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Edu Lobo e Carlos Lyra: O Nacional e o Popular na

Canção de Protesto (Os Anos 60)

Arnaldo Daraya Contier


FFLCH-USP

RESUMO
Trata-se de um estudo sobre as possíveis conexões entre a canção de protesto
(Edu Lobo, Carlos Lyra) e os discursos do CPC durante os anos 60. As criações
artísticas são analisadas com vistas a captar os vínculos entre o nacional-popular
na canção brasileira e o impressionismo (C. Debussy), o cool-jazz (Miles Davis),
Rodgers and Hart, Heitor Villa-Lobos (modernismo), Waldemar Henrique.
Palavras-chave: música de protesto, nacional-popular, linguagem.

ABSTRACT
This is a study if the possible connections between the protest song (Edu Lobo,
Carlos Lyra) and the CPC discourses in the 1960s. The artistics creations are
analysed with a view to pointing out the ties between the national-popular in
Brazilian song and the impressionism (C. Debussy), the cool-jazz (Miles Davis),
Rodgers and Hart, Heitor Villa-Lobos (modernism), Waldemar Henrique.
Key words: protest song, national popular, language.

"Quem me dera agora/


Eu tivesse a viola pra cantar."
(Ponteio. Edu Lobo/Capinam)

"Pobre samba meu /


Foi-se misturando, se
modernizando/
E se perdeu/
E o rebolado, cadê?
Não tem mais.../"
(Influência do jazz. Carlos Lyra)

A CANÇÃO DE PROTESTO: ALGUMAS REFLEXÕES

O surgimento de novos mitos da música popular, presos a uma explicitação mais


política de suas linguagens -poética e musical -, favoreceu a ampliação de um
mercado consumidor desse imaginário. Muitos dos artistas envolvidos com a canção
participante, tais como Carlos Lyra, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré,
César Roldão Vieira, inspiraram-se em algumas idéias divulgadas pelos Centros
Populares de Cultura, pelo Teatro de Arena pelos debates promovidos pela UNE nas
Universidades.

Muitos desses artistas envolveram-se, em determinadas fases de suas carreiras,


com projetos culturais inspirados na função social e política da música, ora
participando de shows para estudantes universitários promovidos pela UNE; ora
escrevendo trilhas sonoras para peças de teatro - Edu Lobo - Berço do Herói, de
Dias Gomes ou Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri; ou Carlos Lyra - A
mais valia vai acabar, seu Edgar (Oduvaldo Vianna Filho); Pobre menina
rica (Vinicius de Moraes) ou Gimba (G. Guarnieri), ora inscrevendo-se nos Festivais
da Música e da Canção patrocinados pelas emissoras de televisão dessa época:
Excelsior (Arrastão Edu Lobo), Record (Ponteio e Memórias de Marta Saré, Edu
Lobo); ora seus textos eram incluídos em shows como o Opinião(escrito por
Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa, Paulo Pontes, 1964-1965),
como Borandá, Chegança, de Edu Lobo; ou Marcha da quarta-feira de
Cinzas ou Missa Agrária de Carlos Lyra.

A chamada canção de protesto, escrita por dezenas de compositores durante os


anos 60, num primeiro momento, representava uma possível intervenção política
do artista na realidade social do país, contribuindo assim para a transformação
desta numa sociedade mais justa. Edu Lobo, Carlos Lyra, imbuídos desse
imaginário político, aproximaram-se de arranjadores (maestros), de intérpretes, de
intelectuais (ligados aos CPCs, ISEB ou Departamentos de Sociologia das
Universidades), de instrumentistas, almejando induzir, implícita ou explicitamente,
através de suas canções (formas, instrumentos ou ritmos sacralizados como
representações de uma memória genuinamente brasileira ou nacional: violão,
frevo, urucungo, moda-viola) algumas práticas revolucionárias, a partir de suas
mensagens.

Paradoxalmente, a partir do levantamento de críticas de jornais e revistas dos anos


60, de posturas ideológico-políticas diversas - Opinião, Movimento, O Estado de S.
Paulo, revista O Cruzeiro, jornal O Globo - devido à natureza essencialmente
polissêmica do signo musical, o nacional-popular na música era re-
inventadopoliticamente, sob ângulos diversos: a) folclore + ufanismo + brasilidade;
b) brasilidade + folclore + realismo socialista; c) brasilidade + patriotismo +
folclore + populismo conservador; d) brasilidade + folclore + populismo de direita;
e) modernismo nacionalista + Mário de Andrade + populismo de esquerda. Assim,
os 95% dos telespectadores que sintonizaram a TV Record na finalíssima do
3o Festival da Música Popular Brasileira (1967, Ponteio, de Edu Lobo/ Capinam,
classificada em 1o lugar), diluíam-se nessas tendências estético-políticas, tendo
como ponto nodal a brasilidade como a representação dos anseios nacionais e
populares. O sentido alegórico do texto de Capinam - Ponteio era lido como o dia
que virá por facções dos movimentos de esquerda, mas também a relação
texto/som poderia representar a moda-de-viola, a música do Sul de Minas, uma
outra idéia de Brasil.

