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RESUMO
O objetivo deste artigo é oferecer uma visão panorâmica da fé reformada
na busca de uma identificação mais precisa dessa tradição. Ainda que alguns
tópicos aqui discutidos mereçam análises particulares, o propósito deste estudo
é estabelecer o mapa geral para que se encontre mais facilmente o ponto especí-
fico a ser cuidadosamente investigado. Desta forma, busca-se corrigir algumas
concepções genéricas e distorcidas sobre o tema. O artigo está dividido em
três seções básicas. Primeiramente, são analisados os aspectos históricos; em
seguida, os princípios doutrinários e, por último, a perspectiva cultural da fé
reformada. Ainda que limitados, esses tópicos parecem oferecer uma estrutura
básica do sistema em questão.
PALAVRAS-CHAVE
Teologia; Fé reformada; Calvinismo; História; Doutrina; Reforma; Cos-
movisão reformada.
INTRODUÇÃO
A conhecida revista americana Christianity Today trouxe, como artigo
de capa em sua edição de setembro de 2006, uma reportagem sobre o ressur-
gimento do interesse pela teologia reformada nos Estados Unidos.1 Segundo o
articulista, esse fenômeno tem atingido especialmente os jovens que “rejeitam
* O autor é ministro presbiteriano, pastor da Igreja Evangélica Suíça de São Paulo e professor de
teologia pastoral e sistemática no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
1 Neste artigo, os termos “teologia refomada”, “fé reformada” e “calvinismo” serão usados in-
distintamente.
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2 HANSEN, Collin. Young, restless, Reformed: Calvinism is making a comeback and shaking
up the church. Christianity Today (Setembro 2006), p. 33.
3 Ibid., p. 34.
4 Apud HANSEN, Young, restless, Reformed, p. 37.
5 News and comments. The Banner of Truth (Janeiro 2006), p. 13.
6 Ibid., p. 16.
7 Cf. Reformation Zambia: a Zambian Reformed Baptist periodical (Maio-Agosto 2006).
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8 CHANTRY, Walter J. “Sort of” Reformed. The Banner of Truth (Novembro 2006), p. 29.
9 Ibid., p. 30.
10PHILLIPS, Richard D. Covenant confusion. Palestra proferida na Conferência de Teologia Re-
formada, em Filadélfia (Março-Abril 2004). Disponível em: www.fpcjackson.org/resources/apologetics.
Acesso em: 1o nov. 2006.
11 COPPES, Leonard J. Are five points enough? Ten points of Calvinism. Virginia: Reformational
Educational Foundation, 1980, p. viii-x.
12 Algo minucioso pode ser encontrado na vasta literatura sobre o assunto. Cf. McNEILL, John T.
The history and character of Calvinism. Londres: Oxford University Press, 1973; MEETER, H. Henry.
The basic ideas of Calvinism. Grand Rapids: Kregel Publications, 1990; McKIM, Donald K. (org).
Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1999; LEITH, John. Introduction to
the Reformed tradition. Atlanta: John Knox Press, 1981; OSTERHAVEN, M. Eugene. The spirit of the
Reformed tradition. Grand Rapids: Eerdmans, 1971; HAGOPIAN, David G. (org.). Back to the basics:
rediscovering the richness of the Reformed faith. New Jersey: Presbyterian & Reformed, 1996.
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1. ASPECTOS HISTÓRICOS
Normalmente o teólogo reformado reivindicará o próprio período bíblico
para a origem histórica de sua fé. A tendência de submeter a reflexão teológica
à autoridade das Escrituas faz com que os reformados definam a essência de
sua crença não como uma elaboração teológica diferente, mas como a própria
expressão do ensino bíblico. Certamente era essa a razão pela qual Jonathan
Edwards, o teólogo reformado mais influente do século 18, não se sentia
confortável com o rótulo de “calvinista”, mas preferia ser conhecido como
um cristão bíblico.14 Outros se uniram a ele defendendo que o calvinismo é a
expressão plena e mais pura da fé cristã.15 O holandês Abraham Kuyper, em
suas famosas palestras sobre o calvinismo, lembrou que “Calvino não foi o
autor desse sistema, mas Deus”, e que, por essa razão, “o calvinismo nunca
queimou seu incenso sobre o altar de gênios, não tem erguido monumentos a
seus heróis e raramente os chama pelo nome”.16 Logo, aqueles que compar-
tilham a fé reformada apelam, com frequência, às Escrituras como a fonte
última de sua teologia.
