha cometido na escola algum erro digno de correção, será bom que
publicamente, conforme a falta e a condição do aluno exigir, lhe dê a penitência; tudo isto
com a caridade unida à prudência e à discreção”51.

Decisiva é a função dos professores e dos coordenadores, “porque todas as obrigações e


ordens são dadas para que os alunos sejam bem instruídos na Doutrina Cristã, nas virtudes
e bons costumes”52. Para eles, mais que para outros aparecem palavras que indicam
relações inspiradas na caridade e na amorevolezza.

Os professores “ devem ser solícitos em chegar a tempo para a aula, fazendo de tal modo
que sejam eles a esperar os alunos e não o contrário, e sendo alunos a ele confiados pelo
coordenador, com caridade, amorevolezza e mansidão ele os receba mostrando para com
eles afeto e amor paterno. Tenha cuidado de ensinar a seus alunos não somente a lição do
livro mas muito mais o instruirá nas virtudes e bons costumes, e faça com que aquilo que
lhe é ensinado, seja também praticado; e tenha sempre em mente torná-los bons e perfeitos
cristãos, dando-lhes todos os avisos, lembranças, e meios que Deus Nosso Senhor se
dignará inspirá-los”53.

É explícita “ pedagogia do Evangelho”, eminentemente “preventiva”. Proposta em palavras


e obras por Jesus Mestre.

Tenham grande apreço pela sua obrigação e olhem frequentemente o exemplo de


Cristo, que com tanto carinho e caridade acolheu aquele menino que lhe foi ao
encontro, e repreendeu aqueles que tentaram impedi-lo; e quanta estima tinha ele
pelos meninos, ele demonstrou quando disse que era melhor para quem
escandalizasse um menino, que amarrasse uma pedra ao pescoço e se jogasse no
mar: pensem frequentemente quanto fruto poderão ter naquelas almas remidas com
o precioso sangue de Cristo antes que tenham pecado nem adquirido mau hábito;

49
Constituições..., coluna 166.
50
Constituições..., coluna 167.
51
Constituições..., coluna 168.
52
Constituições..., coluna 179.
53
Constituições..., coluna 181-182.
pode-se dizer que ensinar bem os meninos é o mesmo que reformar o mundo para
uma verdadeira vida cristã54.

O “método” forma um todo único com o “sistema”. Isto exige no “professor” clareza de
fins, conhecimento dos alunos, supremacia do amor sobre o temor, testemunho. Na escola
de catecismo não se deve simplesmente ensinar s elementos da doutrina cristã, mas
introduzir na “arte do viver cristão”.

Porque as escolas da Doutrina Cristã foram instituídas para que nelas se aprenda
um verdadeiro viver cristão... Os exorte com frequência à reverência pelos maiores,
à obediência para com seus Superiores, à modéstia nas ruas e lugares públicos, à
devoção e respeito na igreja, em particular quando se diz Missa, na qual se deve
estar ajoelhados com ambos os joelhos; a deixar de lado os jogos, sobretudo de
cartas e dados; que evitem palavras feias e injuriosas... Lhes ensine finalmente
todas as outras coisas que convêm a bons cristãos e a promessa que fazem de
preparar o verdadeiro viver cristão, para conservar-se sempre na graça de Deus e
seus filhos adotivos. Fique atento em ensinar-lhes modos decentes, evitando falar-
lhes palavras injuriosas e menos ainda desonestas, ou de baixo calão; tanto porque
não convém em tais escolas usá-las, quanto para que eles não as aprendam e não
se arroguem o direito de dizê-las aos outros. E ainda que seja necessário as vezes
repreendê-los com palavras duras, é todavia mais oportuno que esta lei e doutrina
de amor seja apresentada com amor e não com temor; e será melhor com
promessas de prêmios, que com ameaças; com dons do que com castigos. O
professor deve ter dos seus alunos conhecimento suficiente, não só em ver como
aprendem enquanto estão na escola, mas ainda, às vezes, se estudam também em
casa; conheça seus pais e saiba onde moram, para poder informar-se como
procedem em seus costumes e que vida levam; e se às vezes faltassem, os visite e se
informe com os familiares porque não frequentam a escola; faça tudo isso com
habilidade e de tal modo, que mostre não curiosidade, mas amor paterno com eles e
vivo interesse pelo seu bem55.

3. A alternativa temor-amor no governo de comunidades de “religiosos”

Provavelmente o advento de novas formas de vida consagrada – os Clérigos Regulares, as


congregações de vida comum, os institutos religiosos que se distanciavam tanto da opção
monacal como da dos Mendicantes -, respondendo a novas propostas históricas e culturais,
parece repropor o problema de novas formas de “governar” e de obedecer. Não é por acaso
que entre os autores que escrevem sobre este assunto, aparecem dois membros da

54
Constituições..., coluna 184.
55
Constituições..., colunas 182-183.
Companhia de Jesus, o mais inovador entre os institutos de vida consagrada: Estêvão Binet
(1596-1639) e Nikolaus Leczyncki (Lancicius) (1574-1652). São deles duas obras que
fizeram nome no campo da espiritualidade e da ascese religiosa: Qual é o melhor governo?
O rigoroso ou o suave? Para os Superiores e as Superioras das casas religiosas e paras os
Mestres que têm uma grande família para governar. Livro muito útil para manter a união e
a paz dentro das Comunidades e das Famílias. Por um Regular56; e Sobre as condições
necessárias ao bom Superior, tanto para ser amado pelos súditos e ter seus mandados
obedecidos de boa mente, quanto para que lhe abram sinceramente sua consciência e tudo
mais; e vivam e perseverem na religião ou na congregação com alegria de espírito e
proveito espiritual57.

Binet apresenta as divergentes opiniões e as relativas razões sobre o modo de governar e


faz uma escolha decisiva em favor do método da bondade. Para alguns “o governo deve ser
rigoroso e eficaz”; outros defendem que e mais válido se for “suave, cordial e cheio de
ternura paterna”; os mais sensatos sustentam que é preciso temperar estes dois extremos,
conjugar a rosa com os espinhos e ter um jeito de governar docemente eficaz”58.

O autor se aproxima por graus da solução, começando por uma posição que lhe parece mais
aceita. “O governo mais aceito é aquele que é eficazmente suave, ou, para falar mais
corretamente, aquele no qual o rigor e a doçura são usados oportunamente moderando-se
mutuamente”59. Mas – acrescenta o Autor -, fica ainda a dúvida se é melhor “pender para o
lado da doçura ou do rigor; dar amor ou suscitar temor; se é mais vantajoso ter mais
bondade ou mais severidade”60.

O Autor pende para a primeira hipótese. É exatamente a mesma definida também por Dom
Bosco com a repetida fórmula “fazer-se amar mais do que fazer-se temer”. Binet demonstra
sua superioridade recorrendo a numerosas referências bíblicas e históricas, confirmadas por
uma secular experiência positiva. A doçura é o estilo de Deus, de Jesus, dos Santos
Fundadores de institutos religiosos, particularmente Santo Inácio e São Francisco de Sales
61
(Binet tinha sido seu colega no colégio Jesuíta de Clermont, em Paris). Para sustentar sua
tese ele traça, em dois capítulos distintos, o perfil de “um homem que governa com rigor” e
“os traços de um governo suave”62.

56
A primeira edição é de 1636. Será citada uma edição de 1847: É. BINET, Qual é o melhor governo: o
rigoroso ou o suave? Para os Superiores e as Superioras das casas religiosas...Lyon-Paris, Nouvelle Maison
1847, 175 páginas.
57
A primeira edição é de 1640. Será citada a edição de Turim, Marietti 1901.
58
É BINET, Qual é o melhor governo..., página 4.
59
É. BINET, qual é o melhor governo..., página 6.
60
É. BINET, qual é o melhor governo..., página 7.
61
É. BINET, qual é o melhor governo..., páginas 12-58.
62
É. BINET, qual é o melhor governo..., páginas 59-69.
A conclusão é óbvia. O sistema do “aquele mais de doçura” é, sem dúvida, mais proveitoso
para quem é governado e mais meritório para quem governa63. “Querem saber – insiste
Binet – qual é a característica de um governo eficazmente suave? É quando o Superior
assume para si aquilo que é mais penoso e deixa aos outros aquilo que e mais suave”. É a
lição de vida dada por São Francisco de Sales e por Santo Inácio64. Ele apresenta uma série
de vinte máximas seguidas pelos santos para “ter um governo eficazmente suave”, entre as
quais esta: “Fazer-se amar, amando cordial e paternalmente, com absoluta certeza de que,
sobre este fundamento, nada ficará difícil”65. A São Francisco de Sales é dedicado o último
capítulo do livro: A idéia de um bom superior na pessoa de São Francisco de Sales, bispo
de Genebra66.

Mais explicitamente orientado para o superior enquanto pai espiritual dos súditos,
sobretudo no momento do “rendiconto de consciência”, é o livro do P. Lancicius67. Com
base em repetidas referências à primeira literatura jesuítica (Santo Inácio, Acquaviva,
Mercuriano) e a escritores sagrados e profanos (Cícero, Santo Ambrósio, São Bernardo,
São Boaventura, Lourenço Justiniano), ele se inclina decididamente para a “benevolência”
e para a “benignidade” em um contínuo exercício da “paternidade espiritual”68. O Superior
deve ser “pai, médico e mãe do súdito”69. Ele lembra o que de Santo Inácio escrevia
Ribadeneira: “conquistava a benevolência dos seus com o amor, que por natureza gera o
amor”70.

O tema da bondade volta com insistência no capítulo Sobre o modo de governar e de


instruir os noviços e professos na vida espiritual71.À formação espiritual serão dirigidas

63
O mesmo dirá Dom Bosco a respeito do sistema preventivo, “mais fácil, mais gratificante, mais vantajoso”
para os alunos; mais difícil, mas assumido de bom grado pelo educador zeloso, inteiramente “consagrado”
ao bem deles (O sistema preventivo (1877), página 60, OE XXVIII 438).
64
É. BINET, qual é o melhor governo..., páginas 79, 81-82.
65
É. BINET, qual é o melhor governo..., página 85.
66
É. BINET, qual é o melhor governo..., páginas 152-175; particularmente “afetivas” são as páginas 161-
162.
67
Será visto no capítulo 15 que, na prática e na doutrina de Dom Bosco, o diretor da comunidade religiosa e
educativa é o confessor ordinário e guia espiritual de educadores e educandos.
68
Ao tema da paternidade espiritual são dedicados cinco capítulos: cfr. Das condições..., páginas 55-132.
69
N. LANCICIUS, Das condições..., página 10.
70
N. LANCICIUS, Das condições..., página 13.
71
N. LANCICIUS, Das condições..., páginas 257-299.
72
N. LANCICIUS, Das condições..., página 262
73
N. LANCICIUS, Das condições..., página 273 e 285.
74
Sobre as “Pequenas escolas” de Porto Royal, cfr. Os pedagogos de Porto Royal...História das Pequenas
Escolas, extratos e análises com notas, de I. Carré, Paris, Delagrave 1887 (nas páginas 287-337
Regulamento para os meninos de Porto Royal de Jacqueline Pascal); L. CAVALLONE, Os professores e as
“pequenas escolas” de Porto Royal. Turim, Paravia 1942; F. DELFORGE, As pequenas escolas de Porto
Royal 1637-1660. Paris, Edições do Cerf 1985, 438 páginas; uma ótima contribuição, atenta para o
entrelaçamento entre teologia, pedagogia e teoria didática, oferece M. FERRARI, As pequenas escolas de
Porto Royal: uma didática teoricamente fundamentada, em “Escola e cidade” 37 (1986) 522-531.
75
A confrontos, dependências mediatas e semelhanças dedica interessantes observações e retificações
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 232-236, 260, 317,
451-452.
“exortações fervorosas e conversas particulares sobre o assunto, nunca palavras ásperas e
sim amáveis”72. Nunca se deverá proceder “asperamente, mas sempre amavelmente”; as
próprias punições e repreensões serão dadas “de modo manso e não com palavra dura”73.
4. Jansenismo pedagógico: Port-Royal (1637-1657)

Deixamos de lado aqui os muitos problemas colocados pela breve e contrastada existência
das “pequenas escolas” de Port-Royal”: a figura do promotor João Duvergier de Hauranne,
abade de Saint Cyran, um dos protagonistas do movimento jansenista; a natureza e os fins
que as põem em um nível mais alto e exigente do que aquelas que eram as humildes
“pequenas escolas” populares espalhadas pelas paróquias e aldeias francesas; o modesto
número dos alunos e das alunas, confiados em pequenos grupos ao educador ou a
educadora74. Queremos, sim, sublinhar o estreito vínculo que o estilo educativo praticado
nas pequenas escolas de Port-Royal tem com o “sistema preventivo”, em geral, e com a
experiência educativa de Dom Bosco, em particular. Por mais que o educador piemontês
não se aventure nas elaborações teológicas dos pensadores de Port-Royal, todavia, quanto
ao estilo das atitudes dos educadores com relação aos alunos, apresenta, na sua pratica
educativa não poucas semelhanças com Port-Royal75. Para os conteúdos e contextos
todavia, a experiência de vida dos jovens portorrealistas é muito mais austera do que a dos
jovens que povoam as escolas e oratórios de Dom Bosco.

Evidentemente, os promotores e operadores das “pequenas escolas” defendem o primado


absoluto da graça no negócio da salvação, e portanto também nos processos educativos. O
que não exclui, antes exalta a responsabilidade pessoal. O menino é, por muitas razões,
criatura inerme, exposta aos ataques do tentador, como todos minada pelo pecado original,
fraco pela própria idade, pela estrutura psicofísica, pela pressão do ambiente. A obra do
educador e absolutamente necessária para proteger sua inocência, preservá-lo do mal, uma
ferida que tornaria ainda mais difícil a salvação, para restaurar nele a natureza decaída,
disciplinar suas paixões, reforçar seu espírito e vontade, fazer bom seu coração.

Para isto concorrem os meios sobrenaturais que a fé oferece, e a assídua, vigilante e


afetuosa obra do educador que acompanha, encoraja, estimula, “cooperador de Deus” e
indispensável “servo inútil”, “orante” antes e mais que “orador” e “docente”. “O diabo
ataca os meninos e estes não combatem; é preciso combater por eles...A separação do
mundo, os bons exemplos, são a melhor ajuda, além das orações, que se pode fornecer a

75
A confrontos, dependências mediatas e semelhanças dedica interessantes observações e retificações
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 232-236, 260, 317,
451-452.
eles”76. “Creio que, para servir utilmente os meninos – escreve Jacqueline Pascal no
Regulamento para os meninos -, não devemos nunca falar a eles nem trabalhar para o seu
bem sem olhar para Deus e pedir-lhe sua santa graça, com o desejo de atingir nele tudo
aquilo que é necessário para instruí-los no seu santo temor”77.

Por isso, o lugar educativo é, antes de tudo, um espaço “separado” do mundo e de seus
perigos, no campo ou no recinto de um “internato”. E é um “universo vigiado”. Os alunos
estão constantemente sob a vigilância – o primeiro imperativo da organização – e a direção
dos educadores. Pequenos grupos familiares – de cinco ou seis alunos – são confiados a
educadores que condividem a vida dos alunos dia e noite. A finalidade não é só a
conservação da inocência dos alunos, como também o seu crescimento ativo, através do
ensinamento de tudo aquilo que pode “fazê-los progredir na virtude e nas ciências”, no
“amor dos bens eternos”. É ação ditada por zelo “infinito”, sugerido pela fé e pela caridade,
que é também sincera e férvida afeição78. O educador mantém relações amigáveis com os
meninos. É preciso ganhar-lhes a confiança e convencê-los. Os castigos são um recurso
extremo, desagradável; a primeira preocupação é preservar o menino das faltas através de
severa vigilância e favorecendo a emulação79.

No Regulamento para os meninos de Port-Royal de Jacqueline Pascal encontram-se


indicações análogas relativas à educação das meninas80. Não faltam, certamente, os
elementos de “exigência”: a assistência visual acachapante, a reserva dignitosa, o silêncio
generalizado, a acentuada mortificação, a ocupação contínua. Mas existem também
relevantes manifestações de “amorevolezza”, ainda que com subtil cautela.

A finalidade do cuidado das alunas – meninas a partir de quatro ou cinco anos – é orientá-
las a uma profunda e consciente vida cristã81. Esta, conforme o “salesianismo” do fundador,
Saint Cyran, quer ser inspirada no amor82 , que tem primado absoluto, não separado do
temor: apoiada sobre duplo sentimento: “o horror do vício e a beleza da virtude”83.

A grandeza e pureza dos fins não dispensa a autora do regulamento de antecipar uma
“advertência” para recomendar às educadoras moderação na sua aplicação: “nem todas as

76
Colóquio entre Saint Cyran e M. Lê Maître sobre os meninos, citado por M. FERRARI, As pequenas
escolas de Porto Royal..., página 528; F. DELFORGE, As pequenas escolas..., páginas 269-276.
77
Regulamento para os meninos, segnda parte, I, número 1, página 393. A citação é tirada da edição da obra
de V. COUSIN, Jacqueline Pascal. Primeiros estudos sobre as mulheres ilustres e a sociedade do século XVII.
Paris, Didier e Companhia 1856 (primeira edição em 1844), páginas 358-425.
78
F. DELFORGE, As pequenas escolas..., páginas 277-285.
79
F. DELFORGE, As pequenas escolas..., páginas 157-171.
80
O texto do Regulamento vem reproduzido também no volume Os pedagogos de Porto Royal..., páginas 287-
337.
81
Cfr. Regulamento..., segunda parte, I, número 23, página 400.
82
Sobre o “salesianismo” de Saint-Cyran, cfr. J. ORCIBAL, A espiritualidade de Saint-Cyran com seus
escritos de piedade inéditos. Paris, Livraria J. Vrin 1962, páginas 35-79.
83
Regulamento..., primeira parte, Do trabalho, 8, página 364; segunda parte, II, números 1-3, páginas 35-79.
meninas são capazes de um silêncio tão grande e de uma vida tão tensa sem desanimar ou
se cansar”; por isso, as professoras, no manter a disciplina, se esforçarão “ao mesmo tempo
de conquistar-lhes a afeição e o coração, coisa sumamente necessária para o êxito na sua
educação”84.

Seguem os mais variados convites à permanente presença vigilante entre as alunas, com
atitudes ao mesmo tempo de amor e de reserva. “Devemos usar muita caridade e ternura cm
elas, não deixando de lado nada que se refira à sua vida interna e externa, fazendo ver em
cada ocasião que não há limites na nossa dedicação, fazemo-lo com todo afeto e com todo o
coração, porque são filhas de Deus, e nos sentimos na obrigação de não poupar nada para
torná-las dignas desta santa qualidade”85. Ainda, “ficando no meio das alunas, é preciso
comportar-se de tal modo que elas não venham a perceber troca de humor no trato com
elas, às vezes com muita indulgência, às vezes com severidade”; “não se deve ter com elas
excessiva familiaridade nem muita confiança, ainda que sejam já crescidas; ocorre, porém,
mostrar-lhes verdadeira doçura e grandíssima caridade em tudo aquilo de que necessitam,
até mesmo antecipar-se a elas”; “é necessário tratá-las com grande cortesia e falar-lhes com
respeito, aceder a tudo aquilo que se pode. Isto as conquista facilmente. É bom de vez em
quando ser condescendente em coisas em si indiferentes, se isto ajuda na conquista de seus
corações”; em caso de faltas, “falar-lhes com muita doçura e dar a elas boas razões para
convencê-las”86.

Seguem ainda outras sugestões: educá-las na simplicidade, usar discreção na vigilância,


puni-las com naturalidade, sem desperdício de palavras, habituá-las à sinceridade, mantê-
las ocupadas alternando leitura, brinquedo e trabalho87. A respeito da assistência se
encontra uma fina observação: “Creio que a nossa vigilância contínua deva ser conduzida
com doçura e confiança tais, que se lhes faça sentir que são amadas e não simplesmente
vigiadas”88. Sabedoria, respeito e fineza extraordinários, na seriedade de base, caracterizam
as orientações dadas para a educação moral e religiosa das pequenas alunas. Mais do que o
motivo dos “deveres”, domina o tema do “dom”. “Ocorre fazer-lhes entender que a vida
religiosa não é absolutamente um peso, mas um dos maiores dons de Deus e uma ajuda e
conforto para aqueles que querem viver as promessas do batismo”89.

O mesmo motivo qualifica a espiritualidade “ demonstrada” das educadoras. “É bom por


isso fazê-las saber que a gente as ama por Deus e que é esta ternura que nos torna tão
sensíveis suas faltas e tão custosas de suportar; e é o ardor deste amor que nos leva a servir-
nos às vezes de palavras tão fortes a repreendê-las. Nós lhes garantiremos que, de qualquer
modo nós ajamos, somos levadas somente pela afeição que lhes dedicamos e pelo desejo de

84
Regulamento..., Advertência, página 358.
85
Regulamento..., segunda parte, I, número 2, páginas 393-394.
86
Regulamento..., segunda parte, I, números 13-16, páginas 397-398.
87
Regulamento..., segunda parte, I, números 17-23, páginas 398-400.
88
Regulamento..., segunda parte, I, número 18, página 399.
89
Regulamento..., segunda parte, II, número 11, página 404; cfr. números 1-10, páginas 401-404.
torná-las como Deus as quer; que o nosso coração fica sempre na doçura com elas, que a
nossa firmeza e dirigida às suas faltas e que por isso nos fazemos fortíssima violência,
sendo muito mais inclinadas a tratá-las com a doçura do que com a força”90.

Naturalmente, as modestas dimensões das comunidades das “pequenas escolas” de Port-


Royal, subdivididas em minúsculos grupos, ofereciam largas oportunidades de “conversas
particulares” com as alunas para um apoio mais personalizado: conforto nas dores, correção
dos vícios e domínio das paixões, crescimento nas virtudes. Convergiam nisto seriedade,
caridade, reserva (“nenhuma familiaridade”), discreção, invocação a Deus de luz e de
graça, sinceridade nas relações e caridosas admoestações91, concessões de perdão e
imposições de penitências 92.

Antes de concluir com um humano parágrafo Sobre os doentes e sua necessidades


corporais93, em distintos títulos se trata dos fundamentais recursos da vida de graça: a
confissão, a comunhão, a confirmação, a oração, as leituras espirituais94. A teologia
rigorista do jansenismo domina o método. Não sã páginas que se possam atribuir àquilo que
habitualmente se considera sistema preventivo. Se salvam alguns trechos dedicados à
oração, inteiramente preocupados em infundir nas jovens alunas um refinado “cristianismo
interior”.

Se faça o possível para infundir nelas um grande desejo de apelar para Deus em todas
as suas necessidades, particularmente nas suas fraquezas e tentações. Se fará que
compreendam que um único olhar para Deus com confiança, humildade e
perseverança, as protegerá muito mais que todas as grandes resoluções que elas
poderão tomar, e serão inúteis se a bondade de Deus não as desperta no seu coração
com o poder da sua graça; enfim, que nós não somos capazes senão de nos perder, e
que só Deus pode nos salvar”. Em segundo lugar, “não as sobrecarregaremos com um
grande número de orações vocais ou mentais, mas nos esforçaremos por imprimir em
seu coração um verdadeiro sentimento da santa presença de Deus, para que consigam
vê-lo em todos os lugares e em todas as suas ocupações, adorando-o e louvando-o em
toda parte”95.

5. Repressão preventiva na educação escolar

90
Regulamento..., segunda parte, II, número 12, página 404.
91
Regulamento..., segunda parte, III, números 1-9, páginas 405-408.
92
Regulamento..., segunda parte, IV, números 1-7, páginas 408-409.
93
Regulamento..., segunda parte, X, números 1-11, páginas 421-425.
94
Regulamento..., segunda parte, V-IX, páginas 410-421.
95
Regulamento..., segunda parte, VIII, números 1-2, páginas 417-418.
Lembrando os anos de frequência do “colégio” de Chieri (1831-1835), Dom Bosco traça
um quadro fiel do regime disciplinar vigente. Este era orientado pelo Regulamento para as
escolas fora da Universidade promulgado com as Régias patentes com as quais Sua
Majestade aprova o regulamento anexo para as escolas tanto comunais quanto públicas, e
Régias. Em data de 23 de julho de 182296. Era um regulamento realmente restaurativo97.
Todavia, na lembrança do Dom Bosco maduro, as prescrições estavam em perfeita linha
com fundamentais dimensões do seu sistema educativo “preventivo” pelos fortes princípios
de religiosidade, de moralidade, de ordem, que inspiravam toda a vida escolar.

Neste ponto e bom lembrar que naqueles tempos a religião formava parte
fundamental da educação. Um professor, que mesmo por brincadeira pronunciasse
uma palavra indecorosa ou irreligiosa, era imediatamente destituído do cargo. Se
assim acontecia com os professores, imaginem a severidade que se usava com os
alunos indisciplinados ou escandalosos! Na manhã dos dias de semana ouvíamos a
santa missa. No começo da aula, recitava-se devotamente o Actiones com a Ave
Maria. Depois dizia-se o Agimus com a Ave Maria. Nos dias santos, os alunos
reuniam-se todos na igreja da congregação. Durante a entrada dos jovens fazia-se
uma leitura espiritual, à qual se seguia canto do oficio de Nossa Senhora; em
seguida a missa, e depois, a explicação do Evangelho. À tarde, catecismo, vésperas,
instrução. Todos deviam receber os santos sacramentos e, para impedir o descuido
desses importantes deveres, eram obrigados a apresentar uma vez ao mês o bilhete
de confissão. Quem não houvesse cumprido este dever não era admitido aos exames
do fim do ano, mesmo que fosse dos melhores no estudo. Essa disciplina severa
produzia efeitos maravilhosos. Passavam-se anos sem que se ouvisse uma blasfêmia
ou má conversa. Os alunos eram dóceis e respeitosos tanto na escola como em
casa. E sucedia muitas vezes que em classes numerosíssimas todos eram aprovados
no fim dano para a classe superior98.

Quero notar aqui uma coisa que dá claramente a conhecer até que ponto se
cultivava o espírito de piedade no colégio de Chieri. Durante os quatro anos em
que frequentei aquelas escolas, não lembro de haver ouvido uma conversa ou uma
única palavra contra os bons costumes ou contra a religião. Terminado o curso de
retórica, dos 25 alunos que compunham a classe, 21 abraçaram o estado
eclesiástico; três tornaram-se médicos e um comerciante99.

96
Turim, da Imprensa Real 1822, 55 páginas.
97
“O regulamento para as escolas fora da Universidade(...), a pedido do censor Viotti, foi preparado pelos
Jesuítas de Novara(...). Não é pois de se admirar que o regulamento de 23 de julho de 1822, que regeu as
escolas piemontesas até 1848, parece feito para os noviços de um convento, e não para estudantes de uma
escola pública” (A. LIZIER, No primeiro centenário do Régio Colégio Nacional de Novara 1808-1908.As
escolas de Novara e o Colégio-Liceu. Novara, Estabelecimento G. Parzini 1908, página 194; cfr. o capítulo
VIII O “Real Colégio de Novara” e as “Escolas Régias”dos movimentos de 1821 à expulsão
dosJesuítas(1821-1848), páginas 191-238.
98
MO (1991) 63-64.
99
MO (1991) 86.
É certamente “repressivo” no sentido do controle total e inflexível, conforme o que
estabelecem os títulos terceiro e quarto do Regulamento: Das escolas públicas, e das
escolas Régias e Da congregação, do ensino, e dos exames nas escolas tanto públicas
quanto Régias. Os seguidores do sistema “preventivo”, porém – e entre estes está Dom
Bosco -, não refutam seus conteúdos, mesmo realizando-os com modalidades ao menos
parcialmente diferentes. São sobretudo a “mentalidade”, o “espírito”, o “estilo” que
permitem considerar “preventivas” disposições que no Regulamento assumem indiscutíveis
tonalidades “repressivas”.

Os alunos estão sujeitos a obrigações rígidas: lugar marcado nas salas, aproximar-se todos
os meses do sacramento da penitência, apresentando aprova com o bilhete de confissão,
cumprir o preceito pascal documentando o ato cumprido; participar da missa quotidiana,
frequentar a missa festiva na congregação dos estudantes com as anexas práticas de piedade
de antes do meio dia (leitura espiritual, ofício de Nossa Senhora e ladainhas, instrução
religiosa) e depois do meio dia (leitura espiritual, canto e recitação de orações, catecismo);
tríduo em preparação ao Natal e exercícios espirituais anuais; exclusão de livros não
autorizados pelo prefeito dos estudos100. Não menos severo é o controle da vida do aluno
fora da escola.

Fica rigorosamente proibido aos estudantes a natação, a entrada nos teatros, nos
jogos de truco, pôr máscaras, aceitar convites para bailes, qualquer jogo nas
praças, bares e outros redutos públicos, ir a almoços, comer e beber em hotéis ou
restaurantes, participar de rodinhas, conversar nos cafés e apresentar em teatros
domésticos sem a licença do prefeito dos estudos101.

O empenho da “congregação”, que prefigura de algum modo o Oratório, é muito diferente


da livre e alegre participação em sua vida, ainda que inspirada em serias idéias religiosas102.
Os Diretores espirituais detêm poderes ilimitados, com interferências decisivas na própria
atividade escolar103.

Têm o direito de punir na congregação e de excluir os irreligiosos, os que não


sabem o catecismo e os desobedientes. Quem for expulso da congregação, o será
também das escolas, mediante aviso que o Diretor espiritual dará ao Prefeito dos
estudos. Têm direito de suspender a promoção dos jovens da classe inferior,
submetendo-os a um novo exame do catecismo por ocasião da festa de Todos os
Santos; e se então demonstrarem não saber, a promoção lhes será negada104.

100
Cfr. Regulamento..., artigos 34-41
101
Regulamento..., artigo 42.
102
Cfr. Regulamento..., título IV, capítulo I, parágrafo I. Da congregação, artigo 134-143.
103
Cfr. Regulamento..., título IV, capítulo I, parágrafo II. Dos Diretores espirituais, artigo 144-167.
104
Regulamento..., artigo 146.
Não menos peremptórias são as exigências com os professores, obrigados a munir-se todos
os anos de um certificado de boa conduta religiosa e moral, dado pelo bispo, e a precisas
obrigações de vigilância105, extremamente atenta e inexorável nas possíveis consequências.

O professor que, por desobediência pertinaz, ou grave falta de respeito ao próprio


Mestre, ou seja ao Diretor espiritual, vier a ser licenciado da escola, não será
admitido senão depois de três dias, com apresentação de desculpas na própria
escola. Os estudantes irreligiosos, de costume dúbio, incorrigíveis, os culpáveis de
renitência obstinada e escandalosa às ordens dos superiores, ou réus de delitos,
serão sumariamente expulsos das escolas106.

105
Regulamento..., artigos 48-52, 54-55.
106
Regulamento..., título III, capítulo I, parágrafo II Dos deveres dos alunos em geral, artigos 41 e 46.
CAPÍTULO 4

NASCIMENTO DE UMA FÓRMULA: “SISTEMA PREVENTIVO” E “SISTEMA


REPRESSIVO”

Os termos “reprimir”, “repressão”, “prevenir”, “prevenção” e semelhantes não são


certamente novos no século XIX. Ao invés, salvo melhores resultados das pesquisas,
nascem neste século as fórmulas “sistema preventivo” e “sistema repressivo”, “educação
preventiva” e “educação repressiva”. Elas parecem surgir, na França, em geral
polemicamente, em dois contextos e com relativos significados profundamente diferentes: a
política escolar e a educação, familiar e “colegial”(escolas –“colégios”, de estado, leigos,
católicos).

1. “Prevenir” e “reprimir” na política escolar

Na política escolar francesa da primeira parte do século as duas fórmulas “sistema


preventivo” e “sistema repressivo” afloram no interior da quentíssima discussão sobre a
liberdade da escola1. A constituição belga de 1831 no artigo 17 havia acolhido o princípio
da liberdade, dando lugar a um sistema escolar coerentemente liberal: “O ensino é livre,
qualquer medida preventiva está proibida; a repressão dos delitos não e regulamentada
senão pela lei”.

Na França o “sistema preventivo” era sustentado pelos fautores, em sua maioria leigos, do
monopólio estatal da escola, como era consagrado pelo sistema napoleônico da
“Universidade”. Este excluía “preventivamente” toda possibilidade de “escola livre”, não
estatal; ou então, sustentava a imprescindibilidade de uma “autorização preventiva”. Era na
realidade um sistema preventivo-opressivo. O “sistema repressivo”, ao contrário, era
próprio de quantos propugnavam, de vários modos, a liberdade de ensino, sancionada em
linha de princípio pela Carta constitucional promulgada por Luís Felipe I de Orléans em 14
de agosto e 1830. O sistema era chamado “repressivo” porque a lei Guizot de 28 de junho
1
Para uma séria apresentação do problema e de alguns protagonistas, cfr. B. FERRARI, A política escolar
de Cavour. Milão, Vida e Pensamento 1982, páginas 52-63.
de 1833, que aplicava a ordem constitucional, previa vários tipos de controle sobre os
institutos privados, até a eventual supressão no caso de graves inadimplências de caráter
jurídico, moral e didático. As condições porém, eram tais – antes de tudo a dependência da
“Universidade”- que apareciam duplamente “repressivas”. Era um motivo a mais para dar
uma melhor solução ao problema com uma nova lei, que incluísse a liberalização também
da escola secundária. Observará isto, justamente nas discussões que voltarão em 1844, um
grande moderado, Alexis Charles Tocqueville (1805-1859), na sua intervenção de 17 de
janeiro de 1844 e em vários artigos no jornal Le Commerce2.

Na discussão terá importância decisiva a Relação que o presidente da comissão


parlamentar, Adolfo Thiers, fará em 13 de julho de 1844. Ela vai sepultar qualquer tentativa
de modificação da lei vigente, de 1833. Na Relação sobre os trabalhos da comissão ele
introduzia as fórmulas “sistema preventivo” e “sistema repressivo”, não encontradas em
outras intervenções. Aí vêm indicadas direta ou indiretamente, as soluções propostas para
os dois primeiros problemas: as condições de abertura de um instituto de pública instrução,
excluído o “sistema preventivo”, e a vigilância à qual submetê-las em força do “sistema
repressivo”3. Respeitoso da legítima independência da educação familiar – argumentava
Thiers – o estado reivindicava a responsabilidade de legislar sobre a educação do
“cidadão”. Com o sistema da “Universidade”, este tendia a tornar efetiva nos diversos
institutos uma formação unitária, comum a todos4. Quanto à existência dos institutos, a
garantia da “verdadeira liberdade de ensino”, a comissão se havia decididamente
pronunciado pela abolição da autorização prévia, ainda que conservando determinadas
condições para a abertura5. Era, em uma palavra, contrária ao “sistema preventivo”. Mas –
precisava imediatamente – “é elementar que saindo do sistema preventivo se entre
imediatamente no sistema repressivo”. Quando se concede a liberdade, aparece logo a
necessidade da vigilância: sobre a qualidade da instrução, a moralidade, o respeito às
instituições6. Os inspetores da universidade teriam desenvolvido o legitimo dever de
“examinar, de vigiar, de lembrar, de exercer uma simples censura disciplinar”. Podia
constituir um benéfico estímulo para professores e alunos e um meio para distinguir os
institutos bons dos carentes. De todos os modos, os institutos atingidos por um eventual
decreto de supressão teriam sempre tido a faculdade de recorrer à autoridade judiciária7.

2. Educação pública repressiva, educação privada preventiva

2
Os textos podem ser encontrados no interessante estudo de A. M. BATTISTA, O espírito liberal e o espírito
religioso.Tocqueville no debate sobre a escola. Milão, Jaca Book 1975, páginas 129-201.
3
Cfr. Relatório de M. Thiers sobre a lei de instrução secundária, feito em nome da Comissão da Câmara dos
Deputados, na sessão de 13 de julho de 1844. Paris, Paulin Editor 1844, páginas 27-39 e 39-49.
4
Compunham a Universidade 46 colégios reais e 312 colégios comunais; além disso, estavam sujeitas à sua
fiscalização 1.016 casas de educação particular. Os alunos, que nelas recebiam instrução secundária, eram
respectivamente 19.000, 27.000, 36.000.
5
A. THIERS, Relatório..., páginas 27-32.
6
A. THIERS, Relatório..., página 39.
7
A. THIERS, Relatório..., página 44.
O significado das duas fórmulas é revirado quando do debate político se passa ao
pedagógico. A contraposição se manifesta ainda na França, primeiro de tudo a propósito da
“disciplina educativa” na escola. Segundo Felipe Ariès “desde os inícios do século XIX a
disciplina escolar havia abandonado a sua tradição liberal” adotando um “estilo de quartel”.
Isto não seria para se atribuir somente à influência do período napoleônico, mas a dois
importantes fatores: a tradição pedagógica dos colégios militares do antigo regime e o
emergente sentimento da adolescência, entendida como idade que abandona a condição de
infância para orientar-se decididamente ao “estado” adulto; com a exigência de medidas
educativas fortemente responsabilizantes8. Neste clima se seria imposta a fórmula do
internato escolar, do “colégio”, em função de um enquadramento mais preciso da idade em
crescimento9.

Nos anos 40 a antíte se entre duas pedagogias, repressiva e preventiva é proposta, não sem
atitudes polêmicas da parte de alguns, com relação ao diferente regime dos “colégios”
estatais, de um lado, e da família e dos colégios privados católicos, do outro.

Assim, o liberal duque de Broglie, durante a discussão na Câmara dos Pares, da lei sobre a
escola secundária, sobre a qual se falou atrás, em 22 de abril de 1844 declarava: “A
educação doméstica é essencialmente preventiva; é o seu mérito incomparável; seu ponto
falho é que nem sempre forma talentos ou caracteres robustos; ela cultiva em uma
atmosfera um tanto artificial, numa estufa, por assim dizer, plantas delicadas que, somente
com grande sacrifício suportarão as intempéries do mundo externo”. Pelo contrário, “a
educação pública é mais repressiva; ela trata os garotos, até certo ponto como homens, fá-
los sofrer a inflexibilidade da lei, a violência da concorrência, as feridas do amor próprio;
ela os torna aguerridos contra o mal e o perigo; mas não os treina senão os expondo um
tanto, deixando-os cair e levantar-se”10.

Na sua Relação de 13 de julho de 1844 Thiers repetia esta contraposição, quando introduzia
a sua relação, admitindo dois tipos de educação: a paterna pela reprodução da família, a do
estado para a formação do cidadão. Cada uma podia seguir maneiras diferentes segundo a
diversidade dos fins. “Assim, um pai ama a educação severa, inflexível, dos grandes
institutos públicos; um outro prefere a educação mais suave, mais indulgentes dos institutos
privados”. Além disso, dirigirá o filho para a carreira que preferir: mas todos “aspirarão a
dirigir o filho segundo os moldes da ternura, até mesmo da fraqueza paterna”. Neste ponto
entra o estado- entidade política, sociedade, nação -,legitimamente empenhado em fazer do

8
Cfr. Ph. ARIÈS, A criança e a vida familiar no Antigo Regime. Paris, Edições do Seuil 1973, páginas 294-
295.
9
Ph. ARIÈS, A criança e a vida familiar..., páginas 313-317.
10
No “Monitor Universal”, de 13 de abril de 1844, número 106, página 931. O trecho é transcrito por
Camilo de Cavour em um de seus cadernos de apontamentos gerais; cfr. C. CAVOUR, Todos os escritos, aos
cuidados de C. Pischedda e G. Tálamo, primeiro volume, Turim, Centro de Estudos Piemonteses,1976,
página 326. É bom lembrar que Camilo Cavour teve cordiais relações com Dom Bosco, assim como seu
irmão mais velho Gustavo.
jovem um cidadão, “impregnado do espírito da constituição, que ama as leis, o país,
inclinado a contribuir para a grandeza e prosperidade nacionais”11.

Mais adiante entrava em uma avaliação dos dois sistemas em polêmica com aqueles que
pretendiam que somente o clero podia educar a juventude em um espírito moral e religioso;
e que disto eram incapazes os colégios leigos12. Cada um tinha o seu estilo e um diferente
valor educativo. “O caráter dos colégios reais é uma disciplina inflexível, é a regra em
todas as coisas”; “não há condescendência pela fraqueza dos pais, todos os alunos são
iguais, de famílias ricas ou pobres, nobres ou plebéias; a todos é imposta a mesma lei”; “se
é cometida uma falta grave o colégio expulsa sem dó e os institutos são imediatamente
corrigidos”; “sobretudo domina a idéia da regra, da igualdade”; “acrescenta-se a fraqueza
do tratamento”, “a exclusão da delação”, é respeitada e encorajada a lealdade”. “Deste
modo se forjam homens”: “cidadãos” e “homens honestos”13; “dos jovens precisa fazer
indivíduos honestos, bons cristãos, mas também bons franceses”14. Nos colégios privados
leigos ao invés, “os cuidados são mais individuais e os meninos são mais seguidos”; há
mais complacência com as influências dos pais. Também nos colégios católicos “ o regime
é menos firme”, menos capaz de preparar o enfrentamento do mundo; a própria formação
religiosa, mais intensa mas coagida, não é necessariamente a mais idônea para criar na
liberdade convicções mais pessoais e duradouras15.

3. O Sistema Preventivo de Pierre-Antoine Poullet (1810-1846).

O diretor do Instituto São Vicente de Senlis, Pierre-Antoine Poullet16. Polemiza contra


Thiers pelos juízos superficiais formulados sobre a educação religiosa dada nos colégios
públicos, os confrontos sobre a qualidade e os êxitos delas nos colégios católicos e sobre o
método educativo neles praticado17. E expõe os traços de um sistema de educação
que, sem definir formalmente “ preventivo”, possui todos os seus traços.

11
A. THIERS, Relatório..., páginas 9-10.
12
A. THIERS, Relatório..., páginas 56-57.
13
A. THIERS, Relatório..., páginas 57-58.
14
A. THIERS, Relatório..., página 62
15
A. THIERS, Relatório..., páginas 59-62
16
Sobre Poullet, crf EUGENIO VALENTINI, O Abade Poullet (1810-1846), em “Revista de pedagogia e
Ciências Religiosas” 2 (1964) 34-52; IDEM, O sistema preventivo de Poullet, Ibidem 7 (1969) 147-192. O
pensamento pedagógico de Poullet pode ser encontrado no volume Discursos sobre a Educação pronunciados
nas distribuições de prêmios de seu estabelecimento, seguidos de alguns outros escritos do mesmo autor.
Paris, Alph. Pringuet 1851, 16-427 páginas.
17
Cfr Carta à M. Thiers na Ocasião de seu Relatório sobre o projeto de lei, relativo à instrução secundária, em
P. A Poullet, Discursos..., páginas 233-264. Para falar da qualidade e dos resultados da “Religião” nos
diversos institutos – objeta ele – “seria necessário primeiro saber o que se entende por educação religiosa e
moral, ou mais ainda que é a religião, que é a moral, onde se encontra a verdade concreta e pura, quais são
todos os deveres que Deus nos impõe” (Ibidem , página 235).
Antes de tudo, o sistema adotado n colégio de Senlis se apóia sobre bases comuns a
qualquer autêntico sistema de educação. Ele comporta empenho, disciplina,
responsabilidade; não é permissivo; não cede a indevidas interferências familiares; quer
observância exata do regulamento, a calma, o silêncio, a ordem, a pontualidade, a
obediência18.

Em segundo lugar, exclui o “regime militar” dos colégios do estado, mesmo exigindo dos
responsáveis do colégio dedicação, vigilância conscienciosa, zelo, temperados com
moderada indulgência e flexibilidade paterna19.

O fim imediato da obra educativa é, de fato, proteger “a inocência” dos alunos com uma
assídua assistência que é ininterrupta presença no meio deles20. “Iluminada, prudente,
tolerante, caridosa”, esta não só protege e previne mas solicita e promove; mediante os três
meios: “exercer vigilância, inculcar princípios, oferecer ocupações”21.

O fim ultimo é formar o caráter humano e cristão de jovem e desenvolver sua inteligência
através da cultura clássica e científica. No vértice é colocado o princípio religioso:
cumprimento dos deveres para com Deus e aplicação ao estudo, entendido como “uma
oração, um dever religioso e santo”22.

A educação se desenvolve em franco clima familiar em duplo sentido. Primeiramente são


sinceramente promovidas a colaboração e a integração entre educação familiar e educação
colegial. Nenhum professor poderá exigir para si “o reconhecimento, a confiança e o amor”
que liga os filhos aos pais. Ao mesmo tempo, o colégio não educa senão em força de uma
autoridade que é o prolongamento da autoridade materna e paterna. “Se o colégio não for
uma família, não é nada”23.

Aí entra o discurso sobre o amor como princípio pedagógico e da indulgência como


método24. O amor tem de ocupar o primeiro lugar na ação educativa: “O CORAÇÃO! Sim,
é sobretudo e antes de tudo com o coração, com um coração amante, terno e generoso que
um professor deve exercer o seu importante ministério”25. “Não, o coração não deve
somente verter o óleo que facilita o movimento; ele mesmo, só ele deve ser o primeiro
motor(...) Não basta invocá-lo como auxiliar, é preciso que ele seja o princípio dominante:

18
P.A POULLET, Discursos…, páginas 246-248.
19
P.A POULLET, Discursos…, páginas 248-249.
20
“Nossa primeira regra é manter constantemente o menino conosco, bem pertinho, debaixo de nossos
olhos” (Discursos..., página 25).
21
P.A POULLET, Discursos…, páginas 28-33.
22
P.A POULLET, Discursos…, páginas 33-38, 107,120.
23
P.A POULLET, Discursos…, páginas 46-51, 63-70.
24
P.A POULLET, Discursos..., respectivamente, páginas 137-157 e 81-101.
25
P.A POULLET, Discursos..., página 138.
em uma palavra, a educação não é obra do espírito temperado pelo coração; é uma obra do
coração dirigido pelo espírito”26. A indulgência é sua expressão nas mais variadas
contingências da educação. Excluindo a indulgência de fraqueza e a indulgência de
adulação, Poullet considera “a indulgência que espera, que suporta, que condescende, que
perdoa” uma dimensão educativa que deve ajuntar-se a outras: “o zelo que se prodiga, a
vigilância à qual nada escapa, a autoridade que comanda e a justiça que pune”27.

Exigem-na a natureza do menino e os limites de sua disponibilidade à colaboração com o


educador. O menino é “um ser fraco de alma e de corpo, de vontade e de razão, leviano,
inconstante, dominado por mil idéias, por mil sentimentos contraditórios, sujeito a todas as
impressões internas e externas”; “os meninos são meninos”, “a liberdade, o movimento e o
barulho são, nesta idade, necessidades quase irresistíveis; quando o jovem culpado disser
ingenuamente não tinha pensado nisto, podemos quase sempre acreditar”28. A indulgência
todavia deverá ser equilibrada e prudente: “sejamos indulgentes com a fraqueza mas não
deve haver fraqueza na nossa indulgência” 29.Em particular, ela será comedida nas
diferentes partes da educação: menor quando se trata de regras disciplinares a serem
observadas, maior na educação moral e religiosa: “não se reforma o homem senão através
do coração e não se chega ao coração senão através do amor”30. Somente neste clima de
doçura poderá surtir efeito em circunstâncias particulares um temor salutar, “início da
sabedoria”; início e não mais, lembrando que nós somos “os amigos e os pais” dos nossos
alunos31.

Daí resultará como êxito global o espírito de uma casa de educação32. Este é constituído
pela prudência, pela moderação, pelo zelo e pelo coração dos educadores; mas sobretudo e
essencialmente pelo espírito dos alunos, que cria uma atmosfera de candor, de modéstia, de
docilidade, de abertura, de afeto33; e ainda, “a piedade para com Deus, a total lealdade e
uma cordial benevolência nas ralações com os professores e condiscípulos e o respeito
escrupuloso pelas sagradas leis da modéstia”34. Por isso, é indispensável que à repressão
seja preferido “um sistema de liberdade, de amor e de confiança”, um amor regulado e uma
confiança moderada por uma justa autoridade35. “Não basta que o mal seja reprimido,
ocorre que bem seja feito” 36.

Este conjunto de princípios e orientações – conclui Poullet – não constitui uma grande
teoria ou sistema complexo ou uma arte reservada a iniciados. “É necessário simplesmente

26
P.A POULLET, Discursos..., páginas 140-141.
27
P.A POULLET, Discursos..., página 87.
28
P.A POULLET, Discursos..., páginas 88-92.
29
P.A POULLET, Discursos..., página 92.
30
P.A POULLET, Discursos..., páginas 94-95.
31
P.A POULLET, Discursos..., páginas 99-100.
32
Cfr P. A, POULLET, Discursos…, páginas 158-185 Do bom espírito nas casas de educação.
33
P.A POULLET, Discursos..., páginas 162-164, 170.
34
P.A POULLET, Discursos..., páginas 174-175.
35
P.A POULLET, Discursos..., páginas 176-177; cfr também páginas 180-182.
36
P.A POULLET, Discursos..., página 179.
vigiar constante e lealmente, instruir solidamente, lembrar frequentemente, encorajar com
bondade, recompensar com alegria, punir oportunamente com moderação e sobretudo
suportar com infatigável constância e amar com inalterável ternura. Tudo isso pode exigir
alguma virtude mas pouquíssima arte; experiência mas não profundas pesquisas; o golpe de
vista da observação prática, não o gênio das especulações elevadas; tudo isso pode e deve
ser feito com simplicidade”37.

4. Dois tipos de colégio e de sistemas educativos em confronto

Na contraposição tanto artificial quanto a de Thiers, de dois tipos de colégio, leigo e


católico, o francês Pedro Sebastião Laurentie (1793-1876) vê postos um contra o outro dois
diversos sistemas educativos, do rigor e do amor38.

O confronto polêmico impede uma correta visão das legítimas diferenças, levando a uma
esquematização maniquéia, como podia elaborar um intransigente legitimista monárquico
católico, que não esconde suas predileções restaurativas39.

Ele levanta acusações severas trazidas por alguns contra o colégio público: embrutecimento
da inteligência, sufoco de qualquer iniciativa, dissolução da personalidade do menino na
massa, clima de medo, hipocrisia, malignidade, ódio40. De sua parte Laurentie faz uma
descrição totalmente negativa, resultado, diz ele, de uma observação justa e meditada.

O colégio público parece uma prisão, ao Spielberg do qual escreve Sílvio Pellico em As
minhas prisões. É um lugar “de tristeza e de dor”, onde “a juventude fenece antes do tempo
debaixo da autoridade de professores tétricos”. Nele impera “uma organização rígida dos
estudos e do tempo livre”, escandida por sinais dados num sino ou num tambor. “O
professor não chega perto do aluno; o tom da ordem é áspero e temível. O aluno não chega
perto do professor; a obediência é cheia de medo e desconfiada”. “Não existe nem
confiança nem amor. Não se ouvem palavras doces que vão ao coração”. É um mundo
mecânico no qual nada e esquecido; “até Deus tem ali seu lugar, mas o pensamento íntimo
fica ausente”. “Daí que esta ordem exterior oculta vícios que devoram e envenenam o
coração”. “A própria idade parece uma outra. É uma infância envelhecida, uma
adolescência decrépita”. Resultado, o predomínio destrutivo das paixões, as revoltas

37
P.A POULLET, Discursos..., páginas 191-192.
38
Laurentie é autor, entre outros, de três brilhantes escritos pedagógicos: Cartas a um pai sobre a educação
de seu filho (1834); Cartas a uma mãe sobre a educação de seu filho (1836); Cartas a um padre sobre a
educação do povo (1837). Desta segunda edição (1850) deste último volume foi feita uma edição também em
italiano: Cartas sobre a Educação do povo de M. Lourentie, antigo inspetor geral dos estudos. Gênova,
Estabelecimento tipográfico de João Fassicomo 1856,200 páginas.
39
Cfr. EUGÊNIO VALENTINI, O Sistema preventivo de M. Laurentie (1793-1876) em “Palestra do
Clero”61 (1982) 209-231.
40
P.S LAURENTIE, Cartas a um pai…, páginas 38-40.
ocultas, a esterilidade dos estudos, premissa de uma vida sem esperanças e sem
entusiasmos41.

De fronte está a imagem sedutora do colégio católico. “O colégio cristão é uma família”. A
autoridade que ali reina é a autoridade dos pais transferida a um pai que os substitui e a
professores que condividem seu zelo e seu amor. A religião preside esta santa unidade. Ela
adoça o mando e torna amável a obediência”. No colégio reina a ordem; mas não é aquela
disciplina tétrica que esconde profundos sofrimentos e ódios inexpiáveis; uma ordem que
desce no profundo das almas e regula os pensamentos mais internos. Nela não faltam os
suaves conselhos. O ensino é variado, flexível, posto à altura de qualquer inteligência”. “A
piedade não é imposta como um dever que é forçoso cumprir em horas e dias estabelecidos.
Ela é inspirada como um costume que preenche docemente toda a vida”. “Neste colégio os
alunos são irmãos, os mestres são amigos”. “O colégio forma o homem para a sociedade”,
habilitando o homem para ela em tempo, também graças a amizades sólidas e duradouras.
“O colégio é um mundo com as suas pequenas paixões, mas reguladas por uma autoridade
vigilante.” “Mas o que amo no colégio e o aperfeiçoamento das almas. É esta civilização do
homem, este treino, como diria Montaigne, para sujeitar-se às leis da vida comum; é o
início da vida social, é o primeiro desenvolvimento das virtudes humanas”. Este não produz
uma maturidade precoce e permite aos meninos de se tais o maior tempo possível. “Que
bela combinação é aquela das graças e da ingenuidade da primeira idade com as virtudes
fortes, com os trabalhos constantes, com os estudos severos e assíduos! O colégio cristão
oferece esta aliança. Além do mais, a estas belas harmonias acrescenta o adorno das artes.
Assim o estudo é amável, a disciplina elegante, a instrução brilhante e atraente”42.

Observador inoxidável que é, porém, o autor vê perfilar-se também em algum colégio


católico, aberto às novas idéias, um grave perigo no tipo de fraternidade e de amizade que
se infiltrou: a proclamação da igualdade política, uma quimera que é causa de artificiosos
conflitos, que rompem o harmônico encanto da antiga sociedade ordenada e estratificada
segundo a imutável ordem da natureza43.

5. Félix Dupanloup (1802-1878)

Grande educador e ativo catequeta, bispo de Orléans, Félix Dupanloup deixou uma rica
produção pedagógica. Distingue-se a obra Da educação presente em tradução italiana, na
biblioteca do Oratório de Dom Bosco, e direta ou indiretamente, por ele conhecida44. Em
particular no livro III, do primeiro e segundo volume, dedicado respectivamente à

41
P.S LAURENTIE, Cartas a um pai…, páginas 40-43.
42
P.S LAURENTIE, Cartas a um pai…, páginas 44-49
43
P.S LAURENTIE, Cartas a um pai…, páginas 49-56 (Um perigo no colégio).
44
A educação para monsenhor Félix Dupanloup, bispo de Orléans, membro da Academia Francesa. Versão
italiana de Dom Clemente De Angelis..., três volumes. Parma, Fiaccadori 1868-1869; Da educação por
Monsenhor Dupanloup, tomo I Da educação em geral; tomo II Da autoridade e do respeito na educação; tomo
III Os homens da educação (primeira edição, Paris 1850-1862). Paris, João Gervais 1887 (XI edição). Tem-
se presente o texto francês, mas é citada a edição italiana, que Dom Bosco poderia ter tido em mãos.
disciplina e ao diretor encontram-se claros traços, verbais e contenutísticos, de inspiração
preventiva45. Em Dupanloup a antítese de sistema preventivo e repressivo é materializada
acima de tudo na oposição entre magistratura civil e penal, exercida na sociedade, e
magistratura educativa. Governar implica em constranger e reprimir. Educar supõe e exige
prevenir. “O ministério da Educação é, a um tempo, uma paternidade, uma magistratura, e
diria mesmo um sacerdócio; e do seguinte modo: em todas as sociedades civilizadas sempre
se sentiu o desejo não somente de reprimir o mal, contendo as paixões humanas com o
freio do castigo, mas se sentiu a necessidade de preveni-lo, formando os homens na virtude
através da educação; e por isso os homens mais civilizados, formam melhor os seus mestres
e os aperfeiçoam ao máximo”46.

Mas a diferença de intervenções, repressivas ou preventivas, se verifica no interior do


próprio “espaço pedagógico”. Eles representam dois dos três momentos da ação
“disciplinadora” da vontade e forjadora do caráter. As três são impostas pela natureza do
menino em crescimento: “Disciplina tem raíz em discere,aprender, e a palavra não somente
exprime uma disciplina exterior, mas também um ensinamento intrínseco e uma virtude”.
Por isso disciplina é também ordem, sem a qual não é possível a educação47.

Exigem-na as qualidades e os defeitos dos meninos48. A sua “é uma idade curiosa, móvel e
inquieta, ávida de distrações, inimiga da sujeição (...) A meninice e leviana, desaplicada,
presuntuosa, resistente, violenta. É a idade da dissipação, da inquietação e dos prazeres”.
São “os defeitos de sua natureza”; mas “ao menos não têm os defeitos adquiridos”. “Nos
meninos tudo é mutável e novo, e é fácil endireitar estas plantas tenras e fazê-las apontar
para o céu (...) Isto porque também no meio de seus defeitos, nada é mais amável de ver
neles quando nascem a razão e a virtude (...). Não obstante a aparências de leviandade e
uma exagerada inclinação para os divertimentos, um menino pode ser sábio, racional e
sensível à virtude (...). Não tenho por isso dificuldade em reconhecer que o menino, sem
exclusão daquele que teve a sorte de nascer com um bom caráter, é um ser leviano, volúvel,
que voa de desejo em desejo joguete da própria instabilidade (...). Mas saibam bem os bons
professores, que justamente a glória e a obra da Educação está posta no saber vencer esta
leviandade, e no saber conduzir a um estado de firmeza esta inconstância”49.

45
A educação paramonsenhor Félix Dupanloup..., volume I, Da educação em geral, livro III Dos meios da
educação, páginas 143-256, e volume II Da autoridade e do respeito na educação, livro III O diretor, páginas
377-600.
46
F. DUPANLOUP, A educação, volume II, livro III, página 379. O grifo é nosso. Da distinção das duas
magistraturas pode-se encontrar um aceno na abertura do pró-memória de 1878, de Dom Bosco a Francisco
Crispi: sistema preventivo e sistema repressivo “são aplicáveis na sociedade e nas casas de educação”;
“enquanto a lei cuida dos culpados, devem-se usar todos os meios para diminuir seu número” (O sistema
preventivo (1878), páginas 300-301).
47
F. DUPANLOUP, A educação, volume I, livro III A Disciplina, páginas 126-127.
48
Cfr. F. DUPANLOUP, A educação, volume I, livro II Do menino e do respeito devido à dignidade de sua
natureza, capítulo I O menino, suas qualidades, seus defeitos; quanto precisa da Educação, páginas 67-78.
49
F. DUPANLOUP, A educação, volume I, livro II, páginas 70-74.
Quem providencia este crescimento são os responsáveis pela comunidade educativa,
operando em três frentes: 1. Mantendo a constante execução do regulamento através da
firme exatidão de sua direção. 2. Prevenindo a violação do regulamento com o zelo da
vigilância. 3. Reprimindo sua transgressão com pontualidade de justiça, para corrigir a
desordem apenas aconteça”. Três são portanto as funções da disciplina, idêntica à
educação, “manter, prevenir, reprimir”. Esta se volta “de propósito para a vontade e para o
caráter”, acompanhada pela educação intelectual e física e coroada pela educação
religiosa.

A disciplina-educação, entendida em sentido forte, distinta das várias partes da formação


(física, intelectual, religiosa) se expressa em uma tríplice função, repressiva, preventiva,
diretiva. “A ânsia de não deixar nada que seja culpável sem correção é dever da Disciplina
repressiva. A pressa de manter afastadas as ocasiões perigosas é obra da Disciplina
preventiva. A rapidez em mostrar sempre e em todo lugar o caminho a seguir é função da
disciplina diretiva. Não é preciso muito para se concluir que é muito melhor prevenir que
reprimir; mas a exatidão em manter o bem e a vigilância em impedir o mal tornam menos
urgente a necessidade de reprimir. Por isso, a maior importância da Disciplina diretiva que
mantém o bem; a secundária importância da Disciplina preventiva, que impede o mal; e a
inferior importância, mesmo se necessária, da Disciplina repressiva, que o pune”50.

6. Sugestões preventivas de Henrique Lacordaire (1802-1861)

O dominicano Henrique Domingos Lacordaire, brilhante orador e restaurador da ordem de


São Domingos na França, terminado o seu sexênio de provincialado, viveu os últimos anos
de vida (1854-1861) na total dedicação a um instituto de educação situado na antiga abadia
beneditina de Sorèze, na região de Toulouse. Confiado à gestão da ordem terceira
dominicana docente, fundada pelo próprio Lacordaire, ele foi de Sorèze o diretor e o
animador competente e apaixonado51

No título do capítulo de abertura de um lúcido perfil de Lacordaire “apostolo e diretor dos


jovens”, P. Noble fixa o seu caráter fundamental: “Ele os amou”52, preanunciado no
prefácio: “o profundo e indefectível amor da juventude”53.

50
F. DUPANLOUP, A educação, volume I, livro III, capítulo III A Disciplina, páginas 177-178.
51
Cfr.G.- MONT SERRT, o..p.,Professor, porque pregador:Henrique- Domingos Lacordaire, em “Memória
Dominicana”, número 3. Automne 19993, Escolas e colégios, páginas 37- 48; J. ANGELICO de METZ, o.p.,
A fundação dos dominicanos professores pelo Padre Lacordaire, ibidem, páginas 49 – 50. testemunho
autorizado da visão educativa de Lacordaire, é o seu claborador e confidente,Padre B.COCHARNE, O
Reverendo Padre Lacordaire, sua vida pessoal e religiosa, dois volumes. Paris, Poussielgue 1866.
52
H.-D. NOBLE, o.p., O Padre Lacordaire, Apóstolo e Diretor dos jovens. Edição revista e aumentada. Paris,
Lethielleux 1910 (primeira edição 1908) páginas 1-21. No segundo capítulo, Porque os amou e porque foi por
eles amado (páginas 22-39), ele explicitava os motivos da sintonia entre educador e jovens: “ a juventude de
espírito”, isto é, “o entusiasmo pelas grandes coisas, a generosidade dos sentimentos nobres, a paixão pela
ação heróica, a constância na obra empreendida, a confiança otimista nas pessoas e nas coisas”(página 24).
53
H.-D. NOBLE, o.p., O Padre Lacordaire...,páginas 7-13.
Na “direção das almas juvenis”, ao “modo autoritário”, caracterizado pela “fixidez do
programa” e pela “marcação implacável”, ele preferia aquele “que poderia ser chamado
modo da espontaneidade54.Este implica a “fé na alma do jovem”: “tornar grande sendo
senhor; apelar para as energias latentes, para as boas disposições, para a prontidão do
coração; para a generosidade e para a força da dedicação; livrar de qualquer escória as
efervescências e os entusiasmos da alma; propiciar a espontaneidade; produzir almas
viventes cujo bem brote de seu interior, cujas virtudes sejam frutos do esforço pessoal, de
necessidades sentidas, queridas, amadas; desenvolver dilatando e não limitar comprimindo;
tornar o dever atraente e libertador e não fazê-lo enjoativo e tirânico; gerar o otimismo que
serena e inflama; remover o pessimismo que esfria e risca de degenerar em letal ceticismo”;
“alinhar-se com as esperanças e não com as previsões funestas”; “medicar as feridas e não
exacerbá-las”; descobrir “o ponto de acesso para Deus”; Desamarrar no coração os nós
pelos quais “o mal cresce com o bem”; acolher tudo aquilo que pode brotar de bondade
natural, para purificá-lo e fazê-lo servir a um ideal superior: isto parece Ter sido o primário
caráter geral do método de direção seguido com os jovens pelo P. Lacordaire”55. “É
necessário saltar alem do presente e sonhar o futuro. O futuro, por mais que longínquo, é
sempre a humanidade, e um campo mais belo, porque ali ocorre um amais de previdência e
de fé”56. “Vivam portanto no futuro: é a grande casa, a grande lembrança”. É a norma para
um exigente e alegre “programa de vida”57.

O núcleo e pensamento que dá suporte a este processo é proposto com muita firmeza:
formar caracteres humanos e cristãos, plasmados na obediência, preparados para entrar no
mundo com idéias pessoais bem precisas; a virtude e a inteligência deviam ter como
fundamento “o caráter”: “esto vir”. Este é constituído de duas séries de valores: as virtudes
naturais na base, no vértice a religião, de primária importância, qual “ciência de Deus, da
alma e dos seus destinos, a maior luz dos homens, a força decisiva contra as paixões do
espírito e dos sentidos”58.

Os dois motivos são ilustrados no discurso de 7 de agosto de 1856 aos jovens e aos seus
familiares, que participam da festa das premiações. Dele Dom Bosco pode ter lido algum
trecho no Il Galantuomo (O Gentilhomem) de 1865, a estréia anual das Leituras Católicas.
O texto de Lacordaire estava inserido em um artigo com o título O Clero e a educação da

54
H.-D. NOBLE, o.p., O Padre Lacordaire...páginas 42-46
55
H.-D. NOBLE, o.p., O Padre Lacordaire...páginas 50-51. Disto são documentos significativos as Cartas do
Padre Lacordaire aos seus jovens, editadas pelo Padre H Perreyve.Paris, Douniol 1884 ( primeira edição
1863). Temos em mãos a décima quinta edição, Paris, P.Téqui 1910, XXV- 471 páginas.
56
Cartas do Padre Lacordaire..., página 354.
57
Cartas do Padre Lacordaire..., páginas 86-88; cfr. Conselhos a um ex-aluno de Sorèze que vai a Paris,
páginas 361-363;a outros, sobre as paixões mais fortes, páginas 392-396, 397-399,431-434,435-437; ainda a
ex- alunos sobre as más companhias, páginas 425-426, e sobre práticas essenciais de vida cristã, páginas
427-428, 446-448; enfim, palavras fortes e inquietantes a um destinatário frio e dividido entre o bem e o mal,
páginas 441-445.
58
G.-G. MONTSERRET Professor ...,páginas 45-46.
juventude59. As primeiras três páginas se ocupam em lembrar a dedicação aos jovens de
São Jerônimo Miani, erroneamente considerado sacerdote, e de São Felipe Neri. O resto e
consagrado ao P. Lacordaire e ao colégio de Sorèze.

Na primeira parte é singular a insistência com a qual Lacordaire entende o crescimento


educativo: poder “olhar na fronte dos jovens” “as marcas vivas do trabalho do espírito, os
sinais de uma razão que teve a prevalência, o progresso daquela beleza que vem do
coração”. Na sua avaliação os educadores não foram guiados só “pela justiça, mas também
pela ternura, a ternura de uma paternidade que vem depois da dos pais”60.

A referência leva inevitavelmente a um exame de consciência sobre a identidade do


“professor”. Esta tira o valor e poder do mundo do pensamento: “provem das regiões que
habitam a verdade, a beleza, a justiça, a ordem, a grandeza, tudo o que faz do homem um
ser divino e do menino um ser que tem a vocação para se tornar homem”; e torna-se tal
quando se reconhece “que a alma é a pátria da verdadeira liberdade, e que a liberdade se
consegue com a ciência e com a virtude”61.Os professores vivem junto com os alunos para
iniciá-los neste reino com toda a sua dedicação. “Continuadores de Deus e da família,
precursores do mundo”, eles devem “reunir as qualidades que concernem aos dois
extremos: a ciência de Deus, a ternura da família e a justiça do mundo”62. A primeira tarefa
e, por isso, “conservar e fazer crescer a fé que abre para a inteligência do mundo visível, a
esperança que fortifica o coração com a prospectiva de uma felicidade merecida, o amor
que torna Deus sensível nas frias sombras da vida e nos sustém, não obstante elas, á quente
temperatura da eternidade”. Por isso – prossegue – “a religião retomou nesta escola um
império que não lhe será mais tirado. Esta reina ali não com a força ou com a pompa do
culto, mas graças a uma convicção unânime e sincera, a deveres cumpridos em segredo,
aspirações conhecidas por Deus, a paz do bem e o remorso do mal (...)”. Onde Deus não
existe tem-se, no máximo, um raio de luz sobre os escombros; onde está presente “as
próprias ruínas são já vivas” e o tempo “as reerguerá dos fundamentos”63.
Aí se vê inscindível “ o amor, que com afeição prolonga o trabalho da família”. É
vontade de Deus – insiste o orador - , “ que nenhum bem seja feito ao homem, a não ser
amando-o”. Deus o infundiu nos pais, e os educadores não podem se não “revestir alguma
coisa com a afeição paterna; é o segundo amor que deus criou”. Do contrário, a escola seria

59
O Gentilhomem e suas aventuras. Almanaque naciona para o ano de 1865.Estréia oferecida aos católicos
itaiano. Ano XII. Turim, tipografia do oratório de São Francisco de Sales 1864, páginas 14-21. Qualquer
pessoa que tenha familiaridade com o estilo de Dom Bosco, dificilmente poderá acreditar que tenha sido ele
a redigir o escrito.
60
Discurso pronunciado na distrubição solene dos prêmios da escola de Sorèze, em 7 de agosto de 1856, em
Obras do reverendo Padre Henrique Domingos Lacordaire, t.V.Paris, Poussielgue- Rusand 1861, páginas
316-317. De ternura e de firmeza em educação escrevia , também, a um pai que lhe pedia conselho: “A
educação exige ao mesmo tempo ternura e firmeza. O senhor deverá evitar tanto a idolatria que perdoa tudo
e a amolece, quanto a severidade inflexível que afasta e fecha o coração”; concluía ainda: “Creio que é
necessário evitar de manter um filho por muito tempo na sombra enervante do lar” (Cartas do Padre
Lacordaire..., página 335).
61
H.-D. LACORDAIRE, Discurso pronunciado...,páginas 319-320.
62
H.-D. LACORDAIRE, Discurso pronunciado...,páginas 320-321.
631
H.-D. LACORDAIRE, Discurso pronunciado...,páginas 322-323.
fria, triste, estranha; uma prisão. Isto comporta um envolvimento total na vida dos alunos
que se resume na simples expressão: “Nós os amamos”. Desde quando Deus se encarnou
para nossa salvação, “o cuidado das almas, que já era tão grande, se tornou um amor que
supera todos os outros e uma paternidade que não tem rivais. O artista não é mais artista, é
pai; o sábio não é mais sábio, é sacerdote. Não é, portanto, difícil amar os alunos. Basta
acreditar em sua alma, em Deus que os criou, e os salvou, desde a sua origem até o seu
fim”64. “Religião”e “afeto” são as duas colunas do edifício educativo.
Lacordaire não deixa de mencionar o terceiro elemento. “é necessário que a justiça
mostre o seu rosto severo. O afeto sem a justiça é fraqueza, e sem a justiça também a
religião cobriria com um véu, tanto mais perigoso quanto mais solene, a corrupção do
coração. Premiando bem e castigando o mal, ela é a salva guarda da sociedade humana”.
Sem este elemento “o menino que não aprendeu isto em tempo e de um modo condizente
com a sua fraqueza, inevitavelmente não terá nem o temor do mal, nem a revelação da vida.
É preciso experimentar o peso da justiça para aprender a dobrar a vontade sob a lei do
dever; é preciso experimentar a alegria da recompensa merecida para conquistar o
sentimento da honra”. “Aqui, já na entrada desta escola, o menino encontra justiça, Não a
encontra sozinha, separada da religião e do afeto; mas a encontra, habituando-se àquela lei
do mundo, no qual deverá viver, segundo o qual, cada culpa comporta a sua expiação, cada
falta, a sua reprovação, cada concessão, a sua vergonha, cada fraqueza, a sua desonra65.
O texto publicado no Homem educado limitava-se a traços relativos à religião e ao
amor. É bastante improvável , como já foi dito, que o artigo tenha saído da pena de Dom
Bosco: não é seu estilo. De qualquer forma, as coincidências em muitas idéias – algumas,
relativas à “religião” e ao “afeto” , amplamente difundidas no mundo da educação católica,
antes e depois da restauração - , não autorizam a falar de dependências. Que a religião
fosse a base de toda a vida moral e social, e, portanto de qualquer ação educativa, é
persuasão que Dom Bosco manifesta com muita firmeza em toda a sua atividade sacerdotal.
O mesmo se pode dizer quanto ao método da caridade, expressa em afeto, amorevolezza,
praticada, proclamada, reconhecida, desde os primórdios do seu compromisso juvenil66.

7. Antônio Monfat educador e pedagogista.

Com educadores e animadores excepcionais como Poullet e Magne, o colégio São


Vicente de Senlis conheceu um florescente desenvolvimento, acompanhado de anos de
decadência, que viram diminuir sensivelmente o número dos alunos. O colégio foi
confiado aos padres da Sociedade de Maria. Foi seu primeiro diretor (1869-1872)
Antônio Monfat (1820-1898), provincial de Lyon, homem de grande cultura e prestígio,
aberto às idéias do Instituto, cujos métodos havia aprendido a conhecer nos anos de

64
H.-D. LACORDAIRE, Discurso pronunciado...,páginas 323-326
65
H.-D. LACORDAIRE, Discurso pronunciado...,páginas 326-327
66
As ilações de F.DESRAMAUT, Dom Bosco em seu tempo (1815-1888) (Turim, SEI 1996, páginas 656-658)
aparecem ao menos discutíveis. Dom Bosco não tinha necessidade de recorrer às “ fórmulas sedutoras de
Lacordaire” para saber aquilo que, havia décadas, eram “pilastras” da sua ação e das suas convicções de
educador, a reigião e o “afeto” (página 696: sfr.PEDRO BRAIDO, O sistema preventivo de Dom Bosco em
suas origens (1841-1862). O caminho do “preventivo”na realidade e nos documentos, RSS 14 (1995)255-320.
1857-1867, no pequeno seminário de Maximieux, onde ensinava latim e retórica, antes
de fazer seus votos na Sociedade de Maria, em 1867.
No primeiro discurso que fez em Senlis, Monfat declarava que queria adotar o
programa do fundador do colégio, Poullet, e manter seu estilo. Realmente, dele se podia
dizer com maior razão, o que mais tarde foi dito a respeito de seu confrade Padre
Terrade: “Sua direção era, ao mesmo tempo suave e forte. A ele se podia, com razão,
aplicar o lema do colégio São Vicente de Senlis: Doçura e fortaleza”67.
A sua atividade no São Vicente, porém, foi limitada, tanto por causa da ocupação do
instituto pela forças alemãs em 1870, quanto pela brevidade do cargo. No ano de 1872 o
deixou, e nos anos que seguiram esteve sempre assoberbado de trabalhos sempre mais
empenhativos em tarefas de governo e sua sociedade religiosa.
Isto, todavia, não o impediu de transformar a riqueza de sua experiência e de tantas
leituras em numerosos e variados escritos, entre os quais alguns de caráter pedagógico.
Tiveram estes escritos ressonância no exterior, inclusive na Itália: Os verdadeiros
princípios da educação cristã68; Prática da educação cristã; Prática do ensino cristão,
em dois volumes: o primeiro, Gramática e Literatura, o segundo, História e Filosofia69.
As duas primeiras obras foram traduzidas para o italiano70 e A prática da educação
cristã teve fortes repercussões também no Oratório de Valdocco, a casa mãe das
instituições fundadas por Dom Bosco. Na ata de uma “grande conferência” de 16 de
novembro de 1882, para todos os salesianos que trabalhavam com os jovens, sobre os
deveres dos educadores, está registrado: “Foi lido o parágrafo do P. A. Monfat, que

67
O Reverendo Padre Terrade e a Sociedade de Maria. Paris, Editora J. Demoulin 1910, página 23. É indício
de uma característica não somente pessoal, mas de toda a Sociedade de Maria. Do perfil físico e espiritual de
Monfat são traçadas as seguintes características: “a estatura alta, a solenidade serena e recolhida no trato,
certa austeridade adoçada pela unção de uma bondade toda especial, a dignidade natural do
comportamento, a simplicidade, a delicadeza, o sentido de oportunidade nas palavras, a afabilidade
modesta” [A. S.-B.], O Reverendo Monfat, antigo diretor da instituição São Vicente de Senlis, Senlis,
Instituição São Vicente 1898, página 4.
68
Os verdadeiros princípios da educação cristã lembrados aos professores e às famílias. Disposições
requeridas para uma aplicação feliz e deveres que daí decorrem pelo P. A. Monfat, da Sociedade de Maria.
Paris, Bray et Retaux 1875, VIII- 366 páginas.
69
A reputação das obras do Padre Monfat ultrapassou a fronteira: para os estrangeiros, para quem a forma
dalinguagem preocupa menos que o conteúdo das idéias, elas são autoridade” (O Reverendo Padre Antônio
Monfat, religioso da Sociedade de Maria. Bar-leDuc, Editora C. Laguerre 1898, página 15).
70
Os verdadeiros princípios da educação do Padre Antônio Monfat, traduzidos e anotados pelo Padre
FranciscoBricolo, então Diretor do Instituto Masculino Mazza em Verona e do Colégio Interno Municipal
Cordellina em Vicenza, segunda edição ampliada e corrigida. Turim, Livraria Salesiana 1892, 479 páginas;
A prática da educação cristã do Padre Antônio Monfat, da Sociedade de Maria. Roma, Tipografia dos irmãos
Monaldi 1879, 208 páginas; F. BRICOLO, A prática da educação cristã do Padre Antônio Monfat, marista.
Versão livre notavelmente aumentada. Ala, Editora Tipográfica dos Filhos de Maria 1891, 208 páginas. “É a
versão livre da recente obra A prática da educação cristã do Padre Antônio Monfat Marista, que me
autorizou não somente a traduzi-la, como também abrevia-la, para torna-la mais acessível a um maior
número de leitores” (páginas 5-6). Esta segunda edição traz também a segunda parte da obra original A
educação propriamente dita, Isto é, religiosa e moral.
provocou outras observações, especialmente a que convidava a ser unidos, caminhar
juntos, e que esta união influencie nos jovens por nós educados”71.
O conjunto geral, referido especificamente à educação colegial, inspira-se
claramente em uma visão cristã da vida. Contra o perigo da laicização, é claramente
afirmada a imprescindível exigência de que, na educação, seja dada “à fé o seu lugar
preponderante e soberano”: “de um jovem se faça antes de tudo um cristão”72; “o
primeiro dever é inspirar na fé toda a disciplina do colégio e submeter a ela, referir a ela
todo o ensinamento”73. Nesta sólida base se constroem as duas dimensões fundamentais
de uma formação humana integral, a formação do coração e da vontade e a formação
da mente, objetivo principal do ensino74
Primeiro movente desta formação é a disciplina, entendida como educação, isto é,
“instrução e direção dos costumes” e como conjunto dos meios para atuar uma e
outra75.
A ação educativa preventiva e construtiva é o encontro de duas condições positivas.
A primeira são os maravilhosos recursos que se encontram nas disposições naturais da
alma da criança, esta “alma nova e simples, aberta e confiante, tenra e plasmável”, que,
uma vez superados os obstáculos e tropeços da idade, continuará na vida começada: O
jovem, uma vez tomado o rumo de sua vida, mesmo adulto, dificilmente se afastará
dele76, repete o Autor, humanista cristão otimista que é. A segunda condição é a
autoridade do educador que se apresenta aos alunos com o prestígio de “pai, de
magistrado, de sacerdote”, e apela com inexaurível paciência à razão e ao coração.
“Autoridade” deriva de augere, que significa justamente “aumentar e proteger o que o
corpo já possui de vitalidade o corpo, a mente, a alma, a família, a sociedade, a
nação”77.
Ao exercício da autoridade Monfat atribui também uma decisiva função
metodológica, pondo-a antes mesmo da virtude e da ciência do educador, “com o
ascendente que domina sem constranger, e que faz a alma aceitar de coração o jugo da
submissão, um pouco de bom ensinamento e de bons exemplos, produzirá para as almas

71
J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800 entre real e ideal (1866-1889). Documentos e testemunhos. Roma, LAS
1992, páginas 254-255. É provável que não se recorresse só esta vez a um livro, que podia ser bastante
familiar.
72
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 8.
73
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 6. É o referencial da teologia da educação do Padre 76 A.
MONFAT, A prática da educação cristã...,(1879), páginas 68-69.Monfat, ilustrado nas duas fundamentais
“considerações” da primeira parte da obra: primeiro, A educação tem por finalidade formar a infância
segundo o evangelho. Grandeza da infância cristã (páginas 19-52); segundo, A educação tem como proposta
tornar reais as esperanças da Igreja no futuro dos meninos. Solicitude que a Igreja prodigaliza em favor deles
(páginas 53-67).
74
A. MONFAT, A prática da educação cristã...,(1879), páginas 7-23 (Consideração I ) e páginas 24-41
(Consideração II ).
75
A. MONFAT, A prática da educação cristã...,(1879), páginas 41-42.
76
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 68-79.
77
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 79-80, 83, 85.
que se deixarem penetrar, mais frutos do que uma grande ciência e uma grande
santidade, que não se impusessem à sua confiança e os encontrassem fechados”78.
Além das fontes religiosas da autoridade79, o Autor indica ao educador os meios
naturais aos quais deve recorrer. Ele os reduz a três: “fazer-se temer, fazer-se respeitar,
fazer-se amar”80, com atenção especial sobre o terceiro. Com efeito, o temor não deve
ser servil, mas filial, “reverencial e afetuoso”, “o resultado de um zelo permeado de
força e de doçura, com suavidade e fortaleza, em uma combinação feliz, na qual a
força fica mais oculta e se limita a fazer-se pressentir”, “pronta para sustentar a
doçura”81, o que não exclui, antes exige aquela reserva e aquela seriedade que
conciliam respeito, silêncio e atenção82.
A contrapartida, exatamente exemplar, retorna aos três deveres fundamentais dos
educadores para com seus alunos, tirados das Constituições da Sociedade de Maria:
amor, paciência, respeito83.
Domina, portanto, junto com o conceito de paternidade, o amor, “sincero,
desinteressado, e sobrenatural, pronto para o perdão e para a generosidade, cheio de
benevolência e de estímulo” 84. É amor preventivo, que empenha particularmente o
prefeito e o assistente: “do prefeito é ainda mais verdade dizer que deve amar por
primeiro e prevenir a cada momento. Ele tem a missão não somente de corrigir a
ignorância, mas também de impedir que o vício nasça e se difunda. Quanta solicitude
não se exige para prevenir tantos perigos! Quanta vigilância e delicadeza são
necessárias para fazer aceitar o afastamento das ocasiões perigosas! É necessário, em
suma, prevenir sem cessar no estudo, no recreio, no passeio, de dia e de noite. O grande
segredo é levar o aluno a obedecer livremente! Todo o êxito da educação está nesta
obediência livre que distingue os filhos (liberi) dos escravos85. Toda familiaridade que
redundar em prejuízo do prestígio da autoridade será evitada86.
Em secundo lugar virá a paciência. Justamente porque deverá dar conta do ardor e
da mobilidade juvenil, será ainda mais necessária no ponto crítico da repressão, nos
momentos do temor, da firmeza e dos castigos (não punições) dados como remédio87.
A repressão é o terceiro momento, o da emergência, da relação entre alunos e
educadores. Precedem-na os dois fatores mais autenticamente preventivos e

78
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 201
79
São a humildade, a oração, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o respeito aos próprios superiores:
Os verdadeiros princípios..., páginas 202-207.
80
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 203
81
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 207-209.
82
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 209 212.
83
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 292-350.
84
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 293; desenvolvimentos, páginas 293-310.
85
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 303-304. Prevenir como método, se enquadra em uma
visão mais ampla, até mesmo teológica em suas raízes, no Deus amou por primeiro (página 359; cfr. página
299, 301, 303); por isso, também ao dar ao garoto “a certeza de que é amado”, (página 305). Sobre a
“assídua vigilância”, de competência específica do prefeito, Monfat volta a tratar na Prática da educação
cristã.
86
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., página 329.
87
A. MONFAT, Os verdadeiros princípios..., páginas 320-330 (Deveres detalhados do respeito com os
alunos) e 338-341 (Reprimir com proveito).
construtivos: a disciplina interna ou da vontade, orientada para o amor do dever, em
especial mediante o apelo à razão e ao coração, bem como ao sentimento de honra88; e
a vigilância, “previdente, assídua, discreta, leal”89. “Todos os educadores sabem que é
incomparavelmente melhor prevenir o mal do que ter que combate-lo ou puni-lo”90.
Repressão, somente quando se demonstram momentaneamente insuficientes os dois
recursos mais nobres do dever e da honra, e a vigilância falha91. Para que a repressão
reste aberta ao prosseguimento da ação do educador, que é “pai”, Monfat dá as
seguintes normas para usá-la: “1. Não apelar para ela a não ser quando todos os meios
foram já tentados. 2. Saber escolher o momento oportuno. 3. Evitar tudo o que pudesse
demonstrar paixão. 4. Agir de tal modo que haja esperança do perdão”92; e explicita três
condições: o castigo deve ser justo, moderado e proporcional à falta e útil para corrigir
o infrator93.

88
A. MONFAT, A prática da educação cristã...(1879), páginas 58-138. Monfat lembra a prática da breve
conversa familiar do diretor com os alunos à noite, antes de dormir: é a “conferência noturna” da qual
escreve Dupanloup, e que Dom Bosco chamava de “boa noite” ou de “boa tarde” ( páginas 91-92)
89
A. MONFAT, A prática da educação cristã...(1879), páginas 138-155.
90
A. MONFAT, A prática da educação cristã...(1879), página 144.
91
A. MONFAT, A prática da educação cristã...(1879), páginas 156-193.
92
A. MONFAT, A prática da educação cristã...(1879), página 157; desenvolvimentos, páginas 157-173.
Sobre as influências destas páginas sobre a carta dobre os castigos, atribuída a Dom Bosco, escreveu J. M.
PRELLEZO, Dos castigos a serem dados nas Casas Salesianas.Uma carta circular atribuída a Dom Bosco,
RSS 5 (1986) 263-308.
93
A. MONFAT, A prática da educação cristã..., (1879), páginas 173-193.
CAPÍTULO 5

FIGURAS DO SISTEMA PREVENTIVO PRÓXIMAS A DOM BOSCO.

Dom Bosco não está sozinho na história do oitocentos. O sistema preventivo que
pratica, do qual fala, e finalmente sobre o qual escreve, se origina num contexto, no qual
semelhantes orientações são seguidas, codificadas e propostas também por outros. Trata-se
de educadores e de educadoras, muitas vezes próximos geograficamente, que em alguns
casos, influenciaram, ou poderiam ter influenciado nele, seja porque pôde ler alguns
escritos seus ou deles teve alguma notícia. Sobretudo são homens e instituições que
condividem com ele as ansiedades com relação à juventude em tempos novos e difíceis, e
empreendem tipos semelhantes de iniciativas em favor dela com mentalidades e linguagens
que revelam fortes convergências, em direção ao estilo educativo, que se pode
legitimamente definir preventivo.
Ter-se-ão ainda presentes instituições que, ainda que antigas, Dom Bosco as viu
operando no seu tempo, e com as quais teve contato. É o caso dos lassalistas e dos
barnabitas.

1. OS IRMÃOS CAVANIS

Nos primeiros decênios do século, trabalham em Veneza (de 1797 a 1866 pertencente ao Reino
Lombardo-Veneto, confiado aos Absburgos de Viena), dois irmãos sacerdotes da nobreza veneziana:
Antonio Ângelo (1772 – 1858) e Marco Antônio (1774 – 1853) Cavanis1 Eles dão vida a uma
Congregação Mariana (1802) que se desenvolve no “Oratório” e nas “Escolas de caridade”, para jovens
pobres e abondonados (a primeira em 1804), com um primeiro grupo em Possagno (Treviso) e em
Lendinara (Rovigo). Para garantir a sua continuidade, fundam a Congregação dos Clérigos Seculares de
Caridade, aprovada pelo patriarca de Veneza em 1919 e por Gregório XVI em 1836, erigida em 16 de
julho de 1838.As Escolas de Caridade oferecem instrução gratúita elementar e média, formação religiosa,
assistência de atividades de lazer, “prevenção” contra perigos físicos e morais. A paterna familiaridade
pode considerar-se um núcleo do método educativo caracterizado pela assídua vigilância, “contínua,
amorosa vigilância”, “amorosa disciplina”, em função da realização de uma síntese vital de vida educativa
e de valores religiosos e humanos. Ali se harmonizam algumas prescrições fundamentais das
“constituições” da sociedade religiosa, que atingem uma autêntica espiritualidade educativa.

O instituto “abraça com amor paterno crianças e adolescentes, educam


gratuitamente, defende-os do contágio do mundo, e não poupa sacrifícios e fadigas
para compensar por quanto possível, as danosas e quase universais deficiências da
educação domestica.” 2 “Os professores se propõem a desenvolver seu trabalho

1
Cfr. A.A. e M. A.A. CAVANIS, Epistolário e Memórias 1779-1853, aos cuidados de A. Servini, 5
volumes. Roma, Postulado Geral 1985-1988; F.S. ZANON, Os Servos de Deus P. Antonio Ângelo e P. Marco
Antonio Irmãos Condes Cavanis. História documentada de sua vida, 2 volumes. Veneza 1925; ID., Padres
educadores. A pedagogia dos Servos de Deus P. Antonio Ângelo e P. Marco Antonio Irmãos condes Cavanis.
Veneza 1950; V. Guiloni, As escolas livres dos Irmãos Cavanis, em Pedagogia e vida 1952 – 1953, 397-408;
G. DE ROSA, Os irmãos Cavanis e a Sociedade Religiosa Veneziana no clima da Restauração, em pesquisas
de história social e religiosa , número 4, julho – dezembro de 1973, 165-186.
2
Constituições da Congregação dos Sacerdotes Seculares. Art. 3. Veneza 1837.
entre as crianças, não tanto como mestres mas como pais; não ensinem nada que não
seja temperado com o sal da piedade; procurem impregná-los de costumes cristãos,
preservem-nos com paterna vigilância do contágio do mundo, sejam solícitos em
atraí-los com um grande amor através dos oratórios, das reuniões espirituais, dos
catecismos cotidianos, das escolas, e também de jogos inocentes”.3

O próprio Dom Bosco, muitas vezes, afirma ter utilizado as constituições dos
Cavanis ao redigir as da Sociedade Salesiana.

Na redação de cada um dos capítulos e artigos, em muitas coisas segui outras


sociedades já aprovadas pela Igreja, que têm a mesma finalidade. Por exemplo, as
regras do instituto Cavanis de Veneza; do Instituto de Caridade; dos Somaschi e dos
Oblatos de Maria. 4 E quanto ao constitutivo das regras consultei, no que foi
necessário, e às vezes segui os estatutos da obra Cavanis de Veneza, as
Constituições dos Rosminianos e os estatutos dos Oblatos de Maria, todas
corporações e sociedades religiosas aprovadas pela Santa Sé”.5

2. Ludovico Pavoni

3
Constituições ... , art. 94
4
Carta ao Vigário Capitular da Arquidiocese de Turim, 30 de março de 1863, Em I 562.
5
Coisas a serem consideradas sobre as constituições da Sociedade de São Francisco de Sales 1864,
Constituições SDB 229; cfr. F. MOTTO, Constituições da Sociedade de São Francisco de Salles. Fontes
literárias dos capítulos “finalidade, forma, voto de obediência, pobreza e castidade”, RSS 2 (1983) 342-343.
6
Cfr. Congregação dos Filhos de Maria Imaculada, Coleção oficial de documentos e memórias de arquivo.
Brescia, Obra Pavoniana 1947. Contém, entre outros, os seguintes documentos: Organização e Regulamentos
dos Jovens sob a proteção de São Luís Gonzaga erigida no Oratório de Santa Maria da Paixão e agregada à
Primeira Primaria do Colégio Romano; o Regulamento do Pio Instituto erigido em Brescia pelo cônego
Ludovico Pavoni para abrigo e educação dos Filhos Pobres e Abandonados. Brescia, tipografia do instituto
de São Barnabé 1831; as Regras dos Irmãos consagrados à educação dos Filhos órfãos e abandonados no
Pio Instituto erigido em São Barnabé de Brescia pelo cônego Ludovico Pavoni; as Regras fundamentais da
congregação religiosa e dos Filhos de Maria, erigida em Brescia no ano de 1847 com aprovação
eclesiástica. Brescia tipografia episcopal de São Barnabé 1847; Constituições da Congregação Religiosa dos
Filhos de Maria. Brescia tipografia episcopal 1847 (os textos serão citados pelo livrinho publicado fielmente
em 1970). Mais: Cartas inéditas do Servo de Deus Ludovico Pavoni, aos cuidados de P. Guerrini . Pavia,
Artigianelli 1921; Cartas do Servo de Deus P. Ludovico Pavoni, fundador da Congregação dos Filhos de
Maria Imaculada de Brescia. Brescia, Obra Pavoniana 1945; Ânsias e fadigas de um Fundador. O venerável
Ludovico Pavoni e o Instituto de São Barnabé em Brescia. Epistolário. Brescia, Obra Pavoniana 1956.
7
G. GAGGIA, Ludovico Pavoni no primeiro centenário da fundação do Instituto. Monza, Artigianelli 1921;
L. TRAVERSO, Ludovico Pavoni Fundador dos Filhos de Maria Imaculada ( 1784-1849 ) Apóstolo da
juventude pioneiro da educação profissional. Milão, Âncora 1948 ( terceira edição ); Idem Amor e trabalho
na obra pedagógica de Ludovico Pavoni, em “Orientamenti Pedagogici “ 4 (1957) 44-60; G. GARIONI
BERTOLOTTI, Para o mundo do trabalho. Venerável Ludovico Pavoni. Milão, Âncora 1963; R.
BERTOLDI, O Irmão coadjuntor segundo o venerável Ludovico Pavoni. Documentação para um perfil
apostólico do coadjuntor pavoniano. Pavia, Artigianelli 1966; G. BERTOLDI, A experiência apostólica de
Ludovico Pavoni. Tradate, Congregação dos Filhos de Maria Imaculada 1997, em particular O método
educativo Pavoniano (páginas 192-220).
Um grande significado para o desenvolvimento das obras e das idéias “
preventivas”, assumem a ação, as instituições e os escritos 6 do bresciano Ludovico Pavoni
(1784-1849)7 com analogias em vários níveis com aquela que será, várias décadas depois, a
experiência de Dom Bosco 8. De fato, com a “congregação festiva” o oratório e a formação
profissional artesanal, Pavoni antecipa de várias décadas as iniciativas de D.Bosco, com
notáveis repercussões e grande amplitude 9. D., Bosco poderia também ter tido em mãos
alguns regulamentos redigidos pelo educador bresciano. Sobre a tipografia de Pavoni
chamava a sua atenção, sugerindo-lhe uma iniciativa análoga, o próprio Rosmini em uma
carta de dezembro de 1853 10.
Ludovico Pavoni observa: “ A próvida Brescia não tinha desde então deixado
de erguer para a sua juventude, congregações e oratório, onde se pudesse receber a
educação cristã. Só uma classe de meninos restava, por sinal, a mais necessitada de tão
benéficas instituições mal ousava por os pés nas já fundadas uniões de jovens cultos e
civilizados”11.
Tinha início assim a congregação – Oratório São Luiz (1812). Em 1819, uma
vez assumido a reitoria da Igreja de S.Barnabé, ele criava ali um oratório. Depois, em
1821, um internato para jovens artesãos órfãos ou abandonados12. Em 1840 abria
perto dele uma secção de garotos surdo-mudos. Enfim, em 1843, para garantir as
diversas iniciativas educativas, reunia na Congregação dos Filhos de Maria Imaculada
os colaboradores sacerdotes e leigos (Coadjutores Mestres de Arte), encorajada com o
decretum laudis em 1843 e aprovada canonicamente em 1847.
O novo Instituto religioso tinha como finalidade prover “à educação daquela
ínfima classe, que se não for cuidada, gera a plebe iníqua que será sempre uma
verdadeira calamidade tanto política quanto moral”, isto é, daqueles “meninos
pobres”, os quais “se vêm obrigados, por força de sua condição, a abandonar a escola
e a cuidadosa vigilância de sábios educadores para dedicar-se às artes”13.
O Internato em particular devia ser “Escola de bom costume para a
inexperiente juventude abandonada”, “para torná-la útil à Igreja e à Sociedade”14. A
“Sagrada Família de Religiosos” educadores pretendia ocupar-se “incansavelmente

8
No decreto da Congregação dos Ritos sobre a heroicidade das virtudes de Ludovico Pavoni, em 5 de junho
de 1947, está escrito: O Servo de Deus pode ser considerado, com razão, precursor daquelas estupendas
obras que São João Bosco desenvolveu tão amplamente alguns anos depois. AAS 39(1947) 642.
9
Cfr. Ludovico Pavoni e seu tempo. Atas do congresso de estudos, Brescia, 30 de março de 1985. Milão,
Ancora, 1986, 307pgs. Sobre o “D. Bosco bresciano” escreve F. MOLINARI, rigor crítico e a agiografia: o
venerável Ludovico Pavoni (pgs. 13-28); da instituição educativa de base, R. CANTÙ, o instituto de S.
Bernabé fundado em Brescia em 1821 pelo venerável Ludovico Pavoni (pg 125-174).

10
Cfr. Epistolário completo de A. Rosmini Serbati, vol.12. pg. 140; D.Bosco responde na ata de 29 de 1853
Em I, 211.
11
Organização e regulamento..., em coleção ..., pg..9.
12
No prospecto das Artes e dos Trabalhos atualmente em voga no Pio Instituto m proveito da educação dos
jovens internos, apêndice ao Regulamento do Pio Instituto em Coleção ..., pg. 57-58, vêm elencadas as
seguintes qualificações: a arte tipográfica e de calcografia, a encadernação de livros, a papelaria, os artesão de
prata, o ferreiro, o carpinteiro, o torneiro de metal e de madeira, o alfaiate.
13
Regulamento do Pio Instituto..., em Coleção..., pg.40.
14
Regras dos Irmãos consagrados... em Coleção..., pg. 61.
ao bem estar da juventude abandonada, trabalhando com afinco para educá-la
cristãmente na religião e nas artes”15 . É repetidamente acentuada a integralidade do
fim, pessoal e social, temporal e eterno, para jovens que necessitam de tudo: “Educar
na religião e nas artes aqueles pobre órfãos ou filhos abandonados que, crescendo na
miséria e na libertinagem, se tornam o opróbrio do cristianismo e o lixo da
sociedade”. Finalidade da atividade do instituto é portanto, “influenciar o máximo
que pudermos na reforma deste depravado século, restituindo à Igreja ótimos
cristãos, e ao Estado bons artistas e súditos virtuosos e fiéis” 16. A fórmula “bom
cristão e honesto cidadão” (“súdito” em regime de absolutismo) era muito atual no
contexto social e político do império dos absburgos, no qual trabalhava Pavoni.

“Seja glória para vocês o sacrifício e talentos e trabalhos, para restituir


à Igreja, à Pátria, ao Estado filhos dóceis, súditos fiéis e cidadãos úteis”17
O Reitor “será todo mente e coração no cuidado para que os jovens
internos sejam bem instruídos e solidamente educados na Religião e na
civilidade, a fim de que se tornem ótimos cristãos, bons pais de família, súditos
fiéis, preciosos para a religião e úteis à sociedade”18

Para “o êxito feliz da educação religiosa e civil” dos jovens, são adotados os
métodos e os meios próprios da pedagogia preventiva: religião e razão, amor e doçura,
vigilância e assistência dentro de uma estrutura familiar, empenhada em intenso
compromisso de trabalho.
À estrutura deve adaptar-se o estilo de vida e de ação de cada educador,
segundo as responsabilidades de cada um: o prefeito da congregação, o inspetor dos
cantores, o regulador, os mestres de arte.
O prefeito da congregação dos jovens é convidado a lembrar que “o zelo não
deve, de modo nenhum, alterar o exercício da humildade, caridade e doçura, que
devem ser suas virtudes especiais. Havendo, por isso, necessidade de admoestar algum
jovem sobre um defeito qualquer, isto seja feito de modo amável e suave; se for
preciso uma intervenção mais dura, o Diretor deve ser avisado antes”19
Para os cantores, jovens de elite, o seu inspetor terá sempre presente que
cumpre um “dever de grande cautela, vigilância e delicadeza”; será “portanto sua
primeira preocupação, convence-los com a persuasão e com a doçura ao exato

15
Regras dos Irmãos consagrados... em Coleção..., pg. 62. É impressionante a incistencia na fórmula:
“religiosos irmãos incansavelmente no bem estar da pobre juventude abandonada”; “procurar a própria
perfeição, e cansar-se destemidamente nas salvação do próximo” (Regras Fundamentais ..., em Coleção
pp.63-64).
16
Regras Fundamentais ..., em Coleção... pg.64.
17
Regulamento do Pio Instituto..., em Coleção..., pg.43
18
Constituições da Congregação religiosa dos Filhos de Maria. Brescia, tipografia episcopal 1847, parte VII,
cap.V, art.224, pg.88.
19
Organização e Regulamento..., em Coleção..., pg.19.
cumprimento de seus deveres, usando para tal fim, o meio mais eficaz, que é o bom
exemplo”20
O regulador é o educador que Dom Bosco chama de conselheiro,
constantemente presente entre os jovens. Por isso, “o primeiro dever do Regulador é
de vigiar incansavelmente tanto no Oratório como fora os jovens a ele confiados,
procurando manter relação com seus respectivos pais, ou patrões afim de informa-los
sobre sua freqüência, de suas faltas, e informar-se de sua conduta. Devem docilmente
anima-los à freqüência dos sacramentos. Corrigi-los-ão amavelmente de seus defeitos
e procuraram instilar em seus corações, com palavras e com o exemplo, o amor à
piedade,e a fuga do vicio”21.
Particularmente ricas de motivações pedagógicas são as “regras” dos Mestres
de Arte, em grande parte espalhadas no texto das Constituições. Eles “devem cuidar
para que os jovens a eles confiados cumpram com assiduidade as próprias obrigações,
e assisti-los com caridade, para que cresçam no conhecimento da arte que estão
praticando, conforme seu talento e sua capacidade”22. Uma súmula pedagógica é
oferecida a eles pelas Constituições, no capítulo a eles reservado 23. Dom Bosco teria
podido assumi-las sem a mínima reserva.

“257. Guardarão os jovens a eles confiados como a um deposito precioso


e santo, e os amaram como a pupila do próprio olho. Usaram com eles
tratamento civilizado e respeitoso; Não desprezarão a nenhum deles, nem com
os modos, nem com as palavras; far-se-ão salutarmente temer e
respeitosamente amar.
258. Torná-los-ão amigos do trabalho e os habituarão a trabalhar mais
por amor que por temor. Não deverão ceder nunca às suas impensadas
pretensões, nem deixarão crescer neles seus caprichos. Não exijam demais, mas
não se mostrem fracos.
259. Estudarão bem o caráter e a força de seus alunos para conduzi-los
numa boa direção; nem todos querem ser guiados do mesmo modo; não devem
pretender de todos igualmente, mas segundo as suas capacidades e os dons que
receberam de Deus.
260. Deverão tratar os seus alunos com muita educação e doçura,
procuram instilar neles docilidade, respeito e confiança nos Superiores, não os
deixaram nunca sozinhos nas salas e nas oficinas; se por acaso precisarem se
ausentar por qualquer motivo, deve haver sempre alguém que fique com eles;
não devem permitir grupinhos e conversas secretas, principalmente em
externos e internos; ai daqueles Mestres que descuidassem disso!”24

20
Organização e Regulamento..., em Coleção...,pg.21.
21
Regulamento do Pio Instituto...,em Coleção...,pp.2-23.
22
Regulamento do Pio Instituto...,em Coleção...,pg.45.
23
Constituições...,parte VII, capítulo VIII, pp. 96-98.
24
Constituições...,parte VII, capítulo VIII, pp. 96-97.
A vigilância é o objeto de numerosas prescrições, particularmente para os prefeitos de
vigilância25.
O vice-reitor “não andara junto com os internos com muita boa fé, mas
procederá com muita sagacidade e refinada prudência. As recreações irão
exigir dele especial atenção: não deverá nunca deixar os filhos sem a sua
presença, deixando porém a eles certa liberdade, na qual mas facilmente se
mostram o que são de verdade; assim poderá sorrateiramente descobrir seu
caráter e suas inclinações, e conseguir um modo fácil de dobra-los e maneja-los
com seguro sucesso. Veja tudo, despiste e corrija prudentemente; castigue
pouco, mas os castigos sejam salutares e eficazes. Vá bem devagar nas punições
daqueles defeitos que são próprios da vivacidade juvenil, da leviandade ou
inconstância; mas seja inexorável em punir aqueles que são frutos de má
vontade e são mantidos pela obstinação do coração”26.

O Diretor Espiritual “nas instruções procurará apresentar sempre os deveres


de Religião como um jugo suave, e um peso leve, que, uma vez experimentado se
torna fácil e consolador”27. Nos internatos “ se deverá ter cuidado especial em formar
bem o coração o coração dos jovens, em instruí-los retamente segundo a fé e a religião,
e em incutir neles aquela piedade verdadeira que honra a Deus, santifica as almas,
edifica o próximo, faz feliz as famílias; em uma piedade, sólida, robusta, desenvolta,
bem entendida, que visa à exata observância dos próprios deveres”28. É o primeiro
foco daquela elipse educativa que prevê no outro a possibilidade de “torna-los
industriosos e capazes de ganhar o sustento próprio para viver honestamente na
sociedade”29.
Razão e amor inspiram também o Método de correção: “Antes de recorrer ao
sistema da severidade, com o qual os jovens são induzidos a fazer as cisas mais por
temor e hipocrisia do que por amor, é melhor usar o método da emulação e da honra,
com o qual, se não houver abuso, se consegue tudo do coração sensível da
juventude"30.

3. Marcelino Champagnat (1789-1840) e os Irmãos Maristas

Marcelino Champagnat, sacerdote em 1816, fundou, em 1817, em La Valla


(Loire, França), a Sociedade religiosa dos Pequenos Irmãos de Maria ou Irmãos

25
Organização e Regulamento...,em Coleção...,pp.45-46.
26
Constituições...,parte VII, capítulo VI, artigos 238 e 242, pp.91-92.
27
Constituições...,parte VII, capítulo VII, artigo 245, pp.93-94.
28
Constituições...,parte V, capítulo I, artigo 123, p.62.
29
Constituições...,parte V, capítulo I, artigo 124, p.62.
30
Regulamento do Pio Instituto...,em Coleção...,p. 54.
Maristas, reconhecida canonicamente em 1824, aprovada pela Santa Sé em 186331. Ele
é uma das figuras mais representativas da ação de recuperação e prevenção positiva,
promovida na França por dezenas de Congregações docentes, sobretudo na escola
primária32. O objetivo comum foi, com efeito, “assegurar o futuro nas jovens
gerações, principais vítimas da França revolucionária, e imunizá-la contra o espírito
desagregador do século XVIII, dando às crianças uma educação claramente religiosa”
. “As crianças são o viveiro da Igreja; graças a eles ela se renova, conservando a fé e a
piedade”34.
O fim da nova Sociedade, nascida em ambiente rural, é definido nesta
promessa: “ Nós nos empenhamos a instruir gratuitamente todas as crianças
indigentes que nos for apresentada pelo pároco, e a ensinar a eles e a todos os outros
meninos que nos forem confiados, o catecismo, a oração, a leitura, a escrita e as outras
partes do ensino primário, segundo as necessidades” 35.
O primado é dado à educação cristã e ao catecismo que, porém, abrangerá em
síntese, a formação humana e cultural nos seus vários elementos. A primeira
impostação didática se inspira largamente no método dos Irmãos das Escolas Cristãs e
das “pequenas escolas”; na catequese se notam as influências do método de São
Sulpício. Mas a orientação pedagógica em seu conjunto, acabará por adquirir
características próprias, que a inserem no âmago da pedagogia cristã preventiva do
século XIX: a busca da “salvação das almas” como fim último; a instrução religiosa
como meio para tirar do vício e formar o coração, a consciência, a vontade; a devoção
Mariana: os irmãos se propõem como exemplo a Virgem Maria que educa e serve o
Menino Jesus; o método do amor também na disciplina, cuja finalidade “não é frear
os alunos com a força e com o temor dos castigos, mas preservá-los do mal, corrigi-los
de seus defeitos e formar-lhes a vontade”; os educadores são pais e não patrões; o
espírito de família, com “sentimentos de respeito, de amor, de confiança recíproca e
não de temor” 36.