O matiz ideológico que representava a brasilidade (moda-de-viola; ritmos


sincopados) e o seu conteúdo político atingiam um segmento do público sintonizado
com essa proposta política: estudantes universitários, profissionais liberais dos
grandes centros urbanos. Outros textos, não explicitamente políticos,
excessivamente metafóricos, atingiam todos os tipos de público, incluindo setores
mais conservadores da sociedade.

O emprego de certas estratégias técnico-poéticas por centenas de compositores


sacralizou Arrastão e Upa Neguinho como os modelos a serem seguidos e
imitados2. E, com a ideologização do signo musical, muitos compositores foram
sacralizando normas, critérios de suas escrituras, que se transfiguraram num
modelo dogmático, válido e inquestionável estética e politicamente. Por essa razão,
muitos críticos, historiadores, envolvidos com essa verdade, passaram a censurar
ou patrulhar tendências que não se harmonizavam com essa leitura da História do
Brasil3. E, assim, consciente ou inconscientemente, foram construindo uma nova
memória sobre a cultura, de um lado, o mundo rural (sertanejo, retirante, moda-
de-viola, frevo, baião, embolada, bumba-meu-boi), e, de outro, o
mundo urbano representado pelo morro (samba, pandeiro, ritmo sincopado).

Na realidade, essas canções de protesto apresentavam um forte apelo emotivo-


romântico, criando uma certa ambigüidade entre a proposta marxista, o positivismo
e o romantismo: a exaltação do negro (Zumbi ou do jangadeiro ou do violeiro) ou
a simplificação estética de canções lidas como moda-de-viola, contrariando, por
exemplo, a escritura de Edu Lobo em seu excelente Ponteio.

Os temas amorosos, de colorações românticas e presentes nas canções


bossanovistas - Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra,
Sérgio Ricardo - transfiguraram-se na canção de combate social - Edu Lobo,
Vinicius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri, Capinam, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo -
em novos temas amorosos, que substituíram a exaltação da mulher, da paisagem
carioca pelo enaltecimento afetivo do povo brasileiro. Neste caso, a criação de
novos mitos harmonizava-se com esse imaginário...

E, paralelamente, as práticas musicais de Edu Lobo e Carlos Lyra internalizaram,


consciente ou inconscientemente, determinadas re-leituras sobre uma possível
revolução social no Brasil ou o surgimento de uma determinada fase ou etapa da
História (conforme o marxismo-leninismo), de movimentos capazes de transformar
a sociedade. O projeto cultural voltado para a nacionalização das artes
acabou influenciandoindiretamente esses músicos... Por essa razão, muitos textos
escritos por Gianfrancesco Guarnieri, Capinam, Ruy Guerra, Oduvaldo Vianna Filho,
Vinicius de Moraes, Cacaso, Chico Buarque de Holanda e sonorizados por Edu Lobo
e Carlos Lyra, prendiam-se a essa idéia de evolução ou de progresso consoante
uma concepção teleológica da História. O dia que virá prendia-se a essa concepção
ou interpretação da Revolução Russa de 1917 e da Revolução burguesa no Brasil.
Em muitos momentos, os textos das canções transformaram-se em verdadeiros
manifestos políticos, como o Beto, bom de bola, de Sérgio Ricardo - uma virulenta
crítica à empresa futebolística (canção desclassificada no Festival da Record em
1967)4.

As canções de Edu Lobo e Carlos Lyra inspiraram-se, consciente ou


inconscientemente, nos programas do Centro Popular de Cultura do Rio de Janeiro
ou do Centro de Dramaturgia do Teatro de Arena de São Paulo ou nos critérios de
Mário de Andrade esboçados n'O Ensaio sobre a música brasileira (1928) ou, ainda,
na Bossa Nova5 e no cool-jazz.

Constatam-se n contradições entre as escutas musicais ligadas a uma memória de


cada compositor - Edu Lobo e Carlos Lyra - e as suas escutas ideológicas, oriundas
dos discursos verbalizados sobre os temas da revolução, da liberdade ou
de História divulgados por intelectuais não-músicos. E, além disso, as contradições
entre os discursos musicais ligados à canção participante e a ideologização dos
signos sonoros pelos críticos ou públicosou pelos formadores de opinião.