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17Tanto Lutero quanto Zuínglio concordavam que o pão da Ceia era um símbolo do corpo de Cristo.
Todavia, para Lutero, aquilo que o pão significava estava presente “em, com e sob” o próprio símbolo
(consubstanciação). Zuínglio e outros reformadores defenderam a presença real e espiritual de Cristo na
Ceia, mas insistiram em que o símbolo e a coisa simbolizada estavam separados. Cf. OSTERHAVEN,
M. Eugene. Apêndice. The spirit of the Reformed faith, p. 171-176; GEORGE, Timothy. Teologia dos
refomadores. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 144-158.
18 Ibid., p. 148.
19 Ibid., p. 166.
20 HODGES, Louis Igou. Reformed theology today. Georgia: Brentwood Christian Press, 1995,
p.10.
21 McNEILL, The history and character of Calvinism, p. 3-89.
22 MEETER, The basic ideas of Calvinism, p. 15.
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26Cf. HALL, Basil. Calvin against the Calvinists. Em: DUFFIELD, G. E. (org.). John Calvin.
Appleford: Sutton Courtenay Press, 1966, p. 19-37; KENDALL, R. T. Calvin and English Calvinism to
1649. Nova York: Oxford University Press, 1979.
27 LEITH, Reformed theology, p. 367.
28Cf. McFETRIDGE, N. S. Calvinism in history. Canada: Still Waters Revival Books, 1989
(reimpressão); LEITH, John H. A tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 35-62.
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29 MATOS, Alderi S. Jonathan Edwards: teólogo do coração e do intelecto. Fides Reformata III:1
(Janeiro-Junho 1998), p. 72-87.
30 PACKER, J. I. Entre gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São José dos Campos,
SP: Editora Fiel, 1996, p. 336.
31 LLOYD-JONES, D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: PES, 1993,
p. 360-361.
32 HANSEN, Young, restless, reformed, p. 33.
33 Cf. MACHEN, J. Greshan. Cristianismo e liberalismo. São Paulo: Os Puritanos, 2001.
34
Cf. MARSDEN, G. M. Fundamentalism. Em: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F.;
PACKER, J. I. (orgs.). New dictionary of theology. Downers Grove: InterVarsity Press, 1988, p. 266-
268.
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35LEITH, Reformed theology, p. 368; GOUVÊA, Ricardo Q. Barth no Brasil – até que enfim!
Ultimato n. 283 (Julho-Agosto 2003) e Prefácio de BARTH, Karl. Fé em busca de compreensão. São
Paulo: Novo Século. 2000, p. 7.
36 Cf. FERREIRA, Franklin. Karl Barth: uma introdução à sua carreira e aos principais temas de
sua teologia. Fides Reformata, vol. VIII-1 (Janeiro-Junho 2003), p. 29-62.
37 Cf. MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte. São Paulo: Edições Paulinas,
1980, p. 23-41.
38 MACHEN, Cristianismo e liberalismo.
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39 VAN TIL, Cornelius. The defense of the faith. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed,
1967.
40 CHANTRY, “Sort of” Reformed, p. 29.
41 Cf. SELPH, Robert B. Os batistas e a doutrina da eleição. São José dos Campos, SP: Editora
Fiel, 1990.
