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Um Mundo em Mudança K

Dimensões da globalização 61 Globalização e risco 71


Fatores que contribuem para A difusão do "risco produzido" 71
a globalização 61 A "sociedade de risco" global 74
As causas da crescente globalização 63
Globalização e desigualdade 74
O debate sobre globalização 66 Desigualdade e divisões globais 74
Os "céticos" 66 A campanha por "justiça global" 76
Os "hiperglobalizadores" 67
Conclusão : a necessidade
Os "transformacionalistas" 68
de uma governança global 78
O impacto da globalização Pontos principais 79
nas nossas vidas 68 Questões para reflexão 80
A ascensão do individualismo 68 Leitura complementar 80
Padrões de trabalho 69 Endereços na internet 80
Cultura popular 70
3: Um Mundo em Mudança

Você pode achar que um supermercado local não tenha ou para uma barra de chocolate, você notará talvez que os ingre-
muita relevância para o estudo da sociologia, mas, co- dientes estão listados em oito ou dez línguas diferentes.
mo aprendemos no Capítulo 1, os sociólogos freqüen- Que dimensões sociológicas existem neste breve passeio
temente procuram insighrs sobre o mundo nos lugares mais pelo supermercado? Como vimos na nossa discussão da socio-
inesperados. O supermercado é um lugar que pode nos dizer logia do café (ver Capítulo 1, "O que é Sociologia?"), não po-
muito sobre os fenômenos sociais que interessam os sociólo- demos separar nossas ações locais do abrangente cenário social
gos nesse começo do século XXI - a rapidez da mudança so- que compreende o mundo como um todo. A enorme diversida-
cial e o aprofundamento da sociedade global. de de produtos que estamos habituados a ver nos supermerca-
Na próxima vez que você for ao supermercado, preste aten- dos ocidentais depende dos complexos laços econômicos e so-
ção à vasta série de produtos disponibilizados nas prateleiras. Se ciais que ligam países e pessoas ao redor do mundo. Também
você começar suas compras na seção de produtos frescos, como refletem processos de mudanças sociais de larga escala, pro-
muitas pessoas fazem, há chances de encontrar abacaxis do Ha- cessos que levaram diferentes partes do mundo a inter-relacio-
wai, toronjas de Israel, maçãs da África do Sul e abacates da Es- narem-se umas com as outras. O mundo em que vivemos hoje
panha. No próximo corredor, você pode até se deparar com um nos faz muito mais interdependentes, mesmo a milhares de
amplo sortimento de pastas de curry, temperos e condimentos pa- quilômetros de distância, do que jamais fomos.
ra pratos indianos, uma ampla seleção de ingredientes para pratos Essas conexões entre o local e o global são bastante novas
do Oriente Médio, como cuscuz e falafel, e latas de leite de coco na história da humanidade. Aceleraram-se há 30 ou 40 anos,
para cozinhar comidas tailandesas. Continuando as compras, dê como resultado dos avanços dramáticos na comunicação, na
uma olhada nos cafés do Quênia, da Indonésia e da Colômbia, na tecnologia da informação e no transporte. O desenvolvimento
carne de ovelha da Nova Zelândia e nas garrafas de vinho da Ar- de aviões a jato, de velozes navios de carga e de outros meios
gentina e do Chile. Se voltar os olhos para um pacote de biscoito de transporte rápido significou o deslocamento contínuo de

Numa simples prateleira de supermercado, o mundo inteiro trazido pela globalização : as pessoas já não precisam es-
perar a estação das frutas.
* N. de R. T. Produce são produtos agrícolas resultantes de cultivo em lavouras e fazendas como hortifrutigrangeiros de lugares ou
regiões específicas, tais como "produtos da Índia".
SOCIOLOGIA 61

pessoas e bens através do mundo. E nosso sistema global de Dimensões da globalização


comunicação por satélite, implementado há apenas 30 anos,
tornou possível para as pessoas estarem em contato umas com Você provavelmente ouviu muitas referências à globalização,
as outras instantaneamente. mesmo que não saiba bem o que ela significa. O conceito de
Os sociólogos usam o termo globalização para referirem- globalização é um dos que foram mais aplicados nos últimos
se àqueles processos que estão intensificando as relações e a anos, em debates na política, nos negócios e na mídia. Há uma
interdependência sociais globais. É um fenômeno social com década, o termo "globalização' era relativamente desconheci-
vastas implicações, muitas das quais serão discutidas ao longo do. Hoje está na boca de todos. A globalização significa que
deste livro. A globalização não deveria ser entendida simples- cada vez mais estamos vivendo "num único mundo", em que
mente como o desenvolvimento de redes mundiais - sistemas os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais interde-
sociais e econômicos que estão distantes de nossas preocupa- pendentes.
ções individuais. É também um fenômeno local - um fenôme- A globalização é muitas vezes retratada apenas como um
no que afeta a todos nós no nosso dia-a-dia. fenômeno econômico. Muito disso se deve ao papel das corpo-
Para ilustrá-lo, retomemos ao supermercado. Os efeitos da rações transnacionais (CTs), cujas operações massivas se ex-
globalização refletem-se nas prateleiras do seu supermercado de pandem através de fronteiras nacionais, influenciando os pro-
diversas maneiras. Em primeiro lugar, está ocorrendo um enor- cessos de produção global e a distribuição internacional do tra-
me crescimento na quantidade e na variedade de produtos à ven- balho. Alguns assinalam a integração eletrônica dos mercados
da nos supermercados em comparação ao que havia disponível financeiros globais e o enorme volume de fluxo de capital glo-
nas décadas passadas. Os supermercados aumentam de tamanho bal. Outros se concentram na abrangência sem precedentes do
para acomodar a grande variedade de artigos disponíveis. As bar- comércio mundial, envolvendo uma variedade de bens e servi-
reiras internacionais de mercado têm constantemente caído, ços muito maior do que antes.
abrindo os mercados a ampla variedade de produtos. Em segun- Embora as forças econômicas sejam uma parte integrante
do lugar, os artigos em seu supermercado foram produzidos em da globalização, seria errado sugerir que elas sozinhas a produ-
mais de uma centena de países diferentes. Há alguns anos, era zam. A globalização é criada pela convergência de fatores po-
quase impossível, por razões práticas, transportar muitos produ- líticos, sociais, culturais e econômicos. Foi impelida, sobretu-
tos, sobretudo produtos perecíveis, por longas distâncias. do, pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da
Em terceiro lugar, alguns dos produtos mais populares pre- comunicação que intensificaram a velocidade e o alcance da
sentes em seu supermercado podem ser hoje relativamente des- interação entre as pessoas ao redor do mundo. Tomando um
conhecidos no lugar onde você mora, como as "comidas étni- exemplo simples, pense na Copa do Mundo realizada na Fran-
cas" já referidas. Uma explicação para isso pode ser encontra- ça. Graças às conexões globais de televisão, alguns jogos fo-
da nos modelos de migração global, que produzem sociedades ram assistidos por 2 bilhões de pessoas no mundo.
culturalmente diversas e novos gostos culturais. Finalmente,
muitos dos produtos comuns encontrados no seu supermerca-
do são agora distribuídos simultaneamente em muitos países, e Fatores que contribuem para a globalização
não nos mercados nacionais específicos. Os rótulos dos produ-
tos refletem essa nova diversidade geográfica; instruções e in- A explosão nas comunicações globais foi facilitada por alguns
gredientes muitas vezes estão impressos nas embalagens dos importantes avanços na tecnologia e na infra-estrutura das te-
produtos em várias línguas, a fim de torná-los acessíveis aos lecomunicações no mundo. Na era pós-guerra, houve uma
consumidores numa série de países. profunda transformação na abrangência e na intensidade dos
A globalização está mudando o modo como o mundo se fluxos de telecomunicações. A tradicional comunicação por
parece e a maneira como vemos o mundo. Ao adotar uma pers- telefone que dependia de sinais análogos, enviados através de
pectiva global, tornamo-nos mais conscientes de nossas liga- fios e cabos com a ajuda de processos de conexão mecânica,
ções com os povos de outras sociedades. Tornamo-nos também foi substituída por sistemas integrados em que uma vasta
mais conscientes dos diversos problemas que o mundo enfren- quantidade de informação é comprimida e transferida digital-
ta no início do século XXI. A perspectiva global nos mostra mente. A tecnologia a cabo tornou-se mais eficiente e menos
que nossos laços cada vez maiores com o resto do mundo po- dispendiosa; o desenvolvimento de cabos de fibra ótica tem
dem significar que nossas ações têm conseqüências para outros expandido enormemente o número de canais que podem ser
e que os problemas do mundo têm conseqüências para nós. transmitidos. Enquanto os primeiros cabos transatlânticos ins-
Neste capítulo, investigaremos a noção de globalização deta- talados nos anos de 1950 eram incapazes de transmitir mais de
lhadamente, suas causas, dimensões e potenciais conseqüên- uma centena de linhas, em 1997, um único cabo transoceâni-
cias. Por ser a globalização um conjunto de processos imprevi- co pôde transmitir aproximadamente 600 mil linhas (Held et
síveis, ela é difícil de controlar e gera novos riscos que afetam al., 1999). A expansão da comunicação por satélites, iniciada
a todos. Você verá que esses temas paralelos da rápida mudan- nos anos de 1960, também foi importante para a disseminação
ça e do risco estão entrelaçados ao longo deste texto; nas se- das comunicações internacionais. Hoje, uma rede de mais de
ções que seguem, mostraremos os métodos usados pelos soció- 200 satélites está instalada para facilitar a transferência de in-
logos para estudar esse mundo em mudança. formação em todo o mundo.
62 ANTHONY GIDDENS

Com um toque no mouse , estas jovens num cibercafé em Bangalore , na índia, podem conversar com amigos no Reino
Unido - entrando em contato em tempo "real" e num lugar "virtualmente real".

O impacto desses sistemas de comunicação é incrível. Nos economia global não é mais fundamentalmente de base agríco-
países em que a infra-estrutura das telecomunicações é alta- la ou industrial. Na verdade, ela está cada vez mais dominada
mente desenvolvida, residências e escritórios têm agora múlti- pela atividade que é "virtual" e intangível (Quah, 1999). Essa
plas ligações com o mundo lá fora, incluindo telefones (fixos e economia virtual é a única na qual os produtos têm sua base na
móveis), aparelhos de fax, televisão a cabo ou digital, correio informação, como é o caso dos softwares de computador, dos
eletrônico e internet. A internet surgiu como o instrumento de produtos de mídia e de entretenimento e dos serviços baseados
comunicação que teve o maior crescimento em todos os tem- na internet. Esse novo contexto da economia tem sido descrito
pos - cerca de 140 milhões de pessoas no mundo usavam a in- por meio de inúmeros termos, como "sociedade pós-industrial",
ternet em meados de 1998. Estima-se que mais de 700 milhões "era da informação" e, hoje, mais corriqueiramente, como eco-
de pessoas estarão conectadas por volta de 2001. Essas formas nomia de informação (ver Capítulo 13, "Trabalho e Vida Eco-
de tecnologia facilitam a "compressão" do tempo e do espaço: nômica", p. 304). O surgimento da economia do conhecimento
dois indivíduos localizados em lados opostos do planeta, em se relaciona ao desenvolvimento de uma larga base de consumi-
Tóquio e em Londres, por exemplo, não somente podem con- dores que são tecnologicamente aptos e que avidamente inte-
versar em "tempo real", mas também podem enviar documen- gram em seus cotidianos os novos avanços na computação, no
tos e imagens um ao outro com a ajuda da tecnologia de satéli- entretenimento e nas telecomunicações.
tes. O uso difundido da internet e dos telefones móveis apro- A operação da economia global reflete as mudanças que
funda e acelera os processos da globalização; cada vez mais ocorreram na era da informação. Muitos aspectos da economia
pessoas estão se conectando por meio dessas tecnologias, mes- agora funcionam através de redes que cruzam as fronteiras na-
mo em lugares que antes estavam isolados ou pouco servidos cionais, em vez de limitarem-se a delas (Castells, 1996). Para
por sistemas tradicionais de comunicação (ver Figura 3.1). Em- serem mais competitivos nas condições globalizantes, os negó-
bora a infra- estrutura das telecomunicações não esteja desen- cios e as corporações reestruturaram-se a fim de ganharem fle-
volvida de modo uniforme no mundo (ver Tabela 3.1 e Figura xibilidade e de se tornarem menos hierárquicos (ver Capítulo
3.2), um número cada vez maior de nações pode agora acessar 12, "Organizações Modernas", p. 282). As práticas de produção
redes internacionais de comunicação de uma forma impossível e modelos organizacionais tornaram-se mais flexíveis. Acordos
anteriormente. de parceria com outras empresas tornaram-se banais, e a parti-
A globalização está também sendo impelida pela integra- cipação nas redes de distribuição globais tornou-se essencial pa-
ção da economia global . Ao contrário de épocas anteriores, a ra se fazer negócios num mercado em constante mudança.
SOCIOLOGIA 63