O estudo de um corpus restrito - as canções de Edu Lobo e de Carlos Lyra (1963-


68) - favorece a discussão sobre o projeto da canção participante como
uma experiência aflorada numa teia complexa de contradições político-ideológicas e
estéticas. Em linhas gerais, a canção de protesto aflorou como uma tensão entre
o mundo do artesanato (produção individual) e a indústria cultural (momento de
sua absorção por segmentos do mercado consumidor de discos); ou entre o
discurso da dominação (censura + Estado autoritário, que procurava eliminar do
mercado canções consideradas subversivas - temas políticos ou amorosos/ sexuais)
e o discurso sacralizado por setores das esquerdas, em seu matiz ufanista ou de
exaltação da canção participante ou entre os partidários de um sectarismo preso à
Bossa Nova ou o Tropicalismo, como modelos ligados à modernidade musical.

As análises marcadamente dicotômicas realizadas pelos agentes contemporâneos


ora presos ao autoritarismo da ditadura instaurada em 1964 pelos ideólogos do
nacional e do popular na cultura de inspiração cepecista; ora pelos simpatizantes da
chamada modernidade musical (internacionalismo cultural), podem ser repensadas
através de ligações entre som/ texto, indicando, através dos parceiros de Edu Lobo
e de Carlos Lyra, alguns matizes político-estéticos; ora presos à dramaturgia do
Teatro de Arena (inspirados em Bertolt Brecht) - Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo
Vianna Filho; ora às concepções neo-realistas do cinema de Nélson Pereira dos
Santos (samba + morro como o novo lugar da História - Rio 40 Graus, 1955 - "Eu
sou o Samba", Zé Ketti; ou Rio, Zona Norte, 1956 - "Malvadeza Durão", Zé Ketti);
ora às visões sobre a cultura popular dos produtores dos programas de televisão
(Álvaro Moya - TV Excelsior; Walter Silva e Nílton Travesso - TV Record); ora a
membros do júri ligados às concepções cepecistas - Sérgio Cabral, Chico de Assis;
ora a questões técnico-estéticas mais rigorosas, como Júlio Medaglia; ora pelos
intérpretes dessas canções, que valorizaram os seus aspectos teatrais ou
cinematográficos (gestos, gritos, risos), que desconheciam a
relação otimismo, idealismo, grandiloqüência, como traços do jdanovismo...

Os diálogos musicais estabelecidos por Edu Lobo e Carlos Lyra entre a Bossa Nova,
o modernismo nacionalista, o cool-jazz relativizaram as oposições estabelecidas
pelos seus partidários e não-simpatizantes: jazz versus samba;
violão versus guitarra elétrica; acordes consonantes versus acordes de nona;
artesanato versus indústria cultural; compositor-militante versus artista alienado;
música +" raízes" brasileiras versus música norte-americana...

CARLOS LYRA, EDU LOBO E O CENTRO POPULAR DE CULTURA DO


RIO DE JANEIRO

A História do Brasil era interpretada pelo PCB, nos inícios dos anos 60, consoante
uma análise marcadamente economicista. Em linhas gerais, essa interpretação
incidia, de um lado, no debate sobre o capitalismo dependente, cuja tendência
dominante atrelava-se a gigantescos monopólios e oligopólios presos ao capital
financeiro de origem norte-americana, notadamente; e, de outro, na discussão
sobre a concentração fundiária ligada às elites empresárias brasileiras.

Os músicos ligados à canção participante, nas entrelinhas dos seus discursos


verbalizados, procuravam explicar esse momento histórico como uma aliança
harmônica entre a presença do capitalismo norte-americano no Brasil e a
concentração de terras nas mãos dos latifundiários. Para os militantes e os
simpatizantes do PCB, os anos 1960-64, em especial, simbolizavam o
aprofundamento de uma crise estrutural da sociedade brasileira. Essa criseera
explicada, de um lado, pela contradição da fusão de forças produtivas nacionais,
em busca de novas formas de desenvolvimento ou de progresso, em oposição aos
obstáculos impostos pela economia capitalista internacional; e, de outro, pelas
forças sociais defensoras da preservação de estruturas arcaicas e apoiadas por
forças do chamado imperialismo internacional.
De acordo com essa concepção de História, os militantes do PCB identificaram a
existência de uma burguesia progressista e nacionalista nos grandes centros
urbanos - São Paulo, Rio de Janeiro - e de uma
burguesia entreguista e conservadora, favorável à preservação das grandes
propriedades rurais concentradas nas mãos de uma pequena elite senhorial.

Os músicos, de um lado, assimilaram essa escuta verbalizada sobre uma


interpretação econômica e política da História do Brasil, porém, de outro lado,
devido à inexistência de um programa do PCB voltado para as artes, em geral, e a
música, em particular, e fundamentalmente em função de suas escutas dos
sons internacionais e nacionais, procuraram se aproximar dos projetos culturais
definidos pelos ideólogos dos CPCs ou dos dramaturgos do Teatro de Arena de São
Paulo.