“Com a sua terna caridade para com os alunos, com a paciência em


suportar suas faltas, com o zelo em formar neles a virtude e conhecimentos
úteis, com a vigilância solícita em afastar deles tudo o que pode prejudicá-los,
31
Além das indicações fortemente “pedagógicas” contidas nas Constituições, nos Regulamentos e nas
Circulares, é de fundamental importância o conteúdo de três documentos específicos: Guias das Escolas
conforme o uso dos pequenos Irmãos de Maria, redigido conforme as instruções do Venerável Champagnat
(1853); Avisos, lições,sentenças e instruções do Venerável Champagnat explicadas e desenvolvidas por um de
seus primeiros discípulos(1869); O bom Superior ou as qualidades de um bom Irmão Diretor conforme o
espírito do Venerável Champagnat, Fundador do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria (1869). Indicações
bibliográficas sobre Marcelino Champagnat e os Pequenos Irmãos de Maria podem ser encontradas no
trabalho de P. ZIND, As novas Congregações dos Irmãos docentes na França de 1800 a 1830 (três volumes,
Saint-Genis-Lavalle, Montet 69, 1969), volume II Fontes,Bibliografia, Cronologia, Índice, pp. 591-597(há
uma lista de várias monografias de assunto pedagógico e catequético).
32
Sobre o significado pedagógico originário da ação de Marcelino Champagnat e dos Irmãos Maristas, cfr. P.
ZIND, obra já citada acima, volume I, páginas 121-128, 200-222, 312-327, 384-390.
34
Avisos,lições,sentenças e instruções do Venerável Padre Champagnat. Lyon, Vitte 1914, pg. 19.
35
Citação do P. ZIND, o.c. vol I, p. 201.
36
Cfr. P. BRAIDO, Marcelino Champagnat e a perene restauração pedagógica cristã, em Orientamenti
Pedagogici 2 (1955) 721-735.
com a incessante consagração aos seus interesses materiais e temporais, o
Irmão é um perfeito modelo para pais e mães, é uma permanente lição que lhes
mostra aquilo que devem fazer e ser para educar cristãmente os filhos” 37.
“Ele faz o bem a todos: aos meninos que educa e melhora mediante a
instrução, instrução cristã, às famílias que supre, às paróquias que edifica,
conserva e torna melhores, ao País inteiro, para quem prepara cidadãos
virtuosos, à Igreja, ajudando os pastores a instruir a parte mais interessante de
sua grei, formando incansavelmente para ela novas gerações de cristãos
instruídos, convictos e fiéis. Ele se consagra inteiramente ao serviço da religião,
ao serviço da pátria, e dá energias e vida para promover a glória de Deus e a
santificação do próximo” 38.

Inspiradas em singular sabedoria são as lembranças dadas ao diretor da


comunidade dos religiosos educadores, sem dúvida próximas das características do
governo “eficazmente doce” proposto pelo P. Binet39. “Qualidades” amplamente
ilustradas são: critério e racionalidade, piedade, observância, santidade ou sólida
virtude, boa índole, caridade, humildade, doçura, firmeza e constância, vigilância,
habilidade em corrigir40.
Não menos lúcida e orgânica é a proposta pedagógica feita aos Irmãos nas suas
“lições” e “instruções”, partindo do conceito, dos fins e da necessidade da educação: a
catequese, o respeito ao menino, a disciplina, a personalidade do professor-educador.
É uma visão sistemática que não tem nada a invejar da experiência vivida e refletida
por Dom Bosco educador41.
A educação deve atingir todas as dimensões da vida do aluno: iluminar a
inteligência, também através da correção dos desvios e dos preconceitos; plasmar o
coração; formar a consciência; criar o hábito da piedade; suscitar amor à religião e à
virtude, formar a i vontade, o juízo, o caráter, inspirar amor ao trabalho; fornecer os
conhecimentos necessários; conservar e desenvolver as forças físicas; dar ao garoto os
meios de desenvolver seu ser42.
Segundo os cânones da pedagogia corrente, se insiste na necessidade e
decisividade da educação para a vida. Método, brevidade, clareza, são recomendados
particularmente para o ensino do catecismo43.
Sugestivas são as páginas dedicadas à celebração do menino, ser de ilimitadas
possibilidades e de profundas esperança, digno do mais delicado e religioso respeito
“Obra prima das mãos divinas”, “rei do universo”, “filho de Deus”, “nosso irmão” 44

37
Avisos, lições, sentenças..., pg. 26.
38
Avisos, lições, sentenças..., pg. 28.
39
Cfr. E. BINET, Qual é o melhor governo..., citado já no capítulo 3, parágrafo 3.
40
Cfr. O bom Superior ou as qualidades de um bom Irmão diretor conforme o espírito do Venerável P.
Champagnat..., Lyon, J. Nicolle 1869.
41
A esta sistematização são dedicados os últimos capítulos, 35-41, da obra Avis,, leçons..., pp. 399-495.
42
Avisos, lições, sentenças...,pp.399-411.
43
Avisos, lições, sentenças...,pp.412-432.
44
Avisos, lições, sentenças...,pp:433-445
Conceitos genuinamente preventivos seguem nos dois capítulos dedicados à
disciplina, preventiva e formativa, baseada na autoridade paterna e moral; e à
vigilância,”contínua, ativa, universal”45
Daí segue um altíssimo conceito do professor – educador. O seu dever é “um
ensinamento, uma paternidade, um apostolado”, como escreverá mais tarde também
Dupanloup. ”O magistrado civil julga e condena, puni, muitas vezes, sem corrigir”; O
professor-educador previne, ensina, corrige: “é um pai, livre e desinteressado”,
participante de algum modo da paternidade espiritual divina; “é um apóstolo, quase
sacerdote”, oni presente na vida do menino, que se sente “tocado no íntimo do espírito
e do coração: a repreensão ou o louvor, a vergonha ou a honra, o prazer de aprender,
o trabalho, o êxito positivo”46.

4. Teresa Eustoquio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração

É também importante a contribuição teórica de uma mulher de aguda


inteligência, a nobre bergamasca Teresa Eustóquio Verzeri, que, em 1831, dá início à
Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, consagrada à instrução e à
educação das meninas de todas as classes sociais, aprovada canonicamente em 1847.
Ela deixou uma bela série de escritos, frutos da respeitável formação cultural recebida
em família, nos anos em que permaneceu no convento ( aos 16 anos, depois, de 1821 a
1823, e de 1828 a 1831), e graças a intensas leituras pessoais. Nela é sensível a
influência de Santo Inácio de Loyola, de Santa Teresa de Ávila e de São Francisco de
Sales. Além disso, Teresa Verzeri conhece o clássico livro de Estêvão Binet, Qual é o
melhor governo: o rigoroso ou o suave?47.
Fundamental para a compreensão de suas orientações espirituais e
educativas, é a vasta obra em cinco partes Sobre os deveres das Filhas do Sagrado
Coração e sobre o espírito da sua instrução religiosa; e particularmente o capítulo
Cuidado das meninas e o modo de educá-las48. Da sua experiência foram, com justiça,
postas em evidência, a refinada espiritualidade pedagógica e a explícita impostação
“preventiva” 49. Duas afirmações capitais definem o seu significado, ao mesmo tempo
protetor, dispositivo e construtivo.

45
Avisos, lições, sentenças...,pp:446-469.
46
Avisos, lições, sentenças...pp:470-495
47
Cfr. T. E. VERZERI, Sobre os deveres das Filhas do Sagrado Coração e sobre o espírito de sua instrução
religiosa. Brescia, tipografia episcopal do Pio Instituto 1844, volume I, pp. 412-414, 433.
48
Brescia, Tipografia Episcopal do Pio Instituto 1844[2 volumes], volume I, parte IV, capítulo VI, pp. 410-
444. Ricas de conteúdos espirituais e pedagógicos são também as Cartas, 7 volumes. Brescia, Tipografia do
Instituto Pavoni, 1874-1878.
49
Sobre Teresa Verzeri é sempre fundamental a Vida da Serva de Deus Teresa Eustóquio Verzeri, Fundadora
e SuperioraGeral das Filhas do Sagrado Coração do Doutor JacintoArcangeli, 2 volumes, Tipografia do
Instituto Pavoni, Brescia 1881( em 1846 foi reeditada a Segunda edição, que tinha sido revista e corrigida
pelo autor); Anais das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, 6 volumes, Tipografia Artigianelli de São José,
Roma, 1899; No primeiro centenário do nascimento da Venerável Teresa Verzeri. Bergamo,Instituto Italiano
“Cultivem e preservem muito e com muito cuidado a mente e o coração
de suas jovens, enquanto são ainda inocentes, para impedir, enquanto for
possível, que o mal entre nelas, visto que é melhor preservá-las com a
admoestação do que livrá-las depois com a correção. Afastem as meninas de
tudo aquilo que pudesse corromper-lhes, por pouco que fosse, a mente, o
coração e seus bons costumes. Cuidem disso com alegria e com eficácia,
usando, porém uma sábia prudência, porque é delicado, sobretudo em se
tratando de jovens para as quais o conhecimento do mal poderia induzi-las a
facilmente praticá-lo. A reserva e a circunspecção seja extrema neste assunto.
E não devem nunca ter medo de ser ultrapassada”50

Ao redor destes princípios de método se condensam significativas


características do “sistema”. O primado é da dimensão religiosa. “na guia e no cultivo
das jovens, usem de extrema discreção. Mantenham firme o objetivo de educá-las na
virtude e de conduzi-las a Deus: e na escolha dos meios para conseguir isto, adaptem-
se ao temperamento, à índole, às inclinações e às circunstâncias de cada uma.
Algumas precisarão de um tratamento mais severo; outras, de mais delicadeza; esta,
de mais rigidez; aquela, de mais doçura e atenção; algumas precisarão de maiores
confidências”51. “Inspirem em suas jovens o santo temor de Deus e uma confiança
filial nele. Se suas jovens tiverem temor de Deus, temerão também o pecado, que se
opõe à santidade de Deus”52. “Surgiram a elas poucas praticas de piedade, mas muito
solidas. Façam nascer no coração de suas jovens uma vigorosa devoção ao Satissimo
Sacramento e tornem-nas amantes e confidentes de Maria Santíssima”53.
Tudo deve ser inspirado com grande discrição e racionalidade, “para não
pretender conduzir os outros nos caminhos que vocês fazem”: “não pretendam muito
de suas jovens nem queiram frutos imaturos. Precisa manter firme o propósito de
ouvir os apelos da graça, jamais preveni-la; e como o Senhor e doce e reto, assim vocês
devem ser dulcíssimas no exigir e no convidar, e corretíssimas no governar e no
manter firmeza”.54

de Artes Gráficas 1901; L. DENTELLA, O conde Cônego José Benaglio e um século de história bergamasca,
Bergamo, Secomandi 1930; Uma mulher forte. A bem-aventurada Teresa E. Verzeri, Fundadora das Filhas
do Sagrado Coração de Jesus deBérgamo, por uma religiosa do Instituto. Bergamo, Instituto das Filhas do
Sagrado Coração 1946; C. BOCCAZZI, A espiritualidade da Bem-aventurada Teresa E. Verzeri. Cremona,
Pizzorni 1947; E. VALENTINI, O sistema preventivo da Bem-aventurada Verzeri, em Salesianum 14(1952)
248-316; A. SABA, Uma pedagogia do 800: Teresa Verzeri, dissertação de láurea apresentada no Instituto
Universitário Pareggiato de Magistério Nossa Senhora da Assunção, Roma, ano acadêmico de 1954-1955; R.
SANI, Indicações espirituais e propostas educativas dos novos institutos religiosos do 800 na região
lombarda, em Igreja, educação e sociedade na Lombardia do primeiro 800, obra de R. SANI. Milão, Vida e
Pensamento 1996, pp. 77-137.
50
T.E. VERZERI, Dos deveres..., volume I, p. 434. Grifo nosso.
51
T.E.. VERZERI, Dos deveres... volume I, p. 416.
52
T.E. VERZERI, Dos deveres... volume I, p. 436.
53
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 423.
54
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, PP. 418-419.
É afirmada a prioridade metodológica do amor, tanto nas relações humanas quanto
na formação moral e religiosa. “Em tudo usem doçura, benignidade, vigilância, discrição,
zelo”.55 “Não apresentem a elas a renuncia triste e amarga como pode parecer, mas racional
temperada com a suavidade e com a graça, e suavizada pela mão do Senhor56; “sejam
benignas e suaves, e com a doçura e com o sofrimento obterão mil vezes mais do que com a
severidade e com o terror”57; “e mostrem que as amam com ternura para conquistar-lhes o
amor e assim e ter crédito e força sobre o animo delas e poder assim persuadi-las a
melhorar sua conduta”58.
É também viva a solicitude em preservar do ossio e proteger contra os perigos.
“Afastem suas jovens do ossio e as tornem amantes do trabalho. As meninas internas
devem ser preservadas e instruídas sobre o futuro que as espera, mas com extrema
delicadeza e prudencia”59.
É muito atenta a consideração das características da idade juvenil. “Não liguem
muito para minúcias: certos defeitinhos provenientes do ardor da juventude, da pouca
experiência e pouco discernimento, e de temperamento vivo e de presença de espírito, não
precisam ser tomados em conta: deixem que a natureza se manifeste e mostre suas
tendências, e isto será para o melhor”60
Por isso toma um lugar decisivo a assistência, voltada para a promoção ativa nas
jovens do conhecimento e do domínio de si mesma e com equilíbrio e sabedoria. “Não
fiquem inventando pecados, que já existem muitos. Antes procurem diminuir o número
deles formando boa consciência, mente reta e coração puro em suas jovens”61. “Não
permitam cançõezinhas, apresentações, bailes, leituras ou coisa semelhantes que possam ser
de escândalo à virtude de suas alunas. Nas apresentações que se concedem no carnaval ou
outros divertimento semelhantes, tenham em mira instruir as jovens enquanto as descansa:
tudo devendo servir para forma-las na virtude e cultiva-62las para Deus”.
É também promovido um correto desenvolvimento físico, condição de uma sã
liberdade espiritual. “As jovens em seu divertimento precisão desabafar. Deixem que elas
mesmas escolham o próprio brinquedo. Uma recreação livre, a par de desenvolve-las no
físico, as dispõe para aceitar com boa vontade e com maior fruto as instruções que se dão
ao seu espirito e as sugestões que são postas em seu coração. Não tenham escrúpulos em
deixa-las dançar este descanso e muito querido pelas jovens, é e muito bom para a saúde e
para o desenvolvimento físico”63. “Sempre nos limites da autoridade e da obediência deve-
se deixar às jovens uma santa liberdade, para que saibam que o julgo do Senhor e suave e
seus servos são livres”; do contrário “com os vossos modos formam suas jovens outras
escravas que usaram da violência, e não filhas de Deus que caminham por amor64

5. O sistema preventivo na “escola da infância”


55
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 421.
56
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 422.
57
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 437.
58
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 426.
59
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, PP. 424-425.
60
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 423.; cfr. pp. 429-430 (e pp. 438-439 sobre o valor também
diagnostico da recreação).
61
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 429; cfr pp. 426-431.
62
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 435.
63
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P. 437.
64
T.E VERZERI, Dos Deveres... volume I, P”P. 413-414.
Ferrante Aporti (1791- 1858) não só concebe a educação como prevenção, mas adota o
mesmo sistema preventivo na educação. “A habilidade do educador-declara ele- não está
tanto no punir prudentemente os erros dos meninos, mas no saber preveni-los. Não se pode
comparar o mérito de quem sabe unicamente remediar o mal, com o mérito de quem sabe
preveni-lo” 65. Angiolo Gambaro comenta: “Em poucas palavras, Aporti destaca a grande
superioridade do método preventivo sobre o repressivo, admitida por todos os educadores e
pedagogistas que, solícitos em pôr o amor como fundamento da educação, preocupam-se
em criar ao redor do garoto, um ambiente de serenidade, de bondade, de persuasão que o
oriente naturalmente ao bem, evitando tudo aquilo que afaste ou ofenda as almas, ou as faça
rebeldes e as avilte. O desenvolvimento prático do método preventivo revelou uma eficácia
maravilhosa na praxe educativa de São João Bosco” 66.
É possível, de fato, encontrar na metodologia educativa e didática de Aporti os
caracteres essenciais de um acabado sistema preventivo. Efetivamente, “é melhor, sempre
que possível, conservar a saúde do que ficar doente para depois se curar: a doença curada
deixa sempre caminho aberto para outras doenças” 67. Aparecem os conhecidos elementos
constitutivos: a assistência, a afeição, a caridade, a amorevolezza, a racionalidade, a alegria,
o canto, a recreação, o movimento. Para o sucesso da própria educação intelectual era
necessário o recurso a fatores fortemente afetivos. Era a primeira entre muitas normas
dedicadas à ação didática. “Conquistar acima de tudo a afeição e a confiança dos meninos.
Está fora de dúvida que se obtém com maior segurança qualquer resultado, usando-se o
caminho da benevolência; e assim, o professor, conquistando o afeto de seus alunos,
conseguirá que eles, com todo esforço, procurarão agradar-lhe com a atenção e com o bom
procedimento, e, além disso, não sentirão tédio nem aversão, mas prazer e sabor em
aprender. Fique atento, porém, para não confundir a doçura, a amorevolezza e a afabilidade
com as quais os meninos devem ser tratados, com a familiaridade, que desgastaria a
autoridade. Ele deve ser pai benévolo, amável, mas graciosamente manter sempre sua
autoridade” 68. Em outra passagem tinha acrescentado “forte persuasão e afeto” 69, “a
amorevolezza” e o “comportamento racional” 70.
As Lições de metódica turinesas são ricas de referências à afetividade.

“Os princípios geradores do bom método são dois: primeiro, a consideração


sobre a índole dos meninos, sobre o caráter e o desenvolvimento e suas faculdades;
segundo, a experiência própria e de outros, deduzida da aplicação de regras pré-
estabelecidas. Entre as máximas derivadas da consideração sobre a índole dos
meninos e da experiência, deve-se colocar em primeiro lugar a importância de
conquistar seu afeto. Consideramos que o meio que mais ajuda a conquistar a

65
Elementos de pedagogia, em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, p. 114.
66
Elementos de pedagogia, em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, pp. 413-414.
67
Carta a C. Bon Compagni, de 30 de junho de 1838, em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e gli
asili...,volume II, p. 397.
68
Elementos de pedagogia, em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, pp. 440-441. O grifo é nosso.
69
Lições de Metódica no curso ministrado em Turim, em 1844, em F. APORTI,Escritos pedagógicos...,
volume II, p. 442. Conforme Don Lemoyne, D. Bosco, a pedido do arcebispo, teria estado presente nas aulas
de Aporti (MB II, 212-214): os juízos sobre o pedagogista, atribuídos a Dom Bosco pelo salesiano Dom
Cerruti, parecem completamente injustos e sem fundamento.
70
Manual de educação e de ensino, em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume I, p. 36.
benevolência, é a benevolência. O desprezo gera o desprezo. A gente ama quem
trata a gente com amor e não quem despreza a gente. Os meninos se afeiçoam a
quem? A quem os acolhe, demonstra que os ama e lhes faz o bem. Jesus Cristo é
exemplo para todos nós. Antes de serem iluminados pelo Espírito Santo, seus
apóstolos queriam afastar dele as crianças. Ele não deixou e acolheu as crianças com
todo carinho. Ora, sabendo que os meninos amam a quem os ama, o professor deve
esforçar-se por conquistar-lhes a benevolência e mostrar-lhes em qualquer ocasião,
preocupação pelo seu bem moral e material. Assim acontecerá que, reconhecidos do
afeto, para agradar ao mestre, se comportarão bem na conduta e nos estudos. Isto
não acontecia, quando se substituíam os meios humanitários, conciliadores e
benévolos, por castigos severos e o uso da vara, que os humilhava e aviltava, sem
corrigi-los. Recomendando aos mestres para obterem com bons modos a confiança e
o amor dos seus discípulos, lembra-lhes também que não devem exagerar de tal
modo, que o afeto e a confiança degenerem em familiaridade. O professor deve
acolher cada aluno com benevolência, mas não deve brincar com ele nem igualar-se
a eles, nem proceder de tal modo que os alunos lhe percam o respeito, e ele, a
autoridade sobre eles” 71.

É um modo novo e ser educador. “E os professores desta idade tão tenra, quais
deveriam ser? Diremos a quem quer assumir este delicado e importantíssimo cargo, que se
revistam de sentimentos muito paternos pra com seus alunos. Se não fizer assim, ou não é
capaz, ou não conseguirá nunca educá-los racionalmente, porque, para ter êxito neste nobre
empreendimento, ocorre ter uma paciência de pai, convém voltar a ser menino, para se
colocar à altura de sua inteligência, ministrar as lições com alegria e vivacidade, responder
com bondade a todas as suas perguntas, acaricia-los de vez em quando, para tornar-lhes
leve a fadiga do trabalho, numa palavra, viver co eles como sábio amigo, conselheiro e
diretor, amá-los como se fossem seus filhos” 72.
O motivo do amor é considerado a tal ponto essencial, que Aporti insiste nele até
quando ilustra a didática da aritmética.

“Além disso tudo, o que mais importa é que o professor faça de tudo para
tornar o ensino da aritmética voltado para a educação do coração. Quando um
professor se contenta em fornecer conhecimento e a desenvolver as faculdades
intelectuais do aluno, se pode até admirar a ordem e a vida que ele soube comunicar
no seu trabalho, mas eu não estaria contente com ele. Pelo contrário, ficaria sentido
se encontrasse tão somente um mestre de língua ou de cálculo, quando eu, a
sociedade e a religião pretendíamos, e tínhamos direito de pretender um educador
que, iluminando as mentes, esquente os corações, e que, instruindo, torne melhores
seus alunos” 73.

71
Lições de metódica..., em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, pp. 440-441. Grifo nosso.
72
Elementos de pedagogia...., em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, pp. 50-51. O temor, “o
rigor, a falta de amorevolezza” são, para Aporti, “as causas que seriam suficientes para destruir nos meninos o
desejo de freqüentar a escola” (Lições de metódica..., em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, p.
442).
73
Lições de metódica..., em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume II, p. 450.
A “escola da infância” se torna, deste modo, para os meninos sem família ou de
famílias precárias, um mundo “doméstico”, no qual eles se sentem envolvidos, ao mesmo
tempo, pelas luzes do saber e pelo calor do amor: “Dado que lhes falta a família, que dá
força para fazer o bem e impede de fazer o mal, assim é indispensável criar para eles uma
família que, com orientação sábia e benevolência fervorosa e pura, consiga instilar neles o
sentido moral e dar-lhes força, para que se insiram na sociedade através de sublimes e
generosos princípios de natural e religiosa caridade” 74.
Neste dinamismo se insere o método intuitivo, objetivo-demonstrativo, que favorece
o “gradual desenvolvimento das forças da mente e do coração” 75, em um contexto
educativo, no qual “os próprios estudos são tratados como se fossem um divertimento”, é
favorecido “o movimento periódico e moderado” 76 e se promove o canto, mais do que para
educar os órgãos da voz e do ouvido, “porque os meninos gostam de cantar”77. Os
resultados são descritos em um primeiro relatório de 24 de setembro de 1830: “o prazer
cresce quando se considera como os garotinhos matriculados nesta escola se tornaram mais
alegres, complacentes e sociáveis: o que obriga a gente a rever e a dar início à prática de
uma moral suave” 78.
6. Antônio Rosmini e a pedagogia preventiva positiva

Antônio Rosmini (1797-1855), como Dom Bosco, Dupanloup e outros, não ignora o
vocabulário pedagógico em curso, relativo à educação, em seus diversos momentos. Mas se
diferencia de Dom Bosco e de Dupanloup no modo de entender o “prevenir”. Para
Dupanloup, este é um dos três “ofícios” da “disciplina-educação”. Para Dom Bosco, o ato
completo de educar pode ser entendido e praticado como um “prevenir”. Rosmini ao invés,
entende o prevenir simplesmente como uma sua “condição” prévia. Educar é, para ele, obra
muito mais alta e árdua, como escrevia a um sacerdote de Roveretto, que o havia
consultado sobre “como se podia tornar duradoura a virtude dos jovens colegiais” 79.
Na resposta, ele prevenia logo de ter cuidado em não pôr muito o acento sobre os
“meios externos”, preventivos e dispositivos que visam a dois objetivos: “primeiro, remover
as ocasiões do mal; segundo, dispor indiretamente o ânimo ao bem”. Eles preparam os
educandos para “receber o bem”, mas não comunicam o próprio bem, isto é, a verdade e a
graça. Sozinhos, os meios preventivos podem fazer um grande mal, produzindo uma
bondade aparente, postiça, que se poderia chamar bondade de colégio”, que voa, assim que
o aluno “não esteja mais fechado dentro dos sagrados muros”. Enganadores podem ser
também os meios puramente dispositivos, “tais como a doçura de modos nos professores,
as carícias, as indústrias, que tornam também materialmente doces as boas obras, a
emulação etc...” . Estes meios poderiam causar “no ânimo dos jovens uma falsa direção de
intenção, que é também o olho da alma, do qual depende a lucidez de toda a alma, como diz
74
Estatística dos asilos e escolas de infância...1849, em F. APORTI, Escritos pedagógicos..., volume I, pp.
376-377.
75
F. APORTI, Relatório sobre o êxito dos exames feitos depois do segundo semestre de 1830, pelos alunos do
Asilo pago, 24 de setembro de 1830, em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os asilos..., volume II, p. 21.
76
F. APORTI, Plano de educação e de ensino para alunos de dois e meio a seis anos, 15 de junho de 1830,
em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os asilos...,volume II, p. 11.
77
F. APORTI, Plano de educação..., em F. APORTI, Ferrante Aporti e os asassilos volume II Pág. 11.
78
F. APORTI, Relatório..., 24 de setembro de 1830, em A. GAMBARO, Ferrante Aporti e os asilos...,
volume II, p. 21.
79
Carta a Dom Paulo Orsi, 6 de maio de 1836, em ª ROSMINI-SERBATI, Epistolário completo, volume V
618-619.
Nosso Senhor, porque não produz no fundo da alma do jovem nenhum amor verdadeiro
pela virtude em si mesma, pela sua inefável beleza e intrínseca justiça” 80.
Estes meios são perigosos, quando podem fazer acreditar “que neles esteja tudo, ou
o principal da educação, ou que a educação, só com estes meios, já começou”. São
necessários e preciosos, e “precisam ser tidos em conta”, se são considerados como “os
prelúdios da grande ópera de tornar bom o jovem”. “Começa esta obra, e progride e se
consuma unicamente: primeiro, como fazer conhecer ao espírito do menino a verdade
saltar, fortalecida pela graça; segundo, como faze-lo contemplar a beleza dessa verdade
que conhece; terceiro, como fazer com que apaixone pela beleza da verdade que contempla
e quarto, como obter que haja em conformidade com a beleza daquela verdade pela qual se
apaixonou. Para conseguir tudo isso e necessário só uma coisa, isto é: que diante de seu
intelecto seja posta bem clara a visão da verdade moral de que se trata; depois, a luz
onipotente desta verdade que vem se não da divina graça”. Isto exige - acrescenta o grande
educador cristão- que “a verdade moral” se exposta aos aluno “com simplicidade e com
coerência, não com maquinações e artifícios”. Modelo disto é “o grande e único mestre”,
Jesus Cristo, que é ao mesmo tempo a fonte da graça, sem a qual se tornaria vão o
compromisso humano de educar81. Não obstante a diferença de vocabulário e de
mentalidade, Dom Bosco assinaria tranqüilamente tudo82..
7. Educação Correcional entre repressão e prevenção

A consciência clara da contra posição entre preventivo e repressivo e da sua


necessária composição em um instituto destinado à “educação correcional”, Dom Bosco
pode ter aprofundado no contato com a cadeia para menores da “Generala”.
A separação dos jovens prisioneiros dos adultos tinha sido vigorosamente defendida
também pelo conde Carlos Ilarião Petitti di Roleto no livro, já lembrado, Sobre a condição
atual dos cárceres e sobre os meios para melhora-los. Com R. Patenti de 09 de fevereiro
de 1839, Carlos Alberto dava andamento à realização da obra. Com base no decreto real de
12 de abril de 1845 tinham inicio efetivo as suas atividades.
Foram chamados para educadores deles os Irmãos da congregação marcenesa de
São Pedro in Vincoli, fundada pelo conigo Charles Fissiaox (1806-1867), para o apostolado
entre os detentos. Um sacerdote diosecano era capelão e tinha grande parte no cuidado da
educação religiosa e moral83.
Dom Bosco teve com “A Generala” contatos certos, ainda que nem todos
igualmente documentáveis, como se Vera no capitulo X. Nela eram “recolhidos e
governados com o método do trabalho incomum e do silêncio e da segregação noturna em
celas apropriadas, os jovens condenados a uma pena correcional por ter agido
impensadamente cometendo o crime, e os jovens mantidos na prisão por correção paterna··”.

80
A. ROSMINI-SERBATI, Epistolário..., volume V, pp. 618-619.
81
A ROSMINI SERBATI, Epistolario..., Volume V, pp. 619-621.
82
“O homem de “grande coração” ao homem que “pensa em grande”: neste motivo parecer inspirar-se o
sugestivo ensaio de R. LANFRANCHI, Rosmini-Dom Bosco: instancias pedagógicas educativas de um
relacionamento, em “revista de ciências da educação” 35 (1997) 277-293.
83
Sobre “generala”, cfr A. LONNI, A penitenciaria industria l -agricola da “generala”. Tratamento do
menor infrator no Pie monte pré – unitário, em “boletim histórico – bibliográfico subalpino” 82(1984) 391-
424; R. AUDISIO, A :”generala de Turim. Prostitutas, revoltosos, menores infratores (1845-1850). Santena,
Fundação Camilo Cavour 1987, 236 pp; C. FELLONI e R. AUDISIO, os jovens rebeldes, em Turim e Dom
Bosco, de José Bracco, volume I ensaios. Turim, arquivo da cidade, 1989, pp. 99-119.
O sistema de educação convencional comportava a fussão dos vários tratamento ,
preventivo, coativo, corretivo, não somente na ação prática dos irmão mas também nas
formulações de seu fundador presente de vez em quando no instituto junto ao diretor local.
Petitti de Roleto já o prefigurava, escrevendo sobre Pena capital para jovens rebeldes,
tanto “detentos a pedido dos pais para correção paternal” como “ jovens grevistas e
vagabundo pegos pela policia e condenados pelos tribunais a prissão perpetua”. “O
principio fundamental comum” – escrevia – “e de uma educação nova firme e severa mas
que sinta ainda a indulgência paterna, especialmente no que diz respeito aos detentos por
correção paterna; isto por que, par eles a educação quer ser mais civilizada. Para outros, ao
contrario quer ser com maior severidade e ocupando-os no exercício de algum a fazer”85.
As idéias inspiradoras podem ser tiradas do Relatório feito pelo Fissiox no fim do
primeiro e do segundo ano de atividades elas tem um lugar de destaque sobre tudo no
primeiro. A “Casa de Educação correcional” a respeito dos “jovens delinqüentes” tem a
obrigação de “prepara-lhes um futuro melhor, salva-los do naufrágio, puni-los sem duvida,
mas sobre tudo corrigi-los”86.
Houve inícios dificílimos nos quais – confessa o relator – “contra nossa vontade
tivemos que usar a máxima severidade e abandonar temporariamente os caminhos da
doçura então interpretada como fraqueza”; “mas em fim podemos aplicar nos nossos jovens
o sistema de educação correcional seguido pela nossa Sociedade nas outras casas penais
confiadas aos nossos cuidados”87.
Dando uma idéia do sistema adotado pela sociedade de São Pedro em Vincoli, o
fissiox se fixa sobre tudo na disciplina, que apresenta todas as conotações do sistema
repressivo: “ A disciplina do estabelecimento e severo, e deve ser, e necessário que tudo
lembre que e um lugar de penitencia e de correção”. “Partindo deste principio nós não
deixamos nenhuma falta sem punição, mas ao mesmo tempo nenhum ato de virtude e
deixado sem recompensa”88.
São postos em evidencia também os típicos elementos educativos positivos,
próprios do “sistema preventivo”: a emulação, o trabalho, a escola, a musica, o potencial
religioso e moral89.
Ao mesmo tempo sobram os tons de moderação e de compreensão com relação à
fragilidade juvenil. Dos detentos se fala como “pobres meninos mais infelizes que
culpados, de jovens seres, que já se abotoou a considerar criminosos incorrigíveis e que são
cercados de prevenções injustas e de um desprezo que não merecem”, de “meninos somente
vitímas da fragilidade da sua idade e da desgraça de seu nascimento”90.

85
C. I. PETITTI DE ROLETO, Sobre a condição atual das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, p.
546.
86
Relatório sobre os primeiros resultados obtidos na Casa de educação correcional para os jovens detentos
do Reino de Sardenha apresentada na reunião que teve lugar em 07 de junho de 1846 para a distribuição dos
prêmios por mon senhor FISSIAUX. Turim, Imprensa Real 1846, pp. 6-7.
87
Ch. FISSIAUX, relatório..., p. 10, 13-14.
88
Ch. FISSIAUX, relatório..., p. 21. Em uma prestação de contas relativa ao ano de 1854 (os Irmãos da
Congregação de São Pedro Invincoli Tinham sido licenciado no ano pretendente), redigido pelo capelão José
Juliano, o “Estabelecimento” é ainda apresentado como “Instituto destinado a puni-los e a melhora-los ao
mesmo tempo” (“Calendário geral do Reino para 1855, ano 32. Turim, Imprensa da União Tipográfica –
editora 1855, p. 137).
89
Ch. FISSIAUX, relatório..., pp. 14-21, 27-30.
90
Ch. FISSIAUX, relatório..., p. 31.
No segundo Relatório, afloram ate elementos que mostram como o sistema
repreensivo esta junto com o preventivo. O diretor, pretende efetivamente demonstrar “que
dando uma verdadeira educação correcional a estes meninos que precisa corrigir com
doçura antes que punir com dureza, a nossa Sociedade obteve já, ao menos em parte,
aqueles bons resultados que vocês tem o direito de esperar de seu zelo e de sua dedicação”,
e insiste em declarar que “a maior parte destes jovens detentos são mais infelizes do que
culpados” e reagiram positivamente ao “sistema de educação adotado”91

8. Pedagogia preventiva lassalista

Dom Bosco teve mais relacionamentos, sobretudo durante os anos 40, com os
Irmãos das escolas cristãs, que desde 1829, se ocupavam, em Turim, das escolas dirigidas
pela “Mendicância Instruída”, e, desde 1833, também das municipais92.
Pode parecer problemática um conhecimento direto de Dom Bosco dos escritos
pedagógico-espirituais do fundador, São João Batista de la Salle(1651-1719), a Condução
das Escolas Cristãs, as Meditações para os tempos da retiro, as Meditações sobre todos os
domingos e as principais festas do ano93. Vinha porém a conhecer religiosos educadores
dedicados quais “anjos da guarda” ao cuidado de menino provenientes do mundo dos
artesãos e de humildes trabalhadores “ocupados sem parar em ganhar a vida para si e para
os filhos”, portanto impossibilitados que segui-los durante o dia94. Eles estavam
empenhados em “ensina-los a ler e a escrever, vivendo ao mesmo tempo como bons
cristãos e procurando o bem do Estado” 95.
A sua espiritualidade pedagógica e expressa muitas vezes em temos que Dom Bosco
não cessara de reviver: vigilância, guia, zelo ardente, afastar do pecado, inspirar horror da
impureza exortar e estimular a fazer o bem, para o tempo e para a eternidade: “daí-me
almas e ficai com o resto”; caridade, amor, correção, doçura, paciência, prudência,
racionalidade96. Primeira habilidade do professor, além da didática é a de saber “ganhar o
coração dos aluno”97. A referencia privilegiada, do ponto de vista educativo é a Santo
Anselmo de Aosta e a São Francisco de Sales. O primeiro “se aplicou a conduzir os seus
religiosos com tanta doçura e caridade, que conquistava seus corações”98. A meditação,

91
Relatório sobre os primeiros resultados obtidos na Casa de educação correcional para os jovens detentos
do Reino de Sardenha apresentada na reunião que teve lugar em 26 de Setembro de 1847 para a distribuição
dos prêmios por mon senhor FISSIAUX. Turim, Imprensa Real 1847, p. 13.
92
Cfr. JOÃO BATISTA LEMOYNE, Vida do Venerável Servo de Deus João Bosco..., volume I, Turim,
Livraria Editora Internacional “Boa Imprensa” 1914(re impressão da Primeira edição 1911), página 239; S.
SCAGLIONE, Dom Bosco e os Irmãos das Escolas Cristãs. No primeiro centenário da morte de São João
Bosco, em “Revista Lassalista” 55(1988) 3-29; ver também o que escreve Dom Bosco em MO(1991) 170-
171.
93
A primeira tradução integral das Meditações de La Salle, é de Serafim Barbaglia, FSC. Roma-Torino,
Irmãos das Escolas Cristãs 1989.
94
Meditações para os tempos de retiro. Para o uso de todas as pessoas que se dedicam a educação da
juventude.... por João Batista de La Sale... Em Ruão, na casa do padre Antônio (1730?), p. 09 e 11-12.
95
Meditações para todos os domingos e as principais festas do ano....,p0r Monsenhor João batista de la
Salle...A Ruão, na casa do padre João Batista Marchal (1730?), pp. 138-139.
96
JOÃO BATISTA DE LA SALE, Meditações para todos os domingos pp. 184-188; IDEM, Meditações
para tempos de retiro..., p. 32, 44-45, 54-56, 58-63.
97
JOÃO BATISTA DE LA SALE, condução das escolas cristãs, Avignon, Chastanier 1720, pp. 185 186.
98
JOÃO BATISTA DE LA SALE, Meditações sobre todas as festas..., Sobre a vida Santos Anselmo,
terceiro ponto, p. 45
sobre o moderno “Santo da doçura e da ternura é concluída por este exame de consciência:
“tendes estes sentimentos de caridade e de ternura para os meninos pobres que deveis
educar? Aproveitais do afeto que estes nutrem por vós para leva-los a Deus? Se tendes para
com eles a firmeza de um pai para impedi-los e afasta-los da desordem, deveis ter também
para com eles a ternura de uma mãe para acolher-los e fazer a eles todo o bem que depende
de vós99.
É altamente provável que Dom Bosco tenha sido induzido a ler os opúsculos de dois
lasalistas mais próximos cronologicamente ou topograficamente: irmão agathan (1731-
1798), superior geral do Instituto em fins do século XVIII, autor de uma breve sinteze sobre
As doze virtudes de um bom mestre (Melun 1785/87); e irmão Thétoger, que trabalhava em
Turim.
Dom Bosco póde com facilidade ler o livrinho do irmão agathan na edição turinesa
de Marietti de 1835: As doze virtudes de um bom professor ensinadas pelo padre De la
Sale, fundador dos Irmãos das escolas cristãs explicadas pelo irmão agathan, Superior
gera; do citado Instituto.
A propósito da gravidade, que abre o livrinho se diz do mestre que “tem o aspecto
afável, fala pouco é em tom moderado; não e áspero nas palavras, nem mordas ou
orgulhoso, nem rústico nem mau criado com ninguém. Bem persuadido e convencido de
que a gravidade, a modéstia, a moderação não excluem a bondade, nem o terno afeto ele
procura com suas amáveis qualidades conquistar o amor dos alunos. Longe de pretender
unicamente fazer-se temer, seu objetivo principal e de conquistar confiança. Ele quer ainda
fazer-se estimar e respeitar por eles”100.
Seguem coerentes as afirmações a respeito da humildade. “A humildade não e
ambiciosa”, “a humildade não e ciumenta”, “a humildade faz com que um bom mestre trate
os seus iguais e inferiores com aquela estima cordialidade, amizade e bondade que
convém”. “A humildade de um bom mestre e caridoso ela o torna amável, agradecido,
empenhado, acessível”. “Deste modo nunca assume com seus alunos um tom arrogante,
orgulhoso e de desprezo”101. Significativas são algumas advertências sobre a reserva do
educador para com seus jovens alunos: “Com a mais escrupulosa atenção evita ainda
qualquer amizade, qualquer familiaridade perigosa com eles. Esta proibi até tocar-lhes no
rosto acaricia-los, rir com eles, receber seus abraços”, “lembrando-se alem disto que entre
estes meninos podem existir aqueles que interpretam maliciosamente certas palavras e
ações nas quais somente a malvadeza de um coração já corrompido pudesse fazer-lhes
perceber as aparências do mal ainda que, de fato não existisse nada”102.
Típico e o tema da mansidão e doçura103, a propósito do qual é citado também São
Francisco de Sales. É esta a virtude que inspira e produz “a bondade, a sensibilidade, a
ternura”. “Este é um principio geral – escreve irmão agathan – que o amor se adquire com
amor. Um mestre, portanto, antes de qualquer outra coisa, deve assumir sentimentos de pai
destes garotos, E estar atento em agir como se fizesse as vezes dos pais daqueles que lhe
foram confiados: ter para com eles vísceras de bondade e de ternura que têm os pais. Estes
gestos serão inspirados pela doçura; esta lhe dará para com eles aquela afeto, aquela
99
JOÃO BATISTA DE LA SALE, Meditações sobre todas as festas..., Sobre a vida de São Francisco de
Sales, terceiro ponto, p. 19
100
IRMÃO AGATHAN, As doze virtudes..., pp. 5-6.
101
IRMÃO AGATHAN, As doze virtudes..., pp. 14-17.
102
IRMÃO AGATHAN, As doze virtudes..., p. 35.
103
A estas e dedicado o capitulo mais longo do livrinho.
sensibilidade e benevolência, aquelas maneiras empenhativas e persuasivas; esta tira das
ordens aquilo que elas têm de muito duro e penoso e aplaina suas dificuldades”104.
Na base da doçura fica resolvido praticamente o problema da conciliação de
autoridade e liberdade: “Esta autoridade não depende nem da idade nem da grandeza da
estatura, nem do tom de voz nem das ameaças, mas de um caráter de espírito sempre igual,
firme, moderado, senhor de si, que não outro guia senão a razão, nem age por capricho nem
por impulso. A mesma se adquire ainda com unir à doçura a firmeza e ao amor o temor. O
amor deve ganhar o coração dos meninos sem torna-los efeminados e o temor deve freá-los
sem arruína-los”105.
Em meados de 800, em um livrinho ainda menor, irmão théoger acrescentava às
doze virtudes a Constancia, a firmeza, o bom exemplo106. Aparecem os costumeiros
motivos, polarizados na caridade: amor, doçura, benevolência, paternidade, além da
prevenção e da vigilância, que comportam ordem disciplina, firmeza.
“A firmeza, em si não é outra coisa que a força e a Constancia usadas para se opor
ao mal, prever e reprimir a desordem, um professor não pode fazer de dela; porque sendo os
meninos naturalmente inclinados ao mal, e precisso inspirar neles um reverente temor, que
os contenha sem irrita-los”. “Além disto cuide o mestre de ter uma falsa idéia da firmeza;
ela não é o rigor nem a dureza nem a inflexibilidade; mas sim uma tal força de animo que
usa a razão para conservar os meninos no caminho do bem”. “Se o principal efeito, sendo o
de levar os alunos a abster-se do mal por motivo de temor, não pode tornar-se
verdadeiramente útil, se não tem por companheira a doçura, que é a única que queremos
por amor do bem”107.
“A doçura e a forma exterior da caridade, da bondade”. Não se pode parar nela: “é
de capital importância que o mestre ame os seus discípulos, é os ame por motivo
sobrenatural; que qualquer atitude sua, qualquer palavra, sua vigilância, em uma palavra,
qualquer ação sua seja inspirada por este amor; do contrário ele não poderia conquistar o
afeto deles e estabelecer a sua autoridade: e, portanto, ficaria impossível trabalhar com
fruto na sua educação”108. A própria piedade e em particular o uso dos sacramentos
deveriam ser circundados pela doçura e pela alegria. Ocorre fazer o possível a fim de que
‘os meninos sintam certo gosto nas práticas religiosas”; e “não inspirar nos alunos uma
piedade austera movida pelo temor, e sim uma piedade doce fundada principalmente no
amor”109.
No clima da caridade se justifica também a vigilância-presença: “a perseverante
atenção do mestre naquilo que fazem os alunos produz felizes efeitos, não só porque
reprime a desordem que se manifesta e assim impede que aconteça alguma coisa de grave,
e também e es0pecialmente porque o previne”110.
Neste contexto fica resolvido também o problema dos castigos. “A doçura prescreve
ao mestre especialmente: 1º castigar pouco; 2º castigar só por motivo bem seguro de

104
IRMÃO AGATHAN, As doze virtudes..., pp. 38-39.
105
IRMÃO AGATHAN, As doze virtudes..., p. 38.
106
Cfr. Virtudes e deveres de um bom mestre. Opúsculo publicado pelo Irmão Vitório théoger das Escolas
Cristãs. Turim, apud João Batista Paravia e apud União Tipográfica- Editora 1863, 64 págs.
107
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp. 42-43: por amor do educador do educador ou por amor
do bem?
108
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp. 46-47.
109
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp. 26 e 27.
110
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp.50.
caridade; 5º não bater nunca nos meninos, nem impura-los constrange-los ou depreza-los;
15º ser o mais possível acessível, mostrando bondade e cordialidade; 20º tentar ganhar com
moderação o animo dos alunos, a quem o rigor irrita e desencoraja”111.
Não falta, enfim, o apelo à razão: “falar sempre certo, sempre raciocinar com os
alunos, seja qual for a sua idade, e acostuma-los a fazer a mesma coisa nas ocasiões que se
apresentarem”112.

9. Estilo preventivo dos barnabitas

É conhecido que os barnabitas, nascidos na primeira metade de 500, se ocuparão de


colégios para estudantes no inicio do século XVII, louvados em todo o templo pela
“disciplina afetuosa”. Por isso São Francisco de Sales os quis como educadores do colégio
de Annecy, considerando-os “ótimas pessoas”, “doces”. “comdecendentes, humildes e
gentis, “pessoas de sólida piedade, doces e incomparavelmente amáveis”113.
O aspecto “preventivo”de seu sistema educativo parece vir formulado mais
explicitamente no 800. “Pedimos a todos aqueles que tomam parte na educação e na
instrução da juventude para ser muito parcos no punir, procurando com todos os meios
ditados pela caridade, prevenir o mal, antes que dever corrigi-lo”114. “A vigilância que se
usa com eles deve ser tão continua e solicita, quanto doce e paterna. Os defeitos se previne
devem ser mais prevenidos do que castigados e os castigos sejam usados raramente e só
como cura”115. “A regra se não for observada e morta. Os superiores, por isso devem fazer
tudo para que seja viva e produza os seus salutares efeitos nos jovens. Quando a doçura e a
persuasão bastarem para mante-lá viva, seria o caminho mais desejado, porque e mais
segundo o coração humano, e produz efeitos mais seguros e mais duráveis”116.
Mas o documento mais sintético e rico e o opúsculo Avisos aos educadores
eclesiásticos do padre Alexandre Teppa (1806-1871), Então reitor do Real Colégio Interno
de Mon Calieri, perto de Turim (1856-1867) e, enfim, superior geral da Ordem de 1867 até
sua morte Dom Bosco o leu e o fez ler aos seus colaboradores117.

111
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp. 47 e 49.
112
IRMÃO V. THÉOGER, Virtudes e deveres..., pp. 27; cfr também p. 8, 10, 21, 43.
113
A.N.ERBA, as escolas e a tradição pedagógica dos barnbitas, em p. braido, Experiências de pedagogia
cristà na história volume I. Roma, LAS 1981, pp. 180-181.Será citado para os documentos próprios da ordem
no ensaio de A.N.. erba.
114
Ensaio de Regulamento para aqueles Colégios dos Padres Barnabitas que têm em anexo o Internato ou o
Ginásio. Roma 1850, p. 04.
115
Programa do colégio ducal Maria Luiza Parla 1832.
116
Regulamento para os internos do Real Colégio Carlos Alberto em Mon Calieri. Turim, colégio dos
Artesãos – tipografia e livraria São José 1854, p. 32.
117
Carta de Roma a Don Rua, 14 de janeiro de 1869, É segundo quatro; cfr. J. M. PRELLEZO, Valdocco no
800 entre real e ideal... em Valdocco o uso foi retomado ainda alguns anos depois: “se estabeleceu de
distribuir a todos um pequeno livro avisos aos educadores eclesiásticos, de Alexandre Teppa Barnabita”
(conferencia 16ª, de 07/03/1883, Ibidem p. 257). “Encontrar o pôrque os jovens nos temen mais do nós
amam”. “sobre este importante argumento se discutil cerca de duas horas, sem, porém encontrar a verdadeira
causa. Foi então que veio o pensamento de se ter algum livrinho que servise como guia; e se conclui em
providenciar para cada um os avisos de Alexandre Teppa Barnabita” (conferencia 18ª 09/03/1883, Ibidem, p.
258).
Nesta obra são encontrada idéias condivididas na prática e depois transferidas para
suas páginas sobre o sistema preventivo. Padre Teppa escrevia: “São dois os deveres ou as
partes principais da educação; um, positivo, que consiste em prover os jovens dos meios
mais eficazes para o livre e natural desenvolvimento das suas faculdades; o outro, negativo,
que deve ajudar o primeiro, consiste em remover os obstáculos que poderiam impedir ou
viciar de qualquer modo esse desenvolvimento. Em suma, promover o bem, e impedir o
mal, assecundando a natureza naquilo que ela tem de bom, e corrigindo-a naquilo que tem
de mal, eis o duplo dever da educação; este se deve realizar tanto diretamente, isto é, com o
reto uso da autoridade, como indiretamente, isto é, com o bom exemplo”118.
Não é, portanto, ignorada a densidade de conteúdo do prevenir. Este significa, fora
de qualquer dúvida, “guardar”, “corrigir”, “afastar”, “frear”, “proteger contra os perigos
presentes e “imunizar” contra os futuros; mas, ao mesmo tempo, quer dizer “fundar” e
“reforçar” os jovens nas verdades da fé cristã, “orientar no caminho da virtude”, ajudá-los a
“conseguir sua eterna salvação”119. Mas devem estar bem presentes os fins humanos e
cristãos, individuais e sociais: “formar, com o tempo, homens verdadeiramente sábios,
probos, virtuosos e bons cristãos, e por isso, também bons cidadãos”120.
Para atingir tais finalidades, são indispensáveis o conhecimento individualizado das
inclinações dos jovens121e um uso correto da autoridade. Não basta, porém, a autoridade
material, que “se adquire com a firmeza da vontade e com a severidade dos modos”, pela
qual “se faz temer e obedecer a todo custo”; ainda que esta possa ser de ajuda “quando a
voz da razão não é ouvida”; e ser “necessária para manter a disciplina entre os alunos,
principalmente onde se reúne um grupo grande”. Esta “poderá reprimir externamente, não
conseguirá domar e governar os ânimos, os quais não se rendem, senão à voz da persuasão,
e não se deixam governar senão pela autoridade moral”. E não é também suficiente a
autoridade puramente jurídica ou legal. Ocorre a autoridade moral, que não se pode ter, a
não ser merecendo-a, “e não se a merece de outro modo, a não ser fazendo-se estimar,
respeitar, e amar122. Em outras palavras, esta autoridade é fundada sobre a razão e sobre o
amor. “Quem quer ser amado pelos jovens, demonstre estima por eles, e nunca fale
demonstrando desprezo por alguém”123. “Quem quer ser respeitado pelos alunos, deve
mostrar sempre ânimo calmo e tranqüilo, ser senhor de si mesmo e guiaar-se só pela
razão”124. Mas “quem quiser tomar posse do coração dos jovens, procure antes de tudo
fazer-se amar. Quem é amado, é de boa mente ouvido e obedecido. Mas para fazer-se amar,
o único jeito verdadeiro é amar. Se você quiser ser amado, ama”125. Quem, portanto, quer
fazer-se amar pelos seus alunos, seja ele o primeiro a amá-los de coração verdadeiro, com
afeto de pai e de amigo. Seja solícito em cuidar de tudo o que lhes pode ser necessário ou
vantajoso, tanto para o espírito, quanto para o corpo e também para a sua honra: procure

118
A.M.TEPPA, avisos aos educadores eclesiásticos da juventude Roma/Turim, tipografia e livraria Poliglota
da Propaganda Fida/tipografia e livraria Pontifícia de Pedro de G. Mariet 1868, p. 13.
119
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 8.
120
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 7-8.
121
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 11.
122
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 14-16.
123
A. M. TEPPA, Avisos… ,p. 17.
124
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 18-19.
125
A. M. TEPPA, Avisos… ,p. 21.
agradá-los e contentá-los no que for possível, em seus desejos honestos; participe de suas
dores e alegrias”126.
Conforme Teppa, o exercício da autoridade deve adaptar-se aos diferentes
temperamentos e disposições dos jovens: “a simples voz da razão” com quem é “dócil e
tratável”, “a autoridade do comando” com quem é “rebelde e renitente”127. Mas ao mesmo
tempo faz notar que não se deve perder de vista, para todos indistintamente, a finalidade:
“amor sincero e duradouro à virtude”, sentido do dever, desejo do verdadeiro bem; e o
método, “o caminho da doçura e da persuasão”: “está fora de discussão que este é o
caminho mais conforme à natureza do homem, e, por conseguinte, aquele que produz
efeitos mais duráveis, ainda que, às vezes, menos rápidos e sensíveis. Doçura e persuasão
sejam, portanto, consideradas sempre como os meios principais da educação”128.
Esta autoridade inspira todos os principais modos de intervenção educativa:
“comandar, instruir e exortar”129, “avisar, corrigir, repreender”130, “castigar”131, “louvar e
premiar”132. As ordens devem ser dadas “com moderação” e sempre com dignidade, com
doçura, com gravidade e com firmeza133. São preferidas, porém, as instruções e as
exortações, que, todavia, não devem ser nem muito longas nem inoportunas134. “Às
instruções e exortações devem seguir os avisos e as correções amáveis; porque os jovens
são volúveis, instáveis e imaturos” e, por isso, é necessário lembrar a eles “com breves e
amorosas palavras os seus deveres, seus propósitos e promessas feitas, para que não
venham a faltar por esquecimento, distração e instabilidade”135. “Com quanto maior
freqüência o educador fizer isto, tanto menos ele vai precisar de apelar para castigos”; por
isso ele deve estar “atento e vigilante com os seus alunos, e ao mesmo tempo cheio de zelo
e caridade”136. Se não bastarem os simples avisos, o educador passe às advertências,
estando atento “se está em grau de falar com amor e com aquela eficácia de raciocínios, que
consiga mover e persuadir o ânimo de seus alunos”137. “Ao fazer a admoestação fique bem
atento em não dizer coisas que possam ofender, nem irritar, ou aviltar o ânimo do culpado;
antes, faça-o saber bem claro como ele não deixa de amar e estimar o garoto, ainda que o
corrija de seus defeitos, isto justamente porque o ama e o estima e deseja o seu verdadeiro
bem”138 . A repreensão intervem “quando os avisos e as correções amáveis se tornam
inúteis”139. Enfim, produzido o efeito desejado, “segundo a oportunidade, se tempere a
severidade da correção com modos mais benignos e amáveis ajudando o jovem a imendar-
se”140.

126
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 22.
127
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 25-26.
128
A. M. TEPPA, Avisos…, PP.27-28.
129
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo IV, pp. 29-33.
130
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo V, pp. 33-41.
131
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo VI, pp. 41-51.
132
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo VII, pp. 51-54.
133
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 29-31.
134
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 31-33.
135
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 33.
136
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 34.
137
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 35.
138
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 37.
139
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 38.
140
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 40.
Aos castigos, Teppa dedica o mais longo capítulo 141, não porque são a coisa mais
importante na educação; pelo contrario, ele considera que a sua freqüência se deve ao
descuido ou inabilidade do educador. Eles “devem ser dados só por necessidade e por
remédio”; “a necessidade e a utilidade devem ser também a norma para determinar a
qualidade e a quantidade dos castigos, e o modo de usa-los”142. Quanto ao modo, volta
como regra fundamental o amor: “a melhor qualidade de castigo que um educador pode
dar, quando ele é verdadeiramente amado e respeitado pelo seu aluno, será sempre a de
demonstrar-lhe o seu desgosto pela culpa cometida, tanto abertamente, repreendendo-o
com muita seriedade, quanto tacitamente, usando com ele uma atitude mais seria e
reservada, abstendo-se daqueles sinais de benevolência e familiaridade que costumava usar
com ele. Tome ainda cuidado para que a humilhação não seja tal que avilte a pessoa do
educador”143; “o castigo seja dado com dignidade e ao mesmo tempo com bondade. Por
quanto for possível se deve persuadir o culpado da justiça e da necessidade do castigo, e
que nele se a culpa justamente porque se ama a pessoa”144.
Alem de castigar, acrescenta o autor, “é também justo e conveniente que a seu
tempo e em seu lugar, o educador dê o devido louvor e encoraje prêmio o aluno que
procede bem”145.
Os últimos dois capítulos tratam do educador na sua globalidade são lembrados o
bom exemplo individual e a concórdia da comunidade dos educadores146: “Saibam
compartilhar e suportar-se um ao outro em santa caridade; e, quando for necessário se
corrijam mutuamente”147. Enfim, é formulado como principio supremo de toda a ação
educativa a caridade da qual escreve São Paulo aos Coríntios 148.

141
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo VI, Sobre os castigos, pp. 41-51.
142
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 43.
143
A. M. TEPPA, Avisos…, pp. 43-45.
144
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 49 e 51.
145
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 51.
146
A. M. TEPPA, Avisos…, capítulo VIII, Sobre o bom exemplo e a concórdia entre os educadores, pp. 54-
61.
147
A. M. TEPPA, Avisos…, p. 60.
148
1 Cor. 13,4-7: A. M. TEPPA, Avisos …, capítulo IX, Condições da caridade que deve ter um educador
eclesiástico, pp. 61-69.
CAPÍTULO 6

A SINGULARIDADE PEDAGÓGICA DE DOM BOSCO

Com bastante ênfase, não totalmente gratuita, um sacerdote da diocese de Fermo,


escrevia em 1886: “São já 50 anos que Dom Bosco sacrifica a vida para a educação e
instrução da juventude com um êxito tão feliz e tão extenso, que se tornou o mais famoso
educador de nossos tempos, tanto no velho como no novo mundo. Quem o tornou assim
famoso foi o seu Sistema Preventivo”1. Não teria muito sentido dar lugar à retórica; mas é
bastante pacifico que Dom Bosco pareceu a muitos contemporâneos, e também a pósteros
excepcional educador e representante emergente do sistema preventivo na educação da
juventude, sem com isso diminuir em nada a rica e original contribuição de outros
educadores passados e contemporaneos2 . Da singularidade da sua experiência alguém teve
logo uma aguda intuição: C. Danna, professor de Instituições de Belas Letras na
Universidade de Turim que já em 1849, sobre o Oratório, “ a escola dominical de Dom
Bosco”, escrevia duas páginas apaixonantes, acentuando o caráter ao mesmo tempo
religioso e civil, integralmente educativo e alegre de oratório de Dom Bosco.

“Ele recolhe nos dias festivos, lá naquele recinto solitário, de 400 a 500
acima de 8 anos, para afasta-los de perigos e maus divertimentos e instruí-los nas
normas da moral cristã. E isto entretendo-os em agradáveis e honestas recreações,
depois de terem assistido aos ritos e exercícios de religiosa piedade. Ensina-lhes
além disso a História sagrada e a eclesiástico, o catecismo, os princípios de
aritmética: ele exercita no sistema métrico decimal e aqueles que não sabem,
também no ler e escrever. Tudo isto para a educação moral e civil. Mas não
descuida a educação física deixando que no pátio que está ao lado do oratório e bem
1
D.JIORDANI, A juventude e Dom Bosco de Turim. S. Benigino Canavese, tipografia e livraria Salesiana,
1886, p. 63. Quase contemporaneamente do mesmo autor saia o volume: A caridade no educar e o Sistema
Preventivo do maior educador atual o venerando Dom João Bosco, com o acréscimo das Idéias de Dom
Bosco sobre educação e ensino, de F. CERRUTI. S. Benigino Canavese, tipografia e livraria Salesiana, l886.
2
Uma breve, mas boa colocação do mérito de Dom Bosco quanto ao “sistema preventivo” foi feita por E.
VALENTINI, Dom Bosco restaurador do sistema preventivo, em “Revista de Pedagogia e Ciências
Religiosas” 7(1969) 285-301. Evidentemente exuberante é, ao contrário, a exaltação unilateral de Alberto
Caviglia, por sinal agudo estudioso de Dom Bosco, que em uma aula de agosto de 1934, entre outras coisas,
afirmava: “Dom Bosco e a educação cristã formam uma equação que se resolve na unidade. Nisto está a
grandeza histórica e conceitual de Dom Bosco na vida da Igreja: pois ele deu a formulação definitiva da
pedagogia cristã, da pedagogia querida pela igreja (...). Os Santos educadores e os Educadores santos partiram
todos do principio da caridade, e quase todos da caridade do pobre. Mas nenhum deles teve uma
potencialidade abrangente e acima de tudo dominante como Dom Bosco: Santos que conseguiram formular
em um sistema tudo aquilo que religião caridade e sabedoria prodigalizaram em parte mais e em parte menos
na educação: Santos criadores ou divinizadores do sistema educativo cristão só existe um, Dom Bosco”
(ALBERTO CAVIGLIA, A pedagogia de Dom Bosco, no volume: o sobrenatural na educação. Roma,
tipografia editora Laziale 1934, pp. 105 e 108). O tom se explica em parte com a intenção declarada de “falar
de Dom Bosco(...) como o vejo e o sinto não como, estudioso, mas como cristão e como padre, e como
Salesiano formado por Ele mesmo” ( p. 102).
cercado, nos exercícios de ginástica, ou divertindo-se com as pernas de pau ou com
alteres, com as malhas e com as bolas de pau cresçam, reforcem o vigor do corpo. A
isca com a qual atrai esta numerosíssima multidão além de prêmios de alguns
santinhos, além de rifas, e as vezes algum lanchinho, é o aspecto sempre sereno e
sempre vigilante no propagar naquelas jovens almas a luz da verdade e do amor
recíproco. Pensando no mal que evita, os vícios que preveni, as virtudes que semeia,
o bem que frutifica, parece incrível que a sua obra pudesse ter impedimentos e
contrariedades (...). Mas o que dá a Dom Bosco maior direito à gratidão da cidade, é
o internato, que lá na mesma casa do oratório, recolhe meninos mais indigentes e
necessitados. Quando ele encontra algum mais necessitado e mais carente, não o
perde mais de vista, leva-o para sua casa, dá-lhe de comer troca por roupas novas
seus trapos, fornece-lhe alimento de manhã e de tarde, afim de que uma vez
encontrado um patrão e trabalho, tem certeza de conseguir para ele um sustento
honrado para o futuro, e pode cuidar com maior segurança da educação de sua
mente e de seu coração3.
Largo espaço ao sistema educativo de Dom Bosco é dado também pelo discurso
pronunciado nos funerais de trigésimo dia, em primeiro de março de 1888, pelo arcebispo
de Turim, cardeal Caetano Alimonda. A educação, segundo o orador, é o primeiro setor no
qual Dom Bosco se mostra divinizador do século XIX, ao lado da “cultura dos operários” e
“da obra do trabalho”, ao espírito associativo à civilização dos povos subdesenvolvidos.
“João Bosco, que não despreza nada do que é útil para a pedagogia, vai mais em frente: não
tem o problema do método, tem a resolução dos princípios. Na afeição natural introduz
como guia o elemento religioso, na ciência, a caridade. Por isso diviniza a pedagogia”4 .
Intensamente religiosa, a sua pedagogia não é constrangedora: “Faz tudo livre e
alegremente”5 Ao mesmo tempo se trabalha, com empenho e genialidade de iniciativas, em
uma atmosfera de paz, de dignidade e de confiança6. O estilo geral na direção das varias
obras é o sistema preventivo, que para Dom Bosco “é lei absoluta”, bem caracterizado com
relação ao “método repressivo” muitas vezes inevitável na vida civil: “a força suprema e
predileta, a força miraculosa a qual Dom Bosco se entrega ao governar, é a força moral.
Sabe e vê que se não conquista o afeto do aluno, é o mesmo que construir sobre a areia, o
mesmo educar os corpos e não os espíritos”7.

l. Síntese biográfica

A biografia de Dom Bosco pode-se dividir em três períodos: a “preparação” ( 1815-


1844); a definição dos traços fundamentais de sua ação educativa (1844-1869); a
consolidação organizativa e “teórica” das suas instituições (l870-l888).

3
Na Pequena crônica do “Jornal da Sociedade de instrução e de educação”, ano I, vol. I (1849), pp. 459-460.
Estão sublinhadas as expressões que põe em destaque os pontos qualificantes da experiência educativa e
pedagógica de Dom Bosco.
4
João Bosco e o seu século. Nos funerais de trigésimo dia na Igreja de Maria Auxiliadora em Turim em
primeiro de março de 1888. Discurso do Cardeal Arcebispo Caetano Alimonda, Turim, tipografia Salesiana,
l888, p. ll.
5
Cfr. G. ALIMONDA, João Bosco ..., pp. 13-15.
6
Cfr. G. ALIMONDA, João Bosco ..., pp. 21-24.
7
Cfr. G. ALIMONDA, João Bosco ..., pp. 39-40.
Indicamos aqui os momentos mais notáveis do seu itinerário de vida e de ação
educativa.

1815 (16 de agosto) nasce na localidade dos Becchi, no município de Castelnuovo de


Asti.
1817 morre seu pai.
1824 começa a aprender a ler e a escrever com o P. José Acqua.
1827 pela festa da páscoa, é admitido à primeira comunhão.
1828 (fevereiro) é garçon na fazenda dos Moglia(até o outono de 1829).
1829 retoma os estudos de língua italiana e latina com o padre João Calosso.
1830 a partir de dezembro freqüenta a escola municipal de Castelnuovo(Natal de 1830-
verãode 1831.
1831 a partir de novembro se torna aluno da escola pública de gramática, humanidade e
retórica de Chieri.
1835 entra para o seminário de Chieri, onde estuda filosofia e teologia.
1841 5 de junho, vigília da festa da Santíssima Trindade, em Turim, é ordenado
sacerdote.
1841 em novembro, entra para o Colégio Eclesiástico, em Turim, para o estudo prático
da moral e da homilética; reúne e catequiza meninos e adultos.
1844 (outubro) é capelão em uma das obras da marquesa Júlia de Barolo.
1845 (maio)-1846(março): acontecem as peregrinações do oratório, de São Pedro in
Vincoli aos Moinhos do Dora, a casa Moretta, aos prados dos irmãos Filippi.
1846 (12 de abril) o Oratório encontra sua sede definitiva na casa Pinardi, na periferia
de Valdocco, onde Dom Bosco vai morar em novembro, juntamente com sua
mãe; durante o inverno de 1846-1847 começaram as escolas noturnas.
1847 começa o internato e o Oratório de São Luís em Porta Nova. Fundação da
Companhia de São Luís.
1848 (21 de outubro) início da publicação do Amigo da Juventude, jornal religioso,
moral e político(vai durar 8 meses, fundindo-se com O instrutor do povo).
1849 assume, depois de Dom Cocchi, a direção do oratório do Anjo da Garda, no bairo
de Vachiglia; funda a Sociedade dos operários ou de mùtuo socorro, cujo
estatuto ele formula em 1850.
1852 ( 31 de março) o Arcebispo, Monsenhor Fransoni, exilado em Lion, nomeia Dom
Bosco “ Diretor e chefe espiritual” do oratório de São Francisco de Sales, ao qual
se unem “Unidos e dependentes” os oratórios de São Luis e do Anjo da Guarda.
1853 inicia a publicação das Leituras Católicas e abre uma modesta oficina interna
para alfaiates.
1854 abre a oficina de encadernação; a dois clérigos ( entre os quais o P. Miguel Rua,
que será o seu sucessor) e a dois jovens ( entre os quais o futuro Cardeal João
Cagliero) Dom Bosco propõe a experiência de uma forma associativa apostólica,
germe da futura sociedade salesiana; primeiros contatos com o ministro Urbano
Rattazzi; entra São Domingos Sávio para o oratório de Valdocco ( 1842-1857 ).
1855 é instituída a terceira série ginasial interna ( até então os jovens estudantes
freqüentavam escolas particulares).
1856 começa a oficina de carpintaria e é instituída a primeira e a segunda ginasial; é
fundada a companhia da Imaculada .
1857 tem inicio a companhia do Santíssimo Sacramento e o pequeno clero; é criada
também uma conferencia juvenil de São Vicente de Paulo.
1858 Dom Bosco faz sua primeira viagem a Roma, para submeter a Pio IX seu projeto
de sociedade religiosa, consagrada aos jovens, e o primeiro esboço de
Constituições.
1859 fica completo i ginásio ( 5 classes); é criada a companhia de São José; a
Sociedade salesiana surge como associação religiosa, particular e de fato.
1860 então para a sociedade religiosa, particularmente constituída, os primeiros leigos
( “coadjutores”).
1861 ( 31 de dezembro) é autorizada a abertura da oficina para tipógrafos.
1862 surge a oficina dos ferreiros; primeira profissão dos votos religiosos ( 14 de
maio).
1863 inaugurado o primeiro instituto fora de Turim, em Mirabello Monferrato, sob a
direção de Dom Rua, a quem, na ocasião, Dom Bosco dirigi uma carta, que
constitui o núcleo originário das futuras Lembranças Confidenciais ( o instituto
será transferido para Borgo São Martinho em 1870); tem inicio a construção da
igreja de Maria Auxiliadora.
1864 inicia a sua atividade o colégio de Lanzo Torinese; Decreto de louvor em favor
da sociedade salesiana.
1865 Bosco projeta a Biblioteca dos escritores Latinos, que tem inicio em 1866 com
o título Leituras escolidas dos escreitires latinos para o uso das escolas.
1868 consagração da igreja de Maria Auxiliadora.
1869 ( 19 de fevereiro) a Santa Sé aprova a Sociedade salesiana; é inalgurado o
colégio de Cherasco; sai o primeiro volume da Biblioteca da juventude italiana (
em 1885 chegará ao 204 e ultimo volume).
1870 é fundado o colégio interno municipal de Alassio.
1871 iniciam-se o colégio interno municipal de Varazze e a escola de artesãos em
Narassi ( Genova), transferida no ano seguinte para Sampierdarena ( Ganova).
1872 os salesianos assumem o colégio dos nobres de Valsalice ( Turim); é fundada a
Congregação religiosa feminina com o titulo de Instituto das Filias de Maria
Auxiliadora.
1873 as constituições da sociedade salesiana são definitivamente aprovadas pela Santa
Sé.
1875-87 a obra salesiana se estende pela Europa ( França, Espanha, Inglaterra) e pelo
continente Sul Americano ( Argentina, Brasil, Uruguai etc) com obras para
emigrantes instituições escolares e educativas, atividades missionárias.
1876 Pio IX aprova a associação dos cooperadores e cooperadoras salesianos.
1877 primeiro capitulo geral da Sociedade de São Francisco de Sales, seguido, Dom
Bosco ainda vivo, por outros três: 1880,1883,1886. em 1877 acontece também a
publicação das páginas sobre o sistema preventivo e dos Regulamentos. em
agosto tem inicio o Bilbliófilo Católico ou Boletim Salesiano.
1880 Dom Bosco asceita construir a igreja do Sagrado Coração em Roma: será
consagrada em 14 de maio 1887.
1881 ( fevereiro) é aberto o colegio de Utrera na Espanha.
1883 viagem triunfal de Dom Bosco a Paris.
1884 penúltima viagem a Roma ( 19 ); em junho consegue os chamados “ privilégios”.
1886 8 de abril- 6 de maio: acolhidas extraordinárias e permanência na Espanha, em
Sarriá-Barcelona.
1887 (maio) última viagem a Roma para consagração da igreja do Sagrado Coração.
1888 (terça feira, 31 de janeiro, às 4:45 ) Dom Bosco morre.

2. Fontes para a reconstrução do “sistema preventivo” de Dom Bosco

Para uma correta reconstrução das práticas e da concepção educativas de Dom


Bosco, parece ser necessário adotar alguns critérios metodológicos que tenham presentes:
primeiro, a complexidade da sua ação e visão dos jovens; segundo, a constante interação de
ação e visão dos jovens; terceiro, atenção ao mutante contexto histórico dentro do qual a
complexa realidade se coloca, entre rigidez de esquemas e tentativas de adaptação.

2.1 Dom Bosco apóstolo cristão da juventude

2.1 Dom Bosco apóstolo cristão da juventude

Dom Bosco não é somente educador no sentido estrito e formal; a sua atividade
propriamente educativa8 se insere em um conjunto mais amplo de interesses pela
juventude e pelas classes populares em todos os níveis. Concretamente, ela deve ser
marcada no contexto de uma tríplice preocupação, com ela entrelaçada, mas formalmente
distinta:
1) a atividade assistencial e benéfica voltada para as necessidades elementares do
alimento, da roupa, da moradia e do trabalho.
2) o cuidado pastoral a salvação da alma, do viver e morrer na graça, com as
intervenções específicas que este exige;
3) a animação espiritual das comunidades educativas e religiosas por ele fundadas, para
dar suporte às várias obras em favor dos jovens.
O conjunto de tais atividades encontra expressão adequada em duas afirmações
complementares que põem em evidência sua dupla dimensão: a ação e a consagração
religiosa. “Exerço o ministério sacerdotal, vinte anos faz, nos cárceres, nos hospitais, nas
ruas e praças desta cidade, recolhendo meninos abandonados para orientá-los à moralidade,
ao trabalho, sem ter nunca recebido nem pedido alguma paga. Antes, apliquei, e o
continuarei fazendo ainda, todos os meus haveres na construção da casa e no sustento de
meus pobres jovens”9. “A santificação de si mesmo, a salvação das almas com o exercício
da caridade, eis o fim de nossa Sociedade. A isto é preciso estar muito atento, para que se
dediquem a este ministério, somente aqueles que brilham na virtude ou na ciência e que se
esforçam para ensinar aos outros. É melhor a falta de mestres o que a sua inépcia”10.
Relativamente à reconstrução do “sistema preventivo”, surgem daí algumas
conseqüências. Primeiro de tudo, a exposição de seu aspecto propriamente pedagógico não
8
Educativo no sentido próprio é quanto incide positivamente no desenvolvimento e na formação das
faculdades humanas, a ponto de tornar cada um capaz de habituais decisões livres, em generoso empenho de
vida, individual e social, moral e religioso.
9
Carta ao ministro do interior Carlos Farini, 12 de junho de 1860, Em I 407.
10
É a primeira de uma série de apostilas, em língua latina, às Constituições apenas aprovadas(1874), MB X
994-996.
exaure toda a sua abrangência: este, de fato, comporta também uma clara dimensão pastoral
e espiritual, tanto para educadores quanto para educandos. Em segundo lugar, a adequada
utilização dos escritos de Dom Bosco,expressão e dimensão de sua completa experiência
vital, deve ser efetuada, quando for oportuno, mediante a interpretação dos conteúdos
explicitamente pedagógicos, em seu entrelaçamento com outros elementos pertinentes:
teológicos, jurídicos, agiográficos, “espirituais”, ascéticos, organizativos11.

2.2 A integração da vida

Ainda, a rica messe de escritos, ainda que originada definitivamente da radical intenção da
promoção juvenil e popular, poderia resultar incompreensível e até mesmo falsa do ponto
de vista teórico, se não fosse correlacionada com a personalidade de Dom Bosco e com a
vida concreta das instituições por ele criadas e governadas. Isto não quer dizer que o
“sistema” de Dom Bosco se identifica sem mais com ele. Sem sombra de dúvida, sua
eminente personalidade de educador, genial e santo, confere ao sistema uma tonalidade
toda especial. Mas, em definitivo, este assume estrutura e validez autônoma, tornando-se
até mesmo “doutrina” transmissível, e de fato transmitida, primeiramente aos seus
colaboradores imediatos, e depois a círculos mais vastos de agentes no campo da
assistência juvenil. Ele e os seus acabavam por contrapô-lo nitidamente, com estrutura e
eficácia próprias, a outra “doutrina” e prática educativa, o “sistema repressivo”.
Isto não exclui, antes implica, que o melhor exegeta de Dom Bosco, que teoriza e
escreve, é o próprio Dom Bosco, que cria e plasma a sua experiência educativa e a encarna
nas suas instituições, junto com seus colaboradores e jovens, que são seus principais
agentes e beneficiários. Escreve Bartolomeu Fascie: “Não seguiria um bom caminho quem
quisesse aproximar-se do método educativo de Dom Bosco, com intenção de submetê-lo a
uma análise exasperante, fragmentá-lo, reduzi-lo a partes, a divisões, a rígidos esquemas,
quando, pelo contrário, ele deve ser visto como uma forma viva na sua integridade, e
estudado nos princípios dos quais ele adquire a vida, os órgãos de sua vitalidade e as
funções que se desenvolvem a partir deles12.

2.3 Entre estabilidade e inovação

Para evitar uma reconstrução demasiado sistemática, rígida e uniforme, deveria ajudar,
também, a atenção ao caráter histórico, contextual e vital do sistema. Com efeito, a
experiência educativa de Dom Bosco e as reflexões teóricas e normativas que a
acompanham, se fixaram em momentos cronológicos e no interior de contextos sócio-
ambientais e institucionais notavelmente diversos. Os anos que precederam o 1848, os que
antecederam a unificação nacional (1860), o período “piemontês” da difusão da obra (até

11
Critérios válidos de leitura da produção literária de Dom Bosco, oferece R. FARINA, Ler Dom Bosco
hoje.Notas e sugestões metodológicas, no volume A formação permanente interpela os Institutos religiosos,
aos cuidados de PEDRO BROCARDO. Leumann (Turim), LDC 1976, pp. 349-404.
12
B. FASCIE, Sobre o método educativo de Dom Bosco. Fontes e comentários. Turim, SEI 1927, p.32. Sobre
a relação entre escritos e experiência pessoal e institucional como critério de compreensão do sistema
educativo de Dom Bosco, cfr. PEDRO BRAIDO, O sistema preventivo de Dom Bosco. Zurique, PAS-Verlag
1964, pp. 59-73: A arte educativa de Dom Bosco; IDEM, Os escritos na experiência pedagógica de Dom
Bosco, no volume SÃO JOÃO BOSCO, Obras fundamentais, edição dirigida por João Canals Pujol e
Antônio Martinez Azcona, Madrid, BAC 1978, pp. 14-32.
1870) não são simplesmente identificáveis entre eles nem com os que os seguem. São
radicalmente diversos o perfil psicológico, os impulsos culturais, as condições sociais, os
contextos políticos e religiosos.
Além do mais, no interior dos mesmos segmentos cronológicos, não são totalmente
equiparáveis as experiências realizadas no oratório festivo, no internato para aprendizes e
para estudantes seminaristas, no internato para artesãos, no colégio interno para meninos da
classe média ou média superior (Alassio, Turim-Valsalice, Este), nos “patronatos” do sul da
França, em semelhantes instituições reproduzidas na Argentina e no Uruguai.
É natural que, ao redor de elementos essenciais comuns e inspirações de base,
presentes em todos os lugares, se ajuntem de quando em quando traços e tons bastante
diversificados. E é óbvio que análogas diferenças se encontrem nos documentos escritos,
diversos pela realidade à qual se referem, pelas ocasiões em que surgem e pelo respectivo
gênero literário. Já se aventou a hipótese de “um” sistema preventivo, praticado com uma
“pluralidade” de “métodos preventivos”, com referência, antes de tudo, à diferenciação de
instituições “abertas”, como o oratório, e “totais” como o colégio interno13.

3. Dom Bosco educador e autor pedagógico

Dom Bosco, ainda que tenha publicado muito, não confiou a nenhum escrito seu
particular a exposição sistemática da sua reflexão pedagógica ou as linhas fundamentais da
sua prática educativa. Não existe, todavia, escrito seu que deixe de ter alguma relação com
a educação da juventude popular, seja qual for o assunto: histórico, apologético, didático,
catequético, agiográfico, biográfico, normativo14.
Por isso, a reconstrução fiel de suas idéias não deveria deixar de lado nenhum de
seus escritos, publicados ou inéditos, ainda que privilegiando os escritos mais claramente
“pedagógicos”. A estes se deve acrescentar os abundantes testemunhos de colaboradores
contemporâneos: livros, crônicas, memórias, perfis biográficos e história de instituições;
atas de conferências gerais e particulares, de conselhos, de capítulos gerais e do capítulo
superior. Seu rico epistolário é de suma importância15. Aqui nos limitamos a indicar
escritos e testemunhos de clara intenção pedagógica, teórica e prática.

13
Cfr. PEDRO BRAIDO, A experiência pedagógica de Dom Bosco em seu devir em Orientamenti Pedagogici
36(1989) 11-39; L. PASSAGLIA, A escolha dos jovens e a proposta educativa de Dom Bosco, no volume
Dom Bosco na história. Atas do primeiro Congresso Internacional de Estudos sobre Dom Bosco
(Universidade Pontifícia Salesiana-Roma, 16 a 20 de janeiro de 1989), aos cuidados de M. Midali. Roma,
LAS 1990, pp. 259-288; em especial, pp. 273-282.
14
Uma exposição completa da vasta produção literária de Dom Bosco, que inclui também escritos de outro
tipo (agiográfico, histórico, jurídico-estatutário...) é oferecida pelo PADRE PEDRO STELLA, Os escritos
impressos de São João Bosco, Roma, LAS 1977. Um agrupamento por gênero literário pode ser encontrado
em PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume I, pp. 230-237.
15
Deste se tem uma edição em quatro volumes, cuidada por EUGENIO CERIA (Turim, SEI 1955-1959). Está
em andamento uma mais rica edição crítica: JOÃO BOSCO, Epistolário. Introdução, textos críticos e notas
cuidada por FRANCISCO MOTTO, dois volumes, Roma, LAS 1991/1996: volume I (1835-1863); II (1864-
1868).
“Um método de vida cristã, que seja ao mesmo tempo alegre e contente”, Dom
Bosco pretende ensinar aos jovens com O jovem instruído para a prática dos seus deveres
de exercícios de piedade cristã de 184716.
Primeiros breves ensaios de “pedagogia narrada” do Oratório são a Introdução a um
Plano de Regulamento, um Esboço histórico do Oratório de São Francisco de Sales de
1852/54 e Indicações históricas sobre o Oratóriode São Francisco de Sales de 186217.
Ligadas às estruturas do colégio-seminário, há algumas conhecidas biografias, que
assumem, em medida crescente, o tom de narração ao memo tempo agiográfica e
pedagógica, publicadas no decênio 1959- 1868: Vida do jovem Domingos Sávio(1859)18;
Pequena biografia do jovem Miguel Magone (1861)19; O pastorzinho dos Alpes ou vida o
jovem Francisco Besucco de Argentera(1864)20.Podem ser citados ainda algumas narrações
didascálicas de fundo biográfico: A força da boa educação(1855)21; Valentim ou a vocação
impedida (1866)22; Severino ou aventuras de um jovem alpino (1868 )23.
Um denso significado pedagógico apresentam as Lembranças confidenciais aos
diretores, que, como foi dito, têm sua origem em uma carta que Dom Bosco, em fins de
outubro de 1863, enviou a Dom Miguel Rua, recém nomeado diretor do colégio de
Mirabello Monferrato24.
Excepcional documento de pedagogia experiencial, relativa aos anos de 1815-1854,
e particularmente às primeiras iniciativas turinesas do oratório festivo e do incipiente
internato, são as Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, redigidas por Dom
Bosco entre 1873 e 1879, editadas pela primeira vez em 194625.
Clássico e conhecidíssimo é o escrito O sistema preventivo na educação da
juventude (1877)26. Idêntico título, mas conteúdo diverso, tem o pró-memória enviado ao
ministro do Interior da Itália, Francisco Crispi, em fevereiro de 187827.

16
Cfr. PEDRO STELLA, Valores espirituais no “Jovem Instruído”de São João Bosco. Roma, PAS 1960,
131 páginas.
17
Cfr. PEDRO BRAIDO, Dom Bosco para a juventude pobre e abandonada em dois escritos inéditos de
1854 e de 1862, no volume P.BRAIDO, Dom Bosco na Igreja a serviço da humanidade. Roma, LAS 1987,
PP. 13-81.
18
Cfr. A vida de Domingos Sávio e “Domingos Sávio e Dom Bosco” Estudo de ALBERTO CAVIGLIA.
Turim, SEI 1942-1943, XLIII-92 + 609 páginas.
19
Cfr. ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone”. Uma clássica experiência educativa, no volume O
primeiro livro de Dom Bosco.- O Miguel Magone. Turim, SEI 1965, páginas 129-202.
20
Cfr. ALBERTO CAVIGLIA, A “vida de Francisco Besucco” escrita por Dom Bosco e o seu conteúdo
espiritual, no volume A vida de Francisco Besucco. Turim, SEI 1965, PP. 107-262.
21
Cfr. J. SCHEPENS, A força da boa educação”. Estudo de um escrito de Dom Bosco, no volume O
compromisso de educar, aos cuidados de J. M. Prellezo, Roma, LAS 1991, pp. 417-433.
22
Cfr. JOÃO BOSCO, Valentim ou a vocação impedida. Introdução e texto crítico aos cuidados de M.
PULINGATHIL. Roma, LAS 1987, 111 páginas.
23
B. DECANCQ, “Severino”. Estudo do do livrinho com atenção particular para o “primeiro oratório”,
RSS 3 (1984) 125-166.
24
Cfr. MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores” de Dom Bosco, RSS 3 (1984 ) 125-166.
25
Destas memórias existem agora duas edições, uma com duplo aparato crítico, o das variantes e o histórico,
outra só com o aparato histórico, feita pelo PADRE ANTONIO CARLOS FERREIRA DA SILVA(Roma,
LAS, 1991). Nesta obra estamos usando a primeira. Sobre o especial valor “pedagógico” das Memórias do
Oratório, cfr. PEDRO BRAIDO, “Memórias” do futuro, RSS 11 (1992) 97-127.
26
Cfr. JOÃO BOSCO, O sistema preventivo na educação da juventude. Introdução e textos críticos cuidados
por PEDRO BRAIDO, RSS 4 (1985) 171-321.
27
Cfr. JOÃO BOSCO, O sistema preventivo na educação da juventude..., ibidem pp. 300-304.
Para suas instituições educativas, Dom Bosco escreveu vários “regulamentos”.
Particularmente redigidos e importantes são o Regulamento do Oratório de São Francisco
de Sales para os externos (1877) e o Regulamento para as casas da Sociedade de São
Francisco de Sales (1877)28; deste último, têm um valor pedagógico especial os artigos
gerais introdutórios29.
Conquanto confiadas a escritos tardios (1881-1882), podem ser conideradas
confiáveis duas intervenções de Dom Bosco sobre seu sistema educativo, em dois
colóquios de 1854 e de 1864: o primeiro com o ministro do reino sardo Urbano Rattazzi30;
a outra, com o professor primário Francisco Bodrato31.
Próxima ao pensamento de Dom Bosco é uma singular carta sobre os castigos, com
referências interessantes sobre o sistema preventivo, ligadas com a experiência vivida no
centro das obras de Dom Bosco, o Oratório de Turim-Valdocco32.
Inspiradas por Dom Bosco e redigidas pelo secretário Padre João Batista Lemoyne,
são duas significativas cartas datadas de 10 de maio de 1884, a mais curta enviada à
comunidade dos jovens de Valdocco, prepara o material para a segunda, enviada aos
salesianos que lá trabalhavam33.
Idealmente ligadas às Lembranças confidenciais aos diretores, parecem algumas
cartas enviadas por Dom Bosco, em agosto de 1885, a salesianos da Argentina e do
Uruguai34.
De notável interesse para a formação catequética e religiosa dos jovens são: a
História Eclesiástica (1845); a História Sagrada (1847); Avisos aos católicos.
Fundamentos da Religião Católica (1850 e 1853 ); Modo fácil de aprender a História
Sagrada (1855).
Merecem atenção outros escritos de caráter escolástico: O sistema métrico decimal
reduzido à simplicidade (1849); A história da Itália contada à juventude (1855); e
recreativo: cenas de teatro sobre o sistema métrico decimal (1849); Uma disputa entre um
advogado e um pastor protestante (1853); A casa da fortuna. Apresentação dramática
(1865); Novela amena de um velho soldado de Napoleão I (1862); Casos engraçados da
vida de Pio IX (1871).

28
Cfr. OE XXIX 31-94 e 97-196.
29
Cfr. PEDRO BRAIDO, O “ sistema preventivo” em um “decálogo” para educadores, RSS 4 (1985) 131-
148.
30
Deste colóquio fala a primeira vez o Boletim Salesiano 6 (1882) números 10 e 11, outubro e novembro,
páginas 171-172 e 179-180: cfr. Colóquio com Urbano Rattazzi(1854), aos cuidados de ANTONIO CARLOS
FERREIRA DA SILVA, no volume PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador. Escritos e testemunhas. Roma
LAS 1997, páginas 75-87.
31
A primeira reconstrução desta conversa se encontra em uma biografia do salesiano Francisco Bodrato, em
primeira prova tipográfica, redigida em 1881: cfr. O diálogo entre Dom Bosco e o professor Francisco
Bodrato (1864), cuidado por ANTONIO CARLOS FERREIRA DA SILVA, no volume PEDRO BRAIDO,
Dom Bosco educador..., páginas 187-198.
32
J. M. PRELLEZO, Sobre os castigos a serem dados nas casas salesianas. Uma carta circular atribuída a
Dom Bosco, RSS 5 (1986) 263-308.
33
Cfr. Duas cartas datadas de Roma 10 de maio de 1884, aos cuidados de PEDRO BRAIDO, no volume
PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador..., páginas 344-390.
34
Para algumas principais, cfr. MOTTO, Três cartas a salesianos na América, no volume PEDRO BRAIDO,
Dom Bosco educador..., páginas 439-452; além disso, ao Padre Fagnano, em 10 de agosto de 1885, E IV 334-
335; ao Padre João Batista Allavena, em 24 de setembro de 1885, E IV 339-340; ao Padre Luís Lasagna e ao
Padre Lourenço Giordano, em 30 de setembro de 1885, E IV 340-341, 341-342.
CAPÍTULO 7

A “FORMAÇÃO PEDAGÓGICA”DE DOM BOSCO

Na síntese pedagógica vital e reflexa de Dom Bosco se pode facilmente encontrar a


confluência de diferentes experiências culturais. Esta, em grande parte, coincide com a
mesma formação geral, pessoal e cultural: na infância (escola da família e da Igreja), na
adolescência (trabalho na roça e estudo), na juventude madura até ao sacerdócio e mais
além (escola de latim de Chieri, seminário, Colégio eclesiástico). Nesta se enraízam os
traços fundamentais da futura personalidade de sacerdote amigo dos jovens, pastor e
educador. Em poucas palavras: o núcleo da vocação educativa de Dom Bosco se constitui e
se desenvolve com o crescer e amadurecer da sua formação católica e sacerdotal1
A esta “cultura” de base se somarão e se entrelaçarão contatos com figuras da
“catolicidade”, santos da caridade, teólogos, agentes sociais, livros e experiências que
aperfeiçoarão e enriquecerão os traços de uma personalidade já extraordinariamente dotada
de qualidades afetivas, intelectuais, volitivas.

1. Entre a casa e a igreja

A família, “escola do seio materno”, é a primeira matriz da personalidade de Dom


Bosco, inserida em uma pequena comunidade rural católica, que garante a presença dos
“sinais” religiosos, entre os quais primeiro, fundamental, está o sacramento do batismo,
seguido, a seu tempo, pelas práticas exigidas pela disciplina eclesiástica e por uma secular
tradição: orações quotidianas, missa festiva, pregação, catequese, preceitos religiosos2 A
primeira vida familiar de João é condicionada pela precoce “ausência” do pai, morto
quando o filho não tinha ainda dois anos, pela presença de irmão enteado, sete anos mais
velho e pela avó paterna e. sobretudo por uma mãe de grande solidez humana e espiritual,
verdadeira “mãe paterna”3.
A mãe, Margarida Occhiena (1788-1856), é a primeira educadora e mestra de
“pedagogia”. À distância de quase sessenta anos, ele escreve a respeito dela, que ”seu
máximo cuidado foi de instruir seus filhos na religião, orienta-los à obediência e ocupá-los

1
É evidente em Dom Bosco a prioridade cronológica e psicológica da vocação sacerdotal com relação à sua
vocação de educador. Sobre este problema, oferecem variados elementos: J. KLEIN-E.VALENTINI, Uma
retificação cronológica das “Memórias de São João Bosco”, em “Salesianum” 17 (1955) 581-610; F.
DESRAMAUT, As Memorie I de João Batista Lemoyne. Estudo de uma obra fundamental sobre a juventude
de São João Bosco, Lion 1962, página 186; PEDRO BRAIDO, O sistema preventivo de São João Bosco.
Turim, PAS 1955, páginas 49-59.
2
Sobre a primeira educação e instrução religiosa, e, depois, sobre o catecismo, que marcaram a mentalidade
de Dom Bosco educador, cfr. MO(1991) 33-34, 42-44 e PEDRO BRAIDO, O inédito “Breve catecismo para
as crianças em uso da diocese de Turim” de Dom Bosco. Roma, LAS 1979, Introdução, páginas 7-8, 22.
3
Não faltaram, além disso, a Dom Bosco figuras masculinas que influenciaram na estruturação da sua
personalidade, enriquecendo seus traços, já comunicados a ele por uma mãe forte e de visão ampla: cofr.
G.STICKLER, Da perda do pai a um projeto de paternidade. Estudo sobre a evolução psicológica da
personalidade de Dom Bosco, em “Revista de Ciências da Educação” 25 (1987) 337-375.
4
MO (1991) 33-34.
em coisas compatíveis àquela idade”.4 Em família ele aprendeu, acima de tudo, o hábito da
oração, do dever, do sacrifício; a seu tempo, guiado pela mãe, a prática do sacramento da
confissão na idade da razão. Crescia aos poucos, em um aprendizado do ler e do escrever.
Para a primeira comunhão devia esperar os onze anos (Páscoa de 1827)5.
A “religião”, a dureza do trabalho dos campos em casa e fora de casa, levado com
tenacidade à mãe, a vontade firme de aplicar-se à leitura e ao estudo plasmam fortemente
sua personalidade6 . Nas Memórias do Oratório de São Francisco de Sales ele atribui
particular importância ao encontro com o Padre João Calosso, capelão do povoado de
Morialdo por menos de dois anos (1829-1830), explicitando em idade madura sensações
informes dos quinze anos7.
Mas são também características e significativas, por outro lado, as atividades
recreativas, consideradas naturais pela mentalidade realista cristã do garoto e da mãe, e
também do contexto cristão-rural no qual se desenrolam suas existências: os brinquedos,
pegar passarinho, as acrobacias de pequeno saltimbanco que são o prelúdio da sucessiva
“sociedade da alegria” dos estudos em Chieri e do amplo espaço reservado ao tempo livre
no conjunto do sistema educativo preventivo8.

2. A primeira formação escolar

Seguem a primeiraformação elementar regular, em Castelnuovo, do Natal de 1830


ao verão de 1831, e a freqüência dos cursos de gramática, humanidades e retórica em
Chieri, de 1831 a 1835. É um período importante para o futuro. O jovem camponês entra
em contacto com o mundo novo e exultante da cultura “latina”, clássico-humanista, que
levanta o nível de sua consciência intelectual e das suas aspirações culturais, graças a um
tipo de escola, que encontrará largo espaço no seu futuro de educador e de suscitador de
vocações. Mas é ainda mais determinante, para o jovem maduro, encontrar-se imerso em
uma estrutura formativa total, ao mesmo tempo cultural, ética e religiosa. Acenou-se, a seu
tempo, à sua alma preventivo-repressiva. Ela marcou profundamente a mentalidade de Dom
Bosco, naturalmente reequilibrada por contactos e experiências sucessivas, com sensíveis
traços na organização das futuras obras educativas para estudantes, sobretudo dentro do
colégi9o interno. Isto se deduz não somente da análise do próprio texto, mas também da
nítida lembrança dos aspectos, sobretudo religiosos que ele, como foi já visto, fixa nas
Memórias do Oratório10. È evidente a total identidade de concepções sobre o fundamento

5
MO (1991) 34,42-44.
6
MO (1991) 48-50. Uma reconstrução substancialmente plausível se encontra na biografia compilada por
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Cenas morais de família expostas na vida de Margarida Bosco. Narração
edificante e amena. Turim, tipografia e livraria Salesiana, 1886, VII – 188 páginas e no ensaio de É
VALENTINI, O sistema preventivo na vida de Mamãe Margarida. Turim, LDC 1957 página 146.
7
MO (1991) 45-51. “Coloquei-me logo nas mãos do Padre Calosso (...). Manifestava-lhe prontamente
qualquer palavra, pensamento e ação (...). Fiquei sabendo assim quanto vale um guia estável, um fiel amigo
da alma, que até então não tivera (página 30 da edição portuguesa de 1982 – nota do tradutor).
8
MO (1991) 38-42, 76-82.
9
É um elemento notável, ainda que não único, da específica influência da Companhia de Jesus, porque, quem
baliza seus membros e sua pedagogia escolástica é o Regulamento de Carlos Félix, de 23 de julho de 1822, o
qual, como já foi dito, modera as escolas do reino sardo,inclusive as “congregações” dominicais dos
estudantes, à qual pode conectar-se, em parte, o oratório festivo de Dom Bosco.
10
MO (1891) 56-58, 63-64.
religioso e moral da vida e do estudo; o valor da instrução e da prática religiosa cristã; a
solicitude pela ordem, a disciplina e a moralidade, garantidas particularmente pela presença
do Prefeito dos Estudos e pela assistência; a formação interior através da “congregação”, a
direção espiritual e a praxe sacramental.
Deve-se acrescentar, para o jovem João Bosco, um intenso interesse “literário” que
o leva – como ele mesmo diz – a devorar os escritores clássicos latinos e italianos, até
provocar uma espécie de empáfia11.
Ao mesmo tempo, muitos decênios depois, talvez com certa idealização, voltando à
proposta “exemplar”, ele faz emergir a figura de dois sacerdotes. È apresentado, antes de
tudo, com especial destaque, o professor Pedro Banaudi, “um verdadeiro modelo de
professor”, que “sem nunca dar um castigo, conseguira fazer-se amar e temer por todos os
seus alunos. Ele amava todos como filhos, e estes o amavam qual terno pai”12. Além disso,
ele considera sua “mais afortunada aventura” “a escolha de um confessor estável na pessoa
do teólogo Maloria”, de trinta anos, que o “acolheu sempre com grande bondade” e que o
penitente continuou a preferir ao longo de todo o curso de teologia13.

3. No seminário de Chieri

Os estudos filosóficos e teológicos, feitos no seminário de Chieri (1835-1841), não


parece ter tido muito impacto na cultura e na mentalidade de Dom Bosco, alheio, por
temperamento, a especulações teóricas. De qualquer forma, estes lhe permitem uma
solidificação básica na estrutura de sua teologia dogmática e moral daquele tempo, de perfil
mais fraco com relação ao neotomismo sucessivo. Depois de ter falado positivamente da
descoberta da imitação de Cristo, escrevia, sem muito entusiasmo, dos estudos teológicos
institucionais: “nos nossos seminários se estuda somente a dogmática, a especulativa. De
moral se estudam somente as questões controvertdas”14. Dom Bosco não parece ter sofrido
uma sensível e duradoura influência dos ensinamentos probabilioristas, de teses
antiinfalibilistas, de uma difusa pastoral rigorista, de idéias filogalicanas, que teriam
caracterizado a didática teológica dos seminários da diocese de Turim, nos primeiros
decênios do século XIX15.
Ao contrário, notável influencia positiva, ainda que com alguma reserva exercel a
ordem disciplinar e espiritual. Esta pôde operar uma discreta consolidação da sua estrutura
espiritual- moral de base, bom sustento da pedagogia do dever, do amor e da alegria: a
exartidão no comprimento dos deveres; a oração matutina com a missa, a meditação, o
rosário; a leitura nas refeições (ele sita em particular a História eclesiástica de Bercastel);
a confissão quinzenal e a comunhão nos dias festivos; o estudo dos tratados de filosofia e
teologia com amplo espaço concedido a estudos escolhidos e aberta a predileção para os de

11
MO (1991) 56-58, 63-64.
12
MO (1991) 71- 72.
13
MO (1991) 64-65, 84.
14
MO (1991) 116.
15
Quanto ao ensino na faculdade teológica e nos seminários de Turim, nos primeiros decênios do século XIX,
se escreveu: “Em questão de moral, era ensinado o probabiliorismo, em matéria eclesiológica ( a despeito da
neutralidade oficial), se expunham teses antiinfalibilistas e também críticas a respeito do primado. Na prática
pastoral, se pregava o rigorismo; entre o clero, certamente o mais douto, do qual saíam os bispos, eram
comuns idéias filogalicanas” , isto é, jurisdicionalistas (G. TURINETTI, L. Gastaldi 1815-1883, volume I
Teólogo, publicista, rosminiano, bispo de Saluzzo: 1815-1871. Turim, Edições Piemme 1983, página 33).
caráter histórico – apologéticos, que lhe darão a primeira iniciação ao futuro compromisso
histórico – catequético e popular16.
Não e formação cientifica universitária. É cultura de nível modesto, aléia à
especulação e às elucubrações teológico – dogmáticas, que junto com um acentuado
enternece pela teologia moral aplicada, sobre tudo no Colégio Eclesiástico de Turim, não
deixara de dar as orientações de base a uma pedagogia religiosa e moral, essencial e pratica.
Em compensação, provavelmente no seminário, o clerico Bosco, teve ocasião de
integrar a própria formação teológica com a experiência religiosa e pastoral e a
espiritualidade vivida de duas figuras de santos que incidirão fortemente no seu estilo
educativo “preventivo”: São Felipe Néri e São Francisco de Sales. Falaremos disto ao nós
referir aos anos que se seguirão ao triênio do Colégio Eclesiástico, nos quais se
acrescentara o encontro com São Vicente de Paulo, talvez já experimentado no período
seminarista.
Mas a cultura de Dom Bosco não e somente a que se vê nos programas do
seminário. Mas em função da futura ação educativa e pastoral é a decidida predioleção pela
livre leitura de livros de história sagrada e eclesiástica de apologética e de piedade17.
Provavelmente Dom Bosco ajunta em uma lista única também autores e livros lidos em
anos seguintes, no Colégio e nos períodos de composição de seus escritos de historia
religiosa, de piedade juvenil e de apologética.
De qualquer modo e visível a preferência por autores que, na linha de Bossuet, dão à
história uma interpretação teologizante, providencialista, agiografica, moralista, com
especial referencia à Igreja. Ele não se afastara nunca das orientações de Bérault –
Bercastele, que ele utilizou: “Eis qual e o meu propósito: fazer conhecer em toso o curso da
obra, a proteção infalível do Senhor sobre o seu povo, a santidade não menos do que
infabilidade da Igreja a sua beleza e o seu esplendor mesmo nos tempos das maiores
tramas”18.
Particular ressonância teve nele o sistema educativo globalmente adotado. Ele
mesmo nas Memórias do Oratório, quando já estavam definidos os traços do “preventivo”
por ele praticado já havia trinta anos. O seminaristico era modelado, obviamente, sobre as
instituições que devem reger os seminários emanadas por São Carlos Borromeu, inspiradas
na austeridades dos vins e dos métodos 19. Prevalece substancialmente o método
“repressivo”: “o reitor e os outros superiores costumavam visitar – nos à chegada das férias
é quando se partia para elas. Ninguém ia falar com eles, a não ser quando chamado para
receber alguma repremenda. Um dos superiores, por turno, vinha assistir cada semana o
refeitório e os passeios; só isso. Quantas vezes queria falar, pedir-lhes conselho ou solução
de duvidas, e não podia faze-lo. Mas: se algum superior por acaso passasse no meio dos
seminaristas, todos, sem saber por que, fugiam precipitadamente para um lado ou para
outro como de um cão sarnento”20.

16
MO (1991) 91-93, 106-108
17
MO (1991), 107.
18
A.H. BÉRAULT – BERCASTELE, Hitória do cristianismo do abade Bérault – Bercastele traduzida em
italiano com discertações e notas do abade João Batista Zugno, Volume I. Turim, tipográfica Cassone,
Marzorati e Verselloni 1831, p. 30.
19
Cfr. Instituições que devem reger os seminários, em Atos da Igreja de Milão, editora Aquiles Ratti. Milão
1882 volume II, colunas 93-146.
20
MO (19991) 91. No momento da apreciação as impressões são diversas, MO (1991) 110. Em um livro do
Padre F. FARCONE, Pela reforma dos seminários na Itália (Roma, F.Pustet 1906), o sistema preventivo de
4. No Colégio eclesiástico de Turim

Repetidas vezes, referindo-se ao Colégio eclesiástico de Turim, Dom Bosco destaca


seu profundo caráter prático e pastoral, na linha da missão sacerdotal entendida como a
arte das almas, “pedagogia espiritual”21. Nas Memórias do Oratório, apresenta-o apresenta
como instituto fundado “para que os jovens levitas pudessem, ao terminar os estudos,
aprender a vida prática do sagrado ministério”; “meditação, leitura, duas conferências ao
dia, aula de pregação, vida recolhida, toda comodidade para estudar, leitura de bons
autores, eram as ocupações às quais qualquer um devia aplicar-se a fundo”; “maravilhoso
viveiro, que tanto bem fez à Igreja, sobretudo extirpando algumas raízes do jansenismo que
ainda persistiam
entre nós”22; Esta, na memória de Dom Bosco, com 60 anos, é a imagem de uma instituição
à qual se manteve sempre muito afeiçoado, particularmente enquanto ali trabalhava o
teólogo Luiz Guala e o Pe. José Cafasso.
No Regulamento compilado pelo fundador, o teólogo Guala estava prescrito: “O
tempo do estudo será dividido, uma parte para a moral prática, outra para fazer exercícios
de sagrada eloqüência e Liturgia, conforme o modo que for marcado.”23 Mais
pormenorizadas e próximas da prática eram as prescrições contidas no manuscrito original
do Guala a respeito das “matérias de pregação”: “Começar-se-á preparando meditações
para os exercícios; prefere-se essa matéria porque é mais natural e mais útil para quem a
compõe e aquela que mais se insinua em todas as práticas e particularmente ajuda no
confessionário; depois destas poder-se-á escrever para as explicações do Evangelho e para
as instruções.”24. Na verdade, as duas dezenas de composições oratórias, que nos restam do
Dom Bosco do Colégio eclesiástico, acentuam temáticas sobre “meditações” e “instruções”
que, por costume secular, se faziam nas missões populares e nos retiros espirituaais para os
fiéis.
Além de guia prático no estudo da Moral, José Cafasso é para Dom Bosco mestre de
espiritualidade e de vida, e o orienta para atividades educativas típicas: o ministério
sacerdotal entre os encarcerados, para os catecismos quaresmais com especial interesse
pelos jovens emigrantes do campo e da montanha25. Dom Bosco recorrerá ao Padre Cafasso
como confessor e protetor, e como conselheiro nos anos seguintes26 .

Dom Bosco e proposto também para os “seminários, principalmente nos ginásios eliceus”, ainda que unido,
em função dos fins particulares da formação eclesiástica à “substancia do sistema educativo de São Carlos”
(Ibidem. , pp.56-66).
21
Cfr. G. USSEGLIO, O teólogo Guala e o Colégio eclesiástico de Turim, em “Salesianum” 10 (1948) 453-
502.
22
MO (1991) 116-117. São ideais e impressões que Dom Bosco tinha posto em evidência na (1860): “ A
finalidade deste colégio é formar os jovens sacerdotes nas matérias práticas do sagrado ministério,
particularmente naquilo que diz respeito à administração do sacramento da Penitência e à pregação da palavra
de Deus.(...)” (Biografia do Pe. José Cafasso exposta em duas orações fúnebres pelo Pe. João Bosco, Turim,
Paralia, 1860, pp.73-74, OE 12, 423-424).
23
Regulamento do Colégio Eclesiástico compilado pelo teólogo Luiz Guala, em G. COLOMBERO, Vida do
Servo de Deus Pe. José Cafasso, com traços históricos sobre o Colégio Eclesiástico de Turim. Turim, Irmãos
Canônina, 1895, p.361 (Piedade e estudo)
24
Cfr. Regulamento do Colégio Eclesiástico (...), esboço original, relatado por A. GIRAUDO, Clero,
Seminário, Sociedade. Aspectos da restauração religiosa em Turim. Roma, LAS 1993, P. 395.
25
Eram compromissos impostos a todos os internos habilitados ao exercício das atividades pastorais
específicas: a caquese, a oregação, a administração do sacramento da penitência: cfr. L. NICOLIS DI
Na escola de Cafasso, Dom Bosco aprofundará e aperfeiçoará traços típicos da
própria espiritualidade: a esperança cristã, a preferência pela confiança em Deus mais do
que pelo temor; o sentido do dever como estilo cristão coerente de vida; a
fundamentalidade da prática sacramental na ação pastoral; a fidelidade ã Igreja e ao Papa; a
orientação apostólica dos jovens abandonados; a meditação dos novíssimos e o exercício da
boa morte27.
Quanto às orientações morais, que terão papel tão importante na ação educativa e
pastoral de Dom Bosco, o Colégio representa o grande veículo que lhe transmite os
aspectos essenciais da concepção teológica e espiritual de Santo Afonso Maria de
Ligório,considerado pelo Padre Luís Guala e pelo Padre Cafasso, o autor ideal para
equilibrar entre a rigidez tenaz do jansenismo e certa reação superficial benignista28.
Ele recorrerá ainda a Santo Afonso quando, “fundador”, pretender assimilar e
propor as coordenadas de base da vida “religiosa” sobre vocação, votos, vida comum,
observância e fidelidade.