42 CHANTRY, “Sort of” Reformed, p. 29.
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2. PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS
Uma das áreas de grande confusão em relação à fé reformada é a doutri-
nária. Devido à abrangência e unidade desse sistema, muitos tendem a focalizar
algumas características como representativas do todo. Isso pode ser observado
na obra de Loraine Boettner, que identificou os cinco pontos soteriológicos
do calvinismo como expressão de toda a fé reformada.43 Semelhantemente,
Felix B. Gear resumiu a fé reformada aos ensinos presbiterianos, inclusive
o sistema de governo eclesiástico.44 Em sua obra On Being Reformed [“Ser
Reformado”], I. John Hesselink distingue doze erros comuns com respeito à
teologia reformada, que incluem assuntos relacionados à forma de governo,
questões litúrgicas, posições exageradamente negativas sobre o ser humano e
muitas outras interpretações parciais.45 Uma notável tentativa de se apresentar
a perspectiva reformada sob uma ótica mais precisa pode ser encontrada no
livreto O que é a Fé Reformada?46
Talvez nenhuma confusão nesse sentido seja tão comum quanto aquela que
limita a fé reformada à doutrina da predestinação. Ao contrário do que tem sido
alegado por alguns, Calvino não foi o inventor dessa doutrina e suas contribui-
ções pessoais à reflexão teológica não residem nesta área, mas em outros tópicos
como a doutrina da Trindade, o triplo ofício de Cristo, a ética cristã e a doutrina
do Espírito Santo.47 No que diz respeito à predestinação, Calvino apenas deu
continuidade aos ensinos de Paulo, Agostinho e Lutero. Na verdade, Lutero
costumava descrever a predestinação como “aquela horrenda vontade oculta
de Deus que, de acordo com o seu próprio conselho, ordena que as pessoas que
ele deseja participem e recebam da sua misericórdia pregada e oferecida”.48
A razão pela qual Calvino expôs cuidadosamente a doutrina da presdestinação
foi a sua pespectiva sobre a soberania de Deus, a qual ele extraiu das próprias
Escrituras.49 Como Philip E. Hughes afirmou corretamente, “mais do que qualquer
outra doutrina das Escrituras, a doutrina da eleição garante a absoluta prioridade
da graça de Deus. A própria eleição é a soberania de Deus em termos da graça”.50
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51 Cf. KUYPER, Abraham. Calvinism. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 51-68.
52 SPROUL, R. C. Grace unknown: the heart of Reformed theology. Grand Rapids: Baker Books,
1977, p. 10.
53 MEETER, The basic ideas of Calvinism, p. 17. Cf. COPPES, Are the five points enough?, p.
15-21; DE WITT, JOHNSON e PORTELA, O que é a fé reformada?, p. 16-18.
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57 Ele é conhecido como “formal” por ser formativo, ou seja, determinativo para o conteúdo
doutrinário da igreja. O princípio material é o da justificação pela fé (sola gratia e sola fide).
58 Cf. WARFIELD, B. B. The inspiration and authority of the Bible. Samuel G. Craig (org.). Fila-
délfia: Presbyterian and Reformed, 1948; DE WITT, JOHNSON e PORTELA, O que é a fé reformada?,
p. 11-16.
59 CALVINO, João. Institutes of the Christian religion. John T. McNeill (org.). Filadélfia:
Westminster, 1960, I.vii.4-5. Cf. Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã. 1994,
I.v: “... contudo, a nossa autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e
com a Palavra, testifica em nossos corações”.
60 CALVINO, Institutes, I.vii.4.
61 BONAR, Horatius. Catechism of the Scottish reformation. Londres: James Nisbet, 1866, p.
xiv-xv.
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67 Cf. JOHNSON, Terry. A doutrina da graça na vida prática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001,
p. 13.
68 GIRARDEAU, John L. Calvinism and evangelical Arminianism: compared as to election,
reprobation, justification, and related doctrines. Virginia: Sprinkle Publications, 1984 (reimpressão),
p. 224-225 e 230-239; MURRAY, John. The imputation of Adam’s sin. New Jersey: Presbyterian and
Reformed, 1959 (reimpressão).