Mais pessoas estão


assistindo à televisão... falando ao telefone... e comunicando-se on-line
N

250 r Leste Asiático c 00 40


América Latina
América Latina e Caribe
200 e Caribe $ 75 30
T v
150 / , Ásia e Pacífico / 5
Estados Árabes Leste Asiático E qn
8.50
Estados AraDes C
100 O
A? Ásia Sul-Oriental
Ásia Meridional 25 e Pacífico 2 10
50
África Subsaariana Ásia Meridional 2
África
o ç o Subsaariana a o ^---r-^
1985 1995 1985 1995 1980 1985 1990 1995

Figura 3.1 A multiplicação de aparelhos de televisão e telefones nas regiões do mundo, 1985-1995, e a explosão da co-
municação on-line.
Fonte: Dados do Banco Mundial. Human Development Report, Oxford University Press, 1999, p. 26.

As causas da crescente globalização sos da globalização, mas deveria também ser visto como um
resultado da própria globalização. As economias comunistas
Mudanças políticas planificadas e o controle ideológico e cultural da autoridade
Há inúmeras forças influentes por trás da globalização contem- política comunista foram incapazes, ao final, de sobreviver a
porânea. Uma das mais significativas é o colapso do comunis- uma era de mídia global e de economia mundial eletronica-
mo de estilo soviético, que aconteceu numa série de revoluções mente integrada.
dramáticas na Europa Oriental, em 1989, e culminou na disso- O segundo fator importante que conduz à intensificação do
lução da própria União Soviética em 1991 (ver Capítulo 2, processo de globalização é o crescimento dos mecanismos regio-
"Cultura e Sociedade"). Desde a queda do comunismo, países nais e internacionais de governo. As Nações Unidas e a União
do antigo "bloco" soviético - incluindo Rússia, Ucrânia, Polô- Européia são os dois exemplos mais proeminentes de organiza-
nia, Hungria, República Tcheca, os países bálticos, as nações
ções internacionais que reúnem os estados-nação em um fórum
do Cáucaso e da Ásia Central, e muitos outros - estão mudan-
político comum. Enquanto as Nações Unidas fazem isso como
do para os sistemas político e econômico do estilo Ocidental.
uma associação de estados-nação individuais, a União Européia
Esses países não estão mais isolados da comunidade global,
mas estão se integrando a ela. Esse desenvolvimento significou é uma forma mais pioneira de governança transnacional em que
o fim do sistema que existira durante a Guerra Fria, quando os um certo grau de soberania nacional é abdicado pelos seus esta-
países do "Primeiro Mundo" estavam separados dos do "Se- dos-membros. Os governos dos estados individuais da UE são li-
gundo Mundo". O colapso do comunismo acelerou os proces- mitados por diretivas, regulações e tribunais comuns aos países

Tabela 3 .1 Desigualdades globais na infra-estrutura e no uso das telecomunicações, 1995


População Linhas por Telefones Máquinas de Chamadas Chamadas
(milhões) 100 pessoas celulares ('000s) fax ('000s) PCs ('000x) feitas (MMiTT ) recebidas (MMiTT)
China 1.201,0 3,0 3.629 270 2.600 533 551
França 58,1 56,0 1.379 1.200 9.300 2.804 2.959
Alemanha 81,9 49,0 3.500 1.447 13.500 5.244 3.881
Índia 929,3 1,3 135 50 1.000 341 806
Japão 125,1 49,0 10.204 6.000 19.000 1.638 1.140
Suécia 8,8 68,0 2.025 n.d. 1.700 900 n.d.
Reino Unido 58,5 n.d. 5.737 n.d. 10.900 4.016 4.021
EUA 263,1 63,0 33.786 14.052 86.300 15.623 7.010
MMiTT = milhões de minutos de tráfego telefônico.
Fonte: D. Held et ai., 1999 , Global transformations, Polity, adaptado de G. Staple ( ed), Telegeography , 1996 , International Institute of Comunications, 1996.
64 ANTHONY GIDDENS

Como o nome sugere, as ONGs diferem das organizações


intergovernamentais, pois não são afiliadas a instituições go-
-4- Suíça 247
vernamentais. Ao contrário, elas são organizações indepen-
dentes que trabalham ao lado dos organismos de governo nas
*-- Bélgica tomadas de decisões políticas e na condução de assuntos in-
ternacionais. Algumas das mais conhecidas ONGs - como o
100 a--- Canadá
Greenpeace, WWF - A Rede Global do Meio Ambiente, os
Médicos Sem Fronteiras, a Cruz Vermelha e a Anistia Inter-
nacional - estão envolvidas na proteção ambiental e nos es-
forços de auxílio humanitário. Mas as atividades de milhares
80
de grupos menos conhecidos também unem países e comuni-
dades (ver Figura 3.3).

60 - -- Estados Unidos Fluxos de informação


t-- Austrália
Vimos como a difusão da tecnologia da informação expandiu
as possibilidades de contato entre as pessoas ao redor do mun-
40 do. Facilitou também o fluxo de informação sobre pessoas e
acontecimentos em lugares distantes. Todos os dias, a mídia
global traz notícias, imagens e informação aos lares das pes-
- - Hungria soas, ligando-as direta e continuamente ao mundo exterior. Al-
20 guns dos acontecimentos mais marcantes dos últimos quinze
.*- Costa Rica
-e- Japão anos - como a queda do Muro de Berlim, a violenta repressão
^- Chile aos protestos democráticos na Praça de Tiananmen, na China,
^- África do Sul
a eleição de Nelson Mandela à Presidência da África do Sul, a
0 ~ Menos de 5 minutos
Tailândia 4
morte da Princesa Diana e os devastadores terremotos na Tur-
Colômbia 3 quia - difundiram-se em toda a mídia diante de uma audiência
Egito 2 realmente global. Tais eventos, junto com outros milhares de
Federação Russa 2
Benin 1 acontecimentos menos dramáticos, fizeram com que o pensa-
Gana 1 mento das pessoas se reorientasse da dimensão menor do esta-
Paquistão 1
do-nação para uni cenário global. Os indivíduos estão agora
Figura 3.2 Chamadas internacionais (minutos por pes- mais conscientes de sua interconectividade com os outros e
soa e por ano), 1995.
Fonte: UNDP, Human Development Report, Oxford University
Press, 1999, p. 28.

30.000
da UE, mas também colhem benefícios econômicos, sociais e
políticos de sua participação na união regional.
Finalmente, a globalização está sendo conduzida pelas or-
ganizações intergovernamentais (OIGs) e pelas organizações 20.000
internacionais não-governamentais (ONGs). Embora esses
termos possam ser novos para você, as idéias por trás deles são
provavelmente muito familiares. Uma organização intergo-
vernamental é um organismo que é estabelecido pelos gover- 10.000
nos participantes, ao qual é dada a responsabilidade de regular
e supervisionar um domínio particular da atividade que é de
alcance transnacional. O primeiro organismo desse gênero, a
176
União Internacional de Telégrafo, foi fundado em 1865. Des- 0
de aquele tempo, um grande número de corporações similares 1909 1964 1993

foi criado para regular questões abrangendo desde a aviação Figura 3 .3 O crescimento das organizações não-go-
civil, passando pela difusão de sinais, até a remoção de deje- vernamentais, 1909-1993.
tos perigosos. Em 1909, havia 37 OIGs existentes para regular Fonte: Commission on Global Governance, 1995. From UNDP,
Human Development Report, Oxford University Press, 1999.
assuntos transnacionais; já em 1996 havia 260 (Held et al.,
1999).
SOCIOLOGIA 65

mais propensos a se identificarem com questões e processos Oito étnico e de violação de direitos humanos, embora tais
globais do que no passado. mobilizações sejam mais problemáticas do que no caso de de-
Essa mudança para uma perspectiva global tem duas di- sastres naturais. Entretanto, no caso da Guerra do Golfo, em
mensões significativas. Primeiro, como membros de uma co- 1991, e dos violentos conflitos na antiga Iugoslávia (Bósnia e
munidade global, as pessoas cada vez mais percebem que a Kosovo), a intervenção militar foi vista como justificada por
responsabilidade social não pára nas fronteiras nacionais, mas muitas pessoas que acreditavam que os direitos humanos e a
se estende além delas. Os desastres e as injustiças que as pes- soberania nacional deveriam ser defendidos.
soas enfrentam do outro lado do globo não são simplesmente Em segundo lugar, a perspectiva global significa que as
infortúnios que devem ser suportados, mas motivo legítimo pa- pessoas estão cada vez mais buscando outras fontes, que não o
ra ação e intervenção. Há uma suposição crescente de que a co- estado-nação, ao formular seu próprio senso de identidade. Es-
munidade internacional tem a obrigação de agir nas situações se é um fenômeno que é produzido pelos processos de globali-
de crise para proteger o bem-estar físico e os direitos humanos zação e que os acelera ainda mais, Em várias partes do mundo,
das pessoas que vivem sob ameaça. No caso dos desastres na- as identidades culturais locais estão vivenciando poderosos
turais, tais intervenções assumem a forma de auxílio humanitá- ressurgimentos numa época em que o tradicional domínio dos
rio e de assistência técnica. Terremotos na Armênia e Turquia, estados-nação está passando por profundas transformações. Na
inundações em Moçambique, a fome na África e furacões na Europa, por exemplo, os habitantes da Escócia e da região bas-
América Central foram pontos de convergência para a assistên- ca da Espanha talvez estejam mais propensos a se identifica-
cia global. rem com sua nacionalidade escocesa ou basca - ou com sua
Nos últimos anos, também têm ocorrido solicitações ca- identidade européia - do que com sua nacionalidade britânica
da vez maiores por intervenções em casos de guerra, de con- ou espanhola. O estado-nação, enquanto fonte de identidade,
está diminuindo em muitas áreas, à medida que as mudanças
políticas em nível regional e global enfraquecem a ligação das
pessoas com os estados em que vivem.

Sobre as teorias do nacionalismo e da nação, ver


"Movimentos nacionalistas", p. 359.