5. Santos comuns mas diferentes

Os Padres do Oratório mantinham viva em Turim e no Piemonte a tradição


espiritual de São Felipe Neri, propagada também pela biografia do santo, escrita no século
XVII, pelo padre filipino Pedro Tiago Bacci (1575-1656), Vida de São Felipe Neri apóstolo
de Roma e fundador da Congregação do Oratório29 e por uma coletânea de Lembranças
aos jovens.
No seminário de Chieri, a memória de São Felipe Neri (1515-1595) tinha seu
espaço entre três outras comemorações principais: a Imaculada Conceição, considerada
pelo regulamento “a maior de todas as solenidades do seminário” 30, São Francisco de Sales
e São Luís Gonzaga. À Imaculada era dedicada a capela do seminário; a São Francisco de
Sales e a São Filipe de Neri eram dedicadas duas capelas da igreja pública ao lado. No dia
26 de maio, São Felipe Neri era festejado com missa solene, discurso e, à noite, bênção do
santíssimo31.
Dom Bosco estudante e seminarista pôde, deste modo, familiarizar-se com a figura
do fundador Oratório e com a relativa pastoral da piedade “alegre”, da castidade serena, do
fervor eucarístico praticado com a juventude. Foi o que teria posto em evidência em um

ROBILANT, Vida do Venerável José Cafasso, Cofundador do Colégio eclesiástico de Turim. Turim, Escola
Tipográfica Salesiana 1912, dois volumes; especialmente volume II, páginas 1-16 e 208-230.
26
Padre Lemoyne escreve sobre frequentes visistasde Dom Bosco ao Colégio eclesiástico, no qual havia um
quarto disponível, onde podia se recolher para pôr em dias suas publicações: cfr. MB II 257-258; L. NICOLIS
DI ROBILANT, Vida do Venerável José Cafasso..., volume II, páginas 222-223; este Autor consagra todo o
capítulo VII do segundo volume ao tema das relações entre Dom Bosco e Cafasso (páginas 208-230).
27
Para uma referência mais profunda sobre os traços fundamentais da espiritualidade de Cafasso, é muito útil
a síntese oferecida por A. ARCONERO, A doutrina espiritual de São José Cafasso, Turim, LDC 1958:
especialmente clara é a santidade do dever (páginas 39-61), a confiança (páginas 107-130) e o exercício da
boa morte (páginas 217-219).
28
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume I, páginas 85-95;
EUGÊNIO VALENTINI, Dom Bosco e Santo Afonso, Pagani (Salerno), Casa Editora Santo Afonso 1972,
83+85 páginas.
29
Roma 1622, com outras edições romanas de 1745 e 1837.
30
A. GIRAUDO, Clero, seminário e sociedade..., página 64.
31
Cfr. A. GIRAUDO, Clero, seminário e sociedade..., páginas 444-445.
panegírico pronunciado em Alba, em 26 de maio de 186832 e nas páginas sobre o sistema
preventivo de 1877. No opúsculo Leva contigo, cristão de 1858, ele inseria uma breve lista
de Lembranças gerais de São Felipe Neri à juventude33.
Análogas coincidências Dom Bosco punha em destaque na História eclesiástica,
entre o seu estilo preventivo e o do filipino piemontês, bem-aventurado Sebastião Valfrè:
“Fica difícil exprimir o zelo que ele demonstrou para a salvação das almas”34. Dele, no
Leva contigo, cristão, Dom Bosco introduzia Avisos gerais a um pai de família, do bem-
aventurado Sebastião Valfrè em duas cartas escritas a duas mães de família35.
Outro santo conhecido com suficiente profundidade durante a vida de seminário é o
savoiardo Francisco de Sales (1567-1622), reencontrado depois em contacto com as obras
da marquesa Barolo e no início do Oratório. Do bispo da Sabóia circulava no Piemonte uma
biografia do capelão das Irmãs da Visitação de Turim, Pedro Jacinto Gallizia, editada em
Veneza, em 1720, e muitas vezes reimpressa. São Francisco de Sales era santo conhecido
mais em ambientes urbanos que rurais, mais através da Introdução à vida devota que do
Tratado do amor de Deus. O próprio Dom Bosco pôde ler, em um momento desconhecido
de sua vida, a Introdução à vida devota, menos provavelmente o Tratado do amor de
Deus. No Piemonte do século XIX, tanto por Dom Bosco, e, antes dele, por Lantieri, pela
Marquesa Barolo, pelo Padre Cafasso, o santo da Sabóia é visto mais como “modelo de
doçura e de zelo pastoral”; para Dom Bosco, sobretudo, como quem opera no mundo
juvenil e popular36. Assim, talvez, tinha já assimilado durante o curso seminarístico. Para a
festa de São Francisco de Sales estava marcado: “De manhã, em hora conveniente, haverá
missa solene e panegírico recitado pelo viceprefeito da capela”; o dia continuava,
regularmente, com estudo e aulas37.
Nos anos 70, redigindo as Memórias do Oratório, Dom Bosco justificava a
dedicação da primeira capelinha a São Francisco de Sales no Refúgio, com três razões:
“primeira, porque a marquesa Barolo tinha em mente fundar uma Congregação de padres
com este título, e com esta intenção, tinha mandado pintar um quadro deste santo, que ainda
pode ser visto na entrada do mesmo lugar; segundo, porque, sendoa mansidão e a doçura as
virtudes mais exigentes do nosso ministério, tínhamo-nos posto sob a proteção deste santo,
para que obtivesse para nós de Deus, a graça de poder imitá-lo em sua grande mansidão e
no zelo pelas almas. Terceira, porque nossa intenção era de colocar-nos sob a proteção
deste santo, para que nos ajudasse do céu a combater os erros contra a religião,

32
Deste panegírico, se conserva o manuscrito original de Dom Bosco, e uma cópia do Padre Berto com
correçoes do autor. O texto está reproduzido com variantes em MB IX 214-221. De São Felipe Neri, ele tinha
já traçado um perfil na História eclesiástica de 1845 e de 1848 (páginas 315-316, OE I 315-316) (ampliado na
terceira edição de 1870, com acréscimos que acentuam as coincidências entre os dois sistemas educativos).
33
Leva contigo, cristão, ou Avisos importantes a respeito dos deveres do cristão, para que cada um possa
conseguir a própria salvação no estado em que se encontra. Turim, Tipografia G. B. Paravia 1858, páginas
34-36, OE XI 34-36.
34
JOÃO BOSCO, História eclesiástica..., página 331, OE I 489; cfr. páginas 330-352, OE I 488-490.
35
JOÃO BOSCO, Leva contigo, cristão..., páginas 8-22, 48-55, OE XI 8-22, 48-55; Cfr. A. DORDONI, Um
mestre de espírito no Piemonte entre 600 e 700. O padre Sebastião Valfrè do Oratório de Turim. Milão, Vida
e Pensamento 1952, 210 páginas.
36
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco e Francisco de Sales: encontro fortuito ou identidade espiritual? no
volume de JOÃO PICCA e JOSÉ STRÚS, São Francisco de Sales e os salesianos de Dom Bosco. Roma,
LAS 1986, páginas 139-159.
37
Constituições do Seminário Metropolitano de Turim (1819), parte I, capítulo II, artigo 9, citado por A.
GIRAUDO, Clero, seminário e sociedade..., página 351.
especialmente o protestantismo, que começava sorrateiramente a penetrar em nossas
aldeias, e principalmente na cidade de Turim”38.
Contemporaneamente, Dom Bosco podia conhecer de um modo todo especial São
Vicente de Paulo (1581-1660). Os Lazaristas e as Filhas da Caridade eram bem conhecidos
no Piemonte. Eles, pelas missões populares, exercícios espirituais e formação do clero.
Elas, pelo cuidado dos pobres, dos doentes, dos soldados abandonados em hospitais
militares. A Casa da Divina Providência tinha surgido por obra de São José Bento
Cottolengo, inspirado em São Vicente de Paulo e no charitas Christi urget nos (a caridade
de Cristo nos impele). A sua mensagem pode ser reduzida, no parecer de um seu estudioso,
à fórmula: “o espírito e o mistério da caridade”39.Os exercícios espirituais em preparação
para a ordenação sacerdotal, ele os fez na casa dos Padres da Missão, em Turim, de 26 de
março a 4 de junho de 184140. Dele escrevia na História eclesiástica: “Animado do
verdadeiro espírito de caridade, não houve espécie nenhuma de calamidade que ele não
socorresse”: “todos experimentaram os efeitos da paterna caridade de Vicente”41. De uma
não momentânea sintonia com o santo do amor afetivo e efetivo é demonstração a reedição
por ele dirigida, significativamente retocada, do trabalho do beneditino francês José Ansart
(1723-1790), O cristão guiado à virtude e à educação segundo o espírito de São Vicente de
Paulo42

6- A Experiência dos “oratórios”

A finalidade “pastoral” está na base de toda formação de Dom Bosco sacerdote, ela
reproduzia o espírito da reforma dos estudos seminarísticos empreendida pela arcebispo
Colambano Chiaveroti. estes eram orientados para a formação de um sacerdote,
espiritualmente e cuturalmente habilitado para ser mestre e guia do seu povo, “um pastor
“vítima da caridade” “, propenso a promover “ a glória de Deus e a salvação das almas”.
inteiramente dedicado ao culto, à pregação, aos catecismo e à administração dos
sacramentos, ele parece antecipar – como escreve Aldo Geraudo – aquele “modelo de padre
que na segunda metade do século desembocará no compromisso social” 43 no Colégio
Eclesiástico a qualificação pastoral do sacerdote se enriquece com o ulteriores aspectos
caritativos e assistenciais em contato com a probresa a marginalidade particularmente dos
jovens que viam dos campos e da montanha. Cafasso, de modo especial, prestendia plasmar
os neo-sacerdotes naquela “espiritualidade da salvação”, que devia constituir sua anciã e
seu compromisso carregado de responsabilidade 44. O sacerdote, pastor e catequista era

38 MO (1991) 132-133.
39
A. DODIN, São Vicente e a caridade. Paris, Edições do Seuil 1960, páginas 72-75, 127-133.
40
Dom Bosco lembra isso nas Memórias de 1841 a 1885-5-6, lembrando as resoluções tomadas, entre as
quais “a caridade e a doçura de São Francisco de Sales sejam-me de guia em tudo”(F. MOTTO, Memórias de
1841 a 1884-5-6 pelo Padre João Bosco a seus filhos salesianos RSS 4 (1985) 88-89).
41
JOÃO BOSCO, História eclesiástica..., página 328 OE I 486.
42
Turim, Tipografia G. B. Paravia 1848, 288 páginas, OE III 215-502. Cfr. D. MALFAIT- J.SCHEPENS, O
Cristão guiado à virtude e à educação segundo o espírito de São Vicente de Paulo, RSS 15 (1996) 317-381;
sobre São Vicente de Paulo, cfr. João Bosco, História eclesiástica..., páginas 328-329, OE I 486-487.
43
A GIRAUDO, Clero seminário e sociedade..., páginas 288; cfr páginas 277 – 288 (O ideal sacerdotal de
Chiaveroti).
44
Cfr. L NICOLIS DI ROBILANT, Vida do Venerável José Cafasso... volume 2, páginas 1-16, 208-230.
também homem benemerente, assim como era delineado com insistência mas Meditações e
nas Instruções que ele pregava ao clero45.
Dom Bosco estava profundamente por dentro. Tornava-se obvio seu precoce
envolvimento com as necessidades matérias dos jovens, sobre tudo quando longe das suas
famílias e “desenraizados” em uma cidade que lhes era estranha 46 . Tinha um precursor, e
de algum modo modelo, no Padre João Cocchi, vice-pároco da igreja da Anunciação, que
em 1840, tinha fundado o oratório Anjo da Guarda no bairro periférico e de má fama do
Moshino, em Vanchiglia47 .

Desta complexa formação espiritual e cultural, acompanhada de significativas


experiências juvenis e eclesiásticas, Dom Bosco se movimentava para a sua criação, o
“oratório” nas variadas versões, para externos e internos, instituições abertas e totais até às
empresas “missionárias” de todo o tipo, internas e estrangeiras.

Desde modo ele se punha em continuidade ideal com as iniciativas da reforma


católica do 500 e, particularmente, com São Carlos Borromeu e a Companhia da doutrina
Cristã. É evidente, porem, que em Dom Bosco a experiência efetiva precede qualquer
dependência literária. Os “ Regulamentos” vêm dos fatos e de uma “mentalidade” já
formada, e assim o conhecimento e a utilização de constituições e regras precedentes. Além
do mais mesmo no caso de evidentes dependências, em todas as partes prevalecem seu
temperamento, seu vocabulário, seu estilo48.

7-Dom Bosco e os pedagogistas de “O educador primário”

Parece também surpreendente a conformidade psicológica, mental e operativa de


Dom Bosco com o grupo de educadores e pedagogistas que colaboram com a revista. O
Educador Primário (1845-1848), que se tornou depois O Educador (1847-1848), voltada,

45
Cfr. G. CAFASSO, Meditações para exercícios espirituais ao clero publicadas pelo Cônego José Allamano.
Turim, Irmãos Canônica 1893, 325 páginas; IDEM, Instruições para exercícios espirituais ao clero
publicadas pelo Cônego José Allamano. Turim, , Irmãos Canônica 1893, 312 páginas.
46
Cfr. L NICOLIS DI ROBILANT, Vida do Venerável José Cafasso...volume 2, páginas 1-3, 213-215;
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume1, páginas 95-97.
47
Sobre G. Cochi é útil a biografia de E. REFFO, Padre Cochi e seus artesãos. Turim, tipografia São José
dos Artesãos 1896; IDEM, Vida do teólogo Leonardo Murialdo. Turim, tipografia São José dos Artesãos
1905, IV – 340 páginas; A. CASTELLANI, o bem-aventurado Leonardo Murialdo, volume 1, Etapas da
formação. Primeiras atividades apostólicas (1828-1966) Roma, Tipografia São Pio X 1966, páginas 156-157.
48
O documento base, que inspira todos os regulamentos, são claramente as Constituições e Regras da Cia e
Escolas da doutrina Cristã, compostas pelo Cardeal de Santa Pracedes, Arcebispo, em execução do Segundo
Concilio provencial, para uso da Província de Milão, em Atos da Igreja Milanesa desde os seus inícios até o
nosso tempo, por obra e estudo do Pe. Aquiles Ratti, volume 3, Milão 1892, coluna 149-270. Mas tarde Dom
Bosco Utilizou, cortando e muitas vezes reescrevendo, as Regras do Oratório erigido em Milão no dia 19 de
maio de 1842 nas região de Santa Cristina número 2135: É um título de capa, mudado no Frontespício para
este outro: Regulamento Orgânico, Disciplicar e Pratico do Oratório Festivo de São Luis Gonzaga, erigido em
P. Comasina, região de Santa Cristina 2135 de; Regras para os meninos do oratório sob o patrocínio da
sagrada família (Milão 1766). No Arquivo Central Salesiano existe também os manuscritos do Estatutos
antigos da veneranda confraria do Santíssimo Nome de Jesus erigida na igreja paroquial dos Santos Processo
Martiniano na cidade de Turim, (Turim 1764), que, quanto as práticas religiosas dos jovens oratorianos e
quanto aos aspectos recreativos, encontram uma notável ressonância no Regulamento para os externos de
Dom Bosco.
sobretudo, para os professores da escola primária e secundária49. A paixão pela educação
popular e suas formas, desde a instrução de base até às escolas noturnas, dominicais,
artesanais, às mais articuladas expressões da atividade publicitária (Leituras, Bibliotexas...)
em um clima de solidariedade e participação afetuosa, põe todos em comum50.
Certa interação, no plano literário, entre Dom Bosco e O Educador, de onde ele tira
alguma inspiração e, às vezes se sente por ela reforçado, é facilmente documentável. As
primeiras obas importantes de dom Bosco, a História Eclesiástica (1845) e a História
Sagrada (1847), encontram na revista uma avaliação positiva em duas notáveis recensões.
O primeiro trabalho é definido pelo recensor, professor Padre Ramello, “novo e utilíssimo
livro”, de um, “douto e bom sacerdote”, “convencido do grande princípio educativo que
manda iluminar a mente pata tornar bom o coração”51.
Sobre o segundo, se refere mais amplamente um padre M. G. (Miguel Garelli, de
Mondovi), em uma Carta de um mestre de escola sobre a História Sagrada para uso das
escolas, compilada pelo Padre Bosco, acentuando sua origem experiencial, as finalidades
morais, a “linguagem popular, mas pura e italiana”, “uma unção que docemente comove e
estimula ao bem”52.
À primeira recensão Dom Bosco faz eco muito claro no refácio à História Sagrada,
assumindo quase ao pé da letra a feliz expressão do recensor: “Em cada página tive sempre
fixo aquele princípio: iluminar a mente para tornar bom o coração”53. Na mesma página, ele
retorna do primeiro número de O Educador Primário o conceito de “popularizar a
ciência”54 e, de uma contribuição de Vicente Garelli, a idéia da utilidade das ilustrações no
ensino da História Sagrada55. Fica difícil definir com precisão os nexos ideais,
metodológicos, organizativos56. Um contacto empenhativo de Dom Bosco com a pedagogia
científica oficial, acadêmica, parece que nunca aconteceu, ainda que tenham sido reais, até
mesmo de cordialidade e de amizade, as relações com alguns teóricos contemporâneos da
pedagogia, como Antônio Rosmini, João Antônio Rayneri, José allievo, os dois últimos
catedráticos de tal ciência na universidade de Turim, respectivamente nos anos 1847-1867 e
1868-191157.

49
O Educador primário. Jornal de educação e instrução elementar (1845-146); O Educador, Jornal de
educação e instrução (1847-1848), editado em Turim por Paravia e dirigido pelo Padre Agostinho Fecia.
50
Cfr. PEDRO BRAIDO, Estilos de educação popular cristã nos inícios de 1845, no volume Pedagógico entre
tradição e inovação, Milão, Vida e Pensamento 1979, páginas 383-404.
51
“O Educador Primário”, número 34, 10 de dezembro de 1845, página 576.
52
“O Educador”, número 17, 1 de julho de 1848, páginas 542-543.
53
JOÃO BOSCO, História Sagrada para o uso das escolas, útil a pessoas de qualquer classe..., Turim, pelos
tipógrafos editores 1847, página 7, OE III 7.
54
A. FECIA, Diretor, Introdução, “O Educador Primário”, número 1, 10 de janeiro de 1845, páginas 1-2.
55
“O Educador Primário”, número 24, 30 de agosto de 1845, páginas 404-407 (Sobre o ensino da História
Sagrada por meio de mesas, taboas).Dom Bosco cita-o com a indicação V. Varelli; na Segunda edição
(Turim, Speirani e Tortone, 1853), a primeira indicação genérica é substituída pela seguinte citação: “V. F.
Aporti Educat, Prim. Vol. 1, p.406”; no artigo de Garelli vinha relatado, sobre o tema das ilustrações, um
texto de F. Aporti, que iniciava com as palavras otimizadas por dom Bosco: “História Sagrada deve ser
ensinada aos meninos através de cartazes que representem os fatos que se referem a ela” (página 406).
56
Exceto, talvez, um breve escrito, inédito até 1929, com o título Advertência a respeito do uso a ser feito nas
aulas de História Sagrada traduzidas de língua estrangeira, que mostra elementos análogos a um escrito do
Padre Cristóforo Bonavino, publicado no “Educador” em março de 1847, páginas 147-148, com o título
Exame crítico sobre vários compêndios de História Sagrada.
57
O Padre João Antônio Rayneri e o leigo José Allievo, altos expoentes da pedagogia espiritualista cristã,
exerceram clara influência sobre dis salesianos muito conhecidos, Padre Francisco Cerruti e Padre Júlio
8- Livros de guia espiritual juvenil

Estudando as fontes do feliz manual religioso de dom Bosco, O jovem instruído, de


1847, Pedro Stella se vê diante de uma característica literatura destinada à educação cristã
da juventude, que traz evidentes traços daquele que será o programa formativo praticado,
regulamentado e proposto por dom Bosco, por escrito e oralmente. È produção que, fora de
qualquer dúvida, o inspirou e enriqueceu, assim como “teve uma influência não pequena na
formação cristã de não poucas gerações”58.
A figura mais conspícua é o padre parisiense Charles Gobinet (1613-1690). Autor
de um divulgadíssimo Instrução da Juventude na piedade cristã, tirada da Sagrada
Escritura e dos santos Padres, dividida em cinco partes59. Outros o seguem com porpostas
educativas similares de grande densidade espiritual, reservadas, quase todas, a jovns de
certo nível social e cultura. Podem ser lembrados em especial Fancisco Avondo, O Teótimo
ou Instruções familiares sobre as obrigações cristãs da juventude e principalmente dos
estudantes. Opúsculo utilíssimo para qualquer tipo de pessoa60; o cardeal Luzerne,
Opúsculo sobre o dever dos jovens61; Cláldio Arvisenet, Orientações para a juventude62.
um buquêde flores aos meninos e às meninas ou antiveneno cristão em defesa da
inocência63.
As temáticas de base se encontram mais explícitas no modelo Instução da
Juventude de Carlos Gobinet64. No primeiro tomo estão delineados em cinco partes, os
capítulos fundamentais de uam visão da juventude em ordem à salvação cristã, e de um
caminho para a aquisição da “virtude”, ous eja, da santidade: Primeiro, Sobre as razões e
aos motivos que obrigam os homens a dedicar-se à virtude em seus primeiros anos;
segundo, sobre os meios necessários para conquistar a virtude durante a juventude;
terceiro, Os obstáculos que desviam os jovns da virtude; quarto, as virtudes necessárias aos

Barberis. Os inéditos Apontamentos de Pedagogia Sagrada do Padre Barberis revelam forte dependência de
sus escritos. Cfr. J.M. PRELLEZO, G. A. Reyneri nos escritos pedagógicos Salesianos em “Orientamenti
Pedagogici” 40 (1993) 1039-1063; IDEM, José allievo nos escritos pedagógicos salesianos,em “Orientamenti
Peagogici” 45 (1998) 393-419.
58
PEDRO STELLA, Valores espirituais no “O jovem instruído”..., página 22.
59
Instução da Juventude na piedade cristã..., Turim, Associação com os Livreiros Maspero e Serra 1831,
“Seleta biblioteca econômica de obras de religião”, volume 23. Houve várias edições italianas, inclusive em
Veneza, em 1708, 1765, 1831, e em Lodi 1815.
60
Turim, impresso por Tiago José Avondo 1768, 440 páginas. Francisco Avondo era filho do tipógrafo-
editor, doutor em teologia, simpatizante do jansenismo. Morreu em 1776.
61
Genova, tipografia como 1842, 71 páginas.
62
Milão, tipografia e livraria Pirotta e companhia 1842, 240 páginas. Será depois publicado nas “Leituras
Católicas”, ano 7, fascículo 7, setembro de 1859, com o título Guia da juventude nos caminhos da salvação.
Turim, Paravia 1858.
63
Turim, Paravia 1836, 252 páginas. Naquele mesmo ano Jacinto Marietti fez uma Segunda Edição “revista
e melhorada, enriquecida com um breve exercício para a confissão,comunhão e missa. Do padre S. B. A.
“,304 páginas. É um extrato de Antiveneno o memorial cristão ou orientação prática de vida cristã com um
bravíssimo exercício para a santa confissão, comunha~e missa, tirado do Buquê de flores para meninos e
meninas. Turim, Jacinto Marietti tipógrafo e livreiro, s. d., 36 páginas.
64
A citação é da edição de Veneza de 1708 em dois volumes: Instrução da juventude na piedade cristã, tirada
da Sagrada Escritura, e dos Santos Padres. Obra do senhor Carlos Gobinet, teólogo da Sorbonne, e
Conselheiro do Colégio Plessis-Sorbonne..., Veneza, apud Paulo Baglioni 1708.
jovens, quinto, a escolha de um estado de vida65. Como conclusão, é proposto um Tratado
da meditação, ou oração mental, possível e mesmo necessária aos jovens66.
O segundo tomo, pouco menos columoso, é inteiramente didicado aos dois
sacramentos, da penitência e da eucaristia: Instrução sobre a penitência e aos meios de
restituir-se a Deus com uma verdadeira conversão67e Instrução sobre a santa comunhão68.
Abre uma exortação a uma verdadeira conversão, e emenda de vida69; segue o
tratado sobre as três “partes” fundamentais do sacramento da penitência, ou seja, a
contrição, a Confissão, a satisfação. Conclui esta secção uma prolixa lista para o exame
dos pecados, ao redor de três núcleos: os mandamentos, os “sete pecados mortais”70. A
segunda secção do tomo é dedicada à “santa Comunhão” e tem duas partes: Da doutrina,
isto é, das verdades que se deve saber sobre o santo Sacramento da eucaristia71 e Da
Prática da Comunhão, e daquilo que se deve fazer para bem comungar; esta constitui um
verdadeiro projeto de vida cristã, baseada sobre as três virtudes fundamentais da fé, da
esperança e da caridade72.
A afinidade não só com O jovem instruído mas com todo o quadro do seu global
sistema educativo cristão, pode mostrar com evidência quanto Dom Bosco deve também a
estes autores, ou, ao menos, quanta sintonia existe entre a sua pr´tica e reflexão pedagógica
e uma sólida tradição, seriamente empenhada em propor à juventude uma sólida específica
espiritualidade cristã73.

9- Um mestre em atitude de constante aprendizagem

Dom Bosco fundado, fora de qualquer dúvida, teve que aprender tudo aquilo que

dizia respeito à estruturação jurídica e espiritual dos institutos religiosos por ele

fundados. Teve que fazer outro tanto, antes, para as inumeráveis publicações narrativas,

catequéticas, apologéticas que foi publicando durante a vida. O mesmo aconteceu com

sua experiência educativa, principalmente quando precisou escreve-la.

65
C. COBINET, Instrução...,tomo I, páginas 1-563.
66
C. COBINET, Instrução...,tomo I, páginas 564-610.
67
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 3-27
68
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 28-371.
69
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 372-491.
70
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 312-371.
71
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 374-419.
72
C. COBINET, Instrução...,tomo II, páginas 420-491.
73
No estudo de Pedro Stella Valores espirituais de “O jovem instruído”, os primeiros dois capítulos são
dedicados a precisar convergências e divergências: Literatura ascética para a Juventude no Piemonte
(páginas 21-45) e As fontes de “O jovem instruído” (páginas 46-79).
De educadores e pedagogistas que ele poderá ter conhecido, falou-se já nos

capítulos precedentes. Uma análise mais precisa de seus escritos “pedagógicos” mais

significativos pode descobrir alguma fonte provável, na qual ele foi beber.

Na carta ao Padre Rua de fins de outubro de 1863, que se tornou, poucos anos

depois, Lembranças confidenciais aos diretores, encontra-se a fórmula clássica “fazer-se

amar, antes que fazer-se temer”, com a sucessiva substituição do “antes que” por “se

queres”. A aprendizagem não veio através das regras monásticas de Santo Agostinho ou

de São Bento, mas muito provavelmente de livros de história greco-romana. Entretanto,

o documento no seu conjunto, poderia ter encontrado sua inspiração no livrinho do

jesuíta Padre Binet, Qual é o melhor governo: o severo ou o suave?. Ele poderá ter lido a

edição italiana cuidada pelo Padre Antônio Bresciani (1798-1862), reitor do Colégio do

Carmo, depois provincial, perto do Colégio eclesiástico. O texto com o título Da arte de

governar era precedido por uma nota do tradutor, que manifestava idéias bastante

conservadoras, propensas a prevenir contra tendências permissivas e populistas: na

família, na sociedade, na própria esfera política74.

São numerosas as sugestões e confirmações sobre a visão pedagógica em seu

conjunto, registrada nas elementares, mas significativas páginas do Sistema preventivo

na educação da juventude75. Nelas Dom Bosco registrava alguns resultados de sua

74
Da arte de governar.Qual é o melhor governo, o severo ou o suave?. Obra do Padre Estevão Binet, da
Companhia de Jesus, traduzido para o italiano pelo Padre Antônio Bresciani, da mesma Companhia. Turim,
Jacinto Marietti 1843, 168 páginas. As considerações preliminares do Padre Bresciani encontram-se nas
páginas 5-10.
75
As breves páginas foram publicadas primeiro em edição bilíngüe, italiana e francesa, em um opúsculo com
o título Inauguração do Patronato de São Pedro em Niice. Finalidade do mesmo, exposta pelo Padre João
Bosco, com apêndice sobre o sistema preventivo na educação da juventude. Turim, tipografia e livraria
salesiana 1877, 68 páginas, OE XXVIII 380-446; seguiram imediatamente as duas edições separadas de
todo o livro em Inauguração; de novembro do mesmo ano as páginas do sistemas preventivo encontraram
lugar de honra no livrinho Regulamento para as casas da Sociedade de São Francisco de Sales. Turim,
experiência, que reproduzia por sua vez motivos familiares à tradição pedagógica

católica. Comandava o método evangélico do amor, da doçura, da racionalidade e da

compreensão, propugnado por Fénelon e Rollin, Reforçado no contato com os Irmãos

das Escolas Cristãs, em sintonia com figuras e escritos do 800 próximos a ele76. A fonte

mais imediata e mais incisiva, provavelmente, é o denso opúsculo do superior geral dos

Barnabitas, Padre Alexandre Teppam, Avisos aos educadores eclesiásticos da juventude,

do qual já falamos. Do binômio “Preventivo / Represivo”, Dom Bosco poderia ter tido

indicações mediante alguns contato com círculos liberais e em ambientes judiciários,

carcerários, prisões judiciárias e penais, e institutos de correção. Falou-se, de modo

especial, na prisão correcional de Turim da “Generala”. Sugestões análogas poderiam ter

chegado do conhecimento, ao menos sumario, da obra pedagógica mais completa de

monsenhor Felix Dupanloup, Da Educação, do qual já falamos também.

10. O impacto com a juventude de Turim

A sucessão dos documentos “pedagógicos” de Dom Bosco e a sua conformidade


com as diversas situações, nos leva a repensar em profundidade, muito além das já
verificadas ou prováveis dependências culturais e literárias, em seus mais imediatos
“formadores”, nos formadores de sua mentalidade, do seu estilo. São os jovens e os
colaboradores dos ambientes mais diversificados.
A “formação” na frente de batalha começou com um significado especial que teve
seu primeiro impacto com a juventude de Turim, nos anos do Colégio eclesiástico, na
cadeia, nas ruas, nos “catecismos”. Era uma experiência radicalmente nova. Com toda
certeza, não o haviam preparado para ela o mundo rural no qual vivera, nem as aulas de
latim de Chieri, nem mesmo a ciência teológica do seminário. Aquele primeiro início de
experiências era uma nova escola. E esta escola não termina com as experiências. Ante,
com o mudar dos tempos e dos contextos, se verá obrigado a uma constante reestruturação
da percepção da realidade e do jeito como intervir nela.

Tipografia Salesiana 1877, OE XXIX 99-109. Cfr JOÃO BOSCO, O sistema preventivo na educação da
Juventude Introdução em textos críticos cuidados por Pedro Braido, RSS 4 (1985) 171-321.
76
fr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, capítulo XIV Elementos
religiosos no sistema educativo de Dom Bosco. Em particular páginas 450-459 (O Sistema Preventivo no
contexto Cultural de Dom Bosco e do seu ambiente).
Por outro lado, temperamento realisticamente aberto às situações históricas, “mente
assimiladora” por excelência, Dom Bosco sempre se mostrou particularmente sensível às
vibrações de todos que encontrava e com todos com quem convivia. Não é de se admirar,
por isso, se a rigorosa fidelidade aos ideais e a tenaz perseguição de grandes
empreendimentos, nunca o impediram de perceber as exigências, as instâncias e o caráter
de seus “destinatários”, sobretudo de seus jovens interlocutores, tão diversificados no
abrangente arco de sua atividade educativa, de 1841 a 1888, e com relação a diferentes
condições históricas, sociais e culturais. Os argumentos e os “sinais” são muitos; mas
domina sobre todos o contacto quotidiano, intensamente personalizado, com seus garotos:
no pátio, no escritório, nos boa-noites, na confissão, nas cartas, nas diversas iniciativas de
escritor, organizador, dirigente. Deste contacto são expressão documentada, antes de tudo
as Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, que em muitíssimas páginas e na
inspiração geral, podem ser consideradas expressão reflexa de uma autêntica “pedagogia
narrada”, derivada de uma experiência “oratoriana”, antes rural, depois urbana.
Seguem as biografias que transmitem a persistente imagem de um “Dom Bosco
entre os jovens”, em diálogo com eles nos níveis mais diversos, e, ao mesmo tempo, as
sucessivas tentativas de sistematização dos elementos pedagógicos que a qualificam: o
dever, o estudo, a piedade, a alegria, os sacramentos. A força da boa educação (1855), a
Vida do Jovem Domingos Sávio (1859), o Esboço biográfico do jovem Miguel Magone
(1861), O pastorzinho dos Alpes (1864), são outras tantas representações de experiências
educativas interativas e de contos que se aproximam do significado de sistematizações
pedagógicas.
Não é para esquecer, enfim, um documento que, prolongado no tempo, fala das
ânsias existenciais e educativas de cada dia: as numerosas cartas a autoridades e a
benfeitores, a amigos e a colaboradores, sobretudo a educadores e a grupos de jovens,
expressão de uma presença ininterrupta, emotiva e operativamente participante. Muitos
outros elementos aparecerão nos capítulos seguintes.
Os próprios “sonhos” poderiam fornecer indicações sobre a crescente consciência
que Dom Bosco foi tomando da “condição” do planeta jovens. Mais do que esotéricas
fantasias noturnas, estes sonhos, para vantagem de um bom conhecimento do sistema
preventivo, devem ser considerados como expressões de ânsias e de imaginações, que
convergem para um único refúgio existencial: a felicidade temporal e eterna dos jovens, os
perigos que a ameaçam, as indústrias para promove-la. No fundo, revelam o sentido
profundo de sua vida e de sua missão de educador.
Capítulo 8

AS OBRAS, O CORAÇÃO, O ESTILO

A síntese experiencial dos elementos constitutivos do “sistema” não se pode separar


da personalidade de Dom Bosco e da típica fisionomia das instituições nas quais ele e seus
colaboradores trabalharam.
Daí se conclui que as linhas fundamentais da experiência preventiva, que são
analisadas nos capítulos sucessivos, podem ser compreendidas somente em estreita conexão
com a sua biografia, seu temperamento e os traços da sua personalidade. Isso tudo
tentaremos reevocar brevemente nesse capítulo1.

1. As obras

Nas Memórias do Oratório Dom Bosco marca o inicio de suas atividades em favor
dos jovens no dia 8 de dezembro de l841 com o casual encontro com um jovem de 17 anos,
Bartolomeu Garelli 2. Em duas memórias sobre o Oratório de Valdocco de l854 e de l862,
Esboço histórico e Esboços históricos, fala-se de origens sem individuar um jovem
particular3. De qualquer forma, ainda que inicialmente pareça que o catecismo seja a
principal finalidade, a atenção se expande até ás necessidades juvenis primárias. Em uma
carta ao Administrador da Cidade, marquês Camilo Benso di Cavour, de 13 de março de
1846, Dom Bosco escreve: “A finalidade este Catecismo é recolher nos dias festivos
aqueles jovens que, abandonados a si mesmos, não vão a nenhuma igreja para alguma
instrução; o que nós fazemos, chamando a atenção deles com boas palavras, promessas,
presentes e coisas semelhantes. O ensino se reduz precisamente a isto: primeiro, o amor ao
trabalho. Segundo, Freqüência aos sacramentos. Terceiro, respeito a qualquer autoridade.
Quarto, fuga dos maus companheiros”4.
Pouco depois, o desejo de amparar os mais necessitados levava Dom Bosco a criar
um modesto internato, a “casa anexa” ao oratório, que aumentava exigências e urgências de
socorros5. Sobre isto escrevia também em 1854 ao conde Clemente Solaro della
Margherita, o conservador ministro do exterior do Reino sardo entre 1835 e 1847: “Sem
calcular muitas outras despesas, só a conta do padeiro deste trimestre já está em quase 1600
francos (mais de cinco mil reais); e não tenho nem um tostão no bolso; e os meninos não
podem ficar sem comer e se eu nego um pedaço de pão a estes jovens em perigo e
perigosos, os exponho a grave risco da alma e do corpo (...). Aqui não se trata de socorrer
1
Cfr. A.CAVIGLIA, “Dom Bosco”, perfil histórico, segunda edição refeita. Turim, SEI 1934, 215 páginas.
PEDRO BROCARDO, Homem e santo. Dom Bosco lembrança viva. Roma, LAS 1990, 235 páginas; primeira
edição Dom Bosco profundamente homem – profundamente santo. Roma, LAS l985, l49 páginas.
2
MO (1991) 121-122. Nas Crônicas do Oratório de São Francisco de Salles, numero 1, 1860, redigidas por
Domingos Ruffino, se fala de “ um jovem de mais ou menos 17 ou 18 anos”, mas não aparecem nem o ano
nem o nome (página 28).
3
Cfr. PEDRO BRAIDO, Dom Bosco para a juventude pobre e abandonada em dois documentos inéditos de
1854 e 1862, em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 38-39 e páginas 60-62.
4
Em I 67.
5
“Ha também ali um internato- escrevia em l850 aos administradores dá há “Obra da Mendicância instruída”
– para receber de 20 à 30 pessoas e isto para os casos particulares de estrema necessidade na qual muitas
vezes um ou outro se encontra” (carta de 20 de fevereiro de l850, em I96).
uma pessoa, mas de providenciar pão a jovens cuja fome expõe aos maiores riscos de
perder a moralidade e a religião”6.
É esta a razão de suas obras e de sua fisionomia popular: obras de massa, que
querem abraçar o maior número possível de destinatários e responder à totalidade das
necessidades.
Primeiro em ordem cronológica surge o oratório, a casa dominical dos jovens
“abandonados” a si mesmos: longe ou descuidados pela família, trabalhadores estáveis ou
migrantes carentes de qualquer ponto de referência, ex-presidiários, aprendizes em busca de
trabalho, estudantes que, com a abrogação dos Regulamentos do rei Carlos Félix, vêem se
desfazer suas antigas “Congregações”7.Ligadas ao oratório há ainda outros tipos de escolas
populares, que passam a assumir consistência própria no conjunto das obras de Dom
Bosco: as escolas de canto e de música, de alfabetização, de cultura geral, noturnas e
dominicais, que serão o prelúdio dos externatos, dos pensionatos, etc.
Para o canto e a música, escrevia Dom Bosco, mais tarde, nas Memórias do
Oratório: “Desde então percebi que, sem a difusão de livros de canto e de leituras mais
amenas, as reuniões festivas teriam sido como corpo sem alma”8; “no inverno de 1846-47
nossas escolas obtiveram ótimos resultados. Em média, havia cerca de trezentos alunos à
noite. Além da parte científica, animavam as nossas aulas o canto chão e a música vocal,
que foram sempre cultivados entre nós”9. Quando, em 1848, percebeu que “os perigos aos
quais os jovens se expunham em questão de religião e de moralidade, exigiam maiores
esforços para protegê-los”, “na escola noturna e diurna, à música vocal se julgou bem
acrescentar a aula de piano e de órgão e a própria música instrumental.”, uma “nascente
sociedade filarmônica”, cujo maestro é ele mesmo, ajudado por outros mais competentes10.
Análogas exigências levarão, dezenas de anos depois, no ano de 1871-72, à
organização em Valdocco, de escolas elementares diurnas. Eram destinadas, como
explicava ao prefeito de Turim, num pedido de ajuda, aos meninos que “ou por descuido
dos parentes, ou porque desamparados, ou até mesmo por malandragem, vagavam o dia
todo com prejuízo de si mesmos e dando o que fazer às autoridades da segurança
pública”11.
Um lugar de destaque ocupam na ação juvenil de Dom Bosco associações de vários
tipos, por idade, categorias de jovens e finalidades diferentes: do seu “gênio”natural, a
“Sociedade da alegria”; da tradição religiosa, as “Companhias”; da necessidade de se opor a
formas modernas de associacionismo solidarista, inspiradas em princípios anticatólicos, a
“Sociedade de mútuo socorro”; da tendência em assimilar iniciativas que intuía como sinais
dos tempos, as “Conferências de São Vicente de Paulo”, difundida entre os jovens12.
Mas a instituição que devia polarizar, juntamente com o oratório, as melhores
energias de Dom Bosco, foi a casa de acolhida, que se tornou depois colégio interno, para

6
Carta de 5 de janeiro de 1854, Em I 212.
7
Cfr. Em I 96-97, 139-141, 172-173, 270-272; MO (1991) 122-123, 128, 132, 142-143, 148-149.
8
MO (1991) 123.
9
MO (1991) 176.
10
MO (1991) 190-191.
11
Cfr. Carta ao prefeito de Turim de 26 de agosto de 1872, E II 224-225.
12
Cfr. FRANCISCO MOTTO, As conferências “anexas”de São Vicente de Paulo nos Oratórios de Dom
Bosco.Papel histórico de uma experiência educativa, no volume O compromisso de educar, aos cuidados de
J.M. Prellezo. Roma, LAS 1991, páginas 467-492.
jovens encaminhados aos estudos ou a mais avançada formação profissional13. Este tenderá
gradativa e rapidamente a se tornar autosuficiente, com oficinas e escolas próprias, centro
integral de ajuda material, de assistência religiosa e moral, de instrução e recreação, de
formação juvenil completa, enfim. Tornar-se-á no futuro, em vários espaços, a obra mais
difundida das Congregações fundadas por Dom Bosco. Houve uma virada de mesa, em
certo sentido: primeiro, “casa anexa” ao oratório; depois, oratório “anexo” à casa14.
Dom Bosco justificava a origem da casa de acolhida com estas palavras: “Enquanto se
organizavam os meios para tornar mais eficiente a instrução religiosa e literária, apareceu
outra necessidade muito grande que exigia uma providência. Muitos jovens de Turim e de
fora eram cheios de boa vontade em melhorar a própria vida moral e de trabalho;
convidados, porém a começa-la, costumavam dizer que não tinham nem pão, nem roupa,
nem alojamento onde ficar ao menos por algum tempo. Percebendo que, para muitos
meninos seria inútil qualquer trabalho, se não fossem acolhidos em algum lugar, arregacei
as mangas e aluguei vários espaços, mesmo a preço exorbitante”15 Do colégio para
estudantes, que iniciará seu desenvolvimento nos anos 60, ele dá uma razão já com
Do colégio para estudantes, que iniciará seu desenvolvimento nos anos 60, ele dá uma
razão já com relação a Valdocco: “O desejo ardente de fazer os cursos científicos regulares,
manifestado por muitos, levou a gente a abrir alguma exceção com respeito às condições de
aceitação. Por isso, para o estudo se aceitam também jovens não abandonados e não
totalmente pobres, contanto que tenham tal conduta moral e tal
aptidão para os estudos, a ponto de dar muitas esperanças de um honroso êxito cristão em
uma carreira científica”16. Depois, a partir dos anos 60, vários colégios internos foram
assumidos por Dom Bosco com base em vários convênios com municípios desejosos de
oferecer estudos secundários aos filhos de boa família do lugar. De Turim as instituições se
espalharam rapidamente pela Itália, fora da Itália, na Europa e além-mar, em uma cadeia
que não cessou de se desenvolver em ritmo ininterrupto e veloz: Mirabello Monferrato,
Lanzo Torinese, Borgo São Martinho, Cherasco, Alassio, Varazze, Marassi e
Sampierdarena, Torino-Valsalice17; depois e 1875, Bordighera-Valecrosia, Nice, Almagro,
Buenos Aires, Mntevidéu, Marselha, Magliano Sabina, Albano Laziale, Ariccia, Lucca, São
Benigno Canavese, Este, La Spezia, Cremona, Florença, Utrera na Espanha, Paris, Roma
etc.)
Ao mesmo tempo se desenvolve uma das iniciativas talvez menos conhecidas, mas
das mais queridas de Dom Bosco, aquela que deveria garantir não só a continuidade de sua

13
O processo tinha tido início em Valdocco: entre 1855 e 1859 é criado em Valdocco o internato para
estudantes das classes ginsiais, enquanto as oficinas clássicas (sapataria, alfaiataria, carpintaria, encadernação,
mecânica e tipografia) são criadas no decênio 1853-1862.
14
Sobre o fenômeno da “colegialização” em Dom Bosco e entre os salesianos e as Filhas de Maria
Auxiliadora, cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume I, páginas 121-
127.
15
MO (1991) 180 e 182. “A experiência – escreverá ainda em 1877, referindo-se à “casa de acolhida dos
meninos pobres” em Buenos Aires – nos leva à persuasão de que este é o único meio para garantir a sociedade
civil: cuidar dos meninos pobres(...). Aqueles que talvez iriam para a cadeia, e que seriam para sempre o
flagelo da sociedade, tornam-se bons cristãos, honestos cidadãos, glória das cidades onde moram, decoro da
família a que pertencem, ganhando com o suor e com o trabalho honesto o pão de cada dia”(carta de 30 de
setembro ao doutor Carranza, presidente local da Conferência de São Vicente de Paulo, E III 221).
16
Esboços históricos..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 76-77.
17
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história econômica e social(1815-1870).Roma, LAS 1980, páginas
123-157, capítulo VI Colégios e casas de acolhida no Piemonte e na Ligúria(1860-1870).
obra, mas a possibilidade de um amplo compromisso cristão: a procura, a formação e a
promoção de indivíduos dispostos a consagrar sua vida à ação difusora católica no
sacerdócio e na vida religiosa19; ou seja, o interesse pelas vocações eclesiásticas e
religiosas. A ocasião foi-lhe oferecida por peculiares condições do seminário de Turim18,
mas a preocupação permaneceu constante, antes, aumentando com a ampliação de sua obra,
e com a visão, sempre mais ampla, das necessidades da juventude. Para este fim, funda
colégios organizados como “pequenos seminários”, e às vezes assume a direção de algum
seminário que o bispo lhe confia. Além do mais, promove beneficências e ajudas, enfrenta
sacrifícios por causa das difíceis isenções do serviço militar e de outros gravames
econômicos. Como suporte, cria a Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado
eclesiástico, para jovens já mais adultos, ideada no ano do generoso impulso missionário da
sua Sociedade religiosa, o ano de 187519.
Outro vasto setor, particularmente congênito com a mentalidade e com as atitudes
de Dom Bosco, são as atividades publicitárias, editoriais e livreiras. Escritor de produção
relativamente abundante, especialmente no campo catequético, religioso, devocional,
apologético, agiográfico, ele amplia logo as possibilidades de difusão com a fundação de
tipografias, livrarias e editoras com proporções sempre maiores20.
Está presente também a preocupação escolar, por exemplo, com O sistema métrico
decimal (1849), e a recreativa, com novelas e até uma composição teatral, A casa da
fortuna (l865); não falta nem mesmo um jornal, O amigo da juventude, de curta duração
(l848-l849).
Paralelamente ele organiza publicações periódicas e coletâneas com notável
repercussão no âmbito da cultura popular e da escola católica. Surgem as Leituras
Católicas, iniciadas em l85321, a Bibliotyeca da juventude italiana (1869-1885, 204
volumes), as Leituras escolhidas dos escritores latinos para uso das escolas (1866)22, o
Boletim Salesiano (a partir de 1877), a Pequena Coletânea das Leituras Dramáticas para
institutos de educação e famílias (a partir de 1885).
A esta atividade se ajunta a rica produção e difusão de livros e opúsculos de
controvérsia em defesa da fé católica contra o proselitismo das igrejas reformadas e a
imprensa anticlerical, que está na raiz de outras iniciativas pastorais e educativas, como a
fundação de oratórios, de casas de acolhida e de igrejas. A finalidade dominante é sempre a
18
“Este ano de 1849 é digno de memória. A guerra do Piemonte contra a Áustria, começada no ano anterior,
havia sacudido toda a Itália. As escolas públicas ficaram suspensas, os seminários, especialmente os de Turim
e de Chieri, foram fechados e ocupados pelos militares; como conseqüência, os clérigos de nossa diocese
ficaram sem professores e sem onde ficar”(MO (1991) 194.
19
Cfr.Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado eclesiástico. A messe é grande e os operários
são poucos; rogai por tanto ao Senhor da messe que mande operários para sua vinha... Turim, tipografia do
oratório de São Francisco de Salles l875, 8 páginas; outra edição, Fossano, tipografia Saccone, l875, 8 páginas
OE XXVII l-8.
20
Cfr.PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume I, páginas 229-249, Dom
Bosco escritor e editor; IDEM, Dom Bosco na história econômica..., páginas 327-368, Empresas editorias
1844-1870.

21
Cfr.PEDRO BRAIDO, A Educação Religiosa Popular e Juvenil nas Leituras Católicas de Dom Bosco, em
“Salesianum” l5(l953) 648-672: L.GIOVANNINI, As “Leituras Católicas” exemplo de “impressa católica”
no século XIX. Nápoles, Ligório l984, 280 páginas.
22
Cfr. G. PROVERBIO, A escola de Dom Bosco e o ensino do latim(1950-1900), no volume Dom Bosco na
história popular, cuidado por F. Traniello. Turim, SEI 1987, páginas 143-185.
salvação dos jovens e das massas populares: “arrancar as almas dos meninos pobres das
garras das heresias”23.
Dom Bosco é também um exímio e corajoso construtor de edifícios para o culto,
igrejas e capelas, e de centros de ação pastoral popular. É uma planta que afunda suas
humildes raízes na minúscula capela construída em abril de 1846 na Tettoia Pinardi,
seguida depois pela capela de São Francisco de Sales, e mais tarde a igreja de Maria
Auxiliadora. Grandes igrejas como a de São João Evangelista em Turim e do Sagrado
Coração de Jesus em Roma, ocuparam Dom Bosco por mais de dez anos de ânsias e de
fadigas. Por todas as partes, igreja, oratório, escola, casa de acolhida são instituições
inseparáveis, em Turim e em Roma, como em Vallecrosia, Nice, Buenos Aires, Marselha,
La Spezia, Niterói24.
O aceno à edilícia sagrada faz o pensamento correr espontâneo àquele tipo de
trabalho continuado e muitas vezes secreto, que Dom Bosco desenvolveu do primeiro ao
último dia de sua vida de padre, a bem das categorias de pessoas mais desviadas, mais
necessitadas, para construir consciências moralmente retas e religiosamente fervorosas. Um
tratado sobre Dom Bosco confessor, diretor espiritual, guia das almas, na relação com
cada um, na pregação popular, na mais especializada dos exercícios espirituais, talvez
igualaria quantitativamente a reconstrução de sua ação pedagógica. Em todos os casos, esta
a compenetra e transfigura, transferindo-a do plano humano a instâncias e reflexos de clara
conotação cristã.
Enorme e continuada foi também a ação desenvolvida por um trentênio como
fundador da Sociedade de São Francisco de Sales, de sacerdotes e leigos. e do Instituto das
Filhas de Maria Auxiliadora com funções análogas no campo feminino, acompanhados
pela Pia União dos Cooperadores Salesianos. A “fundação” se expressou em mais níveis: as
estruturas, o enquadramento jurídico, o reconhecimento canônico, a animação e a formação
dos membros, a defesa, a consolidação e a expansão.
Este trabalho foi constantemente conduzido paralelamente e em estreita interação
com o desenvolvimento, a direção e a gestão administrativa das instituições educativas e
pastorais, com a frenética procura da indispensável beneficência e os conseqüentes
contactos por carta e pessoais com benfeitores particulares ou públicos, eclesiásticos ou
leigos.
Relativamente marginal com relação às atividades principais, mas não irrelevante,
foi a episódica inserção em tratativas entre autoridades políticas e eclesiásticas para a
regulamentação, na Itália, de algumas difíceis situações jurídicas e pastorais25.
Não se pode esquecer, enfim, a ousada ação desenvolvida à distância em favor dos
emigrantes e das missões, que desde 1875, deu um tom mais amplo de catolicidade a uma
obra potencialmente universal, mas ainda fechada dentro de fronteiras ainda muito

23
Carta à senhora Cataldi, 3 de julho de 1869, E II 35-36.
24
Cfr. primeiro apelo para a igreja de São João Evangelista, 12 de outubro de 1870, E II, 121-123; carta ao
p´refeito de Turim, 3 de junho de 1871, E II 162-163: diz respeito aos primeiros passos para a construção da
igreja de São Segundo, depois por ele forçadamente abandonada; promemória ao cardeal Vigário, concernente
à igreja do Sagrado Coração em Roma, 10 de abril de 1880, E III 565. (O acréscimo de Niterói na lista foi
feito pelo tradutor).
25
Cfr. MOTTO, Dom Bosco mediador entre Cavour e Antonelli em 1858, RSS 5 (1986) 3-20; IDEM, A
mediação dos “Exequatur” aos bispos da Itália (1872-1874), RSS 6 (1987) 3-79; IDEM, A ação mediadora
de Dom Bosco na questão das sedes episcopais vacante na Itália de 1858 à morte de Pio IX (1878) no
volume PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 251-328.
nacionais. Dom Bosco a viveu com um entusiasmo excepcional, que confere ao período de
uma já avançada maturidade, um ar de uma segunda juventude. Na realidade, retorna
sempre o mesmo motivo: “O nosso único desejo é de trabalhar no sagrado ministério,
especialmente para a juventude pobre e abandonada. Catecismos, escolas, pregações,
espaços festivos para recreação, casas de acolhida, colégios, formam a nossa messe
principal”16.

2. A personalidade e o estilo

A motivação profunda de Dom Bosco é a caridade: o amor de Deus e do próximo,


fundado coerentemente em sua fé católica e em sua vocação sacerdotal, como que nascida
com ele. Há, todavia, traços de personalidade que conferem à sua consagração e ação
caritativa aspectos e tonalidades típicas, transferindo-se para o sistema preventivo nelas
assumido. Por em evidência alguns daqueles traços se torna, portanto, um dever rigoroso de
quem quiser compreender e reevocar as linhas da sua experiência pedagógica, uma vez que
esta se entrelaça e até mesmo se confunde com a sua personalidade e com o seu estilo de
vida.

2.1 Tradição e modernidade

A característica de Dom Bosco que muitas vezes chocou os observadores, mesmo


se, provavelmente, não deve ser considerado o principal, é a modernidade27. Ela, de
qualquer forma, é inseparável de um firmíssimo agarramento ao passado em seus valores
fundamentais: as tradições morais e religiosas assimiladas na família e na comunidade
cristã, que o haviam espiritualmente nutrido; os hábitos de honestidade, de laboriosidade,
de sacrifício que o haviam constantemente acompanhado; em síntese, a fidelidade à
concepção e ao estilo de vida proposto pelo cristianismo, guardado e pregado na Igreja
Católica pelos papas, bispos e sacerdotes, ajudados pelos batizados sinceramente
praticantes.
Modernidade e tradição determinam uma dualidade de atitudes que, por mais que
distintas, e distintivas com relação a outros padres e católicos do tempo, geralmente se
fundem em Dom Bosco com extrema naturalidade. Efetivamente, nele a dependência do
ambiente espiritual do qual provém, às vezes fortemente conservador, se concilia quase
sempre com um realismo, que o faz aderir a novas situações e exigências com moderada
ousadia: tradicional sem ser reacionário, moderno, sem
mancomunar-se com nenhuma forma de liberalismo católico.
Não parece pertinente nem exato o discurso sobre Dom Bosco “precursor”. Já se viu
e se verá ainda que a quase totalidade de suas obras e de suas idéias é patrimônio constante
da tradição católica a isto o levavam, como foi já visto, mentalidade, formação,
conhecimentos, adesões, simpatias: o ambiente de sua aldeia e de sua família, a escola de

16
Carta a Dom Pedro Ceccarelli, pároco de São Nicolau de los Arroyos ( Argentina ), dezembro de 1874, E II
430.
27
Cfr. Dom Bosco e os desafios da modernidade. Contribuições de M. Guasco, P. Scopola, F. Traniello.
Turim, Centro de estudos “Carlos Trabucco” 1988, 46 páginas; P. SCOPPOLA, Dom Bosco e a modernidade,
em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., páginas 531-540; veja-se no mesmo volume páginas
interessantes de PEDRO STELLA, Balanço das formas de conhecimento e dos estudos sobre Dom Bosco,
páginas 34-36.
Chieri, o seminário o Colégio eclesiástico, Cafasso e as forças espirituais que interferiam e
predominavam nos círculos eclesiásticos por ele preferidos, a aristocracia piemontês,
florentina, romana, e os benfeitores com os quais ele teve outras relações amigáveis, e dos
quais obteve substanciais ajudas, arcebispos, cardeais, papas.
O juízo sobre os acontecimentos de seu tempo não é, fundamentalmente, diferente
dos demais amplamente difundidos no mundo católico. Distingue-se talvez, algumas vezes,
pelo modo realista de recebe-lo ou afrontá-lo ou mesmo de retificá-lo, algumas vezes até
com um silêncio quase neutro, mas substancialmente correto.
A este propósito é típica a atitude de Dom Bosco diante de alguns fatos políticos de
l848. O seu juízo teórico não é, substancialmente favorável. Tanto que ele, por exemplo,
assim justifica sua recusa em fazer o Oratório participar das festas de celebração do
Estatuto: “Fazer o quê? Recusar era declarar-me inimigo da Itália; aceitar era o mesmo que
aceitar princípios que eu julgava de funestas conseqüências”28. Provavelmente o juízo não
se refere aos princípios teóricos de fundo (espírito democrático, antiabsolutismo etc...), mas
a conseqüências práticas, consideradas deploráveis ou realmente tais: prevaricações
autoritárias, libertarismo, desenfreada liberdade de imprensa e de paixões, ruptura violenta
com tradições respeitáveis. Em qualquer caso isto não é positivo. Todavia, vem junta uma
vontade de ação, que supera o aspecto polemico, pára se tornar decisão de colaborar
efetivamente com as melhores exigências contidas em qualquer estatuto bem feito e
condições mais urgentemente exigidas para a construção de uma ordem política e social
fundada sobre valores religiosos e morais. “Senhor Marquês – conta ele ter dito a Roberto
D’Azeglio-, é meu firme propósito manter-me estranho a tudo o que se refere à política.
Nunca a favor nem contra(...). Fazer de bem que posso aos jovens abandonados,
esforçando-me com todo afinco para que se tornem bons cristãos diante da religião e
honestos cidadãos na sociedade(...). Convidem-me para qualquer coisa, onde o padre possa
exercer a caridade, e vocês me verão pronto a sacrificar vida e bens, mas eu quero me
manter agora e sempre estranho à política”29.
Na realidade, as política é essencialmente “religiosa”, orientada ao bem espiritual,
sobretudo dos jovens, e também ao seu bem estar material, que ele vê necessariamente
àquele30. É o critério de base para julgar fatos e idéias e operar coerentemente. “Peço de
todo o coração que rezem ao Senhor que tenha piedade do pobre Piemonte, para o qual
corem tempos verdadeiramente desastrosos para a nossa santa religião católica”, escrevia
ao arcebispo de Ferrara31; e mais amplamente ao amigo cônego Lourenço Gastaldi: “Para a
Religião estamos em tempos desastradíssimos. Creio que, de São Máximo até aqui não
existiu nunca tal espírito de desordem como o de hoje. O famoso projeto de lei passou na
câmara dos deputados: espera-se que não passará na câmara dos senadores. O rei está muito
desolado, pois está cercado de gente vendida e de má fé. O clero trabalha e espero que não

28
MO(l99l) l98. O grifo é nosso. Mais adiante, falando de um sacerdote “patriota” enviado a “fazer uma
palestra aos jovens pobres”, comenta: “Mas aquela vez foi de verdade imoral. Liberdade, emancipação,
independência, ressoaram durante todo o discurso” (MO l99l) 201.
29
MO(l99l) l99-200
30
Substancialmente ele reconduz a sua “política real” à ação assistencial e educativa em favor da juventude
pobre e abandonada, moralmente em perigo e socialmente perigosa. Esta política de educação ele esclarece
com particular vigor nos discursos do último decênio, e explicita, em particular, a um grupo de ex-alunos do
Oratório, depois da viagem a Paris, em 24 de junho de l883 (Boletim Salesiano 7 (l883) número 8, agosto,
páginas l27-128).
31
Carta de l9 de dezembro de l853, Em I 209.
se descuide de fazer tudo para opor-se às desordens iminentes; porque, se a mão de Deus
pesar-se sobre nós e permite-se alguma grave desgraça, restará a consolação de ter feito
tudo quanto foi possível”32.
O juízo político é sempre funcionalmente católico e é muitas vezes decididamente
negativo porque se refere a abusos da liberdade, à proteção de apóstatas e protestantes, à
ofensa dos direitos da igreja, às maiores possibilidades de difusão do mal. Sobre tudo, “a
juventude em perigo”: “O senhor nos põe a grandes provas; é a primeira vez que nesta
nossa cidade se vê o emissário protestante pregar em praças públicas! Imagine o senhor que
escândalo, e que mal, os livros, folhetos, catecismos, pregações, promessas de emprego,
esmolas, subornos, são os meios que os protestantes costumam usar. O clero trabalha sem
descanso e com firmeza mas é preciso dize-lo a juventude está correndo grande risco”33.
“As coisas de religião e os ministros sagrados – havia escrito a Pio IX – de dois anos para
cá foram expostas a graves humilhações nas nossas aldeias, tanto por causa das costumeiras
incursões dos protestantes quanto pelas ameaças e até opressões das autoridades (...). A isto
se soma a instrução acatólica da juventude nas escolas primarias e secundarias”34.
Não deixará depois de sublinhar os problemas dos anos l866-l867, desejando paz
civil e religiosa e assegurando ao papa solidariedade e oração. “esperamos- escreve ao fiel
cavaleiro Oreglia – que Deus mandará quanto antes a paz entre os povos cristãos e que os
súditos poderão unir-se ao redor do seu soberano e ocupar-nos todos com coragem mais
tranqüila à salvação da alma”35 “nós entretanto – volta a garantir ao papa – continuaremos
em todas as nossas casas a rezar de manhã e de noite pela conservação dos dias preciosos
de Vossa Santidade, para que Deus lhe conceda saúde e graça para suportar as graves
tempestades não muito longínquas que a Divina Providência permitira que os inimigos do
verdadeiro bem provoquem contra a intemerada esposa de Jesus Cristo. É a última prova,
teremos o esperado triunfo”36. Provavelmente Dom Bosco condividia com vários católicos
a esperança de acontecimentos excepcionais em defesa de Roma e do Papa. Isto explicaria
também uma referencia irônica à confiança da oposição diante de uma iminente realização
da tomada de Roma para capital da Itália: “Esteja tranqüilo que, antes que se realize a
unidade italiana (isto será logo!!) o livro estará terminado”37. Da arma da ironia Dom
Bosco se servia, às vezes, com amigos do mesmo parecer, para ridicularizar a “democracia”
é os “democraticões” os anti-clericais tipo José Garibaldi38.
Previsões e juízo se sucedem e contrastam antes e depois de l870. É interessante o
proginostico arriscado justamente no dia da entrada do exercito italiano em Roma. “Senhor
Comendador, coragem e esperança. Guarde estas palavras: um temporal, uma tempestade,
um turbilhão, um raio, cobrem o nosso horizonte; mas duraram pouco. Depois aparecerá
um sol que nunca resplandeceu tanto desde São Pedro até Pio IX”39. Três meses depois da
32
Carta de 23 de fevereiro de l855, Em I 248. Referia-se à lei de supressão das ordens religiosas.
33
Carta ao Marquês João Patrizi, 20 de junho (a redação; 24 de outubro, expedição) 1863, Em I 586.
34
Carta a Pio IX, 13 de fevereiro de l863, Em I 552.
35
Carta ao cavaleiro Oreglia, 21 de maio de l866, Em II 241-242; Cfr. carta a condessa Ana Bentivoglio, 30
de setembro de l866, Em II 302.
36
Carta a Pio IX, 26 de junho de l867, Em II 398.
37
Carta à condessa Carlota Callori, 19 de outubro de l867, Em II 442.
38
Cfr. Carta ao conde Pio Galleani de Agliano, 14 de agosto de l855, Em I 264; ao cônego Alexandre
Vogliotti julho de l860, Em I 4l9; ao barão Branco de Barbânia, dezembro de l869, É II 65-66; á condessa
Alessi de Camburzano, 28 de outubro de l870, É II l26.
39
Carta ao comendador Dupraz, 20 de setembro de l870, É II 118-119. A notícia da entrada do exército
italiano em Roma chegou ao santo em 21 de setembro: não comentou nada.
tomada de Roma, escrevia à condessa Carlota Callori: “que Deus nos conserve depois de
uma terrível luta entre Cristo e Satanás de ver a Igreja e o Santo Padre em paz”40.
Dom Bosco, todavia não deixava as armas. Não somente continuava com a sua
política realista e construtiva, mas justamente em força desta, podia até mesmo inserir-se,
como já foi dito, na questão das nomeações dos bispos (l871-1874). Ele explicita sempre
melhor o seu pensamento, assumindo como norma de ação “política” o evangélico “dar a
César o que é de César e a Deus o que é de Deus”41, sempre guiado pelo principio de fazer
o bem em qualquer lugar que fosse necessário e possível. “Para o circulo dos operários –
escrevia a um diretor salesiano a quem foi pedido um local para uma associação da cidade –
e para aqueles que o promovem você poderá sempre dizer que nós deixamos de lado
qualquer idéia de partido, mantendo nos firmes no que disse Jesus: dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus. Que ninguém tenha nada a temer de nós nem em palavra
nem em fatos”42. “Tenha se bem presente – esclarecia uma outra vez – que se queremos
progredir, é necessário nunca de política nem a favor nem contra; o nosso programa seja
fazer bem aos meninos pobres. O que vem junto com este principio será sugerido por Deus
e passado de um para outro o que poderá ser feito”43. E com mais ardor tinha repetido, anos
antes, ao ministro João Lanza durante as tratatívas para a questão das “temporalidades”
episcopais; “ Eu escrevo com confiança e asseguro que, enquanto me professo sacerdote
católico e fiel ao chefe da religião católica, sempre me mostrei muito afeiçoado ao governo,
para cujos súditos sempre constantemente dediquei minhas fracas forças, meus haveres e
minha vida. Se o senhor acredita que eu possa servi-lo em alguma coisa vantajosa para o
governo e para a religião, é só dizer-me como”44.

2.2 Realismo e rapidez

O trabalho entre os jovens não foi inspirado a Dom Bosco por ideologias ou
considerações teóricas, mas da sua sensibilidade humana e sacerdotal, posta diante de fatos
tangíveis e de situações concretas, que exigem, mais do que planos e projetos, intervenções
imediatas e realistas. os fatos o provocam.
É o problema do tempo livre de jovens despreparados para utilizá-lo
convenientemente: “Algumas pessoas, entusiasmados com a boa educação do povo, viram
(...) com sentimento de profunda tristeza, muitos daqueles que se dedicaram por tanto

40
Carta de 2 de janeiro de l87l, É II l44. Ao conde Eugênio de Maistre, que tinha sido voluntário entre os
oficiais pontifícios, escrevia em 28 de dezembro l872: “Tenhamos coragem, atravessamos um período de
tempo muito triste. Esperamos que a misericórdia do Senhor no-lo abreviará”(É II 247).
41
Mt 22,21; Mc 12,17; Lc 20,25.
42
Carta ao diretor de Nice, Padre Ronchail, abril de l867, É III l63.
43
Carta a Carlos Vespignani di Lugo, ll de abril de l877, É III l67.
44
Carta de ll de fevereiro de l872, É II l95. Idênticas expressões usará em uma carta de l2 de outubro de l873
ao ministro de graça e justiça, Honorato Vigliani: “Como padre eu amo a religião, como cidadão desejo fazer
tudo o que posso para o governo (...). Visto que sou absolutamente estranho à política e às coisas publicas, se
o senhor julga-se oportuno se servir de minha pobre pessoa para alguma coisa, não teria nenhum medo de
publicidade inoportuna” (É II 313). É a repetição, em forma abreviada, daquela “profissão de fé política”, que
em l2 de junho de l860 tinha anuciado ao ministro do interior, Luís Carlos Farini, e o ministro da instrução
publica, Terêncio Mamiami, logo depois de uma perquisização e a uma sucessiva inspecção escolar (Em I
407-410). Sobre a evolução das idéias políticas de Dom Bosco, Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na
história da religiosidade católica, volume II, páginas 75-96.
tempo ao trabalho nas indústrias e artes da cidade, gastar, nos dias festivos, na bebida e no
jogo, a parca economia conseguida durante a semana”45.
É a condição dos jovens imigrantes do cmpo para a cidade: “Acreditamos ser coisa
publicamente conhecida como o padre João Bosco, no desejo de promover o crescimento
moral da juventude abandonada, fez de tudo para abrir oratórios masculinos nas três
principais partes da cidade, onde, nos dias festivos, são recolhidos, no maior número
possível, os jovens em perigo, da cidade e das cidades pequenas que acabam vindo para
esta capital”46.
É ainda o flagelo do cólera, epidemia que, em 1854, aumenta o número dos órfãos e
dos sem família, com aumentadas preocupações de espaço, carência de alimentos, queda
nas beneficências, enquanto crescem os perigos morais47.
É o problema mais geral dos jovens em perigo e perigosos, apresentados como a
maioria. A não pequena parte, porém, podia ser aplicado o que escrevia em uma circular de
13 de março de 1854: “Encontro-me na dolorosa circunstância de poder assegurar-lhe que,
se houve um tempo de calamidade para a juventude, é ceramente este. Um grande número
encontra-se no iminente perigo de perder honestidade e religião por um pedaço de pão”48.
Motivos análogos são reevocados e tornados públicos para cada fundação de novas
obras juvenis, próximas ou distantes. Em Gênova- Sampierdarena, rdcreve, “a população é
de quase vinte mil almas, com uma só paróquia e pouquíssimo clero, nada em comparação
com a necessidade. Esta necessidade é sentida por todos aqueles cidadãos, mas
especialmente pelos jovens pobres, que em grande número vagam pelas ruas e praças,
abandonados aos perigos de perversão a que os expõe sua tenra idade”49.
Coisas semelhantes, mas mais interessantes para uma cidade que está crescendo
rapidamente, são ditas para La Spezia. “Entre as cidades da Itália nas quais sobram
meninos abandonados está La Spezia. Os habitantes são quase todos operários do Arsenal,
e não podem ter os cuidados devidos, enquanto o número de habitantes, em brevíssimo
tempo, passou de cinco para vinte e seis mil, o que não permitiu que se abrissem institutos
de educação que seriam de absoluta necessidade”50. A educação religiosa da juventude se
tornou uma necessidade sentida por todos os homens honestos. Mas os pobres filhos do
povo, aqueles que são carentes de meios e da assistência dos pais, merecem particular
atenção. Sem instrução moral, sem um trablho ou uma profissão, estes jovens correm o
gravíssimo risco de se tornarem um flagelo público e ir morar na cadeia. Este é um perigo
grave em todas as partes, mas especialmente em La Spezia. Esta cidade, que passou de

45
Circular para uma rifa, 20 de dezembro de 1851, Em I 139. O bispo de Biella, monsenhor Losana, tinha
promovido uma coleta para o oratório. Dom Bosco respondia agradecendo o “benefício” feito “à juventude de
Turim” e acrescentava: “alegre-se, porque isto redundará também em vantagem de muitíssimos jovens de sua
diocese, porque, tendo que passar uma notável parte doa ano na capital a motivo de trabalho, um considerável
número deles vêm a este Oratório para divertir-se, aprender e santificar os dias dedicados ao Senhor” (carta de
4 de maio de 1852, Em I 155).
46
Propaganda para uma rifa, 21 de fevereiro de 1857, Em I 318.
47
Cfr. pedido à “Mendicância instruída”, 13 de novembro de 1854, Em I 96-97; ao prefeito de Turim, 25 de
janeiro de 1855 Em I 243-244; ao intendente de finanças, 22 de março de 1855, Em I 251; circular de 8 de
maio de 1855, Em I 253-254; cartas à “Mendicância instruída”, 21 de novembro de 1855, Em I 270-272.
48
Em I 222.
49
Circular do verão de 1872, E II 220; cfr. outra circular do outono de 1872, com descrição análoga, E II 241-
242.
50
Carta ao ministro da marinha, Bento Brin, em 16 de janeiro de 1877, E III 273.
quatro a trinta mil habitantes em pouco tempo, padece de carência quase absoluta de
igrejas, de escolas e de casas de acolhida”51,
Proglemas graves surgem em Roma, que se tornou capital efetiva do reino da Itália.
“Esta divina cidade – esclarecia ao papa – em tempos normais era abundantemente provida
de institutos de educação para toda espécie de cidadãos. Agora, nestes tempos de
anormalidade, o extraordinário aumento da população, os inumeráveis jovens que de longe
v^^em para cá em busca de trabalho ou de refúgio, tornam indispensáveis algumas
providências para as classes mais humildes. Esta necessidade se tornou claramente dolorosa
pela quantidade de jovens vadios, que fazem desordens nas praças e ruas, e acabam parando
na cadeia(...). Estes pobrezinhos são mais abandonados que maus, e parece que seria muito
bom para eles, se agente pudesse abrir um instituto”52.
As referências se estendem às obras mais variadas, incluindo também as escolas de
orientação clássica – como punha em evidência nos anos da reviravolta “colegial”-
destinadas a “difundir a instrução secundária entre os jovens mais pobres, mas
recomendáveis por inteligência e virtudes “, a “beneficiar os jovens pobres que tenham
capacidade intelectual e moral, mas absolutamente carentes de meios econômicos, para
cultivar a inteligência que Deus lhes deu”53.

2.3 sabedoria e firmeza

A adesão de Dom Bosco aos tempos e às situações se caracteriza ainda por uma
típica nota de moderação, que é propriamente sabedoria. Certamente ele não é por
princípio, defensor do “ótimo inimigo do bem”, mas sabe renunciar também ao ótimo pelo
bem, quando este for o único atingível; é também propenso a preferir o bem limitado ou
imperfeito ao nada. “Estou plenamente de acordo contigo – escreve a um seu colaborador
em uma circunstância particular - . O ótimo é o que procuramos, mas infelizmente temos
que nos contentar com o medíocre em meio a tanto mal. Os tempos são assim. Não obstante
isto, os resultados até agora obtidos devem nos deixar satisfeito”54. “Como senhor pode
bem ver – tinha escrito muito anos antes ao Padre Gilardi, do Instituto da Caridade, com
quem tratava sobre certas construções - , é preciso usar toda a simplicidade da pomba, sem
esquecer a prudência da serpente: deixar a coisa tão bem feita, que o inimigo não possa
espalhar a cizânia. Além disso, as coisas públicas devem estar bem conforme as leis, para
que ninguém saia prejudicado: assim sendo, apresento ao seu ilustríssimo superior o
seguinte projeto”55.
Sabedoria e firmeza, idealismo e realismo, cálculo humano e confiança em Deus,
espera paciente e ir para a frente, diplomacia e franqueza se ajuntam sempre em equilíbrio
dinâmico. “Ademais, o senhor conhece minha boa vontade; onde a indústria, a boa vontade
podem conseguir alguma coisa para a glória de Deus, eu entro com todas as minhas

51
Circular de 11 de outubro de 1880, E III 672.
52
Súplica a Leão XIII, março de 1878, E III 317.
53
Carta ao ministro da Instrução Pública, Carlos Matteucci, 11 de novembro de 1862, Em I 538; e ao
provedor de estudos de Turim, Francisco Selmi, outubro de 1863, Em I 610; cfr. Em I 542 e 558 – 559.
54
Carta ao Padre João Bonetti, 06 de junho de 1860, E II 96. ”O bem devia ser feito bem”, insistia já Padre
Cafasso, a quem Dom Bosco objetava que entre tantas dificuldades, às vezes bastava fazer o bem possível:
cfr. PEDRO BRAIDO, Um “novo padre” e a sua formação cultural segundo Dom Bosco, RSS 8 (1989) 14.
55
Carta de 15 de abri de 1850, Em I 101.
forças”56. É um princípio seu, integrado por outro, que define a sua “cruzada” operosa e
construtiva, movida por inabalável fé teologal: “Deus está conosco, não temais”57. Mas a
franqueza não exclui a ponderação, baseada no conhecimento de coisas ou pessoas, e o
espírito de conciliação, quando preciso, tanto nos negócios materiais quanto espirituais.
“Desejo e recomendo que qualquer aresta seja aplainada como bons amigos, fora dos
tribunais civis, confiando-a a pessoa capaz, que goze da confiança de ambas as partes”58.
“Conta-me o estado moral, material e esperanças e temores das nossas coisas. Sem isto não
podemos caminhar senão sobre incertezas”59.
Em uma circunstância particular, pede a um religioso de confiança em Roma, se o
parecer contrário à aprovação das constituições tinha sido expresso também por bispos que
tinham enviado a Roma uma carta de recomendação de parecer favorável. Serve-lhe para
predispor a tática seguinte: “(...) e isto unicamente por norma, isto é, se devo continuar
seguindo o conselho deles ou agir contra aquilo que me dizem, para assegurar-me de fazer
aquilo que eles querem”60.
Por isso, em certas questões, ele quer confrontar a próprias idéias com o parecer dos
colaboradores: “Paciência, coragem, acertaremos tudo. É um ano excepcional; o material
para construir existe. O que é preciso é colocá-lo no lugar(...). As coisas se apresentam
aparentemente muito bonitas; daqui a oito ou dez anos escrevam-me de novo, é me falem
de suas dificuldades; mas digam-me ao mesmo tempo o parecer de vocês sobre o modo de
superá-las”61
Mas pode permitir-se também certa impaciência ou inquietude ou anciã de chegar
ao final, quando as causas lhe parecem justas e urgentes. “As coisas estão muito enroladas.
Recebi a famosa comunicação. Preparo alguma observação. Mas esta-la a sua assinatura. Se
tem alguma coisa para observar, fale-me logo. O cardeal Nina esperava-o para as minúcias.
Ainda desta vez vamos nos arranjar como podermos”62. E uma carta a seu representante em
Roma. Não e a única, sobre tudo pelo que se refere à difícil construção da igreja do Sagrado
Coração: “Eu desejo que os trabalhos progridam, faço esforços incríveis para arranjar
dinheiro; mas se as coisas vão assim, quando vamos acabar esta igreja?”63.
O aumento das dificuldades faz aumentar também as suas pressões até à ironia.
“Acabo de receber a sua carta. Paciência em tudo. Ajeitaremos tudo(...). Ao invés de
criticar aquilo que nos contrairmos em Roma, eu gostaria que certos cavalheiros pensassem
em dar-nos dinheiro”64. “Digam o que quiser das nossas coisas em Roma. Não ligo mesmo.
Temos certezas nos nossos negócios”65. “Eu faço o que posso; mas e necessário que você e
padre Savio dêem um jeito de arranjar dinheiro (...). Coragem: dinheiro, não falta em

56
Carta ao senhor Marcos Gonella, 28 de maio de 1867, Em II 370.
57
Carta a Monsenhor Cagliero, 10 de fevereiro de 1885, E IV 313.
58
Carta a Francisco Vespignani, 9 de maio de 1882, E IV 134.
59
Carta a Dom Costamagna, 1 de outubro de 1881, E IV 83.
60
Carta a José Oreglia, jesuíta, 7 de agosto de 1868, Em II 556.
61
Carta ao Padre Lemoyne, Diretor em Lanzo Torinese, 19 de outubro de 1874, E II 413.
62
Carta a Dom Dalmazzo, seu procrador em Roma, 28 de junho de 18882, E IV 147. Refere-se a I concordia,
que fechava uma longa pendecia com o Ordinario diocesano.
63
Carta ao Cardeal Vigario, 05 de julho de 1882, E IV 149-150; cfr também carta a Padre Savio em Roma, 06
de julho de 1882, E IV 150; a Padre Dalmazzo, 28 de julho de 1882,. E IV 157.
64
Carta a Padre Dalmazzo, 27 de agosto de 1882, E IV 165.
65
Carta a Padre Dalmazzo, 27 de agosto de 1882, E IV 186.
Roma”66. Seria necessária uma tragada de Sun da Espanha para acordar o compilador de
Breves (muito longos) para nossas decorações”67.

2.4 Magnanimidade e praticidade

É também notável em Dom Bosco a coexistência de grandeza nos projetos e planos de


atuação e praticidade das relizações e instrumentais.

Poder-se- ia recolher, a propósito, toda uma antologia de afirmações, que revelam


disponibilidade, espírito empreendedor, ousadia. “Li o projeto da Biblioteca Eclesiástica –
escreve ao bispo de Mondovì, monsenhor Gilardi -, a empresa é árdua e gigantesca;
entretanto, se pudermos encontrar colaboradores, e tornar a causa conhecida como merece,
pode contar comigo e com todas as minhas forças”68. “Como verá na folha anexa – vem
dito em outra carta, ao professor Vallauri, pedindo publicidade no jornal católico de Turim
“A Unidade Católica”, para a igreja de São João Evangelista – a obra é gigantesca, mas de
absoluta necessidade, por isso resolvi pôr a mão na massa"69. “Neste momento o Senhor
quer isto de nós! Casas, colégios de condições modestas, casas de acolhida para selvagens
ou semi-selvagens, se houver...”; “Você é músico, eu sou poeta de profissão; por isso
faremos de modo que as coisas da Índia e da Austrália não perturbem as coisas da
Argentina”70. “Muito dificilmente consigo expressar a profunda comoção que sua carta e as
assinaturas dos generosos cassinenses causaram em meu coração. Eu que consagrei toda a
minha vida ao bem da juventude, persuadido de que, de sua boa educação depende o futuro
da nação, eu, que de certo modo, me sinto arrastado para qualquer lugar onde se possa fazer
um pouco de bem a esta porção eleita da sociedade, não precisava de um tão nobre
incitação”71. “ Nas coisas de que são de vantagem para a juventude em perigo ou servem
para ganhar almas para Deus, eu vou em frente até à temeridade. Por isso no seu projeto
para iniciar alguma coisa que seja de proveito aos meninos pobres e em perigo, para afasta-
los do risco de irem para a prisão, fazer deles bons cidadãos e bons cristãos é a finalidade
que nos propomos”.72 Neste clima, na apresentação que ele faz disto, ele tende a dilatar as
efetivas proporções, e a real consistência das obras nascentes e de seu desenvolvimento.
Serve, ao mesmo tempo para a publicidade e para a animação dos colaboradores e bem
feitores. “Neste mês abrimos já 5 casas e todas já estão cheias; quatro serão abertas no
próximo agosto se Deus quiser. Não é verdade que somos progressistas?”73. “As coisas não
vão somente a vapor, mas como o telegrafo. Em um ano, com a ajuda de Deus e com a
caridade dos nossos benfeitores, podemos abrir vinte casas. Deste modo temos agora mais

66
Carta a Padre Dalmazzo, 27 de agosto de 1882, E IV 215.
67
Carta a Padre Dalmazzo, 19 de junho de 18882, E IV 144. O Sun era um fumo muito apreciado.
68
Carta de março de 1868,E II 15.
"69
Carta de 10 de dezembro de 1870, E II 135; cfr.carta à condessa Uguccioni de Florença, de 2 de dezembro
de 1871, E II 189. e de 28 de março de 1872, E II 203; ao Padre Rua e ao Padre Lazzero em 25 de abril de
1676, E III 50; a Dom Cagliero em 27 de qbril de 1876, E III 52; A Dom Rua, em abril-maio de 1876, E III
53-55.
70
Cartas a Dom Cagliero de junho e julho de 1876, E III 68 e 72; cfr. também carta de 16 de novembro de
1876, E III 114.
71
Carta ao doutor Peverotti di Cassine (Alessandria), 6 de setembro de 1876, E III 93.
72
Carta a Carlos Vespignani, 11 de abril de l877, E III 166.
73
Carta à condessa de Camburzano, 28 de julho de l878, E III 370.
de setenta casas com trinta mil alunos. Veja como cresceu a sua família!74. “Temos grandes
empreendimentos nas mãos, é preciso oração forte para que tudo corra bem”: é o inicio de
uma carta da França ao mais próximo colaborador75. É a jovens salesianos na América
antevia desenvolvimentos semelhantes: “Nossas coisas aqui vão em frente a passos de
gigante”76.
Não são somente projetos “ideais”. Grande nas ideações, Dom Bosco não é menor
no obscuro trabalho quotidiano de procurar meios e caminhos para as necessárias
realizações.É talvez o aspecto mais vistoso de uma vida marcada pela pobreza e pela
incansável procura de recursos.
O pesadelo maior é o padeiro. “As misérias se vão duplicando, e eu fico dia e noite
pensando como pagar o padeiro”77. “Tenho ainda a conta do padeiro do mês de março e não
sei onde arranjar o dinheiro; se o senhor puder me ajudar, estará dando de comer a quem
tem fome”78. Nós aqui fazemos tudo o que podemos; os ratos não podem brincar debaixo
das unhas do gato”79; “o preço do pão está de desanimar qualquer um”80.
A pobreza aflige todos os setores das obras. “As casas estão de cofres vazios”81.
“Chora-se miséria de todos os lados; mas a oferta de meninos pobres é muito generosa a
todo instante. Esperemos e rezemos”82. Até no Barbeiro de Sevilha ele se inspira: “Todos
exigem, todos querem. Pouco por vez, por caridade”83.
Torna-se quase um “testamento” uma de suas últimas cartas, de 7 de novembro de
1887: “A fome faz o lobo sair da toca, diz o provérbio; do mesmo modo a minha
necessidade me leva a chatear certos benfeitores, coisa que não teria coragem de fazer em
necessidades ordinárias(...). Ajude-me como puder(...). Não posso mais escrever, são os
últimos esforços de minha pobre mão”84.
A mobilização de colaboradores e de benfeitores não tem tréguas; são contactos
pessoais, centenas de cartas particulares e circulares. “Fiquem alegres – escreve ao seu
Cirineu mais próximo – arranjem dinheiro; o senhor “Cavagliere” faça negócios, Buzzetti o
ajude. Daqui farei o que puder”85. Você, portanto, faça de tudo para recolher ofertas, e se
não puder, roube alguma soma boa, ou melhor, faça alguma subtração matemática na casa
de algum banqueiro”86. Levanta empréstimos, organiza loterias, inventa sorteios de todo
tipo, promove concertos de beneficência87. E além do mais, possui a nobilíssima arte de

74
Carta à condessa Ujuccioni, l8 de novembro de l878, E III 417.
75
Carta ao Padre Rua, de ll de janeiro de l879, E III 436; “os nossos empreendimentos aqui caminham de um
modo fabuloso, diria o mundo, mas nós dizemos de modo prodigioso” (carta a Dom Rua, de Marselha, l7 de
janeiro de l879, E III 442).
76
Carta ao Padre Tadeu Remotti, 31 de janeiro de l88l, E IV 9; Cfr. carta a Dom José Fagnano, 31 de janeiro
de l88l, E IV 13-14.
77
Carta ao cônego De Gaudenzi, 17 de dezembro de 1855, Em I 276; cfr. a já citada carta de 19 de janeiro de
1854, Em I 215.
78
Carta ao barão Feliciano Ricci des Ferres, 7 de maio de 1856, Em I 288.
79
Carta ao senhor Oreglia, 7 de dezembro de 1867, Em II 456.
80
Carta ao senhor Oreglia, 10 de abril de 1868, Em II 522.
81
Carta ao Padre Rua, julho de 1876, E III 77.
82
Carta ao Padre Rua, 13 de outubro de 1876, E III 104.
83
Carta ao Padre Rua, janeiro de 1878, E III 285.
84
Carta à senhora Zavaglia-Manica, 7 de novembro de 1887, E IV 384.
85
Carta ao Padre Rua, 24 de janeiro de 1869, E II 7.
86
Carta ao Padre Dalmazzo, 9 de dezembro de 1880, E III 639.
87
Cfr. Apelo para uma loteria, 20 de dezembro de 1851, Em I 139-141; Em I 141-140, 186, 222, 314, 317-
319, 476-478, 478-480; Em II 130-131; E III 94-95; 99-100, etc...
“cultivar” os benfeitores, o que poderia parecer astúcia, se não partisse de intenso amor
pelas pessoas a quem deve fazer o bem, primeiro entre os próprios benfeitores: “A única
coisa que posso ainda fazer, e que faço de muito boa mente para o senhor – escreve na
última ou penúltima carta -, e para todos os seus vivos e falecidos, é rezar todos os dias para
eles, a fim de que as riquezas, que são espinhos, sejam mudadas em obras boas, em flores
com as quais os anjos tecerão uma coroa que lhes coroarão a fronte por toda a eternidade.
Amém88.
Ele pede por amor de quem precisa, mas também de quem dá. E o amor assume
cores também de afeto humano, de reconhecimento sincero, de amizade, à qual não faltam
as confidências filiais, a familiaridade, a gentileza de troca de presentes simbólicos, de
convites feitos ou aceitos, de honorificências pedidas e obtidas, de orações, de saudações e
lembranças pessoais em cartas a terceiros, de parabéns pontuais e sinceros. Neste contexto
de sentimentos, incisivamente personalizados, entende-se como Dom Bosco chega a
estabelecer relações nem forçadas nem artificiais com os benfeitores e benfeitoras, as
“mamães”89 mais pródigas e solidárias com ele.

2.5 Inteiramente consagrado aos jovens

A ação de Dom Bosco não é, porém, expressão de ativismo puramente temperamental; é


consagração consciente e voluntária, é missão com uma finalidade precisa: a salvação
completa dos jovens. Eles – como ele lhes diz – podem realmente tomar posse dele; “todo
inteiro consagrado aos seus educandos”, como escreverá para cada educador nas páginas de
1877 sobre o Sistema preventivo na educação da juventude. Precisamente por este motivo,
sua dedicação tem um ritmo completamente diferente do de sua vida física: parece até
crescer, enquanto seu físico vai se apagando.
Desde os primeiros anos, em vista do muito trabalho, damos com um Dom Bosco
doente e obrigado a passar alguns meses do verão e do outono em sua terra natal, para
restaurar um organismo já cansado e, no verão de 1846, tomado por uma doença quase
mortal. Declarações de cansaço, de distúrbios de saúde, de sofrimentos físicos e morais,
podem ser lidas, com bastante freqüência, em suas cartas, num crescendo impressionante.
“Estou de tal modo assoberbado neste tempo de quaresma, que já não agüento mais”,
escreve ao amigo cônego De Gaudenzi em 185390. À condessa Callori, em 24 de julho de
1865, depois de uma série de lutos, confidencia: “Nestes momentos, a senhora imagine
quantas dispesas, quantas atrapalhações, quantas responsabilidades caíram sobre os ombros
de Dom Bosco. Mas não pense que esteja derrotado; só cansado”91.
As condições se tornam mais precárias, depois da grave doença que o abateu em
fins de dezembro de 1871 em Varazze, e voltará de vez em quando com relativa gravidade.
“quanto ao negócio de Villavernia – escreve a um cônego por ocasião de uma proposta de

88
Carta à senhora Broquier, 27 de novembro de 1887, E IV 386.
89
Por exemplo, a condessa Carlota Callori, E II 183 [chamada de “mamãe” pela primeira vez em 3 de outubro
de 1871], 191, 192, 225, 227, 230, 252, 259, 290, 306, 318, 487, 513, 523; a condessa Jerônima Uguccioni, E
II 84 [chamada de “mamãe”, pela primeira vez em 13 de abril de 1870], 158, 188, 197, 203, 228, 243, 280,
324, 377, 488; E IV 63 [“Nossa boa mamãe em Jesus Cristo”]; a condessa Luísa de Viancino, E II 192; a
marquesa Nina Durazzo Pallavicino, E II 201[“mãe misericordiosa dos pobres”]; a condessa Gabriela Corsi, E
II 263, 264; E III 218, 397, 398, 512.
90
Carta de 6 de março de 1853, Em I 193.
91
Em II 152.
fundação – não posso prometer nada; falta dinheiro, pessoal preparado e, além disso, minha
pobre cabeça está muito cansada e carente de qualquer energia para empreender”92. “Nem
agora eu posso ir a Alassio – comunicava um ano depois à irmã de monsenhor Gastaldi –
porque a doença do ano passado não me deixa em paz nem de noite nem de dia. Tudo
passará”93. Tudo se soma a uma carga demasiada de trabalho, a uma persistente doença de
olhos, a uma decadência física precoce, como ele mesmo adverte: “Estou cansado além dos
limites (...)”94; “Estou em Alassio, um pouco aos pedaços”95. Fatores determinantes nisso
tudo são o constante ir e vir à cata de recursos e o trabalho de escritório. “Faz já muitos
meses que me sento à escrivaninha às duas da tarde e me levanto às oito e meia para a
janta”96; naturalmente depois do trabalho normal de uma longa manhã, prolongado muitas
vezes em horas noturnas à luz de lampião, quando a doença nos olhos permitia. “Esta nova
expedição nos cansou nas pernas e nos bolsos”97. “Apesar de tantos projetos, não pude
ainda tirar uma hora de férias em todo este ano(...). Ajunta tanta coisa, que não sei mais
onde começar e onde acabar”98.
Até o fim da vida o atormentará uma incômoda doença nos olhos, com freqüência
documentada em trechos de cartas. “Os oftalmologistas consultados já sentenciaram: o olho
direito com pouca esperança; o esquerdo pode continuar como está, se eu parar de ler e
escrever”99. “Meus olhos já se foram, não posso mais escrever”100. “Meus olhos já
melhoraram um pouco”101. “OS. – é a primeira carta que escrevo depois de quatro
meses”102.
Nos últimos anos aumentam as refrências às condições morais de saúde: “Ando
comendo pouco, porque meu estômago está cansado”103. “Minha saúde não é má, mas
também não é lá grandes coisas. Sinto muito cansaço”104. “Minha saúde vai se tornando
cada vez mais precária105. “Estou aqui em São Benigno Canavese, muito cansado”106.
“Estou meio cego e custo muito a escrever, por isso tenha pena de minha caligrafia”107. “Já
fiquei velho e meio cego”108. “Faz já vários meses que eu queria escrever-lhe, mas minha
velha e preguiçosa mão me fez deixar pra depois este prazer. Mas agora parece que sol
caminha mesmo para o ocaso, e por isso acho bom deixar-lhe alguns pensamentos escritos
como testamento daquele que sempre o amou e continua amando-o”109. “Estou quase cego
e impotente para caminhar, escrever e falar”110. “Estou aqui em Lanzo meio cego, mais de

92
Carta de 18 de março de 1872, E II 200.
93
Carta de 22 de julho de 1873, E II 294.
94
Carta a Dom Rua, julho de 1877, E III 198.
95
Carta a Dom Rua, julho de 1877, E III 201.
96
Carta a Dom Bodrato, maio de 1877, E III 172.
97
Carta a Dom Fagnano, 14 de novembro de 1877, E III 236.
98
Carta à condessa Corsi, 22 de outubro de 1878, E III 397.
99
Carta à condessa Callori, 14 de novembro de 1873, E II 318.
100
Carta ao bispo de Vigevano, monsenhor De Gaudenzi, 1 de dezembro de 1878, E III 420.
101
Carta à senhora Saettone, 20 de dezembro de 1878, E III, 423.
102
Carta ao cônego Guiol, 29 de março de 1879, E III 462.
103
Carta a Dom De Agostini, 4 de janeiro de 1884, E IV 248.
104
Carta à condessa Bonmartini, 4 de fevereiro de 1884, E IV 253.
105
Carta ao cardeal Caetano Alimonda, 3 de maio de 1884, E IV 259.
106
Carta a Dom De Agostini, 2 de setembro de 1885, E IV 338.
107
Carta à senhora Maggi Fannio, 15 de setembro de 1885, E IV 339.
108
Carta a Dom Allavena, 24 de setembro de 1885, E IV 340.
109
Carta a Dom Lasagna, 30 de setembro de 1885, E IV 340.
110
Carta a um jovem clérigo, 5 de outubro de 1885, E IV 343.
meio, quase completamente manco e quase mudo(...). A mão não serve mais para
escrever”111. “Custo a escrever; meus dias correm velozes para o fim”112. Até às últimas
cartas entre as que chegaram: “Não posso mais escrever, são os últimos esforços de minha
pobre mão”113; “Não posso mais nem caminhar nem escrever senão com muito esforço”114.

2.6 Homem de coração

Mas o coração nunca deixou de amar, até o fim. A pedagogia de dom Bosco se identifica
com toda a sua ação; e toda a ação com sua personalidade; e Dom Bosco inteirinho está
concentrado definitivamente em seu coração. É o “coração”, como ele próprio o entende,
“não somente como órgão do amor, mas como parte central do nosso ser” em nível de
natureza e de graça: “o coração quer, o coração deseja, compreende e entende, escuta
aquilo que se lhe diz, se inflama de amor, reflete, move-se”115. E tudo isto é envolvido por
afetividade intensíssima, fortemente interiorizada, sempre controlada; e no entanto,
conforme os cânones de sua própria pedagogia, expressa, comunicada, por isso visível,
perceptível. Move-se em todas as direções; mas, naturalmente, sobretudo para os jovens,
para os quais assume as cores da paternidade educativa. Esta palavra é uma das primeiras
que encontramos em seu vocabulário: “Antes de partir – escreve ao seu primeiro
colaborador no Oratório, teólogo Borel – tivemos pouco tempo para falar-nos, mas seja um
bom pai de família para a sua e para a minha casa”116. Que a comunidade, as muitas
comunidades, de seus jovens é sua família e sua casa, e portanto uma única grande família
patriarcal, a gente pode intuir de mil expressões que emergem dos comportamentos, das
palavras, dos escritos, em particular da correspondência, muitas vezes transbordante de
saudade mal expressa, de lembrança afetuosa, de interesse, de “presença” continuada. “Está
bem – escrevia nos primeiros meses do oratório ainda ao teólogo Borel – que Padre
Triveiro se dedique ao Oratório; mas que fique atento porque ele trata as crianças com
muita energia, e sei que alguns já ficaram chateados. Faça de modo que o óleo tempere
cada comida do nosso Oratório”117.
Ter noticias dos próprios jovens, de seus educadores e dos bem feitores, e garantir-
lhes, a todos e a cada um, que os tem presentes, é pensamento que volta insistentemente nas
suas cartas. “Dê-me muitas e minunciosas noticias de meus caros filhos; e diga a eles que
em todas as igrejas que visito, rezo sempre uma oração por eles, e que eles rezem também
pelo seu Dom Bosco”118. “Conquanto aqui em Roma eu não me ocupe unicamente da casa
e dos nossos jovens, todavia o meu pensamento voa sempre onde tenho o meu tesouro em
Jesus Cristo, os meus caros filhos do Oratório. Varias vezes por dia vou fazer-lhes uma
visita”119. Depois da doença de Varazze, anuciava: quinta-feira próxima, se Deus quiser,
estarei em Turim. Sinto uma grande necessidade de ir. Eu vivo aqui com o corpo, mas o
meu coração, os meus pensamentos e até as minhas palavras estão sempre no Oratório, no

111
Carta à baronesa Azelia Fassati Ricci, 24 de julho de 1887, E IV 382.
112
Carta à senhora Pilati, 26 de julho de 1887, E IV 382.
113
Carta à senhora Zavaglia-Manica, 7 de novembro de 1887, E IV 385.
114
Carta à senhora Broquier, 27 de novembro de 1887, E IV 386.
115
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 37-38.
116
Carta de 30 de setembro de 1850, Em I 114.
117
Carta ao teólogo Borel, 31 de agosto de l846, Em I 71.
118
Carta a Dom Rua , 13 de dezembro de l865, Em II l89.
119
Carta a Dom Rua, entre janeiro e fevereiro de l870, E II 70-71.
meio de vocês. É uma fraqueza, mais não a posso vencer (...). Quando você der essa notícia
a nossos caros filhos, dirá a eles que agradeço a todos, mas de coração, as orações que
fizeram por mim, agradeço a todos aqueles que me escreveram, e em particular, aqueles
que fizeram a Deus a oferta de sua vida pela minha. Eu sei seus nomes e não os
esquecerei”120. “Você deve dizer aos nossos jovens que parecem que já não os vejo há meio
século. Desejo tanto fazer-lhes uma visita para dizer-lhes tantas coisas”121. “Estamos no fim
do ano; encontro-me dolorosamente longe dos nossos caros filhos. Saúde-os a todos de
minha parte”122. “Dê um fortíssimo abraço a todos os nossos caros jovens e diga a eles que
lhes quero muito bem, que os amo no Senhor, e os abençôo”123.
Diga aos nossos caros jovens e irmãos que trabalho para eles e até o ultimo suspiro
será por eles, e eles rezem por mim, sejam bons fujam do pecado para que possamos nos
salvar para sempre. Todos”124.
É um amor, como se vê, equanimemente distribuído entre os jovens e os seus
educadores, também estes seus “filhos”. Há freqüentes e afetuosas referências também a
eles. “Ontem (13) houve teatrinho e apresentaram a famosa peça Debate entre um
advogado e um ministro protestante, e foi muito bem apresentada. Mino cantou o Filho do
exilado com grande sucesso, mas o pensamento do autor da música estava um tanto longe,
me comoveu muito; e depois, durante todo o canto e a apresentação, não pensei senão nos
meus caros salesianos da América”125. “Vocês partiram e me partiram o coração. Criei
coragem, mas sofri muito, e não preguei os olhos durante a noite. Hoje estou mais calmo.
Deus seja bendito”126.
O pensamento vem quase sempre acompanhado daquela nota que constitui o tom
particular do amor educativo de Dom Bosco, a alegria, acentuada, para jovens que
provinham de famílias pobres e, muitas vezes, subalimentadas, por uma promessa de festa
externa, no refeitório, no teatro ou no pátio. Basta um exemplo, entre tantos outros: “Fale
assim aos nossos filhos: Dom Bosco os ama de todo o coração no Senhor. no dia de São
João, lembrará de modo especial de vocês na Santa Missa. Já que não poderei estar com
vocês naquele dia, prometo-lhes uma festinha na próxima vez que eu for visitá-los”127.

3. Todo de Deus

É óbvio que a grandeza do trabalho de Dom Bosco tem raízes e motivações cristãs e
sacerdotais, radicadas nas grandes virtudes teologais da fé, esperança e caridade, com tudo
aquilo que elas comportavam em sua constante referência a Deus, fim último, e ao
próximo, amado porque Deus e como Deus o ama. O assunto leva forçosamente ‘a sua vida

120
Carta a Dom Rua, 9 de fevereiro de l872, E II 193.
121
Carta a Dom Rua, 5 de março de l877, E III 155.
122
Carta a Dom Rua, 27 de dezembro de l877, E III 254.
123
Carta a Dom Rua, 25 de fevereiro de l879, E III 447.
124
Carta a Dom Francesia, 12 de abril de 1885, E IV 323.
125
Carta Dom Cagliero, 14 de fevereiro de 1876, E III 19.
126
Carta a Dom Costamagna, 12 de novembro de 1883, E IV 240.
127
Carta a Dom Bonetti, 16 de junho de 1870, E II 97; cfr. ainda: carta a Dom Rufino, diretor de Lanzo, 22 de
março de 1865, Em II, 117; a Dom Rua, de Roma, entre janeiro e fevereiro de 1870, E II 71-72 (“eu
procurarei um jeito de alegra-los. Quando eu chegar, domingo próximo, espero que faremos uma boa festinha
a São Francisco de Sales”); a Dom Bonetti, diretor de Mirabello Monferrato, 9 de fevereiro de 1870, E II 74; a
Dom Francesia, diretor de Cherasco, 10 de fevereiro de 1870, E II 75; a Dom Ronchail, diretor de Nice, 12
de janeiro de 1878, E III 270-271; A Dom Rua, 21 de janeiro e 25 de fevereiro de 1879, E III 440 E 447.
interior, à sua autêntica santidade128. O lema que talvez exprime melhor, em síntese, o
núcleo da inspiração profunda da personalidade e da ação de Dom Bosco, é o muitas vezes
repetido: “Nossos corações se fixem onde estão os verdadeiros gozos”, traduzido em
diversas fórmulas, Deus amado e servido, “salvação”, felicidade eterna, paraíso. Esta
finalidade é vivida ao mesmo tempo como fonte e como fim, de onde brotam todas as
inspirações e energias de graça. Em regime cristão, são todos bens que o fiel espera e
consegue pela mediação de Jesus Cristo Salvador, prolongado na Igreja, anunciadora da
palavra e distribuidora da graça salvífica, invocada incessantemente na oração.
No fundo, dom Bosco fica fiel à mensagem sobre o significado último da vida,
proclamado aos jovens no O jovem instruído: “servir a Deus em santa alegria”, tornar-se
“bons cidadãos na terra para ser depois felizes habitantes do céu”129.
A fórmula “glória de Deus e salvação das almas” pervade a sua vida como os seus
escritos, expressão da única paixão de grande trabalhador. A sua atitude mais comum e
visível acaba sendo aquela do orante que louva, invoca, agradece, espera tudo do alto, em
caridade que dá força a tudo.
“O nosso silêncio e as orações farão tudo o que for para a maior glória de Deus. Eu,
entretanto, não fico à toa. Benevolência com todos. Tanto para fazer”130. “As nossas coisas
caminham bem. Complicações, dores de cabeça a não acabar mais, mas muito úteis.
Silêncio, oração, nenhum rumor, escreva-me o que você sabe”131. “As provações nos
ensinam como separar o ouro das escórias; nós estamos continuamente em prova, mas a
ajuda divina não faltou nunca. Esperamos não nos tornar indignos para o futuro”132. “Eu sei
que há muito que fazer, mas sei também que Deus tem muitos meios para nos recompensar,
sobretudo no nosso caso, pois o trabalho é todo para a maior glória de Deus”133. “Deus quer
e isto basta”134.
Na verdade, antes de ser preceito, “teoria”, e de algum modo “sistema”, a pedagogia
de Dom Bosco é vida vivida, exemplaridade, transparência pessoal. Toda exposição
orgânica da sua visão pedagógica adquire destaque e significado, somente se referir-se
constantemente a esta fonte viva e límpida.

CAPÍTULO 9

A ESCOLHA DOS JOVENS: TIPOLOGIA SOCIAL E PSICOPEDAGÓGICA

128
Cfr. o perfil de EUGÊNIO CERIA, Dom Bosco com Deus. Turim, SEI 1929, 221 páginas ( segunda edição
ampliada. Colle Dom Bosco (Asti), LDC 1946, 392 páginas); PEDRO BROCARDO, Dom Bosco “profeta de
santidade” para a nova cultura, no volume de MÁRIO MIDALI, Espiritualidade da ação. Contribuição
para um aprofundamento. Roma, LAS 1977, páginas 179-206.
129
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 5-8, OE II 185-188.
130
Carta a Dom Rua, 3 de janeiro de 1878, E III 263. A “maior glória de Deus” é motivo que atravessa,
visivelmente o epistolário de Dom Bosco, junto com o tema da “salvação das almas”: “manifesto” de uma
vida e de uma ininterrupta conversão.
131
Carta a Dom Rua, janeiro de 1878, E III 272.
132
Carta a Dom Francesia, 13 de janeiro de 1878, E III 272.
133
Carta ao conde Cays, 14 de março de 1878, E III 315.
134
Carta a Dom José Ronchail, 20 de julho de 1876, E III 75.
Os primeiros contactos de Dom Bosco, em Turim, com grupos isolados de jovens,
nos anos do Colégio eclesiástico, coincidem com o início da expansão industrial,
demográfica e edilícia da cidade, que irá acentuar-se nos decênios sucessivos, com o
inevitável fenômeno dos imigrados, dos desenraizados e dos “abandonados”11
Pelo que atesta João Lemoyne, Dom Bosco sentiu fortemente o primeiro impacto
com a cidade de Turim e as muitas misérias muitas vezes ocultas, as mais graves, porém,
conhecidas das autoridades encarregadas da ordem pública quanto ao seu perigo social12.
Naturalmente, o jovem sacerdote, oriundo de mundos muito distantes dos problemas
da realidade urbana, ficou profundamente impressionado, e quis aprofundar sobretudo os
aspectos religiosos e morais das mais variadas formas de corrupção e de abandono. Pelas
ruas, avenidas e praças visitou prisões e hospitais, entrou nos tugúrios e subiu até aos
sótãos, refúgio extremo sobretudo dos jovens imigrantes13.
Nos anos 70 e 80 do século passado, o cenário da juventude pobre e abandonada é
visto por Dom Bosco, estando ao seu vocabulário, em termos substancialmente fixos.
Aparece, porém, quantitativamente ampliado e qualitativamente agravado. Da cidade de
Turim e de alguma experiência regional, o seu olhar se abre, por conhecimento direto ou
por obra de colaboradores imediatos, por jornais, autoridades civis e eclesiásticas, etc. sobre
horizontes nacionais e internacionais, continentais e intercontinentais, até abraçar, na tensão
e na prospectiva de compromisso, os “ sonhos”, todo o “planeta jovens”, simplesmente
porque necessitado de “salvação” e de “assistência”. Estão em jogo as sortes individuais,
mas também o futuro da sociedade. Com efeito, a seu ver, mais que sobre os adultos, já
sujeitos a uma limitada obra de ordenamento e de conservação, é preciso cuidar dos
jovens, caso se pretenda garantir a ordem social e regenerar a sociedade.
É o motivo dominante de palavras, palestras familiares, cartas individuais e
circulares, e das muitas conferências pronunciadas no último período de sua vida a
benfeitores e cooperadores.