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Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito, para ser o Rei, Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de
todas as coisas e o Juiz do mundo; e deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo
para ser sua semente, e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado,
justificado, santificado e glórificado.71
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figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós,
diante de Deus” (Hb 9.24). Após a sua morte, nenhuma dívida permanece para
ser paga por seus discípulos. Conseqüentemente, essa verdade desmantela a
superstição católico-romana do purgatório, pois se o sacrifício de Cristo foi
suficiente, não há necessidade de que a pessoa vá para um local indeterminado
após a sua morte para pagar o restante de sua dívida com Deus. Além do mais,
essa doutrina resgata o verdadeiro valor das boas obras na vida do cristão. Os
reformados não pregam nenhuma forma de licenciosidade ou libertinagem, mas
ensinam que as boas obras devem ser praticadas como expressão da gratidão
cristã pela salvação obtida em Cristo Jesus.72 Assim, esse ensino não destrói a
importância das boas obras, mas as coloca no devido lugar, ou seja, na posição
em que a Bíblia as classifica.
72 Catecismo de Heidelberg. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, perguntas e respostas 86 e 87.
73 Cf. HESSELINK, On being Reformed, p. 31-38.
74 BOETTNER, The Reformed faith.
75Cf. SPENCER, Duane E. Tulip: os cinco pontos do calvinismo à luz das Escrituras. São Paulo:
Edições Parakletos, 2000; PALMER, Edwin. The five points of Calvinism. Grand Rapids: Baker, 1980;
Cf. DE WITT, John R. O Sínodo de Dort. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/calvinismo/
dort_witt.htm. Acesso em: 13 nov. 2006; STEELE, David e THOMAS, Curtis C. The five points of
Calvinism – defined, defended, documented. Trad. João Alves do Santos. Disponível em: http://www.
monergismo.com/textos/calvinismo/oscincopontos.htm. Acesso em: 13 nov. 2006.
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é dever de cada um ser diligente em tornar certas sua vocação e eleição, a fim
de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, dilatado em paz e
deleite, em amor e gratidão para com Deus, no vigor e elegria, nos deveres da
obediência, que são os frutos próprios dessa segurança.79
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Contudo, para que isso seja uma realidade, o pregador deve zelar por pregar
todo o conselho de Deus. Nessa perspectiva, o Deus trino deve ser apresentado
como o autor e a fonte máxima das missões (missio Dei); o conteúdo da evangeliza-
ção é a própria obra de Cristo (as boas-novas) e o propósito é a glória do soberano
80 WARNECK, Gustav. Outline of a history of Protestant missions. Nova York: Fleming H. Revell,
1901, p. 9; HOGG, William R. The rise of the Protestant missionary concern, 1517-1914. Em: ANDER-
SON, G. H. (org.). The theology of the Christian mission. Nova York: McGraw Hill, 1961, p. 95.
81 Cf. SCHALKWIJK, Frans Leonard. O Brasil na correspondência de Calvino. Fides Reformata
9/1 (2004), p. 101-128; BARRO, Antônio Carlos. A consciência missionária de João Calvino. Fides
Reformata 3/1 (1998), p. 38-49.
82 CALVINO, Institutes, II.xx.42.
83 Confissão de Fé de Westminster, XIV.i.
84 PACKER, Evangelism and the sovereignty of God, p. 38.
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85 ALLEINE, Joseph. Um guia seguro para o céu. São Paulo: PES, 1987, p. 22 e 20.