As corporações transnacionais
Entre os diversos fatores econômicos que conduzem à globali-
zação, o papel das corporações transnacionais (CTs) é parti-
cularmente importante. As CTs são companhias que produzem
bens ou serviços comerciais em mais de um país. Podem ser
empresas relativamente pequenas, com uma ou duas fábricas
fora do país onde estão baseadas, ou gigantescas empresas in-
ternacionais, cujas operações se entrecruzam ao redor do glo-
bo. Algumas das maiores CTs são companhias conhecidas no
mundo inteiro: Coca-Cola, General Motors, Colgate-Palmoli-
ve, Kodak, Mitsubishi, etc. Até mesmo quando essas corpora-
ções têm uma base claramente nacional, elas são orientadas aos
mercados globais e aos lucros globais.
As corporações transnacionais estão no centro da globali-
zação econômica: elas contabilizam dois terços de todo o co-
mércio mundial e são instrumentais na difusão de novas tecno-
logias ao redor do globo. São também as principais protagonis-
tas dos mercados financeiros internacionais. Como foi notado
por um observador, elas são os "alicerces do mundo econômi-
co contemporâneo" (Held et al., 1999, p. 282). Cerca de 400
Por mais distante que seja sua casa , este aborígine es- CTs tiveram vendas anuais de mais de 10 bilhões de dólares
tá mesmo assim conectado à cultura global , por meio em 1996, quando então somente 70 países poderiam se vanglo-
do telefone ou mesmo por meio de sua própria preocu- riar de produtos nacionais brutos que alcançassem esse mon-
pação - e da dos outros - com seus direitos humanos.
tante no mínimo. Em outras palavras, as corporações transna-
66 ANTHONY GIDDENS

cionais mais poderosas são maiores economicamente do que a transferência de grande quantia de capital pode desestabilizar
maioria dos países (ver Tabela 3.2). economias, desencadeando crises financeiras internacionais
As CTs tomaram-se um fenômeno global nos anos seguin- como aquelas que iniciaram nos "Tigres Asiáticos" e se espa-
tes à Segunda Guerra Mundial . A expansão , nos anos iniciais do lharam para a Rússia e outros países em 1998. Como a econo-
Pós-Guerra , veio de empresas baseadas nos Estados Unidos, mia global tornou-se cada vez mais integrada, um colapso fi-
mas por volta da década de 1970 empresas européias e japonesas nanceiro em alguma parte do mundo pode ter enormes efeitos
também começaram a investir no exterior. No final das décadas nas economias mais distantes.
de 1980 e 1990 , as CTs expandiram- se dramaticamente com o Os fatores políticos, econômicos, sociais e tecnológicos
estabelecimento de três poderosos mercados regionais: Europa descritos anteriormente estão se unindo para produzir um fenô-
(Mercado Comum Europeu ), Ásia - Pacífico ( a Declaração de meno sem precedentes tanto em termos de intensidade como
Osaka garantiu comércio livre e aberto para 2010 ) e América do de alcance. Veremos posteriormente, neste capítulo, que as
Norte (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte ). Desde conseqüências da globalização, além de muitas, são de vasta
o começo dos anos de 1990, outros países também liberalizaram abrangência. Mas, antes, voltaremos nossa atenção às princi-
as restrições ao investimento estrangeiro . No limiar do século pais concepções da globalização que foram apresentadas nos
XX, poucas economias no mundo ficaram fora do alcance das últimos anos.
CTs. Ao longo da década passada, as CTs baseadas em econo-
mias industrializadas foram muito ativas ao expandir suas opera-
ções em países em desenvolvimento e nas sociedades da antiga O debate sobre globalização
União Soviética e da Europa Oriental.
A "economia eletrônica " é outro fator que serve de funda- Nos últimos anos, a globalização tornou-se um tópico caloro-
mento à globalização econômica . Os bancos, as corporações, samente discutido. A maioria das pessoas aceita que há trans-
as administradoras de fundos e os investidores individuais são formações importantes ocorrendo ao nosso redor, mas contes-
capazes de transferir fundos internacionalmente com um toque ta-se até que ponto é válido explicá-las corno "globalização".
no mouse. Essa nova habilidade de transferir instantaneamente Isso não é inteiramente surpreendente. Como um imprevisível
"dinheiro eletrônico ", porém, traz consigo grandes riscos. A e turbulento processo, a globalização é vista e compreendida
de modo bem diverso pelos observadores. David Held (1999) e
seus colegas fizeram um levantamento sobre a controvérsia e
Tabela 3 .2 Valor das vendas das principais corporações dividiram seus participantes em três escolas de pensamento: os
comparado ao PIB dos países selecionados, 1997 céticos, os hipe rglobalizadores e os transforntacionalistas. Es-
PIB ou total de vendas
sas três tendências, dentro do debate da globalização, estão re-
País ou
corporação (em bilhões de dólares) sumidas na Tabela 3.3, na p. 67.
General Motors 164
Tailândia 154
Noruega 153
Os "céticos"
Ford Motor 147 Alguns pensadores argumentam que a idéia de globalização es-
Mitsui & Co. 145
tá "supervalorizada" - que o debate sobre globalização está
Arábia Saudita 140
cheio de conversa sobre algo que não é novo. Os "céticos",
Mitsubishi 140
nessa controvérsia acerca da globalização, crêem que os níveis
Polónia 136
atuais de interdependência econômica já possuem precedentes.
Itochu 136
Apontando para as estatísticas do século XIX sobre o comércio
África do Sul 129
e investimento mundiais, eles sustentam que a globalização
Royal Dutch/Shell Group 128
Marubeni 124 moderna difere de outras formas passadas apenas na intensida-
Grécia 123 de da interação entre as nações.
Sumitomo 119 Os céticos concordam que talvez hoje exista mais contato
Exxon 117 entre países do que em períodos passados, mas, segundo eles, a
Toyota Motor 109 atual economia mundial não está suficientemente integrada pa-
Wal-Mart Stores 105 ra constituir uma verdadeira economia globalizada. Isso se dá
Malásia 98 porque o grosso do comércio ocorre dentro de três grupos re-
Israel 98 gionais - Europa, Ásia-Pacífico e América do Norte. Os países
Colômbia 96 da União Européia, por exemplo, comercializam predominan-
Venezuela 87 temente entre si. O mesmo ocorre com outros grupos regionais,
Filipinas 82 invalidando, assim, a noção de uma economia global isolada
Fonte: Forbes Magazine 1998 : from UN Development Programme , Human Deve- (Hirst, 1997).
lopment Report , Oxford University Press , 1999, p. 32,
SOCIOLOGIA 67

Tabela 3 .3 Conceitualizando a globalização: três tendências


Hiperglobalizadores Céticos Transformacionalistas
O que há de novo? Uma era global. Blocos comerciais, geogovernança Níveis de interconectividade global
mais fraca do que em historicamente sem precedentes.
épocas anteriores.

Características dominantes Capitalismo global, 0 mundo é menos interdependente Globalização "densa" (intensa e
governança global, do que na década de 1890. extensiva).
sociedade civil global.

Poder dos governos Declinante ou em Reforçado ou aumentado. Reconstituído, reestruturado.


nacionais crescente desgaste.

Forças dirigentes Capitalismo e tecnologia. Governos e mercados. Forças combinadas da modernidade.


da globalização

Padrões de estratificação Desgaste das velhas Crescente marginalização do sul. Nova arquitetura da ordem mundial.
hierarquias.

Motivo dominante McDonald's, Madonna, etc. Interesse nacional. Transformação da comunidade política.

Conceitualização Como uma reordenação Como internacionalização e Como a reordenação das relações
da globalização estrutural da ação humana. regionalização. inter-regionais e das ações
a distância.

Trajetória histórica Civilização global. Blocos regionais/choque Indeterminada: integração global


de civilizações. e fragmentação.

Argumento resumido O fim do estado-nação. A internacionalização depende A globalização transformando o


da aprovação e do suporte governamental e as políticas
do governo. mundiais.

Fonte: Adaptado de D. Held et al., Global Transformations, Polity, 1999, p.10.

Muitos céticos focalizam nos processos de regionalização lugares. A globalização é vista como um processo que é indife-
dentro da economia mundial, como a emergência dos principais rente às fronteiras nacionais. Ela está criando outra ordem glo-
blocos financeiros e comerciais. Para os céticos, o crescimento bal, produzida por poderosos fluxos de comércio e produção que
da regionalização evidencia que a economia mundial tornou-se ultrapassam fronteiras. Um dos mais conhecidos hiperglobaliza-
menos, e não mais integrada (Boyer e Drache, 1996; Hirst e dores, o escritor japonês Kenichi Ohmae, constata que a globa-
Thompson, 1999). Numa comparação com os padrões de co- lização está nos levando a um "mundo sem fronteiras" - um
mércio que prevaleceram no século passado, eles argumentam mundo em que as forças de mercado são mais poderosas que os
que a economia mundial é menos global no seu alcance geográ- governos nacionais (Ohmae, 1990; 1995).
fico, concentrando-se bem mais em alguns intensos bolsões de Muitas análises da globalização apresentadas pelos hiperglo-
atividade. balizadores concentram-se na função mutável de uma nação. Ar-
Os céticos rejeitam a visão defendida por teóricos como os gumentam que os países individualmente já não controlam suas
hiperglobalizadores (ver a seguir), de que a globalização está fun- economias, devido ao vasto crescimento do comércio mundial.
damentalmente minando o papel dos governos nacionais e produ- Os governos nacionais e seus políticos, conforme dizem, estão
zindo uma ordem mundial em que eles já não são mais importan- cada vez mais incapazes de controlar os problemas que ultrapas-
tes. De acordo com os céticos, os governos nacionais continuam a sam suas fronteiras - tal como os mercados financeiros voláteis e
ser os protagonistas fundamentais em função de seu envolvimen- as ameaças ambientais. Os cidadãos reconhecem que os políticos
to na regulação e na coordenação da atividade econômica. Os go- possuem limites em sua capacidade de enfrentar esses proble-
vernos, por exemplo, são a força atuante por detrás de muitos mas, perdendo, assim, a confiança nos sistemas existentes de go-
acordos comerciais e de políticas de liberalização econômica. vernança. Alguns hipergiobalizadores acreditam que o poder dos
governos nacionais também está sendo desafiado de cima - pelas
novas instituições regionais e internacionais, como a União Eu-
Os "hipergiobalizadores" ropéia, a Organização Mundial do Comércio e outras.
Consideradas em conjunto, essas mudanças sinalizam, pa-
Os hiperglobalizadores assumem uma posição oposta à dos cé- ra os hiperglobalizadores, o despontar da "era global" (Albrow,
ticos - eles sustentam que a globalização é um fenômeno muito 1996), em que os governos nacionais perdem importância e in-
real, cujas conseqüências podem ser sentidas em quase todos os fluência.
68 ANTHONY GIDDENS