“Vocês devem suprir conforme suas forças – exortava ele -, vocês devem vir
em auxílio de Dom Bosco, para conseguir mais facilmente e mais
amplamente a nobre finalidade à qual nos propusemos, para a vantagem da
Religião, para o bem-estar da sociedade civil, através da educação da
juventude mais pobre. É claro que não devem descuidar os adultos. Mas
vocês sabem que estes, salvo poucas exceções, não precisam mais de nossos
cuidados. Por isso, vamos ficar com os pequenos, vamos afastá-los dos
perigos, atraí-los ao Catecismo, convidá-los aos Sacramentos, conservá-los
11
Cfr. capítulo I, parágrafo 3; cfr. também PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade
católica, volume I, páginas 103-119; P.SPRIANO História da Turim operária e socialista de De Amicis a
Gramsci. Turim, Einaudi 1972, páginas 3-17.
12
Sobre a situação dá informações documentadas U. LEVRA, A necessidade, o castigo, a piedade, Turim
1814-1848, em Turim e Dom Bosco de G. Bracco, volume I, Ensaios. Turim, Arquivo Histórico da Cidade
1988, páginas 13-97; IDEM, A outra face de Turim no Risorgimento 1814-1848. Turim. Instituto para a
história do Risorgimento italiano 1988, 204 páginas; C. FELLONI e R. AUDISIO, Os jovens abandonados
em Turim e Dom Bosco..., volume I Ensaios, páginas 99-119. Para os anos 60, P. SPRIANO História da
Turim operária e socialista, páginas 3-36.
13
Cfr. JOÃO BATISTA LEMOYNE Vida do Venerável Servo de Deus João Bosco..., volume I. Turim, SEI
“Boa Imprensa” 1913 [a primeira edição é de 1911], páginas 233-234. Mais ampliada é a reconstrução em
MB II 59-67.
ou conduzi-los à virtude. Fazendo assim, verão frutificar seu ministério,
vocês vão cooperar para a formação de bons cristãos, boas famílias, boas
populações; e irão construir para o presente e para o futuro uma muralha,
uma barragem para conter a irreligião e o vício que estão crescendo”14.
O sistema de Dom Bosco nasceu e se configurou conceitualmente, no contato, real
ou cognoscitivo, com esta realidade juvenil sem confins. É necessário, por isso, para
individuar suas estruturas e características, definir bem o rosto dos jovens por ele
encontrados: tanto no compromisso imediato e concreto, quanto através das imagens que
deles se plasmou15
Não é tarefa fácil, porque se não é doutrinal e sistemática a sua “pedagogia” , menos
ainda é cientificamente elaborada a experiência dos jovens que a ela deu origem. Não é,
todavia, impossível, porque mesmo neste caso, à ação linear e realística, em expansão,
acompanhou constantemente uma firma clareza de intuições e de formulações. Na
realidade, os fatos realizados e as intenções expressas - para obter os consensos necessários,
para solicitar a beneficência, para conferir unidade ao compromisso dos numerosos
colaboradores – permitem colher com boa aproximação as suas idéias fundamentais sobre a
“condição juvenil” no tríplice ponto de vista: sociológico, psicológico, teológico-
antropológico.

1.Elementos de sociologia da juventude

O que impressiona desde o início a opinião pública é, fora de dúvida, o intencional


interesse programático de Dom Bosco pelos jovens “pobres e abandonados”, “os jovens
mais pobres e abandonados”, a “juventude pobre e abandonada”, “os meninos mais
necessitados e em perigo”. Ele mesmo, lembrando à distância de trinta anos, nas Memórias
do Oratório de São Francisco de Sales, a vida do “pequeno Oratório” inicial, gostava de
relembrar sua finalidade em “recolher somente os meninos mais em perigo, e de preferência
os foragidos”.6 Na realidade, porém, emerge gradualmente a preferência pelos jovens, “que
se encontram longe de suas famílias, porque forasteiros em Turim”, “ajudantes de barbeiro,
pedreiros, serventes de pedreiros, seleiros, ajudantes de carpinteiros e outros que vinham de
regiões distantes”.7, ou vem expressa a intenção genérica “de poder diminuir o número dos
vagabundos, e daqueles que vão encher as prisões” 8
14
Colóquio familiar a sacerdotes ex-alunos do oratório de Valdocco, em 29 de julho de 1880, BS 4 (1880)
número 9, setembro, página 11; com palavras semelhantes, ainda a ex-alunos sacerdotes, falava em 19 de
julho de 1883: “cuidem especialmente da juventude de suas regiões, na qual está a esperança da sociedade”
BS 7 (1883) número 8, agosto, página 129.
15
Cfr. PEDRO STELLA Dom Bosco na história econômica e social páginas 123-157 (Colégios e orfanatos
no Piemonte e na Ligúria 1860-1870) 159-174 (Os jovens dos oratórios festivos em Turim 1841-1870), 175-
199(Jovens e adultos internos em Valdocco 1847-1870), 289-294 ( A população juvenil dos outros colégios).
6
MO(1991)123;”sobretudo para aqueles que saíam das prisões” (págiana122).É, porém significativo que na
História do Oratório de São Francisco de Sales, escrita pelo padre Bonetti, que utiliza um manuscrito das
Memórias do Oratório, e que sai em capítulos no “Boletim Salesiano” de janeiro de 1879 à outubro de 1887,
de todos os passos tirados extraídos do ,manuscrito Memórias do Oratório de Dom Bosco, é sistematicamente
constante a referência aos carcerários ou aos ex-carcerários: cfr. MO(1991) 122, 123,125,126,128 e as
passagens paralelas do "Boletim Salesiano" 3(1879) número 2, fevereiro, página 8; número 3, março, página
6; número 4, abril, página 9.
7
BS 3 (1879) número 2, fevereiro, página 8 = MO (1991) 122;MO (1991) 124 = BS 3 (1979) número 3,
março, página 6.
8
MO (1991) 147 = BS 3 (1879) número 7, página 16.
Dom Bosco não começa com isso novo curso, mas retoma com renovado fervor e
crescente vigor organizativo, segundo as necessidades dos tempos, experiências antigas e
contemporâneas 9 . O problema não tinha passado desapercebido nem mesmo em Turim. Já
nos séculos precedentes haviam surgido iniciativas para a assistência, mediante a catequese
e o encaminhamento para o trabalho qualificado, dos “meninos e jovens infelizes, aos quais
os pobres pais não podem ou não se importam de educar”. Pessoas caridosas movidas
unicamente “pela caridade cristã”, “com amorevolezza procuram quantos podem e os reúne
com paciência admirável, os instruem na doutrina de Cristo, e indo de encontro da melhor
maneira que podem ás suas necessidades, encaminham muitos para a educação e para a
cultura”. É tudo o que se propunham deste 1850, os promotores do Abrigo de Virtude,
criado com Real patente de 24 de julho de 1587. São encaminhados trabalhadores para a
formação de tecelões, cabeleireiros, torneadores e fabricantes de tapetes e móveis, ferreiros,
carpinteiros, mobiliadores, fundidores de metais, alfaiates e sapateiros, com crescentes
enriquecimentos culturais. Godofredo Casalis chega até a considerar o Abrigo de Virtude,
“como a aurora da indústria piomontês10
Coma mais vasto raio de ação tinha sido constituída em 1871 a Obra da
Mendicância Instruída para os catecismos dominicais aos pobres e formas elementares de
socorro. Logo em seguida esta alargava a sua ação para outras formas de assistência, para a
formação artesanal, para a abertura de escolas nos vários bairros da cidade, chamando para
este trabalho em 1830 os Irmãos das escolas cristãs11.
Não devem ser esquecidas, naturalmente, as várias obras promovidas pelos
marqueses de Barolo12.
À causa da juventude “pobre e abandonada” Dom Bosco dedica suas jovens
energias desde os primeiros anos da década de 40, envolvendo operativamente todas as
pessoas, com contatos pessoais, por cartas individuais e circulares, apelos, com a
publicidade em linguagem alternativamente realista e retórico. A fórmula, acompanhada
por outras similares, como “em perigo e perigosos”, órfãos e orfãozinhos...) é repetida por
anos sem mudar, quando se referem aos mais diversos hóspedes de suas instituições:
oratórios, orfanatos, colégios para estudantes e aprendizes, escolas agrícolas; em conclusão,
a jovens dos mais diversos extratos culturais, inclusive os de famílias populares, burgueses
e nobres.
Em 1857, em um Convite para uma loteria de prêmios em favor os três oratórios
masculinos de Turim, ele explica que é seu intuito recolher, nos dias festivos, “o maior
número possível de jovens em perigo da cidade e das aldeias da região, que chegam a esta

9
Crf. R.CHARTIER, M.M. COMPÈRE, D.JULIA, A educação na França do século XVI ao século XVIII
Paris, SEDES 1976, páginas 57- 58; L.CHEVALIER classes trabalhadoras e classes perigosas em Paris
durante a primeira metade do século XIX Paris, livraria Plon 1958; P.PIERRARD, crianças e jovens
trabalhadores na França (séculos XIX- XX). Paris, Edições Operárias 1987, 225 páginas. Porém, Turim nos
anos 40 não é certamente, Paris.
10
G.CASALIS, Dicionário geográfico e histórico- estatístico –comercial dos estados de Sua Majestade o rei
de Sardenha, volume 21 [verbete Turim]. Turim, apud G. Maspero e G. Marzorati 1851, verbete Abrigo de
Virtude páginas 690 – 692; G.PONZO, Estado e pauperismo na Itália: O Abrigo de Virtude de Turim (1580-
1836). Roma, A Cultura 1974, 150 páginas.
11
G. CASALIS, Dicionário..., volume XXIX, verbete Obra Real da mendicância instruída, páginas 700-709;
G.CHIOSSO, A juventude pobre e abandonada em Turim no 800. O caso dos alunos artesãos da
Mendicância Instruída (1818-1861), em J.M. PRELLEZO, o compromisso de educar ..., páginas 375-402.
12
Cfr. R. M. BORSARELLI, A marquesa Júlia di Barolo e as obras assistenciais no Piemonte e no
Risorgimento. Turim, Chiantore 1933, XI-243 páginas.
capital”; enquanto a “casa anexa ao Oratório de Valdocco” oferece a indispensável
“moradia, comida e roupa” àqueles jovens “tanto da cidade quanto das aldeias da
região(...), os quais são tão pobres, que por si só, não teriam jeito de se encaminhar a um
trabalho ou ofício”13. Em outros “convites” em anos sucessivos (1862, 1865, 1866), não se
têm presentes somente o orfanato para os aprendizes, mas também o internato para
estudantes, “uma vez que os jovens que para lá vão, em parte são de Turim, mas a maior
parte deles vêm de cidades e vilas das redondezas, em busca de trabalho e de estudo”14.
Idêntico será o discurso no decênio sucessivo, com relação a situações semelhantes
na Itália, na Europa e na Argentina: o Patronato São Pedro de Nice, aberto “em favor dos
jovens em perigo”15; “a casa de acolhida para meninos pobres que aprendem artes e
ofícios” em Buenos Aires16; as escolas para “os pobres filhos do povo” em La Spezia17; a
casa de acolhida do Sagrado Coração em Roma, em favor da “baixa classe do povo”18.
É o que repete, com fórmulas muitas vezes estereotipadas, referindo-se a iniciativas
nas quais ele quer envolver a Associação dos cooperadores salesianos, que “tem por
finalidade principal a vida ativa no exercício da caridade para com o próximo,
especialmente para com a juventude em perigo”19
Conseqüência disso é que, década após década, nos fatos, mas muito mais na
descrição das situações e na proposta de remédios para os diversos casos, o interesse pela
“juventude pobre e abandonada” dilata-se e se torna mais intenso, conferindo à fórmula,
aparentemente convencional, significados sempre mais articulados, em conformidade com
realidades e instituições diferentes. De resto, a diversidade de situações e de
encaminhamentos, é lembrada por Dom Bosco mesmo, com relação aos inícios do oratório
festivo: “Ainda que minha intenção era recolher somente os meninos em piores situações
de perigo, sobretudo os foragidos de prisões, entretanto, para ter algum fundamento sobre o
qual basear a disciplina e a moralidade, convidei alguns outros de boa conduta e já
instruídos”20. O Regulamento para os externos acabava por sacramentar uma prática já
consolidada, que fazia de tal obra a instituição menos seletiva e mais aberta: “Têm-se em
mente de modo especial os jovens operários (...); não devem ser excluídos porém os
estudantes que, nos dias festivos e nos dias de férias quisessem participar”21.

13
Catálogo dos objetos expostos para a loteria a favor dos jovens dos três oratórios..., Turim, tipografia de
João Batista Paravia e companheiros 1857, páginas 1-2, OE IX 3-4; cfr. páginas 1-4, OE IX 3-6.
14
Lista dos objetos doados...Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1866, página 3, OE
XVII 5; cfr. Lista dos objetos...Turim, Speirani 1862, página 2 OE XIV 198; Loteria de objetos...Turim,
tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1865, página 2, OE XVI 248: “os garotos acolhidos nesta
casa são divididos em duas categorias, estudantes e aprendizes”.
15
Inauguração do Patronato de São Pedro em Nice...Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales
1877, página 4 OE XXVIII 382.
16
Carta ao Dr. Eduardo Carranza, presidente da conferência de São Vicente de Paulo em Buenos Aires, 30 de
setembro de 1877, E III 221.
17
Circular para a incipiente obra em La Spezia, 11 de outubro de 1880 E III 627.
18
Carta a Leão XIII, de março de 1878, E III 317.
19
Associação de boas obras. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1875, página 6, OE
XXV 486; Cooperadores salesianos ou um modo prático para ajudar os bons costumes e a sociedade. Turim,
tipografia salesiana 1876, página 6 OE XXVIII 260: última edição em Sampierdarena, tipografia e livraria de
São Vicente de Paulo 1877, página 30, OE XXVIII 368.
20
MO (1991) 123 = BS 3 (1879) número 3, março, página 6.
21
Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales para os externos. Turim, tipografia salesiana 1877,
primeira parte Finalidade desta obra, página 3, OE XXIX 33.
Pouco mais adiante apareciam situações novas: o proselitismo protestante, o perigo
do indiferentismo religioso, o laicismo anticlerical na escola e na imprensa22.
Logicamente, a imagem da juventude “pobre”, abandonada e em perigo, assumia
significados profundamente novos. O perigo, mais que no plano da pobreza econômica e
jurídica, era visto em prospectiva religiosa e moral, que superava as outras diferenças.
Realmente, antes de qualquer outra, ainda que legítima “redenção” cultural e profissional,
revelavam-se urgentes para todos a preservação e a firmeza da fé.
Quanto ao perigo de heresias, existe uma lúcida síntese contida em uma breve
memória histórica de 12 de março de 1879, apresentada ao cardeal Lourenço Nina,
secretário de estado. Depois de ter lembrado as batalhas antiprotestantes empreendidas a
partir de 1848, seguida logo pelo Estatuto e a sucessiva legislação liberal, “com a imprensa,
com a difusão dos bons livros, com catecismos, pregação, com Oratórios festivos e
orfanatos de caridade”, ele voltava a afirmar a específica vocação salesiana para trabalhar
para “livrar das insídias protestantes [sic] a classe mais necessitada, que é a pobre
juventude”; indicava uma ampla série de obras: o Oratório São Luís em Turim, a Casa de
acolhida São Paulo em La Spezia, a igreja e as escolas elementares em Vallecrosia em
Ventimiglia, o orfanato São Leão em Marselha, as escolas agrícolas de St.-Cyr e a de
Navarre perto de Toulon, a Casa de acolhida São Pedro em Nice, o Orfanato São Vicente
em Sampierdarena, o Oratório Santa Cruz em Luca, as Casas de acolhida de Montevidéu e
de Buenos Aires23.
Obras não diferentes de alerta católico são abertas no Uruguai e na Argentina. Eram
concebidas também como pontas de lança, mais ou menos remotas, para um modo diferente
de evangelização missionária. A estratégia está ilustrada em numerosos documentos, que
prefiguram um plano bastante ambicioso, manifestado ao cardeal Franchi já em l877: “(...)
Pensamos em uma nova experiência. Não vamos mandar mais missionários para o meio
dos selvagens, mais nos colocar nos limites dos paises civilizados e lá fundar igrejas,
escolas, e Casas de acolhida com duas finalidades: primeira, cooperar para conservar a fé
daqueles que já a receberam; segunda, instruir, recolher aqueles índios que a religião ou a
necessidade levaram a procurar asilo entre cristãos. A finalidade verdadeira era de contrair
relações com os pais por meio dos filhos, para que os selvagens se tornassem
evangelizadores dos mesmos selvagens”24 .
Existe um ulterior interesse juvenil, particularmente querido de Dom Bosco, que
nele se empenha durante toda a sua vida: os chamados ao estado eclesiástico e religioso.
Obviamente, eles não podem ser definidos como “ em perigo ” e “ abandonados “, ainda
que, as vezes, sejam originários de famílias de modestas condições econômicas. São
“jovens de boa índole, amantes das praticas de piedade, e que deixam alguma esperança de

22
Dom Bosco escreve mais vezes sobre isto a bispos amigos e ao próprio papa: carta a Pio IX, 9 de novembro
de 1859, Em I 386-387; 13 de abril 1860, Em I 400-401; 10 de março de 1861, Em I 441-442; 27 de
dezembro de 1861, Em I 471-473.
23
E III 455-456; conceitos semelhantes são retomados em um memorial a Leão XIII também de 09 de março
de l879, E III 462-464.
24
Carta de 31 de dezembro de l877, E III 257-259. Idéias idênticas ele as exporá ao novo prefeito da
Propagação da Fé, cardeal Simeoni, em março de l877, E III 320-321; a Leão XIII, em 13 de abril de l880, E
III 568-575: o Memorial sobre as Missões salesianas apresentam um prospecto analítico das obras salesianas
de além – Mar, substancialmente igual ao já existente na Europa, com o acréscimo de algumas concretas
previsões missionárias; à Obra da Propagação da Fé de Lion em março de l882, E IV 123-127.
ser chamados ao estado eclesiástico”25. O perigo que pode atrapalha-los não é a rua ou o
abandono, e sim “perder a vocação” por falta de meios matérias ou de cuidados adequados.
É uma das finalidades primarias da Sociedade salesiana: “Sendo pois muitos e graves os
perigos que corre a juventude, que aspira ao estado eclesiástico, esta sociedade terá o
máximo cuidado em cultivar na piedade aqueles que viessem a mostrar especial inclinação
ao estudo, e que primassem pelos bons costumes”26. Ali vem acrescentado, como norma de
regulamento, para suporte apostólico, espiritual e financeiro, a associação dos
Cooperadores27.
A experiência tem inicio em l849 e Dom Bosco escreve, sem um pouco de exagero:
“Pode-se dizer que a casa do Oratório, durante quase vinte anos, tornou-se o Seminário
diocesano”28. Função análoga é atribuída aos sucessivos orfanatos, colégios e escolas
agrícolas, todos “muito baratos”. Eles têm, precisamente, o objetivo de “dar a um maior
numero de jovens de boa capacidade, comodidade para receber uma instrução não separada
de uma educação cristã, para que consigam com o tempo se tornarem ou bons sacerdotes,
ou corajosos missionários, ou sábios pais de família” 29.
Em l877 fichara em forma normativa as mais variadas experiências, aos poucos
desenvolvidas no Regulamento para as casas integrado pelo paralelo Regulamento para os
externos. Por quanto era possível, em cada casa devia haver um oratório anexo: “finalidade
geral das Casas da Congregação é socorrer, ajudar o próximo, especialmente com a
educação da juventude, educando-a nos anos mais perigosos, instruindo-a nas ciências e nas
artes, e encaminhado-a para a pratica da Religião e da virtude. A Congregação não se
recusa a nenhuma classe de pessoas, mas prefere ocupar-se da classe média e da classe
pobre, porque são elas que mais precisam de socorro e de assistência”30.
As formulações sempre mais empenhativas e seguras de Dom Bosco, embaixador
da própria obra nos últimos anos de vida, durante as históricas viagens à França e Espanha,
nos numerosos discursos e freqüentes conferencias não farão se não confirmar e ilustrar a
prescrição. Na carta aos cooperadores de janeiro de l880, apresentava a série de instituições
“a bem da juventude em perigo”: “os espaços de lazer, os Oratórios e as escolas festivas, as
escolas noturnas e diurnas, os orfanatos, os colégios e os educandários continuaram a ser
abertos para a vantagem pública na Itália, na França e na América”31. Em Lucca, em abril
de l882, explicava: “Muitos milhares de jovens, em mais de cem casas, recebem uma
educação cristã são instruídos, encaminhados a um trabalho, a um aprendizado, que lhes
servirá para ganhar honestamente o pão (...). Estás ofertas servirão para educar estes jovens
para a sociedade, para ser ou operários cristãos, ou soldados fieis, ou mestres e professores
exemplares, ou sacerdotes ou ainda missionários, que levem a religião e a civilização entre

25
Conferencia às Cooperadoras de Turim-Valdocco de 23 de maio de l879, BS 3 (1879), numero seis, junho,
página 3.
26
Regras ou Constituições da Sociedade de São Francisco de Salles. Turim, tipografia e livraria salesiana
l875, capítulo I, artigo 5, página 4, OE XXVII 54.
27
Cooperadores salesianos ou um modo prático..., 1876, página 7, OE XXVIII 261.
28
MO (l99l) 195.
29
Conferencia aos Cooperadores e Cooperadoras em Casele Monferrato, l7 de novembro de l88l, BS 5 (1881)
número 12, dezembro, página 5.
30
Regulamento para as casas da Sociedade de São Francisco de Salles. Turim, tipografia salesiana l877,
parte II, capítulo I Finalidade das casas da Congregação de São Francisco de Salles, página 59, OE XXIX
155.
31
BS 4 (1880) número 1, janeiro, página 1; seguem informações de vária natureza e orientação na Itália,
França, Argentina, incluindo as missões patagônicas (páginas 1-3).
os povos bárbaros”32. Em Turim, na costumeira conferencia aos Cooperadores e
Cooperadoras de l de junho de l885 - “a sua aparência era de um homem muito cansado e a
sua voz bastante sumida” - , falando da obra salesiana, insistia sobre os motivos para
sustenta-la: “porque educa os jovens na virtude, no caminho do Santuário, porque tem por
finalidade principal instruir a juventude que, hoje em dia se tornou alvo dos maus, porque
promove no meio do mundo nos colégios, nos orfanato, nos oratórios festivos, nas famílias,
promove, digo, o amor à religião, o bom costume, as orações, a freqüência aos
Sacramentos”33.
Não é, portanto, possível reduzir a uma única categoria a “juventude pobre e
abandonada”, da qual Dom Bosco se interessa operativamente. Ela abarca em seu conjunto
uma facha de jovens bastante ampla, cujas margens inferiores confinam com o mundo
“diverso” dos “delinqüentes” e dos próprios “que devem ser corrigidos”, que tiveram que
passar pela justiça, e também com um tipo mais genérico de jovens considerados quase
irrecuperáveis somente com a disciplina preventiva, antes mesmo positivamente
prejudiciais aos “mais”, dos quais ele pretende sobre tudo ocupar-se. Nos níveis superiores,
são deixados de lado, em linha de principio, ao menos no que diz respeito a colégio e
internatos, os meninos das classes elevadas por nobreza e status: eles, ademais não se
teriam encontrado bem em instituições relativamente modestas em sua construção, mobília
rio, alimentação, atividades culturais e o tom geral de vida34.
Mais vasta é a prospectiva, quando Dom Bosco fala e escreve, tendo presentes as
mais diversificadas “condições” juvenis e, em geral, humanas. Tanto quando escreve livros
para a preservação da fé, como quando indica necessidades de intervir na assistência e na
educação fora das próprias obras juvenis, ele não exclui a mais ampla aplicabilidade do
sistema preventivo, provavelmente integrado por medidas inevitavelmente “repressivas”. A
Urbano Rattazzi, por exemplo ele o propõe para as prisões; a Francisco Crispi, para
meninos em grave perigo, como “vagabundos que caem nas mãos da segurança pública”35
É todavia claro, que as intenções de Dom Bosco, expressas com as instituições
postas em movimento, suas mais vivas ânsias dizem respeito, em todos os momentos de sua
vida, aos jovens que se encontram mais próximos das margens inferiores e em mais grave
perigo. É uma constatação que se lê nas Memórias de 1841 a 1884-5-6 do Padre João
Bosco a seus filhos Salesianos, quase um testamento: “O mundo nos receberá sempre com
prazer enquanto os nossos cuidados se dirigirem aos selvagens, aos meninos mais em
perigo na Sociedade. Esta é para nós a verdadeira riqueza e ninguém invejará e jamais
quererá roubar-nos”36.

32
BS 6 (l882) número 5, maio, página 8l.
33
BS 9 (l885) número 7, julho, página 94.
34
Seria necessária uma pesquisa mais séria que, para cada uma das instituições, determinasse bem as
finalidades e os destinatários, a locação ambiental, o nível e as exigências da família, as expectativas das
autoridades religiosas e civis, a evolução histórica, as qualidades do pessoal dirigente e educativo. Foram
escritas monografias a respeito, algumas ótimas, outras aproximativa. Entre as mais importantes sobre obras
promovidas e animadas por Dom Bosco, devem ser recordadas: PEDRO STELLA, Dom Bosco na história
econômica e social (1815-1870), já citada; FRANCISCO DESRAMAUT, Dom Bosco em Nice. A vida de
uma escola profissional católica entre l875 e l919. Paris, Apostolado das Edições l980, 397 páginas.
35
Cfr. Alguns textos recolhidos em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador. Escritos e testemunhos. Roma,
LAS l997, páginas 85-87, 291-294.
36
FRANCISCO MOTTO, Memórias de 1841 a 1884-5-6 do Padre João Bosco a seus filhos Salesianos, RSS
4 (1985) 127.
É orientação repetidamente revelada aos salesianos, cooperadores e benfeitores nas
conferências de propaganda no último decênio, não sem explícita referência ao perigo
social que correm os jovens não assistidos. Era um motivo que poderia resultar sensível a
um público rico e apreensivo, atraindo assim ajudas mais substanciosas37. Em 1878, em
Roma, Dom Bosco exortava “a ajudar os salesianos a fazer frente e opor uma barreira à
irreligiosidade e ao mal costume em franco crescimento, que nas cidades e nas vilas
arrastam para a ruína tanta juventude inexperiente e pobre” a “diminuir o número dos
relaxados que, abandonados a si mesmos, correm grande risco de ir encher as prisões”38.
“Nós os vemos – diz em Gênova, em 30 de março de 1882 – a vagar de praça em praça, de
praia em praia, a crescer no ócio e no jogo, aprendendo obscenidades e blasfêmias; mais
tarde os vemos ladrões e malfeitores; enfim, e o mais das vezes na flor da idade, os vemos
trancafiados numa cadeia”39. Para piorar as condições dos jovens, parece que está sendo
organizada uma conjuração, contra a qual urge contrapor obras de prevenção e defesa.
“Nestes tempos – dizia aos cooperadores de Turim em primeiro de junho de 1885 – os
malvados procuram espalhar a impiedade e o mal costume, procuram arruinar
especialmente a incauta juventude com sociedades, com publicações, com reuniões que têm
por finalidade mais ou menos clara, afastar os jovens da religião, da Igreja e da sã moral”40.
Para tocar o coração e o bolso de seus ricos ouvintes, Dom Bosco não hesita em
prever o perigo de jovens abandonados, candidatos a tornar-se vagabundos “trombadinhas”
ou mesmo gente de má vida, que um dia poderiam até aparecer “pedindo o dinheiro com a
faca no pescoço” ou “com o revólver na mão”41.

2. Elementos de “psicologia juvenil”

Para compreender o sistema preventivo de Dom Bosco é também necessário ter


presente a faixa etária dos jovens, entre os quais ele foi praticado sob sua direção mediata
ou imediata: os oratórios festivos de Turim, o conjunto do Oratório de Valdocco, os
colégios de Mirabello Monferrato, transferido depois para Borgo São Martinho, e de Lanzo
Torinese, depois de Alassio, Varazze, Gênova-Sampierdarena, Nice, Marselha.

2.1 A idade que cresce

37
Sobretudo nos últimos anos, não é de se excluir que os discursos de Dom Bosco tenham sido um pouco
aumentados na relação que deles faz o redator do BS, Padre João Bonetti.
38
BS 2 (1878), número 3, março, páginas 12-13. “Trata-se de livrá-los dos perigos a que estão expostos, de
fazer o mal, das próprias prisões”, escrevia em 1879, BS 3 (1879), número 1, janeiro, página 2; “visto que –
repete no ano seguinte – muitos milhares de rapazes que dispersos, privados da educação e da religião, ter-se-
iam tornado o flagelo da sociedade, em sua maioria, e talvez não poucos iriam blasfemar o Criador nas
prisões(...) se afastaram, muito pelo contrário da má vida”: BS 4 (1880), número I, janeiro, página 3.
39
BS 6 (1882), número 4, abril, página 70. Semelhante é a apresentação da juventude, sobretudo migrada, em
Roma: BS 8 (1884), número 1, janeiro, página 2; conferência aos cooperadores romanos de 8 de maio, BS 8
(1884), número 6, junho, página 88; com tintas mais turvas é descrita, na conferência de Turim de primeiro de
junho de 1885, a juventude de Paris, “vasta capital da França, que conta quase dois milhões de habitantes”:
BS 9 (1885), número 7, julho, página 95.
40
BS 9 (1885), número 7, julho, página 95.
41
Cfr. carta ao doutor Carranza de Buenos Aires, 30 de setembro de 1877, E III 221; conferência aos
cooperadores de Lucca, em 8 de abril de 1882, BS 6 (1882), número 5, maio, página 81; discurso à
Associação Católica em Barcelona, em 15 de abril de 1886, C. VIGLIETTI, Crônica de 15 de abril a 16 de
maio de 1886, página 5.
Normalmente, na maioria da obras por ele fundadas, o interesse dominante é pela
adolescência, com amplo espaço dado, nos oratórios, escolas e colégios, à pré-adolescência.
São exceção, Dom Bosco anda vivo, os estudantes do Liceu de Alassio e de Valsalice, além
do instituto pré-universitário criado por Dom Lasagna em Vila Colón, Montevidéu. Mais
vasta e indefinível é a variação de idade dos jovens artesãos42. Em síntese, a de Dom Bosco
é pedagogia “juvenil”, que dá aos termos “jovem”, “juventude”, um significado bastante
amplo, com superioridade numérica e de atenção para a “adolescência”. A jovens dos 11-12
anos aos 15-16 anos, se referem as várias biografias ou narrativas biográficas de jovens,
que foram instrumento fundamental na transmissão de sua experiência educativa e da
reflexão pedagógica”43.
No Regulamento para os externos é dada a seguinte norma, geralmente praticada:
“Aceita-se a idade de oito anos, por isso deve-se excluir os menininhos, aqueles que
causam transtornos, e são incapazes de entender o que a gente explica”44.O Regulamento
para as casas restringe notavelmente os limites de idade, quando fixa como condição de
aceitação, que o aluno “tenha completado o curso elementar”45. Na realidade, porém, na
maior parte dos colégios para estudantes, funcionava o curso elementar completo, ou, ao
menos, as últimas classes dele. Definitivamente, a grande parte das instituições (oratórios,
casas de acolhida, colégios) estava aberta a meninos cuja idade ia da infância à
adolescência e à juventude, portanto, aproximadamente dos 8 aos 18 anos, com provável
predominância da idade dos 12 aos 16 anos.
Quanto à terminologia, tanto nas palavras quanto nos escritos, percebe-se uma
inevitável flutuação. As denominações, em italiano e em latim – fanciullini, fanciulli,
giovani, giovanetti, giovinetti; pueri, adolescentes, adolescentuli, iuvenes – aparecem em
geral passíveis de trocas. Somente “fanciullo” e “giovanetto” parecem distintos, designando
rapazes respectivamente dos 8 aos 11 anos e dos 12 aos 16. Um esboço de distinção entre
jovens adultos ou mais crescidos – dos 16 aos 30 anos – e meninos, menininhos,
jovenzinhos, pode ser encontrada no livrinho Obra de Maria Auxiliadora pelas vocações ao
estado eclesiástico, criada no Asilo de São Vicente de Paulo em Sampierdarena46.

42
No Oratório de Turim-Valdocco, a idade média dos estudantes é de 13-14 anos, a dos aprendizes artesãos,
14-15: cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história econômica e social..., páginas 183-184.
43
É, todavia, exagerado o que escreve Alberto Caviglia: “A maior parte dos pedagogistas e escritores de
educação tiveram sua atenção voltada para crianças entre seis e dez anos. O problema do progresso era o das
escolas primárias e elementares (para não dizer infantis, como no caso de Aporti); nisto a Itália estava muito
atrasada. Ora, o elemento ao qual Dom Bosco se dedica e de quem se ocupa, aquele que ele chama de
juventude, os jovens, não são as crianças, e sim aqueles que ele chama para trabalhar, dos 12 anos para cima
(...). E nisto reside um outro grande mérito de Dom Bosco, o de ter encontrado, também literariamente, a boa
estrada da educação da adolescência” (ALBERTO CAVIGLIA, A “História da Itália” obra prima de Dom
Bosco. Discurso de introdução, em Obras e escritos publicados e inéditos de Dom Bosco, volume III A
História da Itália. Turim, SEI 1935, páginas 52-53); “Dom Bosco até literariamente resolveu o problema da
pedagogia do adolescente” (página 54).
44
Regulamento do Oratório...para os externos, segunda parte, capítulo segundo, artigo 3, página 30, OE
XXIX 60.
45
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo segundo, artigo nono, página 62, OE XXIX 158.
46
Sampierdarena, tipografia e livraria de São Vicente de Paulo 1877, página 4, 5, 25, OE XXIX 4, 5, 25. Cfr.
ainda Obra de Maria Auxiliadora para as vocações ao estado eclesiástico. Fossano, tipografia Saccone 1875:
“Objetivo desta obra é recolher jovens mais crescidos (...). Todo aluno deve pertencer a uma família honesta,
ser sadio, robusto, de bom caráter, idade entre 16 e 30 anos”; ainda nesta edição, aos jovens mais crescidos
eram contrapostos os meninos e os pequeninhos : páginas 2-5, OE XXVII 2-5.
2.2 Traços de psicologia juvenil

Não se pode pretender de Dom Bosco um estudo científico de um arco de idade tão
amplo, a ponto de distinguir com clareza os vários momentos do desenvolvimento.
Todavia, algumas caracterizações por ele traçadas, podem ser atribuídas mais a um nível
do que ao outro.
De todos os modos, é sobretudo importante notar que a percepção de Dom Bosco da
“psicologia” dos meninos dos quais se ocupa, está estreitamente conexa com o conjunto da
sua concepção e ação pastoral e educativa. Ao definir os traços próprios da idade juvenil,
ele acabava usando termos que descreviam a realidade efetiva e, ao mesmo tempo, a
avaliavam, positiva ou negativamente, com relação às disponibilidades educativas e às
exigências da salvação cristã.
Além do mais, a tal coloração moral e religiosa das caracterizações, parece ligado
um juízo muitas vezes mais negativo que positivo, traços mais para corrigir do que para
utilizar. Não raramente, a idade jovem é, mais ou menos implicitamente, confrontada com a
idade adulta, como a incompleto com o completo, a mobilidade com o já conquistado, a
irreflexão com a sabedoria, a instabilidade emotiva com a estabilidade47. Não faltam,
naturalmente, outros termos, que prefiguram disponibilidades e potencialidades positivas,
como a sensibilidade, a impressionabilidade, o “coração”.
As anotações mais numerosas e reflexas podem ser lidas nas páginas sobre o
sistema preventivo de 1877, precedidas estas de semelhantes e de outras já presentes, desde
os escritos dos anos 40, de modo especial o O jovem instruído, repetidas e enriquecidas nas
biografias dos anos 50 e 60.
Nas páginas de 1877 vem em primeiro lugar aquele que, para Dom Bosco, deveria
aparecer como o traço dominante da idade em crescimento, o motivo mais decisivo para a
adoção do “sistema preventivo”: “A razão mais essencial é a mobilidade juvenil, que num
instante esquece as normas disciplinares, os castigos que elas ameaçam: por isso, com
freqüência, um menino torna-se culpável e merecedor de uma pena, na qual ele nunca
pensou, que não lembrava absolutamente nada no ato da falta cometida, e que teria
certamente evitado, se uma voz amiga o tivesse advertido”48.
Esta característica vem estreitamente ligada a um segundo traço típico: a falta de
experiência, a imaturidade e, por conseguinte, a inevitável tempestividade e imprudência.
Para Dom Bosco, a juventude, no sentido mais amplo, é, por definição, perigosamente
inexperiente, e por isso, instável e incauta49. Ela pode, por isso, deixar-se facilmente
enredar por enganos de todo tipo e origem: do demônio, dos maus companheiros, das coisas

47
Cfr. J. SCHEPENS, As estruturas de pensamento, notadamente teológicas, subjacentes à prática
pedagógica de Dom Bosco, no volume Educação e pedagogia em Dom Bosco. Paris, Edições Fleurus 1989,
páginas 148-155. “Também João Bosco definiu os jovens como seres falíveis e inconstantes, marcados pela
fragilidade moral e pela versatilidade”(página 150).
48
O sistema preventivo (1877), página 48, OE XXVIII 426. Grifo nosso.
49
Cfr. Fatos contemporâneos expostos em forma de diálogo. Turim, De-Agostini 1853, página 3, OE V 53; O
limpador de chaminés. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1866, página 62, OE XVII
174; O gentil-homem. Almanaque para 1873. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1872,
página 5, OE XXV 5: “afastar a instável e incauta juventude do pecado”; JOÃO BOSCO, Severino ou
aventuras de um jovem alpino. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1868, página 4, OE
XX 4: “As minhas desgraças servem de aviso a outros, para evitar os obstáculos que conduzem à ruína tanta
juventude inexperiente”; BS 2 (1878) número 3, março, páginas 12 e 13.
sedutoras ou apresentadas sob falso brilho, as tentações, a liberdade, apropria heresia.
Justamente por isso, “a juventude é a idade dos perigos”, e estes encontram-se em todas as
condições sociais50. “Quais meninos devem considerar-se em perigo”, é o título de um
parágrafo do pró-memória sobre o sistema preventivo, apresentado a Francisco Crispi em
fevereiro de 187851.
A raiz da mobilidade está em uma desorganização nata da vida psíquica, que
antecede a qualquer forma de intervenção formativa: “Os jovens, carecendo de instrução,
de reflexão, incitados pelos companheiros ou pela irreflexão, deixam-se facilmente arrastar
pela desordem, pelo único motivo de serem abandonados”52.
Juntamente com esta característica, “muitas e muitas vezes Dom Bosco repete que a
juventude é volúvel, não tem firmeza nos compromissos, é frágil, cansa-se logo,
desencoraja-se e perde com facilidade o entusiasmo”53 “É próprio da idade volúvel da
juventude – escreve Dom Bosco na biografia de Domingos Sávio – mudar, com freqüência,
de idéia a respeito daquilo que se quer; por isso acontece não raramente que hoje se quer
uma coisa, amanhã outra; hoje uma virtude praticada em grau heróico, amanhã o oposto”54.
Muito naturalmente, isto fica mais evidente diante de realidades sérias e
comprometedoras, como a religião e a piedade, o estudo, o trabalho, a disciplina. “É
bastante difícil – encarece ele na biografia de Francisco Besucco – levar os jovens a ter
gosto pela oração. Sua idade volúvel faz parecer enjoativa e muito pesada qualquer coisa
que exige uma atenção mais séria da mente”55 .
Tudo isto se refaz a uma realidade mais profunda, ambivalente, de significado
teológico alem do psicológico. Segundo Dom Bosco, de fato, a virtude, a religião, o reino
da graça são também fontes de felicidade. No O jovem instruído, no sulco da mais
difundida literatura ascética juvenil do passado e contemporânea, ele acentuava um aspecto
um tanto problemático da “natureza” do homem e do jovem. Não se sabe se a natureza
sadia ou ferida pelo pecado, porque Dom Bosco aqui “não parece conhecer tal distinção”56 .
De qualquer forma, segundo ele, o homem, e mais abertamente o jovem, aparece nascido
para gozar, por sua natureza deseja a alegria, o divertimento, o prazer. Está tendência
parece entrar em conflito com a felicidade e as suas fontes: com efeito - continua Dom
Bosco - , “se eu digo a um garoto que freqüente os sacramentos, que faça um pouco de
oração durante o dia, ele responde: eu tenho outra coisa para fazer, tenho que trabalhar,
tenho que divertir-me”57 .
De uma outra característica, entretanto, é acentuado também, e, talvez, com mais
força o lado positivo: é a necessidade de movimento, de vida, de benéfica liberação das
energias físicas, intelectuais, emotivas, morais. Diretamente a está se refere o “preceito”

50
JOÃO BOSCO, A força da boa educação..., página 55, OE VI 329.
51
Cfr. O sistema preventivo (1878), RSS 4 (1985) 301-302.
52
O sistema preventivo (1878), RSS 9 (1985) 300; freqüentando as prisões, Dom Bosco tinha notado que “um
grande número de meninos estavam pagando pena por delitos cometidos mais por inconsideração e até
mesmo pelo abandono, do que por maldade”( JOÃO BOSCO, O oratório de São Francisco de Sales, Casa de
acolhida de beneficência. Turim, tipografia salesiana 1879, página 3, OE XXI 259).
53
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, página 190.
54
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio, aluno do Oratório de São Francisco de Sales. Turim,
tipografia João Batista Paravia e companheiros 1859, página 37, OE XI 187.
55
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes ou Vida do jovem Francisco Besucco de Argentera. Turim,
tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1864, páginas 113-114, OE XV 355-356.
56
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, página l88.
57
JOÃO BOSCO, o jovem instruído..., página 33, OE II 213.
fundamental, que se inspira em São Felipe Néri, mas que assume na linguagem e na prática
educativa de Dom Bosco, um excepcional valor cons58trutivo: “Dê-se ampla liberdade de
pular, correr, fazer barulho à vontade” .
Outras qualidades nativas, totalmente positivas, encontram-se nos jovens. Dom
Bosco as vê e descreve com prazer em Miguel Magone, o jovem – tipo, não somente
pedagogicamente, mas antes de tudo do ponto de vista da estrutura psicológica de base,
anterior a qualquer seria perversão moral: a vivacidade, a espontaneidade e a natural
simpatia pelas coisas boas, inconscientemente inclinado à verdadeira felicidade. “De
índole esperta, mas piedoso bom, devoto, estimava muito as mais rápidas práticas de
religião. Ele as praticava com alegria, com desenvoltura, e sem escrúpulos: de modo que
pela sua piedade, estudo e afabilidade, era amado e querido por todos; enquanto por sua
vivacidade e boa educação era o ídolo das brincadeiras”59 . Mesmo depois do
pressentimento da morte iminente, “não se alterou minimamente a sua alegria e a sua
jovialidade”60 .
Nisto tudo se vê uma vitalidade interior, que se revela também como clara
impressionabilidade e receptividade, emotiva e perspectiva. Dom Bosco trata disto
explicitamente a propósito da natureza educativa e moral do teatrinho: “Tenha-se presente
que os jovens recebem em seu coração as impressões de coisas vivamente apresentadas, e
dificilmente a gente consegue faze-las esquecer com razões ou com fatos opostos”61 .
A impressionabilidade pode apresentar lados negativos, mas é vista, sobre tudo no
seu aspecto positivo, como faz notar o próprio Dom Bosco, ao falar da crise benéfica de
Josefa, a protagonista da Conversão de um valdês : “A juventude, até que não se torne
escrava dos vícios, fixa-se só de passagem sobre as outras coisas; mas as máximas de
religião, e sobre tudo as verdades eternas, produzem a mais viva impressão”62 .
Seguem duas dimensões globais de psicologia juvenil, que abrangem toda a
personalidade e têm uma incidência sobre todo o sistema educativo. Elas referem-se sobre
tudo a garotos em pleno período da adolescência e encaminhados para uma juventude mais
madura. São o vivíssimo sentido da justiça, a intolerância de qualquer tipo de injustiça, e
a forte afetividade, o coração. Ambas as características estão explicitamente vivas ainda
nas páginas sobre o sistema preventivo de l877 e se ajuntam a duas radicais experiências
“preventivas”: a razão e a amorevoleza.
Sobre o sentido da justiça Dom Bosco dedica aos educadores uma preocupada
reflexão: Observou-se que os jovens não esquecem os castigos recebidos, e a demais
conservam com amargura unida ao desejo de sacudir o jugo e também de tirar vingança.
Parece as vezes que não se importam, mas quem os segue sabe que são terríveis as
reminiscências da juventude; e que esquecem facilmente os castigos recebidos dos pais,
mas muito dificilmente os dos educadores. A até fatos de alguns que na velhice vingaram se

58
O sistema preventivo (l877), página 54, OE XXVIII 432. É um retrato ao qual responde uma verdadeira
“pedagogia da alegria e da festa”: isto será visto no capítulo l6.
59
JOÃO BOSCO, esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone, aluno do Oratório de São Francisco de
Salles. Turim, tipografia João Batista Paravia e companhia l861, página 66, OE XIII 220.
60
JOÃO BOSCO, esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., página 68, OE XIII 222.
61
Regulamento para as casas..., primeira parte, capítulo XVI Do teatrinho, página 50, OE XXIX 146.
62
JOÃO BOSCO, Conversão de uma valdês. Fato contemporâneo. Turim, tipografia P. De-Agostini l854,
página 27, OE V 285.
brutalmente de certos castigos que lhes foram infringidos com justiça no tempo de sua
educação”63 .
Enfim, a educação é “coisa de coração” porque o garoto normal, quase por natureza,
é coração. Por isso o educador poderá sempre ganhar “o coração do seu protegido” e “falar
com a linguagem do coração”64 . Com efeito, “em todo jovem, mesmo no mais infeliz,
existe um ponto acessível ao bem e dever primeiro do educador é procurar este ponto, essa
corda sensível do coração e dela tirar proveito”65 .
Alguma conotação psicológica e moral é reservada por Dom Bosco Também para a
fase da infância, antes dos 8 anos, e da infância, dos 8 aos 12 anos.
Sobre o estado infantil Dom Bosco escreve de Domingos Sávio que “mesmo
naquela idade de natural divagação ele dependia em tudo e por tudo da sua mãe”, e vem a
saber através do testemunho dos pais, que ele foi assim “desde a mais tenra idade (...) na
qual por falta de reflexão os meninos são um tormento e preocupação continua para as
mães; idade na qual querem ver tudo tocar tudo e, ainda mais estragar as coisas”66 . Como
já foi visto, os “menininhos” não são admitidos no Oratório, porque “atrapalham, e são
incapazes de entender o que ali se ensina”67.
Com relação a infância, dos 8 aos l2 anos, os juízos expressos não são muito
otimistas. Dom Bosco atribui-lhes “náusea, ou má vontade na oração”, e propensão às
“criancices próprias daquela idade”68 . Não há livra de serias responsabilidades morais,
como se pode ler nas reflexões recolhidas pela crônica de Padre Bonetti, de l de março de
l863: “Chego a conclusão de que as confissões de muitos jovens não podem ser regidas
pelas normas dadas pela teologia. Quando muito não se leva em conta aquelas faltas
cometidas dos 8 aos l2 anos; e se um confessor não vai procurar e interroga-los, eles
passam por cima e vão em frente construindo assim sobre um terreno falso”69 .

3. Teologia da educabilidade juvenil

Dom Bosco não dispõe de uma antropologia teológica sistemática. Este aspecto da
formação sacerdotal, dada pelo ensino do seminário, parece reduzir-se a poucas, ainda que
importantes, aquisições de base.
À sua cultura e mentalidade “educativo-pastoral” pode-se aplicar aquilo que Pedro
Stella escreve a propósito de uma bem definida e difundida “teologia dogmática” e
“moral”, que não pode ser universalizada . A teologia dogmática “punha tudo sob a luz da
predestinação ou da livre correspondência à graça, sob a luz da conta a ser prestada ao
divino juiz, na expectativa da vida ou da morte eterna”; está, portanto, “acabava por
acostumar a considerar qualquer coisa pelo valor que tinha para a eternidade, tudo como
motivo de prêmio ou de condenação” . Por seu lado, “a teologia moral, com as suas

63
O sistema preventivo (l877), páginas 48, 50, OE XXVIII 426-428.
64
O sistema preventivo (l877), páginas 48, 50, OE XXVIII 426-428.
65
Citado em MB V 367.
66
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., páginas 12-l3, OE XI l62-163.
67
Regulamento do Oratório... para os externos, segunda parte, capítulo II, artigo 3, página 30, OE XXIX 60.
68
[JOÃO BOSCO], esboços históricos sobre a vida do clérigo Luís Comollo, morto no seminário de Chieri,
admirado por todos pelas suas singulares virtude, escritos por um seu colega. Turim, tipografia Speirani e
Ferrero l844, página 5 e 11, OE I 5 e 11.
69
Citado em MB VII 404. João Batista Lemoyne afirma que cita de uma Crônica de Dom Bonetti. Não
conseguimos encontrar tal passagem nas Crônicas que chegaram até nós.
polêmicas sobre o probabilismo e o probabiliorismo, centrando tudo na relação entre lei
divina e liberdade, educava a considerar o próprio agir como responsável adequação à lei
divina”70 . Além disso se somavam ulteriores, talvez mais determinantes acréscimos: os
livros de formação religiosa, os escritos utilizados na composição das meditações, das
instruções e das homilias para a pregação ordinária e extraordinária, as fontes dos livros
históricos, catequéticos e apologéticos. Enfim, decisivas para a visão de conjunto das
disponibilidades dos jovens em ordem à “salvação” e à educação a ela dirigida, são, fora de
qualquer dúvida a “índole” de Dom Bosco e a sua intensa “conversação” entre os jovens.
Ao assíduo viver entre os jovens devem ser atribuídas, antes de mais nada as
classificações que ele repetidamente faz deles, com termos nem sempre sinônimos. Em
alguns casos estás têm uma precisa finalidade pedagógica orientada para um tratamento
educativo diferenciado71 . Mas, com maior freqüência podem ser reduzidos a avaliações
teológico-morais, com finalidade “preventiva” ou apostólica em geral: fuga dos maus,
amizades com os bons e, as vezes, recuperação para o bem dos transviados e dos menos
bons72 .
O texto mais significativo de “teologia da juventude e da educação” é, com certeza
constituído pelas primeiras linhas da Introdução a um Plano de Regulamento dos primeiros
anos da década de 50, traçadas sobre o tema do evangelho de João 11, 52, aplicado à
juventude “dos nossos dias”: Jesus devia morrer “para reunir os filhos de Deus que estavam
dispersos”. Ai aparecem os protagonistas do processo de crescimento dos jovens: Deus e os
meios da graça, a família com as suas carências, a sociedade com os seus perigos, os
educadores, os “lugares” apropriados, os próprios jovens com os ricos recursos dos quais
são naturalmente dotados.

“Esta porção mais delicada e mais preciosa da Sociedade


humana, sobre a qual se fundam as esperanças de um futuro feliz,
não é má por si mesma. Tirados o descuido dos pais, o ócio, o
convívio com maus companheiros, aos quais ficam sujeitos
especialmente nos dias festivos, fica sendo coisa muito fácil
insinuar em seus tenros corações os princípios da ordem, do bom
costume, do respeito, da religião; porque, se acontece as vezes que
já foram corrompidos naquela idade, foi antes por inexperiência que
por maldade consumada. Estes jovens têm verdadeira necessidade
de uma mão amiga, que cuide deles, eduque-os, os guie a virtude e
os afaste do vicio. A dificuldade está em encontrar modo de reuni-
los, poder falar-lhes, moralizá-los” 73.

70
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume I, página 6l; Cfr. ainda página
63.
71
Encontram-se, como será visto, nos Esboços históricos sobre o Oratório de São Francisco de Salles e nos
Artigos gerais, escritos no inicio do Regulamento para as casas. Sobre estes veja-se PEDRO BRAIDO, O
“sistema preventivo” em um “decálogo” para educadores, RSS 4 (1985) 143-144.
72
Cfr. Esboços sobre Comollo (l844), página 63-64, OE I 63-64; O jovem instruído (l847), páginas 21-22, OE
201-202; Vida de Domingos Sávio (l859), páginas 26-27 OE XI 176-177; MO (l99l) 59.
73
Introdução a um Plano de Regulamento..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 34 – 35.
Um dos lugares privilegiados, em uma nova concepção de Igreja, é, obviamente para Dom Bosco, o oratório
entendido em seu sentido mais amplo, a “casa dos jovens” (Ibidem, páginas 35-36).
Em uma consideração largamente “teológica” mais analítica, as forças em campo
podem ser reduzidas a quatro espaços: o jovem na sua individualidade, o ambiente, o
mundo religioso, a mediação educativa74 .
Antes de tudo, Dom Bosco fala e escreve de uma geral disponibilidade positiva da
idade juvenil para a maturidade moral e educativa, quando for cultivada com carinho, pelo
compromisso dos educadores e do próprio jovem. Não se pode perder tempo. “Os jovens
são imensamente amados por Deus” porque estão “ainda em tempo de praticar muitas boas
obras”, encontram-se “em uma idade simples, humilde, inocente, e em geral ainda não se
tornaram presa fácil do inimigo infernal”75 . Além disso e por isso, “a salvação de um
garoto depende ordinariamente do tempo da juventude”76 . Dom Bosco quer dizer isto com
palavras de Deus: “Aquele caminho que um garoto toma na juventude, ele o seguirá na
velhice até à morte. E quer dizer: se nós começamos uma vida bem vivida agora que somos
jovens, seremos bons nos avançados anos de nossa vida, boa será a nossa morte e principio
de uma eterna felicidade. Se, ao contrário, os vícios tomarem posse de nós na juventude,
com toda certeza continuarão em toda a nossa vida até à morte”77 .
Vêm em socorro do jovem as potencialidades da natureza humana e a índole,
mesmo diferentemente inclinada, o mais das vezes “boa” ou “ordinária”, ou ainda
“indiferente” . Vêm em primeiro lugar a inteligência, faculdade da verdade, e a vontade,
faculdade do bem, com a liberdade de agir que dela deriva: Dom Bosco dá a está faculdade
grande importância, se se pensa na insistência sobre os “propósitos” que caracteriza sua
pedagogia do sacramento da penitencia. “o homem se distingue de todos os outros animais
especialmente porque é dotado de uma alma, que pensa, raciocina e conhece o que é bom e
o que é mau”78 . “Deus nos deu uma alma, isto é deu-nos aquele ser invisível que sentimos
em nós, e que tende continuamente a elevar-se até Deus; aquele ser inteligente que pensa e
raciocina e que não pode encontrar a sua felicidade sobre a terra e que por isso, no meio das
mesmas riquezas e no meio de quaisquer outros prazeres da terra, está sempre inquieta
enquanto não repousar em Deus, porque somente Deus pode faze-la feliz” . “Deus deu à
nossa alma a liberdade, isto é a faculdade de escolher o bem ou o mal, garantido-lhe um
prêmio se fizer o bem, ameaçando um castigo se escolher o mal”79 . Aí se ajuntam, como
fatores extremamente positivos, com relação às realidades religiosas e morais e na relação
educativa a sensibilidade, a afetividade, o coração: eles trazem uma insubstituível
contribuição à percepção da “feiúra do pecado” e da “beleza da virtude”80 .
Naturalmente, a fragilidade juvenil é unida por Dom Bosco, além da idade e do
ambiente, com a realidade do pecado original. Este feriu sensivelmente e enfraqueceu as
faculdades da inteligências e da bondade, desconcertadas, impedidas, atrapalhadas pelas
orgulhosas “paixões”. Na Maneira fácil para aprender a história sagrada, ele menciona
deste modo as “conseqüências do pecado original”: “são todas as misérias da alma e do
74
Para uma analise aprofundada dos aspectos antropológicos, Cfr. J. SCHEPENS, A natureza humana na
visão educativa de São João Bosco, RSS 8 (1989) 263-287.
75
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 10-11, OE II 190-191.
76
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 12-13, OE II 192-193.
77
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 6 – 7, OE II 186-187; Cfr. Também JOÃO BOSCO, A força
da boa educação..., páginas 62-63, OE VI 336-337. É um dos “temas quase obrigatórios na literatura ascética
para a juventude” (PEDRO STELLA, Valores espirituais no “O jovem instruído”..., página 52).
78
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 10 OE II 190.
79
JOÃO BOSCO, O mês de maio consagrado a Maria Santíssima Imaculada para uso do povo. Turim,
tipografia João Batista Paravia e companhia 1858, páginas 23-25, OE X 317-319.
80
MO (1991) 35.
corpo”; “as misérias da alma são a ignorância a concupiscência e a exclusão do céu”; “a
ignorância consiste em que o homem não pode conhecer o seu fim, nem os seus deveres
sem a revelação”; “por concupiscência entende-se a inclinação ao pecado”; enfim, “as
misérias do corpo são a pobreza, as doenças e a morte”81 .
Não é, provavelmente, inútil reler uma Crônica que refere os conteúdos de uma
conversa de terça-feira, 11 de maio de 1875, na qual Dom Bosco fala “sobre as misérias do
homem”, atribuindo-as ao pecado original. Podem iluminar certa ambivalência na avaliação
moral dos jovens, a qualidade e os conteúdos da sua aspiração a felicidade e a conseqüente
ação educativa: com felizes dissonâncias entre aquilo que pensa e diz e o que faz.

“Tudo procede daquela pergunta do catecismo que diz: qual é o


efeito do pecado original ? Faz com que nós venhamos ao mundo
na desgraça de Deus, merecedores do inferno, inclinados ao pecado,
sujeitos à morte e a muitas misérias na alma e no corpo. Alguns
acreditam poder viver vida feliz sobre está terra e procuram goza-la
de todos os modos. Vida feliz não se poderá nunca ter, por causa
destas muitas misérias na alma e no corpo. Quanto mais se deseja a
felicidade e se a procura, mais ela foge de nós. E o que parece ainda
mais admirável é que todas as satisfações que temos não servem se
não para aumentar as misérias produzidas pelo pecado de Adão” .
“Ah! todas estas misérias nos fazem realmente exclamar do mais
profundo de nosso coração: o que não é eterno, é nada. É melhor
que pensemos nos prêmios eternos e nos pareceram vis as coisas
desta terra” . [Depois passa uma grande carroça puxada por uma
mula e desperta novas considerações]. “Dom Bosco apontando com
o dedo para a mula exclamou: foi comparado aos jumentos
estúpidos e se fez semelhantes a eles (...). Vejam o que faz o
homem, pensa somente nas coisas desta terra e faz pecados. O que
faz cometendo pecados ? Ah! renúncia à sua razão, porque se a
gente raciocina é impossível ofender a Deus, sabendo-o tão grande,
tão bom, tão justo; se a gente pensa, a gente procura não mais
ofende-lo” . “E o que distingue o homem do jumento ? A razão: eis
porque o homem é comparado pela sagrada escritura ao jumento
ignorante. Davi porem antecipou com estas palavras: o homem,
quando estava na sua honra, não entendeu, aos jumentos... . Diz, o
homem em sua honra não entendeu. De que modo o homem está em
honra ? Eis, diz um Santo Padre, o homem inocente ou em graça de
Deus é amigo deste Deus, recebe dele contínuos dons e benefícios;
está na oportunidade de servisse bem da sua mente tão luminosa. O
homem em graça possui o maior tesouro, a maior honra que pode
existir no mundo”82 .

81
JOÃO BOSCO, maneira fácil para aprender a história sagrada para uso do povo cristão. Turim,
tipografia Paravia e companhia l855, páginas 12-13, OE VI 60-61.
82
JULIO BARBERIS, Crônica, caderno 1, páginas 4 – 6.
Fora de qualquer duvida, Dom Bosco ecoa uma literatura, em particular de
Carlos Gobinet, não muito diferente das colorações jansenistas. Mas é difícil precisar
quanto depois, em concreto ele se inspira em razões teológicas e quanto ele se deixa guiar
por mais positivas considerações práticas, traduzidas em confiança e esperança83 .
De qualquer forma, é vigorosamente afirmada a necessidade e a possibilidade
de uma efetiva colaboração com a graça. “Jesus prega” e “anuncia uma vida feliz e eterna
isto é o céu; mas está felicidade ele quer que nós a conquistemos com os nossos esforços,
com a prática da virtude, com a fuga do vicio”84 .
Mais próximas da experiência estão as convicções, muitas vezes formuladas,
sobre o ambiente familiar, no qual os jovens se movem. Não falta, certamente, à referência
às muitas influências positivas dos pais no crescimento dos jovens. Freqüentemente nas
biografias juvenis, Dom Bosco põe em evidencia a qualidade diversa das contribuições da
mãe e do pai. Basta pensar nos exemplares pais de Domingos Sávio e de Francisco
Besucco; nas mães religiosas e atentas de Pedro na Força da boa educação (1855) e de
Valentin (1866); ao pai de Severino (1868). Inumeráveis são as figuras maternas e paternas
que aparecem nas biografias de santos e nas varias “histórias”: sagrada, eclesiástica, da
Itália, dos Papas. Mas, devendo defender a causa dos jovens “pobres e abandonados”, “em
perigo e perigosos”, Dom Bosco não deixa de acentuar as responsabilidades de pais
impossibilitados ou incapazes ou “desnaturados” .
Quanto ao ambiente social os juízos são preponderantemente negativos. Fazem-
no perigoso os adultos, que se tornam agentes de corrupção com livros, jornais, espetáculos
imorais, e exemplos de irreligiosidade e desonestidade. Mas não menor causa de mal e de
escândalo são os “maus companheiros”, se chegaram ao mais baixo grau “da malicia
consumada”. Com relação a eles, verdadeiros aliados do demônio, não resta outra defesa se
não a fuga e a denuncia .
No mundo do invisível está constantemente lembrado em plena atividade o
tentador, o demônio . Da sua existência laboriosa Dom Bosco está certo por fé e tem
experiência disto, tanto nas vexações que em certas épocas o atormentam85 quanto,
sobretudo nos diversos momentos da vida dos jovens. Dele são particularmente povoadas
as muitas narrações de sonhos e as palestras próximas aos templos de exercícios espirituais
e perto do exercício mensal da boa morte. O demônio e a sua corte se apresentam sobre
figuras de monstros primordiais e de animais: grandes gatos que, nas costas dos penitentes,
impedem uma confissão sincera, porcos, cães furiosos, leões, tigres, elefante que esmaga,
serpente que encanta e paralisa. Em todas as partes o demônio encontra “servidores”,
“ajudantes” , “amigos” nos escandalosos, nos corruptores, nos mestres de maldade. Do
demônio são os “enganos”, dos quais ele escreve na apresentação do O jovem instruído “os
laços” estendidos pelo “inimigo do gênero humano” para fazer cair os jovens, revelam uma
astúcia criativa sem limites.
O jovem, porem não está à mercê do mal. Antes, é amorosamente “assediado”
pelos inexauríveis recursos do mundo transcendente do divino e da graça, que a fé católica
oferece: Deus, Cristo, a Igreja, os sacramentos, a Virgem Mãe, os inumeráveis intercessores
83
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II 232-236; J.
SCHEPENS, A natureza humana..., páginas 278-281.
84
JOÃO BOSCO, O mês de maio..., página 30, OE X 324.
85
Nas primeiras fases, segundo as crônicas do Padre Bonetti, parecem atingir o seu auge em 1862 (Cfr. Anais
II 1861-1862, páginas 17-22 e seguintes). Em setembro ele publicará nas “Leituras católicas” um opúsculo
com o titulo O poder das trevas ou Observações dogmático – morais sobre os espíritos maus.
a palavra de Deus. A “religião” é o fundamento, a fonte, a alma da vida dos jovens e de seu
processo de crescimento. É recurso divino absolutamente necessário, que exige
naturalmente, a colaboração ativa do homem: a oração, a fuga do pecado, o pedido de
perdão e a pratica dos propósitos tomados na confissão, o exercício da caridade fraterna:
em poucas palavras essenciais, “o serviço de Deus”, “as boas obras”, o “dever”. “Meus
caros- pedia Dom Bosco aos possíveis remitentes -, queremos talvez ir para o céu de carro
?”, a “Ferrari” do tempo86 .
Mas o ponto cardeal desta sinergia humano-divina, realmente determinante, é a
mediação educativa. Por isso, é natural que a primeira virtude de um jovem seja a
obediência. Para um temido naufrágio dos jovens não são ultimamente decisivos nem “o
encontro com maus companheiros” ou “o descuido dos pais”, mas a eventual “índole infiel
à boa educação”87 ; e primeiro ainda, a educação nula.
A presença e a obra de educadores competentes e totalmente “consagrados” à
juventude é absolutamente necessária à sua “salvação”. Literalmente, “Deus precisa dos
homens”. A está iniciativa primaria, será depois indispensável a resposta dos jovens, sua
submissão e colaboração voluntária e prática. É a mensagem que Dom Bosco dirige aos
jovens no primeiro livro escrito todo para eles: “Assim como uma tenra planta, ainda que
plantada em um bom terreno dentro de um jardim, pode todavia nascer torta e acabar mal se
não for cultivada, e guiada até certo ponto, assim vocês meus caros filhos vão seguramente
inclinar-se para o mal se vocês não se deixarem guiar por quem tem o dever de guia-los”:
antes de tudo os pais, os “superiores”, os “maiores”88 .
O segundo grande “manifesto” é destinado aos educadores. O “sistema
preventivo”, experiência variada antes que formula, é todo para eles: para orientar e
solicitar o exercício de uma responsabilidade de implicações incomensuráveis, pessoais e
sociais, temporais e eternos.
Era a mensagem que Dom Bosco lançava, ainda uma vez, próximo ao declínio
de sua existência terrena: “trabalhem pela boa educação da juventude, da mais pobre e
abandonada, que existe em maior número, e vocês conseguiram facilmente dar glória a
Deus, conseguir o bem da Religião, salvar muitas almas e cooperar eficazmente para a
reforma, para o bem estar da sociedade; porque a razão, a Religião, a história, a experiência
demonstram que a sociedade religiosa e civil será boa ou má, conforme boa ou má for a
juventude”89

86
Circular aos salesianos de 6 de janeiro de 1884, E IV 250.
87
JOÃO BOSCO, biografia do Padre José Cafasso..., página 12, OE II 362.
88
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 13-16, OE II 193-196.
89
Conferencia aos cooperadores de Turim, 31 de maio de l883, BS 7 (1883) 7, julho, página 104.
Capítulo 10

PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO PARA MENINOS COM DIFICULDADES


ESPECIAIS

Para Dom Bosco, todos os jovens, pelo único fato de ser jovens, estão virtualmente
“em perigo”; ainda mais se se pensa nas forças ocultas do mal do qual são um inconsciente
objetivo. Ele, porem tende também a distinguir e a classificar. Existe, para ele, uma massa,
constituída pela grande maioria, que compreende, além da minoria dos garotos de elite por
vocação e qualidades morais, a faixa dos os mais, isto é, “aqueles que tem caráter e índole
ordinária”. Com eles vive uma “terceira categoria que é a dos discípulos difíceis e também
insubordinados”. No Regulamento para as casas de 1877, calcula-os “um sobre quinze, ali
pelos 6-7 % 16. Nas margens inferiores desta e na zona imediatamente contígua encontram-
se jovens em dificuldades especiais, os “postos em perigo” segundo a terminologia do
tempo, nunca por ele usada: delinqüentes, sujeitos envolvidos em medidas de polícia ou em
procedimentos judiciários, indivíduos confiados a instituições “correcionais.
Está quarta categoria nunca foi por ele inserida de modo continuado e sistemático
no quadro educativo-institucional preparado para os mais. Não ignorou porem a existência
deles e não a excluiu do seu interesse de sacerdote e de educador nem do âmbito do
“sistema preventivo”. Seu envolvimento pode ser acertado em quatro situações
fundamentais: 1) uma experiência direta, ainda que marginal, entre carçerados e aqueles
que necessitavam de correção (1841-1855); 2) o encontro com os “desamparados” no
interior ou em proximidade com as próprias instituições; 3) o confronto problemático com
a hipótese do reformatório; 4) a proposta de uma aplicação universal, ainda que
diferenciada e integrada do sistema preventivo.

1. Dom Bosco, os jovens encarcerados e os sujeitos a correção da “Generala”

“Não só para os seus jovens Dom Bosco nestes anos se desdobrava com tanto ardor” –
testemunhava no processo diocesano pela causa de beatificação e canonização em 2 de
maio de 1892, o amigo e confessor Padre Francisco Giacomelli - . “A sua caridade não se
restringia aos jovens do seu Oratório, mas se estendia ainda para além, de fato eu o
acompanhei nas prisões, onde dava catecismo e confessava (...). Eu o acompanhei também
ao Albergue de virtude, no qual havia mais de cem jovens”17 . Este trabalho foi por ele
iniciado por indicação do Padre Cafasso, já nos anos do Colégio (1841-1844) e continuou
em seguida, a titulo pessoal ou em conexão com a obra dos oratórios, como resulta de
diversas fontes convergentes e interdependentes18 .

16
Regulamento para as casas..., Artigos gerais, artigo 7, página 16, OE XXIX 112.
17
Cópia Pública do processo em andamento instituído na Cúria Eclesiástica de Turim, volume II, folha 671
v.
18
Cfr. G. COLOMBERO, Vida do servo de Deus, Padre José Cafasso, com esboços históricos do Colégio
eclesiástico. Turim, Canônica 1895, páginas 200-202; L. NICOLES DI ROBILANT, Vida do venerável José
Cafasso, co-fundador do Colégio Eclesiástico de Turim, volume II, páginas 88-89, 94-96; MB II 61-63, 105,
109, 172-184, 273-277, 364-371; VI 531.
Além disso, pode-se completar com outras informações tudo o quanto foi dito sobre
as ligações de Dom Bosco com a prisão para menores e casa de trabalho de “A Generala”
de Turim19 . “Desde quando o governo abriu aquela penitenciaria – escreve João Bonetti na
História do Oratório de São Francisco de Salles - , e confiou sua direção à Sociedade de
São Pedro in Vincoli, Dom Bosco obteve a permissão de ir lá de vez em quando conviver
com aqueles pobres jovens, dignos da mais alta compaixão. Ele, com a permissão do diretor
das prisões, os instrui no catecismo, fazia-lhes pregações, confessava-os, e muitas vezes
entretinha-se com eles amigavelmente na recreação, como costumava fazer com seus
meninos do Oratório”20 . Neste contexto poderia enquadrar-se a legendária excursão a
Stupinigi de todos os detentos na primavera de 1855, organizada só por Dom Bosco, com o
consentimento do ministro do interior Urbano Rattazzi, sem guardas, baseada somente na
confiança recíproca, no compromisso de consciência e no fascínio do educador21 . Um
acontecimento deste tipo mais sólido e realista, podia acontecer, conforme normas do
regulamento do instituto correcional. Este, com efeito, previa passeios-prêmio para os
jovens pertencentes à “classe de honra”. De uma carta do Cônego Fissiaux ao ministro do
interior de 22 de abril de 1846, se deduz que um grupo de detentos merecedores, por
ocasião da páscoa tinha sido acompanhado em um passeio a Stupinigi. “os jovens –
informavam ao cônego divertiram-se bastante e depois de ter almoçado em um bosque,
voltamos para casa sem que eu tenha tido sequer uma sombra de aborrecimento”22.
Mas, para além destas esporádicas formas de assistência, continuada ou
excepcional, há testemunhos pessoais do próprio Dom Bosco, reportadas nas Memórias do
Oratório de São Francisco de Sales e antes ainda fixadas na abertura dos citados Esboços
históricos acerca do Oratório de São Francisco de Sales, que estabelecem uma relação
imediata entre a atividade em meio aos jovens prisioneiros e a origem e o desenvolvimento
da obra dos oratórios. Subsiste, todavia, a legítima suspeita de superposição de lembranças
e datas, com o acréscimo das costumeiras amplificações23.
De qualquer forma, fica a constatação de que, por certo período de tempo, o
Oratório esteve bastante empenhado com aqueles, sobretudo jovens, que deixavam a prisão.
“Foi então que toquei com as mãos que os jovens saídos das casas de correção, se
encontrarem uma mão amiga que cuide deles, os assista nos dias festivos, procure para eles
um trabalho junto a um patrão honesto, indo fazer-lhes uma visita durante a semana, estes

19
Sobre a “Generala” ver o que já foi dito no capitulo 5, parágrafo 6.
20
BS 6 (1882) número 11, novembro, páginas 180-181.
21
BS 6 (1882) número 11, novembro, páginas 180-182; MB V 217-238.
22
Cfr. C.FELLONI e R.AUDISIO, os jovens abandonados..., em G.BRACCO, Turim e Dom Bosco, volume
I, página 118. A primeira publicação, em ordem de tempo, que informa sobre a excursão a Stupinigi é o
opúsculo Obras religiosas e sociais na Itália. Memória do conde Carlos Conestabile. Tradução do texto
francês. Pádua, tipografia do Seminário 1878. Desta fonte dependem os autores que evocam o episódio: L.
Mendre (1879), C. d´Espiney (1881), Padre Bonetti no Boletim Salesiano (1882), Du Boÿs (1883). Do
espírito geral com o qual o conde Conestabile descreve a figura e a obra do Padre Bosco em Turim (páginas
4-39) e das repetidas aproximações, poder-se-ia deduzir que as modalidades do fato (páginas 23-26) podem
ter sido amplificadas até ao limite da lenda. Sem legitimar a lenda, quem pode confirmar o fato em suas reais
dimensões, é o testemunho dado por Eugênio Ceria no Prefácio a MB XV 7-8.
23
Já foi lembrada a significativa diferença deste assunto entre as Memórias do Oratório e a mais controlada
História do Oratório, compilada no Boletim Salesiano por Padre João Bonetti, que conhece também o
manuscrito das Memórias. Ele, já foi visto atrás, atenua bastante as ligações entre o Oratório e a solicitude
pelos ex-detentos.
jovens se entregavam a uma vida honrada, esqueciam o passado, tornavam-se bons cristãos
e honestos cidadãos”24.
Em uma carta aos administradores da “Mendicância Instruída” de 20 de fevereiro de
1850, referindo-se àqueles que freqüentavam o Oratório ali pelo ano de 1846, com evidente
exagero, Dom Bosco fala de “seiscentos a setecentos jovens entre 12 e 20 anos, dos quais
grande parte saía das prisões ou corriam o risco de ir para lá”25.
Em 1854, porém, em um manuscrito por longo tempo inédito, fazia um dscurso
mais normalmente “preventivo”. Era mais urgente e produtivo educar jovens imigrados
“abandonados” do que reeducar ex-prisioneiros. “Neste ínterim, freqüentando as prisões de
Turim, pude perceber que os infelizes que são levados para aqueles lugares são, em sua
maioria, pobres jovens que vêm de longe para a cidade em busca de trabalho ou atraídos
por algum maldoso. Estes, sobretudo nos dias festivos, abandonados a si mesmos, gastam
nos jogos e nas gulodices o pouco dinheiro ganho durante a semana. O quue é fonte de
grandes vícios; e jovens que antes eram bons, tornam-se vítimas de perigo e perigosos para
os outros. Além do mais, as prisões não melhoram em nada estes garotos; pelo contrário,
ficando lá dentro, acabam por aprender maneiras mais refinadas de fazer o mal, e quando
saem, tornam-se ainda piores. Dediquei-me, por isso, a esta classe de jovens como mais
abandonados e em perigo, e no decorrer da semana, ou com promessas ou com
presentinhos, procurava conquistar alunos26.
Existem também provas documentadas que Dom Bosco foi “sócio operante” da
Sociedade real de patrocínio dos jovens libertados da Generala27. Tinha sido
corajosamente defendida por Petitti di Roreto, juntamente com Juvenal Vegezzi Ruscalla.
Sobre um Patronato para detentos liberados, Petitti rinha escrito já em seu Ensaio
sobre o bom governo da mendicância28.
Sobre este assunto ele voltara com aumentada persuasão no escrito mais específico
Da condição atual das prisões. Teria sido realmente inútil falar de “educação corretiva”
dos prisioneiros, se não se pensasse em alguma instituição particular de voluntariado para
facilitar seu retorno à sociedade. Como exemplo ele citava a França que, havia já anos,
tinha providenciado institutos carcerários destinados à “educação dos jovens detentos” e a
criação de várias “Sociedades de proteção aos detentos saídos da prisão”29. Para a atrasada
situação carcerária italiana ele propunha outras soluções: Sociedade de proteção interna
dos detentos e externa dos já liberados, Institutos religiosos e caritativos que suprem as
sociedades de proteção ou as apóiam, Casas de apoio para libertados, etc.30.
A Sociedade real de proteção aos jovens liberados era autorizada por Carlos
Alberto com a Régia Patente de 21 de novembro de 1846 com a aprovação dos estatutos.
Os sócios eram divididos em três categorias: operantes, que assumiam o trabalho de
tutores, pagantes, pagantes e operantes. Dom Bosco está entre os primeiros cinqüenta e
sete signatários, entre os quais estavam personalidades de relevo como César Alfieri, César
Balbo, Roberto Azeglio, Gustavo e Camilo Cavour, Carlos Bon Compagni. Passou muito

24
MO (1991) 122-123.
25
Em I 96.
26
Esboço histórico..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 39-40.
27
C. I. PETITTI di Roreto, Ensaio sobre o governo..., volume II, páginas 495-503.
28
Cfr. capítulo V, parágrafo 6.
29
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 382-391.
30
C. I. PETITTI di Roreto, Da condição das prisões..., em Obras escolhidas, volume I, páginas 563-566,
582-584.
tempo até se recolher os fundos necessários e um numero signifacativo de adesões. Em uma
carta a Vicente Gioberti de 10 de agosto de 1847, Petitti escrevia sobre 1200 sócios e 30
mil liras de fundo. A Sociedade entrava em ação em 184931 .
Testemunha escrita do envolvimento efetivo de Dom Bosco é uma carta de 8 de
agosto de 1855. Com ela o vice-presidente da Sociedade confiava-lhe um jovem liberado,
com a obrigação, conforme o que prescreviam as Instruções para os Patronos dos jovens
liberados, de coloca-lo, assisti-lo e socorre-lo, controlando-o durante o triênio de
“aprendizagem”. Dom Bosco assumia a tutela e os ônus relativos com uma carta de 14 de
agosto de 1855 do seu colaborador, Padre Vitório Alasonatti. O biografo acrescenta que
Dom Bosco aceitou outros, mas com resultados negativos, que o levaram a reafirmar aos
dirigentes da Sociedade que a sua preferência era para meninos a serem acolhidos em sua
casa, prevenindo qualquer medida “correcional”32 .

2. Envolvimento de Dom Bosco com os jovens em dificuldade.

O interesse mais sistemático pelos jovens em dificuldades, atualmente ou


virtualmente em situação de “perigo”, é transferido por Dom Bosco, na totalidade das suas
instituições educativas, a começar pela forma primitiva e exemplar, o oratório . Prevenir as
quedas e as recaídas é a sua finalidade essencial, como declara aos marques Miguel de
Cavour, pai de Gustavo e Camilo, preocupado com a ordem pública diante da numerosa e
imprevisível vida oratoriana nos anos críticos de 1848: “Eu não tenho outra finalidade se
não a de melhorar a sorte destes pobres meninos, e se o município quiser doar-me somente
um lugar, tenho fundada esperança de poder diminuir bastante o número dos desocupados,
e no mesmo tempo o número dos que vão para a cadeia”33 .
Como foi esclarecido no capítulo precedente, é o motivo dominante de toda a sua
atividade . Este vem mais explicitamente declarado nos últimos anos, quando a visão da
juventude em dificuldade, no sentido mais amplo do termo, não é mais fechada em uma
ótica local, mas tem como moldura cidades industriais em expansão, os maciços fenômenos
da emigração e da imigração, as profundas transformações sociais e culturais a crise nas
relações entre “progresso” e fé religiosa.
São escassas as informações sobre o tratamento dado por Dom Bosco aos casos de
meninos difíceis recebidos nas suas instituições. Algumas, depois, não dizem respeito a
jovens em dificuldade em sentido verdadeiro e próprio, mas simplesmente aqueles
relativamente a institutos com finalidades especiais. Estás, com efeito, referem-se ao
Oratório de Turim-Valdocco, o único dirigido pessoalmente por Dom Bosco e por ele
cultivado com preferencial solicitude, e particularmente à secção estudantes, que tendia a
recolher em medida crescente aspirantes à vida eclesiástica. Devem ser, por isso
enquadradas em tal contexto, e não generalizadas, certas rigidezes de juízo sobre
irrecuperabilidades, que é somente relativa , de determinados sujeitos e a drástica resolução

31
Cfr. R. AUDISIO, A “Generala” de Turim..., páginas 205-229, A Sociedade de proteção aos jovens
liberados; sobre a adesão de Dom Bosco, página 210; Cfr. também C. FELLONI e R. AUDISIO, os jovens
detentos, em G.BRACCO, Turim e Dom Bosco, volume I, página 119.
32
Cfr. MB V 228-231. Parece que mais estreitos tenham sido os vínculos da Sociedade com Padre João
Cocchi e o “Colégio dos Artesãos”, fundado em 1849 (Cfr. R.AUDISIO, A “Generala” de Turim...,páginas
226-227.
33
Esboço histórico..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 46-47.
de certas expulsões, por grave insubordinação, corrupção de costumes ou “imoralidade”,
escândalo, furto, desprezo das praticas religiosas34.
Um típico contato com jovens adultos brigões, violentos, nos limites da
delinqüência, Dom Bosco tem ali pelos anos 46-50, paralelas às atividades oratorianas são
os choques com as cocche, bandos ou grupos de bairro em constantes lutas e com os seus
chefes, que Dom Bosco consegui muitas vezes enfrentar e acalmar, usando – como diz João
Batista Lemoyne – “todas as artes da mais fina caridade para acalma-los, socorre-los e
afasta-los daquelas malditas associações”35 .
Sobre assuntos deste tipo oferece uma interessante informação um jovem cronista,
estudante de teologia, Domingos Ruffino. Ele escreve sobre a aceitação no Oratório de
“alguns jovens artistas [= artesãos], encapetados a não poder mais”, que “pela cidade
formavam a assim chamada cocca” entre outras coisas, as vezes iam “perturbar a paz da
casa”. Recebidos como internos no oratório “não se dispunham a nada de bom”. Um
assistente toma a peito o trabalho com eles, obtendo deles algum fruto; um chega até a
pedir-lhe para “ensinar-lhe o jeito de mudar de vida”36.
Conta-se também, de vários anos antes, o caso de um menino de 14anos, filho de
pai beberrão e anti-clerical, que entrando por acaso no oratório, si lançava a todo vapor nas
varias atividades recreativas, mas recusava-se participar das funções religiosas, porque,
conforme os ensinamentos paternos, não pretendia se tornar “mofado e cretino”. Dom
Bosco tinha conquistado a sua confiança com a tolerância e a paciência, tanto que “em
poucas semanas o moleque tinha mudado pensamentos e costumes”. O biografo comenta:
“Naquele tempo e em muitos anos sucessivos, quantas vezes se renovaram tais cenas,
vencendo Dom Bosco com a sua paciente e prudente caridade muitíssimos corações
relutantes e mesmo brutos, colocando-os na graça de Deus, e assim tornado-os felizes!”37 .
O comportamento lembra em particular o clima dos inícios do internato, pequena
família . Bem mais complexos e difíceis serão os problemas de ordem e disciplina, quando
o oratório de Valdocco tiver uma população de oitocentos e mais habitantes. Os defensores
do sistema preventivo, fundado sobre a razão, sobre a religião e sobre amorevolezza, darão
duro para conciliar os três termos. Até Dom Bosco chegara a tomar em consideração a
proposta dos seus colaboradores de reservar aos mais renitentes e resistentes, até mesmo a
“prisão” ou “quarto de reflexão”. A proposta vinha amadurecendo no curso de repetidas
discussões sobre a disciplina e sobre os castigos. Ficou a documentação da reunião de 12 de
agosto de 1866 e das “conferencias” de 28 de março e de 24 de abril de 1869. “Falou-se
disso a Dom Bosco – escreve o redator das atas, Padre Miguel Rua – e ele aprovou;
somente que se tratava de dividir o tal quarto em dois, e Dom Bosco decidiu de conservar
um só”38 . Não se tem noticias sobre o encaminhamento das decisões tomadas.
É, de qualquer forma, significativo que, dentro do preventivo Dom Bosco admite
também a “repressão”, em formas mais mitigadas de “castigo” para os casos comuns, mais

34
Isto será visto no capítulo 17.
35
MB III 329;Cfr. MB III 326-333. Em uma das suas crônicas, em data de 20 de fevereiro de 1863, João
Boneti registra a narração feita por Dom Bosco de uma sua intervenção em um violenta briga entre duas
“cocche”: não foi o único caso e – acrescenta – para “impedir a ofensa de Deus” valia a pena enfrentar mesmo
um perigo real (JOÃO BONETI, Anais III 1862 1863, páginas 63-64).
36
PADRE RUFFINO, Crônicas do Oratório de São Francisco de Salles numero I 1860, páginas 10-11.
37
MB II 565-568.
38
Cfr. J.N.PRELLEZO, Valdocco no 800..., página 155; sobre as varias referencias, cfr. páginas 147-148, 154
–155.
severas para os “renitentes”39. Destes escrevia já nos esboços históricos, distinguindo, entre
os jovens dos oratórios de Turim e da casa de Valdocco, os “renitentes, os levianos, e os
bons”. Dos primeiros dizia que “dão muito o que fazer” e para eles, como será visto mais
adiante, tinha poucas aspirações40 .
No vocabulário da língua italiana o termo discolo pode ser entendido em três
sentidos principais, o segundo e o terceiro um tanto mais mansos comparados com o
primeiro: quem “age sem respeito pelas normas éticas e sociais, rebelde a qualquer
disciplina, que faz greve, descabeçado”; ou então com sentido próximo do sentido de Dom
Bosco, “com valor atenuado: excessivamente vivo, habitualmente indisciplinado insofrido
para a ordem e para a disciplina”; ou ainda, sujeito “intratável, briguento; criador de
caso”41.

3. Tratativas de dom Bosco para a gestão de instituições “correcionais”

Dom Bosco foi também solicitado, algumas vezes, para gerir instituições de caráter
reeducativo e correcional.
É possível deixar cair uma notícia, referível ao verão de 1871, introduzida quas
casualmente por Ângelo Amadei no volume décimo das Memórias Biográficas: “Em
um a das ditas audiências, não sabemos se em Florença ou se em Roma, Lanza pediu-
lhe notícias do Oratório de Valdocco, e lhe propunha abrir uma casa de correção para
jovens rebeldes e abandonados, nesta ou naquela casa religiosa”42. João Lanza, então
presidente do Conselho de Ministros, poderia ter acedido ao desejo de Dom Bosco de
ter uma obra juvenil em Roma: mais demonstração de diplomática benevolência do que
projeto concreto. Problemas bem mais graves pesavam então sobre o governo, prestes a
estabelecer-se em uma cidade “roubada” em suas próprias casas religiosas.
Poucos anos antes (1867-1868), tinha sido séria e positiva, a proposta feita
pelo duque Cipião Salviati Borghese, para que Dom Bosco aceitasse a direção da
Colônia Agrícola romana de Vigna Pia, correcional em medidas mais suaves. Fundada
por vontade de Pio IX em 1850, encontrava-se próxima ao Tibre, a duas milhas da Porta
Portese. Dom Bosco demonstrou-se claramente favorável43. Interessou-se logo por
redigir um texto que garantisse a autonomia da gestão, sobretudo educativa. Não se
encontra neste nenhum aceno a qualquer incompatibilidade com o sistema educativo
praticado em Valdocco. Eram, sim, precárias e problemáticas as condições materiais da
colônia, conforme o Cavalheiro Oreglia, miserável e pouco sadia. O seu parecer era
condividido com seu irmão, jesuíta da “Civiltà Cattolica”, que via, em uma eventual
aceitação da parte de Dom Bosco u mgesto “heróico e meritório”, não, certamente,
invejado em Roma44. Não se chegou a nenhum fato concreto. no dia 1 de agosto de
1868, Pio IX, depois de uma visita pessoal, confiava a gestão do instituto aos Irmãos da
Misericórdia da Bélgica45.
39
Veremos isto no capítulo 17.
40
Esboços históricos..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 78-79.
41
S.BATTAGLIA, Grande dicionário da língua italiana, volume IV, Turim, UTET 1971, página 611.
42
MB X 436.
43
Cfr. cartas de 18 de novembro de 1867, 3 e 21 de janeiro e 11 de fevereiro de 1868, Em II 452, 475, 487 e
498.
44
Carta de José Oreglia a Dom Bosco, 15 de janeiro de 1868, MB IX 48-49.
45
Para algumas documentações, cfr. MB VIII 606-607; IX 48-49, 51, 73, 114.
Mais complexas foram as tratativas, e, sobretudo, as motivações pró e contra a
aceitação, que acompanharam a proposta de aceitação de uma grande casa correcional
em Madrid (1885-1886). Entre todos que tinham Dom Bosco como o apóstolo dos
jovens pobres e abandonados mesmo nas condições mais graves, estavam os membros
de uma Comissão, que em Madrid tinham obtido a autorização para fundar uma Escola
de reforma para jovens e asilo de correção paternal sob o título de Santa Rita. Dom
Bosco e os seus acabarão por desmentir uma persuasão deste tipo, ao menos entendida
no sentido mais rigoroso.
A perplexidade de Dom Bosco e de seus colaboradores nasce desde a primeira
reunião do “capítulo superior” ou conselho geral de 22 de setembro de 1885. Nela os
membros do capítulo escutam a relação do salesiano Padre Branda, diretor do internato
de Sarrià (Barcelona), discutem a fundo o problema, concluem com um consenso
condicionado.
Como referia Padre Branda, durante a construção do edifício para a projetada
Escola para reforma, os madrilenhos tinham tido notícia do internato e das Oficinas
recentemente fundadas pelos salesianos na Catalunha. Haviam levado lá o deputado
Lastres para se informar sobre o sistema educativo seguido na escola. PadreBranda deu-
lhe para ler o livro de d´Espiney. Dom Bosco o interrompe dizendo que teria sido
melhor a obra de Du Boÿs: este - explicava – “faz conhecer o nosso sistema e adivinhou
o espírito de nossa Sociedade”. Os madrilenhos – prosseguia Padre Branda –
continuavam a falar de Reformatório, enquanto ele insistia em dizer-lhes que “não era
este o nosso fim”. Depois – contava – “voltam; passam um dia inteiro no internato para
examinar o andamento, as regras, os costumes da casa e concluem que precisa escrever
a Dom Bosco”. Depois de um mês foi convidado a Madrid e, por causa da insistência
do Núncio Pontifício, Monsenhor Mariano Rampolla, viajou para lá, sendo esperado na
estação pelo deputado Lastres46 e pelo ministro Francisco Silvela (1845-1905), que teria
assinado as cartas de pedido47. No dia seguinte Padre Branda havia participado de uma
reunião dos membros da Comissão, reunidos para discutir a entrega da obra a Dom
Bosco. À objeção de que as suas idéias não batiam com aquelas que Padre Branda
definia “o nosso sistema”, eles declararam: “contanto que se atinjam os objetivos,
podem agir como quiserem”: “sua intenção é que a juventude seja salva”. neste sentido
escreveriam a Dom Bosco.
A discussão continuava. As posições dos membros do “capítulo superior” são
variadas. Mas todos concordam em defender a todo custo a peculiaridade do “sistema”.
Padre Durando insistia em freiar um pouco as fundações. Padre Cerruti, o “ideólogo”,
convidava a refletir sobre a compatibilidade do projeto com o “nosso sistema”, que
devia ser informado aos pedintes de Madrid. Padre Rua observava que os madrilenhos
estavam dispostos a concessões. Padre Branda recordava que “O Núncio e o ministro
Silvela esperavam resposta48. Dom Bosco antes tornava presente a quantidade de bem
imprevisto que seria feito, diretamente ou indiretamente, através de obras nascidas

46
Francisco Lastres y Juiz (1848-1918), discípulo de Manuel Silvela, deputado de 1884 a 1896, depois
senador de 1896 a 1903, de 1903 senador vitalício: “À sua ativíssima e prolongada atividade se deve o
estabelecimento em Carabanchel (Madrid) da primeira escola e reforma para a juventude ociosa e internato
de correção paterna” (Enciclopédia Espasa, tomo XXIX 958), precisamente a de Santa Rita.
47
Manuel Silvela (1830-1892) foi deputado das Cortes de 1863 a 1883, e de 1883, senador vitalício.
48
Em data de 11 de outubro de 1885, o Núncio enviará a Dom Bosco uma carta de recomendação, que pode
ser lida em MB XVII 828.
quase por acaso; depois convidava a estudar “a possibilidade da execução” e “depois
mandar alguém a Madrid para ficar lá, tomar conhecimento, ver e concluir”.
Concretamente se decidia pela formação de uma comissão composta pelos padres
Durando, Cerruti e Branda, “para examinar o projeto de Madrid e o modo de muda-lo
conforme o nosso sistema”. Enfim, “Dom Bosco dizia”: “nós também cederemos em
tudo aquilo que não for essencial e que os meios não serão obstáculos”. De sua parte,
“Padre Rua concluía que deveríamos manter firme a tradição de ter as duas classes, de
estudantes e de artesãos49.
Da sessão de dois dias depois, 24 de setembro, as Atas registram: Padre Cerruti
procede à leitura da carta de resposta à Comissão de Madrid para a Casa Reformatório
daquela cidade. O capítulo a aprova e estabelece que seja conservada no Arquivo para
servir de norma em casos semelhantes. Dom Bosco a assinará. Foi dirigida carta
também ao Núncio de Madrid, e a ele será mandada cópia da carta acima citada”50.
Em março de 1886 chegava a Dom Bosco um renovado convite, assinado em 5 de
março por Manuel Silvela51, para aceitar a proposta de Madrid. Junto com a carta vinha
um memorial escrito em francês com a história da obra, o texto da lei de 4 de janeiro de
1883 sobre os institutos correcionais e a lista dos patronos fundadores. Dom Bosco
respondia a Silvela com ma carta de 17 de março, ditada por Padre Cerruti e por ele
assinada. Era resolutamente negativa: “À parte a falta de pessoal para os compromissos
já assumidos, a qualidade deste instituto e a sua forma disciplinar não me permitem
atender ao desejo recíproco. Apesar de toda a boa vontade em fazer o bem, nós não
podemos afastar-nos, na prática, daquilo que estabelece o nosso Regulamento, cuja
cópia enviei-lhe em setembro próximo passado. Seria possível aí para nós um Instituto
como as Oficinas Salesianas de Barcelona-Sarrià; mas não seria igualmente possível
uma escola do tipo da de Santa Rita”. Não era a última palavra, uma vez que, prevendo
a viagem a Barcelona em abril, Dom Bosco expressava a esperança de encontrar,
naquela ocasião, tanto Silvela quanto Lastres52.
Efetivamente, em Sarrià, no dia 18 de abril, acontecia um encontro entre Lastres e
Padre Rua, no qual este esclarecia condições que submeteria ao capítulo superior na
sessão de 25 de junho53. No contexto deste encontro, Dom Bosco, de Sarrià,
respondendo a um insistente apelo do Núncio54, demonstrava-se mais disponível:
“Falando com o caríssimo senhor Lastres, encontramos o jeito de superar certas
dificuldades que poderiam aparecer logo em seguida. De modo que agora é só fazer um
convênio entre a Nossa Sociedade e a Comissão que promove esta obra, e ao retornar a
Turim, será uma das nossas primeiras preocupações formular um projeto de convênio e

49
Atas do capítulo superior, caderno I, folha 79r-81r. As atas foram redigidas pelo Padre João Batista
Lemoyne, secretário do “capítulo superior”.
50
Atas do capítulo superior, caderno I, folha 82v.
51
Texto em MB XVII 828-829.
52
Carta de Alassio ao Senador Manuel Silvela, 17 de março de 1886, E IV 353-354.
53
Na sua crônica de Barcelona, o jovem secretário de Dom Bosco, Carlos Viglietti, escreve em 20 de abril:
“Foi lida ao bispo e a todos os participantes da reunião,a carta que o arcebispo Núncio Apostólico em Madrid
escreveu a Dom Bosco em favor do ministro Silvela, que insiste para que Dom Bosco funde uma casa em
Madrid, que já está pronta uma grande construção. Silvela mandou um deputado, seu secretário, para que se
entendesse com Dm Bosco e decidisse. Dom Bosco parece decidido a aceitar, dado que Madrid aceita todas as
condições de Dom Bosco” (CARLOS VIGLIETTI, Crônica de 15 de abril de 1886 a 16 de maio de 1886,
página 11).
54
Carta de 17 de abril de 1886, em MB XVII 829-830.
manda-lo ao egrégio senhor Silvela, para que o submeta ao exame da Comissão. Por
agora, a dificuldade mais grave que temos é mesmo a falta de pessoal, mas esperamos
que, com a ajuda da Providência, também esta possa ser superada”55.
O capítulo superior se ocupou da questão em 25 de junho. A reunião foi presidida
por Dom Bosco, mas na ata não aparece nenhuma intervenção sua. Presidente efetivo
foi o Padre Rua, já vigário com plenos poderes de Reitor Mor. Ele lembrava as três
categorias de jovens previstos pela Comissão de Madrid: os que correm perigo,
recolhidos imediatamente, os que pagaram pena na prisão por condenação da justiça, os
de família de bem, lá postos pelos pais, porque incorrigíveis. Depois lia a carta de
recomendação do Núncio, de 17 de abril. Chegou-se à conclusão de aceitar, contanto
que fosse mantido o princípio da autonomia dos salesianos na direção e na
administração da obra. Vinham depois aprovadas “as condições de aceitação” propostas
pelo Padre Rua e por ele já preanunciadas ao senhor Lastres em Barcelona: 1. Seja
tirado daquela casa o nome e a aparência de casa e correção, para evitar qualquer
humilhação aos jovens. 2. Limitar, por agora, os nossos cuidados aos jovens da primeira
categoria. 3. Por enquanto, não aceitar jovens vindos da justiça. 4. Que os jovens a
serem aceitos não tenham mais de 14 anos e não inferiores a 9. 5. Poder fazer estudar os
jovens que a nós parecer bem”. Padre Durando sugeria de enriquecer a proposta, com
algumas modificações sugeridas por ele mesmo, com o texto do convênio formulado
para o orfanato de Trento. Padre Rua propunha que fossem fixadas as cotas a serem
pagas por cada jovem, para o diretor, os professores, e o pessoal de serviço. Padre
Durando aconselhava deixar em branco a cifra exata de modo que a indica-se a parte
que aceitava o contrato. Tudo foi aprovado56.
Padre Rua assumia o encargo de recolher as diversas indicações em uma carta a ser
enviada ao presidente da comissão de Madrit. Articulada e precisa, era firmada por
Dom Bosco em 8 de julho 1886. Nela vinham postas em primeiro plano considerações
de caráter educativo, para não encorajar a prosseguir na tratativa. O próprio Padre Rua
reconhecia que o projeto poderia ter encontrado alguma dificuldade diante da
Comissão, a começar pela condição incluída na segunda parte do segundo artigo do
convênio de não aceitar quem “foi atingido por condenação”. Acrescentava: “Dar-lhe-
ei algumas explicações: nosso desejo seria que os jovens que sairão deste instituto, que
é destinado à sua educação civil e cristã, não tenham que levar com sigo qualquer marca
de infâmia. Se alguém disser que saem de uma casa de correção, de um reformatório,
seria uma mancha talvez para toda a sua vida. Nós desejamos que seja tirada qualquer
marca que pudesse, em público deixar transparecer que é uma casa de correção. Para tal
fim, somos do parecer que leve um nome de Internato ou Instituto e não o de
Reformatório ou Patronato etc; desejamos também que ao menos por cinco anos não
seja admitido ninguém que tenha sofrido condenação, justamente para acostumar o
povo a não considera-la como casa de correção. Isto a gente deseja também para ter
maior comodidade em procurar uma boa base de jovens bem encaminhados, que
serviram para guiar mais facilmente ao trabalho e à virtude os outros que virão a entrar
depois. Depois do primeiro qüinqüênio, esperamos poder admitir também, um pouco
por vez, jovens já passados pela justiça; mas será conveniente que também então se faça
o possível para que a casa não seja repelida pelo público”. Para o aspecto financeiro

55
Carta de Barcelona-Sarrià ao Núncio Mariano Rampolla, 22 de abril de 1866, E IV 354-355.
56
Ata do capítulo superior, caderno primeiro, folha 92v.
esperavam-se as propostas da Comissão. Quanto à denominação do instituto, vinha
proposto dar-lhe o nome de um santo, por exemplo, Santo Isidoro.
Devia agravar ulteriormente as prováveis negativas impressões da Comissão a
ultima coisa que foi dita , seja também “com grande pesar”: “é que dada a grande falta
de pessoal, por alguns anos não me será possível aderir ao desejo meu e de vocês será
preciso esperar talvez até 1888 ou 1889 antes que eu possa ter pessoal disponível para
esta obra”57.
A posição oficial salesiana era de tal modo clara que parecia até brutal. Talvez não é
para se admirar que não se encontre traços de qualquer prosseguimento das tratativas. De
qualquer forma, disto Dom Bosco deve ter dado sinal ao Núncio em Madrid se este em uma
sua carta escrevia: “eu não saberia dizer-lhe porque motivo não foi dada resposta à
comunicação com a qual o senhor remeteu ao Senador Silvela o projeto que lhe foi pedido;
creio que nestes dias terei oportunidade de contactar com algum membro da família do
indicado senhor, e o senhor pode estar bem seguro de que não me deixarei fugir a ocasião
de confirmar minha particular benevolência para com a Congregação Salesiana”58.
O Reformatório foi aceito e gerido pela Terceira Ordem Regular de São Francisco
de Assis.

4. Um “projeto preventivo” para “jovens em perigo”

Poucos meses depois da publicação do opúsculo sobre o sistema preventivo, Dom


Bosco enviava ao ministro do interior, Francisco Crispi, uma memória com o mesmo titulo,
com a intenção de “apresentar as bases sobre as quais se pode regular o sistema preventivo
aplicado entre os jovens em perigo nas ruas e nas casas e internatos de educação”59 .
Conforme uma carta de 23 de julho logo depois ao novo ministro do interior, José
Zanardelli, tinha sido o próprio Crispi a pedir o seu “pensamento a respeito do sistema
preventivo e sobre a possibilidade de providenciar para os meninos que não são maus, mas
somente abandonados e por isso em perigo, nas varias cidades da Itália e especialmente de
Roma”60 .
Entre o opúsculo de 1877 e o de 1878 existe uma radical diferença pela inspiração
de base e pelos conteúdos. O primeiro é a expressão madura do modo de educar de Dom
Bosco nas suas instituições. O segundo tem uma impostação mais sócio-política nele são
colocados em relevo sobre tudo os maciços fenômenos de transformação social que tornam
mais agudo e alarmante o problema dos jovens “abandonados”, com taxa de generalizada e
marginalização, mais grave do que a dos anos 50. Por isso, ao invés de falar de
“pedagogia”, ele põe o problema das estruturas educativas e de recuperação e do seu
funcionamento em um acordo harmônico entre iniciativa privada e apoio público.
Ele articula seu discurso sobre 4 pontos capazes de atrair a atenção dos ministros
encarregados da ordem pública e chamados a não limitar-se a puras ações repressivas.
Ademais, como já foi dito, os dois ministros eram familiarizados com a antítese repressivo
– preventivo em sentido sócio-politico61.
57
Carta de 8 de julho de 1886, registrada em MB XVII 604 –605.
58
Carta de Monsenhor Rampolla a Dom Bosco, 5 de janeiro de 1887, em MB XVII 832.
59
Carta a Francisco Cripi, 21 de fevereiro 1878, E III 298.
60
Carta a José Zanardelli, 23 de julho de 1878, E III 366; à havia precedido outra carta ao secretario geral do
ministério comendador João Batista Aloffi, 25 de abril de 1878, E III 335.
61
Cfr. capítulo 2, parágrafo I.
Ele determinava, antes de mais nada, “quais meninos devem ser considerados em
perigo” os imigrados na cidade à procura de trabalho, em perigo de ficar desocupados e de
“entregar-se ao roubo”; órfãos “abandonados à vagabundagem e a companhia dos
rebeldes”; garotos descuidados pelos pais, quando não até mesmo “expulsos da família”;
“os vagabundos que caem nas mãos da segurança pública, mas que não são ainda
agitadores”.
Passava depois a pensar nas providências mais oportunas, que, na realidade,
inspiravam-se nas obras por ele empreendidas: os “jardins de recreação” festiva, o
encaminhamento ao trabalho e a assistência durante a semana para aqueles que estavam
trabalhando, “internatos e casas de acolhida com artes, ofícios e também colônias
agrícolas”. Não aparecem instituições formalmente criadas para a “tradicional correção”.
Quanto a gestão das diversas instituições, previa a ação direta dos particulares,
apoiada pelo apoio público em edifícios material e subsídios financeiros.
Concluía com um quarto parágrafo destinado a oferecer um prospecto dos
resultados previsíveis, baseado na experiência de trinta e cinco anos de dedicação à causa
dos jovens “abandonados e em perigo”.
Escrevendo-a ministros leigos, Dom Bosco é propositalmente reticente sobre os
conteúdos do seu sistema educativo, sobre tudo quanto à religião. O único termo
eclesiástico, presente no documento é a palavra “catecismo”, citado, além de tudo,
exclusivamente como instrumento para dar “o alimento moral proporcionado a estes pobres
filhos do povo”62 . Obviamente, na sua mente, o catecismo se associava a todos aqueles
valores mesmo terrenos, que se englobam ao redor da razão e da amorevolezza, que, junto
com a religião, evidentemente católica podiam contribuir para a gradual redenção humana e
cristã dos jovens “em perigo”: a redescoberta do significado da existência, a fé na força do
amor, a afeição ao trabalho, o reencontro com a alegria, o propósito e a capacidade de
inspirar atitudes e comportamentos diante dos princípios de dignidade moral e de
solidariedade social. Segundo a muito usada formula, a finalidade era de transforma-los de
“em perigo e perigosos” em “honestos cidadãos e bons cristãos”.

62
O sistema preventivo 1878, RSS 4 (1985) 302.
Capítulo 11

A EDUCAÇAO DO “BOM CRISTÃO E HONESTO CIDADÃO” “SEGUNDO AS


NECESSIDADES DOS TEMPOS”

O sistema educativo de Dom Bosco, como toda ação pastoral e a espiritualidade,


não se apresenta com a radicalidade de outros modernos profetas da educação. Ele não visa
a criação do homem novo como entenderam, em épocas e visões diferentes, Rousseau e
Makarenko63. Mas não da lugar também, com mentalidade restauradora, a um puro retorno
ao homem antigo, o da tradição cristã e civil do antigo regime. Dom Bosco concebeu e
atuou a própria obra educativa para a consecução de fins ao mesmo tempo antigos e novos,
levando os jovens a acolher e formar em si, tanto a fidelidade à perene novidade cristã
quanto a capacidade de inserir-se em uma sociedade carregada dos mais pesados vínculos
do antigo regime e projetada para novas conquistas. É a mesma compreensão, ainda que
diferenciada, que dele têm os seus contemporâneos.
Do sujeito que ele quer formar tentaremos delinear neste capítulo os traços
essenciais.