86 KUIPER, R. B. Evangelização teocêntrica. São Paulo: PES, 1976.
87 Los Cánones de Dort. Países Baixos: FELIRE, 1982, II.v.
88 Confissão de Fé de Westminster, VII.iii.
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graciosa oferta do evangelho, eles não estão alegando incoerência nas Escritu-
ras, mas apenas reconhecendo as limitações do entendimento humano. Como
corretamente expressou John Murray, a doutrina da eleição não anula a oferta
universal do evangelho.89
Finalmente, os motivos para a evangelização, segundo a interpretação
reformada, são basicamente três. Em primeiro, o amor a Deus e o zelo pela
sua glória. Os calvinistas entendem que a pregação do evangelho anuncia a
glória de Deus a outras pessoas, capacitando-as a adorar a Deus e a cumprir
o propósito último de sua existência, ou seja, glorificar a Deus e desfrutá-lo
eternamente. Em segundo lugar, a obediência ao mandamento de Cristo e ao seu
desejo de que todos ouçam a mensagem do evangelho (cf. Mt 28.18-20). Em
terceiro lugar, há o amor pelo próximo, o qual surge de um coração renovado
e grato a Deus. Esse amor inclui o desejo de que outros sejam alcançados pela
mensagem poderosa do evangelho, que transforma e salva vidas.90
Ao se concluir esta seção doutrinária percebe-se que a tradição reformada
é orientada teologicamente. Como afirmou o historiador alemão Karl Holl,
“os calvinistas sabem não somente em que eles crêm, mas também por que
eles crêm”.91 Contudo, o propósito do interesse calvinista pela doutrina não é
apenas especulativo, mas acima de tudo prático, pois segundo essa tradição o
amor pela verdade motiva a santidade.
3. PERSPECTIVA CULTURAL
Certamente a prática da fé cristã não pode ser desassociada do ambiente
cultural no qual os cristãos estão inseridos. Semelhantemente, a comunica-
ção do evangelho não ocorre sem se considerar a cultura humana de onde
ela procede ou à qual ela se destina.92 Dessa forma, o relacionamento entre o
cristianismo e a cultura sempre foi objeto de estudo e debate na tradição refor-
mada.93 De forma geral, porém, os calvinistas têm insistido que as bases para
89 MURRAY, John. Collected writings of John Murray. Pennsylvania: Banner of Truth. Vol. 1,
1976, p. 132.
90 PACKER, Evangelism and the sovereignty of God, p. 75-82.
91 Apud HESSELINK, On being Reformed, p. 106.
92
Lausanne Committee for World Evangelization. The Willowbank Report: gospel and culture.
Lausanne Occasional Papers, 1978, p. 5.
93 Cf. WARFIELD, B. B. Christianity and our times. Disponível em: http://homepage.mac.com/
shanerosenthal/reformationink/bbwourtimes.htm. Acesso em: 13 nov. 2006; FRAME, John M. Christianity
and culture. Disponível em: http://thirdmill.org/files/english/hall_of_frame/Frame.Apologetics2004.Chris-
tandCulture.pdf. Acesso em: 14 nov. 2006; JONES, Peter. The Gnostic empire strikes back. Phillipsburg:
Presbyterian and Reformed, 1992; MACHEN, John G. Christianity and culture. Disponível em: www.
marshillaudio.org/pdf/documents/ChristianityCulture.asp. Acesso em: 13 nov. 2006; SCHAEFFER, F. A.
Manifesto cristão. Brasília: Refúgio Editora, 1985, e Morte na cidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2003;
VAN TIL, Henry R. The Calvinistic concept of culture. Grand Rapids: Baker, 2001.
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tal relacionamento devem estar ancoradas sobre princípios bíblicos, sobre uma
referência histórica coerente e sobre alguns aspectos da consistência lógica e
da prudência cristã.
Devido à complexidade do conceito,94 deve-se evitar qualquer confusão
entre criação e cultura. Criação é aquilo que Deus fez, cultura é aquilo que
ele ordenou que os seres humanos fizessem. Dessa forma, a distinção entre as
obras do Criador e da criatura é especialmente enfatizada pela teologia refor-
mada.95 O sol, a lua, as estrelas e os próprios seres humanos são criaturas de
Deus, obras de suas mãos. Os costumes, usos, linguagem, sistemas de idéias e
outras contribuições dessa natureza são produtos do esforço humano em obe-
diência à ordem divina. Logo, o interesse da teologia reformada pela cultura
está intimamente conectado à sua perspectiva do mandato cultural, ou seja, a
ordenança divina para que o ser humano exercite o governo sobre o cosmos em
submissão à vontade de Deus (Gn 1.28).96 Esse mandato define o objetivo da
vida humana sobre a face da terra, ou seja, fazer tudo em obediência a Deus.