Os "transformacionalistas" O impacto da globalização nas


nossas vidas
Os transformacionalistas estão mais próximos de uma posição
mediana. Eles vêem a globalização como uma força fundamen- Embora muitas vezes a globalização esteja associada a mudan-
tal agindo por trás do amplo espectro de mudanças que estão ças dentro de "grandes" sistemas - tais como os mercados fi-
hoje moldando as sociedades modernas. Segundo eles, a ordem nanceiros globais, a produção e o comércio, as telecomunica-
global está se transformando, mas muitos dos velhos modelos ções - os efeitos da globalização são sentidos de modo igual-
ainda restam. Os governos, por exemplo, ainda detêm bastante mente forte no setor privado. A globalização não é algo que
poder, apesar do avanço da interdependência global. Essas simplesmente "está lá, além", operando num plano distante,
transformações não se restringem somente à economia, mas são sem se imiscuir com coisas individuais. Ela é um fenômeno
igualmente proeminentes nos domínios da vida política, cultu- "logo aqui" que está afetando nossa vida íntima e pessoal de
ral e pessoal. Os transformacionalistas sustentam que o atual ní- diversas maneiras. Inevitavelmente, nossas vidas pessoais têm
vel de globalização está rompendo os limites estabelecidos en- sido alteradas à medida que as forças globalizantes penetram
tre o que é "interno" e "externo", "internacional" e "domésti- dentro de nossos contextos locais, em nossas casas, em nossas
co". Ao tentarem se ajustar a essa nova ordem, as sociedades, as comunidades, através de fontes impessoais - tais como a mí-
dia, a internet e a cultura popular - e através também do conta-
instituições e os indivíduos estão sendo forçados a trafegar em
to pessoal com indivíduos de outros países e culturas.
contextos cujas estruturas prévias foram "sacudidas".
A globalização está fundamentalmente mudando a nature-
Ao contrário dos hiperglobalizadores, os transformaciona-
za de nossas experiências cotidianas. Como as sociedades nas
listas vêem a globalização como um processo dinâmico e aber-
quais vivemos passa por profundas transformações, as institui-
to que está sujeito à influência e à mudança. Um processo que ções estabelecidas que outrora as sustentavam perderam seu lu-
se desenvolve de uma maneira contraditória, compreendendo gar. Isso está forçando uma redefinição de aspectos íntimos e
tendências que freqüentemente operam em oposição umas às pessoais de nossas vidas, tais como a família, os papéis de gê-
outras. A globalização não é um processo de mão única, como nero, a sexualidade, a identidade pessoal, as nossas interações
afirmam alguns, mas um fluxo de imagens, informações e in- com outros e nossas relações com o trabalho. O modo como
fluências que corre em duas mãos. A migração, a mídia e as te- pensamos nós mesmos e nossas ligações com outras pessoas
lecomunicações globais contribuem na difusão de influências está sendo profundamente alterado pela globalização.
culturais. As vibrantes "cidades globais" são inteiramente mul-
ticulturais, com grupos étnicos e culturas se mesclando e vi-
vendo lado a lado. Segundo os transformacionalistas, a globa- A ascensão do individualismo
lização é um processo "descentrado" e reflexivo, caracterizado
Na era atual, os indivíduos têm muito mais oportunidade de
por conexões e fluxos culturais que funcionam de um modo moldar suas próprias vidas do que antes. Antigamente, a tradi-
multidirecional. Produto de numerosas redes globais interliga- ção e o costume exerciam uma forte influência sobre a trajetó-
das, a globalização não pode ser vista como um processo ad- ria de vida das pessoas. Fatores como classe social, gênero, et-
vindo de uma única parte do mundo. nicidade e até filiação religiosa poderiam fechar certos cami-
Os transformacionalistas não crêem que os países estejam nhos para os indivíduos ou ainda abrir outros. Nascer como fi-
perdendo sua soberania, tal como argumentam os hiperglobali- lho primogênito de um alfaiate, por exemplo, poderia significar
zadores, mas antes que estejam passando por um processo de que uni jovem aprenderia o ofício de seu pai e o praticaria por
reestruturação que responde às novas formas de organização toda a vida. A tradição sustentava que a esfera natural da mulher
econômica e social desprovidas de base territorial (como as era dentro de casa; sua vida e identidade eram largamente defi-
corporações, os movimentos sociais e os organismos interna- nidas pela identidade de seu marido ou pai. No passado, as
cionais). Eles afirmam que não vivemos mais em um mundo identidades pessoais dos indivíduos eram formadas no contexto
da comunidade em que nasciam. Valores, estilos de vida e éticas
centrado no Estado; os governos estão sendo forçados a adotar
predominantes, nessa comunidade, forneciam diretrizes relati-
uma postura mais ativa e aberta ao exterior, que os leve à go-
vamente fixas, segundo as quais as pessoas viviam suas vidas.
vernança dentro das complexas condições da globalização (Ro-
Nas condições da globalização, no entanto, estamos dian-
senau , 1997).
te de um movimento rumo a um novo individualismo, no qual
Qual dessas visões está mais próxima da correção'? Muito
as pessoas devem ativamente se autoconstituir e construir suas
provavelmente a dos transformacionalistas. Os céticos estão er- próprias identidades. O peso da tradição e os valores estabele-
rados porque subestimam a intensidade da mudança no mundo cidos estão perdendo importância à medida que as comunida-
- os mercados financeiros mundiais, por exemplo, estão organi- des locais interagem com uma nova ordem global. Os "códi-
zados em escala global como nunca estiveram antes. Os hiper- gos sociais", que antes guiavam as escolhas e as atividades das
globalizadores, por outro lado, vêem demasiadamente a globa- pessoas, afrouxaram-se significativamente. Hoje, por exem-
lização como um fato econômico e como um processo de mão plo, o filho primogênito do alfaiate poderia escolher quantos
única. Na realidade, a globalização é muito mais complexa. caminhos desejasse para erigir seu futuro, as mulheres não es-
SOCIOLOGIA 69

Equilibrando família e trabalho


Quantas horas por semana seus pais despenderam em traba- horas de trabalho, incrementando assim os níveis de produ-
lho remunerado enquanto você crescia? Os compromissos tividade. Por que os empregados aceitariam de bom grado
deles com o trabalho afetaram a maneira como você e seus ir- despender tanto tempo no trabalho - muitas vezes bem mais
mãos foram criados? Como você pretende equilibrar interes- que 40 horas semanais - quando não são pagos por isso, e
ses profissionais e familiares no seu futuro ? Um dos modos estão cientes de que tal compromisso perturba sua vida em
pelos quais a globalização afetou a vida familiar na Grã-Bre- família, sobretudo numa época em que a informática aper-
tanha foi através do aumento cada vez maior do tempo de tra- feiçoou imensamente a eficiência no local de trabalho? Os
balho semanal . Empregados britânicos trabalham atualmente progressos tecnológicos não deveriam permitir que os traba-
mais horas do que a média de qualquer outra nação na Euro- lhadores ficassem mais e não menos tempo com suas famí-
pa. Até mesmo as férias são mais curtas do que há 20 anos. lias? A resposta de Hochschild a essa questão é que alguns
Mais significativo ainda é que a porcentagem de mulheres empregadores se valem do poder das normas do local de tra-
que estão trabalhando em tempo integral aumentou dramati- balho para obter de seus trabalhadores maior compromisso
camente desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Associa- de tempo. Novos empregados estão socializados numa cul-
dos, esses fatos sugerem que hoje os pais têm menos tempo tura corporativa na qual trabalhar longas horas é considera-
disponível para despender com seus filhos do que tinham em do sinal de dedicação e profissionalismo.
décadas passadas . Como conseqüência , tem havido um signi- Embora a globalização tenha atingido todas as nações
ficativo aumento na porcentagem de crianças inscritas em do mundo, seus efeitos no tempo de trabalho parecem variar
programas de cuidado infantil - e, alguns afirmariam, um au- conforme o país. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a
mento notável de tensão dentro das famílias, à medida que a tendência de trabalhar longas horas parece ainda estar ga-
função cotidiana dos pais é confiada a profissionais responsá- nhando força. Na França e Alemanha, ao contrário, os traba-
veis pela educação e pela criação de crianças. lhadores - às vezes agindo através de sindicatos, outras ve-
Em seu recente livro, The Time Bind (1997), a socióloga zes fazendo com que seu poder seja conhecido nas urnas -
norte-americana Arlie Hochschild sugere que essas mudan- têm rejeitado propostas corporativas por uma maior jornada
ças possam estar relacionadas à globalização . Alguns em- semanal de trabalho e, em vez disso, estão pressionando os
pregadores responderam às pressões da competição global, empregadores a reduzir a jornada semanal e a conceder
incentivando seus empregados assalariados a aumentar as férias mais longas.

tão mais restritas ao domínio doméstico, e muitas das outras "trabalhando" ou "no serviço", descobrindo que muitos aspec-
sinalizações que moldavam a vida das pessoas têm desapare- tos de nossa existência - de nossos amigos a nossas preferências
cido. As estruturas tradicionais de identidade estão dissolven- de lazer - são formados por nossos padrões de trabalho.
do-se e novos padrões de identidade estão surgindo. A globa- A globalização desencadeou profundas transformações no
lização está forçando as pessoas a viver de um modo mais mundo do trabalho, como veremos no Capítulo 13 ("Trabalho
aberto e reflexivo. Isso significa que estamos constantemente e Vida Econômica", p. 302). Novos padrões de comércio inter-
respondendo e nos ajustando às mudanças de ambiente ao nos- nacional e a mudança para uma economia de informação tive-
so redor; como indivíduos, evoluímos com e dentro de um ram um significativo impacto sobre os antigos padrões de em-
contexto mais amplo em que vivemos. Até as pequenas esco- prego. Muitas indústrias tradicionais tornaram-se obsoletas pe-
lhas que fazemos em nossas vidas cotidianas - o que vestimos, los novos avanços tecnológicos ou pela perda de sua parcela do
como gastamos nosso tempo de lazer, como cuidamos de nos- mercado para os concorrentes do exterior, cujos custos de tra-
sa saúde e de nossos corpos - são parte de um processo em balho são mais baixos que nos países industrializados. O co-
curso de criação e recriação de nossas auto-identidades. mércio global e as novas formas de tecnologia têm tido um for-
te efeito sobre as tradicionais comunidades manufatureiras, on-
de os trabalhadores industriais perderam o emprego e as capa-
Padrões de trabalho cidades técnicas necessárias para ingressar na nova economia
O trabalho está no centro da vida de muitas pessoas - tanto nu- da informação. A região industrial central da Inglaterra (Mi-
ma base cotidiana como em termos de metas maiores de vida. dlands) e as comunidades carvoeiras do País de Gales, por
Embora possamos considerar o trabalho como um "fardo coti- exemplo, enfrentam uma nova série de problemas sociais, in-
diano" ou um "mal necessário", é inegável que o trabalho é um cluindo o desemprego a longo prazo e o aumento das taxas de
elemento crucial em nossas vidas. Desperdiçamos muito tempo criminalidade, como resultados da globalização econômica.
70 ANTHONY GIDDENS