1. Uma visão teórico-prática dos fins da educação

As finalidades educativas que ele persegue e propõe, não são o resultado de uma
orgânica teoria geral da educação. Todavia, definem-se no bojo de uma experiência, que
não é só pragmática. Nela confluem evidentes elementos culturais: a fé vivida desde a
infância na prática da oração, na catequese, na participação nos ritos da igreja, a formação
humanista juvenil, os estudos filosóficos e teológicos, a formação moral e pastoral, as
leituras históricas, apologéticas e espirituais. Somam-se ainda, não menos determinantes, os
mais variados contatos com o mundo da pobreza e da necessidade, não só no âmbito do
“espiritual”, mas também, maçiso e urgente, no âmbito do “material”. Como lhe ensinava a
vida e o “pai nosso”, o pão cotidiano pedido era, ao mesmo tempo, fé, graça, Cristo,
eucaristia, meio de subsistência, trabalho para ganha-lo.
Dom Bosco não elabora uma reflexa visão dos fins educativos dentro de uma mais
ampla concepção humanista-cristã do mundo e da vida, filosófica e teologicamente
estruturada, mas tem-na bem presente mental e operativamente. Impunham-na a cultura
recebida, o temperamento, a sensibilidade e o impacto com jovens que tinham necessidade
de tudo. À pergunta real não bastava a resposta só catequética e religiosa.
Dom Bosco narra isto nas mais variadas lembranças “históricas”: o Esboço
histórico, os Esboços históricos, o proemio as constituições, as varias “noticias históricas”
fornecidas como informações a autoridades eclesiásticas e civis, as memórias do Oratório,
as inumeráveis cartas e circulares, os discursos e as conferencias para obter subsídios,
beneficências.

63
É o significado do Emilio (1762) e da revolução antropológica russoniana, como ilustram felizmente
A.RAVIER, A educação do Homem novo. Paris, SPES 1944, e M.RANG, A doutrina de Rousseau sobre os
homens. Göttingen, Vandenhoeck e Ruprecht 1959; e do inicio absoluto, “fazer o homem novo”, o coletivista
soviético, querido e descrito por A.S.MAKARENKO, Poema pedagógico (1935) e Bandeiras sobre as torres
(1938).
É natural, que não tendo chegado a uma compacta e orgânica visão teórica, no uso
cotidiano os vários elementos que a compõe podem, as vezes parecer desproporcionados
em favor de um ou de outro valor. Pode ser percebido, sobre tudo um privilegiado apreço
dos valores religiosos e sobrenaturais com relação aos terrenos, dos individuais em relação
aos sociais e políticos. Mas a realidade vivida poderia justificar a legitima aprofundada
recomposição da totalidade dos aspectos em um humanismo cristão completo64.

2. As finalidades educativas dentro de uma visão humanista-cristã entre o “antigo” e o


“novo”.

São inumeráveis as expressões práticas e teóricas que revelam tal mentalidade. Ela,à
parte acentuações características próprias, não é completamente nova para uma tradição que
remonta aos primórdios do cristianismo, se afirma em clássicos tratados pedagógicos
medievais, consolida-se na época humanística e do renascimento, expressa-se nas
florescentes congregações de ensino masculinas e femininas da época moderna, que muitas
vezes têm como modelo a Ratio studiorum da Companhia de Jesus65.
Dom Bosco fixa a própria convicção, que se torna programa, na repetida fórmula
“bom cristão e honesto cidadão”, traduzida depois, no momento da iniciativa missionária,
desde 1875, em outras de significado mais extenso, mas de idêntica inspiração, “civilização
e religião”, “civilização e evangelização”, promoção do “bem da humanidade e da
religião”, “dilatar o reino de Cristo, levando a religião e a civilização entre aqueles povos e
nações que até agora ignoram uma e outra”66. A primeira – “bom cristão e honesto
cidadão”- é a mais divulgada67, com diversas variantes: “bons cidadãos e verdadeiros
cristãos”, “bons cristãos e sábios cidadãos”, “bons cristãos e homens probos”68.
Quanto aos conteúdos, a fórmula é a enunciação abreviada de um único “manifesto
educativo” de sabor tradicional, mas virtualmente aberto e novo. Este é proclamado no
primeiro importante livro de guia religiosa da vida, O jovem instruído: “Apresento-lhes um
método de vida breve e fácil, mas suficiente o bastante para que vocês possam tornar-se o
consolo de seus pais, a honra da pátria, bons cidadãos na terra para ser depois, um dia,
afortunados habitantes do céu”69.
Mais ou menos explicitamente tais imagens exprimem uma mentalidade
“moderada”, não rara em um mundo católico empenhado na obra de reconstrução moral e
civil, depois da tempestade revolucionária.

64
Sobre a dificuldade e sobre certa conciliação escreve J.Schepens no ensaio já citado, a natureza humana na
visão educacional de João Bosco, particularmente, RSS 8 (1989) 265-277.
65
É história traçada em linhas essenciais por PEDRO BRAIDO, Breve história do “sistema preventivo”.
Roma, LAS, 1993, particularmente páginas 15-45. Conspícuo testemunha deste sistema, no que se refere à
família, é Sílvio Antoniano, sobre o qual já falamos.
66
Cartas ao Padre Bodrato, 15 de abril de 1880,E III 576-577, e a um benfeitor húngaro, em 1 de novembro
de 1886, E IV 364.
67
Cfr. PEDRO BRAIDO, Bom cristão e honesto cidadão. Uma fórmula do “ humanismo educativo” de Dom
Bosco, RSS 13 (1994) 7-75.
68
Cfr. por exemplo, o discurso aos participantes de sua festa onomástica, 24 de junho de 1879, BS 3 (1879)
número 7, julho, página 9; a ex-alunos do Oratório, 24 de junho de 1880, BS 4 (1880) número 9, setembro,
página 10; conferência aos cooperadores de Florença, em 15 de maio de 1881, BS 5 (1881) número 7, julho,
página 9. O apanhado citado na nota precedente oferece sobre isto uma longa lista, não exaustiva, precedida e
seguida de fórmulas análogas (cfr. PEDRO BRAIDO, Bom cristão e honesto cidadão..., páginas 61-74.
69
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 7, OE II 187.
Por um lado, não se pode ocultar certa saudade dos “bons tempos antigos”, aqueles
que precederam as turbulências provocadas pela revolução francesa. É forte a aspiração ao
retorno a uma sociedade vista como integralmente cristã, fundada sobre as clássicas
virtudes religiosas e morais: a fé, a prática religiosa generalizada, a vida sacramental, a
catequese familiar e eclesiástica, a prática das obras de misericórdia, a obediência ao
“paterno” governo das legítimas autoridades religiosas e civis, o respeito às “ordens” e às
“hierarquias”, o contentar-se com o próprio estado, a laboriosidade, a aceitação do
sacrifício, a esperança do prêmio eterno.
Por outro, é bastante viva a sensação de que o mundo novo envolve com seu vigor,
seu fascínio e suas conquistas de progresso e civilização. Seria irracional e vão opor-se a
ele. “As coisas políticas de hoje – pensava Dom Bosco, referindo-se ao espírito dos tempos
– podem ser comparados com uma máquina a vapor, que corre veloz sobre os trilhos,
arrastando consigo um comboio, talvez até para o precipício e para a ruína. Vocês querem
se meter no meio dos trilhos para detê-la?”70. De fato, ele participa de uma difusa tendência
que não se fecha no protesto, mas age em função da construção de um novo tipo de homem
e de cristão, que viva em síntese os valores autênticos do “crente” da tradição e do
“cidadão” da nova ordem. A conciliação, porém, é imperfeita. “A figura e a obra de Dom
Bosco não se enquadram em uma visão dicotômica da relação entre tradição e mdernidade;
mas também não se prestam a uma interpretação dialética da relação entre dois elementos”;
é virtual síntese pragmática71.
Os fins educativos por ele pré-fixados e os programas predispostos supõem, em
substância, a recuperação da secular tríade educativa, renovada e atualizada: piedade e
moralidade, “ciência” e civilização72, em um desenho operativo que prevê a assunção dos
valores do sujeito-cidadão e do cristão, da razão e da religião.
Nesta prospectiva é substancialmente afirmado o valor intrínseco de cada uma das
três realidades programáticas clássicas, mas ao mesmo tempo vem claramente propugnada
a finalização última da cultura e da civilização na piedade e na moralidade, em uma visão
de conjunto que tende a se tornar integral. Concretamente Dom Bosco pensa e crê, com
toda a tradição cristã, que na ordem da fé, a recuperação dos valores terrenos deve
acontecer no interior da realidade medicinal e divinizante da graça. É constante nele
homem, padre, educador, a vontade de valorizar o humano no cristão, de promover tudo
aquilo que é positivo na criação, de cristianizar a civilização, mostrando que só assim ela
pode ser plenamente salva73.

70
Discurso a ex-alunos do Oratório em 24 de junho de 1883, BS 7 (1883), número 8, agosto, página 128.
71
P. SCOPPOLA, Dom Bosco e a modernidade, em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., página 537.
72
A tríade costumes-ciência-civilidade aparece nos Regulamentos para os senhores Pensionistas dos Padres
Jesuítas, que podem servir-lhes de norma de conduta para toda sua vida. Do Reverendo Padre João Croiset
(Lyon, Irmãos Bruyset 1749, VI edição): “Existem deveres religiosos a serem cumpridos, boas condutas a
preservar, ciências a adquirir” (página 2); “pretende-se aqui formar um jovem nos bons costumes, nas belas
artes e em todas as boas condutas e deveres da vida civil (...). Queremos tornar um jovem completo, mas
queremos formar também um verdadeiro cristão, um homem perfeito e honesto” (página 6)
73
Fica ainda, em certa medida, a interrogação sobre a relação entre temporal e espiritual de B.
PLONGERON, Afirmação e transformações de uma “civilização cristã” no fim do século XVIII, no volume
Civilização cristã.Abordagem histórica de uma ideologia, séculos 18 e 19 (Paris, Beauchesne 1975):
“Cristianizar civilizando ou o contrário?” (página 10). No mesmo volume encontra-se um trabalho de X. de
Montclos sobre Lavigerie, o Cristianismo e a Civilização (páginas 309-348). O arcebispo da Algéria teve
contacto com Dom Bosco, a quem enviou jovens seus e depois encontraram-se em Paris em 1883. A posição
de Dom Bosco sobre a relação entre “Cristianismo” e “civilização”, apresenta semelhanças com a do cardeal,
A coexistência dos valores é o estilo constante de todo o trabalho de Dom Bosco
educador: católico convicto, imerso em Deus, fiel à Igreja e ao papa, padre em qualquer
lugar; e, indissoluvelmente cidadão envolvido na sociedade, empenhado em dar uma
contribuição específica para o progresso material e espiritual da mesma. Neste modo ele
entendia a posição jurídica e operativa dos membros de sua sociedade religiosa no Esboço
histórico sobre a sociedade salesiana de 1874: “Todo salesiano, perante a Igreja seja um
religioso, e na sociedade civil seja um cidadão livre”74. Os Cooperadores eram convidados
a condividir o mesmo estilo de ação: “O nosso programa será inalteravelmente este:
deixem-nos cuidar dos jovens pobres e abandonados, e nós envidaremos todos os esforços
para fazer a eles o maior bem possível, pois é assim que queremos ajudar os bons costumes
e a civilização”75.
A tantas vezes declarada neutralidade política significava, para ele, mais
precisamente, uma inserção viva na sociedade, estranha a qualquer coloração partidária, em
confirmação do profundo enraizamento terreno de sua obra educativa. Ele referia com
prazer o que Leão XIII lhe havia dito na audiência de 9 de maio de 1884: A vocês foi
confiada a missão de mostrar ao mundo que se pode ser bom católico, e ao mesmo tempo
bom e honesto cidadão; que se pode fazer um grande bem à juventude pobre e abandonada
em todos os tempos, sem entrar em choque com o vai e vem da política, mas conservando-
se sempre bons católicos”76
Neste sentido ele pretendia pôr em ato a convergência da diferente ação sua e dos
governantes, educativa e política. Escrevia sobre isto lapidarmente a um ministro do
interior bem conhecido, José Zanardelli: “Eu lhe peço dispor de minha constante vontade
de fazer todo o possível para diminuir o número dos baderneiros e de aumentar o dos
cidadãos honestos”77. A vontade do político orientava-se para a manutenção da ordem
pública, a do educador, para promover a retidão das consciências.

3. A polaridade de base e hierarquia orgânica dos fins educativos

A ação assistencial e educativa em favor dos jovens, desenvolvida por Dom Bosco e
ulteriormente ilustrada pelas palavras e pelos escritos, antes de por em relevo seus
caminhos, põe em evidencia suas metas e seus conteúdos.
Destes se faz menção agora, enquanto dos itinerários, das orientações
“metodológicas”, se falara nos próximos dois capítulos.
Nos limitamos aqui a recolher os dados a partir das mais explícitas situações
pedagógicas juvenis. Mas, para uma visão mais rica e articulada deveriam ser utilizada
muitas outras fontes: os perfis de cristãos autênticos que Dom Bosco espalha pelos seus

naturalmente em um nível teórico mais fraco, condividindo a persuasão da conciliabilidade entre os dois: cfr.
em particular as Reflexões sobre a ideologia da civilização em Lavigerie, páginas 337-347.
74
Cfr. PEDRO BRAIDO, A idéia da sociedade salesiana no “Esboço histórico” de Dom Bosco de
1873/1874, RSS 6 (1987) 264.
75
É a mensagem aos cooperadores salesianos que abre o primeiro fascículo do Bibliófilo catótico ou Boletim
salesiano mensal, ano III, número 5, agosto 1877, página 2; repetido em Bibliófilo católico ou Boletim
salesiano mensal, ano III, número 6, setembro 1877, página 2.
76
Citado em MB XVII 100. No dia anterior, 8 de maio, o cardeal Vigário Lúcido M. Parocchi tinha
desenvolvido tema análogo, marcando na caridade exercida segundo as exigências do século, “a nota
essencial da Sociedade Salesiana”, BS 8 (1884) número 6, junho, página 90.
77
Carta de 23 de julho de 1878, E III 367.
livros de histórias edificantes; As figuras de militantes católicos, homens e mulheres, por
ele encontrados e apreciado no abundante epistolário; os santos ou pessoas de particular
exemplo lembrados nos sermões e instruções festivas, as conferencias, os pequenos
colóquios noturnos de “boa-noite”, os discursos de circunstancias, as conversas
familiares78.
Antes de tudo, em relação ao que foi observado a propósito do humanismo
pedagógico cristão de Dom Bosco, é logo evidente a bipolaridade que caracteriza seu
conjunto : de uma parte, é afirmada a centralidade da fé religiosa, do transcendente, do
específico cristão; da outra está presente uma franca avaliação das realidad3es temporais,
sinceramente, intrinsecamente e não só instrumentalmente apreciadas e utilizadas. Mas do
que a coexistência igualitária entre dois pólos, trata-se de duas realidades de igual
dignidade na própria ordem, mas com a subordinação do pólo temporal ao pólo
transcendente.
Desta polaridade hierarquizada dão singular testemunho complementar dois
observadores de diferentes conotação ideológica: o pedagogista idealista José Lombardo
Radice eo filosofo Francisco Orestaneo. O primeiro, ainda que mentalidade láica,
sublinhava na experincia de Dom Bosco, a absoluta centralidade da inspiração religiosa:
“Dom Bosco. Era um grande, que você poderia procurar conhecer. No âmbito da Igreja foi
o corretor do Jesuitismo, e mesmo sem ter a estatura de Santo Inácio, soube criar um
imponente movimento de educação, tornando a dar à Igreja o contato com as massas, que
ela vinha perdendo (...).O segredo está ali: Uma idéia (...). Uma idéia quero dizer uma
alma.79
Também Francisco acentuava vigorosamente a inspiração cristã, quase mística, de
toda a ação de Dom Bosco, dedicando-lhe um sugestivo capitulo com i Titulo Teologia
Mística80. Mas ele evidenciava particularmente “a parte de atividade humana” e o positivo
apreço pelas realidades terrenas, sobretudo a alegria de viver e o trabalho, como traço
originais do seu projeto educativo. Dom Bosco “santificou o trabalho e a alegria. Ele é o
santo do otimismo cristão, da vida cristã operosa e alegre. Esta é a sua síntese pessoal de
coisas novas e velhas. Aqui esta a sua verdadeira originalidade”. Ensiste ainda
“Necessidade educativa e sociais, profundamente entuidas em perfeita relação com os
novos tempos, fizeram-no descobrir a grande lei de educar com o trabalho e para o
trabalho (...).E ele não valorizou só como instrumento educativo, mas também como
conteúdo de vida (...). E não é tudo. Em uma arrancada genial da sua caridade cheia de
compreenção humana, convicto das naturais e honestas exigências da juventude e da vida
sadia, Dom Bosco santificou junto com o trabalho a alegria, alegria de viver, de trabalhar,
de rezar”81.

78
Algum elemento pode ser encontrado em dois breves documentos: PEDRO BRAIDO, Laicidade eleigos no
projeto educativo de Dom Bosco, no volume Os leigos na família Salesiana. Roma, Editora SDB 1986,
páginas 17-34; IDEM, Pedagogia eclesial de Dom Bosco, no volume Com os jovens acolhamos a profecia do
Concilio. Roma, Editora SDB 1987, páginas 23-63.
79
“JOSÉ LOMBARDO RADICE, Melhor Dom Bosco?, em “O Renascimento Escolástico. Revista
pedagógica, didática, literária, quinzenal” (Catania), 16 de fevereiro de 1920; reeditado pelo autor no volume
Clericais e Maçons diante do problema da escola. Roma, A Voz Socialista, Editora Anônima 1920, páginas
62-64
80
FRANCISCO ORESTANO, Celebrações, volume I.Milão, Bocca 1940 página 47.
81
FRANCISCO ORESTANO, Celebrações, volume I, página 74-76.
É humanismo tendencialmente pleno, que, inadequadamente fundado e elaborado
em nível de “teoria” aparece claramente visível no plano da vida. É significativo que de
Dom Bosco e do seu ideal e estilo de ação tenha sido possível traça os mais variados perfis,
com títulos os mais diversos, todos confluindo para a sua síntese vital divino/humana,
cidade celeste/cidade terrena, salvação eterna/alegria de viver e de operar no tempo: Vida
íntima de Dom João Bosco, Dom Bosco com Deus, os dons do Espírito Santo na alma do
Bem-aventurado João Bosco, Um gigante da caridade, Sorrisos de Dom Bosco, O Santo
dos meninos, O rei dos garotos, Dom Bosco amigo dos jovens, Dom Bosco com os jovens,
O apostolo dos jovens, O Santo dos meninos, O chefe dos meninos, O santo dos meninos, O
santo dos rapazes alegres, Dom Bosco conquistador de alma, Um grande pescador de
alma, O salvador de alma, O santo do século, A maior maravilha do século XIX, O santo
do trabalho, Um santo para o nosso tempo, Dom Bosco o homem para os outros,
Profundamente homem profundamente santo, Homem e santo.
Mas ele mesmo com as mais variadas formas sintéticas recolhia na unidade as
muitas qualificações, não sem estabelecer uma precisa hierarquia, bem notada por quantos
o ouviam propor.
A primeira constitue o título de uma capitulo da biografia Francisco Besuco:
“alegria, estudo, piedade”82.A ela se ajunta a tríade “Saúde, sabedoria, santidade”83, os três
SSS, as vezes enriquecidos pelos cincos misteriosos SSSSS. Aos alunos do colégio de
Turin-Valsalice, através do seu direto inviava esta menssagem: “Eu lhe asseguro que todos
os dias na santa missa eu os lembro, pedindo para cada um os três costumeiros “esses” que
os nossos espertos alunos sabem interpretar: Saúde, Sabedoria e Santidade”84.
Dons idênticos desejava ao filho da condessa Callori, comunicando-lhe que tinha
pedido ao Papa uma benção especial “para os três esses ao Senhor Emanuel, isto é que seja
sadio, sábio e santo”85.
Mensagem semelhante mandava, pelo Padre Francesia, aos alunos do colégio de
Varazze: “saúde estável, progresso nos estudos e a verdadeira riqueza, o santo temor de
Deus”86.
Em contexto mais amplos, trabalho, religião e virtude são apresentados como meios
de salvação de tantos “jovens em perigos”87, em um grande projeto de regeneração social
fundado na tríade “leiga” “Trabalho, Instrução, Humanidade”88.
É evidente que o “programa” supõe um regime de “cristandade”, segundo o qual a
religião é o fundamento da moral e ambos de uma segura ordem social.

4. Um sentido de vida, a “salvação”, para ser recuperada e consolidada

82
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., página 90,OE XV 332; o título do capitulo XVII é Alegria,
seguido do XVIII Estudo e diligencia, páginas 90-93, 94-99, OE XV 332-335, 336-341.
83
Carta à condesa Grabriela Corci de 12 de agosto de 1871, E II 172: “Para a donzela Maria (...) pedirei ao
Senhor três grandes ESSES, isto é que seja sadia, sábia e santa”.
84
Carta ao Padre Francisco Dalmazzo, 08 de março de 1875, E II 465.
85
Carta de 08 de março de 1874, E II 362. Emanuel era oficial de cavalaria.
86
Carta de 10 de janeiro de 1876, E III 6.
87
Cfr. a já sitada conferencia aos Cooperadores salesianos em Roma, em 29 de janeiro 1878, BS 2 (1878)
número 3, março, páginas 12-13.
88
Conferencia aos Cooperadores salesianos em São Benigno Canavese de 04 de junho de 1880, BS 4 (1880)
número 07, julho, página 12.
Para isto é fundamental que sejam despertadas e mobilitadas no próprio jovem as
virtualidades das quais é dotado. Estas podem ser reduzidas a três tipos essenciais: 1) as
faculdades de conhecimentos, sensível e intelectual, especialmente a “razão”, que
impede, como já foi visto, de comportar-se como o cavalo e o burro que não têm
inteligência; 2) o variegado patrimônio afetivo, os “desejos”, as “paixões”, o “coração”;
3) a vontade qualificada pela liberdade audaz, impregnada de razão, fé e inflamada
caridade.
É um organismo, já maravilhoso em nível de criação, mas imcomensuravelmente
mas belo enquanto elevado à ordem sobrenatural, graças à redenção operada por Cristo
Salvador. A consciência da altíssima dignidade do homem, “imagem e semelhança de
Deus” na ordem da natureza e da graça, está na base de uma adequada visão dos fins de
uma autentica educação. Dom Bosco escreve isto no seu notabilíssimo Mês de maio,
onde, sublinhando as “maravilhas da graça divina”89, ele não exclui, mas supõe e
aprecia, como obvia e certa, a base natural, não menos adimirável na sua ordem.

“Por dignidade do cristão eu não entendo o bem corporais, nem as preciosas


qualidades da alma criada à imagem e semelhança do mesmo criador; eu entendo
somente falar da tua dignidade, ó homem, porquanto foste feito cristão por meio do
santo batismo e recebido no seio da Santa Mãe Igreja. Antes que tu fosses
regenerado nas águas do batismo, tu eras escravos do demônio e inimigo de Deus e
excluído para sempre do paraíso. Mas no mesmo ato em que este augusto
sacramento abriu para ti a porta da verdadeira igreja, romperam-se as cadeias com
as quais mantinha-te ligado o inimigo da tua alma; Para ti fechou-se o inferno e
abriu-se o paraíso. Ao mesmo tempo tu te tornaste objeto de parcial amor por parte
de Deus; em ti foram infusas as virtudes da fé, da esperança e da caridade. Assim
feito cristão, tu pudeste levantar o olhos ao céu e dizer: Deus, é criador do céu e da
terra é também o meu Deus. Ele é meu pai, ama-me, e ordena-me chamá-lo com
este nome. Pai nosso que estais no céu; Jesus salvador chama-me seu irmão, e
como irmão eu pertenço a Ele, a sue méritos, à sua paixão, à sua morte, à sua glória,
à sua dignidade”90.

O redator do dialogo entre Dom Bosco e Francisco Bodrato, em Mornese em


outubro de 1864, imagina que o já célebre educador tenha delineado para o humilde
professor de roça à antropologia juvenil que sustem seu sistema educativo, baseado
em “Religião e Razão”. Os jovens são “seres racionais”, “seres criados para
conHecer Deus, para amá-lo, para servi-lo e depois poder ir goza-lo no paraíso”. “O
educador deve persuadir-se que todos ou quase todos estes caros jovens têm uma
natural inteligência para conhecer o bem que lhes é feito, e um coração sensível
facilmente aberto ao reconhecimento”91.
Se o educador-continuará em 1877, com as páginas sobre o sistema
preventivo-, com o método da razão e da amorevolezza “faz o aluno raciocinar”e
consegue “ganhar seu coração”, o aluno irá responder com maior capacidade de
89
Como é sabido, é o título de uma das obras de arte, publicada em 1863, do jovem teólogo alemão Matthias
José Scheebem (1835-1888).
90
JOÃO BOSCO, O Mês de maio..., páginas 60-61, OE X 354-355.
91
ANTÔNIO DA SILVA FERREIRA, O diálogo entre Dom Bosco e o professor Francisco Bodatro-1864,
RSS 3 (1984) 385.
compreensão e mais viva afetividade. Em força da razão, haverá percepção da
racionalidade da lei do trabalho, do compromisso pessoal em construir junto e dar
paga pelo êxitos felizes conseguidos na escola e na oficina. Graças ao coração,
acontecerá a experiência vitalizante “da família” na comunidade de superiores e
companheiros, na confiança recíproca, na amizade. Enfim, aflorará a alegre
consciência da validade de viver e de trabalhar unidos, iniciação efetiva à
socialidade.
Além disso, o “sentido de vida”é potenciado em níveis mais altos e maduros,
pela experiência religiosa cristã, graças a qual o “êxito temporal” dilata-se num
horizonte mais vastos da salvação eterna. Na base está a séria assimilação da
admoestação evangélica: Que adianta o homem ganhar o mundo inteiro, se vier a
perder sua alma?92 “Este pensamento- comenta Dom Bosco- levou tantos jovens a
deixar o mundo, tantos ricos a distribuir aos pobres as suas riquezas, tantos
missionários abandonar a pátria, ir a paises muitos distantes, tantos mártires a dar a
vida pela fé”93.
A busca da “salvação” é apresentada aos jovens como a aprendizagem da
mais alta “profissão” do cristão, aquela que dá sentido e coroamento a todas as
outras: do alfaiate, do carpinteiro, do estudante. Dom Bosco ilustrava o seu
pensamento em uma apaixonada boa –noite em 30 de abril de 1865.

Oh se eu pudesse dizer a vocês o que estou sentindo, as palavras


faltam de tão importante que é o assunto. Oh se todos vocês tivessem no
pensamento essa grande verdade, se todos trabalhassem unicamente para
salvar a própria alma, então não seriam necessárias nem pregações, nem
meditações, nem exercícios da boa morte, porque teriam tudo que é
necessário para sua felicidade. Se a ações de vocês tivessem um fim tão
importante, que fortuna seria para vocês, que felicidade para Dom Bosco.
Seria isso que eu desejo de melhor, seria o oratório um verdadeiro paraíso
terrestre. Então não sucederia mais roubos, mais conversas, leituras
escandalosas, murmurações etc. Todos fariam seu dever porque,
persuadamo-nos, o Padre, o clérigo, o estudante e o artesão, o pobre e o rico,
o superior e o aluno, todos devem trabalhar para este fim, do contrário será
vã qualquer fadiga”94.

5. Os “graus” na consecução da “salvação”

A vida de graça, na sua forma mais simples, que significa libertação do pecado até à
mais alta perfeição e santidade, não admite seleções de princípio e se desenvolve em
continuidade entre libertação da condenação e crescimento nas mais altas formas da
caridade, amor de Deus e do próximo. A “salvação” é realidade unitária e completa. Por
isso, na sua admirável síntese de espiritualidade cristã, F. X. Durrwell, pode escrever:
“a doutrina da santificação do homem é a mesma doutrina da sua salvação eterna- não

92
Mt 16, 26
93
JOÃO BOSCO, O Jubileu e práticas devotas para as visita da Igrejas. Turin, tipografia P.De –Agostini
1854, página 48, OE V 526.
94
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864 SS, Boa-noite de 30 de abril de 1865, página 133-135.
podendo o homem salvar-se a não ser na sua santificação em Deus- e sabe-se que a
doutrina da salvação se estende tanto quanto se estende a teologia”95.
Dom Bosco conhece os “graus” da vida espiritual- nos discursos fúnebres sobre
José Cafasso fala de teologia moral, ascética e mística96- mas não os evidencia como
convessor ou diretor espiritual. Pratica-os, informalmente, escreve sobre eles, ainda que
não em termo explícitos, a propósito da gradual “pedagogia da salvação”, atenta para as
diversas disponibilidades ou indisponibilidade para ela dos diferentes tipos de jovens,
remitentes, maus, indiferentes, bons.
Para jovens pobres e abandonados ele propõe fins e conteúdos hierarquicamente
diferenciados. Alguns podem prever até graus anteriores à “vida espiritual” verdadeira e
própria.
O primeiro é ajudar os jovens completamente perdidos a encontra a mais elementar
“razão para viver”. Significava induzi-los à vontade e à alegria de viver, com a intenção
de ganhar com o trabalho e o suor os meios para uma existência digna para si e para os
próprios familiares97.
O trabalho educativo podia exigir uma preliminar purificação da mente e do
coração, uma obscurecida pela ignorância e pelos preconceitos, o outro corrompido
pelos vícios e pelos maus hábitos. “Iluminar a mente para tornar bom o coração” foi
para Dom Bosco, desde os inícios a finalidade específica de seus livros, como ele
mesmo declarava – já foi visto- no prefácio à História Sagrada e História eclesiástica.
Para os muitos afetivamente carente ou depalperados, com a formação de
convivência de “estilo familiar”, ele mirava criar uma atmosfera e uma rica rede de
relações, paternas/maternas, fraternas, amigas, capazes de restaurar uma vida afetiva,
“passional”, carregada de intensos envolvimentos operativos e emocionais.
Naturalmente, o trabalho de recuperação e formação atinge um nível mais alto e rico
quando a afetividade, a amorevolezza vivida, recebida e regenerada, tendem a integra-
se a interagir com a razão e com a religião. Com efeito, a tríade razão-religião-
amorevolezza é, antes de tudo, indicação de fins e de conteúdos; é substancia educativa,
mas e antes que meio e método.
No vértice do caminho da “salvação”, Dom Bosco põe claramente proclamado, o
objetivo educativo máximo da “santidade”. Não é mensagem dada a um único
privilegiado, é “pregação” feita a todos: “vontade de Deus que sejamos todos santos; é
fácil conseguir; há um grande premio preparado no céu para quem se faz santo”98.

6. Amor e temor de Deus no serviço

Em segundo lugar, a atenção do jovem, ao longo de todo o seu itinerário educativo, é


atraída para o “fim” que já ouvira explicar desde o tempo de sua infância, nas aulas de
catecismo: conhecer, amar e servir a Deus, Criador e Senhor do céu e da terra. O amor
ao Pai, com efeito, supõe a honra, a reverência, o serviço ao Criador e Senhor, em
síntese, o temor de Deus. Este está presente, explícito ou implícito, em toda ação e
95
F.X. DURRWELL, No Cristo Redentor.Notas de vida espiritual.Lê Puy/Lyon, Edições X. Mappus 1960,
página 7.
96
JOÃO BOSCO, Biografia do Padre José Cafasso,página 67 e 89, OE XII 427 e 429.
97
Escreve sobre isso, como já vimos, nos Esboços históricos, a propósito dos “remitentes”: Esboços e
históricos... Em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 78-79.
98
JOÃO BOSCO,Vida do jovem Domingos Sávio...,página 50, OE XI 200.
operação moral e espiritual de Dom Bosco. É remotamente dispositivo ao amor como
“temor servil” não inútil para os fins da conversão do pecado, mediante a confissão e o
perdão. Torna-se “temor inicial” quando é “temor filial”, que é repúdio da culpa. Ele
convive com o amor-caridade, no tempo e na eternidade, e cresce quanto mais aumenta
a caridade, vivido como respeito que adora, obséquio, reverência, honra diante da
grandeza, da majestade, da santidade, da justiça de Deus Criador onipotente e
providente. O jovem educado retamente sente habitualmente a presença amável e
adorável de Deus Pai onipotente e ao mesmo tempo misericordioso. Faz experiência
disto, em ambas as vertentes, aquele que crê, sensível ao lema muitas vezesvisto e
ouvido: “Deus me vê”. O “fazer-se amar antes que fazer-se temer”, usado tão
abundantemente por Dom Bosco na sua “pedagogia”, não é se não o reflexo do “fazer-
se amar mais do que fazer-se temer”, que caracteriza as relações do fiel cristão com o
seu Deus, “Pai de nosso Senhor de Jesus Cristo, Pai das Misericórdias e Deus de toda
consolação”99.
O enunciado bíblico, “o principio da sabedoria é o temor de Deus”, torna-se para o
jovem, já adulto, horror da separação de Deus, motivo de fuga do pecado, saudade da
graça, desejo de purificação efetiva e exigência de reconciliação, realizada nos
sacramentos da penitencia e da eucaristia. Ele volta a ouvir antigas pregações, que lhe
haviam tocado o coração no temo da educação: “Este pensamento da presença de Deus
deve acompanhar-nos em todo tempo, em todo lugar e em cada ação. E quem tiver
ainda a coragem de cometer um pecado, que possa ofender o Senhor, quando pensa que
Aquele, que ele quer ofender, pode , no mesmo instante em que ele quer pronunciar
aquela palavra, secar-lhe a língua, pode paralisa-lhe a mão, com a qual pensa
pecar?”100”.Todo pecado irrita grandemente a Justiça divina, e nos torna merecedores
de graves castigos que se não acontecerem na vida presente, serão maiores na outra.
Uma emende sincera pode acalmar a justiça de Deus"101. “Deus é misericordioso e
perdoa qualquer pecado, contanto que o homem esteja sinceramente arrependido, e faça
a devida penitência102 são os dois rostos de Deus vistos na punição da malvada Gezebel
e no perdão dos Ninivites convertidos.
Fica claro que na linguagem de Dom Bosco ter, “conservar”, o santo temor de Deus
é o mesmo que viver uma vida cristã completa. O “temente a Deus”é, substancialmente,
o fiel observante e exemplar, o bom cristão. O temor inclui o amor. Dom Bosco acolhe
de boa mente o que no Leva contigo, cristão é recomendado aos “chefes de família” a
propósito dos “Deveres para com os filhos”: “2. Educai-os com todo cuidado no santo
temor de Deus, dependendo deste sua salvação, e a benção da casa, e tendo a divina
providencia confiado aos vossos cuidados, para que sejam educados cristãmente (Ef VI,
4). 3. Imprimir logo em seus corações o santo temor de Deus, o desejo ardente de servi-
lo e um forte amor à virtude (Tb I, 10)”103.

99
2Cor 1,3.
100
JULIO BARBERIS (G. Grecino), Cronica caderno 3, palestra noturna aos jovens em 21 de agosto 1877,
página 11; CFR Outra redação ( E. Dompè), caderno 15, páginas 24-25.
101
JOÃO BOSCO, História sagrada para uso da escola...Segunda edição melhorada. Turin, tipografia
Speirani e Tortone 1853, página 90.
102
JOÃO BOSCO, História sagrada para o uso das escolas e especialmente da classes
elementares...Terceira edição aumentada. Turin, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1863,
página 97.
103
Leva contigo, cristão...,páginas 24-25, OE XI 24-25.
7. Na Igreja Católica

“Continuem amando a religião nos seus ministros- é a antiga lição de Dom Bosco
aos seus-, continuem praticando esta nossa Santa Religião Católica para que possa faze-
los felizes nesta terra a única que pode fazê-los eternamente no céu104.
No sentido da pertença a Igreja Católica é indicado por Dom Bosco um ulterior
inconfundível caráter do bom cristão e do honesto cidadão. É um dos pilares da sua
“teologia” catequética e pratica: “A Igreja Católica- Apostólica- Romana é a única
verdadeira Igreja de Jesus Cristo”105. Aí incluem-se com excepcional força com
agarramento e com fidelidade a seu chefe, o Papa: “Estejam intimamente persuadido
destas grandes verdades: onde está o sucessor de São Pedro, lá está a verdadeira Igreja
de Jesus Cristo. Ninguém encontra-se na verdadeira Religião se não for católico;
ninguém é católico sem o Papa. Os nossos Pastores, e especialmente os Bispos, nos
unem ao Papa, o Papa nos une a Deus”106.
O jovem católico retamente educado será o fiel instruído na “doutrina cristã”,
corajoso no professar o credo da Igreja, alheio a compromissos com a heresia e com
qualquer radicalismo político, resolutamente alinhado com o Papa e com os pastores.
Entre os conselhos mais freqüentemente ouvidos estavam aqueles difusos desde 1853
em Três especiais lembranças à juventude, colocados como conclusão do já citado
opúsculo Avisos aos católicos: “fugir o mais possível da companhia daquele que falam
coisas imodestas, ou procuram ridicularizar a nossa Santa Religião” [“O Papa, os
Bispos e os outro ministros da nossa santa religião”, escreverá em 1872]; “Aborrecer” e
“rejeitar” “livros ou jornais irreligiosos”, que forem oferecidos; se depois alguém
insistisse em dizer que estamos “em tempo de liberdade, por isso cada um pode viver
com quer”,rebater: “se estamos em tempo de liberdade, deixem-nos viver nossa
Religião, como nos agrada”107.

8. “ O cristão homem de eternidade” operante no mundo

Uma qualificação emergente e específica do cristão, “homem de eternidade”108,


enquanto ao mesmo tempo honesto cidadão, é para dom Bosco a capacidade de
envolvimento ordenado e laborioso na sociedade, mediante o trabalho, como artesão,
agricultor, operário, empregado, professor, militar, sacerdote; para aqueles que têm
posse e aqueles que vivem de renda, a mais, com o bom uso das riquezas. É para todos
104
Carta aos Sócios da confraria de Nossa Senhora da Misericórdia de Buenos Aires, 30 de setembro de 1877,
E 3 225.
105
É o subtítulo da primeira edição Aviso aos católicos.Turin, tipografia Speirani e Ferrero 1850, 23 páginas,
OE IV 121-143.
106
Aviso aos católicos. Turin, tipografia P. De-Agostini 1853, página 6, OE IV 168. Foram marcados os
evidentes limites da concepção eclesiológica de Dom Bosco: CFR PEDRO BRAIDO, Pedagogia eclesial de
Dom Bosco, páginas 24-42; J. M. LABOA, A experiência e o sentido de igreja na obra de Dom Bosco, em
MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., páginas 107-133;F. MOLINARI, Igreja e mundo na “História
eclesiástica”de Dom Bosco, em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., páginas 143-155.
107
Avisos aos católicos (1853), páginas 25-27, OE IV 187-189.
108
“Lembra-te ó cristão, que tu és homem de eternidade” (a chave do paraíso na mão do católico que pratica
os deveres do bom cristão. Turin tipografia Paravia e companhia 1856, página 24 OE VIII 24.
em formas diferenciadas, o exato cumprimento dos deveres do próprio estado,
inseparável honestidade e exemplaridade de vida, e portanto uma substancial utilidade
social.
Existe uma íntima ligação entre fim eterno e compromisso terreno e o jovem
maduro aprendeu a vive-lo em síntese, com o olho voltado para o céu e os pés
solidamente apoiados na terra, em um caminho constelado de boas obras. “Diga aos
meus irmãos e às minhas irmãs- escreve à mãe Pedro, de partida para a campanha da
Creméia em 1854- , que o trabalho faz bons cidadãos, a religião faz bons cristãos; mas
que trabalho e religião levam ao céu”109.
Sobre o compromisso no estudo e no trabalho, estudante e artesãos haviam ouvido
Dom Bosco propor, na leitura anual do Regulamento para as casas, uma formulação
sintética das muitas recomendações espalhadas por todo o período formativo. Ela
oferecia em três breves artigos um verdadeiro perfil do homem trabalhador cristão,
objetivo capital do processo educativo conduzido por Dom Bosco.

“1. O homem, meus jovens, nasceu para trabalhar. Adão foi colocado no
paraíso terrestre para cultiva-lo. O apostolo São Paulo diz é indigno de comer quem
não quer trabalhar; 2. Por trabalho entende-se o cumprimento do próprio estado,
tanto de estudo, quanto de arte ou ofício. 3. Através do trabalho vocês poderão
tornar-se beneméritos da sociedade, da religião, e fazer bem a suas almas,
especialmente se oferecerem a Deus suas ocupações”110.

9. Socialidade

Sobre a contribuição dos leigos para a missão da Igreja, em particular para a


educação da juventude e, mais especificamente, sobre o uso social das riquezas é muito
singular a insistência de Dom Bosco nas numerosas conferencias do ultimo período da
vida. É típica a sua exigente posição a respeito da “esmola”, interpretada e proposta
como rigoroso e obrigatório exercício de “justiça social” antes da literatura111.
Não se encontra, ao inverso, no conjunto dos fins educativos perseguidos por Dom
Bosco uma desenvolvida concepção do homem social e politicamente empenhado. Esta
é parcamente elaborada como fim específico, explicitada mais no interior do fim moral e
religioso. Isto é devido em parte à situação social da Itália do tempo, onde a “política”
ativa e passiva era reservada àqueles que podiam gozar de uma condição cultural e
econômica privilegiada. Acrescenta-se, mais decisiva, a escolha “política”claramente
“educacional” querida por Dom Bosco, para si e para seus colaboradores. Para ele,
definitivamente o homem inserido ativamente na sociedade civil e política é, antes de
tudo e principalmente, o cristão competente o honesto no exercício do seu dever

109
JOÃO BOSCO, A força da boa educação..., página 89, OE VI 363.
110
Regulamento para as casas...,Segunda parte, capítulo V do trabalho, páginas 68-69, OE XXIX 164-165;
Revela uma precisa hierarquia de valores o fato de que o capítulo V segue imediatamente os capítulos II e IV
com o título Da piedade e Comportamento na Igreja. O trabalho com destino do homem, com marca
parcialmente diferente antes e depois do pecado original, e antídoto contra o ósseo é já um dos temas capitais
da História sagrada (1847): CFR N. CERRATO, a catequese de Dom Bosco na “História sagrada”.Roma,
LAS 1979, páginas 308-318.
111
CFR. PEDRO BRAIDO, Laisidade e leigos no projeto operativo de Dom Bosco...,páginas 23-30.
profissional. Ele contribui para a ordem e para o progresso da sociedade, governando
com sabedoria a própria família, participando, segundo as próprias possibilidades, nas
obras de beneficência e de solidariedade, exemplar na prática da fé e das chamadas
“obras de misericórdia espiritual e temporal”.
São significativas as expressões usadas no encontro familiar de 25 de julho de 1880
com os ex-alunos leigos do Oratório. Depois de referir-se a alguém que havia criticado
o lugar da sua educação e depois de convidar a todos ao perdão e à oração pelos
ingratos prosseguia: “Somos Salesianos, e como tais esqueçamos tudo perdoemos a
todos, faremos o bem a todos o quanto pudermos e o mal a ninguém (...) Assim
usaremos ao mesmo tempo a simplicidade da pomba e a prudência da serpente,
acautelando-nos contra os traidores e as traições”112.

10. A vida é vocação e missão

A posição de cada um na sociedade civil e eclesial não é casual nem arbitraria. Cada
um é chamado a viver segundo a própria vocação, a ocupar um lugar bem preciso, que
responde à vontade de Deus e garante as graças que lhe são próprias. Muitas vezes Dom
Bosco declara a escolha vocacional como “o ponto mais importante da vida”113. A
escolha, em quanto responde a perguntas que vêm do próximo, em particular do jovem,
é conforme às aptidões e às inclinações, que qualificam o sujeito para um compromisso
que pode ser “secular”, eclesiástico, “religioso”.
O problema é colocado e resolvido nos termos mais precisos em uma carta aos
alunos dos dois últimos anos do ginásio do colégio de Borgo São Martinho. São dois os
estados nos quais se caminha “pela via do céu”, “Eclesiástico ou secular”. “Para o
estado secular- declara abertamente – cada um deve escolher aqueles estudos,
empregos, profissões que lhes permitam o cumprimento dos deveres do bom cristão e
que são do agrado dos próprios pais”. “Para o estado eclesiástico”, dá diretivas mais
detalhadas. Antes de qualquer outra coisa indica claramente os desapegos que
comporta: “Renunciar às riquezas, à glória do mundo, aos prazeres da terra para
entrega-se ao serviço de Deus”. Ao fazer a escolha o único conselheiro decisivo é o
confessor, que deve ser ouvido “sem se importar nem com superiores, nem com
inferiores, nem com parentes nem com amigos”. Quem entra para o estado eclesiástico
com a única intenção de “entregar-se ao serviço de Deus” e de “percorrer o caminho da
salvação”, “tem certeza moral de fazer grande bem à própria alma e à alma do
próximo”. No interior dessa escolha de base são possíveis três diferentes opções: “padre
no mundo, padre na religião, padre nas missões estrangeiras”. “Cada um pode escolher
o que lhe está mais a peito, mais adaptado às suas forças físicas e morais aconselhando-
se com pessoas piedosa, douta e prudente”. Porém, “devem toda partir de um ponto e
tender ao mesmo centro que é Deus”114.
É de notar-se que, falando freqüentemente a jovens que se encontram diante da
escolha eclesiástica ou religiosa, Dom Bosco não dá excessiva importância a “secular”:
“uma vez conhecido que alguém não é chamado ao estado eclesiástico ou religioso diz
durante um retiro espiritual em Lanzo no verão de 1875- , então será de pouca

112
BS 4 (1880) numero 9, setembro página 10.
113
CFR.Por exemplo, boa-noite de 07 de julho de 1876, JULIO BARBERIS, Crônica, caderno 2, página 42.
114
Carta de 17 de junho de 1879, E III 476.
importância que venha a ser ferreiro ou carpinteiro, alfaiate ou sapateiro, empregado ou
negociante”115.
Particularmente se detém às vezes a indicar com predileção a vocação religiosa
àqueles que, ele pensava, poderiam encontrar-se em perigo no mundo116. Depois como
ocorreram dos anos, dom Bosco falará de vocação religiosa leiga também aos alunos
artesãos: “as vocações religiosas não são somente para os senhorzinhos estudantes”117.

11. A vocação de todos: a caridade e o apostolado

A vocação comum a todos, eclesiásticos e leigo, é de qualquer forma, a caridade, o


amor.
Todos, segundo as respectivas possibilidades e responsabilidades, estão obrigados a
uma explicita presença caritativa e apostólica expressa em diversos modos: a esmola, o
compromisso na ação catequética e educativa, “a união no campo da ação e do trabalho
apostólico”118. Isto poderá realizar-se com frutos mais copiosos e para a “maior glória
de Deus”- a força unida é mais forte- com a agregação a grupos e associações de
cristianismo militante, abrindo-se, se Deus chama, às mais ousadas prospectivas
apostólicas e missionárias119. Para todos vale o que com ousada intuição Dom Bosco
sugeria a um adolescente, que será proclamado santo: “A primeira coisa que lhe foi
aconselhada para tornar-se santo foi desdobrar-se para ganhar almas para Deus; Porque
não existe coisa mais santa no mundo, do que cooperar para o bem das almas, para cuja
salvação Jesus Cristo derramou até à ultima gota seu precioso sangue”120

12. Estilo de vida na esperança e na alegria

Enfim, o jovem plasmado pelo sistema preventivo, está habilitado também para o
futuro ao exercício das tradicionais virtudes da caridade, da temperança, da obediência,
da honestidade, da modéstia, a encontrar motivo de alegria aqui e de firme esperança
na eternidade feliz.
Aos jovens em formação e às portas da idade adulta é reservada a observação do O
Jovem instruído: “Nós vemos que aquele que vivem na graça de Deus estão sempre
alegres e mesmo nas aflições têm um coração feliz. Ao contrario, aqueles que se
entregam aos prazeres vivem nervosos, e se esforçam para encontrar a paz em seus
passatempos, mas são sempre infelizes: Não existe paz para os ímpios”121. Era por isso
obvia e habitual a exortação ao bom uso do tempo da juventude: “O homem colherá
aquilo que tiver semeado”; Como acontece com os camponeses que semeiam e
cultivam o campo. “Assim também acontecerá com vocês, meus queridos jovens, se
115
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 19, página 2.
116
CFR Por exemplo o boa-noite de 10 de maio de 1875, JÚLIO BARBERIS, crônica, caderno 1, páginas 2-
3.
117
JÚLIO BARBERIS (E. Dompè), Crônica, caderno 15, boa-noite de 21 de abril de 1877, página 7. A fala
foi toda dedicada ao diferente perigo ao qual vai de encontro quem escolhe a vocação eclesiástica secular e
quem opta pela vida religiosa (Ibidem, páginas 4-6).
118
Conferencia aos Cooperadores de Borgo São Martinho, 01 de julho de 1880, BS 4 (1880). numero 8,agosto
página 9.
119
CFR PEDRO BRAIDO, Laisidade e leigos no projeto operativo de Dom Bosco..., páginas 30-31.
120
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., página 53, OE XI 203.
121
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 28, OE II 208.
semearem, terão a alegria de fazer uma bela colheita no tempo oportuno”. “e quem não
semeia na juventude, não recolherá na velhice”122. “ Feliz o homem que leva o seu jugo
desde a sua adolescência (...).tomem cuidado por tanto, agora que são jovens, e
observem os mandamentos de Deus e serão felizes nesta e na outra vida”123. “Os santos
enquanto pensavam seriamente na eternidade das penas, viviam em suma alegria com a
firme confiança em Deus de evita-las, e um dia ir tomar posse dos bens infinitos que o
Senhor têm preparado a quem o serve”124.
O legítimo “temor”, que evita a presunção, com a filial trepidação de poder separa-
se de Deus e de não perseverar até o fim, encontra conforto na segura esperança de que
Deus é fiel e não falta às suas promessas.Daí surge a alegria de quem se entrega, mas
que aos próprios méritos, à benevolência de um Pai, que honra e serve com amor de
filho.

122
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 2, boa-noite de 07 de julho de 1875,páginas 39-40.
123
MB XI 253, boa-noite aos jovens, em 28 de julho de 1875.
124
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 29, OE II 209.
Capítulo 12

ITINERÁRIOS EDUCATIVOS- (I) OS DEVERES E A GRAÇA

A forma de vida juvenil é, para Dom Bosco, essencialmente evolutiva e pedagógica:


é processo de crescimento realizado necessariamente com o adulto educador e os fatores
que o acompanham, e que ele coloca em ação. Como já foi visto, na rede das forças em
campo no processo de crescimento dos jovens, a educação aparece absolutamente
dominante e insubstituível. Todos os outros recursos não se tornam operantes a não ser por
esta mediação. A vida da idade que cresce não pode desenvolver-se positivamente a não ser
com os educadores, em estreita interação com eles, na obediência.
Naturalmente, com o crescimento das obras, a consecução dos objetivos pré-fixados
é colocada em ação com caminhos e com metodologias diferenciadas, com base em
situações juvenis diversas: 1) o tipo de jovens: órfãos, abandonados, leigos, seminaristas; 2)
seu nível psicológico-moral: boa índole, comum, difícil, má; 3) as instituições: oratório
festivo, escolas noturnas e dominicais, associações religiosas e recreativas, colégios para
estudantes e casas de acolhida para artesãos, meios de comunicação cultural: teatro, música
e canto, brinquedo, excursões.
Naturalmente, há um conjunto de base de fins, de valores, de conteúdos e de
métodos, comuns a todas as instituições e que, mesmo na diversidade das propostas
concretas, concorrem para configurar um “sistema preventivo” fundamentalmente unitário.
Mas a consecução destes não pode ser realizada, senão mediante “metodologias”
diferenciadas, caso se pretenda que sejam adequadas e eficazes.
Daí se conclui que, se foi relativamente fácil estabelecer os “fins”, mais difícil foi
dar um quadro da variedade dos “itinerários”, que, para atingi-los, foram pensados e
adotados, em resposta à multiplicidade das concretas “condições juvenis”, e segundo o tipo
diverso das instituições criadas. A exposição não pode senão limitar-se às linhas mais
significativas.
A isto dedicaremos os dois próximos capítulos. Ambos indicarão caminhos
educativos que se dão no âmbito da visão cristã da educação. No primeiro, porém, será
posto em especial evidência o aspecto “religioso”, enquanto no outro aparece mais
acentuada a colaboração humana, ainda que na constante relação com o fator divino.

1. Da obediência “pedagógica” à conformidade social adulta.

Segundo Dom Bosco, então, o “caminho real”, a única, para a maturidade adulta é a
obediência, escuta e segmento. Ela é, no tempo da educação, meio e método, para
tornar-se, no seu alcance, completa conformidade social adulta.
A obediência ao educador é capital instrumento de habilitação à profissão humana e
cristã, do mesmo modo que toda a aprendizagem de uma arte ou de um ofício, exige a
dependência de um “professor”. Para aprender o ofício de homem e de cristão, método
e meio podem ser reduzidos a um único necessário: “obedecer a Deus , ao Papa e aos
santos ministros da igreja, cada um segundo o seu estado, a quem deve obedecer”, e
depois, ao pai, à mãe, aos patrões, aos superiores. Por isso ela é a virtude “que abraça
todas as outras virtudes”, “aquela que semeia, que faz nascer todas as outras, e depois as
protege, conserva-as de modo que não se percam mais”125. “O fundamento de toda
virtude em um jovem é a obediência aos seus superiores. A obediência gera e conserva
todas as outras virtudes, e se esta é necessária a todos, é de um modo especial para a
juventude. Se vocês, portanto, quiserem adquirir a virtude, comecem pela obediência a
seus superiores, submetendo-se a eles sem oposição nenhuma, como se o fizessem a
Deus”126.
Pela obediência, o jovem, sozinho ou na comunidade, torna-se discípulo e,
conformando-se interiormente à ordem, representada pelos regulamentos e pelas
prescrições, disciplina-se em todos os setores e fases da própria vida, interior e exterior.
A educação torna-se, assim, obra de obediência e de disciplina, no sentido mais amplo:
o cumprimento do dever é na realidade, cumprimento dos deveres, todos, para com
Deus, para com os outros e para consigo mesmos. “Os deveres” e o “o dever” sucedem-
se num constante entrelaçamento: tudo o que se tem a fazer para salvar-se é o dever do
próprio estado - estudo, trabalho - como prova de fogo e de verificação da autenticidade
do cumprimento de todos os outros.
A disciplina, de fato, tem para Dom Bosco um significado total. “Por disciplina –
declarava em uma circular de 1873 - eu entendo um modo de viver conforme às regras e
costumes de um Instituto. Pelo que, para obter bons efeitos da disciplina, antes de tudo é
necessário que as regras sejam todas e por todos observadas”. “Esta observância deve
ser consolidada nos sócios da Congregação e nos jovens que a Providência Divina
confiou aos nossos cuidados; por isso a disciplina ficará sem efeito, se as regras da
Sociedade e do colégio não forem observadas.“Acreditem-me, ó meus caros: desta
observância depende o proveito moral e científico dos alunos ou a sua ruína”. As
“regras”, efetivamente não são senão a síntese dos valores humanos e cristãos a serem
aspirados. Por isso conclui: “O Senhor disse um dia a um seu discípulo: faça isto e
viverá (Lc X, 28). O mesmo digo a vocês”. Da prática das coisas ditas ele garantia os
frutos mais copiosos para os salesianos e seus alunos: “Terão a bênção do Senhor,
gozarão a paz no coração, a disciplina triunfará nas nossas casas, e veremos nossos
alunos crescerem em virtude e caminhar pela estrada da sua eterna salvação”127.
É da essência do sistema preventivo “tornar conhecida as prescrições e os
regulamentos de um Instituto e depois ajudar os jovens a observá-los, com educadores
que falam, servem de guia, aconselham, corrigem com amor”128. Pelo próprio
crescimento os alunos não têm outra coisa a fazer, senão prestar sua colaboração
convicta e dócil.
Não resta dúvida que a obediência é muitas vezes apresentada por Dom Bosco como
sacrifício da inteligência e da vontade, de intrínseca validez moral e religiosa.
Tertuliano cai na heresia porque lhe faltou a “humildade”, “a submissão” aos “legítimos
superiores, e especialmente ao Papa”129. Com a obediência, sacrificamos a Deus “o que

125
JOÃO BONETTI, memória de alguns fatos colhidos das pregações ou da história, fim 1858, páginas 10-
11, 13, 15.
126
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo VIII procedimento com os superiores, página 75,
OE XXIX 171.
127
Carta circular de 15 de novembro de 1873, E II 319-321.
128
CFR O sistema preventivo ( 1877), página 46, OE XXVIII 424.
129
JOÃO BOSCO, Vida dos sumo pontífices Santo Aniceto,São Sotero..., Turin , tipografia João Batista
Paravia e Companhia 1858, página 46, OE X 250. “Se Savonarola se tivesse submetido aos seus superiores,
temos de mais precioso”, a liberdade; daí se conclui que “este sacrifício é o mais
agradável a Deus que podemos fazer”130.
Mas a obediência tem, acima de tudo, valor “funcional”, educativamente produtivo.
Educação, definitivamente, também para Dom Bosco, acabava por identificar-se com
“disciplina”, entendida na máxima compreensão de seus significados.
Fica difícil, porém, determinar o grau de liberdade e de autonomia que este clássico
tipo de “pedagogia da obediência” promove e favorece. Poderá, talvez, consentir uma
interpretação flexível das fórmulas declaradas, em confronto global com a experiência
efetiva do sistema na totalidade de seus aspectos, como será visto nos próximos
capítulos.

2. Pedagogia dos “deveres”

A pedagogia do dever – estudo, trabalho, profissão, missão - é fundamental,


enquanto iniciação ao sagrado; Antes, é também ela coisa sagrada, expressão da
vontade de Deus e caminho de santidade: “os deveres”, isto é, todo o conjunto das
dimensões da moral humana e cristã. Alberto Caviglia observa: “quem conhece um
pouco de perto o santo educador, sabe que esta concepção estava na base de todo seu
trabalho educativo, tanto no âmbito da vida comum, quanto no espiritual. Ele não
acreditava nas demonstrações ostensivas de piedade, se não fossem confirmadas pela
diligente e consciente observância dos respectivos deveres”131. “Dois fundamentais
princípios básicos: o uso escrupuloso do tempo, e a diligência no cumprimento do
dever, são dois pilares que Dom Bosco colocou como base de seu trabalho
espiritual”132.
Deste modo, desenvolve-se a formação do “bom cristão e honesto cidadão”.
É sutilmente realizada por Dom Bosco, com a lembrança, a vigilância, as exortações, o
exemplo, as motivações mais diversificadas, ideais e utilitárias. À pontualidade nos
seus deveres ele dedica um capítulo da biografia de Miguel Magone, o protótipo
“imaginado”do menino “vivo e de pouca esperança à primeira vista”, irrequieto e
empenhado, capaz de pôr em polvorosa “toda a casa”, que se tornou conscientemente
disponível à disciplina: “em seu devido tempo ele sabia dominar-se e comandar a si
mesmo”, até mesmo de “encontrar-se por primeiro naqueles lugares onde o dever o
chamava”133.
Também de Francisco Besucco são postas em evidencia a exatidão no
“cumprimento de seus deveres”, a “exata ocupação do tempo”, a rapidez em pular da

não lhe teriam acontecido aqueles males”, sentencia na História da Itália, referindo-se à tortura e à
condenação à morte ( página 369, OE VII 369).
130
JOÃO BONETTI, Memórias de alguns fatos..., página 15
131
ALBERTO CAVIGLIA, domingos Sávio e Dom Bosco.Estudo, páginas 99-100. À A vida do dever
Caviglia dedica todo um capitulo (páginas 97-110).
132
Cfr ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone” uma clássica experiência educativa.... página 152; cfr
páginas 151-154, O dever [no mesmo volume encontra-se em primeiro lugar a biografia, com “nota
preliminar”, de Luis Comollo]; ALBERTO CAVIGLIA, A vida de Francisco Besucco..., páginas 171-174.
133
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., página 13, 15, 35, OE XIII 167, 169,189;
Ver todo o capitulo sobre a Pontualidade dos seus deveres, páginas 33-39, OE XIII 187-193.
cama de manhã, a “exemplar pontualidade” ao ir para a igreja, “a diligência no estudo, a
atenção na escola, a obediência aos superiores”134.
“Lembre-se – diz ele aos jovens no Regulamento para as casas - que a idade
de vocês é a primavera da vida. Quem não se acostuma ao trabalho no tempo da
juventude, geralmente será um preguiçoso até à velhice, para a desonra da pátria e dos
parentes, e talvez com prejuízo irreparável para a própria alma”135.
A “fuga do ócio”, “pai de todos os vícios”, é o cerne de uma espiritualidade
não ilusória: “por isso, suma diligencia no cumprimento dos próprios deveres escolares
e religiosos. O ócio é pai de todos os vícios”. Tinha, de fato, notado nos alunos de
Mirabello, entre outras, uma coisa que o amargurava; “um grupo que foge do trabalho
como de uma grande marreta que lhes está sobre a cabeça”136.
Dedicar-se aos próprios compromissos de estudo e de trabalho, é
indispensável exercício para uma vida séria e feliz, com a aquisição do hábito da
disciplina e da probidade moral e civil. Nesta ordem de idéias, de 24 de novembro a 18
de dezembro de 1864, Dom Bosco fazia uma série de oito palestras noturnas, sobre
disciplina moral e o método de estudo137. Os “meios” vão do temor de Deus à boa
alimentação. Fé e razão, moral e higiene, devoção e bom senso se casam em amável
aliança para a consecução do bem e da felicidade.
A pedagogia do dever e do trabalho é, em substância, inerente a toda a vida da
instituição educativa, com o ininterrupto suceder-se das várias ocupações e dos
momentos de recreação, o ritmo intenso das atividades nas salas de aulas ou nas
oficinas, nos salões de estudo, a tensão para fazer o melhor, a emulação, liderados pela
exemplar dinâmica dos educadores. É característica dos religiosos salesianos dos quais
dom Bosco é orgulhoso.

“Não se ouve todos os dias repetir aos quatro ventos: Trabalho, Instrução,
Humanidade? Aí está. Os salesianos abrem em muitas cidades oficinas de todo tipo,
e escolas agrícolas nos campos, para encaminhar ao trabalho, adolescentes e jovens;
fundam colégios masculinos e femininos, escolas diurnas, noturnas e festivas,
oratórios com lazeres dominicais para distrair as mentes juvenis e enriquecê-las com
úteis conhecimentos; recolhem centenas e milhares de órfãos e abandonados em
casas de acolhida, orfanatos e patronatos, levando a luz do evangelho e da
civilização até aos bárbaros da Patagônia, desdobrando-se para fazer com que a
Humanidade seja não somente uma palavra, mas uma realidade138.

1. Primado da educação religiosa

134
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes...,páginas 95, 96, 114,120, OE XV 337, 338,356, 362. Ao tema
Estudo e diligencia é dedicado o capitulo XVIII, páginas 94-99, OE XV 336-341.
135
Regulamento para as casa..., segunda parte, capítulo V do trabalho, artigo 6, página 69, OE XXIX 165.
136
Carta aos “alunos do pequeno Seminário de são Carlos em Mirabello”, 30 de dezembro de 1863, Em I 629.
137
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1.864ss, páginas 22, 23, 25, 26, 31, 37, 38, 53; cfr. também G.
Berto, Coleção de ditos, feitos e sonhos de Dom Bosco, boa –noite de 11 de setembro de 1867, páginas 60-61.
138
“Conferencia aos cooperadores de São Benigno de Cavanesse, 04 de junho de 1880, BS 4 (1880)
NÚMERO 7, julho, página 12.
Cultivar a dimensão religiosa, infundir nos jovens o temor de Deus, educá-los em uma

habitual vida de graça, constitui a finalidade daquele conjunto de “práticas de piedade”

cristã, inspiradas na tradição e na própria experiência pessoal, pela qual é caracterizada a

vida de qualquer “casa”.

É absolutamente óbvio que, para Dom Bosco, a “religião” vivida é o objetivo capital
de qualquer educação autêntica. Ele repete isto a um grupo de ex-alunos que tinham
atingido tal meta, graças à educação recebida no Oratório. Ele lembra e repete: “Onde quer
que estiverem, mostrem-se sempre bons cristãos e homens probos. Amem, respeitem,
pratiquem a nossa Santa Religião; aquela Religião com a qual eu os eduquei e os preservei-
os dos perigos e das ruínas do mundo; aquela Religião que nos consola nas penas da vida,
nos conforta nas angústias da morte, nos abre as portas de uma felicidade sem limites”139.
A “felicidade” sem fim, a “salvação eterna”, de fato, é posta sempre diante dos
olhos, como incentivo permanente à reflexão e ao empenho de vida. Fixo naquela meta, o
jovem é convidado, de todos os modos - palavras, leituras, apólogos e “sonhos”- a
subordinar a ela qualquer outra atividade, considerando a salvação da alma a idéia
dominante da vida espiritual”140.
É o núcleo de toda sua metodologia educativa. Fruto da redenção, operada por
Cristo, a “salvação” é libertação do pecado e vida de graça, filiação adotiva e amizade com
Deus, em uma palavra, santidade. Insistem nisso três “avisos” do Leva contigo, cristão,
apresentado por Dom Bosco: “19. Deus nos quer todos salvos, antes, é vontade sua que nos
tornemos santos. 20. Quem quiser salvar-se, precisa pôr a eternidade na mente, Deus no
coração, o mundo debaixo dos pés. 21. Cada um está obrigado a cumprir os deveres do
estado em que se encontra”141.
No evento da salvação, para além de fórmulas simplificadoras, tais como
“teocentrismo” ou “cristocentrismo”, estranhas ao vocabulário e ao sentir de dom Bosco,
assume lugar de destaque absoluto a ação de Deus que, como já foi visto, “ama os jovens
com predileção”142, e de Jesus Cristo “nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro
Homem”, “o Divino Salvador”143.
Entretanto, o jovem aprende em outras ocasiões – festas, novenas, meses especiais,
eventos particulares, devoções - que na sua existência cristã opera, com a sua intercessão e
mediação, a Mãe do Redentor. A ela é convidado a voltar-se cotidianamente com a

139
Discursso de 24 de junho de 1880, BS 4 (1880) número 9, setembro, página 10.
140
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, capítulo V História e
Salvação, páginas 59-100; IDEM, Dom Bosco e as transformações sociais e religiosas de seu tempo, no
volume A família salesiana reflete sobre sua vocação na Igreja de hoje . Turim – Leumamn, LDC 1973,
páginas 159-162, Da Mihi animas coetera tolle.
141
Leva contigo, cristão..., páginas 7, OE XI 7.
142
JOÃO BOSCO, O jovem instruído...,páginas 10-11, OE II 190-191.
143
JOÃO BOSCO, O católico instruído na sua religião. Conversas de um pai de família com seus filhos
segundo as necessidades do tempo. Turim, tipografia P. De-Agostini 1853, Primeira série, conversa X, página
43, OE IV 237; conversa XI , página 47, OE IV 241; conversa XII, páginas 50-53, OE IV 244-247.
invocação três vezes repetida: “Querida Mãe Virgem Maria, fazei que eu salve a minha
alma”144.
Enfim não é irrelevante, do ponto de vista estritamente ‘pedagógico”, sublinhar que
a “presença”das pessoas divinas ou sagradas, poderá ser mais facilmente interiorizada pelos
jovens graças à eficaz intermediação dos seus educadores. Coadjutores, clérigos, sobretudo
sacerdotes, em particular os confessores, poderão tanto mais tornar aceitos, confiáveis,
amáveis, Deus, Cristo Salvador, a Virgem Maria, quanto mais souberem “representá-los”
ao vivo, como “pais, irmãos, amigos”. Basta que se revistam, efetivamente, das qualidades,
que lhes sugere o “sistema preventivo”: a caridade cantada por São Paulo, fundada sobre fé
e esperança inabaláveis, tornadas tangíveis por operosa “consagração”, em clima de
humana racionalidade e amorevolezza145.

4. Ensinar o temor, prelúdio ao amor

A educação, na sua essência, tende a transportar para o mundo religioso do jovem


aquela síntese vital de amor e temor, que constitui a relação correta de quem crê com o seu
Deus Criador e Senhor e, ao mesmo tempo, Pai e Salvador, no delicado equilíbrio do “amar
mais que temer”, ponto cardeal tanto da “espiritualidade” quanto da “pedagogia”.
É convicção e metodologia fundamentada em uma piedade milenar, na Escritura, na
Liturgia e na Religiosidade popular. “Fazei, ó Senhor, que nós guardemos pelo vosso santo
nome, ao mesmo tempo, temor e amor, para que vós não priveis de vossa guia todos
aqueles que pusestes sobre a base sólida do vosso amor”: era a oração da missa que os
jovens fiéis ouviam ler, em latim, na missa do domingo entre a oitava da festa de Corpus
Christi, segunda depois de Pentecostes, e que o aluno do ginásio sabia traduzir. Assim, o
jovem se acostumava a tomar consciência da própria fragilidade de “peregrino”, exposto
aos perigos, às tentações, ao pecado e, ao mesmo tempo, da própria dependência de criatura
do bom Deus, providente e justo remunerador, do qual se teme separar. Nele, portanto, é
constantemente inculcada a observância dos mandamentos, dos conselhos e, além e acima
de tudo, do “mandamento novo”, a regra evangélica da caridade. É ainda exortado a se
entregar à graça de Deus e à intercessão da Virgem Mãe, na esperança e na oração, pela
perseverança final.
A prospectiva é onipresente no processo educativo, centralizada na exortação:
“Lembrem-se, ó jovens, que nós somos criados para amar e servir a Deus nosso Criador, e
que nada nos adiantariam toda a ciência e todas as riquezas do mundo, sem o temor de
Deus. Deste santo temor depende todo o nosso bem temporal e eterno”146. “Quem não tem
o temor de Deus deve abandonar o estudo porque trabalha em vão”; “O princípio da
sabedoria é o temor de Deus, diz o Espírito Santo”147.

144
JOÃO BOSCO, O jovem instruído...,páginas 54, OE II 234; A chave do paraíso na mão do católico...,
pagina 43, OE VIII 43.
145
As ‘virtudes do bom educador”, são reduzidas por Dom Bosco às três fundamentais qualidades, “razão,
religião, amorevolezza”, objeto do capítulo XIV.
146
Regulamento para as casas...,segunda parte, capítulo III Da Piedade, artigo 1, página 63, OE XXIX 159.
147
Regulamento para as casas...,segunda parte, capitulo VI Procedimento na escola e no estudo, artigo 21 e
22, página 73, OE XXIX 169. estão neste contexto as fortes expressões: “Um aluno soberbo é um estúpido
ignorante”; “O soberbo é odioso aos olhos de Deus e desprezível diante dos homens” (Ibidem, capitulo VI,
artigo 22; capítulo IX, artigo VI, páginas 73 e 78, OE XXIX 169 e 164).
As Sete considerações para cada dia da semana tendem a inculcar, entrelaçados, os
dois motivos do amor e do temor148. Deste a freqüente recitação dos atos de fé, esperança,
caridade, contrição, era escola permanente.

5. As “práticas” na educação religiosa

Depois de ter inculcado o ‘temor de Deus”, qual suprema riqueza, Dom Bosco
acrescentava: “Para se manter no amor de Deus, ajudam a oração, os Santos Sacramentos e
a palavra de Deus149.
O Regulamento para os externos confia ao diretor a missão de “empenhar-se de
todos os modos possíveis, para insinuar nos jovens corações o amor de Deus, o respeito
pelas coisas sagradas, a freqüências ao sacramento, a filial devoção a Maria Santíssima, e
tudo o que constitui a verdadeira piedade”150.
Quanto às “práticas”, do ponto de vista quantitativo, há uma notável diferença,
conforme se trate de jovens internos, e entre estes, mais os estudantes que os artesãos, ou de
jovens externos que freqüentam as escolas151. Para estes é taxativa a prescrição: “Sejam
obrigados absolutamente a vir à missa todos os domingos e festas de preceito. Se for
possível, também nos dias de semana”152. Aos oratorianos é oferecido o conjunto habitual
das prática festivas: missa, homilia, catequese e vésperas153.
A participação pessoal na vida religiosa e a maturação no compromisso moral,
supõe fé iluminada, consciente, impossível sem uma sistemática obra de instrução e de
reflexão. Muitos são os instrumentos que, para este fim, Dom Bosco põe em
funcionamento: a catequese histórica e doutrinal, a cultura religiosa sob forma de
verdadeira escola, a pregação, em geral didascálica e narrativa, simples e concreta, a
meditação e a leitura espiritual154.
Encontram também amplo espaço na pedagogia da fé, explícitas formas de
testemunho público e de massa; as solenes celebrações religiosas, a participação organizada
nos ritos litúrgicos de grupos especiais - pequeno clero, cantores, companhias -,
peregrinações a igrejas e santuários. Referindo-se aos dias turbulentos de 1848, Dom Bosco
escreve nas Memórias do Oratório: “Ele foi para encorajar ainda mais os nossos jovens
para desprezar o respeito humano, que naquele ano se foi pela primeira vez
processionalmente a fazer aquelas visitas [às igrejas na quinta-feira santa], cantando o
Stabat Mater e o Miserere”155.

6. Pedagogia dos sacramentos e da eucaristia

148
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 31-50, OE II 211-230.
149
Regulamento para as casas..., segunda parte, capitulo III, artigo 2, página 63, OE XXIX 159.
150
Regulamento do Oratório...,para os externos, primeira parte, capítulo I, artigo 7, página 6, OE XXIX 36.
151
Regulamento do Oratório...,para os externos, segunda parte, capítulo X, Práticas de piedade cristã,
páginas 43-44, OE XXIX 73-74; Regulamento para as casas..., capítulo III Da piedade e capítulo IV
Procedimento na igreja páginas 63-68, OE XXIX 159-164.
152
Deliberações das conferencias de São Francisco de Sales de 1875, MB X 1.115.
153
Quanto às Práticas de piedade em Valdocco, recomendada em todas as instituições análogas, para internos
e externos, cfr PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 303-
309.
154
Da escola da doutrina cristã falaremos especificamente no capítulo XVIII.
155
MO (1991) 193.
No internato, aplica-se ao pé da letra o princípio de pedagogia prática dos
sacramentos, enunciados nas páginas sobre o sistema preventivo, mesmo se, como
orientação geral, envolve todo o “sistema”156. Isto vale naturalmente para todas as
instituições educativas.
É sabido que a expressão “os sacramentos”, na linguagem educativo-pastoral de
Dom Bosco, se refere aos sacramentos da penitência e da eucaristia “as asas para voar ao
céu”157.

“A freqüente confissão, a freqüente comunhão, a missa cotidiana são as


colunas que devem sustentar um edifício educativo, do qual se quer afastar a ameaça
e a vara. Nunca forçar nem obrigar os jovens à freqüência dos sacramentos, mas
somente encorajá-los e dar-lhes comodidade para deles tirar proveito. Nos casos,
portanto, de exercícios espirituais, tríduos, novenas, pregações, catecismo, se cuide
de mostrar a beleza, a grandeza, a santidade daquela Religião que propõe meios tão
fáceis, tão úteis à sociedade, à tranqüilidade do coração, à salvação da alma como
são, justamente, os santos Sacramentos. Deste modo, os meninos são
espontaneamente envolvidos e estimulados a participar destas práticas de piedade, e
o farão de boa mente [ com prazer e com fruto]”158.

Mas ainda mais significativo para um claro caminho educativo para o


aproveitamento dos sacramentos da penitência e da eucaristia, era o apelo feito a educandos
e a educadores, na biografia de Domingos Sávio: “Dêem-me um jovem – escrevia -, que
freqüente estes sacramentos e vê-lo-ão crescer na idade juvenil, chegar até à idade adulta
com uma conduta, que será o exemplo para todos aqueles que o conhecem. Esta máxima,
devem entende-la os jovens para praticá-la; compreendam-na todos aqueles que se ocupam
da educação dos mesmos para insinuá-la”35
Na base da instrução e da educação ministradas, estão as indicações da instrução
catequética e da pregação tradicional sobre as “condições” necessárias para uma válida,
digna e frutuosa recepção dos sacramentos; sobre seus atos e “partes” principais; sobre o
grave perigo de sacrilégio, de insuficiente disposições, sobre a freqüência (inculcada em
crescente medida). Não falta, como já foi acenado, a denúncia das artimanhas diabólicas,
que, na narração incisiva de apólogos ou de “sonhos”, aparecem nas mais variadas formas,
ora atraentes ora monstruosas. A isto se somam as tantas “estréias” anuais, as exortações, as
instruções por ocasião dos exercícios espirituais e do exercício da boa morte.
Mais positivamente é realizada e evidenciada, na prática dos sacramentos da
penitência e da eucaristia, a síntese do humano e do divino, a ação, o “trabalho” da graça e
o estímulo à colaboração pessoal da parte do sacerdote-educador e do jovem educando. Ela
caracteriza não somente a experiência sacramental, mas também a prática da oração e das
“devoções”, entre as quais ocupa um lugar privilegiado a devoção à Virgem Maria.
Sacramentos e oração são, não somente “meios” de graça, mas também instrumentos de
crescimento humano, na consolidação das virtudes morais e na promoção da alegria interior
156
Cfr ALBERTO CAVIGLIA, Domingo Sávio e Dom Bosco. Estudo, páginas 343-363, dom Bosco e a
Pedagogia dos Sacramentos.
157
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), página 13.
158
O sistema preventivo (1877), página 54,56, OE XXVIII 432, 434. Foi posto entre colchetes um texto
introduzido na edição anexa ao fascículo do Regulamento para as casas (página 8) OE XXIX 104).
35
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio..., página 68, OE XI 218.
e exterior. “Fale-se o que se quiser a respeito dos vários sistemas de educação, mas eu não
vejo nenhuma base segura, senão na freqüência da confissão e comunhão; e creio não
exagerar, se disser que, sem estes dois elementos, a moralidade está banida”36.
A pedagogia eucarística - missa, comunhão, visita - encontra em Dom Bosco
excepcionais desenvolvimentos, já preanunciados na biografia de Luis Comollo, proposta
antes aos seminaristas (1844) e depois aos jovens em geral (1854)37. Segundo o costume de
então, é acentuada a especial eficácia plasmadora da primeira comunhão, “o ato mais
importante da vida”, “o ato mais grave e mais sério da vida”38. O jovem instruído dedica
várias páginas ao Modo de assistir a santa Missa, à Preparação a santa comunhão, à visita
ao Santíssimo Sacramento39. De Domingos Sávio, gosta de lembrar que “era para ele uma
verdadeira delícia poder passar algum tempo diante de Jesus sacramentado”40.
Amplo desenvolvimento para a temática eucarística sob o ponto de vista espiritual e
pedagógico, é dado na biografia mais didascálica, a de Francisco Besucco, nos três
capítulos sobre A santa comunhão, a Veneração ao santíssimo sacramento, sobre o
Viático41. Dom Bosco anuncia ainda uma vez a sua sólida convicção: junto com o
sacramento da penitencia “o segundo pilar da juventude é a santa comunhão. Felizes
aqueles jovens que começam logo a aproximar-se com freqüência e com as devidas
disposições deste sacramento”42. Aí também se encontram os temas da comunhão precoce e
freqüente43.
Mas a repetida exortação à comunhão eucarística - e à prévia confissão - faz
também pensar em um Dom Bosco às vezes em problemas com uma ação educativa com
ambições mais modestas. A freqüência aos santos sacramentos “nos dias festivos” é
proposta, no dia 13 de dezembro de 1858, como lembrança “aos operários”, aos artesãos,
“que não podem freqüentar muito os santos sacramentos nos dias de semana”44. Por isso
multiplica as “estréias” sobre o assunto. “Confissão sincera e Comunhão freqüente” é a
estréia dada em 31 de dezembro de 1860 para 186145.
Rainha do mundo e Pão da vida são os cartazes que campeiam sobre as duas
colunas do apólogo-estréia de 31 de dezembro de 186346. Ao dar a estréia para 1868, Dom
Bosco assim concluía em 31 de dezembro de 1867, a narração de um dos costumeiros
sonhos: “a estréia seja esta: A comunhão freqüente é o meio mais eficaz para se ter uma
boa morte”: “honrar Jesus sacramentado e a Virgem Bem-aventurada, porque, com estas
duas defesas se obtém tudo, e sem eles não se obtém nada”47

36
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes...,página 100, OE XV 342.
37
cfr. [JOÃO BOSCO], Esboços históricos sobre a vida do clérigo Luis Comollo...,página 24, 32-34, OE I
24, 32-34.
38
JOÃO BOSCO, A força da boa educação..., páginas 20-21, 30, 38, OE VI 294-295, 304, 312.
39
JOÃO BOSCO, O jovem instruído...,páginas 84-92, 98-103, 103-105, OE II 264-272, 278-283, 283-285.
40
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio...,página 71, OE XI 221.
41
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes...,respectivamente .nas páginas 105-109, 109-113, 157-158, OE
347-351, 351-355, 399-400.
42
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes...,página 105, OE XV 347.
43
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes...,páginas 105-106, OE XV 347-348; O sistema preventivo (1877)
páginas 09-10 OE XXVIII 105-106.
44
JOÃO BONETTI, Memória de alguns fatos ...,página 35.
45
DOMINGOS RUFFINO, Crônicas do oratório de São Francisco de Sales, número 2 1861, página 2; JOÃO
BONETTI, Memória de alguns fatos ...,páginas 68-69.
46
DOMINGOS RUFFINO, Os dotes grandes e luminosos..., páginas 10-12.
47
G. BERTO, Fatos particulares I, página 08-10.
7. O pecado e o sacramento da reconciliação

Mais evidentemente “pedagógica” é a administração do sacramento da penitência,


com os seus diversos valores: evento de graça, ocasião de direção espiritual, educação e
terapia moral da corrupção do pecado.
Além do “conceito”, a “realidade” maciça do pecado – original e atual – campeia,
sobretudo na mentalidade e na espiritualidade de Dom Bosco e na sua insone guerra contra
aquele que é a sua personificação, o demônio. Testemunham isto copiosamente os escritos,
as palavras, a ação.
Multiplicam-se advertências, ensinamentos, exortações, orientadas a suscitar o
horror do pecado, “a feiura do pecado”, “o maior inimigo dos jovens”48, e a luta pela graça,
“beleza da virtude”. “Oh! Como são infelizes aqueles que caem em pecado! Mas quanto
mais infelizes são aqueles que vivem no pecado”; “Ó pecado, pecado! Que flagelo terrível
você é para aqueles que o deixam entrar em seus corações!”: são palavras que Dom Bosco
põe na boca do jovem Magone depois da confissão geral49. É imprescindível quebrar os
chifres do demônio que quereria tornar-se donos destes 50infelizes.
É ânsia comunicada, sustentada por sonhos ameaçadores, diante das freqüentes
formas do mal que agride a juventude: a impureza, a blasfêmia, o furto, as más conversas e
os escândalos, a intemperança e a indisciplina, a frieza nos deveres religiosos.
O inimigo número um é, como já foi dito, a impureza, “a mais feia das culpas”51,
um “rolar na lama do aviltamento”52; um comer “carnes podres” (O homem animal não
percebe as coisas que são de Deus)53; um expor o lenço branco, símbolo da rainha das
virtudes, ao granizo e à neve54; um oferecer a Nossa Senhora, ao invés de flores, “um
pedaço de porco, um gato, um prato de sapos”55. No sonho do inferno são colocados em
evidência os “laços” principais que capturam os jovens, que um demônio-monstro arrasta
consigo: “o laço da soberba, da desobediência, da inveja, do sexto mandamento, do furto, e
tantos outros, mas os que amarravam mais, eram os laços da desonestidade e da
desobediência, e da soberba, que amarram junto os dois primeiros laços”; A estes se
ajuntava o respeito humano56.
Com a catequese e a “pregação”, muitas vezes ansiosa e até mesmo geradora de
angústias, entrelaça-se constantemente a palavra de solução e tranqüilizadora da
misericórdia e do perdão. Socorre eficazmente, portador de graça e de alegria, o

48
Carta aos artesãos do Oratório, 20 de janeiro de 1874, E II 339.
49
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., página 22, OE XIII, 176.
50
Carta aos jovens de Mirabello, início de julho de 1864, Em II 58.
51
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 14 de setembro de 1864, páginas 47-49.
52
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 02 de dezembro de 1864, páginas 33-34.
53
F. PROVERA, Crônica, Boa-noite de 22 de agosto de 1862, sonho da cobra esmagada pela corda (A Ave
Maria), página 5; Em outra versão DOMINGOS RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, páginas 118-121.
54
DOMINGOS RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, páginas 75-80.
55
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Sonho de fins de maio de 1865, páginas 137-139. A
crônica de Lemoyne é rica em palestras noturnas que tocam no tema: 16 de janeiro de 1865, páginas 72-74;
06 de fevereiro de 1865, páginas 85-86; 13 de fevereiro de 1865, páginas 92-94.
56
G. BERTO, Crônica 1868-2, páginas 21-23.
sacramento da reconciliação, da paz com Deus e consigo mesmo: a misericórdia de Deus
acontece com o “martelo da Confissão”57.
Com relação à eucaristia, todo o processo “penitencial” tem no Esboço biográfico
de Miguel Magone, forte conotação “educativa”, tendo nela a parte humana um papel mais
consistente que no ex opere operato da comunhão e da santa missa58. De fato, não obstante
o ex opere operato, à administração do sacramento da penitencia é atribuída uma forte
carga “pedagógica”, tanto da parte do ministro, quanto do penitente59. A ação do confessor
preferivelmente “estável”, é determinante para que se verifiquem nos jovens as três
disposições fundamentais: integridade e sinceridade na confissão dos pecados, adequado
arrependimento, integrado por firmes “propósitos”, particularmente inculcados por Dom
Bosco. “Enquanto vocês não tiverem um confessor estável, em quem ponham toda sua
confiança, faltar-lhes-á sempre o amigo da alma”, diz aos jovens no perfil biográfico-
pedagógico de Miguel Magone60. Ao mesmo tempo, dirige-se a quem está “destinado a
ouvir as confissões da juventude”, com anotações pedagógicas cristalinas, para facilitar e
conquistar a confiança. Aparecem ao termos característicos do sistema; “acolher com
amorevolezza”, “ajudar a expor as coisas de sua consciência”, “ corrigir com bondade”,
“entrar em confiança”, “fazer uso de grande prudência e de grande reserva” sobre aquilo
que diz respeito à castidade61.
Analogamente, na Vida de Besucco, Dom Bosco exorta primeiro os jovens a
escolher para si um confessor como guia espiritual estável; depois dirige a quem está
“destinado à educação da juventude” três recomendações: “inculcar com zelo a confissão
freqüente”, insistir “na grande utilidade da escolha de um confessor estável”, “lembrar com
muita freqüência o grande segredo da confissão”, de modo a tranqüilizar os jovens e
encorajá-los a aproximar-se do sacramento, com ilimitada confiança e serenidade de
espírito62. São o tema habitual de pregações, conferências, palestras noturnas, escritos,
conselhos pessoais, que pedem insistentemente aos jovens grande esforço pessoal.
O assunto encontra dramática concentração no “sonho” contado na carta de 11 de
fevereiro de 1871 aos jovens do colégio de Lanzo. Fala-se de um monstro hábil que
“brinca”, seguro da colaboração de fiéis amigos: “aqueles que prometem e não cumprem;
confessam sempre as mesmas coisas”, e depois outros que se entregam às “más conversas”:
“cada palavra é uma semente que produz maravilhosos frutos”; um monstro que, porém, é
obrigado a revelar seus “maiores inimigos”: “aqueles que freqüentam a comunhão”, os
devotos de Maria, mas sobretudo aqueles que observam os propósitos feitos na
confissão”63.

8. Pedagogia Mariana e devocional

57
G. BERTO, Crônica 1868-2, página 23. Outros recordam uma fórmula análoga: “O martelo significa a
confissão e a bigorna a comunhão” (F. PROVERA, Crônica, páginas 5-6).
58
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., páginas 20-24, OE XIII 174-178.
59
cfr. R. SCHIÉLÉ, A Igreja formadora das consciência pelo sacramento da penitência, em “Salesianum” 14
(1952) 578-589.
60
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., página 26, OE XIII 180: Uma palavra
à juventude, páginas 23-27, OE XIII 179-181.
61
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., páginas 27-29, OE XIII 181-183.
62
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., páginas 100-105, OE XV 342-347, A confissão.
63
E II 149-150.
Juntos com a experiência sacramental da penitência e da eucaristia são inculcados,
mas sobretudo induzidos praticamente, habituais atitudes e comportamentos de “piedade”
cristã, hábitos de oração e sensibilidade “devocional”64. Trazem uma singular contribuição
as festas religiosas, alegradas pelas formas festivas do canto e da música65.
A pedagogia da “piedade”, mais que enunciada, é vivida na série das práticas que
dão ritmo aos dias, às semanas, aos meses, ao ano litúrgico e solar. Na pedagogia religiosa
prática de Dom Bosco observa-se um persistente entrelaçar-se de confissão, missa,
comunhão, leitura espiritual, oração, ofício divino66.
Esta é “narrada” com muita intensidade nas conhecidas biografias juvenis e em
outras narrações de fundo biográfico. Mostram-na em sua vida, que é ao mesmo tempo
experiência da comunidade na qual vivem, Domingo Sávio67, Miguel Magone68, Francisco
Besucco69. Vivem-na o protagonista da narração , A força da boa educação, Pedro, na
paróquia e no Oratório de Dom Bosco70, e Valentim da narração de mesmo nome, no
colégio de estilo salesiano. De Valentim a prática da oração é intensa tanto na infância,
graças à guia materna, quanto no colégio católico, onde “com facilidade retomou o antigo
hábito das práticas de piedade”. As várias crises coincidem com o abandono de tais
práticas71.
Entre as devoções, ocupa lugar privilegiado a devoção à Virgem Mãe72. Com
efeito”, “a devoção à Virgem Mãe é o sustentáculo de todo fiel cristão. Mas,
particularmente, para a juventude73. Miguel Magone sentirá a devoção a Maria quase como
uma “vocação” desde o dia no qual “foi-lhe dada de presente uma imagem de Nossa
Senhora em cujos pés estava escrito: “Vinde, filhos, ouvi-me, ensinar-vos-ei o temor do
Senhor”; e começou a honrá-la com o título de “Mãe celeste, divina mestra, piedosa
pastora74. Também de Besucco o biógrafo escreve que “nutria um afeto especial por Maria
Santíssima. Na novena da sua Natividade demonstrava um fervor especial para com ela”; e
precisa suas expressões75. Aos jovens confiava a oração feita para eles no santuário mariano
de Oropa: “Maria, disse-lhe, abençoai toda a nossa casa, afastai do coração dos nossos
64
cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica,volume II, paginas 275-357,
Oração Sacramentos e Observâncias religiosas.
65
Trataremos delas mais detalhadamente no capítulo XVI.
66
cfr. Uma preciosa palavras aos filhos e às filhas. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales
1862, página 5 (Lembrança II), 7-8 ( Lembrança III), 13-15 (Lembrança VIII), OE XIII 441, 443-444, 449-
451.
67
cfr. JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio...,páginas 62-67, OE XI 212-217.
68
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., capítulo VI Sua exemplar solicitude
pelas práticas de piedade, páginas 29-36, OE XIII 183-187.
69
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., páginas 113-119, OE XV 355-361.
70
JOÃO BOSCO, A força da boa educação..., capítulo VIII Singularidade se sua devoção, páginas 62-69,
OE VI 336-343.
71
cfr JOÃO BOSCO, Valentin, ou a vocação impedida. Episódio contemporâneo. Turim tipografia do
oratório de São Francisco de Sales 1866, páginas 5-6, 22 (capítulo I A mãe de família), OE XVII 183-184,
200; páginas 19-25 (capítulo IV Novo Colégio. Volta a piedade), OE XVII 197-203; e depois em crises mais
ou menos graves, páginas 10-13, 14-16, 38-39, OE XVII 188-191, 192-194, 216-217.
72
cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica,volume II, páginas 147-175, Maria
Santíssima; ALBERTO CAVIGLIA, Domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo, páginas 310-322, Devoção e
dedicação à Maria Santíssima.
73
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., página 39, OE XII 193.
74
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., capítulo VIII Sua devoção a Nossa
Senhora, páginas 39-40, OE XIII 193-194.
75
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., páginas 115-117, OE XV 357-359.
jovens até a sombra do pecado; sede a guia dos estudantes ; sede para eles a sede da
verdadeira sabedoria. Sejam todos vossos, sempre vossos, e tende-os sempre como filhos
vossos, e conservai-os sempre entre os vossos devotos”76.
Maria é aquela que também com sinais não ordinários, chama os jovens mais
obstinados à penitência, afastando o castigo de Deus77. Sobre tudo as novenas, em especial
a da Imaculada, são dias de graça e tempo de “juízo” e de “limpeza da casa”: Nossa
Senhora faz a revista dos jovens dignos do Oratório ou merecedores de expulsão78.
O discurso mariano intensifica-se com a construção da igreja de Maria Auxiliadora
(1863-1868). Para Nossa Senhora são práticas privilegiadas a recitação diária do rosário e o
mês de maio.

9. Iniciação ao “sentido de Igreja” e à fidelidade ao Papa

Lugar notável na pedagogia religiosa ocupa a iniciação àquele sentido de Igreja e à


fidelidade ao Papa, que ele considera, como já foi visto, aspectos essenciais de uma íntegra
fé cristã.
Os dois aspectos se apresentam com acentuações diferentes: o primeiro,
concentrado sobre a realidade “salvífica”, o segundo, polarizado na realidade “estrutural”.
Catequese oral e escrita, apologética, pedagogia convergem para inocular a
persuasão de que somente a igreja católica detém os meios da graça e da salvação: a
revelação conservada na sua verdade e integridade, os sacramentos administrados na
plenitude de validade e de graça, a convivência ordenada na caridade garantida pela
harmônica coexistência das duas dimensões, hierárquica e fraterna. Por isso é incontestável
o fora da igreja não há salvação: nisto convergem a História eclesiástica, os Avisos aos
católicos, o Católico instruído, os mais diversos opúsculos apologéticos, quase todos livros
nascidos da catequese narrada antes que escrita. A santidade da Igreja prevalece
claramente sobre as outras notas, inclusive a unidade, ainda que estruturalmente
fundamental.
Mas não menos inculcada, catequética e pedagogicamente, é a firmeza estrutural,
garantida no vértice pelo vigário de Cristo e sucessor de São Pedro, o papa. O esforço
educativo é visível, sobretudo nos dois primeiros decênios de total compromisso em
primeira pessoa entre os jovens. Dominam na sua atividade de animador, com os escritos e
com a palavra, algumas constantes: a defesa da centralidade histórico-dogmática do papado
na história da igreja79, a pregação catequética dominical polarizada sobre a história dos
papas, as solicitudes para festejar acontecimentos referentes ao sumo pontífice, a
acentuação do interesse do papa pela vida do Oratório, principalmente no período de Gaeta
de Pio IX (agradecimento pela oferta de trinta e três liras, festa pela benção dos terços
76
Carta aos “caríssimos filhos estudantes” do Oratório, 06 de agosto de 1863, Em I 594.
77
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), palestra noturna aos jovens do Oratório na noite de domingo 12 de
janeiro de 1862, depois da aparição de uma bola de fogo em dois dormitórios, páginas 6-9.
78
Cfr. DOMINGOS RUFFINO, Crônicas do Oratório de São Francisco de Sales numero 1 1860, 27 de
novembro de 1860, pagina 27; IDEM, Crônica 18611862 1863, palavras de junho de 1862, página 95; JOÃO
BATISTA LEMOYNE, Crônicas 1864ss, 2 de dezembro de 1864, páginas 32-35, e 4 dezembro de 1864.
páginas 36-37; 11 de janeiro de 1865, depois, de ter narrado a aparição de Nossa Senhora em La Salette e
“sinais” em Chioggia, Vicovaro, Spoleto, páginas 69-70.
79
Cfr. Prefácio à História eclesiástica,página 9, OE I 167. No livro, a centralidade é sobretudo dos santos e
dos papas santos. Nas Vidas dos papas, o primado “histórico” é igualmente sublinhado quanto o primado de
jurisdição e de doutrina.
enviados pelo papa em 2 de abril de 1850)80; mais tarde, a separação da festa de São Pedro
da de São Luis81, a celebração dos vinte e cinco anos de pontificado de Pio IX, etc.
Comunicativo e educativo era o seu entusiasmo, quando voltava das suas viagens a Roma e
em qualquer tempo, como, em 1862, testemunha a crônica de João Bonetti. Nos primeiros
dias de maio lembrava aos jovens como Pio IX, mesmo “ocupadíssimo com os negócios de
tudo o mundo”, se interessasse pelo Oratório de Turim. Aproveitava então a ocasião para
animá-los “a amá-lo, não tanto como Pio IX, mas sim como papa estabelecido por Jesus
Cristo em sua Igreja”. Concluía: “gostaria que Pio IX tivesse em cada jovem do Oratório
em zeloso defensor em qualquer canto da terra ele se encontrasse”. Alguns dias depois
afirmava: “O catolicismo vai perdendo terreno dia a dia; já é tempo de nos unir mais
estreitamente a Pio IX e com ele combater, se necessário, até à morte”82.
Síntese da sua “pedagogia” de fidelidade era a exortação dirigida aos jovens em 3 de
março de 1867: “Meus filhos, na vida de vocês não esqueçam nunca o papa que os ama, e
assim não saia nunca da boca de vocês uma só palavra que possa ser de insulto para ele”83.

80
Cfr Breve narração da festa feita na distribuição do presente de Pio IX aos jovens dos Oratórios de Turim.
Turim tipografia Botta 1850, 27 páginas, OE IV 93-119.
81
falando com seus colaboradores mais próximo, no dia 16 de junho de 1876, Dom Bosco mostra-se
“absolutamente contrário” à celebração da festa de São Luis Gonzaga no dia de São Pedro, e expressa odesejo
de que para o primeiro papa “se faça uma grande festa só para ele” ( JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 8,
páginas 29-30).
82
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), páginas 78-79.
83
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, página 189.
Capítulo 13.

ITINERÁRIOS EDUCATIVOS – (II) AS VIRTUDES E O COMPROMISSO

A educação cristã é realidade sinérgica, humano-divina. Dom Bosco não é nem


pelagiano nem quietista. Eventuais desvios sobrenaturalistas são corrigidos por fortes
impulsos e por uma voluntariosa cooperação. “Na esperança há muitos cansaços” – ensina
Dom Bosco em uma pregação de conclusão dos exercícios espirituais - ; “o que sustenta a
paciência deve ser a esperança do prêmio”, insiste; e conclui; “coragem portanto; a
esperança nos sustente quando corrêssemos o risco de perder a paciência”159.

1. O exercício prático das virtudes da caridade, mortificação, “civilidade”

Da obediência já falamos, que é, em certo sentido, do ponto de vista pedagógico,


“forma” de todas as virtudes. Já foi visto também que a piedade e a laboriosidade são
fundamentais. Outras, também, são cultivadas por Dom Bosco como valores absolutamente
indispensáveis para a construção do “bom cristão e honesto cidadão”, jovem e adulto.
Encontram-se elencadas na concisa síntese da “imitação de Cristo”, proposta no
Retrato do verdadeiro cristão, da Chave do paraíso. O cristão é convidado a múltiplos
comportamentos semelhantes ao do seu “modelo” Jesus Cristo. Ele “deve rezar como
rezou Jesus”; “ser acessível, como era Jesus, aos pobres, aos ignorantes, aos meninos”;
deve “tratar o seu próximo, como Jesus tratava os seus seguidores”; Como Jesus Cristo,
“ser humilde”, “obedecer”, ser “sóbrio, temperante, atento às necessidades dos outros”;
“ser com seus amigos, como era Jesus com São João e com Lázaro”, isto é “amar no
Senhor e por amor de Deus”; “sofrer com resignação as privações e a pobreza como fez
Jesus Cristo” e como ele “tolerar as afrontas e ultrajes”; “deve estar pronto para tolerar
as penas do espírito”, “como Jesus Cristo”, traído, renegado, abandonado; enfim,
“disposto a acolher com paciência toda perseguição, qualquer doença e também a morte”,
“colocando sua alma nas mãos do Pai celeste”160.
Obviamente, não podiam faltar no mapa das virtudes cristãs propostas a jovens e a
adultos, as virtudes teologais, que, todavia, não modificam a inspiração intensamente
“moral” de toda a construção de base, apoiada sobre os “deveres” e sobre o exercício das
virtudes adquiridas. Na coragem do jovem mártir Pancrácio, Dom Bosco convida a
admirar “aquela fé viva, aquela firme esperança, aquela inflamada caridade”, que foi
precedida por uma virtuosa infância, quando “com a obediência aos pais, com o exato
cumprimento de seus deveres, com a singular pontualidade no estudo, fazia a delícia de
seus pais e era proposto como modelo aos seus companheiros”161. “Fé viva e caridade
inflamada” ele tinha já atribuído a Comollo (1844)162. No Devoto do Anjo da Guarda
(1845) propunha a oração: “Oh! eu vos peço, fortalecei o meu espírito com viva fé, firme

159
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 20 exercícios espirituais de Lanzo, 18 de setembro de 1875, páginas
7-8.
160
A chave do paraíso..., páginas 20-23, OE VIII 20-23.
161
Vida de São Pancrácio mártir .... Turim, tipografia de João Batista Paravia e companhia. 1856, páginas 35
e 11, OE VIII 229 e 205.
162
[JOÃO BOSCO], Esboços históricos sobre a vida do clérigo Luis Comollo..., página 34, OE I 34.
esperança, e inflamada caridade, a fim de que, desprezando o mundo, eu pense somente em
amar e servir o meu Deus”163; Dois anos depois , propunha o mesmo no Jovem
instruído164. Contando os inícios do ministério de Pedro, vigário de Cristo, ele atribui ao
apóstolo “fé viva, humildade profunda, obediência pronta, caridade ardente e
generosa”165. Na prática da tríade teologal ele repõe ainda mais o traço excepcional da
vida espiritual de Domingos Sávio: “poder-se-ia também chamar coisa extraordinária a
vivacidade de sua fé, sua firme esperança e sua inflamada caridade e a perseverança no
bem até seu último suspiro166.
A caridade ocupa um lugar de excelência, como aparece no límpido caminho de
santidade, no qual anda Domingos Sávio. Preocupar-se com os pequenos e grandes
problemas do próximo, saber viver alegremente em comunhão com os companheiros,
crescer na convivência e na amizade é o primeiro mandamento de vida na “casa” dos
jovens de Dom Bosco, seja qual for sua conotação institucional: “Honrem e amem seus
companheiros como irmãos”; “amem-se todos uns aos outros como diz o Senhor, mas
cuidado com o escândalo”167. Aí brilham todos os elementos de uma convivência operosa e
alegre, onde a benevolência e a “cortesia” dos “superiores” encontra-se com a confiança
dos alunos. Sobre as relações individuais domina a vida comunitária em seu conjunto.
“Fazer família”, viver vida “associada” é o objetivo fundamental168.
A caridade alimenta-se e consolida-se no exercício das boas obras, por obrigação
ou por escolha. No oratório e no colégio, os mais maduros ajudam os menores e orientam
os novatos; além disso, também dom Bosco adota o sistema dos decuriões ou chefes e vice-
chefes na sala de estudo e na mesa169. Em 1854 um grupo de trinta meninos dispõe-se a
dar assistência no bairro às vítimas do cólera170. É intensa e freqüentemente inculcada a
caridade simples, cotidiana, das relações fraternas, do respeito recíproco, da cordialidade,
da amizade, da cortesia, das boas maneiras. A experiência vivida torna-se intencional
“pedagogia narrativa” nas clássicas biografias de Domingos Sávio171 e de Miguel
Magone172. Miguel Magone condivide os brinquedos com os tímidos ou incapazes, consola
os tristes, presta serviços materiais aos que estão em dificuldade, assiste doentes, acalma
os sedentos de vingança173. O regulamento para as casas recomenda: “Todo jovem

163
O devoto do Anjo da Guarda. Turim, tipografia Paravia e companhia 1845, página 71, OE I 157.
164
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 124, OE II 304.
165
JOÃO BOSCO, Vida de São Pedro...,página 65, OE VIII 357; Cfr ainda JOÃO BOSCO, O mês de maio...,
página 152, OE X 446.
166
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio...,página 93, OE XI 243.
167
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo IX Comportamento com os companheiros,artigos 1-
2, página 77, OE XXIX 163.
168
A este tema será dedicado o capítulo XV.
169
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo VI, artigo 17, página 72, OE XXIX 168.
170
História do Oratória de São Francisco de Sales, BS 6 ( 1882) número 2, fevereiro , páginas 30-34.
171
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio..., capítulos XII Episódios e boas maneiras nas conversa
com os companheiros e XXI Sua solicitude pelos doentes, páginas 57-62, 102-104, OE XI 207-212, 252-254.
172
No capítulo VII da biografia de Magone fala-se de “amigável ligação” com os companheiros e de “gestos
de cortesia próprios da civilidade e da caridade” ( JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel
Magone..., páginas 34 e 38, OE XIII 188 e 192).
173
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., páginas 47-53, OE XIII 201-207, capítulo
X Belos gestos de caridade com o próximo.
recebido nas nossas casas deverá considerar seus companheiros como irmãos, e os
superiores como aqueles que fazem a vezes de seus pais”174.
Por outro lado, a comunidade dos educadores e dos alunos é por si mesma,
educação à caridade perenemente em ato. Todos, jovens e adultos, são impelidos por Dom
Bosco, como Domingos Sávio, a tornar o brinquedo, a aula, as ocupações, a convivência
cotidiana um ambiente de auto-educação à caridade e à amizade apostólica175.
A caridade expressa-se em mais alto nível no bom exemplo e no zelo apostólico
Tinham sido já dedicadas várias páginas da narrativa A força da boa educação a este
assunto. O protagonista, Pedro, antes defende-se de companheiros pouco confiáveis,
depois, no campo de trabalho, no recreio, no quartel, consegue fazer-se estimar e muitas
vezes, é também ouvido176.
Uma explícita pedagogia vivida e refletida da caridade apostólica é delineada,
quase em forma sistemática, nas biografias juvenis de 1859 a 1864. Ela aparece aí como
parte essencial de uma pedagogia da salvação177.
É também insistentemente proposta aos jovens a mortificação. A “pedagogia’
relativa é explicitamente desenvolvida nas conhecidas biografias juvenis178. Geralmente
não são aconselhadas mortificações extraordinárias, mas as que são impostas pela vida e
aceitas com amor, “a diligência no estudo, a atenção na aula, obedecer aos superiores,
suportar os incômodos da vida tais como o calor, o frio, o vento, a fome, a sede”, “sofrer
por amor de Deus”; e, evidentemente, a luta contra as tentações, a vigilância, a “guarda
dos sentidos externos e especialmente dos olhos”179. Ela é particularmente inculcada com
relação à virtude da castidade, como veremos mais adiante.
Neste quadro, bastante simples, Dom Bosco recebe também um aspecto típico da
tradição educativa católica: a “boa educação”, as boas maneiras, a “civilidade, que de
Erasmo a João Batista de la Salle foi sempre considerada como condição indispensável
para uma sólida educação moral. É questão de limpeza, ordem, fuga da grosseria,
obstáculo à mesma “pureza”. “A limpeza deve estar muito a peito. A transparência e a
ordem interior indicam limpeza e pureza da alma”180.