Ainda é significativo observar que, mesmo que a presença do pecado no mundo
tenha dificultado o seu cumprimento (pois o homem passou a ser desobediente
ao Criador), o mandato cutural não foi ab-rogado com a queda, pois Deus o
reafirmou no tempo de Noé (Gn 9.7). Dessa forma, a fé reformada manifesta
um zelo especial no sentido de que o padrão cultural que mantém as pessoas
unidas e integradas seja exercido sob a direção divina.
Além do mais, qualquer estudo cuidadoso da teologia reformada logo
perceberá que essa perspectiva é mais do que um ramo teológico: ela é, de fato,
um sistema abrangente de vida, uma cosmovisão. A reflexão teológica é apenas
um aspecto dessa cosmovisão, que inclui concepções sobre política, sociedade,
artes e outras áreas da vida humana.97 Aliás, esse foi o enfoque adotado por
Abraham Kuyper em suas famosas palestras sobre o calvinismo aos estudantes
do Seminário Teológico de Princeton, em 1898, pois ele partiu do pressuposto
de que o calvinismo “é muito mais extenso do que a interpretação confessional
limitada nos levaria a supor”.98 Desta forma, Hesselink parece correto ao afirmar
que “o calvinismo nunca pode ser acusado de possuir um Deus que é muito
pequeno ou uma visão da realidade que seja muito estreita”.99 Além do mais,
94 Etimologicamente, o termo cultura (lat. colere) significa “cultivar” ou “instruir”, mas o conceito
é tão complexo que praticamente cada antropólogo cultural terá a sua própria definição. Cf. MALINO-
WSKI, B. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 43.
95 LEITH, A tradição reformada, p. 160-161.
96 VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 90.
97
Cf. PLANTINGA, JR., Cornelius. Engaging God’s world. Grand Rapids: Eerdmans, 2002;
KENNEDY, James e NEWCOMBE, Jerry. Lord of all. Wheaton, IL: Crossway Books, 2005.
98 KUYPER, Calvinismo, p. 24.
99 HESSELINK, On being Reformed, p. 108.
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CONCLUSÃO
Ao se concluir este artigo há que se destacar que a fé reformada apresenta
vários aspectos positivos acerca dos quais os calvinistas podem se alegrar.
Certamente ela é uma maravilhosa redescoberta para muitos cristãos, pois em
seu objetivo maior ela dirige o indivíduo para as páginas das Escrituras, onde
se encontra alicerçada. Todavia, a sua profundidade e abrangência representam
um enorme desafio para aqueles que desejam não apenas o título, mas também
o conhecimento da essência dessa cosmovisão. Esse desafio implica contínua
reflexão e submissão à Palavra de Deus a fim de que a ortodoxia esteja sempre
aliada à ortopraxia.
Na introdução de seu ensaio sobre a necessidade da fé reformada, Terry
L. Johnson argumenta:
O antigo evangelho está morto. Os liberais o substituíram por uma visão mun-
danizada e politizada. Estas não são novidades recentes. Estão fazendo isto
por muitas décadas. A coisa mais surpreendente é como podem, até mesmo os
evangélicos conservadores, trocar o Evangelho real por uma mensagem de auto-
ajuda e auto-realização. Os temas como pecado e salvação foram substituídos
por assuntos mais em voga e na moda, emprestados da psicologia moderna...
Perdemos o rumo do caminho, em nossos dias, e creio que são os distintivos da
Fé Reformada que apontarão o caminho de volta para a igreja.107
ABSTRACT
The purpose of this article is to provide an overview of the Reformed
faith in order to reach a more precise definition of it. Though some topics will
147
KEYWORDS
Theology; Reformed faith; Calvinism; History; Doctrine; Reformation;
Reformed worldview.
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