Cultura popular*
Os impactos culturais da globalização receberam muita aten-
ção. As imagens, as idéias, os bens e os estilos disseminam-se
hoje com muito mais rapidez pelo mundo do que anteriormen-
te. O comércio, as novas tecnologias de informação, a mídia in-
ternacional e a migração global contribuíram com o livre fluxo
da cultura através das fronteiras nacionais. Muitas pessoas
acreditam que vivemos hoje numa única ordem mundial de in-
formação - uma rede massiva global em que a informação é
partilhada rapidamente e em grandes volumes (ver Capítulo
15, "A mídia e as comunicações de massas"). Um simples
exemplo deve ilustrar claramente essa questão.
Você viu o filme 7ïtanic? É bem provável que sim. Estima-
se que centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo te-
nham visto Titanic tanto em cinemas como em videocassete. O
filme de 1997 que reconta a história de um jovem casal que se
apaixona a bordo de uni transatlântico fadado a afundar é um
dos filmes mais populares já produzidos. Titanic bateu todos os
recordes de bilheteria, totalizando mais de 1,8 bilhão de dóla-
res em rendimentos pelas exibições em 55 diferentes países.
"Eu adoraria convidar você para entrar, Howard, mas em Em muitos países, durante a estréia de Titanic, centenas de pes-
10 minutos o pregão começa em Hong Kong." soas fizeram fila por ingressos que se esgotaram em todas as
The New Yorker Collection , 1999, Lee Lorenz de cartoon- exibições. O filme tomou-se popular em todas as faixas etárias,
bank . com. Todos direitos reservados.
mais particularmente entre garotas adolescentes - muitas das
quais pagaram para assistir ao filme várias vezes. As estrelas de
Titanic, Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, viram suas carrei-
ras e futuros inteiramente transformados - passaram de atores
Se antigamente a vida de trabalho das pessoas era domi-
pouco conhecidos a celebridades globais. Titanic é um desses
nada pelo emprego garantido por apenas um empregador ao
produtos culturais que tiveram sucesso em atravessar fronteiras
longo de muitas décadas - o conhecido modelo do "emprego nacionais e em criar um verdadeiro fenômeno internacional.
para a vida inteira" -, hoje, um número maior de indivíduos
O que pode explicar a enorme popularidade de um filme
traça sua própria carreira, perseguindo metas individuais e
como Titanic? E o que o seu sucesso nos diz sobre a globaliza-
exercendo a escolha para sua realização. Muitas vezes, isso ção? A um primeiro nível, Titanic tomou-se popular por razões
envolve trocar de emprego várias vezes durante a carreira,
muito simples: combinava uma trama relativamente simples
constituindo novas capacidades e habilidades e transferindo-
(um romance com um pano de fundo trágico) com um evento
as aos diversos contextos de trabalho. Os modelos tradicionais histórico conhecido - o naufrágio, em 1912, do Titanic, no qual
de trabalho em tempo integral estão se transformando em for- mais de 1.6(X) pessoas morreram. O filme foi também ricamen-
mas mais flexíveis: trabalho em casa auxiliado por tecnologia te produzido, com grande atenção aos detalhes e incluiu efeitos
de informação, trabalho em equipe, projetos de consultoria de especiais de última geração.
curta duração, horário flexível de trabalho e assim por diante
Mas outra razão para a popularidade de Titcntic é que ele re-
(Beck, 1992). fletia uni conjunto particular de idéias e valores que repercutiu
As mulheres passaram a participar massivamente da força
junto às audiências do mundo inteiro. Um dos temas centrais do
de trabalho, um fato que afetou muito as vidas pessoais dos in-
filme é a possibilidade de o amor romântico prevalecer sobre as
divíduos de ambos os sexos. A expansão das oportunidades
diferenças de classe e as tradições familiares. Embora tais idéias
profissionais e educacionais conduziu muitas mulheres a adiar
o casamento e a maternidade para somente depois do início da
carreira. Essas mudanças também significam que muitas mu-
N. de R. T. Deve-se considerar uni contraste entre a cultura popular e a cul-
lheres trabalhadoras retornam ao trabalho logo após o nasci- tura de massa embora ambas terminem confluindo numa complementaçào.
mento dos filhos, em vez de permanecer em casa com as crian- A cultura popular é urna das fontes de urna "cultura nacional", mas não a
ças como antes. Essas mudanças impuseram consideráveis única, e assim compõe e não exclui a cultura pop ou de massa. A cultura
ajustes nas famílias, na natureza da divisão doméstica do traba- popular (a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos em fona
artística, como danças e objetos, ou nas crendices e costumes gerais`
lho, no papel dos homens na criação dos filhos, surgindo novas
abrange todas as verdades e os valores positivos, particularmente porque
políticas de trabalho, bem mais amigáveis às necessidades de
produzida por aqueles mesmos que a consomem, ao contrário do que ocorre
um novo tipo de família em que ambos, marido e mulher, tra- com a pnp (cf. Teixeira Coelho, O que é indústria cultural. São Paulo:
balham fora. Brasiliense, 1985)
SOCIOLOGIA 71

Para muitos, o fast food do McDonald's tornou- se um símbolo do novo "imperialismo cultural" que ameaça sufocar culturas
locais com poderosas marcas ocidentais.

sejam de modo geral aceitas na maioria dos países ocidentais, es- dades estabelecidas e os modos de vida fundados nas comunida-
tão ainda se firmando em muitas outras partes do inundo. O su- des e culturas locais estão reconfigurando novas formas de
cesso de um filme como 7itanic reflete a mudança de atitudes "identidade híbrida', compostas de elementos originários de
para com os relacionamentos pessoais e o casamento , por exem- fontes culturais contrastantes (S. Hall, 1992). Assim, um indiví-
plo, em lugares do mundo onde têm prevalecido valores mais duo negro, urbano, sul-africano pode hoje continuar a ser muito
tradicionais . É possível dizer, mesmo assim, que Ttanic, junta- influenciado pelas visões tradicionais e culturais de suas raízes
mente com outros filmes ocidentais, contribui para essa mudan- tribais. ao mesmo tempo que adota estilos e gostos cosmopolitas
ça dos valores . Filmes e programas de televisão feitos nos - no vestir, nas atividades de lazer, nos passatempos e assim por
moldes da cultura ocidental e que dominam a mídia global, ten- diante - que foram moldados por forças globalizantes.
dem a apresentar uni conjunto de pautas políticas, sociais e eco-
nômicas que reflete unia visão de mundo especificamente oci-
dental . Alguns se preocupam com o fato de que a globalização Globalização e risco
esteja conduzindo à criação de unia "cultura global " em que os
valores de maior poder e riqueza - como filmes produzidos em As conseqüências da globalização têm largo alcance, afetando
praticamente todos os aspectos do mundo social. Entretanto,
Hollywood - tenham uni efeito devastador sobre a força dos cos-
por ser a globalização uni processo aberto e internamente con-
tumes locais e da tradição . De acordo com essa visão , a globali-
traditório, ela produz resultados que são difíceis de prever e
zação é uma forma de "imperialismo cultural " em que os valo-
controlar. Outra maneira de pensar essa dinâmica é em termos
res, os estilos e as visões do mundo ocidental são difundidos de
de risco. Muitas das mudanças engendradas pela globalização
modo tão agressivo que sufocam culturas nacionais particulares.
nos são apresentadas com novas formas de risco que diferem
Outros, em contrapartida , relacionam os processos de globa-
muito daquelas que existiram em épocas passadas. Diversa-
lização a uma diferenciação crescente nas tradições e formas
mente dos riscos de outrora, que tinham causas estabelecidas e
culturais . A sociedade global , argumentam , caracteriza - se hoje
efeitos conhecidos, os riscos de hoje são incalculáveis na ori-
menos por uma homogeneidade cultural cto que por unia enorme
gem e indeterminados nas suas conseqüências.
diversidade de culturas que existem lado a lado . Tradições locais
estão acompanhadas por miríades de formas culturais adicionais
vindas do exterior, colocando as pessoas diante de uma gama A difusão do "risco produzido"
vertiginosa de estilos de vida passíveis de serem escolhidos. Es-
tamos testemunhando não una cultura global unificada, mas a Os humanos sempre tiveram de enfrentar riscos de algum ti-
fragmentação de formas culturais ( Baudrillard . 1988). As identi- po ou de outro, mas os riscos de hoje são qualitativamente di-
72 ANTHONY GIDDENS

Vírus eletrônicos
Em 4 de maio de 2000, o mundo eletrônico foi tragado quan- O "vírus do amor" foi um vírus de difusão particular-
do um vírus apelidado de "love bug" conseguiu sobrecarre- mente rápida, mas ele não é o primeiro desse tipo. Os vírus
gar os sistemas de computador do mundo inteiro. Lançado eletrônicos tomaram-se mais comuns - e mais perigosos -
de um computador pessoal em Manila, a capital das Filipi- à medida que os computadores e os meios eletrônicos de
nas, o "love bug" espalhou-se rapidamente através do globo comunicação cresceram em importância e sofisticação. Ví-
e forçou o fechamento de quase um décimo dos provedores rus como o "love bug" demonstram como o mundo interco-
mundiais de e-mail. O vírus foi mundialmente transmitido nectado tem se transformado com o avanço da globalização.
através de uma mensagem de e-mail com o assunto "I love Você poderia pensar que, neste particular exemplo, a inter-
you". Quando os destinatários abriam o arquivo que estava conectividade global provou ser uma coisa bem negativa,
anexado à mensagem, eles involuntariamente ativavam o ví- uma vez que um danoso vírus foi capaz de espalhar-se tão
rus em seus próprios computadores. O vírus do amor, então, rapidamente ao redor do globo. Entretanto, muitos aspectos
se duplicava e automaticamente se enviava a si mesmo a to- positivos da globalização também encontram reflexo neste
dos os endereços listados na agenda eletrônica, antes de ata- caso. Assim que o vírus foi detectado, especialistas em
car informações e arquivos armazenados no disco rígido do computadores e segurança do mundo todo trabalharam jun-
computador. O vírus espalhou-se para oeste à medida que os tos para prevenir sua disseminação, para proteger os siste-
funcionários, primeiramente na Ásia, depois na Europa e na mas de computador nacionais e compartilhar conhecimento
América do Norte, chegavam para trabalhar de manhã e sobre a origem do vírus. Embora a globalização traga con-
abriam sua correspondência eletrônica. Por volta do final do sigo riscos desconhecidos, ela também encoraja o uso de
dia, estimou-se que o "love bug" causara mais de 1 bilhão de novas tecnologias e novas formas de coordenação global no
libras em prejuízos no mundo inteiro. combate a tais riscos.

ferentes dos que existiram em épocas mais remotas. Até bem tais processos foi o início de uma destruição ambiental gene-
recentemente, as sociedades humanas eram ameaçadas por ralizada, cuja exata causa é indeterminada e cujas conseqüên-
riscos externos - perigos como secas, terremotos, escassez e cias são igualmente difíceis de calcular.
tempestades provenientes do mundo natural, que não tinham No mundo globalizado, somos confrontados com o risco
relação alguma com ações humanas. Hoje, porém, confronta- ecológico de diversas maneiras. A preocupação com o aqueci-
mo-nos cada vez mais com vários tipos de riscos produzidos mento global tem aumentado junto à comunidade científica
- riscos que são criados pelo impacto de nosso próprio conhe- nos últimos anos; aceita-se hoje, de modo geral, que a tempe-
cimento e da tecnologia sobre o mundo natural. Como vere- ratura da terra tem elevado-se devido ao aumento do volume de
mos, muitos riscos ambientais e de saúde enfrentados pelas gases prejudiciais na atmosfera. As potenciais conseqüências
sociedades contemporâneas são exemplos de riscos produzi- globais deste aquecimento global são devastadoras: se as calo-
dos - eles são o resultado de nossas próprias intervenções na tas polares continuarem a derreter como atualmente, o nível do
natureza. mar aumentará, podendo ameaçar as terras baixas e suas popu-
lações. As mudanças dos padrões climáticos têm sido citadas
Riscos ambientais como causas possíveis de graves inundações que atingiram par-
tes da China, em 1998, e Moçambique, em 2000 (ver quadro a
Uma das ilustrações mais claras de risco produzido pode ser seguir).
encontrada nas ameaças atualmente apresentadas pelo meio Por serem os riscos ambientais difusos em sua origem, não se
ambiente natural (ver Capítulo 19, "Crescimento Populacional sabe ao certo como devem ser enfrentados ou quem tem a respon-
e Crise Ecológica", p.478). Uma das conseqüências da acelera- sabilidade de agir em prol de uma solução. Um simples exemplo
ção industrial e do desenvolvimento tecnológico tem sido a demonstra porque isso é assim. Os cientistas descobriram que os
constante expansão da interferência humana na natureza. Há níveis de poluição química têm efeitos prejudiciais sobre certas
poucos aspectos do mundo natural que permanecem intocados colônias de pingüins antárticos. Mas é impossível identificar com
pelo homem - a urbanização, a produção e a poluição indus- precisão tanto as origens exatas da poluição quanto suas possíveis
triais, os projetos de agricultura em larga escala, a construção conseqüências para os pingüins no futuro. Neste exemplo - e em
de barragens e hidrelétricas e os programas de energia nuclear centenas de casos similares - é provável que ações efetivas não se-
são algumas das formas de impacto sobre os ambientes natu- jam tomadas para enfrentar o risco, porque a extensão da causa e
rais produzidas pelos seres humanos. 0 resultado coletivo de da conseqüência é desconhecida e indefinida.
SOCIOLOGIA 73