174
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo II Da aceitação, artigo 5, pagina 61 OE XXIX 157;
Cfr capítulo IX Comportamento com os companheiros, páginas 77-78, OE XXIX 173-174.
175
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio...,capítulo XI Seu zelo pela salvação das almas, páginas
53-56, OE XI 203-206.
176
A força da boa educação, páginas 18-20, 35, 47-48, 55-62, 75-80, OE VI 292-294, 309, 321-322, 329-336,
349-354.
177
Sobre a importância teológica e pedagógica atribuída por Dom Bosco ao apostolado, como veículo e
expressão de maturidade humana, insiste ALBERTO CAVIGLIA, domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo,
livro III, capítulo II Vocação de santo: o apostolado, páginas 129-142, e capítulo III O apostolado em ação,
página 143-156.
178
Cfr. Os capítulos XV e XIII, XXIII, respectivamente da Vida do jovem Domingo Sávio, capítulo XV Suas
penitências, páginas 72-75, OE XI 222-225; E do Pastorzinho dos Alpes, capítulos XIII e XXIII com os
relativos títulos, Mortificações- Penitências- Guarda dos sentidos- aproveitamento na aula e na sua
penitências, páginas 68-74 e 119-124, OE XV 310-316 e 361-366.
179
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., páginas 120-121, OE XV 362-363.
180
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo XI, artigo 1, página 80, OE XXIX 176; Cfr capítulos
X e XI, Da modéstia e Da limpeza,páginas 78-81, OE XXIX 174-177.
2. A “virtude rainha”: a castidade e a sua pedagogia

“Virtude rainha”, “que protege todas as outras”, é a castidade, a mais


ambicionada, defendida, protegida e cultivada. Dom Bosco insiste nela com evidente
inquietação e comportamento fortemente protetor. Na realidade, sem castidade, mente e
coração se fecham a qualquer solicitação ao bem a à graça, e também a uma produtiva
ação de crescimento.
A ação por ele praticada e recomendada inclui, sobretudo, a atenta purificação do
ambiente, a retidão “moral” de todos que trabalham, e exemplaridade dos educadores.
Acima de tudo à “moralidade” de assistentes, professores, chefes de oficina Dom Bosco
dedica inumeráveis advertências e admoestações, particularmente significativas quando
inseridas em textos pedagógicos de importância, como as Lembranças confidenciais aos
diretores e as páginas de 1877 sobre o “sistema preventivo”. Documento programático
pode ser considerada a circular aos salesianos de 5 de fevereiro de 1874 Do modo de
promover e conservar a moralidade entre jovens que a Divina providência se compraz
em confiar-nos. O “modo” era individuado, em primeiro lugar, na exemplaridade dos
educadores, sal e luz. A castidade devia ser possuída, praticada, feita resplandecer nas
obras e nas palavras181. Insistências idênticas são reservadas aos religiosos salesianos
educadores nas Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales e na Introdução a
elas, quando trata do voto de castidade182. Quanto aos jovens, a educação à virtude da
castidade prevê, em geral, dois momentos: preliminar ou curativo e construtivo.
A primeira fase é considerada largamente indispensável, a partir do momento em
que a inocência conservada aparece a Dom Bosco como um ideal raro entre crianças e
adolescentes. Domingos Sávio é disto um exemplo excepcional, quando recusa
decididamente o convite de companheiros menos delicado a banhos sem pudor183.
Segundo uma interpretação severa da “gravidade da matéria” e das
responsabilidades daqueles que atingiram o uso da razão, a maioria dos jovens segundo
Dom Bosco, são precoces penitentes. “Acontece a muitos jovens - afirma na primeira
oração fúnebre a José Cafasso - que por causa do infeliz encontro com maus
companheiros, ou pelo descuido dos pais e, muitas vezes ainda, pela sua índole infiel à
boa educação, desde a mais tenra idade tornam-se presa infeliz do vício, perdendo
assim o inestimável tesouro da inocência, antes de ter-lhe conhecido o valor e tornando-
se escravos de satanás, sem ter podido ao menos saborear a doçura dos filhos de
Deus”184. Besucco confidenciava ao seu diretor espiritual: “eu estou muito angustiado.
O Senhor diz no evangelho que não se pode ir para o céu se não com a inocência ou
com a penitência. Com a inocência eu não posso mais ir, porque a perdi; portanto é
preciso que eu vá com a penitência”185. Como a maior parte dos contemporâneos de

181
E II 347-348.
182
Cfr. Constituições SDB 108-111; PEDRO BRAIDO, Traços de vida religiosa salesiana no escrito “Aos
sócios salesianos’ de Dom Bosco de 1875, RSS 13 (1994) 375, 412-414, 439-443; IDEM, Traços de vida
religiosa..., de 1877/1885, RSS 14 (1995) 108, 135-137.
183
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio..., páginas 23-26, OE XI 173-176. Alberto Caviglia escreve
com ênfase de O lírio salesiano; é o capítulo V de Domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo, páginas 209-217.
184
JOÃO BOSCO, Biografia do Padre José Cafasso..., página 12, OE XII 362.
185 185
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., página 120, OE XV 362.
análogos ambientes católicos, Dom Bosco vê e avalia a realidade e os problemas em
uma prospectiva essencialmente moral, partindo do pressuposto de que o garoto, a
partir da idade da razão, “sabe” e “quer” livremente, é fortalecido pela graça, e
portanto está em grau de enfrentar “com plena advertência e deliberado
consentimento”, o novo relacionamento com a sexualidade. Não são levados em
consideração condicionamentos biológicos, fisiológicos, psicológicos, conscientes ou
inconscientes, menos ainda as patologias.
Resolvido o problema “curativo”, as indicações construtivas se põem na
confluência de moral, ascese, recurso à graça. Capital e inteiramente condicionante é a
“fuga”- das ocasiões, do ócio, das más conversas e dos maus companheiros, da
familiaridade com as meninas e destas com os meninos-, portanto, a “guarda dos
sentidos”, a temperança, a mortificação186.
No Esboço biográfico de Miguel Magone Dom Bosco faz um abundante inventário
do arsenal de meios preventivos e terapêuticos de caráter ascético e religioso, os sete
“soldados” da castidade187. A “súmula” pedagógica para a defesa e a conservação da
castidade, muitas vezes simples e difícil “continência”, é enriquecida com a terapia dos
maus pensamentos, o chamado de atenção para ideais de vida jovem e generosa, a
confiança na graça, a “modéstia”188.
Naturalmente primária importância educativa e reeducativa é atribuída, sobre
todos, aos meios sobrenaturais: os sacramentos da penitência e da comunhão, a
devoção à Virgem, a oração.
Nas crônicas do ano 60 e, mais ainda, nas do Padre Barberis dos anos 1875-1879,
são registrados variados resumos de sermões noturnos e de conferências dedicadas ao
tema da castidade: importância, modelos, perigos, entre eles as férias, escândalos,
meios. A “prevenção” não está isenta de indicações praticamente “repressivas”,
inclusive realistas ameaças de “expulsões”. Não parece haver muito espaço para uma
específica iluminação e educação ao “amor humano”.

3. Pedagogia da escolha vocacional

Para Dom Bosco, a escolha do “estado de vida” não pode ser deixada ao
arbítrio individual. É, em sua raiz, uma “vocação”: Deus chama. Ela, portanto, é, antes
de tudo, uma descoberta e uma resposta. Deve ser, portanto, educada, dentro do
inevitável “triângulo”: Deus, o educador, ele e a comunidade, o jovem, que ele deve
habilitar a ver nos “sinais”, o desígnio de Deus sobre ele. “Enquanto temos tempo,

186
Cfr. Os seis domingos e a novena de São Luís Gonzaga. Turim, tipografia Speirani e Ferrero 1846, páginas
18-19, 20; Esboços históricos da vida do clérigo Luis Comollo...,páginas 6-7, 21-22, 34-35, OE I 6-7, 21-22,
24-35; JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 20-26, OE II 200-206. As últimas são propostas como
estréia ou como tema de outras palestras aos jovens durante o ano e a dois diretores salesianos de colégios,
Padre Bonetti e Padre Lemoyne, em cartas de 30 e 31 de dezembro 1868, Em II 617-618.
187
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., capítulo IX Sua solicitudes e sua práticas
para conservar a virtude da pureza, páginas 43-47, OE XIII 197-201.
188
Cfr. Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo X Da modéstia, páginas 78-80, OE XXIX 174-
176.
peçamos ao Senhor que nos ensine o caminho pelo qual devemos andar”189. De
dezembro de 1864 (dias 5, 10, 12) é uma série de palavrinhas noturna aos jovens do
Oratório sobre os meios para descobrir a vocação, reduzidos a três principais: a prova
das boas obras, o testemunho dos outros, o parecer positivo do confessor190.
Dramática é a vicissitude vocacional - vocação eclesiástica - delineada na
narração biográfica Valentim ou a vocação impedida. Nela são descritos, em capítulos
distintos, três momento cruciais: o nascimento em ambiente educativo favorável, as
dificuldades, a demolição e a dissolução, com a ruína moral do protagonista191. No V
capitulo encontra-se também um amplo arrazoado sobre os “sinais”, muitas vezes
ilustrados por Dom Bosco a jovens educadores: a probidade dos costumes, a ciência, o
espírito eclesiástico192. Não falta o costumeiro aviso sobre as necessárias “renúncias” e
a firme vontade de “promover a glória de Deus, conquistar-lhe almas e, antes de tudo,
salvar a própria”193.
O discurso sobre a vocação assumia proporções mais vastas com o rápido
desenvolvimento da Congregação e o advento do projeto “missionário” nos anos 70 e
80. Exemplar é a palestra noturna de 7 de dezembro de 1875, na qual Dom Bosco havia
feito aos jovens uma longa prestação de contas da partida dos primeiros
“missionários” de Gênova. “Naturalmente – prosseguia ele - muitos voluntários sentem
neste momento grande desejo de partir e ir para as missões; pois bem, eu posso dizer-
lhes, se todos quisessem ir, haveria lugar para todos e eu saberia muito bem onde
ocupá-los, tão grandes são as necessidades e tantos os pedidos que eu recebo de todos
os lados, de bispos que realmente suplicam e que nos dizem que várias missões já
começadas devem ser fechadas por falta de missionários. Mas, por ora comecem a
preparar-se com a oração, com o bom procedimento, sendo missionários uns para os
outros através do bom exemplo; depois, também com o estudo, cumprindo alegremente
bem seus deveres de estudo e de aula; depois vocês verão que, com a ajuda do Senhor,
poderão conseguir suas aspirações, amados pelo Senhor e pelos homens194.
Para iluminar e “educar” os jovens à “escolha” destinam-se inumeráveis
palestras aos jovens, a noviços e pós-noviços, conferências aos salesianos,
particularmente aos diretores, sobretudo nas anuais conferências de São Francisco de
Sales, as intervenções nos Capítulos Gerais. Nas reuniões de salesianos com maiores
responsabilidades Dom Bosco faz-se, também nisso, educador dos educadores. Para
cultivá-las, atraindo os jovens, são repetidamente recomendadas a “caridade” entre os
educadores e a “amorevolezza” com os jovens, em uma palavra, a fiel prática do

189
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 5 de dezembro 1864, páginas 38-39; cfr.
DOMINGOS RUFFINO, Crônicas do Oratório de São Francisco de Sales número 1 1860, página 11, 28;
Crônicas...número 2 1861, páginas 22-23.
190
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 5 de dezembro 1864, páginas 38-39; do
testemunho dos outros fala aos jovens na noite de 10 de dezembro de 1864, páginas 40-41 (os familiares,
porém, poderiam ser maus conselheiros páginas 43); do confessor trata na noite de 12 de dezembro páginas
44-46; ao mesmo tema volta na noite de 5 de março de 1865, página 114.
191
Cfr. JOÃO BOSCO, Valentim..., capítulos V A vocação (páginas 25-29, OE XVII 203-207), VI As
dificuldades (páginas 29-34, OE XVII 207-212, VII Um guia fatal (páginas 35-40, OE XVII 213-218).
192
JOÃO BOSCO, Valentim..., páginas 26-39, OE XVII 204-207.
193
JOÃO BOSCO, Valentim..., página 29, OE XVII 207.
194
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 3bis, página 36.
sistema preventivo”195. Aos jovens, depois, estudantes e artesãos, são repetidas as
costumeiras indicações sobre os “sinais”, com a prospectiva de ampla autorealização
pessoal no antigo e novo mundo196.

4. A pedagogia dos “novíssimos”

Um peso todo particular tem na educação para o compromisso operoso a


prospectiva dos “novíssimos”: morte, juízo, inferno, paraíso. É caminho privilegiado de
severa educação ao temor e ao amor de Deus, rico de dinamismo e de empreendimento. O
“temor virtuoso” pode partir, não raramente, do “medo”, do temor servil, mas evolui
rapidamente e intencionalmente para o temor filial “inicial”, princípio de sabedoria,
“caminho da graça e do amor”.
A “pedagogia” dos novíssimos é muito natural para Dom Bosco, realidade vivida
pessoalmente com a consciência das sobre-humanas responsabilidades sacerdotais em
ordem à “salvação” dos outros, condição da própria. A sua pregação sobre os novíssimos,
portanto, não podia ser senão um convincente testemunho de vida antes, para ser, depois,
palavra, aviso, admoestação. As realidades últimas o envolvem, em amor e temor cristão,
antes de tudo ele mesmo. Disto é tocante testemunho, além de tantas outras, uma página
redigida já no ocaso de sua existência terrena. “Sei que vocês, amados filhos,- escreve nas
Memórias de 1841 a 1884,5,6 – me amam, e este amor, esta afeição, não se limitem a
chorar depois da minha morte. Recomendo a vocês de rezarem, fazerem obras de
caridade, mortificações, santas comunhões, e isto para reparar as negligências cometidas
no fazer o bem e no impedir o mal. Suas orações se voltem para os céus com uma intenção
especial para que eu encontre misericórdia e perdão desde o primeiro momento em que eu
me apresentar diante da tremenda majestade de meu Criador”39.
O discurso, ainda que intensíssimo sobre os “novíssimos”, não nasce de uma
desvalorização da vida temporal e das realidades terrenas. Pelo contrário, estas são as
moedas com as quais se adquire uma vida feliz no tempo e na eternidade. Todavia, é
evidente que para a eternidade, incomensuravelmente mais importante, Dom Bosco quer
atrair a preocupada atenção dos jovens: eternidade cheia de Deus, plena de felicidade,
o paraíso, ou a eternidade de condenação, de infelicidade, o inferno. A morte com o
juízo são sua porta: momento do qual depende a eternidade, alegre ou dolorosa.
Desta preocupação surge aquela “preparação” e “meditação” da morte, que é a
prática mensal do exercício da boa morte40, idealmente repetido enumeráveis vezes,

195
Cfr. Por exemplo, JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 19, instruções no exercícios espirituais de Lanzo,
13 e 14 de setembro de 1875, páginas 1-14; JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 14, conferencias para o
Oratório, 4 de fevereiro de 1876, páginas 42-45; 19 de março de 1876, páginas 63-66; JÚLIO BARBERIS,
Atas do Capítulo Superior, caderno II, em Alassio, 7 de fevereiro de 1879, páginas 73-76.
196
Cfr. Por exemplo, JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 5, Palavrinhas noturnas, 15 de março de 1876,
página 19; caderno 6bis, Aos artesãos, 31 de março 1876, páginas 14-17; JÚLIO BARBERIS,Crônica,
caderno 3, 13 de maio de 1877, páginas 1-4.
39
FRANCISCO MOTTO, Memórias de 1841 a 1884,5,6..., RSS 4 (1985) 126.
40
As clássicas orações para tal prática foram por ele introduzidas, a partir já da edição de 1847, no O jovem
instruído ( páginas 138-143 OE II 318-323). Particularmente, podia sacudir e desconsertar a Oraçao para a
boa morte, citada também por J. DELUMEAU, O medo no Ocidente (séculos XVII e XVIII) uma cidade
como as informações sobre as doenças mortais e mortes previstas ou repentinas,
exortações, predições. Nisso, Dom Bosco adere, se possível acentuando-a, àquela
“pastoral do temor”, difundida na secular cura de almas cristã. Para aí confluem
reminiscências catequéticas, eco de advertências maternas, sermões paroquiais,
pregações de missões populares, meditações de seminário, conselhos de confessores e
diretores espirituais, conforme os cânones mais conhecidos da religiosidade
tradicional41.
Por vários anos, entregando, em 31 de dezembro, as lembranças ou a estréia para o
ano novo, Dom Bosco retoma a advertência “augural” de dezembro de 1861:
“Conservemo-nos todos preparados, para que a morte, surpreendendo-nos pelas costas,
nos encontre preparados para partir tranqüilos para a eternidade”42. entre o fim do ano
solar e o fim da vida terrena – os “novíssimos” – é estabelecido uma ligação
indissolúvel.
Sobre o tema dos “novíssimos” Dom Bosco pedia aos educadores a máxima
franqueza na pregação e nas várias formas de guia espiritual dos jovens. Ele, por
primeiro, era também nisto mestre incomparável. Disto são testemunhas escritos e
“lembranças”; os sermõezinhos noturnos de fim de ano, várias estréias, os bilhetinhos
individuais, as escritas espalhadas pelos muros dos pórticos do Oratório. Em alguns
contextos, por exemplo, nas biografias juvenis, é privilegiado o pensamento do céu;
noutros é despertado com gravidade e responsabilidade o domínio da morte43 e a não
abstrata possibilidade da impenitência final e do inferno.
Em uma das costumeiras novenas de Nossa Senhora, Dom Bosco podia dizer com
naturalidade: “As novenas da mãe celeste são dias de propiciação e de salvação, e ai
daqueles que não aproveitarem. Eu espero, antes, estou certo de que dezenove sobre
vinte dos meus filhos tirarão proveito e de que a boa mãe os acolhera no céu; e os
outros que não quiserem aproveitar a ocasião, saibam que as chamas eterna do inferno
os esperam, se não se converterem”44. “Ah!, meus caros filhos, quem tem tempo não
espera tempo...Enquanto temos tempo....todos nós temos que fazer uma grande viagem.
Irá para a casa de sua eternidade. Preparemo-nos portanto para essa grande viagem”45.
A “pedagogia dos novíssimos” de Dom Bosco é confiada também a muitos
“sonhos”, que relembram o drama da salvação e das responsabilidades pessoais diante
desta. Particularmente significativos são a “prestação de conta” feita pelos jovens
diante de Cafasso, Pellico e Cays, a subida para o paraíso, a subida das dez colinas, o
caminho da perdição. São diversas “figuras” daquele árduo itinerário para a salvação

sitiada. Paris, Fayard 1878, páginas 25-27: havia escutado recitá-la no colégio salesiano de Nice, onde entrou
ainda adolescente.
41
Cfr J. DELUMEAU, O pecado e o medo: a culpabilidade no Ocidente (séculos XIII-XVIII). Paris, Fayard
1983, 741 páginas. Deste como do livro citado na nota precedente, viu também a edição italiana:
respectivamente, O pecado e o medo (Bologna, Il Mulino 1987, 1008 páginas) e O medo no Ocidente (Turim,
SEI 1989, 648 páginas).
42
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), páginas 3-4.
43
Morrer em idade jovem não era coisa rara em tempos de alta mortalidade infantil e juvenil. Os meninos do
Oratório já tinham tido experiência disso na família ou na terra natal, renovada muitas vezes durante o ano
também no Oratório.
44
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 2 de dezembro de 1864, páginas 34-35.
45
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, Boa-noite de 5 de dezembro de 1864, página 40.
que é a peregrinação terrena de cada homem, através do sangue, da água e do fogo. De
um modo ou de outro, os jovens são chamados a “acertar suas contas”, não sem visíveis
manifestações de ânsia e geral recurso à confissão46. O Atravessamos o mar duvidoso,
cântico introduzido nas últimas edições do Jovem instruído, é ilustrado em outro sonho,
extremamente simbólico da vida como agitada e perigosa navegação sobre uma
jangada em uma vasta extensão inundada pelas águas, contado aos jovens em primeiro
de janeiro de 1866. O sexto e o sétimo mandamento são os que correm mais riscos. Dom
Bosco estimula à docilidade e à obediência47. Ao último irreversível naufrágio se refere
o sonho do inferno, contado em 3 de maio de 1868, transmitido pelo secretário Joaquim
Berto. No “lugar do eterno suplício” “chegam precipitados jovens que ficam como
petrificados. Escuta-se o grito: Erramos, insensatos que fomos”. Não foram ainda
condenados, mas sê-lo-iam se morressem naquele momento. Dom Bosco vê escrito:
Sexto mandamento. Estão em “risco de inferno” também aqueles que são apegados aos
bens terrenos, os desobedientes, os soberbos, as vítimas do respeito humano48.
Nisto convergem, além dos “sonhos”, as muitas predições de mortes. Destas
predições estão repletas as crônicas dos primeiros anos da década de 60 de Ruffino,
Bonetti, Lemoyne, este último o mais atento em conduzir complicadas verificações e
estabelecer cumprimentos. Ás vezes, Dom Bosco, mais do que atento à psicologia
juvenil, parece solícito da utilidade espiritual das almas, segundo o princípio
claramente enunciado: “quando uma coisa redunda a bem das almas, é certo que vem
de Deus e não pode vir do demônio”, ao que acrescenta o triunfal anúncio: “tenho uma
ótima notícia para lhes dar: o demônio leva a pior nesta casa, e se continuarmos assim,
ele entra em bancarrota”49. Em várias ocasiões justificará o seu modo de proceder,
como um “dever” que ele cumpre para a salvação dos jovens50. “temor salutar”,
seriedade, responsabilidade, caracterizam, portanto, a “pedagogia dos novíssimos”,
insistentemente praticada com os jovens, em linha de princípio ela não tende a criar
angústia, ainda que as insistentes predições de fato as provocam. Dom Bosco sabe disso
e, ás vezes, justifica-se por exemplo, na palestra noturna de 16 de março de 1865, que
não foi o único: “Quando eu vier aqui anunciar que alguém vai morrer, por caridade
falem-me porque alguns ficam muito apavorados com estas notícias e escrevem as
parentes que os tirem do oratório porque Dom Bosco anuncia sempre que alguém vai
morrer. Mas vejam, se eu não tivesse anunciado, Ferraris se teria preparado tão bem
para se apresentar ao tribunal de Deus? (...) Àqueles que têm tanto medo da morte, eu

46
DOMINGOS RUFFINO, Crônicas do Oratório de São Francisco de Sales número 2 1861, boa-noite de 31
de dezembro de 1860, páginas 2-6; JOÃO BONETTI, Memória de alguns fatos..., páginas 65-69;
DOMINGOS RUFFINO, Crônicas do Oratório de São Francisco de Sales número 2 1861, boa-noite de 12 e
15 de janeiro de 1861, páginas 6-8, 13; DOMINGOS RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, boa-noite de 7 de
abril de 1861, páginas 2-22; JOÃO BONETTI, Anais I, páginas 17-34; JOÃO BATISTA LEMOYNE,
Crônica 1864ss, boa-noite de 22 de outubro de 1864, páginas 4-8.
47
Um breve fragmento em JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, página 157; desenvolvido em
Documentos e em MB VIII 275-282.
48
JOAQUIM BERTO, Crônica 1868-2, páginas 9-20.
49
DOMINGOS RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, boa-noite de 17 de fevereiro de 1861, páginas 14 e 15.
50
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), Sermãozinho na noite de 25 de abril de 1862, páginas 68-69;
DOMINGOS RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, boa-noite de 11 de janeiro e 4 de fevereiro de 1864,
páginas 14-15; JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, boa-noite de 18 de dezembro de 1864, página
53.
digo: meus filhos, cumpram o seu dever, não tenham más conversas, freqüentem os
sacramentos, não sejam gulosos, e a morte não lhes meterá medo”51.

5. Educação para a esperança e para a alegria

Este tipo de educação, sem dúvida problemático em certas modalidades, tendia a


tornar habitual um itinerário de vida efetuado sob o signo do “Deus te vê”. É um Deus, ao
mesmo tempo pai e juiz, grande no amor e exigente, encorajador guarda dos méritos e
onipresente punidor das culpas. É teologia popular, condensada no “conselho” para as
férias dado na palestra noturna, já citada, de 21 de agosto de 1877 a estudantes e artesãos
do Oratório. O “temor salutar” era, numa palavra, assumido no amor, expresso no
abandono a Deus, Pai misericordioso. “Não se pode considerar o Senhor só como justiça,
cruel, inflexível – assegurava Dom Bosco -; não, antes, ele é todo misericórdia, bondade,
amor e como deve espantá-lo quem o ofende; assim deve estar contente quem pode dizer de
si mesmo: não tenho nada que me pesa na consciência. A este eu digo: vá dormir
tranqüilo, fique alegre no recreio, viva feliz. Se aquele que está em harmonia com Deus
deve levar vida feliz, aquele que não pudesse dizer que está com a consciência limpa, deve
temer que Deus não lhe tire o tempo”52. Para o responsável deviam surgir depois
sentimentos de compromisso, radicais sentimentos de esperança e de alegria.
Segundo a simples fé tradicional à qual Dom Bosco adere, vida e morte são eventos
com os quais é preciso, de fato, fazer as contas, como o bem e o mal, o premio e o castigo,
o paraíso e o inferno, fontes respectivamente de legítima esperança e de salutar temor.
Nesta ótica, para os bons se fala, portanto, de esperança, de felicidade eterna e de
justificada, ainda que precária, alegria terrena, naturalmente no compromisso do dever
cotidiano. Se alguém quiser a colheita deve primeiro semear, “semear coisas boas e
úteis”53.
O jovem, com efeito, é orientado para ter constantemente presente, além da morte,
a alegre prospectiva do paraíso, propiciado pela materna mediação de Maria, Virgem e
Mãe.54 A esperança de que Deus quer dar o paraíso se apóia sobre seguras garantias de
razão e de fé: ter recebido o batismo, viver na religião católica, poder dispor do
sacramento do perdão, a oportunidade de nutri-se da eucaristia, a mortificação cristã, a
prática da caridade, o sangue derramado por Cristo para a nossa salvação e felicidade
eterna55.

51
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, boa-noite de 16 de março de 1865, página 18.
52
JÚLIO BARBERIS, (G. Gresino), Crônica, caderno 3, boa-noite de 21 de agosto de 1877, página 12. cfr
ainda JÚLIO BARBERIS, (E. Dompè) Crônica, caderno 15, página 27.
53
JÚLIO BARBERIS, (G. Gresino), Crônica, caderno 3, boa-noite de quarta-feira, 7 de julho de 1875,
páginas 39, 43; igualmente já DOMINGOS RUFFINO, Os dotes grandes e luminosos..., janeiro 1864,
páginas 14-15.
54
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, palestra noturna durante a novena da Imaculada, 2 de
dezembro de 1864, páginas 34-35.
55
. G. REANO, ex-aluno do Oratório, carta-testemunho a Padre Bonetti, 2 de fevereiro de 1885, paginas 40-
42: reevocação de uma boa-noite de Dom Bosco durante uma novena de Maria Santíssima, em resposta à
pergunta Por que Deus quer dar-nos o paraíso?
A partir de 1863, O jovem instruído integrava a última linha da primeira edição –
“Vivam felizes, e o Senhor esteja com vocês” – com a conclusão: vivam felizes, e o santo
temor de Deus seja a riqueza de vocês por toda a vida”56, ulteriormente enriquecida na
edição de 1875: “O céu lhes conceda longos anos de vida feliz, e o santo temor de Deus
seja aquela grande riqueza, que os cumule de celestes favores no temo e na eternidade”57.
“Ah! Por amor de Jesus e de Maria prepare-se – esconjurava desde 1847 - com boas obras
para escutar a sentença favorável, e lembre-se de que, quanto mais espanta a sentença
proferida contra o pecador, tanto mais será consolador o convite que Jesus fará àquele
garoto que viveu cristãmente: venha, ele dirá, venha tomar posse da glória que eu lhe
preparei”58; “quanto mais amedronta o pensamento e a consideração do inferno, tanto
mais consola pensar no paraíso que lhe foi proposto”. “Oh! como é desejável e amável
aquele lugar onde se gozam todos os bens!”59.

6. Linhas de pedagogia “situacional” e “diferencial”

Está bem claro em Dom Bosco, desde os primeiros dois decênios da sua evolução
cultural e espiritual, a convicção que para qualquer itinerário de crescimento humano e
cristão é necessária no jovem a percepção da própria identidade pessoal e das próprias
reais potencialidade de recuperação e de desenvolvimento, sustentada por igual intuição
da parte do adulto que o acompanha. Com já foi visto, esta presença interativa constitui a
essência do seu “sistema preventivo”.
Não podem ter outro significado a classificação dos jovens em “renitentes, largados, e
bons”, e a diferença de tratamento que ele propõe, antes nos Esboços histórico, e, volta a
propor, para jovens colegiais, nos Artigos gerais do regulamento para as casas de 1877.
O primeiro é documento paradigmático e geralmente sem esperança. “Os largados –
explica -, isto é, aqueles já acostumados a rodar cá e lá, a trabalhar pouco, podem ser
recuperados com jeito, com assistência, com a instrução, e com o trabalho”. Não é, é
claro, o perfeito cristão, mas certamente o bom cidadão, o honesto trabalhador, o homem
moralmente e civilmente responsável e, talvez, um católico mais ou menos de missa
dominical. Para os renitentes, ao invés, só se pode prever resultados somente a longo
prazo. “Muitos criam vergonha na cara e passam a ganhar o pão honestamente, e já um
notável resultado no sentido de humanização, da recuperação de consistentes valores
temporais, potencial preparação para alguma adesão ao evangelho como ciência de vida
e, talvez, também de fé em Deus. De qualquer forma, resta firme uma “pedagogia da
esperança”: a semente lançada não ficará sem fruto; deixa-se espaço ao tempo e à graça:

56
JOÃO BOSCO, O jovem instruído.... Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Sales 1863, página
6.
57
JOÃO BOSCO, O jovem instruído.... Turim, tipografia e livraria do Oratório salesiano 1875, página 7, OE
XXVI 7.
58
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., página 43, OE II 223.
59
JOÃO BOSCO, O jovem instruído..., páginas 48-49, OE II 228-229.
“aqueles mesmos que sob vigilância pareciam insensíveis, com o tempo abrem espaço para
os bons princípios adquiridos que chegam mais tarde a produzir seu efeito”60.
Diagnósticos, prognósticos e “terapia” são impostos pelas experiências reais
sempre mais vastas. A experiência se alarga de um quadro “agreste” e até mesmo
“alpestre” (Besucco, Severino) a cenários urbanos e metropolitanos com prisões, praças e
lugares de corrupção; de limpadores de chaminés e garçons de aldeias ao mundo dos
moleques e dos renitentes; dos humildes e honestos camponeses perdidos em uma cidade
da qual não entendem nem a topografia nem a linguagem, aos meninos de rua, aos órfãos
e depois aos estudantes e artesãos necessitados de adequada formação cultural e
profissional. É a base de uma “pedagogia do possível”, diferenciada nos objetivos, nos
ritmos, nas providências e nos êxitos, dando lugar, necessariamente a uma concreta
espiritualidade juvenil”, não rígida, esquemática, monocolor.
Também nos escrito narrativos dos anos 50 são diferentes os modos, com os quais
os vários protagonistas iniciam seu caminho de recuperação: Luis nos diálogos VI e VII do
opúsculo Fatos contemporâneos expostos em forma de diálogo (1853), o anônimo da Vida
infeliz de um novo apóstata (1853), os jovens a ser atraídos “ou com promessas ou com
presentinhos”, como está no Esboço histórico (1854), os companheiros de quartel que se
aproximam do bom Pedro na A força da boa educação (1855), o jovem chefe de bandidos
recuperado por São João Evangelista lembrado na Vida dos sumos pontífices S. Lino, S.
Cleto, S. Clemente ( 1857).

7. Problemas adolescenciais não resolvidos

A análise, ainda que atenta, de tudo que Dom Bosco educador disse e fez, deixa a
impressão de que não pouco importantes problemas de vida juvenil foram apenas
acenados. A educação sócio-política é dada substancialmente em nível religioso e moral.
Em linhas análogas são resolvidos os problemas daquela que logo será chamada
“educação sexual”, a educação ao amor como preparação ao noivado e ao matrimônio61,
as intervenções em caso de “crises” adolescenciais de fé, dúvidas, sofrimentos, desânimo.
Entre os livros de dom Bosco, alguns apresenta situações difíceis produzidas pelo encontro
com os protestantes (por exemplo, o Severino ou aventuras de um jovem alpino, 1868) ou
com um corruptor (o Valentim ou a vocação impedida, 1866), mas não oferecem soluções
persuasivas.
São acenadas aqui duas situações de “crises” no duplo campo da fé e da “moral” e
sugestões dadas em algumas cartas de direção espiritual.

60
Esboços históricos..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 78-79.
61
A propósito de problemas sexuais no período da puberdade, Pedro Stella observa: “A gente poderia ser
tentado a afirmar que Dom Bosco e o seu tempo, incompreensivelmente, não conheceram e afrontaram
problemas ligado à maturidade sexual do jovem” ( PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da
religiosidade católica volume II, página 262). Instrutivas, ainda que ás vezes discutíveis, são as observações
contidas nas páginas sucessivas: Problemas particulares da educação entre puberdade e matrimônio (páginas
262-264).
Uma primeira indicação é dada por uma notícia de crônica deixada por Domingos
Ruffino, de fins de junho de 186262. Nela, Dom Bosco chama a atenção dos jovens
colaboradores sobre possíveis futuras crises juvenis no setor das práticas religiosas. Não
dá soluções, pensa somente que a lembrança do aviso, dado pelo educador, poderá fazer
bem no futuro.

“Precisa prevenir os jovens para, quando chegarem aos dezessete ou


dezoito anos: Olhe, chegará uma idade muito perigosa para você; o demônio
prepara laços para fazer você cair. Primeiro, lhe dirá que a comunhão freqüente é
coisa para crianças e não para gente grande, que basta comungar de vez em
quando. E depois procurará manter vocês longe das pregações e o fará se enjoar da
palavra de Deus. Quando acontecerem fatos graves: Você se lembra daquilo que eu
lhe dizia? Ah! É verdade! Esta lembrança fará bem”63.

Não menos decepcionante é a solução dada para a crise de fé de um


adolescente. O testemunho é confiável, Padre Miguel Rua, que registra o episódio
na sua crônica bastante curta. Ao pedido de um aluno artesão Dom Bosco tinha
consentido em, sua passagem para a secção dos estudantes. Devia ser jovem
efetivamente inteligente, ao seu modo “em busca”. Provavelmente, no momento não
encontrou ninguém com quem se abri.

“Depois de alguns meses de estudo, este jovem, surpreendido pelas


tentações, começou a duvidar da existência de Deus, do paraíso, do inferno etc..
Não contente de pensar assim consigo mesmo passou a confidenciar com os
companheiros suas dúvidas, o que não podia deixar de pôr em perigo quem o ouvia.
Dom Bosco veio a saber e logo encontrou o remédio para dissipar suas dúvidas.
Vindo um benfeitor do jovem para combinar com Dom Bosco a possibilidade de
aplica-lo exclusivamente ao estudo, Dom Bosco, na presença do jovem, disse que
era melhor por enquanto não determinar nada de estável, já que parecia que a
cabeça do menino não podia agüentar o estudo, e que estava vacilando. O jovem
percebeu então o erro, reconheceu o mal feito em dar azo as dúvidas que lhe tinham
vindo à mente, e ainda mais tê-las espalhado entre os companheiros; corrigiu-se,
levando de então para a frente vida fervorosa”64

O que impressiona, a propósito deste adolescente “verdadeiro”, não é tanto que se


fala da “proteção” da comunidade contra um elemento de transtorno, mas se cala a
respeito de alguma intervenção construtiva. Podia ser lacuna de um ambiente e de uma
mentalidade.

62
Lemoyne a atribui a uma crônica de João Bonetti, não encontrada. O texto do Padre Ruffino é mais breve e
enxuto do que o que se lê em MB VII 192.
63
DOMINGOS RUFFINO, Memórias 1862 1863, página 79.
64
MIGUEL RUA, Crônicas, página 6.
Parecem confirmar isto algumas cartas de “direção educativa”, destinadas, em
geral, a jovens de mais elevada condição social e cultural, nas quais voltam as indicações
dadas aos meninos do Oratório, sem distinções de idade. Também nesta, a “proteção” –
fuga, cautela, submissão – prevalece muito sobre a preocupação de entender, esclarecer,
positivamente construir.
Perguntado a respeito de seu parecer sobre alguns livros, Dom Bosco responde:
“Os livros não estão no Índice. Há porém neles algumas coisas demasiados perigosas para
a moralidade de um jovem; por isso enquanto você pode lê-los, deve estar atento sobre
você mesmo, e, se porventura acontecesse de causar dano ao seu coração, interrompa a
leitura, ou ao menos deixe de lado aqueles trechos que relativamente pode ser pergosos”65.
Ao mesmo jovem proporá mais adiante: “Fique atento com os maus companheiros e fuja
deles; procure os bons e imite-os. O maior tesouro é a graça de Deus: a primeira riqueza é
o santo temor de Deus”66. A outro jovem aristocrático como “lembrança fundamentais” da
os “três FFF: isto é: 1) fuga do ócio; 2) fuga dos companheiros que têm conversas
indecentes ou dão maus conselhos; 3) freqüentar a confissão e a comunhão com fervor e
com frutos”67. Outra vez se alegra com uma baronesa por ter escolhido um bom colégio
Mondragone: “lá os mestres, assistentes e diretores procuram o verdadeiro bem, o da
alma”68. Dois anos depois o jovem, Xavier, criará “preocupações”. Dom Bosco procurará
pegá-lo mandando-lhe um livro e propondo à mãe uma ulterior intervenção pessoal mais
direta: “se quiser, diga a ele que me escreva uma carta, pedir-me algum conselho, eu
procurarei por em ordem suas idéias; ele demonstrou comigo muita estima e muita
amizade quando estive em Roma; talvez uma voz nova poderá fazer-lhe bem”69.
Existe também um conselho matrimonial dado a uma “Nobilíssima Senhora”: não
deixarei de rezar apara que deus a ilumine para escolher aquela pessoa que melhor puder
ajuda-la salvar sua alma. De sua parte, porém fique atenta com a moralidade e religião do
indivíduo. Não olhe a aparência, mas a realidade”70.
Severo é o juízo sobre os potenciais perigos da educação familiar expresso em uma
carta ao advogado Colle di Tolone: “Diz-lhe-ei aqui em poucas palavras a essência das
coisas. O coração dos pais era demasiado agarrado ao seu único filho. Excessivas carícias
e cuidados: mas ele se conservou sempre bom. Se vivesse teria encontrado grandes
perigos, pelos quais teria sido arrastado ao mal depois da morte dos pais. Por isso Deus o
quis livrar dos perigos, levando consigo par ao céu, de onde, o quanto antes, será o
protetor de seus parentes e daqueles que rezaram ou rezarão por ele”71.

65
Carta a um rapaz de dezenove anos, nobre, Otávio Bosco de Ruffino, 11 de agosto de 1859, Em I 381-382.
66
Carta ao mesmo jovem Otávio Bosco de Ruffino, 9 de janeiro de 1861, Em I 433-434.
67
Carta a Gregório Garófole, um menino de quatorze anos interno no colégio jesuíta de Mongré (sul da
França), 1 de junho de 1866, Em II 252.
68
Carta à baronesa Cavalletti in Cappelletti, de 22 de outubro de 1866, Em II 305.
69
Carta a mesma baronesa de 25 de maio de 1868, Em II 536.
70
Carta a senhorita Bárbara Rostagno de 27 d e junho de 1874, E II 391.
71
Carta ao advogado Luis Fleury Colle, 22 de maio de 1881, E IV 55; O filho se chamava Luis Antônio, 22
de setembro de 1864 – 3 abril de 1881. Os dois cônjuges tornar-se-ão benfeitores de Dom Bosco e das obras
salesianas.
Capítulo 14

“ESTE SISTEMA SE APÓIA TODO NA RAZÃO, NA RELIGIÃO E NA


AMOREVOLEZZA”

Depois de ter percorrido as grandes linhas da “metodologia educativa” do “sistema


preventivo” de Dom Bosco, tentaremos nos capítulos que seguem, aprofundar suas
temáticas mais significativas. Primeiramente serão ilustrado os traços principais que estão
na base da mesma metodologia, dando-lhe um “estilo” específico. Em um capítulo
sucessível será individuada o ambiente e o clima comunitário que caracterizam os “lugares”
nos quais a assistência e a educação preventiva se desenvolvem. Outros dois capítulos são
dedicados a elementos que evidenciam dois típicos aspectos integrativos do “sistema”: a
festa, a alegria, o “tempo livre”, de uma parte; da outra, a seriedade da “regra” de vida, que
o preventivo, em certo sentido, condivide com o repressivo”. Cada capítulo, por isso, não
pode se considerado isoladamente. Cada um ilumina e amplia o conteúdo dos outros, os
quais, por sua vez, impedem que o conjunto seja limitado pela consideração setorial.
Isto vale sobretudo para a relevância pedagógica da comunidade educativa
concebida e vivida como família. A solícita “pressão” afetiva, racional, religiosa dos
educadores é ampliada por uma comunidade, vivida como convivência de jovens, amigos e
irmãos, antes entre eles do que com os “superiores”. Mesmo se Dom Bosco diz que “o
diretor é tudo”, e analogamente os educadores, na realidade o todo é representado por eles
para e com os jovens, que reivindicam, em alguma medida, seu indispensável co-
protagonismo.
O ambiente da festa e da alegria deveria, depois, fazer ir aos ares todo o esquema
metodológico que leve ao “fazer a cabeça”, individual e comunitário. Todavia, por sua vez,
o clima de alegria não dará lugar a uma comunidade festeira, família carente de objetivos
seriamente envolventes. Pensa nisto um capítulo sobre o “amor exigente” com tudo aquilo
que pode implicar também de vínculos e sofrimentos.
No presente capítulo é esclarecida a vertente “metodológica” que dom Bosco
declara vigas mestras do sistema: “este sistema se apóia todo na razão, na religião e na
amorevolezza”198.
Para uma análise mais atenta, sem dúvida, os três termos definem antes de tudo os
conteúdos da mensagem “preventiva”. Compreendidos em sua extensão mais completa, ele
indicam as dimensões capitais de uma plena humanidade cristã: os valores temporais, o
sentido “religioso” da vida, o mundo da afetividade sensível, espiritual, sobrenatural. Isto
foi feito nos três capítulos precedentes.
Mas, no discurso pedagógico explícito de dom Bosco, é posto em evidência
sobretudo o significado metodológico da três “palavras” fundamentais. Elas prefiguram um
conjunto orgânico e articulado de iniciativa, de intervenções, de meios destinados
unitariamente a promover o desenvolvimento do jovem, que se pretende envolver na obra
da própria maturação humana e cristã com o método da persuasão e do coração.
Seu caráter “motivante” e dinâmico é ulteriormente reforçado pelo “fundamento” ao
qual Dom Bosco se apóia, a verdadeira “rainha das virtudes”, a caridade: “A prática deste
sistema está toda baseada nas palavras de São Paulo que diz: A caridade é benigna, é

198
O sistema preventivo (1877), página 46, OE XXVIII 424.
paciente; tudo sofre, tudo espera, suporta tudo. Com ela, “Razão e Religião são os
instrumentos do qual deve constantemente se servir o educador, ensina-los, ele mesmo
praticá-lo se quiser ser obedecido e obter o seu fim”199.
Em substância, com as suas afirmações Dom Bosco pretende indicar aos educadores
quais devem ser suas qualidades, suas “virtudes”. Elas se reduzem a uma: a caridade
educativa, expressa metodologicamente na tríplice forma da razão, da fé, da
“amorevolezza”.

1. O educador, ele e a comunidade protagonista no processo pedagógico

A metodologia preventiva é toda confiada ao educador. Na descrição dos “dois


sistemas sempre usados na educação da juventude” pode-se perceber um peso diferente do
educador na constelação das três principais forças em campo: a lei, as prescrições, os
regulamentos – o superior, diretor, assistentes – os dependentes, os sujeitos, os alunos.
Paradoxalmente, resulta que no sistema repressivo a responsabilidade executiva é quase
toda do aluno; o superior – educador exercita, além da função de vigilância, sobretudo um
poder judiciário-punitivo. No sistema preventivo, todavia, o absoluto protagonista é o
educador, detentor da plenitude dos poderes, executivo, judiciário, punitivo, enquanto o
aluno é chamado a uma essencial execução cooperativa, um co-protagonismo subordinado.
Dom Bosco escreve e fala de “sistema preventivo” a operadores adultos. As duas
cartas datadas de Roma, redigidas por Padre Lemoyne sob inspiração do superior,
distinguem-se precisamente porque da substancia dos ônus e das obrigações “preventiva”
poder-se-ia e dever-se-ia tratar somente em uma delas, a que foi reservada, justamente aos
salesianos de Valdocco. O “sistema” é todo baseado neles, funciona ou não funciona se eles
carregam todo o seu peso e dele garantem a fecundidade.
Por isso ele são chamados a ser totalmente “consagrados” aos alunos, seus “pais,
irmãos, amigos”, em uma compartilha devida, idêntica à dos membros adulto da família.
Eles são pais/mães, irmãos e, a mais, amigos, com um acréscimo emotivo que ultrapassa a
própria família com ulteriores relações de superior qualidade, que atingem a interioridade
das consciências. Elas atingem o máximo nível na pessoa do diretor-pai-confessor.
O sistema, é, definitivamente, fundado sobre a razão, sobre a religião e sobre a
amorevolezza do educador – indivíduo e comunidade – e, através dele de todos os
elementos pedagógicos dos quais é cooperador ou mediador. Não se constrói sujeitos
maduros – nos valores de razão, religião e afetividade – se o educador não for, ele mesmo,
fim-valor e método segundo a razão, a religião e a afetividade. O educador é chamado a
apresentar-se operativamente como modelo, vivente e ativo de tudo aquilo que segundo
razão, religião, amorevolezza é válido em si e ao mesmo tempo é por ele tornado amável e
“atraente”, motivante, envolvente para o aluno. O educador tem para apresentar em forma
dinâmica com relação a todos os possíveis fins educativos, aquilo que Dom Bosco afirma
dele como “modelo de moralidade”. “Pode-se portanto estabelecer como princípio
invariável, que a moralidade dos alunos depende de quem os instrui, assiste, dirigi. Quem
não tem, não pode dar, diz o provérbio. Um saco não pode dar trigo, nem uma garrafa de

199
O sistema preventivo (1877), página 52, OE XXVIII 424.
água suja pode dar bom vinho. Daí, antes de propor-nos como mestres para os outros, é
indispensável que nós possuamos aquilo que queremos ensinar aos outros”200.
É natural portanto, que Dom Bosco fale do repressivo como sistema “fácil, menos
trabalhoso”. Do preventivo, ao contrário afirma “que da parte dos alunos é bastante mais
fácil, mais gratificante, mais vantajoso”, em quanto “da parte dos educadores encerrar
algumas dificuldades, que porém se tornam mais leves, se o educador se dedica com zelo à
sua obra”, todo “consagrado ao bem dos seus alunos”201.
Exigem-se portanto, educadores ricos de valores humanos, religiosos, afetivos, que
sejam para eles modelos, testemunhos, comunicadores com a vida, palavras, e obras. É
contínuo desgaste de energias ilimitadas, mas ao mesmo tempo “assédio” benévolo e
envolvente, do qual é difícil para o aluno escapar.

2. A unidade relacional do tríplice fundamento

Razão, religião, amorevolezza não são realidades contíguas, mas interrelacionais,


ainda mais interpenetradas uma na outra. E isto acontece tanto em nível de fins e de
conteúdos quanto de meios e métodos. No primeiro nível, eles constituem uma síntese
original dos elementos necessários para o desenvolvimento completo do jovem: físico,
intelectual, moral, social, religioso, afetivo. Em nível metodológico, põem em ação um
conjunto orgânico de intervenções apropriadas para envolver um jovem aluno nas suas mais
significativa potencialidades, mente, coração, vontade, fé, interativamente co-presentes.
A seriedade do compromisso moral e religioso – dever, “piedade”, viver na graça,
fugir do pecado – é proposta e promovida com base em relacionamentos e processos
racionais e amoráveis.
Por outro lado, a doçura da amorevolezza não é fraqueza, sentimentalismo,
esquisita sensibilidade, mas envolvimento emotivo constantemente iluminado e purificado
pela razão e pela fé.
Por sua vez o equilíbrio, a medida, a racionalidade dos regulamentos, das
prescrições das relações interpessoais são constantemente motivado e integrado pela
sinceridade da piedade religiosa e pela participação empática do educador ativamente
presente.
Se depois, em nível metodológico, se quisesse determinar qual dos três fatores deve
ser considerado principal, não pode haver dúvida sobre o primado da amorevolezza.
Naturalmente isso se refere aos significados que ela exprime, com este ou com outros
termos tais como mansidão, doçura, caridade, paciência, afeição. Efetivamente, a
amorevolezza é o princípio supremo e a alma do “método em preventivo”, como a religião
é, indiscutivelmente, o primeiro princípio e a alma do sistema, entendido como complexo
de fins, conteúdos, meios e métodos.
Sobre a centralidade do amor educativo concordam os estudiosos. Ele é caridade
inteligente e dedicação amorosa202; é autoridade do pai “que tem nas mãos o coração dos
filhos”, é “compenetração de almas”203. “Método do amor” definiu-o o pedagogista

200
Circular, já citada de 5 de fevereiro de 1874, E II 347.
201
O sistema preventivo (1877), páginas 46, 60, OE XXVIII 424, 438.
202
V. G. GALATI, São João Bosco. O sistema educativo. Milão- Varese. Instituto Editorial Cisalpino 1943,
página 152.
203
A. AUFFRAY, A pedagogia de São João Bosco. Turim, SEI 1942, páginas 83-84.
católico, Mário Casotti204. O salesiano alemão Nicolau Endres individuava no amor o fator
capital do método como relação fundamental entre educador e educando, força criativa
exemplar, guia eficaz ao mundo dos valores205.
A amorevolezza é “amor demonstrado”206, por isso amor afetivo e efetivo, testado
pelos fatos, perceptível e “percebido”. Na carta aos salesianos de Valdocco de 10 d maio de
1884, Padre Lemoyne interpretava felizmente as idéias de Dom Bosco. O amor é o
fundamento. “Mas isto não basta”. Falta alguma coisa educativamente decisiva: “que os
jovens não só sejam amados mais que eles mesmo saibam que são amados”. Não é ainda
suficiente. Este conhecimento será finalmente persuasivo, se se sentirem “amados naquelas
coisas que lhes agradam participando das suas inclinações”: estarão então disponíveis a
condividir com amor aquilo que o educador propõe, a disciplina, o estudo, em uma palavra
“os deveres”207.

3. A amorevolezza termo de muitos significados

No vocabulário italiano, familiar a Dom Bosco, a palavra amorevolezza não se


identifica com amor, nem indica a virtude teologal da caridade, pertencente ao mundo da
revelação cristã. O termo indica mais um cacho de pequenas virtudes relacionais ou atitudes
ou comportamentos entre pessoas, que se demonstram em palavras, gestos, ajudas, dons,
sentimentos de amor, de graça, e de cordial disponibilidade. É afeto, benevolência,
benignidade, solicitude de pais e mães, também espirituais para com os filhos; de homens e
mulheres reciprocamente: cônjuges, noivos, namorados, amantes, amigos; de protetores
para protegidos, benfeitores para com os beneficiados, com “amorevolezzas”; e
semelhantes.
Na linguagem religiosa a “amorevolezza”, indica o visível amor misericordioso e
aconchegante humano-divino de Cristo.
No uso do termo Dom Bosco assume, de fato, mais significados do vocabulário
corrente. Explicitamente ou com sinônimos, ele o entende e propõe em chave formalmente
pedagógica cristã, dentro do quadro da sua mentalidade e estilo inspirados no amor
assistencial-educativo, que é indissoluvelmente afetivo e efetivo. O educador, com as
palavras e mais ainda com os fatos, fará conhecer que a sua solicitudes são dirigidas
exclusivamente para vantagem espiritual e temporal de seus alunos”; “na assistência poucas
palavras, muitos fatos”208.
Amorevolezza indica em Dom Bosco “um complexo código de símbolos, sinais,
comportamentos”. É “o traço mediante o qual manifesta-se a própria simpatia, o próprio
afeto, a compreensão e compaixão, a co-participação na vida dos outros”209.

204
JOAO BOSCO, O método preventivo. Com testemunhas e outros escritos educativos inéditos. Introdução e
notas de Mário Casotti. Brescia, La Scuola 1958, páginas 49-59.
205
N. ENDRES, Dom Bosco educador e psicólogo. Munique, Editora Dom Bosco 1961, páginas 72-97.
206
PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 461-462, 471-472.
207
PEDRO BRAIDO, Duas cartas datadas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador...,
páginas 364-365, 368-369, 381-382. Os textos tirados da redação definitiva (páginas 381-382), longe do maio
romano, são idênticos àqueles já presentes nos dois manuscritos preparatório, redigidos na capital entre fim de
abril e início de maio de 1884.
208
Regulamento para as casas...,Artigos gerais, artigo 2 e 3, página 15, OE XXIX 111.
209
PEDRO STELLA, Dom Bosco e as transformações sociais e religiosas do seu tempo, no volume A família
salesiana reflete sobre sua vocação na Igreja de hoje.Turim-Leumanm, LDC 1973, página 162.
Ele resumia a riqueza deste significados na reinterpretação da lição que ele faz
acontecer no sonho dos nove anos: “Não com pancadas mas com a mansidão e com a
caridade deverás conquistar este teus amigos”210.
Ao redor do tema da amorevolezza entrelaçam-se, as “variações” do escrito sobre o
sistema preventivo. Fala-se de diretores e assistentes “que como pais amorosos falem,
sirvam de guia em qualquer oportunidade, dêem conselhos e amoravelmente corrijam”. “O
sistema preventivo torna amigo o aluno”, “afeiçoa de tal modo o aluno, que o educador
poderá de ora em diante falar com a linguagem do coração, tanto durante o tempo da
educação, quanto durante todo o processo posterior. O educador, uma vez conquistado o
coração de seu aluno, poderá exercer sobre ele um grande ascendente”. Por isso, “toda
noite, depois das orações ordinárias, e antes que os alunos vão dormir, o diretor, ou quem
por ele, dirija algumas palavras afetuosas em público”. Os êxitos corresponderão às
promessas: “O aluno será sempre amigo do educador, e lembrará sempre com prazer a
orientação recebida, considerando sempre seus mestres e superiores como pais e irmãos”14.
Mas antes e depois o termo está presente nas mais significativas situações: o
encontro15, o perdão16, a confissão17, a relação educativa18, o “sistema”19, a didática20, a
pastoral21, a convivência “familiar”22.
Ao termo “amorevolezza” há outros paralelos que ajudam a compreender seu valor
afetivo e efetivo, bem como sua manifestação: amor declarado23, coração, benevolência24,
afeição25, doçura, paciência26.

4. Religião e caridade, razão e amizade, fundamentos da amorevolezza


210
MO (1991) 35.
14
O sistema preventivo (1877), página 46, 50, 56, 60, OE XXVIII 424, 428, 438.
15
Escrevendo sobre o jovem ameaçado de ser posto fora da sacristia da igreja de São Francisco de Assis,
Dom Bosco diz: “O outro se aproximou tremendo e chorando por causa da surra recebida. Você já ouviu a
missa? disse-lhe eu com a amorevolezza que me foi possível” MO (1991) 121.
16
Exercício de devoção à misericórdia de Deus. Turim, tipografia Eredi Botta 1846/1847, página 75, OE II
145.
17
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico sobre o jovem Miguel Magone..., página 27 OE XIII 181.
18
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 14 bis, conferência aos diretores, 4 de fevereiro de 1876, página 45.
19
Carta ao príncipe Gabrielli, junho de 1879, E III 482. Relembrando a parada em Marselha, na casa dos
Irmãos das Escolas Cristãs em março de 1877, Dom Bosco contava ao Padre Barberis o que havia respondido
aos Irmãos que lhe perguntavam como fazia para atrair “a benevolência e a amizade de todos”: “Eu expliquei
a eles um pouco do nosso sistema preventivo, da amorevolezza etc., quando nos colégios se usa só o sistema
repressivo, com superiores sérios, carrancudos”(JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 11, página 69).
20
Carta ao Padre José Bertello, 9 de abril de 1875, E II 471.
21
Cfr. por exemplo, o discurso a sacerdotes ex-alunos, BS 4 (1800) número 9, setembro, página 11.
22
Carta ao bispo de Biella, 4 de março de 1852, Em I 156; JOÃO BOSCO, A força da boa educação...,página
74, OE VI 348; carta aos alunos de Lanzo, 3 de janeiro de 1876, E III 5.
23
Por exemplo, em cartas a educadores e jovens, E II 6, 53, 128 (1876), 447 (1879); IV 138 (1882).
24
E III 379 e 425 (1878), 525 (1879), 550 e 641 (1880).
25
Cfr. por exemplo, E II 328-329, 329-330, 331, 339, 343, 359, 361-362, 377, 378, 379 (1874); E III 5, 9, 42,
64, (1876); 380 (1878); IV 9, 35, 40, 55, 59 (1881), 248-249 (1883), 283 (1884).
26
F. X. EGGERSDORFER, Educação da juventude (Munique, Kösel 1962), a interpreta como “benevolência
afetiva” (páginas 239-241). Sobre a amorevolezza, cfr. ZAVALLONI, Educar-se para a responsabilidade.
Milão, Edições Paulinas 1986, páginas 95-105, Significado de uma pedagogia da amorevolezza; XAVIER
THÉVENOT, Dom Bosco, educador e o “sistema preventivo”, no volume Educação e pedagogia em Dom
Bosco. Colóquio interuniversitário, Lyon, 4-7 de abril de 1988. Paris, Edições Fleurus 1989, páginas 95-133,
O lugar da amorevolezza e do amor, páginas 116-124; IDEM A afetividade na educação, Ibidem, páginas
233-254.
As “pequenas virtudes” que caem sob o termo amorevolezza – fazer conhecer que se
ama, condividir sinceramente as inclinações dos jovens – assumem dignidade e
consistência, moral e pedagógica, graça às “grandes virtudes” que dela são o fundamento e
a animam. Com estas, é superado também o intimismo do simples relacionamento dual,
garantindo ao sistema a indissolúvel característica de sociabilidade e de universalidade já
em nível formalmente pedagógico.
Aparecem mais importantes do que todas, a virtude teologal da caridade e a virtude
moral da justiça, da alteridade, raízes de toda forma de “amizade” e da autêntica
“piedade”.
O sistema supõe, antes de tudo, um educador humanamente equilibrado e integrado:
portanto, capaz de generosa disponibilidade para a sociabilidade, sensível às necessidades
dos outros e aos problemas da vida associada em todos os níveis, local e planetário;
portanto extremamente “relacional”, de um modo privilegiado para com os jovens,
sobretudo se “pobres e abandonados”. Homem de grande controle interior e exterior,
“temperante” e “prudente”, ele ama co contato participativo com as necessidades juvenis e
sabe promover sabiamente a solidariedade de colaboradores, amigos e benfeitores.
A amorevolezza, nas várias acepções, supõe e exige a ajuda da razão, que comporta
inteligência, vontade de entender, tato, “racionalidade”. Esta se traduz em adaptação às
exigências tanto dos jovens quanto do “mundo” pátrio, nacional, supranacional, eclesial,
no qual eles aprendem quotidianamente a inserção na ação.
Ela da a capacidade de despertar seu consenso racional. “Deixa-te guiar sempre
pela razão, e não pela paixão”, sugeria a um assistente27. Graças ao sistema do amor, o
aluno “nunca fica com raiva por causa da correção feita ou do castigo ameaçado ou mesmo
infligido, porque nele a sempre uma advertência amiga e preventiva que o leva a
raciocinar, e na maior parte das vezes consegue ganhar o coração, de tal modo que o aluno
conhece a necessidade do castigo e quase o deseja” . Este, por outro lado, teria evitado uma
falta, “se uma voz amiga o tivesse admoestado”. concluindo, “o sistema preventivo torna
amigo o aluno, que vê no assistente um bem feitor que o avisa, quer torna-lo bom, livra-lo
dos desgostos, dos castigos, da desonra”28.
Geradores de seres racionais, os educadores não deverão ser nem ameaçadores, nem
sentimentais dengosos. Sobretudo deverão dizer com clareza o que querem dos meninos,
evitando superestruturas complicadas, apelando somente para o que é essencial e funcional
para seu pleno desenvolvimento pessoal e social.29
Em regime cristão, enfim, todo o sistema da “amorevolezza” é fundado sobre a
caridade, solicitada pela fé, junto com essa, dom e graça. É uma evidencia na consciência
de Dom Bosco cristão e sacerdote. Isto ele confessa francamente em uma carta endereçada
aos alunos das oficinas de Turim-Valdocco no dia 20 de janeiro de 1874.

“Sendo os artesãos a pupila dos meus olhos, (...) creio dar-lhes prazer,
satisfazendo meu coração com uma carta. Que eu tenha por vocês muita
27
MB X 1023.
28
O sistema preventivo (1877), página 48-50, OE XXVIII 426 e 428. Grifo nosso.
29
Método do amor, o sistema preventivo poderia com igual titulo definir-se método da razão e da persuasão:
Cfr. MINIMUS, Método da razão, em “Salesianum” 9 (1947) 273-277; M.PELLEREY, O método da razão,
“Orientamenti Pedagogici” 35 (1988) 383-396.
afeição não precisa dizê-lo, porque vocês têm claras provas disso. Que
vocês gostam de min, não é preciso dizer, porque vocês sempre o
demonstraram. Mas esta nossa afeição recíproca em que se baseia ? No
bolso ? No meu não, porque eu o esvazio para vocês; no de vocês também
não porque, desculpem-me, estão vazios. Logo a minha afeição está
fundada no desejo que tenho de salvar as almas de vocês, que foram todas
remidas pelo sangue precioso de Jesus Cristo, e vocês me amam porque
procuro conduzi-los pelo caminho da salvação eterna. Por tanto o bem das
nossas almas é o fundamento da nossa afeição”30

Uma outra carta ao superiores e aos alunos de Lanzo põe em maior evidencia o
intimo nexo entre as duas realidades, humana e teologal, o fruto e a árvore.

“Quando eu estive em Milanzo, vocês encantaram-me com sua


benevolência e amorevolezza, iluminaram a minha mente com a piedade
de vocês; ficava ainda este pobre coração, cujos afetos vocês me roubaram
todos. Agora esta carta assinada por duzentas mãos amigas e muito caras
roubaram o resto do coração, não ficou mais nada, a não ser um vivo
desejo de amá-los no Senhor, de fazer-lhes bem, salvar a alma de todos”31.

Efetivamente, a amorevolezza em todas as suas formas, estruturada graças à


plenitude e maturidade da afetividade humana e à lucidez racional da amizade, sustentada e
alimentada pela virtude infusa da caridade, para a consecução do fim último, a “salvação
das almas”, põe em movimento os mais variados recursos humanos e divinos.
Incessantemente criativa, é inexaurível na beneficência – “fazer o bem” - , tradução
operativa da benevolência – “querer bem” - . Caridade fraterna em ato a favor dos mais
fracos e pequenos, em comunhão de vida com Deus, estimula a amar, querer e fazer aquilo
que Deus ama, em total participação com o “sentir de Cristo”32. Ama-se a Deus sem
medida, amam-se os irmãos com as medidas sugeridas pela razão e pela sabedoria, humana
e divina.

5. A riqueza educativa da “amorevolezza”

As diversas expressões da amorevolezza são sinal de “superabundância” . Ela


assume diversas nuances com relação à variedade das situações de pobreza e abandono a
que corresponde a exuberância de qualidades humanas e divinas do educador nas suas
diversas funções: “pai, irmão, amigo”, e além disso, benfeitor, mestre, sustentáculo isto foi
Dom Bosco. O sistema preventivo move-se neste horizonte.
“Efeito” interior da caridade, certamente somado à “amorevolezza” para com os
jovens “pobres e abandonados”, é o sentimento da misericórdia. Na raiz dela está a pena
pelos males e desventuras dos jovens irmãos, encontrados no cárcere ou vistos espalhados
pelas ruas da cidade. A pena se torna compaixão e piedade; regida pela razão moral, está é

30
Carta de Roma aos artesãos do Oratório
31
Carta de 3 de janeiro de 1876, E III 5.
32
Jo 13, 14-15 e Gal 2, 20.
virtude natural, inspirada no motivo que têm o próprio Deus de ser misericordioso, é
misericórdia teologal brotada da caridade. É compaixão, antes de tudo, pelo perigo que os
“pobres e abandonados” correm de serem privados de Deus, afastados dele, da salvação,
mas também pelos males temporais que os atormentam: a ignorância, a solidão, o ócio, a
corrupção. A misericórdia vê o próximo sobre o aspecto das necessidades que pedem para
ser socorridas. O misericordioso é cooperador de Deus, representante da sua bondade.
A amorevolezza, de coração, palavras e fatos, torna-se, por humano e divino
impulso, beneficência, a misericórdia colocada em prática. Ela se manifesta nas
“beneficências”, naquelas que a antiga tradição vocabular italiana chamava
“amorevolezzas”.33
A ela se une aquele amor, que se demonstra com “poucas palavras” e “muitos
fatos”, com aquelas obras de “misericórdia espiritual e corporal”, que Dom Bosco tinha
aprendido muito bem do catecismo e do seu mundo familiar e religioso. A obra assistencial
e educativa do “sistema preventivo” é uma grandiosa organização de pesquisa, coleta e
redistribuição de esmolas, pão, aula, aprendizado.
É, ao mesmo tempo, mais interior e respeitosa “obra de misericórdia espiritual”.
Mais importante de todas foi sempre considerada, com base no evangelho34, a correção
fraterna. Ela, será visto no capítulo 17, é uma das expressões mais características da
educação “preventiva”. É seu dever, de fato, afastar das imperfeições da idade e dos
preconceitos, propor novas e melhores idéias, induzir a condutas mais corretas e fecundas
para o tempo e para a eternidade.
“Esmola” material espiritual, educação e reeducação, respondem a uma aguda
sensibilidade para o conjunto das mais variadas formas de pobreza, as misérias do corpo e
do espírito, com a solicitude de enfrenta-las, com amor e “amorevolezza”: correr atrás de
alimento, roupa, moradia, instrução; avisar, aconselhar, corrigir, consolar, dirigir.
A ainda outros detalhes, pelos quais a ligação educativa é vivida como exigência
profundamente moral: a piedade e a afabilidade.
A piedade tem uma extensão quase ilimitada, a partir “dos pais”, parentes, e da
“pátria” até atingir todos aqueles que são unidos pelos vínculos do sangue e da amizade”
social: e entre estes os filhos com relação aos pais e à parentela. Pela “piedade”, não
considerada somente no seu termo altíssimo, Deus, os filhos carnais ou adotivos honram o
pai e os discípulos os mestres e os educadores, enquanto estes socorrem as necessidades e
os pedidos dos filhos e dos alunos, imediatamente e para o futuro, tornando-se efetivamente
pais “amoráveis”, irmãos e amigos de seus beneficiados.
A afabilidade germina em um grande fundo de humanidade de sociabilidade, de
bondade natural, além da caridade teologal, enriquecendo a “justiça” com uma bela nota de
amabilidade, de cortesia, de fineza. É aquela forma mais simples de amizade, que tem certa
afinidade com a grande amizade que é “caridade” e estabelece ordem, espontaneidade e
graça entre aqueles que vibram em estar juntos ela reproduz, tal vez melhor do que as
outras, o “rosto” da “amorevolezza”, da qual escreve e fala Dom Bosco: faça com que nos
fatos e com as palavras seja criada simpática sintonia entre as recíprocas esperadas com

33
O termo é usado freqüentemente por irmã Celeste, a filha mais velha de Galileu Galilei, quando nas suas
cartas agradece ao pai suas “amorevolezzas”, os presentes por ele feitos ao mosteiro, pela “amorevolezza” que
ele nutre pela filha (cfr. M.C.GALILEI, Cartas ao pai, cuidada por Juliana Morandini. Turim Edições La
Rosa 1983).
34
Mt 18, 15-17.
vivencias da vida cotidiana. Com “palavras” e “fatos”, segundo Dom Bosco ela da o último
toque ao “amor demonstrado”.
É insistente e repetido o apelo ao coração, ao amor tornado visível em obras e
“sinais”, testemunha efetivamente educativa. “Recomende a todos os nossos dirigir seus
esforços a dois pontos cardeais: fazer-se amar e não fazer-se temer”35. “Se quiser ser
amado, seja amável”36. “Para ter êxito com os jovens, esforcem-se por usar com eles boas
maneiras; façam-se amar e não temer”37.
Com a amorevolezza tocam-se cordas e provocam-se vibrações que envolvem toda
a personalidade dos destinatários, jovens e adultos, tornados sensíveis para todo o conjunto
de “interesses” vitais, materiais e espirituais. “Ganhar o coração” não significa ter atingido
seu mundo emotivo; e a sua resposta não é somente “afeição”, mas também
reconhecimento, estima, respeito, desejo de correspondência, compromisso, colaboração.
A consideração se ajunta com o sentido que Dom Bosco dava ao “coração” “em um
contexto propriamente religioso e teológico” e com interpretação dada às típicas expressões
“falar a linguagem do coração” e, portanto, “ganhar o coração do aluno”: isto é despertar
nele todas as potencialidades pessoais, vontade, mente, braço, operosidade38.

6.A conversão da amorevolezza no “espírito salesiano”

Nos últimos anos, pelas relações entre salesianos religiosos e educadores entre eles,
com os jovens, com todos, a amorevolezza foi entendida e formulada por Dom Bosco em
relação ao pensamento do “doutor da caridade”, São Francisco de Salles. Ela acaba sendo
englobada no “espírito de caridade e de doçura de São Francisco de Salles”, “verdadeiro
espírito de doçura e de caridade”39.
Em 1880, Dom Bosco resumia nesta expressão o espírito da congregação, de todo o
seu ser e agir, sobre tudo educativo – preventivo, nascido do segundo capítulo geral: “A
nossa paciência, caridade, e mansidão brilhem nas palavras e nas obras de modo que se
verifiquem em nós as palavras de Cristo: Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do
mundo”40. Os dois termos “sal” e “luz” entravam em composição para produzir a
denominação “salesiano”: “Não se esqueçam que somos Salesianos. Sal et Lux. Sal da
doçura, da paciência, da caridade. Luz em todas as ações externas, para que todos vendo
vossas boas obras, glorifiquem nosso Pai que está nos céus”41. “Caridade, paciência,
doçura, nunca repreensões humilhantes, nunca castigos, fazer o bem a quem se pode, mal a
ninguém”42. “A doçura no falar, no agir, no avisar ganha tudo e todos”43. “Insista” sobre a
caridade e doçura de São Francisco de Sales que nós devemos imitar”44. À madre Catarina
Daghero, eleita superiora geral das Filhas de Maria Auxiliadora, em 12 de agosto de 1882,
dava de presente uma caixa de chocolates com um cartãozinho de votos: “Ai vão algumas

35
Carta a Monsenhor João Cagliero, 10 de fevereiro de 1885, E IV 313.
36
MB X 1022.
37
MB XIV 513.
38
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade católica, volume II, páginas 37-41.
39
JULIO BARBERIS, Atas,caderno I, capítulo geral II, 4 de setembro de 1880, páginas 16-17.
40
Circular aos salesianos de 29 de novembro de 1880, E III 638.
41
Carta ao Padre Costamagna, 31 de janeiro de 1881, E IV 7.
42
Carta a Monsenhor Cagliero 6 de agosto de 1885, E IV 328.
43
Carta ao Padre Costamagna, 10 de agosto 1885, E IV 332.
44
Carta a Dom Lasagna, 30 de setembro de 1885, E IV 340.
balas para distribuir para suas filhas. Lembre sempre que deve praticar a doçura com todos;
mas fique sempre pronta para receber as pílulas amargas, que Deus pode mandar-lhe”45 .
A amorevolezza, na sua mais forte realidade, acabava identificando-se com o
“espírito salesiano”, com explicitas referências a São Francisco de Sales e à sua teologia do
amor, impregnadas pelas intenções, atividades, sonhos, propostas, em uma palavra, do
“estilo de vida e de ação” de Dom Bosco.

7. Da assistência vital à assistência educativa

Mesmo não constituindo objeto especifico da presente análise, à assistência, antes


que “pedagógica”, é, na experiência concreta do sistema preventivo de Dom Bosco, ajuda
benéfica aos jovens “pobres e abandonados”. Prover as necessidades, antes de tudo
materiais, marcou o inicio do interesse do educador piemontês pelos jovens, absorvendo-o
até o fim dos seus dias. A “salvação” dos jovens, religiosa, moral, cultural, foi,
principalmente para as instituições mais pobres, - casas de acolhida, orfanatos, oratórios em
bairros pobres da cidade – sempre precedida e acompanhada pelo zelo em assegurar os
meios de “subsistência”, casa, alimento, roupa, apetrechos para escolas e oficinas.
As duas “dimensões” social – humanitária e pedagógica – educativa e reeducativa –
moral e religiosa, foram sempre atuadas e pensadas juntas. Por outra parte, na mentalidade
católica a “delinqüência” real ou potencial estava associada à falta do fundamento religioso.
A defasagem religiosa, a deficiente prática cristã era considerada ao mesmo tempo causa e
sintoma de certa corrupção moral e da inevitável periculosidade social. Socorro material e
ação educativa acabavam, necessariamente, integrando-se. Dom Bosco põe isto em
evidência em cartas, circulares, apelos, “sermões de caridade” e o põe em prática com as
suas obras. O sistema preventivo é, ao mesmo tempo sistema benéfico, assistencial, social,
e sistema de educação moral e religiosa46 .
A assistência tem depois, uma função metodológica capital na ação educativa, tanto
que no sistema preventivo, enquanto tal, educador e assistente identificam-se.
É, por isso, evidente que a assistência praticada e proposta por Dom Bosco não
deve ser entendida somente dentro da prospectiva oferecida nas páginas de 1877 e em
documentos que se referem a ambientes fortemente estruturados como os “colégios” e os
internatos, que tinham a finalidade de gerir por longos períodos toda a vida dos jovens. A
experiência, os escritos, os discursos de Dom Bosco induzem a entende-la em um
significado mais vasto e flexível, como acontece, por exemplo, nas escolas para externos,
nos oratórios, nos ambientes da pastoral, na própria atividade publicitária, editorial e
livresca.
No plano do comportamento tal inspiração de fundo leva a algumas conseqüências
imediatas, que envolvem toda a existência do operador preventivo, onde quer que se
desenvolva. Alguns textos podem dar esta idéia, mesmo se é mais significativa a referência
à experiência vivida e querida “sistematicamente” por Dom Bosco. É fundamental o que ele
fixa naquela que se pode considerar uma “definição” do “sistema preventivo” contida nas

45
E IV 76.
46
Cfr.PEDRO BRAIDO, “Pobres e abandonados, em perigo e perigosos”: pedagogia, assistência,
sociabilidade na “experiência preventiva” de Dom Bosco, em “Anais de história da educação e das
instituições escolares” 3 (1996) 183-326.
páginas de 1877: diretores e assistentes estão sempre entre os alunos, falam, guiam,
aconselham, corrigem47.
A assistência não é policial nem fiscal, mas “presença” amiga, promocional,
animadora de toda a vida do sujeito a quem se quer ajudar. Ela é ostensivamente realizada
em formas extremamente diferentes no oratório, no internato, na escola, no grupo, no
trabalho. “O Superior [= educador] seja tudo para todos, pronto para ouvir sempre qualquer
duvida ou queixa dos jovens, todo olhos para vigiar paternalmente sua conduta, todo
coração para procurar o bem espiritual e temporal daqueles que a providencia lhes
confiou”48 .
Certamente na idéia e na prática do sistema de Dom Bosco a assistência comporta
um essencial aspecto de vigilância assim como o conceito de preventivo inclui um prévio
aspecto de defesa, prevenção, proteção e relativo isolamento, quando possível. Isto é
particularmente perceptivo no colégio – internato, onde é introduzida a prática secular da
leitura periódica dos Regulamentos, que informava e pré-avisava os meninos vivos e
“levianos” antes que maus. Ao diretor de um colégio – pequeno seminário, Padre Rua
escrevia em 1863: “reúne alguma vez os professores, os assistentes, os chefes de dormitório
e a todos dirás que se esforcem por impedir as más conversas, afastar qualquer livro escrito,
imagens, quadros (aqui está o problema) e qualquer coisa que possa colocar em perigo a
rainha das virtudes, a pureza. Dêem conselhos, usem caridade com todos”49.
É impossível não pensar em influências de idéias teológicas rigoristas ou próximas
do jansenismo, sobre as conseqüências do pecado original e de convicções conformes, a
respeito da fragilidade psicológica e moral juvenil. O jovem inclinado ao mal, vulnerável,
ameaçados pelos maus companheiros, exposto aos escândalos, “em perigo”, não podia
salvar-se se não com a assistência assídua, protetora, solicita, dos educadores50.
Mas é, sobretudo, clara, repetida, a idéia de uma assistência inclinada à promoção e
à animação. O educador, sempre presente, participa totalmente da vida dos alunos, ouve,
intervem, provoca interesses, acolhe iniciativas, inspira atividades. Como já foi visto o
sistema preventivo exige isto desde a sua “definição”, tornando-o autenticamente
“educativo”51.
O “pôr os alunos na impossibilidade de cometer faltas”, que segue no texto, não é,
certamente para se entender como “impossibilidade material de pecar”52. Neste sentido a
presença ininterrupta, ostensiva ou psicológica, de Dom Bosco entre os jovens e destes com
ele é, não retoricamente, a melhor e mais típica representação do conceito pedagógico da
assistência preventiva53. Ainda uma vez e sobretudo neste ponto nevrálgico o sistema é

47
O sistema preventivo (1877), página 46 OE XXVIII 424.
48
Duas cartas datadas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador..., página 386.
49
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidencias aos diretores”..., página 153.
50
Um exemplo de interpretação severa da assistência é oferecido pelo breve escrito de MINIMUS, Método da
vigilância, em “Salesianum” 9 (1947) 122-128. São numerosos os avisos, públicos e em particular, sobre o
perigo, sobretudo no internato, de “jovens já corrompidos”, sobre “desordens” que aconteciam ou já tinham
acontecido: cfr. PEDRO BRAIDO, O sistema preventivo de Dom Bosco. Zurique, PAZ – Verlag 1964,
páginas 208-210.
51
O sistema preventivo (1877), página 46 OE XXVIII 424.
52
A.AUFFRAY, A pedagogia de São João Bosco, página 44.
53
Uma síntese feliz de “prevenir” e de “assistir” entendido como “conviver com os jovens” é feita por
H.HENZ, Manual de pedagogia sistemática, páginas 230-232. Uma boa analise da assistência como presença
de promoção e de animação é feita por JUVENAL DHO, A assistência como “presença” e relacionamento
pessoal, no volume O sistema educativo de Dom Bosco entre pedagogia antiga e nova. Turim-Leumann,
confiado à pessoa do educador. Equilíbrio, tato, tratamento humano, afeição paterna e
fraterna, vivacidade, saber igualar-se como amigo e outros são ainda elementos
indispensáveis para uma atuação correta e válida.

LDC 1974, páginas 104-125; e por F.WÖSS, Assistência salesiana: o educador como animador. Colônia,
Kölner Kreis 1966, 31 páginas.
Capítulo 15

A “FAMÍLIA” EDUCATIVA

O sistema preventivo, na sua mais ampla acepção, está aberto a todas as situações
educativas e reeducativas. Não foi praticado somente por Dom Bosco em suas clássicas
instituições: oratório, internato, orfanato, colégio, escola, associação, grupo. Foi vivido nos
encontros individuais, esteve presente também em sua atividade publicitária. Foi estilo de
comportamento, seguido e proposto no mais vasto complexo de relações sociais, com
destinatários de todas as idades e condições. Não somente nas Lembranças confidenciais
aos diretores são dadas regras que se referem às relações Com os externos e Lembranças
para as várias situações são reservadas aos “missionários”.
O sistema preventivo é válido tanto para a educação do um por um, com
relacionamentos fortemente personalizados, quanto para a educação das
“multidões”211.Todavia, os mais, recolhidos em comunidade, são o “lugar” onde mais
claramente se cimentou e se configurou o “sistema preventivo”, resultando “comunitário”
em grande medida. Deste perfil do “sistema preventivo” se ocupará este capítulo.

1. O paradigma da família

O sistema preventivo de Dom Bosco tomou forma principalmente em comunidades


juvenis de grandes dimensões: oratórios, casas de acolhida, colégios, escolas. Ele é,
portanto, primariamente programa de uma pedagogia de ambiente.212
Não obstante isto, na práxis e na mente de Dom Bosco, ele prevê com muita
clareza que qualquer instituição educativa modela-se na forma de família, ainda que com
diferentes tonalidades conforme os diversos ambientes “O Oratório de Dom Bosco –
escreve um estudioso – tinha de ser uma casa, isto é uma família, e não queria ser um
colégio”213 “As Vidas escritas – repete o mesmo autor – continuam assim a criar nos jovens
leitores a quem são dedicadas e destinadas, aquela eficácia de exemplo que, pouco a pouco,
formava aquilo que se chama o ambiente, o clima, a atmosfera, na qual eram envolvidos
em seus tempos os seus jovens acolhidos na sua casa para formar a grande família”. 214
Exigia isto a essência do sistema enquanto preventivo, fundado na tríade
razão, religião, amorevolezza. Não existe amorevolezza – que polariza metodologicamente
razão e religião -, se não se cria um ambiente sereno e exemplar, um clima de família, que
automaticamente comporta, também na estrutura, alguma semelhança com ela. Somente
em uma estrutura semelhante parecia que poderiam florescer a confiança entre alunos e

211
A Dom Bosco “o educador das multidões”, dedicava o primeiro capítulo de seu livro São João Bosco
educador, Padre Mário Barbera (Turim, SEI 1942): neste se inspirava no ensaio Dom Bosco, educador das
multidões, em “Civiltà Cattolica” 139 (1988) II 230-244.
212
Cfr H.BOUQUIER, Dom Bosco Educador. Paris, Téqui 1950, capítulo 9 A educação problema do meio,
páginas 1-2; ALBERTO CAVIGLIA, Domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo, página 286.
213
ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone..., página 141.
214
A. CAVIGLIA, A Vida de Francisco Besucco..., páginas 157 – 158.
“superiores”, não mais superiores, mas “pais” e “irmãos”, afetuosa compartilha de vida
entre os jovens amigos fraternos, enfim, a solidariedade entre todos215.
A esta escolha moviam Dom Bosco razões piscológicas, a própria
experiência famíliar; convicções religiosas com a imagem dos crentes como uma grande
família dos filhos de Deus; dados sociológicos com o cenário de um ambiente urbano
onde muitos jovens viviam longe da família, estranhos a um mundo incompreensível para
estilos de vida e linguagens, concretamente, “sem família”.
Ao paradigma da família se conforma a própria codificação da práxis,
confiada por Dom Bosco a palavras e escritos. A qualquer comunidade juvenil ele
pretendia aplicar aquilo que em primeiro lugar exigia dos jovens da numerosa
comunidade por ele dirigida e animada, o oratório de Turim – Valdocco. Isto era norma
para todas as “casas”. Vinham, antes de tudo, as relações com os “superiores”, os
educadores: “Obedeçam àqueles que são colocados para guiar vocês e para dirigi-los, e
submetam-se a eles: porque eles deverão prestar contas à Deus da alma de vocês”;
”abram-lhes livremente seus corações, considerando-os como um pai, que deseja
ardentemente a felicidade de vocês”216. Havia aí uma união de relações recíprocas entre
os jovens: “Honrem e amem seus companheiros como outros tantos irmãos, e esforcem-se
para edificar uns aos outros com o bom exemplo”; “amem-se todos reciprocamente como
diz o Senhor, mas cuidado com o escândalo” 217.
Em um sermãozinho noturno de junho de 1864, exortava: “Uma coisa eu
quero ardentemente recomendar a vocês e é esta: que vocês se amem reciprocamente e
não desprezem ninguém. Não desprezem, pelo contrário, acolham todos na companhia de
vocês, que todos possam participar alegremente dos brinquedos de todos. Fora portanto
certas antipatias por algum companheiro, sem motivo”; “acolham a todos, e usem cortesia
com todos, exceto com aqueles que têm más conversas” 218.
Outra vez anunciava aos jovens um programa lapidar: “Pensar em Deus,
falar de Deus, trabalhar para Deus. Pensar bem do próximo, falar bem do próximo, fazer
bem ao próximo. Não pensar mal do próximo, não falar mal dele, nunca fazer-lhe mal”219.

2. Estilo de família

Da importância do ambiente familiar, Dom Bosco parece quase querer


esboçar uma teoria, em um sermão noturno de janeiro de 1864. Utilizando a imagem do
alvéolo, ele exorta os jovens a imitar as abelhas em duas coisas: 1. obedecem à rainha; 2.
têm o sentido da solidariedade. Deste modo, o microcosmos educativo tornava-se
propedêutico ao futuro macrocosmos social, em chave solidarista. “Desejo que vocês
aprendam a fazer o mel como fazem as abelhas. Sabem como fazem as abelhas para
produzir o mel? Com duas coisas principalmente. Primeiro, não o fazem sozinhas, mas
estão sob a direção de uma rainha a quem obedecem em qualquer circunstância; e depois

215
“Dom Bosco – escreve Franz Xaver Eggersdorfer – pode ser tomado como paradigma quanto à energia
plasmadora do ambiente. Para Dom Bosco a boa família era o fator dominante do método educativo de suas
comunidades” (A educação da juventude, página 38).
216
Regulamento para as casas ... , segunda parte, capítulo VIII, artigo 2 e 7, páginas 75 – 76, OE XXIX 171-
1772.
217
Regulamento para as casas ... , segunda parte, capítulo IX , artigos 1 e 2, página 77, OE XXIX 173.
218
DOMINGOS RUFFINO, Livro de experência 1864, páginas 17-18.
219
DOMINGOS RUFFINO, Livro de experência 1864, página 73.
estão todas juntas e se ajudam mutuamente. Segundo, vão recolhendo aqui e ali o néctar
das flores: mas, anotem bem, não recolhem tudo de uma vez aquilo que encontram, mas
vão a uma flor, outra vez vão a outra e de cada uma tiram somente aquilo que serve para
fazer o mel”. O mel, diz Dom Bosco aplicando a lição, é o bem feito por cada um e juntos
“com a piedade, com o estudo, e com a alegria”. O “juntos” é garantido pela “obediência à
rainha, isto é à regra e aos superiores”. “Estar muitos juntos aumenta a alegria”, “serve de
encorajamento para suportar as fadigas do estudo, serve de estímulo em ver o progresso dos
outros; um comunica ao outro os próprios conhecimentos, as próprias idéias e assim um
aprende com o outro. Quando são muitos que fazem o bem, a gente se anima sem
perceber”220.
A mesma imagem divulgava um jornalista no jornal de Paris Pélerin,
depois de uma entrevista com dom Bosco em maio de 1883, quando o pequeno internato
inicial de 1847 tinha se tornado, já fazia muito, um grande complexo com mais de
oitocentos internos: “Nós vimos este sistema em ação. Em Turim os estudantes formam um
grande colégio, no qual não se conhecem filas, mas de um lugar para outro se vai como em
família. Cada grupo se ajunta a um professor, sem barulho, sem irritações, sem contrastes.
Nós admiramos os rostos serenos daqueles meninos, e não podemos deixar de exclamar:
aqui está o dedo de Deus”221.
A imagem é ligeiramente forçada, assim como é também certa
descrição oferecida pelo primeiro biografo. De qualquer forma, ela pode referir-se mais
fielmente às primeiras fases do internato de Turim - Valdocco222. Além do mais, o próprio
biógrafo tinha já acenado a moderadas progressivas regulamentações: “Os jovens, naqueles
tempos memoráveis, gozavam de muitíssima liberdade, encontrando-se como em família.
Mas na medida em que surgia alguma necessidade ou aparecia alguma desordem, Dom
Bosco gradualmente punha limites na liberdade com alguma nova regra oportuna [...].
Assim uma a uma, em vários intervalos, foram estabelecidas normas disciplinarem que
agora formam os regulamentos das Casas Salesianas”223.
Em uma grande família “colegial” é obvio que haja, em forma crescente,
uma real tensão entre o fundamental clima de espontaneidade das relações paternas,
“filiais”, fraternas, e as inevitáveis exigências de ordem e disciplina. Encontra-se felizmente
retratada em uma palestra de início do ano escolar 1863-1864: “Eu não quero que vocês me
considerem tanto como superior, mas como amigo de vocês. Por isso não tenham medo de
mim, pelo contrário, muita confiança, que é o que eu desejo, peço-lhes , e de vocês espero
como verdadeiro amigos “...” Formamos todos um só coração! Eu estou aqui pronto para
ajudá-los em qualquer circunstância. Tenham boa vontade, sejam sinceros como eu sou
com vocês “224 .

220
MB VII 602. Lemoyne afirma que é um discurso conservado em uma crônica, junto com outros, sem
indicação de data.
221
Citado nas MB XVI 168-169.
222
Uma visão mais realista do Oratório, grande comunidade de mais de oitocentos membros, com as duas
secções de jovens estudantes e artesãos, é oferecida pelos estudos de J. M. Prellezzo, publicados em
“Pesquisas Histórias Salesianas”( 1989 – 1992), recolhidos no volume, já citado, Valdocco no 800 entre real e
ideal; cfr também PEDRO STELLA, Dom Bosco na história econômica e social, particularmente capítulos
VIII-XII (páginas 175-288).
223
MB IV 339.
224
MB VII 503. O texto é retomado, segundo Padre Lemoyne, em uma crônica de João Bonetti. Não a
encontramos.
É claro que o “estilo de família” padece acentuações diferentes segundo as
exigências “disciplinares” dos diversos contextos educativos. Concretamente, a maioria das
indicações refere-se ao mundo de Valdocco, ao oratório para os externos nos primeiros
anos, ao internato em seguida, e , neste, mais freqüentemente, à secção estudantes.
Um dos principais êxitos do regime familiar é a superação não
somente teórica, da antinomia autoridade e consenso, dois fatores igualmente essenciais na
educação. A obediência na casa é a adesão a uma ordem objetiva, que envolve
indistintamente os chamados “superiores” e os inferiores, garantindo uma convivência
harmoniosa e laboriosa. Na realidade, as duas diferentes “ordens” não constituem problema
quando todos se sentem ligados a uma regra comum de vida.
Superada a tensão entre autoridade e obediência na comum adesão a
uma regra comum, está criada a condição mais adaptada para transformar o clima de
família em efetiva habitual “familiaridade” . Esta é função dos educadores em relação aos
alunos, mas também obrigatório estilo de convivência dos alunos entre si.
Aos educadores é dirigida em particular a mensagem da carta de 10
de maio de 1884, como já foi dito, redigida pelo Padre Lemoyne e, inspirado por Dom
Bosco, levado a voltar com seu nostálgico pensamento, ao regime do internato de Valdocco
dos primeiros quinze anos. “Nosso amadíssimo Pai não sabe falar sem lembrar dos tempos
heróicos do Oratório”, Escreve Padre Lemoyne, de Sampierdarena, em 8 de abril de 1884, a
um salesiano de Turim225.
É lembrada coerentemente a “familiaridade”, como meio para
derrubar a “barreira da desconfiança”, levantada imperceptivelmente entre os jovens e seus
educadores, “considerados como superiores e não mais como pais, irmãos e amigos;
portanto temidos e pouco amados”. Ela deverá manifestar-se no momento de maior
espontaneidade da vivência comunitária, o recreio: “Familiaridade com os jovens
especialmente no recreio. Sem familiaridade não se demonstra o amor e sem esta
demonstração não pode haver confiança. Quem quer ser amado precisa demonstrar que
ama. Jesus Cristo fez-se pequeno com os pequenos e carregou as nossas fraquezas. Eis o
mestre da familiaridade”226. Não há outra coisa a fazer que repor “em vigor o antigo
sistema” da total disponibilidade – visto que isto significa “familiaridade” na máxima
extensão – dos educadores às exigências dos jovens 227.
Estes, por seu lado, não deixarão de responder com cordial confiança – como
insiste a carta a eles reservada e efetivamente lida em Valdocco por Padre Rua: “Se
quisermos fazer um só coração e uma só alma”, “é necessário que se derrube a fatal barreira
da desconfiança e se recupere a confiança cordial228.
O clima de autêntica familiaridade favorecerá também a fraterna amizade
entre os jovens. De fato, mesmo desconfiado com relação às “amizades particulares”,
ambíguas e mórbidas, que muitas vezes denunciou ao longo de todo seu trabalho educativo,
Dom Bosco celebrou a amizade. Ela pode ser espontâneo e poderoso fator de crescimento
cultural e religioso. Dela ele escreveu um breve “tratado” que aparece no seu primeiro
opúsculo impresso, a biografia do amigo Luís Comollo229. As biografias de Domingos
225
Cfr. Duas cartas datas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador... , página 351.
226
Cfr. Duas cartas datas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador... , páginas 383-384.
227
Cfr. Duas cartas datas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador... , páginas 385-386.
228
Cfr. Duas cartas datas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador... , página 374.
229
Cfr. [JOÃO BOSCO], Esboços Históricos da vida do clérigo [apresentado como jovem na segunda edição
de 1854] Luís Comollo..., páginas 13-72, OE I 13-72.
Sávio e Miguel Magone230 aprofundam seus traços em prospectiva formalmente
“pedagógica”231. Na biografia de Domingos Sávio são dedicados dois capítulos: o 17º,
Suas amizades particulares. Suas relações com o jovem Camillo Gavio e o 18º, Suas
relações com o jovem João Massaglia232.
São amizades claramente fundadas na tensão ao bem, ao aperfeiçoamento
espiritual, à santidade. É no primeiro encontro com Gálio que Sávio precisava o tipo de
santidade pregado por Dom Bosco: “Saiba que nós aqui fazemos consistir a santidade em
estar muito alegres”233. É evidentemente a alegria unida ao estado de graça, à “virtude”, ao
exato “cumprimento do dever”. Uma mais íntima comunhão espiritual instaurava-se com
Massaglia, próximo de Sávio pelo lugar de origem, pela intenção vocacional e aspirações
espirituais. “Vieram os dois contemporaneamente ao oratório, eram vizinhos de aldeia;
ambos tinham a mesma vontade de abraçar o estado eclesiástico, com verdadeiro desejo de
se tornarem santos”. Depois do retiro de Páscoa, o pacto de amizade se tornava mais
intenso e firme: “Terminados os exercícios, Domingos disse ao companheiro: quero que
sejamos verdadeiros amigos; amigos verdadeiros para as coisas da alma, por isso gostaria
que de agora em diante nós fôssemos um monitor do outro em tudo aquilo que pode
contribuir para o bem espiritual”. “Daquele momento – anota o biografo – Sávio e
Massaglia se tornaram verdadeiros amigos, e sua amizade foi duradoura, porque fundada na
virtude; e até mesmo porfiavam entre si, com o exemplo e com os conselhos, para
ajudarem-se mutuamente a fugir do mal e praticar o bem”234. Mais à frente, Dom Bosco
comentava: “se eu quisesse escrever os belos gestos de virtude do jovem Massaglia, deveria
repetir em grande parte as coisas ditas de Sávio, do qual foi fiel seguidor enquanto
viveu”235.

3. Estrutura familiar: o diretor e os colaboradores

O estilo da família se torna metodologicamente estrutura, isto é definida


organização de relacionamentos entre todos que a compõem: do diretor com os
colaboradores e com os alunos; destes com os “superiores”, educativamente pais, irmãos,
amigos.

3.1 O diretor

Historicamente, dado que houve eventuais evoluções e reinterpretações, a “família


educativa” de Dom Bosco não é comunidade de assembléia nem cidade de meninos. O seu
paradigma é dado por uma convivência que se inspira pelas relações de autoridade e de

230
No Esboço biográfico de Miguel Magone fala-se de “companheiros”, mas com alguns se determina uma
relação espiritual mais personalizada, que está próxima da amizade: cfr. JOÃO BOSCO, Esboço biográfico
do jovem Miguel Magone..., páginas 43-53 OE XIII 197-207.
231
Sobre a amizade nos escritos de Dom Bosco, do epistolário às mais variadas biografias, fez uma ampla
pesquisa o salesiano J. Canals Pujol. Publicou partes dela no escrito A amizade nas diversas redações da vida
de Comollo escrita por São João Bosco, RSS 5 (1986) 221- 262.
232
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., páginas 83-88, 88-93, OE XI 233-238, 238-243.
233
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., página 86 OE XI 236.
234
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., páginas 88 – 90, OE XI 238-240.
235
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingos Sávio..., página 91, OE XI 241.
afeto, em análogos relacionamentos que existem em uma família natural ideal entre pais e
filhos, entre irmãos e irmãs236.
Por isso, dela é reconhecido por todos como chefe o diretor, verdadeiro pai de
família depositário de uma indiscutível autoridade, que se estende a todas as atividades dos
colaboradores e dos alunos. A estes, aos “filhos”, ele por primeiro, como pai, garante pão
material, cuidados físicos, alimento intelectual, suporte moral e religioso237.
Ele não é pai – patrão, nem somente um superior, o governante, mas pai/mãe, forte e
amoroso, com plenitude de responsabilidade a todos os níveis, físico, intelectual, científico,
moral, religioso.
Documento clássico, reservado ao diretor, são as Lembranças confidenciais, que de
1863 em diante, progressivamente ampliados, retocados, acompanham toda a vida de Dom
Bosco fundador. Sabe-se que estas tiveram origem no final de outubro de 1863,
simplesmente como carta pessoal ao Padre Rua, então diretor do primeiro colégio fora de
Turim, em Mirabello Monferrato. Com a criação de mais colégios Dom Bosco, em 1870,
ampliava notavelmente o texto, fazendo nos textos, nos anos sucessivos, até 1886, alguns
retoques. De 1870 para frente, eram dados a cada diretor, ajuntados em um voluminho com
o título Lembranças confidenciais aos diretores, transmitidos até aos nossos dias como
expressão significativa do espírito de Dom Bosco.
O diretor é apresentado como a mente, o coração, o centro operativo de cada casa,
que é ao mesmo tempo “religiosa” e instituto de educação, com a co-presença da
comunidade dos educadores e da comunidade dos alunos. Os parágrafos, que compõem o
documento, referem-se precisamente a um diretor, que é um “consagrado” e superior de
uma comunidade de “consagrados”; de consagrados que são educadores e convivem com os
jovens “educandos”. Ele é ainda o responsável e o representante, diante das autoridades
leigas e eclesiásticas, de uma instituição que opera na dupla vertente, civil e religiosa. A
multiplicidade dos títulos do denso documento oferece uma idéia precisa da pluralidade das
funções: Contigo mesmo, com os professores, com os assistentes e chefes de dormitório,
com os coadjutores e com as pessoas de serviço, com os jovens alunos, com os externos,
com os da sociedade, ao dar ordens 238.
É proposta uma série variada de compromissos, qualificados pelo clássico princípio
“procure fazer-se amar antes que fazer-se temer”: o “antes que” tinha sido precedido pela
variante “se queres” 239. Voltam com insistência as recomendações de “ser solícito”,
“falar”, “reunir”, tomar consciência, controlar, impedir, “ouvir um parecer”.
Particularmente cuidada é a presença entre “os jovens alunos”. Na prática e na teoria,

236
Para os tipos “sociológicos” de família, aos quais se podem de fato assemelhar as grandes comunidades
educativas de Dom Bosco sobretudo “colegiais”, cfr,. P Melograni, a família italiana do 800 a hoje. Bari
Laterza 1985, XVIII – 712 páginas: aí são distintas, diferenciadas, a família camponesa operária, burguesa;
M. BARBAGLI, Debaixo do mesmo teto. Mudanças da família na Itália do século XV ao XX. Bolonha, Il
Mulino 1984, 557 páginas; M. BARBAGLI e D. L KERTZER, História da família italiana 1750-1950.
Bolonha, Il Mulino 1992, 367 páginas.
237
Os termos “filhos”, “filhinhos”, podem as vezes ser considerados simples tradução italiana da palavra
dialetal piamonteza “fieuj” que em certos contextos significava simplesmente “meninos” na linguagem
familiar de Dom Bosco e de qualquer outro diretor eles muitas vezes são enriquecidos por uma acepção mais
específica, incluindo a relação de paternidade espiritual e educativa aos meninos.
238
Cfr. FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”..., páginas 125-166; o texto
da carta original compõem-se dos primeiros três títulos e do título Com os externos, páginas 145-149; o texto
inteiro das Lembranças, páginas 150-160.
239
Cfr. FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”..., página 151.
codificada depois nos Regulamentos, para os externos e para as casas, o diretor resume em
si o núcleo da “pedagogia de comunidade” de Dom Bosco. É verdade que na concepção e
práxis, é o ambiente educativo na sua totalidade, que é prioritariamente cuidado. E é
pacífico que o ambiente é criado por toda a família dos educadores e dos jovens. Todavia,
aquele que é chamado a dar a forma a este trabalho coletivo, a orientação unitária e
orgânica e, sobretudo a alma, o “espírito” e traduz a pedagogia do ambiente em pedagogia
pessoal, pedagogia do um por um, é o diretor. Ele está inteiramente dedicado a uma ação
prioritariamente educativa mais do que administrativa e diretiva, ainda que deva comandar
tudo. “Ao diretor compete cuidar de todo o andamento espiritual, escolar e material”240. O
diretor é o superior principal, que é responsável por tudo o que acontece no Oratório”. “Ele
deve ser de exemplo para os outros encarregados na piedade, na caridade, e na paciência;
mostrar-se constantemente amigo, companheiro, irmão de todos, por isso sempre encorajar
cada um no cumprimento nos próprios deveres, mais pedindo do que mandando”. “Ele deve
ser como um pai no meio dos próprios filhos”241.
É evidente o conceito paterno e familiar, próprio de uma pedagogia cristã
tradicional, reforçada por ulteriores elementos afetivos e organizativos, inspirados, mais7
uma vez, na tríade “razão, religião, amorevolezza”.
A paternidade amorável do diretor, presente o dia todo e nos mais amplos espaços,
encontra expressões tudo próprias, individuais e coletivas.
As individuais estão presentes na confissão, na direção espiritual, na assim
chamada “palavrinha ao ouvido”.
É de grande importância o que as Lembranças confidenciais estabelecem a respeito
do diretor confessor ordinário da comunidade, religiosa e educativa. Antes de se tornar
“norma”, tinha sido prática inaugurada pelo próprio Dom Bosco desde os inícios da obra
dos oratórios. Ele, tão solícito em procurar para o jovem o pão material, não podia pensar a
educação cristã senão como “educação de almas”. Era óbvio que quisesse e escrevesse:
“Nas nossas casas, o diretor é o confessor ordinário, por isso faça ver que você ouve de boa
mente cada um em confissão, mas dá-lhes ampla liberdade de confessar-se com outros, se
quiserem. Torne bem claro que nas votações sobre a conduta moral, você não entra no
assunto e procure afastar até a sombra de suspeita de que você possa servir-se, e até mesmo
lembrar-se, daquilo que foi dito em confissão” 242.
Na prática do sacramento da penitência, Dom Bosco, normalmente, desempenhava
também o papel de “diretor espiritual”. Também nesta ótica, ele recomendava a escolha de
um “confessor estável”. Que, inseparavelmente, absolvia e aconselhava 243. “Como
Cafasso, seu mestre, e segundo a melhor tradição espiritual, Dom Bosco confessava e
dirigia” 244. Ele, porém, abria espaço para outros modos, formais e informais, de direção
espiritual, com ritmos extremamente flexíveis245. “Toda a sua espiritualidade pedagógica e

240
Regulamento para as casas..., primeira parte, capítulo I, artigo 3, página 19, OE XXIX 115.
241
Regulamento do Oratório... para os externos, primeira parte, capítulo I, artigos I, II, VII, páginas 5-6 OE
XXIX 35-36.
242
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”... , página 156.
243
Cfr. ALBERTO CAVIGLIA, Domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo, páginas 82-87, A direção de Dom
Bosco.
244
PEDRO BROCARDO, Direção espiritual e prestação de contas. Roma, LES 1966, página 150.
245
Cfr. CARLOS COLLI, A direção espiritual na praxe e no pensamento de Dom Bosco: “memória” e
“profecia” , em M COGLIANDRO, a direção espiritual na família salesiana. Roma, editora S.D.B. 1983,
página 53-77.
toda a sua pedagogia é uma pedagogia espiritual”, afirma peremptoriamente Eugênio
Valentini246. A direção personalizada desenvolve-se mais intensamente em momentos
cruciais do ano: o primeiro impacto com o colégio, os retiros espirituais, os tempos da
escolha vocacional, os particulares acontecimentos de problemas morais e espirituais.
Era também direção, ligeira e sugestiva, mas muito eficaz, a “palavrinha ao
ouvido”, à qual Dom Bosco convidava o diretor, pai, “com os jovens alunos”. “Faça quanto
puder – escrevia ao Padre Rua, novo diretor - para passar no meio dos jovens todo o tempo
do recreio e procure dizer-lhes no ouvido alguma palavra carinhosa, cuja necessidade, aos
poucos, você irá percebendo. Este é o grande segredo que o torna dono do coração dos
jovens”247. Quando a carta se tornava Lembranças confidenciais a todos os diretores, Dom
Bosco fazia seguir uma discreta série destas “palavras”, dirigidas à “alma” e à “salvação”
248
.
Mas existe também o cotidiano encontro coletivo com a comunidade: “superiores”,
assistentes, colaboradores externos, jovens estudantes e/ou artesãos, familiares. A ela,
reunida para a oração da noite e antes de ir dormir, Dom Bosco quer que, segundo uma
tradição por ele iniciada e consolidada, o diretor, normalmente, ou, em outras ocasiões, um
seu colaborador, “dirija algumas palavras afetuosas em público, avisando alguma coisa ou
aconselhando a respeito do que se deve fazer ou evitar; e procure tirar suas palavras de
fatos acontecidos durante o dia no instituto ou fora dele”. É a clássica boa noite destinada a
criar e a intensificar um clima geral de franca comunicação. Dom Bosco recomenda uma
brevidade que ele muitas vezes não observava, mas que tinha a finalidade de não
transformar uma breve reflexão e saudação paterna em um prolixo e árido sermão: “sua fala
nunca passe de dois ou três minutos”. Nestas condições a boa noite podia realmente tornar-
se “a chave da moralidade, do bom andamento e do bom sucesso da educação”249.

3.2 A comunidade dos educadores

O diretor não é o único educador, nem dirige sozinho. Se “a essência de um diretor”,


como defende Dom Bosco, não é fazer tudo pessoalmente, mas coordenar e agir em
comunhão, é claro que a sua ação vai encontrar-se e entrelaçar-se com a colaboração de
todos os responsáveis pela “casa”. Verifica-se com isto a convergência de duas afirmações
outro tanto verdadeiras: “Em suma, disto você poderá descobrir que a essência de um
diretor consiste em repartir as coisas a serem feitas e depois insistir para que sejam
feitas”250. “Aqueles que se encontram em alguma atividade especial ou prestam assistência
aos jovens, que a Divina Providência nos confia, todos têm a obrigação de avisar e
246
EUGÊNIO VALENTINI, A direção dos jovens no pensamento de Dom Bosco, em “Salesianum” XIV
(1952) 354.
247
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”... , página 149. A propósito de
“barulhenta recreação”, cheia de vida e alegre, do primeiro oratório, Dom Bosco escreve nas Memórias do
Oratório: “A alguns com uma palavra no ouvido eu recomendava maior obediência, maior pontualidade nos
deveres do próprio estado; a outros, de freqüentar o catecismo, devir confessar-se e coisas semelhantes”: MO
(1991) 160.
248
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”... , páginas 155 – 156.
249
O sistema preventivo (1877), páginas 56, 58, OE XXVIII 434, 436; cfr. EUGÊNIO CERIA, Anais da
Sociedade Salesiana, volume 3º . Turim, SEI 1946, páginas 856-869, De uma coisa toda salesiana: “ boa
noite”.
250
Carta ao Padre José Ronchail, 23 de março de 1877, E III 158.
aconselhar a qualquer jovem da casa, todas as vezes que houver motivo para isso,
especialmente quando se trata de impedir a ofensa de Deus”. Também o porteiro é chamado
em causa como ator de primeiro plano em garantir o caráter “preventivo”do sistema251 : “A
escolha de um bom porteiro é um tesouro para uma casa de educação”252.
“Superiores”, responsáveis em qualquer ocasião, e educadores são praticamente
sinônimos, diferentemente “pais, irmãos, amigos”. Os termos são referidos mais
especificamente àqueles que desempenham funções particulares: nos colégios e internatos,
o prefeito ou vice-diretor e ecônomo, o catequista ou diretor espiritual, o conselheiro
escolar ou o prefeito dos estudos, o conselheiro profissional. Mas na ação comum são
também envolvidos proporcionalmente à idade e às atividades desenvolvidas, os
professores, os “mestres”, os assistentes, os chefes de oficina. A cada cargo e atividade, o
Regulamento para as casas dedica um capítulo próprio253. Puramente nominais, entretanto,
são na prática várias “funções” previstas pelo Regulamento do Oratório... para os
externos254, imitações de fontes utilizadas por Dom Bosco, por ele sensivelmente renovadas
no “espírito”.
Cada um age segundo conforme as respectivas competências e incumbências, em
uma rede de relações que faz de todos uma compacta comunidade educativa. Testemunham
isto em Valdocco as atas, as situações das reuniões de assistentes, professores, “superiores”
do “capítulo da casa” ou, até mesmo, do “capítulo superior”. Nas palavras, como nas
discussões e nas resoluções, o eu é geralmente substituído pelo nós, com base no princípio:
“Nós não queremos ser temidos, desejamos ser amados e que tenham em nós toda a
confiança”255.
A solidariedade da comunidade educativa é particularmente visível nos “internatos,
colégios e casas de acolhida. Mas se realiza, em forma análoga, nas mais variadas
instituições, nas quais os jovens se reúnem. A todos indistintamente é pedida uma “plena
influência nos jovens”, como a todos é pedida a “assistência”educativa, que não só
“vigia”mas ilumina, encoraja, promove.