A mudança climática mundial


Independentemente da parte do mundo onde você mora, é Embora não se possa ter certeza, muitas pessoas acre-
muito provável que você tenha ouvido falar de algum padrão ditam que esses desastres naturais sejam causados em par-
climático atípico em anos recentes, tendo sido talvez direta- te pelo aquecimento global, o aquecimento da atmosfera
mente afetado por tais mudanças. Cientistas e especialistas terrestre. Se as emissões de dióxido de carbono que contri-
em desastres apontam que eventos climáticos "extremos", buem para o aquecimento global continuarem sem contro-
como altas temperaturas fora da estação, secas, inundações le, é provável que o clima da terra seja irreversivelmente
e ciclones, ocorrem com cada vez mais freqüência. Somente danificado. Quem é o culpado pelo aquecimento global e o
em 1998, por exemplo, 80 catástrofes naturais distintas fo- que pode ser feito para diminuir seu avanço? Como em
ram registradas em lugares diferentes do globo, incluindo muitos aspectos referentes ao mundo em mudança, os ris-
inundações devastadoras na China, furacões na América La- cos associados ao aquecimento da terra são experimenta-
tina, incêndios florestais na Indonésia e severas tempestades dos globalmente, e suas causas precisas são quase impossí-
de neve na América do Norte, Desde então, a seca assolou veis de serem determinadas. Na era da globalização, somos
regiões tão diversas quanto a Etiópia, o sul do Afeganistão e constantemente relembrados de nossa interdependência
o centro dos Estados Unidos; inundações devastaram a Ve- com os outros: as ações de indivíduos ou instituições em
nezuela e Moçambique, violentos tufões arrasaram partes da alguma parte do mundo podem ter - e efetivamente têm -
Europa e uma praga de gafanhotos enxameou as áreas remo- conseqüências significativas para as pessoas em todos os
tas da Austrália. lugares.

Riscos à saúde A Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida


popularmente como a "doença da vaca louca ", foi detectada
Na década passada, os perigos apresentados pelos riscos pro- pela primeira vez no rebanho britânico, em 1986 . Os cientistas
duzidos à saúde humana atraíram muita atenção. Na mídia e relacionaram a infecção à prática de criação do gado - normal-
nas campanhas de saúde pública, por exemplo, as pessoas mente animais herbívoros - com a ração contendo vestígios de
têm sido estimuladas a limitar sua exposição aos raios ultra- partes de outros animais. Após a deflagração, o governo reali-
violeta prejudiciais do sol e a usar protetor solar para preve-
zou ações para controlar a doença entre o gado , mas afirmou
nir queimaduras. Nos últimos anos, a exposição ao sol foi re-
que comer carne bovina era seguro e não apresentava perigo
lacionada ao elevado risco de câncer de pele em muitas partes
aos humanos. Somente em meados da década de 1990, admi-
do mundo. Acredita-se que isso possa estar relacionado à re-
tiu-se que várias mortes humanas causadas pela doença de
dução da camada de ozônio - a camada atmosférica da terra
Creutzfeld-Jakob, uma condição cerebral degenerativa, esta-
que normalmente filtra os raios ultravioleta. Devido ao eleva-
vam relacionadas ao consumo de carne de gado infectada. Mi-
do volume de emissões químicas que são produzidas pelas
lhares de animais britânicos foram mortos , e uma rigorosa le-
atividades humanas e pela indústria, a concentração de ozô-
gislação foi estabelecida para regular a criação de gado e a ven-
nio na atmosfera tem diminuído e, em alguns casos, surgiram
da de produtos de carne bovina.
"buracos" de ozônio.
Embora um grande número de pesquisas científicas tenha
Há muitos exemplos de riscos produzidos relacionados à
alimentação. As técnicas modernas de agropecuária e de pro- sido lançado para determinar os riscos da EEB aos humanos,
dução de alimentos foram drasticamente influenciadas pelos as descobertas permanecem inconclusas . Há um risco de que
avanços na ciência e na tecnologia. Por exemplo, os pesticidas indivíduos que consumiram carne de gado britânica em anos
e herbicidas químicos são amplamente usados na agricultura precedentes à descoberta da EEB talvez tenham sido expostos
comercial e muitos animais (como galinhas e porcos) são cria- à infecção. Em dezembro de 1999, o Comitê de Direção
dos com doses massivas de hormônios e antibióticos. Algumas Científica da União Européia declarou que "o nível de infec-
pessoas têm sugerido que essas técnicas agropecuárias com- ção para os humanos atualmente é desconhecido". Calcular
prometeriam a segurança alimentar e podem ter um efeito ad- os riscos humanos provenientes da EEB é um exemplo da
verso nos humanos. Nos últimos anos, duas controvérsias em complexidade da avaliação de risco no mundo contemporâ-
particular geraram ampla preocupação pública com a seguran- neo. É necessário saber se e quando o rebanho infectado par-
ça dos alimentos e com o risco produzido: o debate sobre ali- ticipava de uma certa cadeia alimentar e também conhecer o
mentos geneticamente modificados (tema discutido no Capítu- nível e a distribuição da infecção presente nos animais, a ma-
lo 19, "Crescimento Populacional e Crise Ecológica", p. 478) e neira pela qual a carne de gado foi processada e muitos outros
a "doença da vaca louca". detalhes. A imensa quantidade de fatores desconhecidos com-

U 11
5
74 ANTHONY GIDDENS

plicou a tarefa, tornando desafiadora qualquer análise precisa idade , classe, gênero ou status - foram expostos a perigosos ní-
dos riscos. veis de radiação . Ao mesmo tempo, os efeitos do acidente es-
tenderam- se muito além de Chernobyl - por toda a Europa e
além, detectaram-se níveis radioativos anormalmente elevados
A "sociedade de risco" global por muito tempo após a explosão.

O aquecimento global, a crise da EEB, o debate sobre os ali-


mentos geneticamente modificados e outros riscos produzidos
Globalização e desigualdade
fizeram os indivíduos se depararem com novas escolhas e de-
safios em suas vidas cotidianas. Por não haver um "mapa" pa- Beck e outros estudiosos chamaram atenção ao risco como
ra esses novos perigos, os indivíduos, os países e as organiza- uma das principais conseqüências da globalização e do avanço
ções transnacionais devem negociar riscos à medida que fazem tecnológico. As novas formas de risco apresentam desafios
escolhas sobre como a vida deve ser vivida. Por não haver res- complexos tanto para os indivíduos como para todas as socie-
postas definitivas às causas e às conseqüências de tais riscos, dades que são forçadas a navegar em águas desconhecidas. No
cada indivíduo é forçado a tomar decisões sobre quais riscos entanto, a globalização também está gerando outros desafios
está preparado a assumir. Isso pode significar um incrível es- importantes.
forço! Deveríamos usar alimentos e matérias-primas cuja pro- A globalização está procedendo de uma maneira irregu-
dução ou consumo possa ter um impacto negativo na nossa lar. Seu impacto é experienciado diferentemente, e algumas
saúde e no ambiente natural? Até mesmo decisões "simples" de suas conseqüências estão longe de ser benignas. Ao lado
como o que comer são agora feitas em um contexto de infor- desses problemas ecológicos crescentes, a expansão das desi-
mações e opiniões contraditórias sobre os relativos méritos e gualdades dentro e entre as sociedades é um dos mais sérios
desvantagens do produto. desafios com que se defronta o mundo no raiar do segundo
O sociólogo alemão Ulrich Beck (1992) que tem escrito milênio.
extensivamente sobre o risco e a globalização, analisa esses
riscos como contribuintes à formação da sociedade de risco
global. (Ver também Capítulo 21, "O Pensamento Teórico na Desigualdade e divisões globais
Sociologia", p. 527). Como a mudança tecnológica progride
de modo cada vez mais rápido e produz novas formas de risco, Como aprendemos em nossa discussão sobre os tipos de socie-
devemos constantemente responder e nos adaptar a essas mu- dade (Capítulo 2, "Cultura e Sociedade", p. 37), a vasta maio-
danças. A sociedade de risco, segundo ele, não está limitada ria da riqueza do mundo está concentrada em países industria-
somente aos riscos de saúde e ambientais - inclui toda uma sé- lizados ou "desenvolvidos", enquanto as nações do "mundo em
rie de mudanças inter-relacionadas dentro da vida social con- desenvolvimento" sofrem com a disseminação da pobreza e da
temporânea: mudanças nos modelos de emprego, aumento da superpopulação, com os inadequados sistemas educacionais e
insegurança no trabalho, declínio da influência da tradição e de saúde e com as dívidas externas debilitantes. A disparidade
do costume sobre a auto-identidade, o desgaste dos paradig- entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento
mas familiares tradicionais e a democratização dos relaciona- aumentou continuamente durante o século XX, e atualmente é
mentos pessoais. Por estar hoje o futuro das pessoas bem me- a maior que já houve.
nos "seguro" do que nas sociedades tradicionais, decisões de O Relatório de Desenvolvimento Humano, de 1999, publi-
todos os tipos apresentam riscos aos indivíduos. Casar-se, por cado pelas Nações Unidas, revelou que a renda média das 50
exemplo, significa hoje uma proeza muito mais arriscada do populações que vivem nos países mais ricos era 74 vezes maior
que quando o casamento era uma instituição para toda a vida. que a renda média das 50 que vivem nos países mais pobres.
As decisões sobre qualificações educacionais e carreira tam- No final da década de 1990, 20% da população mundial era
bém podem ser arriscadas - é difícil prever quais habilidades responsável por 86% do consumo total do mundo, 82% dos
serão valorizadas numa economia que muda tão rapidamente mercados exportadores e 74% das linhas telefônicas. As 200
como a nossa. pessoas mais ricas do mundo dobraram sua riqueza entre 1994
De acordo com Beck, um aspecto importante de uma tal e 1998; o patrimônio dos três principais bilionários do mundo
sociedade é que seus riscos não estão restritos espacial, tempo- excedeu ao produto interno bruto (PIB) combinado de todos os
ral ou socialmente (1995). Os riscos de hoje afetam todos os países menos desenvolvidos e das 600 milhões de pessoas que
países e todas as classes sociais. Suas conseqüências não são vivem neles (UNDP, 1999).
meramente pessoais, e sim globais. Muitas formas de risco Em muitos países em desenvolvimento, os níveis de cres-
produzido, tais como aquelas que dizem respeito à saúde hu- cimento econômico e de produção ao longo do século passado
mana e ao meio ambiente, cruzam as fronteiras nacionais. A não acompanharam a taxa de crescimento populacional, en-
explosão da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, quanto o nível de desenvolvimento econômico nos países in-
fornece uma clara ilustração deste ponto. Todos os que mora- dustrializados superou em muito essa taxa. Essas tendências
vam nas imediações de Chernobyl - independentemente de opostas têm levado a fortes disparidades entre os países mais
SOCIOLOGIA 75