3. O mundo móvel dos jovens

Neste contexto, familiar, paterno, às vezes até paternalista, assume extraordinária


importância a anual festa da gratidão. É festa em parte pilotada, mas de todos os
modos, é ocasião de mobilização geral das forças vivas dos jovens, atores das mais
variadas atividades: música sacra e profana, canto, composições literárias, poesia,
teatro, academias, cartas, preparação dos ambientes e de espetáculos diversos.
Iniciada nos primeiros tempos do internato256, a festa da gratidão veio corresponder,
em Valdocco, com o onomástico de Dom Bosco, 24 de junho, solenizado com crescente
participação, até à morte do festejado. Difundiu-se contemporaneamente, com analogia

251
Regulamento para as casas..., Artigos gerais, artigo primeiro, página 15, OE XXIX 111; primeira parte,
capítulo XV, páginas 47-49, OE XXIX 143-145 Do porteiro.
252
O sistema preventivo (1877), página 56, OE XXVIII 434.
253
Regulamento para as casas..., primeira parte, Regulamento particular, capítulos I – XVIII, páginas 19 –
57, OE XXIX 115 –153.
254
Cfr. Regulamento do Oratório... para os externos, primeira parte, páginas 4-27, OE XXIX 34 –57.
255
Citado em MB VI 320.
256
Cfr. MB II 491; III 534-536.
de estilo, por todas as instituições educativas salesianas, tornando-se consolidada
“tradição pedagógica”.

4.1 Entre respeito e progressiva autonomia

Ela, no dizer de Dom Bosco, tinha a finalidade de suscitar nos jovens, o “respeito e o
amor para com os superiores”, aprofundando o sentimento da “família”, além
naturalmente de promover obrigatórios e formativos sentimentos de gratidão e de
gentileza257. É óbvio que na pedagogia do “fazer-se amar antes que fazer-se temer”, seja
favorecida, como em toda família ordenada, a cultura da honra, do respeito, da
reverência, para com os educadores, como também para com os próprios pais (“honra
teu pai e tua mãe”), parentes e benfeitores. Não eram raras, no período natalício, as
exortações aos jovens, para que escrevessem aos seus pais expressando gratidão e
pedindo perdão pelas faltas passadas, prometendo respeito e obediência. “Recomendo-
lhes – Dizia Dom Bosco no boa-noite de 31 de dezembro de 1868 – rezar, comungar na
intenção de seus pais, parentes, irmãos e irmãs ou benfeitores que trabalham pelo pão
que vocês comem, fazem sacrifícios para vocês, e sejam-lhes reconhecidos. Em seguida
associava a gratidão aos professores e a todos que cooperavam para seu crescimento
cultural e moral258.
O Regulamento para as casas, em um capítulo Comportamento para com os
superiores, é rico de indicações acerca de atitudes que antecipam e acompanham o
amor, como sua exigência e complemento. Fala-se de obediência, de submissão,
reconhecimento, espera de conselhos e de avisos, “reverência”, deferência, respeito,
sinceridade259: expressões daquele “temor” que nada tem a ver com o “medo” ou com a
distância, mas é forçoso reconhecimento da proeminente maturidade humana e moral
dos “superiores”, dos quais muito se recebe e cujo desprezo seria muito danoso.
Não significa, porém, educação a perpétua sujeição ao educador, mesmo se o aluno,
crescido em autonomia e competência, poderá desejar, ainda depois do tempo
educativo, seus conselhos, avisos e correções260.
De qualquer modo, aos jovens resta largo campo para viver o próprio mundo de
vida, de exigências, de energias, de contribuições originais, positiva ou negativamente.
Os educadores sentem-se sempre interpelados a esse respeito. Impelem-nos as tácitas ou
expressas “barreiras”, protestos, descontentamentos. Nas freqüentes “conferências”ou
“reuniões periódicas”, os educadores de Valdocco têm muito conhecimento disto e não
faltam pesquisas e preocupações para individuar as causas e propor remédios261

4.2 Comunidade juvenil articulada: as “companhias”

257
Cfr. MB IX 886.
258
JOAQUIM BERTO, Crônica de junho a dezembro de 1868, páginas 33-34
259
Regulamento para as casas..., primeira parte, capítulo IX Comportamento para com os superiores, páginas
75-77, OE XXIX 171-173.
260
O sistema preventivo (1877), página 50, OE XXVIII 428.
261
Para muitas interrogações colocadas nas reuniões do pessoal e do mesmo “capítulo superior”e, em
particular sobre a pesquisa de junho de 1884 entre os membros do conselho (“capítulo”) da casa, cfr
J.MPRELLEZO, Valdocco no 800...,páginas 271-307.
Dom Bosco sabe, por isso não quer uma família genérica e indiferenciada ou
fundada somente em relações verticais. Antes de tudo, ela assume rostos diversos, ainda
que na unidade da inspiração originária, ou melhor do protótipo, a “casa” de Valdocco,
completa em todos os seus componentes: os dois colégios internos, para estudantes e
para artesãos; a escola elementar diurna para meninos externos; o oratório festivo; o
quase seminário e noviciado para jovens salesiano em formação. Diversas são as
concretizações, conforme se trata de instituições nas abertas como o oratório, o
externato, o centro juvenil, ou então de convivências mais rígidas, como o colégio para
internos, artesãos e estudantes, ou o colégio-seminário.
Além disso, cada uma de tais instituições estão ulteriormente articulada, ainda que
modo diferente: em primeiro lugar as classes escolares, como os pequenos e os grandes,
e os que pertenciam às diversas oficinas; depois, os cantores para o canto sagrado e
profano, a escola teatral, a banda de música; mais tarde, as sociedades ginásticas e
esportivas; e, em tudo, as “companhias religiosas” e pequeno clero; ainda, a Sociedade
de mútuo socorro, a conferencia juvenil de São Vicente de Paulo e a sociedade operária;
e mais ainda, eventuais subgrupos com interesses religioso-morais, culturais e
recreativos.
Particular destaque é dado, na casa-família, às companhias, que trazem a ela um
inconfundível caráter de solidariedade e de participação. Elas parecem encontrar sua
matriz ideal nas reuniões entre estudantes amigos, que costumavam chamar-se
Sociedade da Alegria, promovidas pelo jovem Bosco em Chieri em 1832. Ele mesmo
escreve a respeito nas Memórias do Oratório,que, redigidas quase todas entre 1873 e
1875, referem normas de comportamento que retratam exatamente as linhas de sua
pedagogia moral madura. “Era obrigação grave de cada um procurar aqueles livros,
introduzir aquelas conversas e aqueles divertimentos que pudessem contribuir para estar
alegre; pelo contrário era proibida qualquer coisa que causasse melancolia
especialmente as coisas contrárias às leis do Senhor. Quem portanto blasfemasse ou
tomasse o nome de Deus em vão ou tivesse más conversas era imediatamente afastado
da sociedade. Encontrando-me assim à frente de uma multidão de companheiros, de
comum acordo chegamos as seguinte conclusões: Primeiro, cada membro da Sociedade
da Alegria deve evitar qualquer conversa, qualquer ação que não seja de bom cristão;
segundo, exato cumprimento dos deveres escolares e dos deveres religiosos”262.
Quanto ao funcionamento e ao programa de atividades, dom Bosco parece projetar
neles os conteúdos e o espírito dos regulamentos das companhias, sacramentados em
Valdocco por décadas. “Durante a semana a Sociedade da Alegria reunia-se na casa de
um dos sócios para falar de religião. Esta reunião era livre. Vinha quem queria.
Garigliano e Braja eram os mais pontuais. Nos entretínhamos um pouco em alegre
recreação, em piedosas conferências, leituras religiosas, em orações, em dar um aos
outros em darmos bons conselhos e na correção fraterna de defeitos pessoais que
alguém pudesse ter observado ou tivesse ouvido de outros. Sem mesmo saber,
colocavam em prática aquele sublime aviso: Feliz quem tem um monitor (...). Além
destes amigáveis encontros, íamos ouvir as pregações, e muitas vezes confessar-nos e
comungar”263.

262
MO (1991) 61.
263
MO (1991) 62-63.
Que sejam completamente ou em parte originais, ou sejam ou não inspiradas nas
“congregações” de estudantes existentes também em Chieri, encontre ou não na
“Sociedade da Alegria” um prelúdio histórico, as “Companhias” são um fator essencial
e indispensável no organismo educativo de Dom Bosco, crescendo com o próprio
amadurecer de sua experiência. Elas representam um válido instrumento para a
tradição, no plano prático, daquelas colaborações entre alunos e educadores, sem as
quais seriam ilusório falar de educação familiar264. Elas constituem um instrumento
importante para estabelecer uma ligação vital entre as exigências do amor educativo dos
“superiores” e o consenso ativo dos jovens265.
De fato, em aparências nascidas ocasionalmente, elas se inseriram profundamente
no “sistema”, respondendo a suas exigências profundas e às da psicologia juvenil ,
especialmente à necessidade de atividade espontânea e de vida social no grupo. Por isso
Dom Bosco as queria circuncidada de máximo prestígio, tanto por parte dos educadores
como dos alunos e introduzidas em todas as instituições. Era vinculante tudo o que
escrevia nas Lembranças confidenciais: “O pequeno Clero, a Companhia de São Luís
do Santíssimo Sacramento, da Imaculada Conceição sejam recomendadas e
promovidas. Demonstra benevolência e satisfação com aqueles que a elas pertencem;
mas você será somente promotor delas e não diretor; considere estas coisas como
trabalho dos jovens, cuja direção é confiada ao catequista266. Na circular aos salesianos
de 15 de novembro de 1863 lembrava que delas dependia “o espírito e o aproveitamento
moral das nossas casas”267 e em outra de doze de janeiro de 1876 as definia “chave da
piedade, conservatório da moralidade, sustentáculo das vocações eclesiásticas e
religiosas”268.
Os elementos organizativos são simples. O primeiro é dado pela liberdade e pela
vontade de participação.

“Por estréia lhes darei uma coisa para fazer (...). A coisa para fazer é esta:
que se tenha cuidados todo especiais com esta pequenas companhias que
existem em casa, como a de São Luis, do Santíssimo Sacramento do pequeno
clero, de São José, de Maria Auxiliadora e da Imaculada Conceição.
Recomendo especialmente aos professores e aos diretores desta companhias
que exortem, antes, não que exortem, mas que deixem o caminho aberto aos
jovens para que, quem quiser possa entrar; de exortação vocês não
precisam”269.

264
Elas surgem nesta ordem: São Luis, 1847; Imaculada, 1856; Santíssimo Sacramento e Pequeno clero,
1857; São José, 1859.
265
Cfr PEDRO STELLA, Dom Bosco na história econômica e social (1815-1870), páginas 259-269.
266
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidências aos diretores..., página 156.
267
E II 320.
268
E III 8.
269
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 3bis, boa-noite de 31 de dezembro de 1875, página 43.
É, alem disso, afirmada certa auto-gerência dos jovens, ainda que com a supervisão,
chamada impropriamente “direção”, do Catequista270, como está recomendado já nas
Lembranças confidenciais271.
Especial valor educativo à caridade têm para Dom Bosco as conferências de São
Vicente de Paulo, que ele logo introduziu entre os jovens antes em Valdocco e depois
nos outros Oratórios de Turim272. Dom Bosco, antes, tornou-se promotor das benéficas
e educativas “Conferências anexas”, Conferências de São Vicente para os jovens,
anexas às Conferências de Paris, também nos oratórios romanos (1858)273, tanto que o
marquês Patrizi chamava-o “o nosso caríssimo Institutor”274. Semelhante associação ele
ajudou a fundar também entre um grupo de jovens de Bérgamo275.
Ainda em sentido concreto da “prevenção” religiosa e moral e o desejo de promover
a solidariedade cristã induzia Dom Bosco a fundar, entre os operários mais adultos,
inscritos na companhia de São Luis, uma Sociedade de mútuo socorro276. O
regulamento foi impresso em 1850. Nela, além de vantagens materiais, os jovens
trabalhadores encontrariam também uma orientação prática para o associacionismo
tipicamente cristão. O seu objetivo, de fato, era “levar socorro àqueles companheiros
que ficassem doentes, ou se encontrassem em necessidades porque involuntariamente
sem trabalho”277.
Nos últimos anos, Dom Bosco aceitava o convite para ressuscitá-la, convidando os
ex-alunos a inscrever-se em alguma das tantas sociedades operárias existentes278.

270
Cfr Artigo 4 do Regulamento da companhia de São Luis, no Regulamento do Oratório... para os externos,
segunda parte, capítulo XI , página 45, OE XXIX 75; companhia de São José, MB VI 194; do Santíssimo
Sacramento e do pequeno clero, MB V 760 e 788; cfr ainda MB III 220; MB VI 196-197.
271
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidências aos diretores..., página 156.
272
Cfr FRANCISCO MOTTO, As conferencias “anexas” de São Vicente de Paulo nos oratórios de Dom
Bosco. Papel histórico de uma experiência educativa, no volume de J. M. PRELLEZO, O compromisso em
educar..., páginas 467-492.
273
Cfr. Viagem a Roma 1858, crônica manuscrita de Dom Bosco e do clérigo Rua, páginas 38 e 70.
274
Cfr. Carta de Dom Bosco ao marquês Patrizi de 22 de maio de 1858: “para recomendar-lhe – escreve – as
conferências anexas, ainda que eu esteja intimamente persuadido que fará ainda mais, sem ulteriores
recomendações” (Em I 349); resposta de Patrizi de 1 de julho, MB V 927-928.
275
DOMINGOS RUFFINO, Crônica multilada de 1861, páginas 10-11.
276
Sociedade de mútuo socorro de alguns indivíduos da companhia de São Luis, erigida no oratório de São
Francisco de Sales. Turim, tipografia Speirani e Ferrero 1850, 8 páginas, OE IV 83-90. “Para impedir que os
jovens externos do oratório acabassem inscrevendo-se em Sociedades perigosas, Dom Bosco pensou em criar
uma entre eles, tendo por finalidade o bem estar corporal não separado da vantagem espiritual de seus sócios”
(História do Oratório de São Francisco de Sales, BS 5 (1881) número 8, agosto, página 8).
277
Artigo 1 do Regulamento em Sociedade de socorro mútuo..., página 4, OE IV 86.
278
Cfr. Discurso a ex-alunos, no encontro de 23 de julho de 1882, BS 6 (1882) número 9, setembro, página
150.
Capítulo 16.

A PEDAGOGIA DA ALEGRIA E DA FESTA

Foi afirmado com feliz intuição por um agudo filósofo, Francisco Orestano: “Se São
Francisco santificou a natureza e a pobreza, São João Bosco santificou o “trabalho”e a
“alegria” (...). Não me admiraria se Dom Bosco fosse proclamado Santo protetor dos jogos
e dos esportes modernos”279.
Em uma sintética visão da pesquisa mais recente sobre Dom Bosco e a sua
“modernidade”, Pedro Stella observava que alguns estudos têm posto em evidência, mais
do que as formulações de 1877 sobre o “sistema preventivo”, as intuições que o regem em
seu devir e, em relação com estas, o papel que desempenharam o uso do tempo livre e o
esporte na experiência educativa de Dom Bosco: tanto no agrupamento espontâneo juvenil
dos oratórios, quanto no bastante desinibido (ainda que não isento de elementos coercitivos
ou mesmo repressivos) do colégio salesiano: onde o brinquedo no pátio era momento
importante de vida e também de salutar válvula de escape”280.

1. A alegria

A alegria é o elemento constitutivo do “sistema”, inseparável do estudo, do trabalho


e da piedade, a “religião”. “Se você quiser tornar-se bom – sugeria Dom Bosco ao jovem
Francisco Besucco – pratique somente três coisas e tudo correrá bem (...). São elas: Alegria,
Estudo, Piedade. É este o grande programa que você deve praticar, e assim poderá viver
feliz e fazer muito bem à sua alma”281. Um ano antes, em 1862, o estudante João Bonetti
anotava em uma de suas crônicas: “Dom Bosco costuma dizer aos jovens do oratório que
deles quer três coisas: alegria, trabalho e piedade. Repete freqüentemente as palavras de
São Felipe Néri aos seus jovens: “No momento devido corram, saltem, divirtam-se até mais
não poder, mas, por caridade, não façam pecado”282.
A alegria é característica essencial do ambiente familiar e expressão da
amorevolezza, resultado lógico de um regime baseado na razão e na religiosidade, interior e
espontânea, que tem a sua fonte última na paz com Deus, na vida de graça. “O contacto
fraterno e paterno do educador com os seus alunos” “não teria valor nem efeito sem a
eficácia da vida alegre, da alegria sobre o espírito do jovem, que por ela se abre à
influência do bem”283.
A alegria, antes de ser expediente metodológico, um “meio” para fazer aceitar o que
é “sério” em educação, é para Dom Bosco forma de vida, que ele vê derivar de uma

279
FRANCISCO ORESTANO, Celebrações, volume I, páginas 76-77; cfr. GEORGE SÖLL, Dom Bosco –
embaixador da alegria.Colônia, Kölner Kreis 1977.
280
PEDRO STELLA, Balanço das formas de conhecimentos e dos estudos sobre Dom Bosco, em MÁRIO
MIDALI, Dom Bosco na história..., página 35.
281
JOÃO BOSCO, O pastorzinho dos Alpes..., páginas 90-91, OE XV 332-333.
282
JOÃO BONETTI, Anais II (1861-1862), 2 de maio de 1862, página 77.
283
Cfr. ALBERTO CAVIGLIA, Introdução à leitura de A vida de Domingos Sávio, páginas 41-42. O tema
“a alegria como fator educativo” em Dom Bosco é particularmente desenvolvido também por F. X.
EGGERSDORFER, Educação da juventude..., páginas 263-264.
instintiva avaliação psicológica do jovem e do espírito de família. Em um tempo
geralmente austero na própria educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro,
entende que o garoto é garoto e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que a sua exigência
mais profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, a “sociedade da alegria”. Além disso, homem
de fé e padre, ele está convencido de que o cristianismo é a mais segura e duradoura fonte
de felicidade, porque é alegre anúncio, “evangelho”: da religião do amor, da salvação, da
graça, não pode ser senão a alegria, o otimismo. Entre jovens e vida cristã existe, portanto,
uma singular afinidade, quase um apelo recíproco. “o jovem que se sente em graça de Deus,
experimente naturalmente a alegria, seguro da posse de um bem que está todo em seu
poder, e o estado de prazer se traduz para ele em alegria”284.
Efetivamente, na prática educativa e na correlativa reflexão pedagógica de Dom
Bosco, a alegria assume um significado religioso. Sabem isto muito bem os próprios
alunos, como aparece no encontro de Domingos Sávio com Camilo Gávio, onde, como já
foi visto, a alegria coincide com a santidade285. Este aspecto aparece explícito e límpido
nesta e nas outras vidas escritas por Dom Bosco ou vividas na sua “casa”. “Dom Bosco –
insiste Caviglia – soube ver a função da alegria na formação e na vida de santidade, e quis
que reinasse entre seus jovens a alegria e o bom humor. Sirvam ao Senhor na alegria podia
ser chamado o décimo mandamento da casa de Dom Bosco”286.
Esta mistura equilibrada de sacro e profano, de graça e de natureza, na esperteza
tipicamente humana do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões da
vida cotidiana, no cumprimento do dever, como na “recreação”. Atinge particular
intensidade nas muitas festividades, religiosas e profanas, com uma tonalidade
característica no fim do carnaval, no princípio os últimos três dias. Com o exercício da boa
morte, a adoração eucarística contínua, a oração, entrelaçam-se o tratamento especial na
mesa, os esportes, o bingo, o teatro, a música, a fogueira final.
Não existe livro de Dom Bosco que ponha mais em evidência esta mistura de
devoções e brinquedos, que as Memórias do Oratório, “oratório” em sentido etimológico,
lugar de oração, e “jardim de recreação”. Ele mesmo afirma: “Afeiçoados a essa mistura de
devoção, de brinquedos, de passeios, cada um se afeiçoava muito a mim de tal modo que,
não somente eram obedientíssimos às minhas ordens, mas ficavam ansiosos para que eu
lhes incumbisse de algum trabalho”287.
Em segundo lugar, Dom Bosco considera a alegria necessidade fundamental de
vida, lei da juventude, por definição idade em expansão livre e alegre. Por isso fica
exultante, como em uma bela página do Esboço biográfico de Miguel Magone. Com aberta
complacência escreve “da sua índole fogosa e esperta”, do “apaixonado olhar para os
brinquedos” no fim do recreio e daquele “parecia que um canhão saía da sua boca”, quando
se passava da sala de aula ou do estudo para o recreio288.
Dom Bosco via nele o arquétipo da grande massa dos jovens.
Esta compreensão da psicologia juvenil fá-lo aceitar, em parte, as efervescências
militares de 1848 e “adaptando-se às exigências do tempo, em tudo aquilo que não era
prejudicial à religião e ao bom costume, ele não hesitou em permitir aos jovens que
fizessem, também eles, no pátio do Oratório, suas manobras, antes, deu um jeito de arranjar
284
ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone”..., página 149.
285
JOÃO BOSCO, Vida do jovem Domingo Sávio...,página 86, OE XI 236.
286
ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone”..., página 149.
287
MO (1991) 146.
288
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., página 15, OE XIII 169.
uma boa quantidade de fuzis sem cano, mas com um bastão na ponta”289. São conhecidas
dos contemporâneos de Dom Bosco, as disposições do “soldado” José Brosio (1829-1883),
por eles recordados em uma sua tardia memória290.
Os jogos, as brincadeiras, os barulhos, as conversas alegres e ao mesmo tempo com
tons de seriedade e construção educativas, povoam as recreações. As Memórias do
Oratório são ricas de vocábulos que indicam movimento e alegria: “brincadeiras, cantos,
gritos”; “provocar aplausos e ovações gritando, assoviando e cantando”; “cansados de rir,
brincar, cantar e diria mesmo de urrar”291; “o recreio com bolas de pau, pernas de pau, com
fuzis, com espadas de madeira, e com os primeiros instrumentos de ginástica”; “a maior
parte do tempo transcorria-se saltando, correndo e curtindo vários jogos e brinquedos”.
“Todas as possibilidades de salto, corrida, alteres, cordas, bastões” “eram colocados em
movimento sob meu comando”292.
A alegria torna-se, nas mais variadas formas de recreação e sobretudo nos
brinquedos ao ar livre, meio diagnóstico e pedagógico de primeira ordem para os
educadores; e para os próprios jovens, campo de irradiação de bondade. “Depois da
confissão – observa Alberto Caviglia -, não se pode indicar outro centro mais vital e ativo
do que este no seu sistema. Porque, não somente na espontaneidade da vida alegre e
familiar do jovem se tem uma das fontes capitais do conhecimento dos ânimos; mas,
sobretudo, tem-se um meio e uma ocasião de aproximar-se, sem sujeição e sem dar na vista,
de um por um dos jovens, e de dizer-lhes em confiança aquela palavra que cada um precisa.
Volta aqui o princípio vital da pedagogia, ou melhor, da educação verdadeira e própria: o
da educação de um por um, mesmo se respirada no clima ambiente da educação
coletiva”293.
À vida do pátio Alberto Caviglia dedica uma significativa “digressão” no seu estudo
sobre a biografia do jovem Magone, enunciando o seu tema: “se lembramos que até quando
foi possível, Dom Bosco deixava todo o resto para encontrar-se no pátio com seus filhos,
nós compreenderemos a importância que este fator tem, aos seus olhos de pai e de educador
das almas dos seus filhos” 294. “Eu servia-me daquela livre recreação – atesta o próprio
Dom Bosco referindo-se ao primeiro oratório – para insinuar nos meus alunos pensamentos
de religião e de freqüência aos santos sacramentos”295. O último dos sete “segredos do
Oratório”, revelados por Dom Bosco em junho de 1875 e registrados pelo Padre Barberis,é:
“Alegria, canto, música e grande liberdade nos divertimentos”296.
A alegria é, portanto, para Dom Bosco, não só recreio, divertimento, mas autêntica,
insubstituível realidade pedagógica. Não por nada, como já foi visto, que a “familiaridade

289
MB III 320.
290
JOSÉ BROSIO, Testemunho de 1880, páginas 3-5, cfr MB III 438-440; História do oratório..., BS 5
(1881) número 3, março, página 15.
291
MO (1991) 145.
292
MO (1991) 159.
293
ALBERTO CAVIGLIA, Domingos Sávio e Dom Bosco. Estudo, páginas 134.
294
ALBERTO CAVIGLIA, O “Miguel Magone”...,página 172.
295
MO (1991) 160.
296
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno II, página 3. O quinto e o sexto são respectivamente: “os superiores
infundem muita confiança e encontra-se sempre no meio dos jovens” e “aquele falar-lhes duas palavras
confidenciais e de coração depois das orações” (Ibidem).
com os jovens especialmente no recreio” é um ponto capital do sistema reafirmado na carta
aos educadores de maio de 1884297.

2. As festas

Daí se deduz o significado também “pedagógico” das festas.Nos dias festivos a


alegria encontra suas expressões mais sensíveis e intensas298. Estes dias festivos sucedem-
se numerosos e diversamente acentuados. Devem ser mencionados antes de tudo, os
domingos ordinários e as grandes solenidades litúrgicas, entre as quais aparecem a novena e
a festa de Natal, a solenidade da Epifania, a Semana Santa, Páscoa, a Ascensão,
Pentecostes, Corpus Christi. A Páscoa é preparada ou seguida de grande movimento de
confissões e comunhões para meninos e meninas dos oratórios festivos299.
De excepcional significado educativo, para cada um e para a “limpeza” da
comunidade, são algumas celebrações Mariana: a Natividade em setembro, a Imaculada
Conceição em dezembro, festa importantíssima, porque lembrava o início da obra dos
oratórios, Maria Auxiliadora, em 24 de maio, a Assunção. O 24 de maio não é somente
festa do oratório mas torna-se logo uma verdadeira festa popular e de peregrinos com
extraordinárias manifestações sagradas e profanas; na organização e na condução das várias
atividades envolvem-se jovens e salesianos300.
São vividas, com particular intensidade e acontecimentos especiais, as festas de
santos mais queridos: São Francisco de Sales, São José, São Luis Gonzaga, São João
Batista, com a grande festa anual para Dom Bosco dos alunos e ex-alunos, São Pedro com a
festa do Papa, Todos os Santos, Santa Cecília, padroeira dos músicos, enfim, o padroeiro de
cada instituição educativa. Interesse particular toma a festa de 24 de junho, com início na
noite da vigília, modelo da “festa da gratidão”, celebrada em diferentes datas nas “casas” e
nos oratórios salesianos. Da de Valdocco, o “Boletim salesiano”, desde 1879, oferece boas
informações, seguidas pela relembrança dos encontros, em julho, com os ex-alunos do
oratório, sacerdotes e leigos301.
Entre as festas, caracterizadas por extraordinária efusão musical, cantos e esplendor
de ritos, muitas são precedidas por tríduos e novenas. Também alguns meses são prenhes de
excepcional carga educativa, que provoca a festiva e convicta participação dos jovens: o
mês de maio, mariano; o mês de março em honra de Sã José, vizinho ao interesse quase

297
Duas cartas datadas de Roma..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador..., página 365, 370, 384. F.
X. EGGERSDORFER, Educação da juventude..., vê na alegria e no brinquedo generosamente presente nas
instituições de Dom Bosco um capital fator de vitalidade e de ativismo educativo ( páginas 283-287).
298
Cfr. FRANCISCO DESRAMAUT, A festa salesiana no tempo de Dom Bosco, no volume A festa na
experiência juvenil do mundo salesiano, editado por C. Semeraro. Leumann (Turim), editora LDC 1998,
páginas 79-99, particularmente O valor pedagógico das festas salesianas (páginas 97-99); R. ALBERDI, A
festa na experiência salesiana na Espanha (1881-1901), Ibidem, páginas 100-129.
299
Cfr. J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800..., páginas 83, 109-111, 189.
300
Cfr. J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800..., páginas 79, 93, 101-102, 114-118, 155-156, 177-178, 199-200,
202-206. Porém, no primeiro capítulo geral de 1877, “falou-se de coisa perigosa para a moralidade aquela
mistura geral que acontece na feira de Maria Auxiliadora e em outros colégios, em ocasiões especiais” (
JÚLIO BARBERIS, Atas, caderno primeiro página 143-144).
301
BS III (1879) numero 7, julho, páginas 8-9; 4 (1880) numero 9, setembro, páginas 9-12; 5 (1881) numero
8, agosto, paginas 15-16; 6 (1882), numero 7, julho, páginas 122-123; 7 (1883), numero 7, julho, páginas 116
e numero 8, agosto, páginas 127-129; 8 ( 1884), numero 8, agosto, páginas 110-116; 9 (1885), numero 8,
agosto, páginas 116-119.
corporativo dos artesãos; o mês de outubro, com a festa de Nossa Senhora do Rosário e o
incremento desta prática.

“O esforço – observa Eugênio Ceria – para oferecer às mentes e às fantasias


dos jovens um alimento variado, que os afastasse de pensamentos de coisa
menos boa, era constante no santo Educador. Como as representações
dramáticas também dirigia à mesma finalidade as festas na igreja e fora da
igreja, que ele fez celebrar não só com pompa e alegria, mas também em
intervalos tais que, quando se acabava a impressão deixada por uma, logo
surgia a expectativa da outra”302.

Reflexivos e alegres, ao mesmo tempo, são o retiro mensal, chamado “exercício da


boa morte”, os retiros espirituais anuais, o tríduo de introdução ao ano escolar, enriquecidos
com excursões e festas: da uva, das castanhas, das premiações. Na primavera, acrescentava-
se, preparado com particular cuidado, o passeio anual303. Já falamos do carnaval e dos seus
“ritos”, sagrados e profanos.
Eram freqüentes também as recepções de autoridades eclesiásticas e civis, e outras
iniciativas que impediam que na instituição educativa se instaurasse um estilo de rotina e de
enjôo.
Qualquer manifestação apresentava sempre um rosto duplo: religioso e profano.
Dom Bosco queria que fosse potenciado seu explícito valor educativo, começando dos
comuns encontros dominicais do oratório, que, porquanto fosse possível, deviam apresentar
um caráter de “novidade”, de alegria e de edificação304.
Nas salas de aula os professores eram convidados a chamar a atenção dos alunos
sobre as festas305.
A festa solene reproduzia o ritmo religioso do domingo, fortemente potenciado com
música e canto, possivelmente com a presença de um bispo, com um almoço mais
prolongado e mais rico, encerrado às vezes com as harmonias da banda de música no pátio
e mais o teatro à noite. O vértice da festa era constituído agora pela comunhão eucarística,
possivelmente geral na primeira missa matutina.

“Na noite de 25 – escrevia de Roma ao Padre Rua, em fevereiro de


1870, dirigindo-se no final diretamente aos jovens - estarei nomeio de vocês
para ser todo de vocês. Peço-lhes também não fazer-me nenhuma festa. A
festa maior para mim é ver vocês todos em boa saúde e com boa conduta. Eu
procurarei fazê-los alegres. No domingo depois da minha chegada, espero
que faremos uma grande festa em honra de são Francisco de Sales. Façam-
me então a mais querida festa que eu possa desejar, isto é, que todos façam

302
MB XII 136.
303
Desta é feita a análise nas “conferências” dos educadores para avaliar seu êxito, individuar os
inconvenientes, propor melhorias: cfr. J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800...,páginas 83-84, 91-93.
304
Até mesmo, desde 1842, segundo MO (1991) 123-125; Depois 125, festas dos pedreiros em honra de Santa
Ana; anos depois, 144-146, passeio a Superga; 158-160: “saindo da igreja começava o tempo livre” (páginas
159); 178-180, festa de São Luis; 195-196, festa de Pio IX exilado em Gaeta.
305
“Ocorrendo novena ou solenidade, diga alguma palavra de encorajamento, mas bem rapidamente, se for
possível com algum exemplo” (Regulamento para as casas...., primeira parte, capitulo VI Dos mestres de
escola, artigo 13, página 35, OE XXIX 131).
naquele dia a santa comunhão. Quando vocês fazem festas desse tipo, o resto
não interessa”306.

3. O teatro.

A primeira representação teatral foi feita em 29 de junho de 1847 no incipiente


Oratório de Valdocco, por ocasião da visita do arcebispo Luis Fransoni. Um grupo de
jovens havia-se preparado “para a declamação, para os diálogos e para o teatrinho”. À
chegada do arcebispo, Dom Bosco leu “alguma coisa de oportunidade”. Depois do rito da
crisma e da missa, em honra do arcebispo foram recitadas “primeiro, várias composições
em poesia e em prosa”, seguidas de um diálogo-comédia de um colaborador de Dom
Bosco, o teólogo Carpano, com o título Um soldado de Napoleão307.
Dois anos depois, um jovem pintor de 20 anos, original e brilhante, Carlos Tomatis,
que ficou no oratório de 1849 a 1861, enquanto Dom Bosco, no sábado de noite, estava
ocupado nas confissões, tomou a iniciativa de entreter os mais jovens companheiros
internos com mímicas, teatros de marionetes, farsas, comédias308.
Para os anos 1847-1852, está documentado um outro tipo de atividade teatral com
diálogos e representações didáticas sobre história sagrada, o sistema métrico decimal, etc.,
geralmente unida com a atividade das aulas noturnas e dominicais, algumas vezes na
presença de personagens especiais, como Ferrante Aporti e Carlos Bon Compagni309.
Com os anos 50, no internato de Valdocco, tem início uma verdadeira tradição
teatral, que acabará por enriquecer-se nos 60 com vários “gêneros”: comédias e farsas
populares, dialetais e italianas; comédias latinas, na presença de ilustres personagens da
cidade; o drama histórico e sacro; vários tipos de apresentações musicais: opereta,
melodrama, antologias de trechos tirados do teatro lírico, romanças310. Em abril de 1861
acontece a primeira representação da comédia latina Minerval do Jesuíta Padre Palumbo.
Em Valdocco acontecia, em 2 de junho de 1864, a réplica da comédia Phasmatonices
(Vencedor das larvas), já representada em 12 de maio, do bispo S.M. Rosini, adaptada pelo
mesmo Padre Palumbo311. Em primeiro de junho 1865 será representado em Mirabello312.
Representações latinas e academias eram parte notável das atividades paraescolares313.
O teatro, portanto, nas várias expressões, gradualmente se insere com pleno direito
no sistema educativo de Dom Bosco, praticamente e vitalmente, como elemento integrante
e para a constituição do ambiente de alegria e com uma função educativa e didática314.

306
E II 71-72.
307
MO (1991) 179 e História do Oratório...,BS IV (1880) numero 2, fevereiro, pagina 2; numero 3, março,
página 7.
308
MB III 592-594.
309
MB III 231, 535, 623-652; IV 279, 410-412; Em I 157; História do oratório...,BS IV (1880) número 12,
dezembro, página 5-6.
310
Na esteira de João de Vecchi, músico da cidade firmar-se-ão sucessivamente em celebradas composições
musicais os salesianos João Cagliero, Tiago Costamagna e José Dougliani.
311
Veja-se o convite em língua latina de 27 de maio de 1864, Em II 50-51.
312
Cfr. Carta DE Dom Bosco ao marques Domingos Fassati, 4 de junho de 1865, Em II 140.
313
Cfr. G. PROVÉRBIO, A escola de Dom Bosco e o ensinamento do latim (1850-1900), em F.
TRANIELLO, Dom Bosco na história da literatura popular.Turim, SEI 1987, páginas 169-173.
314
Cfr. S. STAGNOLE, Dom Bosco e o teatro educativo salesiano. Milão, eco dos oratórios 1968, 154
páginas.
Dom Bosco reserva ao teatro, obviamente, uma imediata finalidade recreativa,
ordenada, porém, também a superiores finalidade culturais e educativas. Falava disso em
um vibrante discurso aos diretores no curso das “conferências de São Francisco de Sales”
de janeiro de 1871.

“Vejo que aqui entre nós não é mais como deveria ser, e como era nos primeiros
tempos, não é mais teatrinho, mas é um verdadeiro teatro. Portanto, eu entendo que os
teatrinhos devam ter isso por base: divertir e instruir; e não tenham nada a ver com aquelas
cenas que podem endurecer o coração dos jovens ou causar má impressão em seus
delicados sentidos. Façam-se comédias, mas coisas simples, que tenham uma moralidade.
Haja cantos, porque estes, além de alegrar são também parte da instrução tão exigida nestes
tempos”315.
Às distintas compatíveis finalidades ele empenhou-se muitas vezes em determinar
inderrogáveis regras, discutidas e precisadas até na mais alta assembléia da congregação
religiosa, o capítulo geral. Divertir e alegrar deviam absolutamente conjugar-se com
instruir e educar316.
Sintetizava os diversos valores do teatrinho o proêmio das normas a ele referidas no
Regulamento das casas: “O teatrinho, feito segundo as regras da moral cristã, pode ser de
grande vantagem para a juventude, quando não mire a outra coisa, senão a alegrar, educar e
moralmente instruir os jovens o mais que se pode. Afim de que se possa atingir este
objetivo, é preciso estabelecer: 1. Que a matéria seja adaptada. 2. Sejam excluídas aquelas
coisas que podem degenerar em maus hábitos”317.
Um dos mais confiáveis colaboradores de Dom Bosco tinha resumido o pensamento
comum, fundado na experiência vivida, sobre o valor educativo das representações teatrais.

“Primeiramente, se bem escolhidas, as representações são escolas de


santidade (...). 2. Instrução extraordinária, mesmo puramente intelectual, que
nos ensina aquela prudência prática que nos é necessária na vida. 3.
Desenvolvimento extraordinário da mente de quem recita (...). 4. Faz-nos
conhecer a vida íntima do homem e da sociedade. 5. Oh! Quanta alegria traz
aos jovens; pensam nele muitos dias antes e muitos dias depois (...). 6. No
ano passado (e terá acontecido mil vezes antes e depois) um clérigo me
revelou que decidiu ficar na congregação, atraído pela alegria que nele
despertam os teatros (...). 7. Quantos maus pensamentos e más conversas ele
afasta. Todos os pensamentos e as palavras estão concentrados naquele
ponto. 8. Atrai muitos jovens aos nossos colégios; porque também nas férias
315
MB X 1.057. Do discurso de Dom Bosco resta ainda a relação manuscrita; as palavras sobre o teatrinho
são relatadas pelo cronista em forma incompleta e resumida, FdB mcr 1.870 A 9-B8: “Uma coisa que se deve
tomar em consideração e remediar, são também os textos ou as recitações que são feitas. Eu sempre tolerei e
ainda tolero isso, mas entendo que seja teatrinho feito unicamente feito para os jovens e não para aqueles que
vem de fora. Em toda a casa de educação etc....
316
regras do teatrinho impressa e espalhadas pelas casas em um panfleto de 4 páginas em 1871. São relatadas
em MB VI 106-108 e X 1.059-1.061. Em 1877 foram inseridas com variantes no Regulamento para as casas
e nas Deliberações do capítulo geral da Pia Sociedade Salesiana celebrado em Lanzo Torinese em setembro
de 1877, OE XXIX 146-151 e 432-437.
317
Regulamento para as casas, capítulo XVI Do teatrinho, página 50, OE XXIX 146; Idênticos, à parte a
ausência do inciso “feito segundo as regras da moral cristã”, é o proêmio do regulamento publicado um ano
depois nas Deliberações do Capítulo Geral ...Celebrado em Lanzo Torinese..., página 56, OE XXIX 432.
se conta aos companheiros, aos amigos a alegria do oratório e dos nossos
teatrinhos... e muitos outros”318.

Em janeiro de 1885, por sugestão de Dom Bosco, da tipografia salesiana de São


Benigno Canavese sai o primeiro fascículo da Coleção periódica de leituras dramáticas
para institutos de educação e família, antes bimestrais, e após 1886, mensais. Na capa do
primeiro fascículo As pistrinas e a última hora do paganismo em Roma do Padre João
Batista Lemoyne, estava fixado o seu programa.

“Observou-se que especialmente os livros de comédia, quando não


são rigorosamente morais, produzem no coração dos jovens impressões tão
funestas, que permanecem até na mais provecta idade. Para ir de encontro a
este inconveniente foi idealizada uma coleção de Leituras Dramáticas, as
quais, ao mesmo tempo que são atraentes e amenas, são também educativas
e rigidamente morais. Para este fim, alguns sacerdotes muito hábeis, sob a
guia e a direção do Padre João Bosco, propõe-se executar o seguinte
programa: “As Leituras Dramáticas terão por fim alegrar, instruir e educar o
povo, e especialmente a juventude italiana, com uma série de livrinhos que
contêm dramas, comédias, farsas, tragédias e também simples diálogos e
poesias recreativas””.41

4. Música e canto

A função da música instrumental e vocal, no sistema educativo de Dom Bosco, está


estreitamente unida ao seu conceito de educar mediante a alegria, a atmosfera que
tranqüiliza e o refinar do gosto estético e dos sentimentos. Por isso ela encontra amplo
espaço em todas as instituições, do oratório festivo ao internato para estudantes, às escolas
artesanais e profissionais: nestas é muito bem cuidada a banda de música.
Ademais, a música dá um tom vivo de festa a todas as solenidades, sagradas e
profanas: ritos religiosos, procissões, passeios e excursões, recepções e festas, distribuições
de prêmios, academias e teatrinhos.
Em 1859, Dom Bosco mandou escrever na porta da sala de música vocal uma
passagem bíblica explicando o seu sentido: Não impeças a música42. A sua posição torna-se
eficaz através da feliz expressão: “Um Oratório sem música é um corpo sem alma”43.
Formulada em circunstâncias particulares44, ela não fazia outra coisa, senão teorizar
uma convicção, que tinha sido realidade viva e prática desde os inícios de sua atividade
educativa. Recordando os primeiríssimos colaboradores das incipientes reuniões juvenis

318
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 4, 17 de fevereiro de 1876, páginas 68-69.
41
JOÃO BATISTA LEMOYNE, As pistrinas e a última hora do paganismo. São Benigno Canavese,
tipografia e livraria salesiana 1885, programa da “Coleção de leituras dramáticas”; cfr. BS 10 (1886) número
1, janeiro, páginas 9-10; anúncio em BS 09 (1885) número 1, janeiro, página 15 e na capa; apresentação de As
pistrinas em BS 9 (1885) número, março, página 48.
42
Sir 32,5; MB V 540.
43
MB XV 57.
44
Esta expressão lhe veio em Marselha, em 1881, conversando com um sacerdote francês que havia fundado
uma Obra de Juventude dirigida em um modo mais austero do que o do seu oratório. Sobre isto ele havia já
escrito ao Pare Lemoyne em MB V 347.
(1842), ele escreve nas Memórias do Oratório: “Eles ajudavam-me a manter a ordem e
também a ler e a cantar loas sacras; por isso, desde então percebi que, sem a difusão de
livros de canto e de leitura amena, as reuniões festivas teriam sido como um corpo sem
alma”45. Lembrando nas mesmas Memórias o início das primeiras escolas noturnas no
inverno 1846-1847, Dom Bosco escrevia: “Além da parte científica, animava as nossas
aulas o canto orfeônico e a música vocal, que foram sempre cultivados entre nós”46.
Vários motivos se entrelaçam. Nos primeiros tempos, a música é considerada
sobretudo como meio preventivo: “houve uma procura fabulosa da aula de música. A
música vocal e instrumental foi ensinada para tirar os jovens “dos perigos aos quais
estavam expostos em questão e religião e de moralidade”: “na escola noturna e também
diurna, além da música vocal, julgou-se oportuno acrescentar a aula de piano, de órgão, e a
própria música instrumental”47.
A isto se somava o motivo religioso, sobretudo em relação ao canto sacro e
gregoriano, o canto-chão: “era também desejo seu que os jovens, retornando às suas
cidades, ajudassem o pároco a cantar nas sagradas funções”48. Outro motivo era a luta
contra o ócio: “É preciso manter os meninos sempre ocupados”49.
Deve-se também ter presente, enfim, a avaliação mais particularmente pedagógica
da música. Sobre isto Eugênio Ceria escreve um capítulo de síntese a respeito da música
salesiana no primeiro volume dos Anais. “A razão principal deve ser procurada na salutar
eficácia que ele lhe atribuía sobre o coração e sobre a imaginação dos jovens, com o fim de
torná-los mais gentis, elevá-los e torná-los melhores”50

5. Excursões

Nas páginas sobre o sistema preventivo e nas atividades de Dom Bosco educador,
são postas em evidência, além do passeio semanal por classes e o passeio escolar anual, de
artesãos e estudantes, também as excursões do outono. Era um jeito de pôr em prática o
princípio de amar aquilo que o jovem ama, para que o jovem ame o que ama o educador.
Também estas contribuem para criar aquele clima de alegria cristã, que é parte
essencial da formação integral do jovem. Têm, portanto, um fundamental alcance
educativo.
No Oratório festivo de Valdocco floresceram, desde os inícios, as excursões e as
peregrinações, absolutamente necessárias nos anos 1844-1846, quando o Oratório não tinha
ainda lugar fixo e não dispunha de espaços próprios para o culto. As próprias Memórias do
Oratório lembram passeios a Sassi, a Nossa Senhora do Campo, a Stupinigi, à Consolata,
ao Monte dos Capuchinhos51.

45
MO (1991) 123.
46
MO (1991) 176.
47
MO (1991) 182 e 190.
48
MB III 150-152; cfr. MO (1991) 150, 176, 182, 202.
49
MB V 347.
50
EUGÊNIO CERIA, Anais da sociedade salesiana das origens à morte de São João Bosco (1841-1888).
Turim, SEI 1941, página 691; cfr. capítulo 64 A música salesiana, páginas 691-701.
51
MO (1991) 140-141, 144-146.
São clássicos os passeios de outono. Há uma variadíssima série deles, que vai de
1847 a 186452. Quando estas terminaram, continuou a ida aos Becchi para cantores e
premiados.
Especial desenvolvimento – em torno de duas semanas – tiveram os passeios entre
1858 e 1864. Bem organizados, deles participavam os jovens em grupos sempre mais
numerosos. As excursões entravam nas aldeias com a banda na frete, acolhidos com festa
pelos habitantes, pelos párocos e pela gente influente do lugar, que garantiam para eles
ótima hospedagem e o alimento quotidiano. Os dias previam visitas a pessoas de respeito,
funções religiosas matutinas e vespertinas, atividades recreativas, exibições da banda de
música, espetáculos teatrais em palcos improvisados na praça. Incluíam cantos, sons,
diálogos em dialeto, pequenas comédias: não podia faltar Gianduia, a clássica máscara
piemontesa. Histórica foi a de Gênova, na primeira quinzena de outubro de 1864. No
caminho de volta, entre Lerma e Mornese, Dom Bosco atraía para si dois personagens de
vanguarda na congregação, Francisco Bodrato e Padre João Batista Lemoyne.
Os passeios cumpriam, assim, uma verdadeira função educativa: eles garantiam,
acima de tudo, a preservação dos jovens durante as férias, enriquecendo seu mundo
emotivo: “fazer como que tocar com as mãos” aos jovens que “servir a Deus pode estar
muito bem junto com a honesta alegria”53. Os jovens, depois do ano escolar, recebiam
nestes passeios um consistente benefício físico, como uma verdadeira “recreação”, ampla e
generosa.
Eram, em substancia, prelúdio das palavras do sistema preventivo: “Dê-se ampla
liberdade de pular, correr, fazer barulho quanto quiser”; juntos com outros expedientes, “os
passeios são meios eficacíssimos para obter a disciplina, preservar a moralidade e a
saúde”54.

52
Sobre estes passeios existe uma literatura respeitável. O estudo histórico mais elaborado é de L.
DEAMBROGIO, Os passeios de outono de Dom Bosco pelas colinas do Monferrato. Castelnuovo Dom
Bosco, Instituto Bernardi Semeria 1975, 539 páginas. Os últimos capítulos da História do Oratório
publicados no “Boletim Salesiano”, são dedicados aos passeios, BS 11 (1887) número 3, março, páginas 30-
33; número 4, abril, páginas 47-48; número 5, maio, páginas 57-58; número 9, setembro, páginas 116-119;
número 10, outubro, páginas 129-132. Mais do tempo são os dois volumes publicados por JOÃO BATISTA
FRANCESIA, Dom Bosco e os seus passeios de outono no Monferrato. Turim, livraria salesiana 1897, 372
páginas. Do primeiro período (páginas 11-99), são as publicadas no “Boletim Salesiano”, enquanto Dom
Bosco ainda vivia; IDEM, Dom Bosco e seus últimos passeios. Turim, livraria salesiana 1901, 388 páginas:
do sexto e último período é o passeio à Ligúria (páginas 215-386).
53
MB II 384-391.
54
O sistema preventivo (1877), página 54, OE XXVIII 432.
Capítulo 17.

AMOR EXIGENTE – “UMA PALAVRA SOBRE OS CASTIGOS”

A prática da “correção” e dos “castigos” é, na experiência educativa de Dom Bosco,


muito mais articulada do que é em suas afirmações de princípio. Não parecem suficientes
para fundamentá-la teoricamente as poucas indicações contidas no último parágrafo, uma
palavra sobre os castigos, das páginas sobre o sistema preventivo de 1877. Enquadra-se, ao
invés, em uma prospectiva mais substancial.
Ela tem fundamento sobre o que se pode considerar um dos princípios capitais da
espiritualidade e da pedagogia de Dom Bosco: “procure fazer-se amar antes [primeiro, se
quiseres] de fazer-se temer”. A dupla – amor, temor -, de fato, não é menos fundamental do
que a mais famosa tríade – razão, religião, amorevolezza. Ambas afundam suas raízes na fé,
na teologia, desenvolvendo-se e frutificando na pedagogia e na pastoral.
Evidentemente, o binômio aparece tanto mais realista em uma prevenção que se
destinava - às vezes nos fatos, sempre nas prospectivas e nas palavras – a jovens “em
perigo e perigosos”.

1. O fundamento de uma práxis da correção e do castigo

Antes de mais nada, é claro que, na fórmula, o primeiro termo não exclui o segundo
“Fazer-se amar antes que fazer-se temer”, em substância, significa “fazer-se amar e fazer-se
temer”, com a prioridade, em qualquer caso, do amor. É o amor, por sinal, que quer o
temor, tanto que o temor aumenta com o crescimento do amor. A certeza teológica torna-se
princípio pedagógico.
A fórmula atinge e engloba a outra, que representa seu conteúdo e seu fundamento,
filosófico, teológico, experencial: “razão, religião, amorevolezza”. Foi já visto que a
solicitude de Dom Bosco pelos jovens, como pelo próximo sem exceções, encontra sua raiz
em sua fé e formação teológica, moral e pastoral, de sacerdote, dedicado à salvação eterna
dos jovens. Esta fé, inoxidávelmente católica, vê no amor e no temor de Deus, a essência de
qualquer autêntica santidade. A sua própria “teologia da história” o confirmava na mesma
persuasão, espalhada nos seus escritos de história religiosa e profana. Deus governa o
mundo e as vicissitudes humanas com o atrativo de inimagináveis prêmios e a “salutar”
ameaça dos futuros “castigos”, temporais e eternos. A concepção percorre a própria
História da Itália, cujo estudo explicita em Dom Bosco a idéia e a fórmula do “mais ser
amado que temido”, tirada da história greco-romana.
A transposição da concepção teológica e histórica, à ação juvenil tornava-se
inevitável. A própria qualificação “pedagógica” de “pai, amigo, irmão” acabava
reforçando-se graças ao indissolúvel nexo que nele se estabelecia entre os elementos
afetivos “amoráveis” e os inspirados no respeito, estima, honra, reverência.
Já foram lembradas as múltiplas versões da fórmula, desde Esboços históricos sobre
o Oratório de São Francisco de Sales (1862) até à carta ao Padre Rua, de outubro de 1863
e às Lembranças confidenciais que daí nasceram. Ela é depois retomada nas páginas do
sistema preventivo e nos Artigos gerais do Regulamento para as casas.
A relação entre amor e temor supõe a coexistência em prospectivas que se integram.
Antes e depois, se se quiser, mais e menos sucedem-se e integram-se, exprimindo-se
respectivamente a ordem de tempo, de causalidade, de dignidade.
Não podiam interpretar melhor o pensamento de Dom Bosco, Padre Rua e os
salesianos de Valdocco, recolhidos em uma das “reuniões” periódicas para estudar o estado
disciplinar e educativo do Oratório. Entre “as coisas recomendadas” houve, precisamente, a
educação dos jovens à co-presença de amor e temor nas relações com os “superiores”.

“Fazer-se amar e ao mesmo tempo temer pelos jovens. Esta é coisa


fácil. Desde o momento em que os jovens vêem que um assistente é todo
zelo pelo seu bem, não podem deixar de amá-lo. Quando vêem que o
assistente não deixa passar nada, bem entendidos, coisas que não vão bem,
mas os previne de todas as faltas, não podem deixar de ter por ele certo
temor, isto é, aquele temor reverencial que se deve ter para os seus
superiores. De uma coisa deve cuidar bem o assistente, isto é, não nivelar-se
tanto com os jovens nas palavras e nos atos, e especialmente nos jogos: deve
participar de tudo, mas ao mesmo tempo manter um ar de gravidade, fazer
ver com o seu procedimento, que é superior a eles319.

2. Temer por amor

É claro, portanto, que em todas as versões, temer não se contrapõe a amar, antes é
gerado por ele. Ele é no aluno “temor filial”, que se desenvolve em deferência, sujeição,
honra, obediência, respeito a toda autêntica “superioridade”. Ele pode associar-se, em caso
de culpáveis infrações, a constrangimento, intimidação, vergonha, enrubecimento, sentido
de indignidade, apreensão diante do risco de perder a estima, a confiança, o apoio de quem
ama e ajuda: estar separado da pessoa que nos ama, núcleo essencial do autêntico temor.
Não fica excluído que, em certos casos e momentaneamente, a apresentação dos
“deveres”, com as relativas sanções a quem faltasse, possa produzir um “temor servil”, não,
certamente, inútil para quem precisa ainda de ser levado ao raciocínio. A partir dele, pode
ser posto em movimento o processo da educação propriamente dita. Ele pode pressupor
certa intimidação, o medo das punições e de quem as inflige, mas não consiste nelas.
É bom ler, neste sentido, recomendações feitas por Dom Bosco em várias ocasiões a
começar pelas Lembranças confidenciais. “A caridade e a paciência acompanhem você
constantemente nas ordens, nas correções, e faça de modo que cada um saiba, pelos seus
atos e pelas suas palavras, que você procura o bem das almas”. Mas, ao mesmo tempo,
“seja objeto de comum solicitude descobrir os alunos perigosos: quando descobertos, faça
tudo para que eles sejam conhecidos por você”. “Você não deve aceitar nunca alunos
expulsos de outros colégios, ou que você já sabe que têm maus costumes. Se, malgrado a
devida cautela, acontecer de aceitar algum deste tipo, marque logo um companheiro seguro
que o assista e nunca o perca de vista. Se porventura vier a falhar em questões de moral,
avise apenas uma vez, e se recair, seja imediatamente enviado a sua casa”. “Quando você
descobrir alguma falta grave, mande chamar o culpado ou suspeito a sua sala, e com modo,
o mais caridoso possível, procure levá-lo a declarar a sua culpa e o erro em tê-la cometido;
depois corrija-o e convide-o a acertar as coisas de sua consciência”. “Ao dar ordens, usem-

319
J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800..., páginas 263-264.
se sempre modos e palavras de caridade e de mansidão. As ameaças, as iras, ainda menos
as violências estejam sempre longe das suas palavras e das suas ações”320.
Dom Bosco expressa com a máxima clareza o seu pensamento aos jovens em um
discursinho noturno de 26 de outubro de 1875, modelo de muitos outros.

“O número de vocês cresceu mais. Hoje todas as coisas começaram


regularmente. Dizem que um homem prevenido vale por cem. Portanto,
agora que estamos em tempo, é preciso que eu os previna de algumas coisas.
Antes de tudo, tenham bem em mente que começamos agora e continuamos
durante todo o ano a dar notas de estudo, de aula, de dormitório, refeitório e
outros. Quem não procedesse bem, iria receber uma nota baixa e seria citado
em público, diante de todos os outros, passando muita vergonha; quem não
ouvir chamar o próprio nome, é sinal que na sua conta as coisas estão bem.
Depois, aqueles que tirarem nota baixa, é preciso também que saibam que
serão tolerados por algum tempo: mas depois, não. Sinto muito, mas é
necessário que todos os anos seja feito assim com alguém, somos
constrangidos a devolvê-lo e dizer-lhe: Infelizmente, você não é mais para o
Oratório. Com outros, há um pouco mais de tolerância, e a gente vai
deixando as coisas seguirem para ver se ele muda; mas vocês sabem o que
diz o provérbio: Tanto vai o pote à bica, que um dia lá fica; isto quer dizer
que um dia uma coisa, outro dia outra, no fim a coisa fica grande. Alguém
vai se arrastar até o final do ano, mas a este ponto aparece a soma das faltas,
vem uma nota ruim, e depois durante as férias ele recebe um bilhetinho em
casa, dizendo-lhe que fique por lá e tire férias compridas, porque no oratório
não existe mais lugar para ele. Assim infelizmente se teve que fazer, e
também neste ano, se vocês virem alguém ser mandado embora, saibam que
é também por isso. Agora vocês foram avisados em tempo, e espero que não
aconteça isso a nenhum de vocês321.

3. “Superioridade”, encarnação dos “deveres”, iniciação à responsabilidade

A razão é fundamental. O sistema preventivo supõe um educador protetor e


presente. Mas há uma coisa que ele tem de comum com o sistema repressivo: a indicação
clara dos fins a serem atingidos e dos conteúdos a serem utilizados para atingi-los.
Concretamente, eles são representados por aqueles que são chamados “regulamentos”,
“prescrições”, fragmentados em preceitos, disposições escritas e orais, que envolvem a vida
cotidiana dos alunos. Eles representam todo o “código dos deveres”, para com Deus, para
com o próximo, para consigo mesmo, que o aluno é levado a observar. Ainda que a
“vigilância” seja totalmente “assistência”, ajuda, apoio, nada impede que ela parta de uma
clara apresentação do “código”. Um e outro sistema, antes de mais nada “consiste em tornar
conhecida a lei aos súditos, depois vigiar”, “consiste em tornar conhecidas as prescrições e

320
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidenciais aos diretores”..., páginas 151, 154, 155, 156-157,
159.
321
MB XI 459-460.
os regulamentos de um Instituto e depois vigiar322. São diversas as finalidades e os modos
de “vigiar”. Mas os “códigos” de referência são idênticos”.
Ainda que a “disciplina” e a relativa práxis da correção e do castigo se diferenciem
segundo os diversos contextos educativos, é claro que Dom Bosco é educador “disciplinar”,
que ama comunidades ordenadas e que funcionem. A severidade é acentuada no Oratório
de Valdocco, um internato cheio de meninos, considerado “casa mãe”, exemplar para todas
as outras. Por isso, ele é, desde os inícios, incansável elaborador de regulamentos de vários
tamanhos para as diversas instituições educativas e formações associativas e suas relativas
atividades. Também para a instituição educativa mais aberta, começa logo a escrever, para
os educadores e para os jovens, um Regulamento, impresso somente em 1877
contemporaneamente ao Regulamento para as casas, colégios e internatos323.
Falou-se já de alguma de suas numerosas intervenções para garantir ordem e
disciplina, sobretudo nos colégios, com firmes advertências a “infratores” renitentes e mais
perigosos; mas também de quem, por própria culpa, não tira proveito cultural, religioso e
moral da vida de colégio. É o caso do boa-noite de 20 de março de 1865, comentando os
êxitos dos exames semestrais324. Entretanto, uma noite depois, diante de renovadas
inadimplências, Dom Bosco preanunciava para o futuro severa inflexibilidade em punir a
desordem “pública” e a falta de respeito aos assistentes. A estes ele proíbe formalmente de
castigar, manda a eles que apenas relatem. Mas Dom Bosco será “inflexível” com os
perturbadores da disciplina, sobretudo se são estudantes, os privilegiados: “Os estudantes,
eu os quero bons, do contrário ou vão para casa, ou vão ser artesãos. E ainda mais que os
estudantes, se são reenviados a suas casas, não é que vão morar no meio da rua. A maior
parte deles têm família ou parentes que poderão cuidar deles”325. Viu-se a mesma decisão
no boa-noite de 1875: tratava-se de silêncio e de respeito às “filas”. Mas acabava por fazer
um ato de confiança na sensibilidade de “consciência” dos jovens, para os quais a
“observância de certas regras” podia tornar-se meio de aperfeiçoamento espiritual,
“progresso na virtude” e crescimento no amor à Virgem Mãe e ao seu Divino filho326.

4. A correção

Além de normal pedagogia do encorajamento327 e do acompanhamento, essência da


“assistência”, o sistema preventivo torna-se freqüentemente pedagogia “corretiva”. É
natural, em se oensando que ela tem a ver com meninos em crescimento com todas as
características de “mobilidade”, “irreflexão”, improvisação, submissão às influências
negativas nas idéias e comportamentos, a eles atribuídas por Dom Bosco328.
A correção expressa-se em uma ampla série de intervenções de caráter grave
ascendente: conselhos, avisos, admoestações, repreensões, ameaças. “Não são ações

322
O sistema preventivo (1877), páginas 44 e 46, OE XXVIII 422 e 424.
323
Cfr. Regulamento do Oratório...para os externos, 63 páginas, OE XXIX 31-92; Regulamento para as
casas...,100 páginas, OE XXIX 97-196.
324
Cfr. JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, boa-noite de 20 de março de 1865, páginas 119-120.
325
Cfr. JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, boa-noite de 21 de março de 1865, páginas 121-122.
326
JÚLIO BABERIS, Crônica, caderno 2, paginas 45-46.
327
Cfr. HERIBERTO FRANTA – A. R. COLASANTI, A arte do encorajamento. Roma, A Nova Itália
Científica 1991, páginas 25-29.
328
Ver capítulo 9, parágrafo 2.
punitivas”, mas intervenções destinadas a evitar leviandade e desvios que podem provocar
desordens irreversíveis, e a acostumar à seriedade e à retidão do pensar, do falar, do agir.
É o comportamento normal de qualquer amável e forte pai e mãe de família,
conscientes da própria responsabilidade. Dom Bosco não conhecia a tolerância permissiva.
Os termos “corretivos” estão abundantemente espalhados nas páginas sobre o
sistema preventivo. Imaginam-se educadores que “dão conselhos, e corrijam
amavelmente”. Fala-se de “correção feita” e de “castigo ameaçado”; de “advertência
amiga”; de benfeitor que “avisa”; de boa-noite, na qual se dá “algum aviso ou conselho a
respeito de coisas a serem feitas ou evitadas”329.
A “correção”, na sua forma mais geral e comum, é da essência do “sistema
preventivo’; porque, se os meninos não errassem, salvo raras exceções, não seriam mais
meninos, e não precisariam mais de educação. “Na assistência, - por isso – (...) dê-se
oportunidade aos alunos de exprimir livremente os seus pensamentos; mas deve-se estar
atento para retificar e mesmo corrigir as expressões, as palavras, os atos que não estivessem
de acordo com a educação cristã”330. Ela, portanto, acompanha necessariamente todos os
momentos da ação educativa: palavra ao ouvido, avisos em particular e em público, boa-
noite, bilhetinhos, lembranças no estudo e na sala de aula, na recreação e nos passeios, na
igreja e no dormitório, em todas as partes. As modalidades são as da amorevolezza, da
razão e da reserva: paciência, caridade, e graça331; Normalmente, não se façam correções ou
se dêem castigos em público, mas em particular, fazendo entender ao aluno o seu erro “com
a razão e com a religião”332; não corrigir por impulso mas calmamente, esperando
eventualmente que se acalmem as paixões; sobretudo, fazer com que o aluno saia “satisfeito
e amigo”333.
Mesmo que não redigida por Dom Bosco, mas compilada por um salesiano, seu
discípulo da primeira hora de trabalho em Valdocco, portanto inspirado no pensamento de
Dom Bosco, a circular Dos castigos a serem aplicados nas casas salesianas, a respeito das
correções desenvolve estes dois pontos: “Procurem escolher o momento favorável para as
correções” e “Afastem qualquer idéia que possa fazer suspeitar que alguém está agindo
por paixão”334.
Já fazia anos que eram conhecidas dos diretores da casas, regras aos poucos
definidas nas “conferências” periódicas; “respeitar a fama dos alunos”, “não repreendê-los
sem estar certos das faltas”, “não agir por impulso, mas examinar a coisa com sangue frio”;
“é necessário que eles próprios nos reconheçam superiores. Se nós quisermos humilhá-los
com palavras porque somos superiores, cairemos no ridículo”335.

5. Os castigos

Os castigos, ao invés, parecem entrar quase à força no quadro “teórico” – e, sob


certo ângulo, publicitário – da pedagogia da razão, da religião e da amorevolezza. Nas

329
O sistema preventivo (1877), páginas 46, 48, 50, 56 e 58, OE XXVIII 424, 426, 428, 434 e 436.
330
Regulamento pra as casas..., Artigos Gerais, artigo 3, página 15, OE XXIX 111.
331
Regulamento do Oratório..., para os externos, primeira parte, capítulo X Dos pacificadores, artigos 2 e 5,
páginas 20 e 21, OE XXIX 50 e 51.
332
O sistema preventivo (1877), Uma palavra sobre os castigos,artigo 2, página 64, OE XXVIII 442.
333
Carta a um jovem professor, 28 de janeiro de 1875, E II 448.
334
Cfr. J. M. prellezo, Dos castigos a serem dados..., páginas 294-300.
335
Regras dadas por Dom Bosco antes de 1870, em apêndice às MB XIV 847-849.
páginas sobre o sistema preventivo dom Bosco dedica a parte final a “uma palavra sobre os
castigos”. Mas o castigo tinha sido já previsto nas páginas precedentes. O sistema
preventivo – foi dito – “exclui qualquer castigo violento e procura evitar os próprios
castigos leves”; “o aluno previamente avisado” “não se irrita pela correção feita ou pelo
castigo ameaçado”; até mesmo, guiado pela razão e convencido, “conhece a necessidade do
castigo e quase o deseja”; enquanto o sistema repressivo suscita lembranças amargas de
“castigos recebidos” mesmo “justamente” mas odiosos nas formas 336.
Entretanto, sobretudo escrevendo para o público, Dom Bosco é muito mais sóbrio
do que quando pratica a educação, especialmente no Oratório de Valdocco. Não é para
maravilhar-se por isso, a tese muito concisa: “Se for possível, não se faça nunca uso de
castigos”337.
Em uma palestra noturna do verão de 1864, segundo o texto fragmentário de uma
crônica, já citada, ele pedia “muita confiança” antes que “temor”, acrescentando: “Eu
aborreço os castigos...como um pai de família...não obstante ...”338. Castigar não entrava no
seu “sistema”, isto é, nos seus hábitos, no seu costume339.
Na carta aos salesianos, datada de 10 de maio de 1884, ressoa a apaixonada
pergunta: “Por que ao sistema de prevenir com a vigilância e amorosamente as desordens,
se vai substituindo pouco a pouco o sistema menos pesado e mais cômodo para quem
comanda de ditar leis, que são depois sustentadas com castigos, provocam ódio e produzem
desgostos; Se houver descuido em fazê-las observar, geram desprezo para os superiores e
são motivo de gravíssimas desordens?”340.
Quando for inevitável, o castigo não deve ser dado “senão depois de se ter tentado
todo os outros meios”341 e existe esperança de algum proveito por parte do interessado. É,
depois, posição tenazmente repetida, a de nunca dar castigos violento e físicos: bater de
qualquer modo, colocar de joelho em posição dolorosa, puxar as orelhas e outros castigos
semelhantes devem-se absolutamente evitar, porque são proibidos pelas leis civis, irritam
fortemente os jovens e aviltam o educador”342: nem vara, nem bofetões, nem os que
prejudicam a saúde, nem normalmente “posições incômodas”nem a “solitária”, todavia,
tomada algumas vezes em séria consideração343.
Dom Bosco adere, antes de tudo, aos castigos naturais e psicológicos inspirados na
racionalidade e na bondade: “Retirar a benevolência é um castigo que desperta a emulação,
dá coragem e não humilha nunca”. “Para os jovens, é castigo o que for dado como castigo.
Observou-se que um olhar pouco amável sobre alguns, produz mais efeito que um tapa. O

336
O sistema preventivo (1877), páginas 46 e 48, OE XXVIII 424-426.
337
O sistema preventivo (1877), página 62, OE XXVIII 440.
338
DOMINGOS RUFFINO, Livro de experiência 1864, página 67. Padre Lemoyne relata um texto muito
ampliado, que afirma tirado de crônicas de Padre Bonetti (MB VII 503); foi citado um breve trecho desta
crônica no capítulo XV.
339
Quanto ao termo “sistema”, cfr. S. BATTAGLIA, Grande dicionário da língua italiana, volume XXIX.
Turim, UTET 1998, no verbete “sistema” página 99: “10. Uso, modo habitual, maneira”.
340
Duas cartas datadas de Roma...,em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco educador...,página 385.
341
J. M. PRELLEZO, Dos castigos a serem dados...,páginas 290-294.
342
O artigo é anexo ao texto do sistema preventivo publicado no opúsculo do Regulamento para as casas,
página 12, OE XXIX 108.
343
Trata deste assunto com alguma disponibilidade, também a carta Dos castigo a serem dados nas casas
salesianas:J. M. PRELLEZO, Dos castigos a serem dados...,páginas 304-306.
louvor por uma coisa bem feita, a repreensão pela transgressão, já é um grande prêmio ou
um castigo344.
Enfim, para que nos castigos comumente usados345, sejam garantidas racionalidade
e moderação, Dom Bosco quer que eles nunca sejam dados pelos jovens educadores, pelos
assistentes. É prescrição normalmente praticada e freqüentemente recomendada. Foi visto
já na citada boa-noite de 21 de março de 1865: “Para satisfazê-los, proíbo absolutamente
aos assistentes dar castigos, assim ninguém terá com que lamentar-se”346.
O responsável principal em tema de castigos é o diretor, mesmo se a execução é
confiada ao seu vice, o prefeito, porque a razão não deve matar a paternidade e a peculiar
posição do diretor como “confessor ordinário”347.

6. Demissões e expulsões

A freqüente expulsão de jovens alunos deve ser enquadrada na mentalidade de Dom


Bosco e de seu tempo. Não existiam ainda as idéias de igualdade de oportunidades e do
“direito ao estudo”; podia aspirar a elevar o próprio estado social e cultural quem tinha
possibilidades econômicas para o estudo. Conseguir um título de estudo ou aprender um
ofício em um instituto, era um privilégio. Parecia bem claro que, quem não sabia apreciar
isto poderia voltar para casa. Não ia a nenhum lugar de perdição. Não fazia outra coisa,
senão voltar a viver entre os seus familiares e retomar o “peso do dia e do trabalho”, do
qual tinha escapado, e que o teria realmente reeducado depois da falida experiência
colegial.
Este comportamento – pensavam alguns – corria o risco de levar a vocações
forçadas. Dom Bosco respondia: “A escolha do estado aqui em casa é plenamente livre, e
sem todos os necessários requisitos, ninguém é admitido ao estado eclesiástico; quem tem
estes requisitos, dá verdadeiro sinal de vocação. Por outro lado, quem não é chamado a este
estado nos tempos miseráveis nos quais vivemos, eu creio que seja bem melhor para ele
trabalhar na roça”. Entrava nesta categoria o sobrinho Luís, bastante indeciso nas suas
escolhas. O mesmo pensa de um outro, que tinha os pais camponeses. “Aí é preciso estar
atento – acrescentava – porque, se fosse um jovem de condição mais alta não seria
conveniente fazê-lo trabalhar no campo; mas alguém que foi tirado daquele estado e
mandado a estudar para ver se o Senhor o chamava ao estado eclesiástico, uma vez que não
foi chamado, não se lhe faz injustiça, e é melhor para ele que volte a trabalhar na terra”348.
Freqüentemente, portanto, a demissão ou a expulsão parecia não só racional, mas
inevitável, particularmente em Valdocco, sobretudo para a secção estudantil, constituída em
boa parte por jovens de fato aspirantes à vida eclesiástica. Quem não demonstrava os
“sinais”, ou ia para outros colégios normais ou voltava para casa. Além do mais, estudantes

344
O sistema preventivo (1877), Uma palavra sobre os castigos,artigo 1 e 2, página 64, OE XXVIII 442.
345
Na circular Dos castigos a serem dados, espelho da práxis seguida no Oratório de Turim-Valdocco e nas
outras casas, são dados, em poucas linhas alguns exemplos: J. M. PRELLEZO, Dos castigos a serem
dados...,página 304.
346
Cfr. JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, boa-noite de 21 de março de 1865, páginas 121.
347
Pode-se ver em MB X 1.094-1.095 normas da matéria dadas por Dom Bosco e recolhidas por João Batista
Lemoyne; outras normas vieram das “conferencias” dos prefeitos: MB X 1121; cfr. Também J.M.
PRELLEZO, Dos castigos a serem dados...,página 308.
348
RUFFINO, Crônica 1861 1862 1863, páginas 93-95.
e artesãos, deviam lembrar que a casa que os acolhia e os educava, vivia mais da
generosidade dos benfeitores do que de suas pensões.
À parte a defasagem dos motivos vocacionais, a expulsão tornava-se obrigatória
quando resultavam exauridas todas as tentativas do “sistema”, por sinal nunca declarado
absolutamente infalível. Eram sobretudo atingidos, ainda mais em caso de reincidência,
aqueles que incorriam em um dos três males a serem absolutamente evitados, indicados na
conclusão do Regulamento para as casas: “1º. A blasfêmia, e tomar o nome santo de Deus
em vão”; “2º. A desonestidade”, sob forma de escândalos relativos ao sexto mandamento;
“3º. O furto”349.
Na longa boa-noite de 13 de fevereiro de 1865, depois da denúncia de furtos,
indisciplinas, imoralidades, Dom Bosco comunicava abertamente as decisões às quais tinha
chegado: “por isso eu tomei a resolução de ser bem rigoroso com os autores de todos esses
escândalos. Dom Bosco é o homem mais magnânimo que existe sobre a terra; estraguem,
quebrem, façam molecagens, ele saberá entendê-los; mas não estraguem as almas, porque
então ele se torna inexorável”350.
A este ambiente referia-se em uma sua crônica Júlio Barberis, bom observador de
certa realidade de Valdocco. “Existe na casa uma regra de não tolerar absolutamente entre
nós jovens corruptos, ou que de qualquer modo, possam dar escândalos aos companheiros.
Uma única má conversa, mesmo o menor ato imoral é suficiente para que se mande embora
o culpado. Não se pode mandar ninguém embora sem falar antes com Dom Bosco”351.
A intransigência do cronista era, certamente, relativa aos estudantes aspirantes ao
estado eclesiástico e aos “noviços”. De qualquer forma, para o geral dos jovens, era
claramente contradita pelo próprio Dom Bosco das Lembranças confidenciais, texto de
grande valor normativo para os diretores. “Quando você descobrir alguma falta grave,
chame o culpado ou suspeito em sua sala, e no modo mais caridoso possível, procure fazê-
lo declarar a culpa e o erro em tê-la cometido; depois corrija-o e convide-o a ajustar as
coisas de sua consciência. Com este meio e continuando uma benévola assistência ao aluno,
obtiveram-se maravilhosos efeitos e conversões que pareciam impossíveis”352.
As medidas regulamentares são análogas no Oratório festivo que é também uma
estrutura mais flexível353. “Também os jovens desordeiros – é acrescentado – podem ser
acolhidos, contanto que não dêem escândalo, e manifestem vontade de ter melhor
conduta”354.
Todavia, na rica documentação sobre a vida de Dom Bosco são inumeráveis as
informações sobre casos de perdão concedido a alunos indisciplinados ou escandalosos,
dispostos a sincera conversão.

7. Os prêmios

349
Regulamento para as casas..,segunda parte, capítulo XVI, página 89, OE XXIX 185. Acrescentavam-se a
desobediência formal e sistemática e a rebelião.
350
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, páginas 93-94. Ele se detinha depois, longamente,
justificando o convite feito aos jovens ouvintes: “Denunciar os chefes da desordem e do pecado” (Ibidem,
páginas 96-97).
351
JÚLIO BARBERIS, Crônica, caderno 3, página 19.
352
FRANCISCO MOTTO, As “Lembranças confidencias aos diretores”..., páginas 156-157.
353
Regulamento do Oratório... para os externos, segunda parte, capítulo II Condições para aceitação, artigo
6, página 30, OE XXIX 60.
354
Regulamento do Oratório... para os externos, segunda parte, capítulo II, artigo 7, página 30, OE XXIX 60.
Na doutrina e na praxe de Dom Bosco está também presente a tradicional pedagogia
do prêmio, muito simples e familiar, com a conexa festa das premiações. Crescido em
escolas de inspiração jesuítica, Dom Bosco não podia deixar de apoiar sua educação
também no fator psicológico e moral da emulação.
O prêmio mais ambicionado pelos jovens devia ser aquele que vinha como coroa do
bem feito e a íntima satisfação por ele produzida, marcados pelo cordial e afetuoso
consentimento do educador.
Por muitos anos, ele tinha instituído um prêmio de boa conduta anual, que era
conferido aos melhores, indicados através de livres e democráticas indicações, que
aconteciam regularmente antes da festa de São Francisco de Sales, em 29 de janeiro. Ele
mesmo dava aos meninos os motivos desta premiação, no boa-noite de 19 de janeiro de
1865.

Há um costume na casa, e eu o explico para aqueles que são novatos.


No dia de São Francisco há uma premiação, e são os próprios jovens que os
dão aos melhores dentre seus companheiros. Os estudantes aos estudantes,
os artesãos aos artesãos. É assim. Cada jovem faz uma lista de dez nomes
dos jovens que ele julga mais diligentes, mais estudiosos, e mais devotos,
entre aqueles que conhece de qualquer dormitório eles sejam, e assina a lista
é entregue ao seu professor. O professor a entrega a mim e eu faço a
contagem, e o prêmio é dado no dia de São Francisco de Sales a quem
obteve maior número de votos (...). Cada clérigo poderá fazer, também ele, a
lista de dez jovens. Todos os superiores padres farão a sua também; eu farei
a minha, mas a minha vai valer só por um”355.

A solene premiação para a escola e o aproveitamento no estudo era feita no final do


ano escolar, na metade de agosto ou nos primeiros dias de setembro. Ela assumia particular
solenidade com cantos, declamações, execução de escolhida música instrumental, discurso
de ocasião, na presença de pessoas qualificadas356. Para os artesãos do Oratório de Turim-
Valdocco, registram-se festas de premiações em 30 de maio de 1872, em 2 de julho de
1876, em 15 de agosto de 1878357.
Eram também conferidos prêmios especiais mais simples, semanais ou mensais.
Muito apreciado era o privilégio de sentar-se à mesa, no domingo, com Dom Bosco e com
os “superiores”, para aqueles que em cada sala haviam sobressaído pela boa conduta358.

355
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Crônica 1864ss, páginas 78-79.
356
Cfr. MB III 357-358, 428; V 279-280; IX 338-339; X 187, 373, 1230. Na “conferencia” de 1 de setembro
de 1872 está registrado: “Ficou determinado que se deverá fazer a premiação no pátio dos estudantes
menores, com os aparelhos do gás, música solene etc.” (J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800..,página 171);
Um aceno se encontra na “ata das reuniões” de 6 de agosto de 1881 (Ibidem, página 247) e de 31 de julho de
1882: “chegou-se a um acordo para a distribuição dos prêmios no dia 15 de agosto” (Ibidem, página 251).
357
J. M. PRELLEZO, Valdocco no 800..,páginas 45,70, “ficou deliberado que se faria a premiação dos
artesão no dia de Corpus Chisti no seu pátio, depois das funções vespertinas com música vocal e
instrumental” (Ibidem, página 168).
358
Cfr MB III 440-441; VI 437; XI 111. Em 1876, no “Diário”,Padre Lazzero anota: “Geralmente durante o
mês de São José, participam do almoço com dom Bosco os que mais se distinguem em cada classe ginasial.
No dia de São José começariam os artesão. Isto porém é a critério do superior” (J. M. PRELLEZO, Valdocco
no 800..,página 109).
Foi constante preocupação de Dom Bosco que o prêmio e o louvor não fossem
atribuídos exclusivamente aos dotes naturais dos alunos, prescindido da boa vontade e da
diligência. Ele, que no Regulamento para as casas, como já foi visto, diz aos estudantes
com rude franqueza: “Um estudante soberbo é um estúpido ignorante”359, recomenda com
insistência aos educadores, para não subordinar suas avaliações a complacências por dotes
puramente inatos ou a simpatias: “Não louvar nunca nenhum jovem em modo especial; os
elogios arruínam os mais belos dotes naturais. Alguém que canta bem, um outro que recita
com desenvoltura, é imediatamente louvado, cortejado, considerado precioso (...). Evitem
louvá-los por dotes corporais. Os melhores das aulas ficam soberbos, se são louvados e
certos mais curtos de inteligências ficam humilhados, e não podendo alcançar os primeiros,
odeiam o professor dizendo que ele não liga para eles. A estes convém um pouco de
moderado elogio”360.

359
Regulamento para as casas..,segunda parte, capítulo VI, artigo 22, página 73, OE XXIX 169.
360
MB XIV 847.
Capítulo 18

AS INTITUIÇÕES EDUCATIVAS

Dom Bosco falou e escreveu sobre seus projetos em favor dos jovens e da relativa
“Pedagogia”para o mais variado gênero de pessoas: aos colaboradores, cooperadores,
benfeitores; a papas, cardeais, bispos, sacerdotes; a reis, homens da política e das finanças,
funcionários e administradores de entes estatais e locais, etc. Ele projetou também várias
possibilidades de aplicação do seu “sistema educativo” preventivo: nas prisões, com o
ministro da Justiça Urbano Rattazzi em 1854; nos institutos de recuperação, com os
ministros do Interior italianos de 1878; na escola, com o professor elementar Francisco
Bodrato em 1864; nos institutos educativos particulares e nas famílias, no “Boletim
salesiano”.
Todavia, mais explicitamente, as diretivas que ele deu, os escritos que deixou, a
experiência que transmitiu, referem-se às instituições por ele fundadas, governadas ou
animadas.
Elas podem ser classificadas em duas grandes categorias: 1º As instituições
“Abertas”, como os “jardins de recreação, os oratórios festivos e cotidianos, os centros
juvenis, as escolas dominicais e noturnas, as escolas de várias ordens e grau, a imprensa
popular e juvenil, as residências missionárias; 2º As instituições “totais”, como casas de
acolhida, pensionatos para jovens trabalhadores e estudantes, artesanato para a formação
artesanal e profissional, colégio para estudantes, seminários eclesiásticos.
Todas – exceto as missões, que têm seu inicio em janeiro de 1880 – são globalmente
codificadas no texto das Constituições aprovadas oficialmente em abril de 18741,
traduzidas para o italiano em 1875.

1. O fim da Sociedade Salesiana é o aperfeiçoamento cristão de seus


membros, toda obra de caridade espiritual e corporal para os jovens, especialmente
pobres, e também a educação do jovem Clero (...).
3. O primeiro exercício de caridade será recolher jovens pobres e
abandonados, para instruí-los na santa religião católica, principalmente nos dias
festivos.
4. Acontecendo muitas vezes que se encontrem jovens de tal modo
abandonados, que para eles todo cuidado seria inútil, se não fossem recolhidos num
internato, por isso, se abrirão casas nas quais, com os meios que a divina
Providência nos puser nas mãos, lhes será administrado pão, agasalho e vestuário; e
enquanto são instruídos nas verdades da fé católica, serão também encaminhados
para a aprendizagem de algum ofício.
5. Sendo, pois, muitos e graves os perigos que corre a juventude, que aspira
ao estado eclesiástico, esta sociedade terá o máximo empenho em cultivar na
piedade aqueles que mostrassem aptidão para o estudo, e fossem recomendáveis por

1
Cfr. Regras ou Constituições da Sociedade de São Francisco de Salles conforme o decreto de aprovação do
dia03 de abril de 1874. Turim, tipografia salesiana, ano de 1874, páginas 6-7 OE XXV 416-417.
seus bons costumes. Tratando-se depois de receber jovens para os estudos, sejam
acolhidos de preferência os mais pobres, justamente porque não poderiam estudar
em outros lugares (...).
6. A necessidade de sustentar a religião católica se torna cada vez mais grave
entre os povos cristãos, particularmente nas aldeias; por isso, os sócios salesianos se
desdobrarão com zelo para pregar retiros espirituais, para confirmar e orientar na
piedade, aqueles que, movidos pelo desejo de mudar de vida, viessem ouvi-los.
7. Do mesmo modo farão todo o possível para difundir os bons livros no
meio do povo, usando todos aqueles meios que a caridade cristã inspira. Finalmente,
com as palavras, com os escritos procurarão impedir a impiedade e a heresia, que de
tantos modos tenta insinuar-se entre os rudes e os ignorantes (...)2.

A referência às instituições é essencial à compreensão do evoluir e do articulado


constituir-se do “sistema”, ao menos no seu tríplice vinculo:
1) ele é realizado gradualmente em estruturas, que não são criadas ex novo por Dom
Bosco, são típicas do tempo da Restauração, muitas com raízes longínquas na época da
Reforma Católica e do antigo regime; todavia, elas recebem do seu sistema uma fisionomia
nova, que traça interiormente suas características fundamentais;
2) além disso, o próprio “sistema”, encarnando-se nas várias instituições, fica por
sua vez condicionado, derivando daí traços diferenciados, que o tornam mais articulado:
não é totalmente idêntico, por exemplo, no oratório e no colégio-internato;
3) ainda, as várias instituições são destinadas a jovens de diferentes níveis social,
cultural, religioso-moral, e pretendem responder a exigências diversas ou diversamente
acentuadas ( ou assistenciais, ou escolares, ou profissionais, ou catequéticas, ou
formativas), que incidem nos conteúdos e nos métodos educativos: Não se podem portanto
ignorar os “rostos diversos que tal pedagogia assume.
Uma parcial tipologia institucional e pedagógica está presente também a Dom
Bosco, quando, em uma das mais importantes conferências dos anos 80, traça aos seus
ouvintes um quadro completo das suas iniciativas assistenciais juvenis.

“Há os Oratórios festivos com os jardins ou lugares de honesta recreação. Neles os


jovens são alegremente entretidos com jogos e brinquedos debaixo da devida vigilância;
neles, em tempo e lugar, são instruídos na doutrina cristã e são encaminhados e assistidos
na prática de seus deveres religiosos (...). Há escolas noturnas para pobres artesãos, os
quais, estando todo o dia ocupados em suas oficinas, não podem adquirir a necessária
instrução. Há ainda escolas diurnas e gratuitas (...). Existem os catecismos dominicais e
também cotidianos, ou nas igrejas ou nas casas particulares (...). Existem ainda os assim
chamados patronatos, mediante os quais se tem o cuidado de colocar os jovens junto de
patrões honestos, e se espera que lá não corram perigo, nem para a religião e nem para a
moralidade (...). Mas estes meios ainda não bastam(...). Mas é preciso uma casa, ocorre um
teto, falta um abrigo para o abandonado. Aí está justamente a necessidade das casas de
acolhida de caridade para jovens mais necessitados. Ali são providenciados todos os meios
necessários para a vida; ali alguns, em apropriadas oficinas, são encaminhados à
aprendizagem de uma arte, para que possam um dia ganhar um pão honrado: os outros

2
Regras ou Constituições da Sociedade de São Francisco de Salles segundo o decreto de aprovação de 3 de
abril de 1874. Turim, tipografia do Oratório de São Francisco de Salles 1875 páginas 3-5, OE XXVII 53-55.
prendados por Deus por uma particular inteligência são encaminhados ao estudo; destes
uma parte abraça a carreira civil, e neste ou naquele oficio, servem à família e à sociedade;
uma outra parte entra para a carreira eclesiástica e se tornam apóstolos da religião e da
civilização não somente entre nós, mas também entre as nações bárbaras”3.

Com fundamento, se pode pensar em um único “sistema preventivo”, que se realiza


em uma pluralidade de “metodologias” ou “métodos preventivos”4.

1. O oratório

A primeira instituição em ordem cronológica e de importância é o Oratório festivo e


quotidiano, a expressão mais popular, flexível e personalizada da ação religiosa,
social e educativa de Dom Bosco. Nela nasceu, em seus elementos originais, o
“sistema preventivo”, com traços originais que o distinguem do que é praticado no
“colégio-internato” e de instituições análogas, mesmo conservando seus traços
essenciais comuns5. O oratório surge de urgências imediatas, carregadas de
elementos tradicionais: catequese, prática religiosa, tempo livre, atividades culturais
integrativas6. Mais tarde aparecerão as regulamentações assumidas pela experiência
e pela consulta de estatutos de obras análogas lombardas e piemontesas. Mas a
marca de Dom Bosco ficou fortemente impressa.
Plasmado com base em uma feliz intuição inicial, que não exclui a síntese
eclética de vistosos elementos tradicionais, é definido só parcialmente pelo primeiro
artigo do Regulamento: “entreter a juventude nos dias de festa, com agradável e
honesta recreação, depois de ter assistido as sagradas funções da Igreja”7. “Os
oratórios de Padre Cocchi e de Dom Bosco desenvolveram-se justamente na
encruzilhada entre exigências pastorais (a conversão do povo animada no interior do
mesmo povo através de um tipo de padre ) e instâncias educativas populares (ajudar

3
Conferência aos cooperadores em Gênova, em 30 de março de 1832, BS VI (1882) número 4, abril, página
71. Grifo nosso.
4
Podem-se individuar ao menos quatro diversas “versões “metodológicas do “sistema” já nas experiências
assistências e educativas dos primeiros vinte anos de atividade em Turim: cfr. PEDRO BRAIDO, O sistema
preventivo de Dom Bosco nas origens..., RSS14 (1995) 310-312.
5
Sobre o oratório Dom Bosco deixou escritos fundamentais, de caráter histórico-ideológico; e existe também
uma literatura de notável valor. De Dom Bosco deve-se lembrar ao menos: Esboço histórico do Oratório de
São Francisco de Sales (1854) e Esboços históricos sobre o Oratório de São Francisco de Sales (1862); em
parte A força da boa educação (1855), Severino, ou aventuras de um jovem alpino (1868), Memórias do
Oratório de São Francisco de Sales de 1815 a 1855, Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales
para os externos. Merecem atenção especial alguns estudos: PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da
religiosidade católica, volume I, páginas 103-119; IDEM, Dom Bosco na história econômica e social...,
páginas 71-90, 101-108, 159-174; G. CHIOSSO, O oratório de Dom Bosco e a renovação educacional no
Piemonte de Carlos Alberto, em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 83-116; IDEM, Dom
Bosco e o oratório(1841-1855), no volume de MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história, páginas 297-313.
6
“Esta Congregação em 1841 não era senão um Catecismo, um jardim de recreação festiva, ao qual, em
1846[=1847] se ajuntou uma casa de acolhida para os pobres artesãos, formando um Instituto particular em
forma de numerosa família” (Relatório à Santa Sé de março de 1879, E III 462).
7
Regulamento do Oratório...para os externos, primeira parte, [Introdução] Fim desta obra, página 3, OE
XXIX 33.
a juventude sozinha, abandonada e sem guia, e por isso potencialmente em perigo e
perigosa, a melhorar para o bem de si mesma e da sociedade )”8
O aspecto pastoral-catequético e recreativo é integrado por uma preocupação
de formação geral, moral e cultural, através das associações, das escolas
dominicais,noturnas e diurnas, as atividades musicais, o teatro, a ginástica, o esporte
e o excursionismo9. “Duas outras importantes intuições podem ser creditadas a Dom
Bosco, a partir do momento em que o oratório se fixa em Valdocco. A primeira diz
respeito à estrutura flexível em que ele pensa o oratório, nem paroquial (como, no
fundo, era ainda a experiência de Padre Cocchi ), nem interparoquial, mas obra de
mediação entre Igreja, sociedade urbana e setores populares juvenis.A segunda
refere-se ao entrelaçamento dinâmico entre formação religiosa e desenvolvimento
humano, entre catecismo e educação”10.
Sobressai, antes de tudo, o elemento religioso: “uma casa de reunião
dominical, aonde pudessem todos ter a oportunidade de satisfazer aos seus deveres
religiosos, e receber ao mesmo tempo uma instrução, encaminhamento, um
conselho para governar cristã e honestamente a vida”11. O Regulamento admoesta:
“Entrando um jovem neste Oratório, deve persuadir-se de que este é lugar de
religião, no qual se deseja fazer bons cristão e honestos cidadãos”12. No
regulamento do diretor, “o superior principal, que é o responsável por tudo que
acontece no Oratório”, está resumida a finalidade eminentemente cristã da educação
oratoriana. Ele deve “desdobrar-se de todos os modos possíveis para insinuar nos
jovens corações o amor de Deus, o respeito às coisas sagradas, a freqüência aos
sacramentos, filial devoção a Maria Santíssima, e tudo aquilo que constitui a
verdadeira piedade”13.
Por isso o Oratório é escola de instrução, de pratica religiosa e de inspiração
cristã da vida. Uma das poucas condições de aceitação é “que (os jovens) sejam
ocupados em alguma arte ou ofício, porque o ócio e a desocupação acarretam todos
os vícios, portanto tornam inútil qualquer instrução religiosa”14, sob forma de
pregação dominical, matutina ou vespertina, ou na forma da catequese por classes
ou coletivo. Quanto à prática religiosa, na narração dos fatos acontecidos no
Oratório primitivo, se insiste muito na “comodidade de aproximar-se dos santos
sacramentos da confissão e da comunhão”15. Com a benção da primeira capela (8 de
dezembro de 1844) se queria garantir um lugar para cumprir “os deveres religiosos
na igreja”16. E mesmo nos momentos críticos do Oratório ambulante, primeira
preocupação é encontrar um modo de cumprir os deveres religiosos: catecismo,
canto de laudes, missa, vésperas, instrução religiosa17.

8
G. CHIOSSO, Dom Bosco e o oratório..., em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., página 301.
9
Cfr. em particular MO (1991) 158-161.
10
G. CHIOSSO, Dom Bosco e o oratório..., em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., página 302.
11
Circular de 20 de dezembro de 1851, Em I 139.
12
Regulamento do Oratório...para os externos, segunda parte, capítulo II, artigo 6, página 30, OE XXIX 60.
13
Regulamento do Oratório...para os externos, primeira parte, capítulo I, artigos 1 e 7, páginas 5 e 6, OE
XXIX 35 e 36.
14
Regulamento do Oratório...para os externos, segunda parte, capítulo II, artigo 5, página 30, OE XXIX 60.
15
Cfr. Por exemplo MO (1991) 123-124, O Oratório em 1842.
16
MO (1991) 133.
17
MO (1991) 134-146.
Além disso, o Oratório é estrutura “aberta” extremamente abrangente tanto
quanto ao tempo, quanto aos jovens que o freqüentam. O Oratório não tem horário,
não é uma escola que tem início e fim marcados. Operários e estudantes, todos, têm
dias e horas “livres” que poderiam ser desperdiçadas no ócio e na vagabundagem,
“particularmente nos dias festivos”. O Oratório deveria preencher os vazios de
trabalho e de ocupação da vida de um jovem; e saturá-la de possibilidade, de
alegria, de valores humanos e celestes, de formação e de recreação, de instrução e
de edificação. É viva a preocupação de não permitir soluções de continuidade na
obra educativa oratoriana. Tanto verdade é que, de um modo ou de outro, durante a
semana o Oratório prossegue o seu ritmo. É a praxe e o pensamento de Dom Bosco.

“O dia festivo era todo consagrado à assistência dos meus


jovens; durante a semana eu ia visitá-los em seus trabalhos nas
oficinas, nas fábricas. Isto produzia grande consolação nos jovens,
que viam um amigo preocupar-se com eles; fazia o gosto dos patrões,
que mantinha de boa mente sob sua disciplina, jovens assistidos
durante a semana, e mais nos dias festivos que são dias de maior
perigo. Todo sábado eu ia às prisões com sacos cheios, às vezes de
tabaco, às vezes de frutas, às vezes de pães, sempre com o objetivo
de educar jovens que tinham a infelicidade de estarem lá preso;
assisti-los, tornar-me amigo deles, e assim motivados para vir ao
Oratório, quando tivessem a sorte de sair do lugar de punição”18.

Ainda, o Oratório é para todos, isto é, para qualquer um que quisesse ocupar
construtivamente o tempo livre. Se houver uma preferência, é por aqueles que se
encontram em condição de maior pobreza de material e espiritual. “Aqueles porém,
que são pobres, mais abandonados, e mais ignorantes são de preferência acolhidos
educados, por que têm maior necessidade de assistência para manter-se no caminho
da eterna salvação”19. A primeira finalidade, de fato, é entreter a juventude mais
abandonada e em perigo”, repete Dom Bosco nas Memórias do Oratório20. Nas
Deliberações dos dois últimos capítulos gerais precedidos por Dom Bosco, ficava
decidido: para atingir “mais eficazmente e amplamente” a finalidade primeira da
sociedade salesiana, que “é recolher jovens pobres e abandonados, “particularmente
nos dias festivos”, teria sido extremamente proveitoso “nas cidades e nas aldeias,
onde existe uma Casa Salesiana, criar também um jardim de recreação ou Oratório
Festivo pra os jovens externos, que têm mais necessidade de instrução religiosa e
estão expostos aos perigos da perversão”21.
Diferentemente do internato e da escola, o oratório exclui por princípio
qualquer procedimento sistemático de aceitação, de classificação, de controle, de

18
MO (1991) 125.
19
Regulamento do Oratório...para os externos, segunda parte, capítulo II, artigo 2, página 29, OE XXIX 59.
20
MO (1991) 133.
21
Deliberações do III e IV capítulo geral da Pia Sociedade Salesiana, celebrados em Valsalice em setembro
de 1883-1886. São Benigno Canavese , Tipografia Salesiana 1887, pagina 22, OE XXXVI 274. Os textos se
referem a expressões já contidas na citada circular de 20 de dezembro de 1851: “aquela parte de juventude,
que por descuido dos pais, por companhia de amigos perversos ou por faltas de meios econômicos, encontra-
se expostas a contínuo perigo de corrupção”; “jovens ociosos e desencaminhados” (Em I 139).
admissão ou demissão, excetuados os raríssimos casos de expulsão, constituindo-se
como a mais dinâmica e imprevisível agregação juvenil projetada e realizada por
Dom Bosco. Os vínculos são essencialmente constituídos pelos valores de interesse,
de atenção, de adequação que ele está à altura de expressar: consciência religiosa,
empenho moral, livre participação, cultura, solidariedade de amizade e de co-
responsabilidade, clima de liberdade, de amor e de alegria.
O oratório, mais que outras instituições, quer ser um centro de vitalidade e
vivacidade juvenil na plena expressão do principio da “alegria”, como é dito com
primitiva simplicidade em uma circular de 20 de dezembro de 1851: “vários
divertimentos aptos para desenvolver as forças físicas e para reforçar honestamente
o espírito foram também adotados, e assim procurou tornar útil e ao mesmo tempo
agradável a permanência [dos jovens] naquele lugar”22. Se o brinquedo e a alegria
são, para qualquer instituição educativa de Dom Bosco, um clima e um ambiente
essenciais, com maior razão devem ser, mais generosamente no oratório festivo,
instituição educativa “livre”, onde a coerção e a regulamentação são substituídas
pela atração do ambiente festivo e da caridade. Insistiam nisso as Deliberações já
citadas: “Recomendam-se especialmente os brinquedos e divertimentos de todo
tipo, segundo a idade e os usos do lugar, uma vez que é este um dos meios mais
eficazes para atrair os jovens ao Oratório. Para promover a freqüência e a boa
conduta nos Oratórios festivos, ajudam também muito os prêmios que se dão em
tempos marcados, pó exemplo, livros, objetos de devoção, roupa; como também
loterias, passeios, teatrinhos fáceis e morais, aula de música, festinhas, etc”23.
“O brinquedo e a festa eram momentos privilegiados para criar
associacionismo, familiaridade, amizade e para facilitar a comunicação de valores
humanos e religiosos”24.
Além da “piedade” e da alegria, é vinculo insubstituível para o oratório, mas
que em outros lugares, a caridade. Ela será, fora de dúvida, antes de tudo amor de
fortes motivações morais, religiosas e sociais. Mas deverá também traduzir-se,
inseparavelmente, em humana e palpável amorevolezza, caridade que se manifesta e
aparece, tornando-se meio humano de atração e de conquista. “O bom andamento
do Oratório festivo depende, sobretudo, de se usar sempre um verdadeiro espírito de
sacrifício, grande paciência, caridade e benevolência com todos, a tal ponto que os
alunos sempre guardem dele uma saudosa lembrança e o freqüentem também
quando forem adultos”25. “O diretor – recomenda o regulamento – deve (...)
mostrar-se constantemente amigo, companheiro, irmão de todos”26. Além disso:
“cada catequista mostre sempre um rosto alegre, e faça ver, como de fato é, com
importante é aquilo que ele ensina: corrigindo ou avisando, use sempre palavras que
encorajam, mais nunca humilham. Elogie quem merece, e seja lento em castigar”27.
A todos, enfim, é lembrado: “Caridade, paciência recíproca em suportar os defeitos
dos outros, promover o bom nome do Oratório, dos empregados, e animar a todos à

22
Em I 139.
23
Deliberações do III e IV capítulo geral..., artigos 7 e 8, página 24, OE XXXVI 276.
24
G. CHIOSSO, Dom Bosco e o oratório..., em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história..., página 302.
25
Deliberações do III e IV capítulo geral..., página 24, OE XXXVI 276.
26
Regulamento do Oratório...para os externos, primeira parte, capítulo I, artigo 2, página 5, OE XXIX 35.
27
Regulamento do Oratório...para os externos, primeira parte, capítulo VIII Dos catequistas, artigos 16-17,
página 18, OE XXIX 48.
benevolência e confiança com o diretor, são coisas a todos vivamente
recomendados, e sem elas não se conseguira manter a ordem, promover a glória de
Deus, e o bem das almas”28.
Finalmente, o oratório constitui a primeira experiência de campo, da
solidariedade com Dom Bosco dos numerosos colaboradores, eclesiásticos e leigos,
adultos e jovens29, nobres, profissionais, burgueses. Dom Bosco mesmo escreve
sobre isto com gratidão, já no Esboço histórico de 185430 e nos Esboços históricos
de 186231, insistindo ainda, intencionalmente, nas Memórias do Oratório com
relação à nascente idéia dos “Cooperadores”32.

2. A casa de acolhida e o colégio

Sobretudo no setor das instituições totais, colégios, casas de acolhida, não é


na estrutura enquanto tal que se pode encontrar certa criatividade de Dom Bosco33.
Quando muito, o internato - fosse ele casa de acolhida para jovens “abandonados”,
internato de estudantes, colégio para aprendizes artesãos, pequeno seminário-,
condiciona fortemente alguns dos elementos mais originais e dinâmico do seu
sistema educativo, que, ao invés, aparecem mais visivelmente no oratório e nas
instituições abertas: a espontaneidade do acesso e da freqüência, a redução das
formas disciplinares e de enquadramento, a ausência de relatórios financeiros, o
contato com a família e com o mundo externo, a verificação da aprendizagem no
que foi vivido cada dia, a inexistência do problema das “férias”.
Por outro lado, o internato parece consentir uma mais vigorosa atuação de
alguns aspectos protetores e disciplinares do “sistema”. Na realidade, as formas
mais maduras deste, foram elaboradas com referência à casa de acolhida e ao
colégio.
Vice-versa, as formas “colegiais” de Dom Bosco são sensivelmente
mitigadas pelas características e pelo estilo próprio do “sistema preventivo”, com
injeção de nova linfa em estruturas e tradições consolidadas.

28
Regulamento do Oratório...para os externos, segunda parte, capítulo I, artigo 4, páginas 28-29, OE XXIX
58-59.
29
“Igualmente importante foi o recurso (como fazia já o Padre Cocchi em Vanchiglia) à colaboração de
jovens já bem formados em condição de representar, acima da já importante ajuda prestada nos catecismo e
na animação do tempo livre, um modelo pedagógico significativo para meninos habituados à ambiente e a
modos de vida bem diferentes” (G. CHIOSSO, Dom Bosco e o oratório..., em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco
na história..., página 302).
30
Esboço histórico..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 36, 41, 52.
31
Esboços históricos..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 65, 66, 69, 81.
32
MO (1991) 123, 124, 125, 128, 158, 188-189.
33
De jovens educados em internato, Dom Bosco escreveu textos significativos: as biografas de Domingos
Sávio, Miguel Magone, Francisco Besucco, que todavia retratam mais propriamente uma secção de colégio
que é sobretudo um “seminário” de vocações eclesiásticas. Ao Oratório como internato artesanal-estudantil
referem-se algumas páginas do Esboço histórico e dos Esboços históricos (PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na
Igreja..., páginas 53-59 e 74-81). O colégio tem um papel importante na narração biográfica já citada,
Valentim ou a vocação impedida (1866) (OE XVII 179-242). O colégio –internato está particularmente
presente a Dom Bosco ao redigir as páginas sobre o Sistema preventivo na educação da juventude de 1877.
Codificação de um a longa experiência “colegial” é o Regulamento para as casas..., 1877, OE XXIX 111-
194.
Com o fenômeno da “colegialização” não somente se determina uma virada
na história das instituições educativas de Dom Bosco34, mas nascem
contemporaneamente um “novo” sistema preventivo e um “novo colégio”35. Antes
de tudo, a fisionomia do colégio-casa de acolhida de Dom Bosco se ressente
necessariamente da qualidade humana, cultural e social dos jovens que para eles
afluem e trazem, em muitos casos, um tom especial de simplicidade, de “pobreza”,
que torna toda convivência menos formal, mais elementar, e por isso mais apta a
receber os traços próprios daquela que pôde ser “pedagogia do pobre”, “pedagogia
pobre”: a sinceridade da amizade, a confiança dos alunos nos educadores, a
experiência da vida comum familiar e “amorável”, a evangélica disponibilidade aos
dons da graça, o apreço pelo estudo e pelo crescimento profissional, o fascínio das
atividades lúdicas, teatrais e semelhantes, em geral inacessíveis no âmbito
originário.
Para a imensa maioria dos jovens, a “vida de colégio” não é coisa segura,
uma necessidade da própria condição familiar e social, mas realmente uma fortuna,
um presente inesperado, uma imprevista e magnífica possibilidade de elevação
cultural e social, o início de um novo “caminho” para o futuro.
Além disso, ali podem encontrar ótima atuação algumas exigências do
“sistema”, em primeiro lugar a exigência fundamental da preventividade no duplo
aspecto: protetor-dispositivo e positivo-construtivo. Antes, é justamente a
preocupação preventiva que dá origem ao internato-casa de acolhida: “Entre os
jovens que freqüentavam os Oratórios da cidade há aqueles que se encontram em
condição tal, de tornar inúteis todos os meios espirituais, se não forem logo
socorridos no temporal”36. “Percebendo que para muitos meninos se tornaria inútil
qualquer fadiga se não fossem recolhidos em alguma casa, decidi logo alugar alguns
quartos ainda que a preço exorbitante”37.
Mais tarde, ulteriores motivos de clara “prevenção” pedagógica aconselha,
tanto para os artesãos quanto para os estudantes, a adoção da rígida forma
“colegial”, como oficinas e aulas internas.

“Não havendo ainda oficinas no instituto, os nossos alunos


iam trabalhar e estudar em Turim, com grande prejuízo da
moralidade, porque os companheiros que encontravam, as conversas

34
Sobre o colégio e a “colegialização” escreveu PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade
católica, volume I, páginas 121-127; IDEM, Dom Bosco na história econômica e social..., páginas 123-157
(Colégios e internatos no Piemonte e na Ligúria 1860-1870), 175-199 (Jovens e adultos internos em
Valdocco 1847-1870), 289-294 (A população juvenil dos outros colégios).
35
Nesta ótica deve ser lido e interpretado o livro só aparentemente paradoxal de O. DEL DONNO, Dom
Bosco, o demolidor dos colégios, o antipedagogista de convicção, o educador de vocação. Bolonha, N.
U.Gallo 1965, 389 páginas.
36
Plano de regulamento para a casa anexa ao Oratório de São Francisco de Sales em Valdocco. Finalidade
desta, redação manuscrita de 1852, guardada no Arquivo Central Salesiano (Roma). Dom Bosco escrevia a
respeito disto também nos Esboços históricos: “Entre os jovens que freqüentam estes Oratórios foram
encontrados alguns de tal forma pobres e abandonados, que para eles tornava-se quase inútil qualquer
solicitude, sem um local onde pudessem ser previstos de moradia, alimentação e vestuário. A esta necessidade
procurou-se prover com a casa anexa e chamada também Oratório de São Francisco de Sales” (Esboços
históricos ..., em PEDRO BRAIDO, Dom Bosco na Igreja..., páginas 74-75)
37
MO (1991) 182.
que ouviam, e aquilo que viam, frustravam o que se fazia e o que se
dizia no Oratório”38. “O que sucedia aos artesãos, acontecia também
com os estudantes. Em vista disso, para as várias classes nas quais
estavam divididos, os mais adiantados nos estudos deviam ser
enviados ao professor José Bonzanino; Os Retóricos, ao professor
Padre Mateus Picco. Eram escolas ótimas, mas a ida e a volta eram
perigosas. Em 1856, com grande vantagem, foram definitivamente
abertas as aulas e as oficinas na casa do Oratório”39.