ricos e os mais pobres. A distância entre esses países era de se graças ao crescimento das exportações acima de 5%. Outros
aproximadamente 3 para 1 em 1820, 11 para 1 em 1913, 35 pa- países, como a Rússia, a Venezuela e a Argélia, tiveram poucos
ra 1 em 1950 e 72 para 1 em 1992 (ver Figura 3.4). No século benefícios com a expansão do comércio e da globalização
passado, a renda per capita cresceu quase seis vezes entre os (UNDP, 1999). Dados do Banco Mundial apóiam esse quadro:
25% mais ricos, ao passo que, entre os 25% mais pobres, o dentre 93 nações em desenvolvimento, somente 23 podem di-
crescimento não chegou a três vezes. zer que estão em "rápida integração". Há o perigo de que mui-
A globalização parece estar exacerbando essas tendências tos dos países que mais necessitam de crescimento econômico
ao concentrar mais renda, riqueza e recursos em um pequeno sejam deixados ainda mais para atrás à medida que a globaliza-
núcleo de países (ver Figura 3.5). Como já vimos neste capítu- ção progride (Banco Mundial, 2000).
lo, a economia global está crescendo e se integrando extrema- O livre-comércio é visto por muitos como a chave para o
mente rápido e a expansão do comércio global foi central para desenvolvimento econômico e para a diminuição da pobreza.
esse processo - entre 1990 e 1997, o comércio internacional A Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo,
cresceu cerca de 6,5%. No entanto, somente um grupo de paí- trabalha para liberalizar regras de comércio e reduzir barrei-
ses desenvolvidos tem se beneficiado com esse crescimento e o ras comerciais entre os países. O livre-comércio através das
processo de integração da economia global tem sido desigual fronteiras é visto como uma proposição em que tanto os paí-
(ver Figura 3.6). Alguns países - tais como as economias do ses desenvolvidos como os em desenvolvimento saem ga-
Leste Asiático, do Chile, da índia e da Polônia - beneficiaram- nhando. Se as economias industrializadas são capazes de ex-

Divisão do PIB mundial


Mais ricos
20%

Medianos 3%
60%

Mais pobres
20% 1%

Divisão das exportações de bens e serviços

^ . Argentina

Figura 3 .5 Divisão dos mais ricos e mais pobres em


renda mundial, comércio, finanças e comunicações,
1997.
Figura 3 .4 O aumento do abismo entre países mais ri-
Fonte: UNDP, Human Development Report, Oxford University
cos e mais pobres entre 1820 e 1992.
Press, 1999, p. 2.
Fonte: UNDP, Human Development Report, Oxford University
Press, 1999, p. 38.
76 ANTHONY GIDDENS

EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS, taxa de crescimento, média anual , 1980-1996


14,

12
Bangladesh Paraguai
Botswana Nepal México
Jordânia
índia
8
Uganda Chile
Marrocos Costa Rica Polônia

Tunísia
4
- - Argélia
-0- Irã
Burkina 4- Guatemala
Fasso
o
- Nigéria

África Estados Ásia Leste Sudeste da


.
América Latina Leste Europeu
.- Bulgária
Subsaariana Árabes Meridional Asiático Ásia e Pacifico e Caribe e CEI

EXPORTAÇÕES DE MANUFATURADOS em porcentagem de exportações de mercado , média anual, 1990-1997


100

Coréia
Eslovênia
Bangladesh República
80 China W Cingapura
Dominicana Romênia
Tunlsia índia
Maurício Tailândia México
Sri Lanka Malásia Polônia
60

Marrocos Brasil
República
Africana
40 Central
Egito
f- Senegal
Federação
20 Russa

. - Moçambique Arábia ^-- Bolívia


Mongólia t Mianmar Venezuela
4- Camarões t- Saudita
f- Equador
Cont10 f- Argélia
0
África Estados Ásia Leste Sudeste da América Latina Leste europeu
Subsaariana Árabes Meridional asiático Ásia e Pacífico e Caribe e CEI

Figuras para Leste Europeu e CEI (antiga União Soviética ) são para os anos de 1980 a 1996-1997.

Figura 3 .6 Desigualdades no desempenho das exportações de várias regiões do mundo, 1980-1997.


Fonte: UNDP, Human Devetopment Report, Oxford University Press, 1999, p. 27.

portar seus produtos para mercados ao redor do mundo, tam- cos argumentam que o livre-comércio é antes um negócio uni-
bém se afirma que os países em desenvolvimento se benefi- lateral que beneficia aqueles que já são ricos, exacerbando mo-
ciarão ganhando acesso aos mercados mundiais. Isso irá me- delos existentes de pobreza e dependência nos países em de-
lhorar, por sua vez, suas perspectivas de integração na econo- senvolvimento. Recentemente, boa parte dessas críticas con-
mia global. centrou-se em torno das atividades e políticas da Organização
Mundial do Comércio (OMC)* que se encontra na vanguarda
dos esforços para expandir o comércio global.
A campanha por "justiça global"
* N. de R . T. Não obstante a influência dominante da OMC na regulamen-
Nem todos concordam que o livre-comércio é a solução para a
tação do comércio internacional , essa atuação repercute em organizações
pobreza e para a desigualdade global. Com efeito, muitos críti- regionais como a ALGA e o NAFTA para a América Latina.
SOCIOLOGIA 77

mas disputas internas entre os delegados também vieram à to-


na. Os protestos de Seattle foram anunciados como a mais sig-
nificativa vitória dos militantes em favor da "justiça global".
Mas qual é o sentido dessa campanha? Ela representa o sur-
gimento de um poderoso movimento antiglobalização, como al-
guns têm sugerido? Nos meses seguintes aos protestos de Seat-
tle, demonstrações similares foram realizadas em outras cidades
ao redor do mundo, como Londres e Washington DC. Esses
eventos foram muito menores do que aquele que se deu em
Seattle, mas estavam organizados em torno de temas semelhan-
tes. Os manifestantes afirmavam que o livre-comércio e a glo-
balização econômica levaram a concentrar mais riqueza nas
mãos de poucos, aumentando a pobreza para a maioria da popu-
lação mundial. Grande parte desses ativistas concorda que o co-
mércio global é necessário e potencialmente benéfico para as
economias nacionais, mas afirma que ele deve estar regulado
por regras diferentes daquelas adotadas pela OMC. Alegam que
as regras de comércio deveriam estar voltadas antes de tudo e,
sobretudo, à proteção dos direitos humanos, do meio ambiente,
dos direitos do trabalho e das economias locais - não a assegu-
rar lucros ainda maiores para corporações já enriquecidas.
Os manifestantes afirmam que a OMC é uma organização
antidemocrática dominada pelos interesses das nações mais ri-
cas - particularmente os Estados Unidos. Embora exista, den-
Manifestantes , numa campanha contra as barreiras, tre os membros da OMC, muitas nações em desenvolvimento,
uniram -se aos protestos de massa contra as políticas boa parte delas não tem virtualmente nenhuma influência prá-
da Organização Mundial do Comércio, durante a Roda- tica sobre as políticas da organização, pois a pauta é definida
da do Milênio , que discutiu as regras de mercado em
pelas nações mais ricas. O presidente do Banco Mundial assi-
Seattle, nos EUA.
nalou que 19 dos 42 estados africanos que são membros da
OMC têm pouca ou nenhuma representação na sua sede opera-
cional em Genebra (Banco Mundial, 2000). Tais desequilíbrios
Em dezembro de 1999, mais de 50 mil pessoas de todo o parecem ter conseqüências bastante reais. Um exemplo disso é
mundo tomaram as ruas de Seattle para protestar durante a cha- o fato de que a OMC, embora tenha insistido para que as na-
mada "Rodada do Milênio" de negociações de mercado, pro- ções em desenvolvimento abram seus mercados aos importa-
movida pela OMC. Por quatro dias, Seattle foi inundada por dos dos países industrializados, tem permitido aos países de-
coloridas demonstrações, apresentações de teatro de rua, atos senvolvidos manter elevadas barreiras a importados agrícolas
de desobediência civil, marchas, oficinas e discussões. Sindica- para proteger seus próprios setores agrícolas. Isso significa que
listas, ambientalistas, militantes dos direitos humanos, ativistas os países mais pobres, muitos dos quais são ainda predominan-
antinuclear, agricultores e representações de centenas de ONGs temente agrícolas, não podem ter acesso aos grandes mercados
locais e internacionais uniram forças para manifestar seu des- de produtos agrícolas nos países desenvolvidos.
contentamento com a OMC - uma organização que, para mui- Uma separação similar existe com respeito à proteção dos di-
tos, favorece imperativos econômicos em detrimento de outras reitos de propriedade intelectual - uma questão monitorada por
questões, como os direitos humanos, os direitos do trabalho, o um acordo multilateral da OMC chamado TRIPS (Trade-Related
meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Enquanto os Aspects of Intellectual Property Rights'). Os países industrializa-
protestos foram na sua maioria pacíficos, violentos choques dos possuem 97% de todas as patentes mundiais, enquanto o con-
ocorreram entre os manifestantes e a força policial local, que ceito de direitos de propriedade intelectual é estranho ao mundo
usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para controlar as em desenvolvimento. Tem havido um aumento significativo no
multidões que paralisaram o centro de Seattle. número de pedidos de patentes nas últimas duas décadas, à medi-
Os negociadores dos 134 países membros da OMC reuni- da que as companhias de biotecnologia e os institutos de pesquisa
ram-se para discutir e fechar acordos sobre medidas capazes de pressionam pelo controle e pela propriedade de formas cada vez
liberalizar as condições de comércio e investimento globais pa- mais numerosas de conhecimento. Muitas amostras de material
ra a agricultura e os produtos florestais, entre outras questões. vegetal, por exemplo, foram tiradas de áreas biodiversificadas, co-
Mas as conversações logo cessaram sem nenhum acordo. Os mo florestas tropicais, e convertidas em medicamentos lucrativos
organizadores dos protestos estavam triunfantes - não somen-
te as demonstrações lograram interromper as conversações, 1 Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio.
78 ANTHONY GIDDENS