Claramente, uma pedagogia da preservação e da imunização aparece a Dom


Bosco como condição ideal para uma construção educativa moral sem soluções de
continuidade. Ele prefere que o edifício educativo se erga sobre um terreno livre,
antes que sobre um solo que exige preliminares trabalhos de saneamento ou de
terraplanagem. Ele não recusa esta segunda hipótese; mas não faz nada para realizá-
la.
Esta persuasão retorna freqüentemente, sobretudo nos últimos anos de vida,
nas falas aos cooperadores e aos benfeitores. Com particular preocupação fala em
Marselha, das meninas que vêm da roça para a cidade para “ganhar a vida” e vivem
expostas a tantos perigos de “perversão”: “A falta de educação e de religião, por um
lado, o escândalo, a corrupção, malícia, por outro, fazem um imenso estrago”; são
recolhidos na casa de St. Cyr, onde “trabalham na terra, recebem instrução
intelectual, religiosa e moral”40.
Na breve biografia romanceada, Valentim ou a vocação impedida, Dom
Bosco mostra intencionalmente a eficácia educativa de um colégio cristão no qual o
isolamento, a perfeita organização e assistência, em função da preservação e da
educação, obtêm rápidos e convincentes resultados educativos. “Separado dos
companheiros, longe das más leituras, a freqüência dos bons condiscípulos, a
emulação em sala, música, declamação, algumas representações dramáticas em um
teatrinho, fizeram logo esquecer a vida dissipada que levava, fazia já um ano. A
lembrança da mãe fuja do ócio e dos maus companheiros, voltava-lhe
freqüentemente à memória. Antes, com facilidade retomou o antigo hábito das
práticas de piedade”41.

Daí derivam várias prescrições: a decidida separação do


mundo externo42, o rigor nas aceitações43, a clarividência dos
controles e das regulamentações.44 O conceito da prevenção se
traduz, na primeira tradição colegial, depois de superada pelos fatos,
em uma desconfiança bastante acentuada com relação aos externatos

38
MO (1991) 187.
39
MO (1991) 187-188.
40
Conferencia em Marselha em 29 de março de 1883, BS 7 (1883) número 5, maio, página 79.
41
JOÃO BOSCO, Valentim..., páginas 21-22, OE XVII 199-200; cfr. todo o capítulo VII Novo Colégio. Volta
à piedade, páginas 19-25, OE XVII 197-203.
42
Cfr. Regulamento do parlatório de 1860, MB VI 597-598.
43
Cfr. FRANCISCO MOTTO, As Lembranças confidenciais aos diretores”..., página 155
44
Um caso típico é constituído, como já foi dito, pelas progressivas limitações dadas à presença, no interior
do Oratório, dos fieis que afluíam a Turim para a festa de Maria Auxiliadora.
e pensionatos. Ainda enquanto Dom Bosco vivia, em uma reunião do
“capítulo superior” de fevereiro de 1877, tratando-se do instituto de
Valsalice, não passou a proposta de transformar aquele colégio em
semi-internato, mandando ir buscar e levar os alunos às suas casas
com o ônibus45.
Prevalece, obviamente, a finalidade eminentemente positiva da formação
colegial, tanto mais eficaz, quanto menos comprometida por cotidianos contatos
com o mundo externo. Na história do colégio de Dom Bosco se assiste a este duplo
fenômeno: “anexo” ao Oratório, obra principal, surge o internato-pensionato, que se
transforma logo em verdadeiro colégio interno para estudantes, aspirantes ou não à
carreira eclesiástica, e artesãos, estruturado segundo as exigências de uma formação
interna auto-suficiente e autônoma. Com a chegada em grande número dos
“colégios”, será o Oratório que acabará por ser considerado “anexo”.
Do ponto de vista pedagógico não se diferenciam dos colégios, as casas de
acolhida, destinadas aos meninos “órfãos e privados da assistência, porque os pais
não podem e não querem cuidar deles, sem profissão, sem instrução”, “expostos aos
perigos de um triste futuro”. Também eles estão destinados a oferecer aos alunos
uma formação completa, em um ambiente igualmente acolhedor: instrução,
habilidades profissionais, disciplina de vida, educação moral e religiosa46. O
Regulamento para as casas exige, para sua aceitação, duas condições de significado
“pedagógico”: sejam, porquanto for possível, conhecidos pelo educador e dispostos
a considerar a “casa” como sua família.

Nas nossas casas de beneficência, serão, de preferência,


aceitos aqueles que freqüentam os nossos Oratórios festivos, porque é
da máxima importância conhecer um pouco a índole dos jovens antes
de recebê-los definitivamente nas casas. Todo jovem recebido nas
nossas casas deverá considerar seus companheiros como irmãos, e os
superiores como aqueles que fazem as vezes do pai”47.

A autonomia educativa, constantemente reivindicada por Dom Bosco, antes


e mais do que a administrativa, leva-o a excluir das casas de acolhida e dos colégios
as interferências e as intromissões, que pudessem limitar a eficácia “preventiva” do
sistema. É o sentido da carta, já citada a propósito das particularidades do “sistema
preventivo”, endereçada ao presidente da casa de acolhida romana de São Miguel
em Ripa, obra que parecia se querer assumir. “É bom, portanto que me explique a
respeito da parte essencial da sua carta: Confiar a direção dos jovens e a sua
imediata dependência e vigilância”. A “explicação” consistia, em substância, na
precisa delimitação dos respectivos espaços de competência, administrativos e
educativos48.
O espírito familiar é um ulterior elemento que caracteriza o colégio, querido
e realizado por Dom Bosco, mesmo se mais agudamente que em qualquer outra
45
JÚLIO BARBERIS, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 32v.
46
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo I, páginas 59-60, OE XXIX 155-156.
47
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo II, artigo 5, página 61, OE XXIX 157.
48
Carta ao príncipe Gabrielli, junho de 1879, E III 481-482; cfr. Também carta ao cônego Guiol de Marselha,
setembro 1879, E III 520.
estrutura, é sentido o problema da ordem, dos castigos e, até mesmo, da expulsão. A
realidade da família plasma a totalidade de seus aspectos organizativos e
disciplinares. O colégio é a “casa”, como sublinhou Padre Caviglia a propósito da
comunidade educativa49.
A mesma continuidade e estabilidade da convivência acentua aspectos
positivos de atividades formativas, principalmente expostas em outras instituições à
precariedade das colaborações: as atividades de grupo, a estabilidade das amizades,
a progressividade da direção espiritual, a riqueza cultural e emotiva das festas, a
dignidade das manifestações lúdicas, teatrais, musicais, a criação das tradições e de
um estilo.
Também a doutrina e praxe das férias, um tanto rigorosa, pode permitir
formas comunitária de vida intensamente participadas, como as memoráveis
excursões de outono, já mencionadas. Para Dom Bosco é exemplar a este propósito
o comportamento de Miguel Magone. “Durante todo o tempo em que esteve entre
nós, só uma vez foi à sua casa, em tempos de férias. Depois, também persuadido por
mim, não quis mais ir, ainda que sua mãe e outros parentes, a quem dedicava grande
afeto, o esperassem. Muitas vezes lhe foi perguntada a causa disto, e ele se
desculpava sempre sorrindo. Finalmente, um dia, revelou o segredo a um seu
confidente. Eu fui uma vez, disse, tirar alguns dias de férias em casa, mas no futuro,
se não for obrigado, não irei mais”50.
Ocorre, porém, ter presente ainda uma vez, que certas restrições, impostas e
aconselhadas, dizem respeito sobretudo a instituições como a secção estudantes do
Oratório de Turim-Valdocco, considerada como se fosse um pequeno seminário
para as vocações eclesiásticas e religiosas. Isto será esclarecido no parágrafo
seguinte.

3. O pequeno seminário

Em 1860, o anticlerical Gazeta do povo de Turim, fazendo uma referência


polêmica a Dom Bosco, definia-o um “moderno Padre Loriquet (...) diretor de uma
ninhada de padrecos em Valdocco”. Era clara a alusão ao Oratório como colégio,
sobretudo orientado aos cuidados das vocações eclesiásticas51.
O pequeno seminário não pode ser considerado instituição que se diferencie
substancialmente dos colégios comuns. Porém, é certo que a destinação específica
condiciona fortemente seu estilo de vida. Ele, por uma parte, sublinha em particular
seus elementos protetores, enquanto em outros aspectos exalta seus traços essenciais

49
ALBERTO CAVIGLIA, Domingos Sávio e Dom Bosco.Estudo, página 68.
50
JOÃO BOSCO, Esboço biográfico do jovem Miguel Magone..., página 57, OE XIII 211.
51
Fonte preciosa, ainda que indireta, para a compreensão do pensamento e da ação formativo-vocacional de
Dom Bosco, é o volume de Padre Almerico GUERRA, As vocações ao estado eclesiástico quanto à
necessidade e ao modo de ajuda-la. Observações práticas antecedidas de algumas advertências sobre a
escassez do clero. Roma, Tipografia da Civiltà Cattolica, 1869, páginas IX-334. O autor cita muitas vezes
com admiração Dom Bosco, cujos colégios ele chama “verdadeiros seminários de virtudes”, que “fornecem
ótimos clérigos e ótimos padres” (página 76). Dom Bosco, agradecendo o autor pela homenagem feita à sua
obra, escreve: “Este [o livro] é verdadeiramente feito todo segundo o meu espírito e desejo vivamente que ele
corra pelas mãos dos educadores da juventude” (carta de 6 de junho de 1869, E II 31).
como a marca religiosa e a vida sacramental, o clima familiar, a amplitude dos
ideais.
São, sem dúvida, acentuados todos os procedimentos destinados a garantir
um ambiente sadio, moral, quase ascético, com o agravante das medidas de caráter
imunizante. No verão de 1884, aparecem até mesmo exasperados, discutindo o
problema com relação ao Oratório, que se julgava estar em crise disciplinar e
vocacional. Efetivamente, em uma reunião do “capítulo superior” de 5 de junho de
1884, dedicada ao tema da “moralidade” e do cuidado das vocações em Valdocco,
Dom Bosco mostra-se extremamente rígido. Princípio fundamental é “proteger os
jovens”. A proteção deveria começar nas “aceitações” e prolongar-se nas resolutas
“demissões”: “Jogar fora os ossos quebrados”, “severidade no expulsar os maus”.
No momento formativo, depois, exigem-se “disciplina” e “vigilância”, de modo que
nenhum ângulo da casa fique em segredo, uma catequese dominical apropriada, a
assídua tutela da moralidade. Dom Bosco conclui a reunião, reduzindo a três os
meio mais imediato para atingir a finalidade prefixada, moral e vocacional: “1º
Regulando a aceitação dos jovens. 2º Limpando a casa. 3º Dividindo, distribuindo,
regularizando funções, jovens, pátios, etc.”52.
Esta reunião e uma outra de 7 de julho integravam com ulteriores medidas
restritivas, as orientações já adotadas: a intensificação da vigilância, a redução do
contato dos jovens com ambientes considerados dispersivos ou perigosos
(paróquias, oratórios, casas religiosas femininas, hospitais civis), ainda a redução
rigorosamente funcional do programa dos estudos no estilo das “escolas
apostólicas” da França; por exemplo, a exclusão do ensino do grego e da
matemática nas últimas séries, de modo a tornar inviável o exame de licença
ginasial53.
São, porém, solicitados com igual insistência os muitos instrumentos,
positivamente construtivos, propostos pelo sistema. Com muito zelo, eles são
aplicados em instituições de tamanho empenho educativo, em formas mais
dedicadas. São, particularmente, a presença de educadores hábeis e competentes,
sobretudo os confessores fixos, capazes de fornecer uma direção vocacional discreta
e prudente54; a unidade de direção e o mais assíduo encontro familiar do diretor ou
do catequista com os alunos em público ou em particular55. Capital e
freqüentemente lembrada é a criação de um intenso clima de confiança, a
cordialidade e a concórdia entre os educadores, a “amorevolezza” com os jovens:
“antes de tudo, eu vejo que é necessário que nós nos tratemos com muita caridade e
doçura e usemos o mesmo tratamento com todos os sócios. Por esta caridade e
doçura entre nós, os jovens se sentiriam já muito engajados e atraídos para o nosso
tipo de vida (...). Digo portanto e repito: a doçura, a caridade entre nós e com eles
são os meios mais poderosos para poder educá-los bem e para cultivar as suas
vocações”56; “a paciência e a doçura, as relações cristãs dos mestres com os alunos,

52
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 13r – 14r.
53
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 13v, 18r-v, 19r.
54
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 13v.
55
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 17r-v e 18r.
56
JÚLIO BARBERIS, Atas do segundo capítulo geral (1880), FdB 1857 C10-12.
ganharão muitas vocações entre eles”57. Acrescenta-se uma corajosa pedagogia dos
ideais, como foi visto ao se falar do primado da caridade apostólica entre as
virtudes dos jovens cristãos e do itinerário educativo para a “escolha vocacional”.
Em conclusão todo o “sistema preventivo” deveria, por si mesmo, levar os jovens a
uma madura escolha vocacional, e entre estas, àquela sublime ao estado eclesiástico
e ao religioso. E Dom Bosco não cessa de lembrá-lo: “Façam-se sacrifícios
pecuniários e pessoais, mas pratique-se o sistema preventivo e teremos vocações em
abundância”58. Em prospectiva geral, na reunião do capítulo superior de 12 de
setembro de 1884, interferia: “Uma outra coisa eu recomendo. Estudo e esforço para
introduzir e praticar o sistema preventivo nas nossas casas. Os diretores farão
conferências sobre este tema importantíssimo. As vantagens são incalculáveis para a
salvação das almas e a glória de Deus”59.

4. A escola

A praxe e a teoria da escola de Dom Bosco não apresentam originalidades de


caracteres, a não ser a que deriva da aplicação dos princípios da pedagogia
preventiva. Algum elemento peculiar poder-se-á talvez sublinhar no setor da
formação artesanal ou profissional, e em algumas notações sobre o ensino religioso.
Em todos os tipos de escolas são bem evidenciados os dois aspectos
fundamentais: O fim ético-religioso e a utilidade sócio-profissional. A escola e a
cultura são consideradas essencialmente como meio de moralização em sentido
cristão e de preparação para a vida: “poder a seu tempo ganhar o pão da vida”.

4.1 A escola humanista

Na escola latina - geralmente há cinco classes ginasiais, previstas pela lei


Casati (1859) – não se notam inovações na impostação dos programas e na
metodologia didática60. Pode-se notar, somente, a insistência no costumeiro
princípio: O princípio da sabedoria é o temor do Senhor, onde a honra-amor de
Deus é ao mesmo tempo, princípio, meio e fim da formação escolar, e a humildade
do discípulo, a disposição interior indispensável. A passagem bíblica,
freqüentemente comentada por Dom Bosco, nos sermõezinhos noturnos, encontra
expressão oficial no Regulamento para as casas: “Quem não tem o temor de Deus,
abandone o estudo, porque trabalha em vão. A ciência não entrará em uma alma
malévola, nem habitará em um corpo escravo do pecado (...). O princípio da

57
FRANCISCO MOTTO, Memórias de 1841 a 1884 – 5-6...,página 106. Escrevia ao Padre Domingos
Tomatis na Argentina: “com sua maneira exemplar de viver, com a caridade no falar, no governar, no suportar
os defeitos dos outros se ganharão muitos para a Congregação” (carta de 14 de agosto de 1884, E IV 337). É o
tema central de uma “lição” sobre o modo de cultivar as vocações, ministrada familiarmente aos diretores em
4 de fevereiro de 1876: JÚLIO BARBERIS (E. Dompè), Crônica, caderno 14, páginas 41-50.
58
FRANCISCO MOTTO, Memórias de 1841 a 1884 - 5 - 6...,página 106.
59 54
JOÃO BATISTA LEMOYNE, Atas das reuniões capitulares, caderno I, folha 33v.
60
Cfr. G. PROVÉRBIO, A escola de Dom Bosco e o ensino do latim, no volume Dom Bosco na história da
cultura popular, cuidada por F. Traniello. Turim, SEI 1987, páginas 143-185; B. BELLERATE, Dom Bosco e
a escola humanista, em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na história...,páginas 315-329.
sabedoria é o temor de Deus”61. O professor “dos clássicos sagrados e profanos terá
o cuidado de tirar as conseqüências morais, quando a oportunidade da matéria der
ocasião, mas com poucas palavras,sem nenhuma complicação. Uma vez por semana
ministrem uma lição sobre um texto latino de autor cristão”62.
Nesta luz, na disputa sobre a presença de clássicos latinos e gregos na escola,
Dom Bosco, não podendo adotar na prática, por causa das férreas exigências dos
programas estatais, a tese mais rígida, sustentada na França pelo abade Gaume
contra Dupanloup, deplora as conseqüências que se têm na educação escolar, que se
tornou desse modo “pagã”63. Como confidenciava ao advogado Michel, de Nice
Marítima, para este fim tinha apressado a introdução nas suas escolas dos autores
latinos. Conta isto o diretor geral das escolas salesianas de então, um seguro
partidário de Gaume.

“Esta educação, formada toda sobre clássicos pagãos,


embebida de máximas e sentenças exclusivamente pagãs, ministrada
com método pagão, nunca, formará verdadeiros cristãos nos nossos
dias. Eu combati toda a minha vida, continuou Dom Bosco com
acento de energia e de dor, contra esta perversa educação, que
corrompe a mente e o coração da juventude nos seus mais belos anos;
Foi sempre meu ideal reformá-la em base sinceramente cristã. Para
este fim, eu empreendi a impressão revista e corrigida dos clássicos
latinos e profanos mais usados pelas escolas; para este fim, comecei a
publicação dos clássicos latinos cristãos, que deveriam, com a
santidade de sua doutrina e de seus exemplos, tornada mais leve por
uma forma elegante e robusta ao mesmo tempo, completar aquilo que
falta nos primeiros, que são o produto unicamente da razão, tornar
vãos possivelmente os efeitos destruidores do naturalismo pagão e
reconduzir à antiga e devida honra o que também nas letras o
cristianismo produziu de grande”64.

Do ponto de vista didático, deve-se notar a preferência por alguns elementos


familiares aos preceitos tradicionais. São conhecidas as suas recomendações acerca de
alguns comportamentos do professor: A estima pelo livro de texto e sua explicação fiel, o
interrogar, ter presente a “média” intelectual da classe, o uso de academias literárias e de
representações dramáticas de caráter humanista, o uso do diálogo didático. Mais fortes
aparecem algumas disposições regulamentares.

61
Regulamento para as casas..., segunda parte, capítulo VI Comportamento na aula e no estudo, artigos 21 e
22, página 73, OE XXIX 169.
62
Regulamento para as casas..., primeira parte, capítulo VI Dos professores da escola, artigos 12 e 14,
página 35, OE XXIX 131.
63
Sobre as polêmicas surgidas na França em torno das teses integristas de João-José Gaume, cfr. D.
MOULINET, Os clássicos pagãos nos colégios católicos? O combate de Monsenhor Gaume (1802-1879).
Paris, Edições du Cerf 1995, 485 páginas.
64
F. CERRUTI, As idéias de Dom Bosco sobre a educação e sobre o ensino e a missão atual da escola. Duas
cartas. São Benigno Canavese, Tipografia e livraria salesiana 1886, páginas 4-5.
“4. Os mais atrasados da sala sejam objetos de sua solicitude, encoraje mas não
humilhe nunca. 5. Interroguem todos sem distinção e com freqüência, e demonstrem grande
estima e afeição por todos os seus alunos, especialmente para aqueles de inteligência mais
lenta. Evitem o pernicioso costume de alguns, que abandonam a si mesmos os alunos que
são negligentes e muito atrasados”65 .

4.2 A formação artesanal

Um capítulo merece a escola artesanal e profissional, menos relevante no ponto de


vista pedagógico didático do que do ponto de vista assistencial e social, com uma
extraordinária difusão em escala mundial 66. Neste setor, Dom Bosco iniciou com o
humilde internato que oferecia comida, moradia e assistência a um grupo limitado de
jovens que trablhavam com artesãos da cidade, muitas vezes com a garantia de regulares
contratos, e circundados por uma assídua solicitude educativa. De 1853 a 1862 tem-se a
gradual organização de laboratórios artesanais internos, determinada por razões ao mesmo
tempo morais, religiosas, educativas e econômicas: alfaiates e sapateiros (1853),
encadernadores (1854), carpinteiros (1856), tipógrafos (1861), ferreiros (1862). Em julho
de 1868 tem início a gestão das duas colônias agrícolas, masculina e feminina de La
Navarre e de Saint-Cyr.
Além dos acentuados objetivos religiosos e morais, assumem crescente importância
os aspectos sociais, técnicos e sociais, a tal ponto de criar uma fórmula de artesanato,
relativamente aculturado, mas sobretudo prático. “Enfim, pois, – declarava abertamente em
1881 -, eu não quero que meus filhos sejam enciclopédicos; não quero que os meus
carpinteiros, ferreiros, alfaiates sejam advogados; nem que os tipógrafos e nem os
encadernadores e livreiros queiram ser filósofos e teólogos (...). A mim basta que cada um
saiba bem aquilo que lhe diz respeito, e quando um artesão possui conhecimentos úteis e
oportunos para bem exercitar sua arte (...), estes, digo, são doutos o bastante para se tornar
beneméritos da sociedade e da religião, e têm o direito de ser respeitados tanto quanto os
outros 67.
O último ato oficial dessa revolução à qual Dom Bosco pôde assistir, consiste em
um bem engenhado documento, já elaborado no terceiro capítulo geral de 1883, burilado e
aprovado no quarto de 1886. Os dois capítulos tinham incluído nos temas de estudo a
“orientação a ser dada à parte operária nas casas salesianas e meios de desenvolver a
educação dos jovens artesãos”. Daí brotaram orientações e normas que estiveram nas bases

65
Regulamento para as casas..., primeira parte, capítulo VI, página 33-34, OE XXIX 129-130. Era idéia
familiar também a Ferrante Aporti. O professor deve chegar a todos, aos ínfimos, os medíocres [a média dos
alunos, os mais], os mais capazes. A aptidão de um professor não se mede não ter sabido cultivar as grandes
inteligências, mais que ter conseguido tirar frutos de qualquer grau de capacidade;consideramos perito o
agricultor não quando ele obtém muito furto de um terreno fértil, mas aquele que sabe fecundar um terreno
estéril”(elementos de pedagogia ..., em FERRANTE APORTI, escritos pedagógicos, volume 2, páginas 87-
88).
66
Cfr. PEDRO STELLA, Dom Bosco na história econômica e social..., páginas 243-258 (as oficinas de artes
e ofícios); L. PAZZAGLIA, Aprendizado e instrução dos artesãos em Valdocco (1846-1886), em F.
TRANIELLO, Dom Bosco na historia da cultura popular..., páginas 13-80; D.VENERUSO, O método
educativo de São João Bosco à prova. Das oficinas aos institutos profissionais, em PEDRO BRAIDO, Dom
Bosco na Igreja..., páginas 133-142; J. M. PRELLEZO, Dom Bosco e as escolas profissionais (1870-1887),
em MÁRIO MIDALI, Dom Bosco na Historia..., páginas 331-353.
67
BS 5 (1882) número 8 agosto, página 16.
dos desenvolvimentos posteriores das “escolas profissionais” salesianas, que desde então ,
enquanto escolas, estavam presentes somente em embrião 68
No documento aprovado em 1886 é lembrado preliminarmente o tríplice fim pelos
quais os salesianos se ocupam dos jovens artesãos: fazer-lhes aprender “um ofício com o
qual poderão honradamente ganhar o pão da vida”, instruí-los na religião, dar-lhes “os
conhecimentos científicos oportunos para o seu estado”. Daí deriva o tríplice endereço
programático e metodológico: obviamente o religioso – moral; o endereço intelectual, que
compreende o necessário “currículo de conhecimentos literários, artísticos e científicos”
inclusive o desenho e a língua francesa; o endereço profissional, que tende a formar o
artesão hábil em todas as partes do seu ofício, não só teoricamente , mas praticamente, por
isso “é necessário que tenha adquirido o hábito para diversos trabalhos e os execute com
rapidez”, coisa essa tão empenhativa, que necessita um tirocínio geralmente de 5 anos69.

4.3 A Aula de Religião

Quanto à aula de religião, é até muito claro, que para dom Bosco, uma cuidadosa
cultura religiosa é um capítulo fundamental de uma educação integral. Mas outros
elementos caracterizam, a sua ação neste campo.
Existe um documento dos últimos anos que ilumina a importância excepcional que
ele atribuía à instrução religiosa, como base de toda a reforma da sociedade e da educação.
É uma folha autógrafa, por ele deixada ao procurador em Roma, Padre Dalmazzo, contendo
conceitos e propostas, que prentendia apresentar ao papa e que, provavelmente expôs a
Leão XIII da audiência de 5 de abril de 1880:

“coisas urgentes que só o vigário de Jesus Cristo pode providenciar”.


1- Para os meninos. Dê-se catecismo aos meninos, ao menos todos os dias
festivos. São poucos os lugares e pouquíssimas as cidades em geral onde há
tais catecismos, menos ainda para os meninos pobres e abandonados.
Pouquíssimo zelo para convidá-los e ouvi-los em confissão.
2- Para o clero. Maior solicitude em dar instrução aos fiéis segundo as normas
estabelecidas pelo catecismo para os párocos, publicado pelo Sagrado
Concilio de Trento. É difícil encontrar uma paróquia onde tais instruções tem
lugar, se se excetuam as paróquias do Norte da Itália. Maior cuidado e zelo e
maior caridade em ouvir as confissões dos fiéis. A maior parte dos sacerdotes
não ministram esse sacramento, outros ouvem apenas as confissões no tempo
pascal, e não mais.
3- Para as vocações eclesiásticas (...).
4- Ordens religiosas. As ordens religiosas passam uma crise terrível. Duas coisas
devem ser promovidas. Recolher os religiosos dispersos, e insistir na vida
comum e na abertura dos respectivos noviciados. Os religiosos que têm vida

68
Cfr L. PAZZAGLIA, aprendizado e instrução..., em TRANIELLO Dom Bosco na história da cultura
popular..., página 63; J. M. PRELLEZO, Dom Bosco e as escola profissionais..., em MARIO MIDALI,
Dom Bosco na história..., página 349.
69
Deliberações do terceiro e quarto terceiro geral..., páginas 18-22, OE 36 270-274 (Dos jovens artesãos...).
Uma aprofundada pesquisa sobre a gênese do documento, apresentado em edição crítica foi conduzida por J.
M. PRELLEZO, A “parte operária”nas casas salesianas. Documentos e testemunhas sobre a formação
profissional (1883-1886), RSS 16 (1997) 353 – 391.
contemplativa estendam o seu zelo ao catecismo dos meninos. à instrução
religiosa dos adultos, a ouvir suas confissões...”70

É abundante o receituário pedagógico e didático neste setor, mesmo na falta de


elementos especialmente inovadores. Predomina a vontade do fácil e do substancial, na
catequese e na pregação, que por sinal, era, sobretudo, catequética.

“Depois, a pregação seja coisa simples: começa com a definição da coisa que se
vai tratar; da definição se tira a divisão e se explicam as partes. Não perder-se muito em
digressões ou exemplos. Não se aprofundem muitos textos ou muitos fatos apenas acenados
para persuadir de uma coisa. Mas aquele texto ou poucos textos sejam bem explicados e
verificados. Ao invés de se contar muitos fatos, é melhor que se tome um que convenha
mais ao assunto, e se o narre com todos os detalhes necessários. A mente reduzida do
garoto, que não seria capaz de reter e de entender tantas provas, ficará com uma, que reterá
consigo durante longos anos”71.

“Facilidade na fala e popularidade no estilo”72 é o que ele exige dos textos de


doutrina religiosa; para eles, em geral, tem clara preferência para o uso do dialogo e os
subsídios visuais, intuitivos.
De notável interesse é a impostação histórica que Dom Bosco dá ao ensino da
doutrina cristã. Esta aparece com maior evidencia nos primeiros 15 anos (1844-1858) de
trabalho direto entre os jovens e na intensa atividade como escritor de livros de história
bíblica e eclesiástica e de opúsculos religiosos e apologéticos73.
A narração é, certamente, entendida em vários contextos como subsídio didático
para atrair a atenção, manter vivo o interesse dos ouvintes e colher de experiências
concretas verdades dogmáticas e preceitos de moral. Mas a história bíblica incide também
sobre os conteúdos da catequese e sobre as suas finalidades. Ela serve para representar
substancialmente a história da humanidade com história da salvação, operada por Deus
mediante o Cristo-messias prometido, vindo a trabalhar sobre a terra, prolongado na Igreja
Católica, que garante o vínculo indissolúvel de cada fiel com seus pastores mais próximos,
o sacerdote, o pároco, com o bispo, com o pontífice romano, com Cristo, com Deus.
Naturalmente, nos anos 50, tal visão teológica essencial é vivida por Dom Bosco
com marcado acento apologético, com relação ao protestantismo e à religião hebraica e
mais viva atenção à “história da salvação”74.
Dos anos 60 para frente, não parece que os vivos inícios se tenham amadurecidos
em uma consistente e significativa tradição catequética da mesma marca, ulteriormente
esclarecida e aprofundada. O que de original se foi consolidando em torno da praxe
sucessiva de Dom Bosco, deve ser atribuído mais às gerais inspirações do sistema do que a
orientações inovadoras.

70
E III 561-562; Relatado também em MB XIV 467.
71
JÚLIO BARBERIS, Atas do primeiro capítulo geral (1877), caderno III, sessão XXVI, páginas 55-56.
72
MO (1991) 167; cfr já o prefácio da História sagrada (1847), páginas 5 e 7, OE III 5 E 7.
73
Cfr. PEDRO BRAIDO, O inédito “Breve “catecismo para meninos para o uso da diocese de Turim”de
Dom Bosco, páginas 7-8.
74
Cfr. O estudo monográfico de N. CERERRATO, A catequese de Dom Bosco na sua “História sagrada”.
Roma, LAS 1979. São postos em evidencia as significativas mudanças acontecidas da primeira edição de
1847, para a segunda e terceira de 1853 e 1863.
5. Preparação dos educadores.

Dom Bosco não criou um instituto pra a formação dos professores e dos
educadores: clérigos, sacerdotes, irmãos leigos da Sociedade Salesiana; irmãs do Instituto
das Filhas de Maria Auxiliadora; homens e mulheres do laicato dispostos a colaborar nos
setor educativo como cooperadores e cooperadoras.
Para os sacerdotes era previsto o currículo normal seminarístico e religioso:
ginásio, noviciado, liceu filosófico, quatro anos de teologia; para os irmãos leigos, o curso
de formação profissional, o noviciado, e um período de aperfeiçoamento religioso e
técnico; para os cooperadores e cooperadoras, reuniões periódicas de animação espiritual e
apostólica.
Não foram somente razoes práticas, necessidade de pessoal para atender às obras
que se multiplicavam rapidamente a fazê-lo relutar em fazer completar a formação de seus
colaboradores em tempos e espaços separados. O seu “sistema” assistencial –educativo
exigia a “presença” contínua e operosa dos educadores entre os jovens, a condivisão de
vida e de interesses75.
A formação ascética, cultural, profissional, não teria podido desenvolver-se
adequadamente separada da vida da comunidade educativa. Nela, ou em estreita conexão
com ela, dever-se-ia atuar a formação daqueles, padres e leigos, que pretendiam
“consagrar-se” totalmente e a tempo pleno à assistência e à educação dos jovens. A
experiência, tornada significativa no confronto cotidiano com os jovens e com os
colaboradores, guiada pelo diretos “educador dos educadores”, devia constituir um fator
qualificante da maturação educativa deste, naturalmente sustentada pela indispensável
formação cultural, filosófica, teológica e profissional de base76.
Nas Constituições, redigidas e apresentadas em Roma, para aprovação definitiva,
em 1874, no capítulo XIV Do mestre dos noviços e da sua formação, estava incluída esta
prescrição: “A finalidade da nossa Congregação é instruir na ciência e na religião os jovens,
sobretudo mais pobres, em meios aos perigos do mundo, guia-los no caminho da salvação;
por isso, todos, no tempo desta segunda prova, deverão empenhar-se em um não leve
exercício no estudo, nas aulas diurnas e noturnas, no ministrar a catequese aos meninos, e
no prestar assistência nos casos mais difíceis”77.
Dom Bosco motivava uma derrogação um tanto clamorosa “ao direito comum em
força do fim a que se propusera ao fundar o instituto, visto que os anunciados exercícios
exibem a prova para conhecer-se os aspirantes têm aptidão para assistir e instruir a
juventude78.

75
De Dom Bosco “o homem da condivisão”, da “encarnação” e fautor de “um outro tipo de padre”,falou e
escreveu M. GUASCO, Dom Bosco na história religiosa do seu tempo, em Dom Bosco e os desafios da
modernidade, páginas 32-33.
76
Cfr. PEDRO BRAIDO, Um “novo padre´, e a sua formação cultural segundo Dom Bosco. Intuições,
aporias, virtualidades, RSR 8 (1989) 7-55.
77
Regras da Sociedade de São Francisco de Sales.Roma, Tipografia da Sagrada Congregação de Propaganda
Fid 1874, capítulo XIV, artigo 8, página 35, OE XXV 287, repetido na reimpressão de sucessiva de março,
OE XXV 329.
78
Consulta para uma Congregação particular, mês de março, ano 1874, página 12, OE XXV 398.
A batalha, naturalmente estava perdida: a norma não foi aprovada. Dom Bosco,
porém havia já realizado de fato o tirocínio pedagógico, e continuava realizando-o dentro e
fora do noviciado, como indispensável complemento da formação espiritual e cultural79.
Era uma intuição que batia com a sua sensibilidade, com a sua vasta capacidade
de imaginação, com seu realismo impregnado pela paixão por uma ação muito ampla como
a imensa galáxia juvenil. Para esta visões e estas tarefas, “sonhos com olhos bem abertos”,
não bastava a simples formação tradicional, também necessária, não era suficiente nem
mesmo a pedagogia. O educador de coração tão vasto como as areis do mar, tinha que ser
bem mais que um simples padre, religioso, preceptor, educador, mais que “pedagogista” ou
agente social. O “novo” padre ou religioso, ou educador devia desenvolver em si mesmo na
vida da experiência e da realidade premente e questionadora da miséria e do abandono,
grande “humanidade”, “fé firmíssima”, “inflamada caridade”, unidas a avassaladora paixão
e sensibilidade.
O que poderia acrescentar um simples “instituto pedagógico”, um curso ou um
currículo para a formação dos educadores de que ele precisava? No plano histórico,
concreto, todavia, os processos de formação “eclesiástica”- filosófica, teológica – dos
educadores do “sistema preventivo” não podiam firmar-se nas estruturas de emergência e
rudimentares adotadas por Dom Bosco, sufocados por angústias de todo o tipo.
Em 1901, o nono capítulo geral da sociedade salesiana, finalmente, podia afrontar
o problema da organização geral dos estudos dos eclesiásticos salesianos. Nele vinha
inserido um triênio de tirocínio prático, que devia constituir o momento experêncial da
salesiano educador, em harmonia com as intuições de Dom Bosco sobre o padre educador
segundo as exigências do “sistema preventivo” e sobre a conseqüente formação, ao mesmo
tempo, cultural , profissional, e prática.

79
Cfr. PEDRO BRAIDO, A idéia da Sociedade Salesiana no “Esboço histórico”de Dom Bosco de 1873/74,
RSS 6 (1987) 261-267, 289-301.
Capítulo 19

EM DIREÇÃO DO AMANHÃ

No fim desta sintética exposição cabe a pergunta: até que ponto a realidade histórica
e efetiva pode constituir a base para a formulação de um válido projeto “preventivo” no
presente e para o futuro. É claro, de fato, que o “sistema preventivo”, pensado e atuado por
Dom Bosco no 800, é inevitavelmente “datado”: não só cronologicamente. Não é temerário
reafirmar que, “com o “estilo preventivo” do 800, concluiu-se um período de história da
educação cristã”. A sua persistência vital – era a dedução -, estava confiada ao
compromisso regenerador “de uma nova reflexão e de um futuro programa de pesquisa”361.

1. A “revolução” educativa da modernidade

É, fora de qualquer dúvida, difícil reconstruir o “sistema preventivo” de ontem, com


a mentalidade de hoje: é a vantagem e a desvantagem de qualquer trabalho histórico. Mas,
muito mais árdua é a compreensão do passado em função de uma eventual atualização no
presente ou de uma projeção para o futuro. Com respeito ao mundo de Dom Bosco, às suas
instituições educativas e, conseqüentemente, ao “sistema” por ele praticado ou proposto
para aplicações mais vastas e diversas, intervieram acontecimentos de tal modo
revolucionários, que fica difícil a própria leitura de antigos termos e uma sua possível
reinterpretação. Foi visto já algumas transformações mais patentes: “o expandir-se da
revolução industrial, o triunfo da ciência e da técnica (até ao cientismo e ao positivismo), o
advento das assim chamadas “ciências do homem” (sociologia, psicologia, etc.), uma nova
avaliação da realidade corpórea e sexual, a transição do absolutismo monárquico ao
parlamentarismo liberal e à democracia, a imposição da “questão social” com o socialismo,
o marxismo, a “doutrina social da Igreja”, as crescentes formas de contestação da religião
revelada com ressaibos de anticlericalismo e de ateísmo, o advento do freudismo e da
psicologia do profundo, a “descoberta da criança”, a “educação nova” e o ativismo, a
“evolução” religiosa na Igreja do modernismo ao concílio Vaticano II (prática cristã,
teologia, liturgia, leitura da bíblia, ecumenismo, papel dos leigos e dos jovens),
contemporaneamente guerras e revoluções políticas e sociais de dimensões planetária, mais
recentemente a difusão de uma mentalidade relativista no campo do pensamento das
concepções éticas e das práticas morais”362.
Deve-se prestar atenção, particularmente, em uma moderna “revolução
copernicana”, de raízes seculares, mas com êxitos relevantes no mundo da educação, bem
anterior à experiência dos educadores “preventivos” nascidos no tradicional mundo
católico, singularmente ativos no 800 e no 900. É particularmente significativa, porque põe
em evidência, com excepcional vigor, dois pontos cardeais do “sistema”, repropondo em
termos novos a clássica antinomia autoridade-liberdade: 1º. A atenção ao menino, às
361
Cfr. PEDRO BRAIDO, Apresentação do segundo volume de Experiências de pedagogia cristã na
história” cuidada por Pedro Braido. Roma, LAS 1981, página 8.
362
PEDRO BRAIDO, A praxe de Dom Bosco e o sistema preventivo. O horizonte histórico em O sistema
preventivo para o terceiro milênio. Atos da 18ª semana de espiritualidade da família salesiana, Roma-
Salesianum, 26/29 de janeiro de 1995. Roma, S. D. B. 1995, pagina 122.
exuberantes energias de que é portador, portanto, à sua “centralidade” no evento educativo;
2º. A conseqüente reconsideração da função “preventiva”, protetora e promocional dos
agentes adultos nos mais variados espaços educativos.
Podem ser considerados precursores, entre os teóricos da pedagogia, J. Amos
Comenio (Komenský) (1592-1670) e João Locke (1632-1704); e “pai-fundador”, mais
acreditado e de influência extraordinária, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

O homem, criado e remido por Cristo, é, segundo Comenio, filho e imagem de


Deus, chamado a desenvolver o próprio trabalho de “mediador” entre o criador e as
criaturas. A educação é, certamente, “disciplina”, mas esta pressupõe ricas possibilidades
naturais de cooperação da parte do aluno. No próprio crescimento educativo ele põe em
ação as vivas potencialidades das quais é dotado: “sentido, razão, fé”, empenhando “mente,
mão, língua”, amadurecendo na tríplice habilidade do “saber, operar, falar”. O processo
educativo é, portanto, caracterizado pela “naturalidade” e “espontaneidade”, com crescente
concausalidade ativa do aluno: “aprende-se operando”, “constrói-se construindo”. Por seu
lado, o educador, mais do que espelho de uma sociedade violenta e decadente, é o profeta
de um mundo civil e religioso renovado. A formação – argumenta a este respeito Comenio
– “deve ser tal, a ponto de desenvolver-se com a máxima delicadeza e doçura, quase em
modo espontâneo, como o corpo vivo aumenta pouco a pouco a sua estatura, sem
necessidade de esticar ou de ampliar os membros: já que, se você o alimenta com
prudência, dele cuida e o exercita, o corpo, quase sem perceber, adquire altura e fortaleza;
assim, digo, na alma os alimento, os exercícios convertem-se em sabedoria, virtude e
piedade. Todos sejam educados a uma cultura não de fachada, mas verdadeira, não
superficial mas sólida, de tal forma que o homem, como alma racional, seja guiado pela
própria e não pela razão de outros; e não somente se acostume a ler e entender as opiniões
dos outros e até mesmo a decorá-las e recitá-las, mas a penetrar sozinho até a raiz das
coisas e a tirar daí um autêntico conhecimento e utilidade. A mesma solidez é necessária
para a moral e para piedade”363.

O ativismo do aluno é acentuado também no âmbito do empirismo, dentro do qual


age João LOCKE com os seus Pensamentos sobre a educação (1693); associam-se nele a
crise da verdade absoluta, o aflorar da tolerância, o advento do individualismo. À ação do
educador partirá de um atento conhecimento das aptidões e inclinações próprias de cada
sujeito. Ela deve começar da infância, de modo a impedir ulteriores desvios nas tendências
menos positiva e consolidar tendências e paixões já bem orientadas: “O grande princípio e
fundamento de toda virtude e valor consiste nisto, que cada um seja capaz de negar a si
mesmo os próprios desejos, contrariar as próprias inclinações e seguir somente o que a
razão lhe indica como melhor, mesmo se os apetites arrastem para um outro caminho”364. O
método, depois, deverá ser “proporcionado à sua capacidade, que responde ao seu gênio
natural e à sua constituição; a isto se deve dar importância numa educação correta”.
“Porque em muitos casos tudo o que podemos fazer ou devemos aspirar é conseguir o
melhor daquilo que a natureza deu, prevenir os vícios e os defeitos aos quais determinados

363
J. A. COMENIO, A grande didática, em Obras, cuidada por M. Fattori. Turim, UTTE 1974, páginas 192-
193.
364
J. LOCKE, Alguns pensamentos relativos a educação, editados...por J. W. e J. S. Yolton. Oxford,
Clarendon Press 1989, parágrafo 33, página 103.
tipo é mais propenso, e orientá-lo a conseguir todos os benefícios dos quais é capaz. Todo
gênio natural deveria ser estimulado a avançar o quanto mais for possível, enquanto é
trabalho perdido tentar introduzir nele um outro caráter”365. Quanto ao preceptor para o
filho, deve-se ter cuidado para que seja um bom educador. “Procurem – escreve – alguém
que saiba discretamente formar nele as boas maneiras; coloquem-no em suas mãos para
que, porquanto for possível, garanta-lhe a inocência, proteja e alimente sua sensibilidade
para o bem, delicadamente corrija e extirpe suas más inclinações e inocule nele hábitos
bons”366.
Nesta prospectiva inseriram-se a crítica aos castigos violentos e dos prêmios
materialmente agradáveis e a teoria dos castigos naturais: “não considero úteis ao menino
as correções nas quais a dor física é substituída, em certo qual modo, pela vergonha e pelo
desgosto em ter feito o mal”. São eficazes a estima e a desestima, a aprovação e a
desaprovação367. “A vergonha de ter falhado e de merecer o castigo são o único verdadeiro
sustento para a virtude”: “bastam, quando muito, o aviso, a indicação, a repreensão”; “o
mostrar-se surpresos e admirados”368.

Mas a reviravolta mais radical foi determinada pela aparição, em 1762, do Emílio ou
da educação, de Jean-Jacques ROUSSEAU, o inspirador de grandes faixas da educação e
da pedagogia dos últimos dois séculos369. Das polêmicas sem número e das diversificadas
interpretações podem-se escolher alguns motivos principais que fizeram história.
1) A chave de volta é constituída pelo enunciado que abre a obra de arte: “tudo,
quando sai das mãos do Autor das coisas, é bom; tudo se degenera nas mãos do homem”370.
É o manifesto daquela que será entendida como educação natural, centrada no homem,
ativa. “Pomos como máxima incontestável que os primeiros movimentos da natureza são
sempre retos: não existe absolutamente perversidade original no coração humano; não se
pode encontrar nem mesmo um só vício do qual não se possa dizer como começou. A única
paixão natural ao homem é o amor de si ou amor próprio entendido em sentido amplo. O
amor próprio em si ou relativamente a nós é bom e útil”371. “Oh! Homem! (...). A tua
liberdade, o teu poder se estendem somente até os limites das forças naturais e não além;
todo resto é somente escravidão, ilusão, prestígio”372. “Há dois tipos de dependência: a das
coisas que é própria da natureza e a dos homens, que é própria da sociedade. A dependência
das coisas, enquanto não tem moralidade de origem, não prejudica de modo algum a

365
JOÃO LOCKE, Alguns pensamentos..., parágrafo 66, página 122.
366
JOÃO LOCKE, Alguns pensamentos..., parágrafo 147, página 208.
367
JOÃO LOCKE, Alguns pensamentos..., parágrafo 48, página 112-113;cfr parágrafos 43-63, páginas 110-
120.
368
JOÃO LOCKE, Alguns pensamentos..., parágrafo 78-79, 85, páginas 138, 141, 145.
369
Será citado de J. J. ROUSSEAU, Emílio. Tradução integral, introdução e notas cuidadas por G.
Roggerone. Brescia, La Scuola 1965.
370
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro I, página 7.
371
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro II, página 89. O princípio fundamental de toda moral sobre o qual eu
raciocinei em todos os meus escritos – repetira na carta aberta a Chistophe de Beaumont – e que tenho
desenvolvido neste último com toda clareza de que sou capaz, é que o homem é um ser naturalmente bom,
que ama a justiça e a ordem; que não existe perversidade original no coração humano e que os primeiros
movimentos da natureza são sempre retos (...). Mostrei que todos os vícios que se atribuem ao coração
humano não lhe são absolutamente naturais” (J. J. ROUSSEAU, Carta a C. de Beaumont arcebispo de Paris,
em Obras completas. Paris, Gallimard 1969, páginas 935-936).
372
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro II, página 75.
liberdade e não gera nenhum vício: a dependência dos homens, sendo desordenado, gera
todos eles e é próprio dela, por exemplo, que o patrão e o escravo se corrompam
reciprocamente”373.
2) Daí deriva obviamente a afirmação do valor intrínseco absoluto da infância,não
apreciada em relação ao atingir da idade adulta, mas antes como paradigma daquele que
deveria ser o estado adulto, se atuado na linha de desenvolvimento “segundo a natureza”
das qualidades originárias. “A humanidade tem o seu lugar na ordem das coisas; a infância
tem o seu na ordem da vida humana; ocorre considerar o homem no homem e o menino no
menino. Tudo aquilo que podemos fazer para o seu bem estar, é reservar a cada um o seu
lugar e fixá-lo nele, ordenar as paixões humanas segundo a constituição do homem”374.
3) A educação não pode ser senão natural,desenvolvimento das potencialidades que
o Autor da criação inseriu no homem, não ainda deturpadas pela sociedade e pela educação
que lhe é funcional. “Observem a natureza e sigam a estrada que ela lhes traça”. “Esta é a
regra da natureza”375.
4) O educador é chamado não a dirigir faculdades que possuem finalidades e
recursos próprios, mas a preservá-las, protegê-las, de modo que não sejam bloqueadas ou
desviadas por interferências negativas, e encontrem mais reforços positivos da parte dos
grandes “mestres” ou seja, o mundo natural do campo, afastado da cidade e aqueles que
nele vivem e trabalham: é educação da natureza è educação das coisas376. A própria
religiosidade é professada e vivida em contato com a natureza, interpretada pela razão, e em
espontânea harmonia com o seu Criador377.
A ação do educador é definida, para o primeiro período da vida, educação negativa,
e, depois do “segundo nascimento” (14/15 anos), educação positiva indireta. “Nós
nascemos, por assim dizer, duas vezes: uma para existir, e outra para viver; uma para a
espécie e outra para o sexo”378. “Zelosos professores, sejam simples, discretos, reservados:
não se apressem nunca a agir a não ser para impedir os outros de agir”379. “Jovem
professor, prego-lhe uma arte difícil, a de ensinar sem preceitos e de fazer tudo sem fazer
nada. Esta arte, concordo, não é própria de sua idade (...). Não conseguirão nunca fazer
sábios, senão fizerem antes molequinhos”380.
5) Mesmo se, no seu livro, Rousseau concentra a atenção sobre o preceptor, ele
defende com força que, se inspirados nos princípios expostos, os primeiros educadores da
infância são os pais, antes de tudo a mãe, logo ativamente ajudada pelo pai. A ela o Autor
se dirige: “Mãe terna e previdente, que soube se afastar da estrada mestra e proteger a
plantinha nascente dos golpes das opiniões humanas! Cultive, ágüe a plantinha antes que
morra: seus frutos, um dia, farão seu prazer. Levante uma cerca ao redor da alma de seu
filho: Um outro pode traçar o perímetro, mas só você deve construir a cerca”, impedindo
373
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro II, páginas 77-78.
374
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro II, páginas 69-70.
375
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro I, página 23.
376
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro I, páginas 9 e 10.
377
J. J. ROUSSEAU, Emílio, páginas 346-418, Profissão do vigário saboiano. Será particularmente
constetada a segunda parte (páginas 389-418), quando depois de ter exposto uma sua religiosidade teística
natural, o vigário responde ao pedido de ouvinte: “fale-me da revelação, das escrituras, daqueles dogmas
obscuro sobre os quais vou errando desde a minha infância sem poder nem concebê-los, nem acreditar neles, e
sem saber nem admiti-lo, nem refutá-lo”(página 389).
378
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro IV, página 265.
379
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro II, página 94.
380
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro I, página 130.
que seja “arrastado pelas paixões humanas, a sociedade artificial e “condicionante”
existente, para que possa ver com os próprios olhos e sentir com o próprio coração381.
O Emílio foi considerado por católicos e reformados como expressão de um
naturalismo racionalista, que atacava frontalmente o caráter específico do cristianismo,
fundado sobre a realidade da adoção divina do homem, do pecado original, da revelação e
da graça382. Na mente de Rousseau, de raízes calvinistas, estava, antes de tudo, uma
contestação da visão pessimista do estado do homem depois do pecado original, de matriz
protestante e jansenista. Sublinha isto o próprio Rousseau na resposta ao Mandamento, de
18 de novembro de 1762, de condenação do livro emanado pelo arcebispo, que também era
antijansenista383.
Fora o real conflito teológico e a fundada suspeita de “naturalismo”, os católicos –
menos os reformados – poderiam ter aproveitado a ocasião para uma revisão da efetiva
condição do homem depois do pecado original para corrigir evidentes desvios protestantes
e jansenistas. Uma correta redescoberta daquilo que tinha ficado no homem desde a criação
original, tê-los-ia ajudado a recuperar efetivas potencialidades humana sobre as quais
contar em uma educação cristã respeitosa do homem e do natural no menino. De qualquer
modo, revelação e graça não implicavam certamente, um papel autoritário e opressivo do
“preceptor”, em todos os níveis: no regime político, na disciplina eclesiástica e na função
educativa.

Rousseau tornava-se o precursor daquela “revolução copérnicana” da pedagogia e


da didática, que chegava à educaçao nova, atuada nas escolas novas. Ela se coloca em
posição crítica com relação à educação e escola “tradicional”, acusada de estar centrada nos
fins, nos programas, no educador; por isso, de adultos, afastada da vida concreta do
educando-aluno. Ela pretende transpor a relação antiga, colocando no centro o aluno, o
protagonista do próprio desenvolvimento em função das próprias necessidades e interesses,
que são fome de vida antes que de cultura. Na Europa fala-se de “escola ativa” com Adolfo
Ferrière384, de “educação funcional”, escola sob medida com Eduardo Claparède385; nos
Estados Unidos, de “educação progressiva” com João Dewey386; na Itália de “ativismo”.
Este último termo deu lugar, em campo católico, a tentativas de verificação, de revisão e de
aclimatação no âmbito de uma visão cristã do mundo, da educação e da catequese387.

381
J. J. ROUSSEAU, Emílio, livro I, página 8. Rousseau faz seguir uma longa nota para justificar o
primado educativo protetor da mãe.
382
Jacques Maritain, no seu livro Três reformadores. Lutero, Descartes, Rousseau (Paris, Plon-
Nourrit 1925) fala de Jean-Jacques ou o santo da natureza (páginas 131-237).
383
Cfr J. J. ROUSSEAU, Carta..., em Obras completas, tomo IV, páginas 932-933.
384
Cfr. A. FERRIÈRE, A escola ativa,. Florença, Bemporad 1930, XXIV – 313 páginas; A escola
ativa. Textos fundadores, por D. Hameline, A. Jornod, M. Belkaïd. Paris, PUF 1995, 128 páginas.
385
È. CLAPARÈDE, A educação funcional,Neuchâtel, Delachaux et Niestlé 1931, 266 páginas,
IDEM A escola sob medida. ,Neuchâtel, Delachaux et Niestlé 1953, 140 páginas.
386
J. DEWEY, Interesse e esforço em educação. Boston, Houghton Mifflin Co. 1913, IX-101
páginas; Democracia e educação. New York, The MacMillan Co. 1916, XII-434 páginas; Meu
Credo Pedagógico. New York, E. L. Kellogg 1897, 36 páginas; Escolas para amanhã. New York,
E. P. Dutton 1915, 316 páginas; C.W. WASHIBURNE, O que é a educação progressiva?.
Florença, A nova Itália 1953.
387
Assinalam-se as reinterpretaçoes e integrações em chave personalista de É. DÉVAUD, Por uma
escola ativa segundo a ordem cristã. Paris, Desclée de Brouwer 1994, 368 páginas; M. CASOTTI,
Os motivos das “escolas novas” e do “ativismo” são muito variados, segundo as
diferentes orientações, autores, experiências. Indicamos alguns traços, que podem ser
confrontados com o “preventivo” clássico. É preferido um ambiente isolado e protegido, o
campo; aparecem as palavras experiência, pesquisa, trabalho manual e manualidade,
autonomia do aluno. Adolfo Ferrièrre explicita em trinta pontos as características de uma
escola nova, dez para cada uma das formações: geral, intelectual, moral.
A “Escola nova” é um laboratório de pedagogia prática; é um internato; fica no
campo, reúne os alunos em casas separadas; prefere a coeducação dos sexos; promove o
trabalho; dá prioridade aos trabalhos manuais, carpintaria, agricultura, trabalhos
programados ou livres; deixa espaço para a ginástica natural; organiza viagens e
acampamentos.
Por sua parte, a educação intelectual alarga o espírito mediante uma cultura geral e
especializações espontâneas. Estas estão baseadas nos fatos, nas experiências, a atividade
pessoal, em resposta aos interesses espontâneos, próprios das diversas faixas de idade. É
privilegiado o trabalho individual de pesquisa, com confrontos em grupo. O ensino se
limita à manhã, segundo a regra: dois ou três ramos no dia e poucos no mês.
Também a educação moral é efetuada a partir do interior, com a prática gradual do
senso crítico e da liberdade em um a comunidade que adota o sistema da república escolar
ou escola-cidade, dirigida pela assembléia geral, que abrange o diretor, os professores, os
alunos, o pessoal; ou de uma monarquia constitucional, com a eleição de chefes com
responsabilidade definida e outros encargos sociais coadjuvantes. São previstas
recompensas positivas, punições ou sanções negativas e a emulação. A escola nova deve
ser um ambiente de beleza. São cultivados o canto coral e a música coletiva. Há exercícios
cotidianos de educação da consciência moral e de educação à razão pratica. “A maior
parte das escolas novas assume uma posição religiosa não confessional ou
interconfessional, com a tolerância nos confrontos dos diversos ideais, ainda que no
esforços para um crescimento espiritual do homem388.

Mais que da “educação nova”, toma seu ponto de partida da psicologia científica e
das experiências de J. M. Itard (1775-1838) e È. Sèguin (1812-1880), Maria
MONTESSORI (1870-1952), integradas decididamente pela experiência dirigida da

Escola ativa. Brescia, La Scuola 1941, 318 páginas; A. AGAZZI, Além da escola ativa. História,
essência, significado do ativismo. Brescia, La Scuola 1955, 244 páginas; G. NOSENGO, O
ativismo no ensino religioso da escola média. Milão, IPL 1938, 281 páginas; IDEM, Sete lições de
ativismo catequético. Milão, IPL 1940, 55 páginas; S. RIVA, Experiências e educação da
pedagogia ativa religiosa. Florença, LEF 1940, 184 páginas; IDEM, A pedagogia religiosa do 900
na Itália. Homens, idéias, obras. Roma/Brescia, Antonianum/ La Scuola 1972, 379 páginas; para
uma discussão mais profunda de pedagogistas e filósofos católicos, cfr. O ativismo pedagógico.
Atos do II Congresso de Scholé, Brescia, 9-11 setembro de 1955. Brescia, La Scuola 1956, 358
páginas.
388
A. FERRIÈRE, Prefácio ao volume de ª FARIA de VASCONCELLOS, Uma escola nova na
Bélgica, Neuchâtel, Delachaux et Niestlé 1915, página 7-20. No fim do prefácio ele dá uma votação
de convergência a várias famosas “escolas”, que vai de 30/30 a 17, 5/30: Odenwald (Alemanha),
Bieerges (Bélgica), Bedales e Abbotsholme (Inglaterra), Lietz (Alemanha), des Roches (França).
Esta última, enquanto promove uma completa “educação integrada”, dá edequado espaçao a uma
clara formação cristã: cfr. A articulada monografia de L. MACÁRIO, Les Roches. Uma
comunidade educativa, Zurique, PAS-Verlag 1969, 329 páginas.
psicologia do menino para chegar à “Casa dos meninos” (1907). Nela e dela Montessori
colhe e aprofunda as ricas potencialidades vitais da infância – é a “descoberta do menino”-
e as condições de seu correto desenvolvimento, conjugando ciência e espiritualidade389.
A medida primária é constituída por uma ação preventiva voltada para preservar o
menino das influências do ambiente negativo, famílias depravadas ou as difusas formas de
“educação” coativa e repressiva. “No tratamento psíquico do menino, não é a educação que
deve preocupar-nos, mas é o menino. Ao invés, praticamente, este, como personalidade,
quase desaparece totalmente sob a educação: e isto não somente nas escolas, mas em
qualquer lugar, onde esta palavra pode penetrar e por isso nas casas, entre os pais, os
parentes e qualquer adulto que tenha algum cuidado ou responsabilidade dos meninos; e
nas consciências, se pode bem dizer, a educação substituiu o menino”. Esta assim chamada
“educação”, que, na realidade, decai no domínio e manipulação do adulto sobre o menino, é
inteiramente contestada, com qualquer método ela atue. “Quando falo de educação - precisa
Montessori – refiro-me a qualquer forma de tratamento; Isto é, não pretendo distinguir a
amorevolezza ou a crueldade em tratar o menino”. Trata-se, ao contrário de “pôr no centro,
assim pura e simplesmente o que encontra em si mesmo o menino. Nós fomos, sem dúvida
alguma, os abafadores inconscientes daquele novo germe humano que nasce puro e
carregado de energia”. Não se deve ser os patrões da “alma do menino”, mas simplesmente
“ajuda” no exercício das suas atividades e da expansão de sua personalidade. “Quando se
deixa aberto o caminho à expansão, o menino demonstra uma atividade surpreendente, e
uma capacidade de aperfeiçoar as suas ações verdadeiramente maravilhosas”390.
É inevitável a criação de um mundo à medida do menino. Quando o adulto não se
substitui ao menino, mas é o menino que age por si mesmo, apresenta-se logo a necessidade
de preparar-lhe um ambiente proporcionado”391. “Neste ambiente, o menino deve poder
agir livremente: Isto é, ele deve ter motivo de atividades a ele proporcionado, deve
encontrar-se de vez em quando com um adulto que conheça as leis que regem a sua vida, e
que lhe seja de impedimento, nem protegendo-o, nem guiando-o, nem fazendo-o agir sem
ter em conta suas necessidades”392.
É o fundamento sobre o qual se constrói o “método Montessori”, “preventivo” com
relação aos mesmos “sistemas ou métodos” tradicionais de educação, repressivos ou
preventivos. É uma versão entre as mais originais e universais de “educação nova”393. O

389
É, certamente, este o motivo pelo qual Montessori quis que a obra capital O método da
Pedagogia Científica aplicada à educação infantil nas Casas dos meninos (1909), saída em mais
edições (ampliadas e revistas, 1913, 1926, 1935), fosse publicada na última com o título A
descoberta do menino (Milão, Garzant 1950, VIII-379 páginas); cfr Maria Montessori e a
libertação do menino, edição cuidada por Helena Faber. Roma, Cremonese 1974, 128 páginas.
390
MARIA MONTESSORI, Manual de pedagogia científica. Nápoles, Morano 1935 (III, páginas
15-20).
391
MARIA MONTESSORI, Manual de pedagogia científica, página 20.
392
MARIA MONTESSORI, Educação e paz. Milão, Garzanti 1964, páginas 118-119.
393
Cfr., entre os melhores estudos de síntese, recolhidos nos “Atos” dos XI Congresso Internacional
Montessori, Roma, 26-28 de setembro de 1957, Maria Montessori e o pensamento pedagógico
contemporâneo, Roma, Edição “Vida da Infância”, s. d., 366 páginas; G. CALÒ, Maria Montessori
(1870-1952), em J. CHÂTEAU, Os grandes pedagogos. Paris, PUF 1956, páginas 310-336; R.
FINAZZI SARTO, Maria Montessori. Brescia La Scuola 1961, 191 páginas; A. LEONARDUZZI,
Maria Montessori. O pensamento e a obra. Brescia, Paidéia 1967, 243 páginas (Nota bibliográfica
nas páginas 229-240); T. LOSCHI, Maria Montessori. O “projeto-escola” na visão ecológica do
momento da infância pode constituir o tempo crucial de regeneração de uma humanidade
feita para uma convivência na paz: “o menino é o pai da humanidade e da civilização”394; e
a atitude de base dos adultos será “interesse e amor”395.

Uma direção pedagógica mais recente é apresentada pela chamada EDUCAÇÃO


NÃO DIRETIVA, o caminho pedagógico previsto pelo próprio, Carlos Ranson Rogers 396,
da psicoterapia “não diretiva” ou “centrada no cliente”, por ele praticado e proposta397. É a
forma mais linear coerente, distinta daquelas entrelaçadas com as variadas versões de
“pedagogia institucional”. Como na terapia, assim no processo educativo e didático, ao
sujeito compete a função de construir a própria personalidade. Tanto o terapeuta quanto o
educador facilitam o processo de crescimento como catalisadores das forças sadias e
construtivas, que impulsionam de dentro o paciente e o aluno para a auto-realização.
Estes serão ajudados para ter uma positiva percepção e aceitação de si e dos outros,
ponto de partida de um crescimento eficaz cultural e ético-social. O sucesso é ligado à
qualidade da relação que tanto o terapeuta quanto o educador sabem instaurar e das atitudes
que daí brotam: a genuinidade, a sinceridade e a congruência da relação com cada um e
com o grupo, isenta de máscaras “profissionais”; a consideração positiva, a estima, a
confiança com relação às potencialidades e disponibilidade dos sujeitos; a compreensão
empática, pela qual “o outro se sente compreendido a partir de seu próprio ponto de vista”.
É uma não autoritária nem sufocante habilitação à liberdade, à capacidade de auto
determinação, ao sentido de responsabilidade e ao espírito de iniciativa398. É atividade
psicoterapêutica e educativa- observa Carlos Rorgers – que comporta latentes, mas
inevitáveis e consistentes trocas em todos os espaços, nos quais se batem autoridade e
liberdade: terapia, educação, administração, política, instituições de todo tipo399. Sobre a
relevante e válida influência de Rogers no âmbito educativo, também do ponto de vista
político é notável a contribuição de Daniel BRUZZONE, Psicoterapia e pedagogia em

homem e da criança, construtores de um mundo melhor. Bolonha, Cappelli 1991, 202 páginas
(Notas bibliográficas nas páginas 1893-205).
394
MARIA MONTESSORI, a mente absorvente, terceira conferencia no VIII Congresso de São
Remo em 1949 sobre o tema A formação do homem na reconstrução mundial. Roma, Ente Obra
Montessori, s. d., página 340; cfr. R. REGNI, O menino pai do homem. Infância e sociedade em
Maria Montessori. Roma, Armando 1977, 287 páginas (bibliografia nas páginas 279-287); A.
SCOCCHERA, Maria Montessori uma história para nosso tempo. Roma, Edições Obra Nacional
Montessori 1997, 169 páginas.
395
MARIA MONTESSORI, A unidade do mundo através do menino, IV conferencia no VIII
Congresso de São Remo em 1949: A formação do homem..., página 431.
396
C. R. ROGERS, Liberdade para aprender. Columbus, Ohio, C.E. Merril 1969, X-358.
397
Em um processo evolutivo que da Terapia Centrada no Cliente. sua prática corrente,
implicações, e teoria. Boston, Houghton Mifflin, 1951, XIII-560 páginas; e “Tornando-se uma
pessoa. Uma visão terapêutica da psicoterapia. Boston, Houghton Mifflin 1961, XI-420 páginas;
chega a Um modo de ser. Boston, Houghton Mifflin 1980.
398
Cfr. R. ZAVALLONI, Educação e personalidade. Milão, Vida e pensamento 1955 (reedições
aumentadas,1959, 1968); IDEM, A terapia não diretiva na educação. Roma, Armando 1971, 233
páginas (em particular, páginas 129-215); IDEM, A psicologia clínica na educação. Roma/Brescia,
Antoniano/La Scuola 1972, 482; M. –L. POEYDOMENGE, A educação segundo Rogers.Os
ensejos da não-diretividade. Paris, Dunod 1984, XIII-194 páginas.
399
Cfr C. R. ROGERS, Um manifesto personalista. Fundamentos de uma política da pessoa. Paris,
Dunod-Bordas 1979, XIII-241 páginas.
Carlos R. Rogers. Uma pesquisa sobre contribuições do enriquecimento centrado – na –
pessoa à educação, em “Orientamenti Pedagógici” 45 (1998) 447-465.

Não é possível fornecer uma visão panorâmica da PEDAGOGIA


INSTITUCIONAL, uma galáxia de posições e figuras, elas próprias diferenciadas no
tempo, mais do que uma teoria universalmente condividida por aqueles que a professam.
Mostramos aqui somente algumas atitudes e motivos inovadores emergentes.
Diversas são as inspirações mais ou menos declaradas: para o ativismo a classe-
comunidade e a classe-laboratório de S. Freinet (1896-1966), para a não-diretividade a
psicologia e psicoterapia “não diretiva” de C. Rogers (1902-1987), para a dinâmica de
grupo as teorias do campo e do espaço vital de K. Lewin (1890-1947).
Nas formas mais específicas a “pedagogia institucional” nasce da “contestação” de
estruturas sócio-políticas opressivas e manipuladoras, que condiciona fortemente o
processo de crescimento cultural e educativo400. A educação “institucional” se propõe como
fim a transformação da instituição formativa – escola, classe, laboratório universitário,
grupo de cultura e de trabalho – de “instituída”para “instituinte”. Isto implica, obviamente,
uma troca radical na co-presença operativa de alunos e docentes. Em toda forma de
dominação autoritária e “burocrática”, de fato, o professor-educador representa
“organizações”, programas, finalidades, métodos, impostos de cima, age na instituição
como o pai na família. Pais e professores têm uma idéia bem certa para propor como fim e
o seu problema é simplesmente de encontrar os modos de pilotar crianças e jovens, sem
preocupar-se com suas aspirações, tendências, desejos, vontades.
A “pedagogia institucional”, ao invés, propugna o direito de pessoas e grupos de
auto-gerir o próprio crescimento humano e cultural, com livre escolha de objetivos,
programas e métodos: é o direito à auto-gestão401. “A auto-gestão pedagógica é um sistema
educativo no qual o professor renuncia a transmitir mensagens e define, a partir daquele
momento a sua intervenção educativa a partir do médium da formação, deixando que os
alunos decidam os métodos e os programas de aprendizagem. Trata-se da forma atual da
educação negativa”402.
Nas diferentes direções a auto-gestão pode assumir a dinâmica de grupo,o método
não-diretivo, a psicoterapia de grupo, o trabalho cooperativo403. O professor ou educador é
envolvido no grupo como um dos membros, a disposição dele, a pedido dele, como

400
Cfr As pedagogias institucionais de J. Ardoino e R. Lulourau. Paris, PUF 1994, 128 páginas; G.
SNYDERS, Para onde vão as pedagogias não-diretivas? Autoridade do mestre e liberdade dos
alunos.Paris, PUF 1973, 324 páginas; R. HESS, A pedagogia institucional hoje. Paris, J.-P. Delarge
1975, 142 páginas; G. AVANZINI, Imobilismo e inovação na educação escolar. Toulouse, Privat
1975, páginas 143-154, capítulo III Pedagogia institucional e revolução; L.- P. JOUVENET,
Horizonte político da s pedagogias não-diretivas. Toulouse, Privat 1982, 291 páginas.
401
Cfr. M. LOBROT, A pedagogia institucional, A escola para uma auto-gestão. Paris, Gauthier-
Villars 1972: primeira parte, Pedagogia e burocracia, páginas 11-123; segunda parte, Pedagogia e
auto-gestão, páginas 127-277.
402
Cfr G. LAPASSADE, a auto-gestão pedagógica. Paris, Gauthier-Villars 1971, páginas 5-6.
Lapassade interpreta-a porém em sentido radicalmente “libertário”, deixando aos grupos dos “ensinados” dar
vida a contra-instituições , chamadas “instituições internas” (cfr. G. Lapassade, Grupos, Organizações,
Instituições. Paris, Gauthier-Villars 1967, páginas 57-64.
403
G. FERRY, A prática do trabalho em grupo. Uma experiência de formação de professores. Paris, Dunod
1970, XI-227 páginas; M. LOBROT, A animação nao-diretiva dos grupos. Paris Payot 1974, 252 páginas.
“facilitador”, perito, consultor, monitor404. Neste modo, além de promover um diverso,
autônomo acesso ao saber, à cultura, ao pensar, na experiência da liberdade e do conflito,
mas também de fortes vínculos afetivos, a educação “institucional” leva a uma profunda
transformação da personalidade dispondo à consecução do fim mais remoto, a auto-gestão
social e política, democrática e dinâmica405.
Acompanham-se também denúncias mais gerais do perigo “repressivo” constituído
pela invasão do “pedagógico” em todas as formas de vida social406. É posta em discussão a
mesma idéia de “educação”, entendida como promoção do crescimento do educando,
estimulado à consecução de fins predeterminados: religiosos, ideológicos, estatais;
necessariamente “autoritária”, intrinsecamente, “repressiva”. Qualquer discurso pedagógico
é radicalmente problematizado, sobretudo no momento no qual se torna questão de método
funcional a ela407. Nesta ótica também o “prevenir” seria, em qualquer modo, um
“reprimir”.

2. “Restaurar”, reinventar, reconstruir

Entre as várias formulas cunhadas em resposta a tantas exigências e propostas,


recentemente, abriu caminho depois do por demais conhecido programa “com Dom Bosco
e com os tempos”, o “novo sistema preventivo”. Daí nasceram, quase necessariamente duas
fórmulas mais universais: a “nova evangelização” e a “nova educação”.
Na exortação apostólica Christifideles laici de 30 de dezembro de 1988, entre as
novidades do evangelizar, está incluído o advento de inéditos protagonistas, os leigos, e
entre estes, os jovens: destinatários, mas também “sujeitos ativos, protagonistas da
evangelização e artífices da revolução social”408.
A nova visão histórica, civil e eclesial, comportaria, com não menor urgência,
justamente na esteira de Dom Bosco, uma “nova educação”, “criativa e fiel”, voltada a
“gerar o homem novo”409. Também nesta é explicitamente previsto o envolvimento ativo
do jovem, destinatário de cuidados maternos e paternos do educador, naturais ou
substitutivos. Uns e outros operam solidariamente: “o jovem é sujeito ativo na praxe

404
Com o tempo alguém redimensionou sensivelmente a precedente radical não-diretividade didática: cfr D.
HAMELINE, M.-J. DARDELIN, Liberdade de aprender. Justificação de um ensino não-diretivo. Paris,
edições Operárias 1967, 341 páginas e IDEM, A liberdade de aprender. Situação II. Retrospectiva sobre um
ensino não-diretivo. Ibidem 1977, 349 páginas.
405
Cfr. R. BARBIER, Uma experiência de pedagogia institucional no Instituto Universitário de Tecnologia
de Saint-Denis. Em “Orientações”, tomo14, número 50, abril de 1954, 218-219; M. LOBROT, A pedagogia
institucional, páginas 5 e 203; cfr M. LOBROT, A animação não-diretiva dos grupos...; Propostas variadas
oferecem A. VASQUEZ- F. OURY, A educação no grupo-classe. A pedagogia institucional. Bolonha,
Edições Dehoniane 1975, 351 páginas.
406
Cfr J. BEILLEROT, A sociedade pedagógica. Ação pedagógica e controle social. Paris, PUF 1982, 223
páginas.
407
A. HOCQUARD, Educar para quê? O que dizem sobre isto, filosofo, antropólogos e pedagogos. Paris
PUF 1996, 263 páginas: sobre posições personalistas e humanistas prevalecem resposta inspiradas no
existencialismo de Sartre, Em formas de ceticismo, problematicismo, niilismo, em vago eudemonismo ou
funcionais para êxitos econômica ou profissionalmente profícou-os.
408
Exortação apostólica Christifideles laici, 30 de dezembro de 1988 número 46; EGÍDIO VIGANÒ, A
“Nova Evangelização”, “Atos do Conselho geral da Sociedade Salesiana”, número 331, ano LXX,
outubro/dezembro de 1989, páginas 3-32, particularmente páginas 21-22.
409
EGÍDIOVIGANÒ, Nova educação, AGG, número 337, ano 72, julho-setembro de 1991, páginas 3-43.
educativa e deve sentir-se verdadeiramente envolvido como protagonista na obra de arte a
ser realizada”410.
A isto seguiria, quase naturalmente, a idéia de um “novo sistema preventivo”,
equivalente, para quem cunhou a fórmula, ao “encalço do crisma de Dom Bosco para o
terceiro milênio!”411.
Efetivamente, as ‘raízes” são sólidas e delas pode renascer, em formas atualizadas e
ricas de futuro um verdadeiro “novo sistema preventivo”. Há “princípios” que têm
virtualidades limitadas; neles se encontram, além disso, sugestões particulares prenhes de
desenvolvimentos; não faltam brotos que esperam para nascer e expandir-se.
1. Está no início a personalidade de um grande educador, que resume em si as
ânsias de tanto outros, que no mesmo século, se desdobraram para a “salvação” da
juventude e da sociedade com intenções, mentalidades, meios e métodos claramente
“preventivos”. Têm em comum a “paixão” pela salvação plena pelos jovens, que Dom
Bosco exprime com singular amplidão de visões e de projetos412.
2. Por isso, o “expresso”, mesmo com os seus limites, é sobrecarregado de
“virtualidades”: que podem ler e reinterpretar os operadores,no presente e no futuro que
sabem apreciá-lo e adaptá-los ás novas exigências de ação. Basta não se afastar das grandes
idéias imanentes, algumas radicadas na profundidade da fé, outras nascidas do cotidiano
laboratório da vida: “maior glória de Deus e salvação das almas; “viva fé, firme esperança,
inflamada caridade”; “bom cristão e honesto cidadão”; “alegria, estudo, e piedade”; os três
SSS; os cinco SSSSS; “evangelização e civilização”. E não devem ser esquecidas as
grandes orientações de métodos: “fazer-se amar antes de fazer-se temer” e, junto, “se
quiseres fazer-te amar”, “antes que fazer-te temer”; razão, religião, amorevolezza”; “pais,
irmãos, amigos”; “familiaridade sobretudo na recreação”; “ganhar o coração”; “o educador
é um indivíduo consagrado ao bem dos seus alunos”; “ampla liberdade de pular, correr,
brincar até se cansar”.
3. Mas a fim de que experiências, idéias, “sistema” não fiquem pura herança
ciumentamente guardada, mas princípio de uma real “inovação educativa” para jovens
novos em tempos profundamente mudados, é necessário que sejam aprofundados,
repensados, integrados, atualizados, reflexa e operativamente. Nascido e formulado em
mundos restritos, centrado em grande parte na experiência do Oratório de Turim-Valdocco,
mesmo se proposto em mais vastas situações, o “sistema preventivo” de Dom Bosco é
chamado hoje a medir-se com um “mundo jovem”, que já do ponto de vista quantitativo,
apresenta problemas incomparáveis com o do 800.

410
EGÍDIO VIGANÒ, Nova educação, páginas 13-14, 18-19, 30.
411
EGÍDIOVIGANÒ, Comentário à “estréia” para 1995, Chamados à liberdade (Gal 5,13) redescubramos o
Sistema Preventivo educando os jovens aos valores. Roma, FMA 1995, páginas 9-12; IDEM, Um
“novo”sistema preventivo, BS 119 (1995) número 4, abril, página 2 (é o simples resumo, bastante reduzido,
do comentário).
412
Veja capítulo VIII. Aí estão todos envolvidos, mas com especial predileção os jovens e, entre estes, os que
estão em maior perigo: de leste a oeste, de norte a sul, de Valparaíso a Pequim, da Europa à África, à
Austrália. Ele traz a firme convicção, eminentemente, “católica”, que “a fé sem obras é morta”, que a
caridade e o exercício das boas obras são o único seguro testemunho da veracidade do amor de Deus. Operar
é um contínuo “inventar” ou, talvez melhor, um saber colher nas intuições operativas o “momento certo” e o
“espaço adequado”. O “sistema preventivo”, formulado nas páginas de 1877, mais antes vivido e praticado, é
uma destas obras, inesperadas, mais nascida, surpreendentes e tempestiva, no tempo da mais rica maturidade.
É a obra prima de um artesão-artista, de um arquiteto-construtor. Como todo verdadeiro artista, Dom Bosco
sofre a defasagem entre o imaginado, o projeto, e o atuado, o “expresso”.
Quatro destes aparecem mais claramente: 1) a extensão sem fim, mesmo somente do
ponto de vista demográfico, com respeito ao 800, do “planeta jovens”; 2) a dilatação da
idade jovem, dos breves tempos da infância do passado, 1-6/7 anos, a um arco de idade que
pode compreender os primeiros 25/30 anos de vida; 3) as inumeráveis variações das atuais
condições juvenis que, segundo os critérios de avaliação de seus tempos – não somente
econômicos, sociais, e culturais, mas também morais e religiosos -, Dom Bosco
consideraria “a risco”, “abandonados”, “em perigo”, os “pobres jovens”, além dos “jovens
pobres”; 4) o acentuado extraordinário pluralismo cultural, muitas vezes conflituoso, nos
quais os jovens são chamados a crescer e a trabalhar.
4. Por este e outros motivos, aparece completamente superada a hipótese
“educacionista” original, que fez dele um sistema “institucional”, separado, apolítico. Ele
tem que ser reescrito, e acima de tudo praticado, nas mais variadas versões, de modo a
atingir a mais diversificada gama de operadores, mais ou menos explicitamente e
organicamente associados no crescimento conjunto de jovens e de adultos, a começar dos
protagonistas, os pais, os professores e educadores, os alunos e educandos. Naturalmente,
deverá ser tida em conta a existência de forças não homogêneas, divergentes e conflituosas,
com as quais, de todos os modos, é indispensável, mesmo sob o ponto de vista pedagógico,
o confronto cooperativo53. Aí se envolvem políticos, economistas, organizadores escolares,
meios de comunicação de massa, associações culturais, esportivas, de lazer, igrejas,
ideologias, administradores em todos os níveis. Nenhum “espaço educativo” institucional
pode, nestes tempos, se julgar auto-suficiente. E a própria revisão teórica do “preventivo”
não pode acontecer senão no interior de um mais amplo debate cultural, social e político.
5. Em nível formalmente educativo, impõem-se, acima de tudo, a franca constatação
de lacunas e atrasos no tradicional sistema preventivo e o esforço para criar e reconstruir
quase dos fundamentos. São setores, que Dom Bosco, devido a limites pessoais e culturais
e condicionamentos históricos, “não pôde” explorar a fundo e atuar em plenitude.
Em primeiro plano estão os espaços do “social” e do “político” e da educação
formal congruente, sem ignorar, de todos os modos, os fortes conteúdos morais já
apresentados54. Nesta prospectiva é óbvia a exigência de um específico aprofundamento
teórico e técnico da muito sugestiva fórmula “bom cristão e honesto cidadão”55
Não menos inderrogável é uma radical consideração do mundo da afetividade, da
sexualidade, do amor humano com relação às diferentes escolhas vocacionais. Exige-a,
com sempre maior urgência, um sistema educativo que faz da afetividade, da amorevolezza

53
Cfr. PEDRO BRAIDO, Pedagogia da identidade e da diferença, da solidariedade, em “Orientamenti
Pedagogici” 37 (1990) 923-930. Não podem ser esquecidas pesquisas, reflexões e escritos sobre a “sociedade
complexa” e sobre a “sociedade educante”:cfr. por exemplo, As. Pe. I., Por uma educação nova diante da
sociedade complexa. Atos do XVIII Congresso Nacional de Catânia, 3-7 de novembro de 1987, Catânia,
C.U.E.C.M. 1989, 229 páginas; G. ANGELINI e outros, Educar na sociedade complexa. Problemas,
Experiências e Prospectivas. Brescia, La Scuola 1991, 225 páginas; N. GALLI, Educação familiar e
sociedade complexa. Milão, Vida e Pensamento 1991, 482 páginas (com rica biblografia nas páginas 455-
472); cfr. S. COLONNA, Sentido de uma pedagogia da “sociedade educante”. Lecce, Milela 1978, 246
páginas; IDEM, Sociedade educante e humanização social. Ibidem, 1979, 252 páginas.
54
Cfr. por exemplo, FRANCISCO DESRAMAUT, A ação social dos católicos do século XIX e a de Dom
Bosco, em O empenho da família salesiana pela justiça. Leumann-Turim, LDC 1976, páginas 21-77; em
especial páginas 46-75, A ação e o pensamento social de Dom Bosco.
55
Cfr. PEDRO BRAIDO, Uma fórmula do humanismo educativo de Dom Bosco: “Bom cristão e honesto
cidadão” RSS 13 (1994) 75.
e das realidades afins um de seus fundamentos56. De fato, mesmo com a ambição de ser
sistema “jovem” e aberto, o “preventivo” tem-se demonstrado, não raramente, suspeitoso,
reticente, quando não como qualquer outro, medroso, “prudente”, partidário do controle e
do “silêncio”.
Devem ser acrescentados ainda, em terceiro lugar, um mais positivo apreço e uma
mais explícita utilização das energias interiores do jovem, com sempre maior recurso às
autonomias pessoais e de grupo na cooperação educativa e nas mesmas atividades didáticas
e catequéticas.
Enfim, é exigida a decidida superação de um tipo de “cultura” tradicional,
“depositária” e pragmática, funcional à profissão, estudantil ou artesã; e de uma
transmissão de preferência autoritária, fechada a livres leituras, à pesquisa pessoal, ao
confronto e ao debate57. Foram postos em evidência, mais em geral, “os limites muito
grandes” da cultura salesiana, “claramente tradicionalista e conservadora” na sua cidade de
origem, Turim, apesar de ter sido logo marcada por uma avançada “cultura industrial” e
relativas instâncias sociais58. Das três grandes palavras do sistema, parece que a “razão”,
especialmente, precisa recuperar a plenitude de seu significado e das suas funções teóricas e
práticas: entender, explicar, julgar, decidir. Ela pode tornar-se, deste modo, o “guardião da
afetividade e da própria religiosidade”, iluminada guia prática do agir, chave de volta da
vida moral, espaço indispensável para tempestivas intuições criativas59.
6. Nascido e crescido nos milênios em clima religioso, bíblico e cristão, o “sistema”
necessita de uma vigorosa re-fundação antropológica e teológica que restaure e reforce a
frágil fundamentação prático-moralista do 800 . A visão teológica supõe uma prévia
reflexão do caráter racional do “ser humano” do “ser homem e mulher jovem”.
O inicio do Emilio não é por si, “herético”. Cristóvão de Beaumont podia aproveitar
a ocasião não tanto para condenar, mas para precisar a doutrina católica sobre os efeitos do
pecado original na extirpe de Adão. O homem, criatura de Deus, é validez e bondade
originária na sua estrutura essencial. Esta não foi destruída, nem “corrompida” na sua
“naturalidade” pelo pecado original. Este é privação do estado de “justiça” e com isso
escravidão a satanás (não, porém, “ocupação” satânica do homem), dor, morte, falta da
harmonia originaria entre as faculdades sensíveis e espirituais. Mas estas em si mantêm o
seu valor e dinamismo intrínseco. A desarmonia, expressa na fácil inclinação das paixões,
não mais sujeitas por graça à lei do espírito, a concupiscência, levam a um enfraquecimento
de fato da razão e da vontade no lidar com o objeto próprio, a verdade e o bem, não à sua
“corrupção” intrínseca. As paixões – o amor de si, as tendências de amor e de defesa, a
sensibilidade, a afetividade, alimentar o sexual - não são – em si – negativas; simplesmente

56
Cfr. PEDRO BRAIDO, A praxe de Dom Bosco e o sistema preventivo, no volume O sistema preventivo
para o terceiro milênio. Roma, Editora S.D.B. 1955, páginas 146-148. Insistem nisto os estudos de XAVIER
THÉVENOT, citados na bibliografia. Elementos de reconsideração propositiva, com relação a um problema
novo, relativo à experiência de Dom Bosco, oferece o volume em colaboração, cuidado por C. SEMERARO,
Coeducação e presença salesiana.Problemas e prospectivas. Leumann-Turim, LDC 1993, em especial as
páginas 81-151, Coeducação entre história e vida salesiana.
57
Para alguma consideração fragmentária, cfr. FRANCISCO DESRAMAUT, Dom Bosco e a indiferença
religiosa, em C. SEMERARO, Os jovens entre indiferença e nova religiosidade. Leumann (Turim) LDC
1995, páginas 143-160.
58
Cfr. G. POLLANO, Cristãos e cultura em Turim. Atos do Congresso, Turim, 3-5 de abril de 1987. Milão,
F. Angeli 1988, páginas 41-44.
59
Cfr. ainda M. PELLEREY, O caminho da razão..., páginas 385-396.
perderão a originaria subordinação à lei da razão e da graça60 . Mas em regime de “lei
nova” podem ser recuperadas, obviamente não sem perseverante trabalho pessoal,
sustentado e vivificado pelos meios da graça. Restam, por tanto, em força da natureza
própria das faculdades humanas e pela graça da redenção, todas as possibilidades de
reconstruir em cada um o designo original de Deus de justiça e de santidade, reafirmado
pela “novidade evangélica” 61.
7. Analogamente pode-se dizer da segunda parte da afirmação de Rousseau. A
“sociologia da juventude” e a “psicologia da idade evolutiva”, que Dom Bosco gostava de
reconduzir às lembradas formulas descarnadas62, dispõe hoje de instrumentos para ele
impensáveis, para descrever e interpretar causas, efeitos e medidas de tudo que do “homem
original” “degenera nas mãos do homem”. Tanto em nível local quanto em espaços
regionais e além, são possíveis e inadiáveis pesquisas e informações mais precisas,
sistemáticas e articuladas, sobre as reais “condições juvenis”. Somente deste modo antigas
e novas palavras superam o momento “nominalista” para reproduzir conceitos prenhes de
realidade e de operatividade: pobreza, abandono, risco, depravação, incômodo,
marginalização; necessidade, aspirações, oportunidades, valores, discordância, violência;
educação familiar e escolar em crise ou carente ou desorientada; sociedade “perigosa” e
produtiva de “jovens em perigo”; instituições eclesiásticas “afastadas” ou “fechadas”.
Educação e pedagogia exigem constante “fantasia” criadora, antes que cansativa repetição
de fórmulas.
8. Uma séria visão teológica orienta corretamente também a respeito da condição
real dos protagonistas do processo de crescimento, de suas efetivas potencialidades, das
energias das quais são portadores, que devem ser respeitadas e ajudadas a desenvolver-se:
com recursos e modalidades diferenciadas na infância, na meninice, na adolescência, na
idade adulta. Não é “naturalismo” insistir nelas, como foi visto, pensado e atuado, ainda
que em contextos teóricos diferentes, por Comenio, Locke, Rousseau, Maria Montessori,
“escolas novas”, ativismo, pedagogia institucional.
Não é necessário ser pedolatra ou juvenilista, para aceitar, a respeito deles, as reais
“descobertas” históricas. Confirmam-nas e podem enriquecê-las antigas e atualizadas
convicções antropológicas e teológicas. De uma parte, é inata em cada um a tensão à
“felicidade”, a eudaimonia, da qual já escreviam paginas de alto nível, ainda que elitistas,
os grandes moralistas gregos, recebida pelos grandes teólogos cristãos dos primeiros
séculos e da idade média. É o ponto de partida de qualquer autêntico caminho moral e
educativo (praticamente sinônimos), sobre medida humana, com a mobilização da

60
Diferente é o “amor de si”, que, na concepção russoniana, constitui a bondade natural do individuo. A
educação tem o dever de consentir seu correto desenvolvimento, que, por causa de uma sociedade malsã, deve
atuar-se fora de qualquer contato com ela. É o ponto de força da antropologia pedagógica de Rousseau : com
a educação as idéias de bem estar, de bondade, de liberdade, de felicidade sublimam-se e tornam-se idéias
morais. Mas isto significa fechar-se no egoísmo do Emilio, carente de verdadeiro desinteresse, de
sociabilidade, do sentido da comunidade humana. As “escolas novas” não seguiram Rousseau neste ponto,
abrindo-se decididamente para a sociabilidade (cfr. A.RAVIER, A educação do homem novo. Ensaio
histórico e critico sobre o livro Emilio de J.J. Rousseau, tomo II. Paris, edições SPES 1941, páginas 505-
509).
61
Notou-se em outros lugares a acentuação da espiritualidade pedagógica de Dom Bosco, com uma carente
explicitação dos aspectos dogmáticos fundantes: cfr. PEDRO BRAIDO, A praxe de Dom Bosco..., onde é
citada também uma articulada intervenção de PEDRO STELLA, Dom Bosco na história da religiosidade
católica, volume II, páginas 116-117.
62
Cfr. capítulo 9, parágrafos 1e 2.
totalidade das energias psicofísicas e espirituais habilitadas a atuar seu permanentemente
seu movente final: a realização de uma existência humana, individualmente e socialmente
completa.
Ajuda nisto a profusão dos dons de graça infundidos no batismo: a comunicação da
vida divina, as virtudes teológicas e morais para guardá-la e fazê-la crescer, até à
consecução da felicidade do encontro beatificante com Deus. A “pedagogia do homem”
encontra-se com a “pedagogia de Deus” para a realização de uma felicidade humana que se
sublima nas “bem-aventuranças” evangélicas. Destas os jovens poderão tornar-se
anunciadores pelas aspirações e impulsos de sua idade, mas sê-lo-ão seriamente e
responsavelmente, somente se forem postos em condição de apossar-se do anúncio, graças
à dupla unitária “pedagogia”.
9. Deste ponto de vista, torna-se forçoso recorrer a todas as experiências e
conhecimentos que podem informar, também racionalmente e “naturalisticamente”, sobre
reais “condições” e disponibilidades das várias idades. Para a atuação de uma correta
educação são abundantes as pesquisas e as informações cientificamente precisas tanto a
respeito da fundamental importância na infância quanto pela complexidade, psicológica e
“cultural” da adolescência.
Quanto à infância, nenhuma autêntica teologia do pecado induz a negar o que
experiência e ciência descobrem e anunciam a respeito das originarias virtualidades da
criança. As intuições de grandes educadores, de Frederico Fröbel a Ferrante Aporti, à
Montessori, encontram-se com os dados das ciências da criança, detentora de um imenso
potencial de maravilhosa energia criadora, já decisiva para o futuro nos primeiros anos de
vida, se não ficar comprometida em suas raízes. A psicologia moderna e, particularmente, a
psicologia do profundo, em suas sondagens na psique do adulto, encontram traços das
causas profundas, que se introduziram na longínqua infância, deficiência de caráter atuais,
perturbações e desequilíbrio psíquicos63. Seria errado atribuir à infância negatividades, que
derivam de tantos condicionamentos familiares e sociais – carências, conflitos intra-
conjugais e domésticos, depravações, ofensas, violências -, além de tudo o que pode ser
provocado por “patologias” físicas e psíquicas surgidas, no consciente ou no inconsciente.
A infância, profundamente “reconhecida” em si mesma e no seu ambiente, há de
ser, indiscutivelmente a referência primaria e privilegiada de uma responsável “educação
preventiva”.
10. Para quem se ocupa sobretudo das fases sucessivas do desenvolvimento, é, antes
de tudo, forçoso resguardar-se de toda mitização da idade adolescencial, que possa ignorar
sua pré-história. A própria literatura, na qual se inspira Dom Bosco na compilação do
“Jovem instruído”, poderia induzir a entende-la, em parcial consciente aliança com
Rousseau, quase um ideal “segundo nascimento”, um novo “inicio” sem débitos ou liames
hereditários. Nesta faixa de idade, potencialidades positivas entrelaçam-se com
insuficiências e deficiências devidas à educação ou deseducação ou não educação ou
ausência de educação anteriores. A psicopatologia da infância e da adolescência se propõe,
precisamente, separar as aparentes “anomalias” devidas ao próprio processo evolutivo, de
efetivas patologias de raízes longínquas já em ato, necessitadas de apropriadas intervenções

63
Cfr. MARIA MONTESORI, A inteligência absorvente e A unidade do mundo através da criança:
intervenções no VIII Congresso Internacional Montessori, São Remo, 22-29 de agosto de 1949, páginas 369-
383 e 258-537.
psicoterapêuticas e educativas64. A “prevenção primária” poderia, às vezes, evoluir também
para “prevenção secundária”.
Prosseguindo nesta linha de desenvolvimento, poder-se-ia defender que a originaria
experiência “preventiva” de Dom Bosco, essencialmente “primaria”, seja aplicável a todas
as condições de crescimento humano, também as mais complexas: em nível “secundário” e
“terciário”. Afinal, desde os inícios o sistema preventivo atuou tanto em nível pedagógico e
pastoral, quanto “assistencial”, com intervenções diversificadas, a ponto de tornar muito
mais qualificados agora do que então65.
11. Unidade de fim, pluralidade de objetivos, diferenciação de percursos, implicam,
antes de mais nada, uma articulada diversificação qualitativa do próprio fim último. Este
pode ser legitimamente resumido no termo clássico “salvação”. Pode equivaler à
“santidade”, se ela não se identificar com a “santidade” canonizada ou próxima dela, mas
compreendida no sentido original: viver em Cristo, estar em estado de graça habitual, ter
permanente consciência da própria “dignidade de cristão”, de filho de Deus, mesmo se
transitoriamente “pródigo”.
A propósito dos vários níveis de inserção no “reino de Deus” na terra, o próprio
Dom Bosco, como já foi visto, escreveu nos Esboços históricos (1862), traçando o balanço
de vinte anos de trabalho entre os jovens, uma página significativa, passível dos mais
amplos desenvolvimentos66 . Trata-se de concretos pontos de partida de certa “pedagogia
diferencial”. Desta pode-se falar também a partir das diferentes exigências propostas aos
jovens nas diversas situações educativas institucionais: oratório, colégio, internato, pequeno
seminário.
12. Uma ulterior diferenciação deveria ser considerada, no curso do evento
educativo, com relação a duas fundamentais modalidades pedagógicas: 1) a
individualização ou, melhor, a personalização do percurso educativo com relação à
“liberdade “efetiva do aluno, sozinho ou grupo, às suas exigências de autonomia no
escolher objetivos e meios, e métodos para atingi-los; 2) o legitimo pluralismo educativo
respeitoso da sempre crescente pluralidade das condições nas quais acontece hoje o
crescimento dos jovens, quase ignorada por Dom Bosco e pelos seus, que operaram em um
mundo fundamentalmente homogêneo ou considerado tal com a fácil transposição do
mesmo sistema a mundos mais heterogêneos: por sexo, condições étnicas, políticas, sociais,
culturais.
13. Daí resulta transformada, antes de tudo a figura e a ação própria do educando.
Reclamam-no as mais recentes instâncias avançadas do ativismo, da pedagogia
institucional, e os relevantes fenômenos da “contestação” e da “autogestão”. Tais
inspirações ideológicas não anulam a legitimidade da pergunta, que deve ser atentamente
avaliada e à qual se deve satisfazer nas formas mais idôneas com relação às inúmeras
“diferenças”. Ajudará nisso toda possível pesquisa sobre os fundamentos culturais,
científicos e técnicos das diversas intervenções67. Com esta reserva, é licito defender que o

64
V.L.CASTELLAZZI, Psicopatologia da infância e da adolescência: As neuroses. Roma, LAS 1988, 156
páginas; As psicoses. Ibidem, 1991, 159 páginas; A depressão. Ibidem 1993, 174 páginas.
65
Como vem indicado na bibliografia, são significativos nesta ordem de idéias as agudas contribuições de
João Carlos Milanesi e de outros, que souberam compreender e repropor – teórica e operativamente – o
“sistema preventivo” em uma prospectiva multidisciplinar, histórica, sociológica, psicológica, pedagógica.
66
Cfr. capítulo 11, parágrafos 4 e 5, e capítulo 13, parágrafo 6.
67
Cfr. PEDRO BRAIDO, Apontamentos para uma interpretação pluridimensional da “contestação juvenil”,
em “Orientamenti Pedagogici” 15 (1968) 1284 -1304.
“preventivo” pode com proveito conjugar-se – em particular na idade adolescencial e da
juventude adulta – com as várias formas de ativismo, de auto-governo, de autogestão, em
versões proporcionais à relativa maturidade atingida. É preciso superar qualquer
pessimismo pré-concebido, que tende a ver o educar como sufocante “assistir”, defender,
proteger um fraco, um “em perigo”, um menor carente. A psicologia da idade evolutiva, do
profundo, social, da família, das instituições poderia oferecer válidas indicações para
encontrar soluções variadas, fortemente diferenciadas, inspiradas em gradualidade e no
sentido do “possível”. À entrada dos anos da “contestação juvenil” o sociólogo Aquiles
Ardigò perguntava-se: “não é, portanto, conforme ao presente estado de coisas, na
sociedade da grande organização ou naquelas em avançado estado de transformação,
hipotizar uma cultura juvenil como componente vital de um esforço renovador, senão
propriamente revolucionário, com relação à “civilização do bem estar” de uma parte do
mundo ? O discurso neste ponto se torna profundo e árduo”68.
14. Quanto mais são acentuadas a dignidade, as virtualidades e o protagonismo do
menino e do jovem, tanto mais deve ser renovada a função do educador. A “revolução
copernicana” em educação e em pedagogia deve ser considerada conquista definitiva. Dom
Bosco pode ter tido disto alguma intuição prática; mas é fora de dúvida que, na sua
proposta preventiva, os educadores são os detentores incontestes de todo o sistema: fins,
conteúdos, métodos, meios69. Depois de mais de um século de teoria e de prática, as
relações jovem – adulto transformaram-se profundamente, se não por outro, pelo fato que,
na atual sociedade, “a chegada ao estado adulto, sob os diversos aspectos de exercício da
profissão, de independência econômica, de emancipação dos pais e de possibilidade de
fundar uma família, é adiada de vários anos”. Não por isso o natural e legítimo processo de
esquecimento das finalidades e de maturação pode ser freado ou bloqueado70, como
poderia acontecer com uma ambígua representação do “prevenir” e do “assistir”.
Isto comporta o modo radicalmente novo de interpretar e de experimentar a idéia e o
papel do “pai”, “irmão”, “amigo”. O educador seguro e agente de segurança, consciente do
próprio dever e responsável não é autoritário, é somente autoridade em grau de associar ao
envolvimento afetivo ilimitado, profundo respeito e incondicionada confiança. Somente
nesta condição pode verificar-se um autêntico diálogo e o construtivo confronto com um
jovem respeitado nos seus direitos, no seu protagonismo, incluídas a discordância e a
contestação. Não somente as “companhias” deveriam ser efetivamente, como pedia Dom
Bosco, “coisa dos jovens”; mas sobretudo e mais globalmente, tudo aquilo que lhes é
próprio: a vida, os desejos, os ideais, as inquietudes; e ainda, as propostas, as razões, as
colaborações.
Conseqüência disto, além de tudo, é a mudança radical de significado e de estilo da
comunidade educativa, vivida e entendida como “família”. É inevitável superar um tipo de
relações que nos tempos de Dom Bosco podiam ser bastante paternalistas, de uma parte, e

68
A.ARDIGÒ, A condição juvenil na sociedade industrial, em Questões de sociologia, volume II. Brescia, La
Scuola 1966, página 609.
69
Isto foi revelado no capítulo 14, parágrafo 1; cfr. também PEDRO BRAIDO, A praxe de Dom Bosco...,
páginas 135-136.
70
G.LUTTE, O desenvolvimento da personalidade. Prospectivas pedagógicas. Apresentação da obra de
D.P.Ausubel. Zurique, PAS – Verlag 1963, páginas 21 – 22.
“familiares”, em seu conjunto, para chegar a relacionamentos “livres” e libertadores,
autenticamente personalizantes71.
15. Com as figuras e os deveres dos protagonistas do “sistema” é implicada na troca
conceitual e executiva, toda a metodologia do “preventivo”, a começar pelos conceitos de
base: “amor e temor”, “razão, religião, amorevolezza”. Não pode deixar de ser colocada em
discussão toda a pastoral e pedagogia baseada no “temor servil”, que gera a sujeição – real,
mental, afetiva – do “súdito” ao “senhor”. Ela será substituída pelo “ respeito” recíproco,
como o “honra o pai e a mãe” não é em sentido único. De todos os modos, o respeito, só
pode desejá-lo quem é e se mostra respeitável e confiável.
As “três palavras”, pois, próprias de um mundo vagamente e crepuscularmente
romântico (era o tempo de “Deus, pátria, família”), devem ser relidas à luz de evidentes
revoluções de conceitos e de mentalidades. Quanto à fé cristã, separam Dom Bosco de nós
o movimento litúrgico, a fundação e o fortalecimento da moral e da espiritualidade, a volta
ao coração e às fontes da mensagem cristã anunciada na bíblia e refletida na reflexão
dogmática72.
A amorevolezza deve ser completamente repensada, nos fundamentos, nos
conteúdos, nas manifestações, com base em uma indispensável e desejável diferente relação
entre adultos e jovens e a auto-consciência destes, menos disponíveis a “capturas” afetivas,
muitas vezes, perigosamente latentes.
Em particular a “razão” deve recuperar a plenitude do seu significado. O
esclarecimento do conceito e a reavaliação da sua realidade é tanto mais essencial a um
“prevenir” educativo renovado, quanto mais jovens e adultos são submetidos a
contrastantes tensões: a vinda da racionalidade tecnológica, as exigências de educação para
o controle do mundo dos desejos, a evasão para o emocional imediato, a instância da
“fantasia ao poder”, a chegada do “pensamento fraco” e ao mesmo tempo a pergunta de
“pensamento crítico” na selva da pluriculturação73. A solução pode ser encontrada, com
modalidades renovadas no encontro do instruir e do educar, na recuperação da plenitude
das funções da razão no âmbito das diversas potencialidades da pessoa74.
16. Na recuperação geral do “preventivo”, será valorizada uma realidade, sobre a
qual ele se funda na sua forma mais natural e primordial, a família75. Ela é, entre todos, o
sistema mais “aberto” nas virtualidades, nos problemas, nas soluções: aberto ao
imprevisível, aos riscos, às decisões rápidas, novas, tempestivas, ainda que na presumível
coerência com fundamentais princípios gerais jurídicos, morais, religiosos.
A família viva pode tornar-se, para o “sistema preventivo”, paradigma de uma
“renovação na continuidade” muito melhor que o eventual modelo “formalizado” de um

71
P.G.GRASSO, Juventude: grupo marginal em crise de identidade, em “Orientamenti Pedagogici” 13
(1966) 759.
72
Vejam-se, por exemplo, as reflexões e propostas de José Groppo na conclusão de um trabalho sobre Vida
sacramental, catequese, formação espiritual como elementos essências do sistema preventivo, em O sistema
preventivo de Dom Bosco entre pedagogia antiga e nova, páginas 52-74, especialmente, páginas 67-74.
73
Cfr. M.PELLEREY, O caminho da razão. Relendo as palavras e as ações de Dom Bosco, em
“Orientamenti Pedagogici” 35 (1988) 383-384.
74
Cfr. Ainda M.PELLEREY, O caminho da razão..., páginas 395-396.
75
Em 1869 Dom Bosco escrevia a um rico bem feitor de Milão: “Eu creio que fez bem em chamar o filho
para fazê-lo educar na família mais vale um olhar do pai do que cem olhos de assistentes. Isto deve-se dizer
que têm meios para educa-los em família como o senhor” (carta ao engenheiro José Brambilla, 8 de maio de
1869, Em III, número 1312).
sistema fechado, como o colégio, o internato. Aproximam-se também daí as formas do
oratório, da associação do “grupo”.
É necessário inventar uma concreta e articulada “pedagogia preventiva familiar”,
que reaplique, com particular cuidado crítico, em situações mudadas, os conceitos chaves
do “sistema”, particularmente a problemática “amorevolezza”, que oscila entre criatividade
afetiva, sentido garantidor de pertença, possessividade ansiosa, violência.
Mas se a “família” pode ser considerada o berço natural do preventivo, ela por
primeiro exige uma permanente regeneração, educação e reeducação “preventiva” para
tanto ocorrem radicais medidas de caráter assistencial político e social. Mas não podem
deixar de existir intervenções educativas, reeducativas, até mesmo terapêuticas em favor de
todos os que aspiram ao matrimônio e à missão de transmitir a vida: antes, durante, depois
da criação da comunidade conjugal e familiar.
17. Enfim, torna-se inevitável, para os educadores “preventivos”, uma renovada
“disponibilidade à aprendizagem”, condição primordial para um proclamado, mas não
definido “novo sistema preventivo”. Além das condições acenadas não pode faltar o
recurso às ciências humanas e, particularmente, às “ciências da educação”. Estas, dos
tempos de Dom Bosco para cá, fizeram incomensuráveis progressos. Não se pode
prescindir delas em todos os níveis epistemológicos, em um momento no qual todo o
“saber pedagógico”, de qualquer tendência, está em laboriosa fase de reflexão crítica.
Também a multiplicidade das intervenções “preventivas”, o “sistema preventivo”, enquanto
“pedagogia” e “pastoral”, está submetido a todas as tensões que caracterizam o constituir-se
epistemológico da ciência ou das ciências da ação educativa e pastoral76. E a realidade
juvenil, na vastíssima gama das situações e dos problemas, é ainda mais premente do que a
teoria77.
Ademais, fundamentalmente dogmático, o sistema de Dom Bosco não derivava
somente de princípios gerais antropológicos e teológicos. A sua experiência educativa e a
formulação oferecida revelam-se “pedagogia” em certa medida experimental, praticada,
verificada, aperfeiçoada, infatigavelmente, naquele “laboratório pedagógico” que foi o
Oratório de Valdocco e nas instituições que, da “casa mãe” se espalharam pelo mundo78.

76
Cfr. C.NANNI, Pedagogia em discussão, em “Orientamenti Pedagogici” 36 (1989) 890- 914; C.VOLPI,
Paidéia 80. A educabilidade na era pós moderna. Napolis, Tecnodid 1988, 162 páginas; F.CAMBI,
R.FORNACA, G.CIVES, Coplexidade, pedagogia critica, educação democrática. Floresça, A Nova Itália
1991, III – 234 páginas; A.GRANESE, O labirinto e a porta estreita. Ensaio de pedagogia critica. Floresça,
A Nova Itália 1993, VII – 399 páginas; G. ACONE, Declínio da educação e o caso da época. Brescia, La
Scuola 1994, 268 páginas.
77
Cfr. No volume Retomar o caminho (Turim, SEI 1997), sitado na bibliografia, as pertinentes insistência de
Domingos Ricca: Os salesianos no planeta menores (páginas 28-39): Os salesianos no planeta tóxico –
dependência (páginas 137-157).
78
Cfr.PEDRO BRAIDO, Pedagogia perseverante entre desafios e apostas, em “Orientamenti Pedagogici”
(1991) 906-911.

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