e patenteados pelas companhias farmacêuticas. O conhecimento vestimento em "capital humano" - saúde pública, educação e
local sobre usos medicinais das plantas é freqüentemente usado treinamento. O principal desafio para o século XXI é assegurar
no desenvolvimento e na comercialização dos medicamentos, ain- que a globalização beneficie as pessoas em todos os lugares,
da que os indígenas da área não recebam nenhuma compensação não somente os que se encontram numa privilegiada posição.
por sua contribuição. Enquanto os países industrializados dentro
da OMC pressionam para fortalecer as leis da propriedade intelec-
tual, muitos, nos países em desenvolvimento, afirmam que essas Conclusão : a necessidade de uma
leis vão contra às necessidades de seus países. As agendas de pes- governança * global
quisa são ditadas por interesses de lucro, não por interesses huma-
nos, e valiosas formas de tecnologia podem se tornar inacessíveis À medida que a globalização progride, estruturas e modelos polí-
a países mais pobres que poderiam beneficiar-se de seu uso. ticos existentes revelam-se despreparados para gerenciar um mun-
Outra crítica à OMC é que ela opera em segredo e não le- do cheio de riscos, desigualdades e desafios que transcendem
va em conta os cidadãos que são diretamente afetados por suas fronteiras nacionais. Não está no poder dos governos individuais
decisões. Em muitos sentidos, essas críticas são válidas. As dis- controlar a disseminação da AIDS, conter os efeitos do aqueci-
putas comerciais entre membros da OMC estão sendo decidi- mento global ou regular mercados financeiros voláteis. Muitos
das a portas fechadas por um comitê inelegível de "peritos". processos que afetam a sociedade ao redor do mundo escapam ao
Quando uma decisão é transmitida, ela se toma legalmente controle dos atuais mecanismos governamentais. À luz desse "dé-
obrigatória para todos os estados-membros. A OMC também ficit" governamental, alguns reivindicam novas formas de gover-
pode desafiar ou cancelar leis de nações particulares que forem nança global capazes de enfrentar questões globais de um modo
consideradas "barreiras comerciais". Isso inclui leis nacionais global. Já que um número cada vez maior de desafios ocorre num
ou acordos bilaterais destinados a proteger o meio ambiente, nível que transcende os países individuais, afirma-se que as res-
preservar raros recursos, salvaguardar a saúde pública ou ga- postas a tais desafios devem possuir abrangência transnacional.
rantir padrões de trabalho e direitos humanos. Um exemplo é o Embora possa parecer irrealista falar de uma governança
fato de a OMC ter deliberado contra a União Européia, que se que transcende o nível de estado-nação, alguns passos já foram
recusou a importar carne norte-americana tratada com hormô- tomados em direção à criação de uma estrutura democrática
nio, em virtude de sua possível ligação com o câncer; a mesma global, como a formação das Nações Unidas e da União Euro-
OMC também desafiou uma lei aprovada no Estado norte-ame- péia. A UE, em particular, pode ser vista como uma resposta
ricano de Massachusetts, que proíbe companhias de investir em inovadora à globalização e poderia muito bem tornar-se um
Miammar (Burma) devido às violações dos direitos humanos. modelo para organizações semelhantes em outras partes do
Uma última preocupação compartilhada por muitos ativis- mundo, onde são fortes os laços regionais. Novas formas de
tas é a influência indevida exercida pelos Estados Unidos sobre governança global poderiam ajudar a promover uma ordem
as atividades da OMC e sobre outras corporações internacio- mundial cosmopolita, em que seriam estabelecidos e observa-
nais, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Interna- dos regras transparentes e padrões de comportamento interna-
cional (FMI). Nos anos seguintes ao colapso da União Soviéti- cional, tal como a defesa dos direitos humanos.
ca, os EUA foram descritos com freqüência como a única su- A década que se seguiu ao fim da Guerra Fria foi marcada
perpotência remanescente. De certo modo, isso é verdadeiro. por violência, conflitos internos e transformações caóticas em
Com seu irresistível poderio econômico, político e militar, os muitas partes do mundo. Enquanto alguns adotaram uma visão
Estados Unidos são capazes de influenciar debates e tomadas de pessimista, considerando a globalização como responsável pe-
decisões em muitas instituições internacionais. As "desigualda- la aceleração de crises e caos, outros viram nela uma grande
des" da globalização devem ser vistas em parte como uma refle- oportunidade de mobilizar as forças globalizantes em torno da
xão sobre o fato de que o poder político e econômico está con- busca de maior igualdade, democracia e prosperidade. A ten-
centrado nas mãos de um reduzido grupo de estados. dência a uma governança global e à formação de instituições
Os manifestantes contrários à OMC e a outras instituições regulatórias mais efetivas não é certamente inadequada numa
financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo época em que a interdependência global e a rápida mudança
Monetário Internacional, argumentam que a exuberância da in- conectam a nós todos como nunca antes. Não está fora do nos-
tegração econômica e do livre-comércio globais está forçando so alcance reafirmar nossa confiança no mundo social. Essa ta-
as pessoas a viverem mais em uma "economia" do que em uma refa, com efeito, parece ser a maior necessidade e o maior de-
"sociedade". Muitos estão convencidos de que essas mudanças safio enfrentados pelas sociedades no início do século XXI.
enfraquecerão ainda mais a posição econômica das sociedades
pobres ao permitirem às corporações transnacionais operarem
com pouca ou nenhuma segurança e sem regulações ambien- * N. de R. T. Governança: termo preferido à govemabilidade quando se tra-
ta, segundo a definição de J. Saint Geours, "de explorar o tratamento da
tais. Segundo eles, os interesses comerciais estão cada vez mais
complexidade em termos sistêmicos . A governança é basicamente um sis-
recebendo preferência à preocupação com o bem-estar humano. tema de organização , isto é, um campo de ação da inteligência ou que tem
Se convém evitar que as divisões globais se aprofundem ainda relação com a inteligência" (...) (Cf. Cleveland). Etimologicamente signifi-
mais, então é necessário, não somente nas nações em desenvol- ca a ciência de governar, a saber, "princípios e modos de comunicação e
vimento, mas também nas industrializadas, que se faça mais in- regulação do sistema da sociedade. (Cf. Dicionário de novos termos da
ciência e tecnologias . 2.ed. São Paulo: Pioneira , 1996. p.131.)
SOCIOLOGIA 79

Pontos Principais
1. Um dos fenômenos sociais de maior interesse para os so- nossos contextos locais e em nossas vidas íntimas através
ciólogos contemporâneos é a globalização - a intensifi- de fontes impessoais, como a mídia e a internet, e através
cação das relações sociais e da interdependência globais. de contatos pessoais com indivíduos de outros países e
A globalização refere-se ao fato de que vivemos cada vez culturas.
mais em um "mundo único", onde nossas ações têm con- 6. A globalização é um processo aberto e contraditório -
seqüências para os outros e os problemas do mundo têm produz resultados difíceis de controlar e prever. Ela nos
conseqüência para nós. A globalização está hoje afetan- introduz novas formas de risco que diferem daqueles que
do as vidas das pessoas em todos os países, ricos e po- existiram anteriormente. O risco externo se refere aos pe-
bres, alterando não apenas sistemas globais, mas a vida rigos que provêm do mundo natural, como os terremotos.
cotidiana. Já os riscos produzidos são aqueles criados pelo impacto
2. A globalização é freqüentemente retratada como um fe- do conhecimento humano e da tecnologia no mundo na-
nômeno econômico, mas essa visão é muito simplificada. tural. Alguns acreditam que estamos vivendo numa so-
Ela é produzida pela conjunção de fatores políticos, eco- ciedade de risco global, na qual todas as sociedades hu-
nômicos, culturais e sociais; progride, sobretudo, graças manas estão expostas a riscos (como o aquecimento glo-
aos avanços na informação e nas tecnologias da comuni- bal), produzidos pelas nossas próprias intervenções na
cação que intensificaram a velocidade e o alcance da inte- natureza.
ração entre as pessoas ao redor do mundo. 7. A globalização está progredindo rapidamente, mas de
3. Diversos fatores contribuem para o aumento da globaliza- modo desigual . Ela tem sido marcada por uma crescente
ção. Primeiro, o fim da Guerra Fria; o colapso do comu- disparidade entre os países mais ricos e mais pobres. A ri-
nismo de estilo soviético e o crescimento de formas inter- queza, a renda, os recursos e o consumo estão concentra-
nacionais e regionais de governança aproximaram os paí- dos nas sociedades desenvolvidas , enquanto muitos paí-
ses. Segundo, a difusão da tecnologia da informação faci- ses em desenvolvimento lutam contra a pobreza, a desnu-
litou o fluxo de informação ao redor do globo e encorajou trição , a doença e a dívida externa . Muitos dos países que
as pessoas a adotarem uma perspectiva global. Terceiro, mais necessitam dos benefícios econômicos da globaliza-
as corporações transnacionais cresceram em tamanho e ção estão em perigo de serem marginalizados.
influência, construindo redes de produção e consumo que 8. As barreiras ao comércio internacional têm sido regular-
atravessam o globo e ligam os mercados econômicos. mente reduzidas nas últimas décadas, e muitos acreditam
4. A globalização tornou-se um assunto calorosamente deba- que o livre-comércio e os mercados abertos permitirão
tido. Os "céticos" acreditam que a idéia da globalização aos países em desenvolvimento integrarem -se mais ple-
está superestimada e que os níveis atuais de interconecti- namente na economia global . Os oponentes a essa abor-
vidade possuem precedentes. Alguns céticos, por outro la- dagem argumentam que os organismos de comércio in-
do, concentram-se em processos de regionalização que es- ternacional , tais como a Organização Mundial do Co-
tão intensificando a atividade nos principais grupos co- mércio, estão dominados pelos interesses dos países
merciais e financeiros. Os "hiperglobalizadores" assumem mais ricos e ignoram as necessidades do mundo em de-
uma posição oposta, argumentando que a globalização é senvolvimento . Eles afirmam que as regras de comércio
um fenômeno real e poderoso, que ameaça desgastar de devem, primeiro e principalmente , proteger os direitos
todo o papel dos governos nacionais. Um terceiro grupo, humanos, os direitos do trabalho , o meio ambiente e as
os transformacionalistas, acredita que a globalização está economias nacionais , em vez de assegurar grandes lucros
transformando muitos aspectos da atual ordem global - in- para as corporações.
cluindo relações econômicas, políticas e sociais -, mas 9. A globalização produz riscos , desafios e desigualdades
que antigos modelos ainda permanecem. De acordo com que atravessam as fronteiras nacionais e escapam ao al-
essa visão, a globalização é um processo contraditório, cance das estruturas políticas existentes . Por estarem os
que envolve um fluxo multidirecional de influências que, governos individuais despreparados para controlar essas
às vezes, funcionam em oposição uma a outra. questões transnacionais, há a necessidade de novas for-
5. A globalização não está restrita a sistemas globais abran- mas de governo global que possam enfrentar os proble-
gentes. Seu impacto é sentido nas nossas vidas pessoais e mas globais de uma forma global. Reafirmar nossa vonta-
no modo como pensamos de nós mesmos e nossas cone- de neste processo mundial de rápida mudança pode ser o
xões com os outros. As forças globalizantes penetram em maior desafio do século XXI.
80 ANTHONY GIDDENS

Questões para Reflexão


1. Como a globalização pode ser também um fenômeno local? 5. As corporações transnacionais estão realmente mais po-
2. A globalização causou a queda do comunismo? derosas do que os governos?
3. A "macdonaldização" é uma dimensão fundamentalmen- 6. Por que cada vez mais falamos de riscos como "riscos
te econômica, cultural ou política da globalização? produzidos"?
4. Com o senso crescente de individualismo, estamos livres
para sermos quem desejamos ou já perdemos a capacida-
de de escolher?

Leitura Complementar
DICKEN , Peter. Global Shift: Transforming the World Eco- ROBERTS , J. Timmons and HITE, Amy (eds.). From Moder-
nomv. New York: Guilford Press, 1998. nization to Globalization: Perspectives on Development and
GRAY, John. False Dawn: The Delusions of Global Capita- Social Change. Oxford: Blackwell, 1999.
lism. London: Granta Books, 1998. VANDERSLUIS, Sarah Owen and YEROS, Paris (eds.). Po-
HELD , David; McGREW, Anthony; GOLDBLATT, David verty in World Politics: Whose Global Era? Basingstoke: Mac-
and PERRATON, Jonathan (eds.). Global Transformations. millan, 1999.
Cambridge: Polity, 1999.
LECHNER , Frank J. and BOLI, John (eds.). The globaliza-
tion Reader. Oxford: Blackwell, 2000.

Endereços na Internet
Centre for Analysis of Risk and Regulation (Centro de Análi- One World International Foundation
ses de Risco e Regulação) http ://www.oneworld .net/campaigns
http :llwww.lse.ac.uk/Depts/carr Tradewatch
Economic Policy Institute (on trade) (Instituto de Política http:/lww w.tradewatch.org
Econômica para o Comércio) World Bank
http://epinet. org/subjectpages/trade.html http:l/www.worldbank.org/
Globalization Resource World Trade Organization
http ://www.polity.co.uk/global http://www.wto.org/
International Forum on Globalization
http ://www.ifg.org

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