A herança dessa memória musical, muito diversificada - samba-canção, bolero,


rumba, mambo, rock, marchinha carnavalesca, baião, frevo - e rica, sob o ponto de
vista da linguagem musical (C. Debussy, Cole Porter, Miles Davis, G. Gershwin 6,
Jerome Kern, Rodgers and Hart, Villa-Lobos, Tom Jobim, Frank Sinatra, Dick
Farney, Luís Gonzaga), não se pode ajustar a uma possível adaptação do
jdanovismo ou do realismo socialista debatido na URSS sob o governo de Stalin
(anos 30 e 40)7. Num primeiro momento, a aproximação de Carlos Lyra com os
dramaturgos, diretores do Teatro de Arena de São Paulo, a partir de 1960 - Chico
de Assis, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho - e, num segundo, de Edu
Lobo (1964-1965) com G. Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho ou escritores do Rio de
Janeiro, como Dias Gomes, Ferreira Gullar, Paulo Pontes, favoreceu uma possível
criação de um projeto musical/ cultural compatível com as práticas desses artistas,
que vinham se opondo à presença da dramaturgia internacional muito encenada no
Teatro Brasileiro de Comédia durante os anos 50: Goldoni, Pirandello, Ibsen, ou dos
melodramas chamados pelos críticos da época de europeus e produzidos pela
Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1950-1954).

Alguns ideólogos do ISEB, autores dos Cadernos do Povo ou militantes do PCB


construíram um imaginário calcado numa conjuntura social e política - fins dos anos
50 - extremamente favorável a uma possível tomada do Poder pelas forças de
oposição. No período de 1961 a 1964, muitos artistas

(...) saíram pelo país afora numa louquíssima mambembice revolucionária nunca vista na história das
esquerdas próximas do poder. O povo olhava embasbacado aquela multidão de jovens que lhes ensinavam
coisas de dedo em riste, lhes faziam equações, empurrões, gritos de estímulo, ei! sus! querendo transformar os
operários e camponeses em revoadas de torsos heróicos (...). Nunca se acreditou tanto na arte como força
política, no mundo8.

Essa concepção da História internalizou-se em alguns compositores Edu Lobo, Zé


Ketti, Sérgio Ricardo, Carlos Lyra ou dramaturgos, como Oduvaldo Vianna Filho,
através da mitificação dos chamados novos lugares da memória: o morro (favela +
miséria + periferia dos grandes centros urbanos industrializados) e
o sertão(populações famintas, manipuladas pelo imaginário conservador, o
messianismo religioso - catolicismo + culturas afro-brasileiras - e o mandonismo
político local - coronelismo).

As denúncias sociais tornaram-se temas das canções de protesto. Era preciso


conscientizar o povo brasileiro, em geral, através de críticas contundentes sobre a
situação do favelado e do sertanejo. Em algumas canções de Edu Lobo, como por
exemplo Repente (em parceria com Capinam): "Nem o rato, Nem o gato/ Nem a
patativa do Norte/ Só o ato/ Só a vida/ É mais ativa que a morte", ou Upa
neguinho: "Upa Neguinho na estrada/ Upa, prá lá e prá cá/ Virge, que coisa mais
linda/ Upa, Neguinho começando a andar/ (...)/ Começando a andar(...)/ E já
começa a apanhar/ (...) Valentia, posso emprestar/ Mas liberdade só posso
esperar/ ou de Carlos Lyra (Maria do Maranhão)", pode-se notar traços moldados
num pragmatismo ou num didatismo, que provocava nos ouvintes dos programas
de televisão ou nos públicos de teatro (Arena conta Zumbi, peça de Guarnieri/ Edu
Lobo, encenada pelo Arena em 1965) uma possível euforia ou doutrinação política,
almejando-se criticar o populismo de direita, por exemplo.

Muitos compositores-intérpretes, influenciados pelos mais diversos gêneros


musicais, aglutinaram-se em torno de Carlos Lyra, um dos mais apaixonados
militantes do Centro Popular de Cultura, fundado no Rio de Janeiro, em 1961-1962,
junto à sede da União Nacional dos Estudantes, em Botafogo. Num primeiro
momento, alguns intérpretes e compositores ligados à Bossa Nova, como Nara
Leão, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, abandonaram esses lugares
intimistas (boates, inferninhos de Copacabana) e transferiram-se para os novos
espaços: teatros, praças públicas, auditórios de Faculdades, para divulgar as
canções politicamente engajadas ou inspiradas no Anteprojeto cultural redigido por
Carlos Estevan Martins.

Na fase inicial do movimento cepecista, Carlos Lyra e Edu Lobo empolgaram-se


com a nova proposta pedagógico-política e revolucionária defendida pelos ideólogos
do CPC (Oduvaldo Vianna Filho, Chico de Assis, Armando Costa, Paulo Pontes,
Ferreira Gullar) e escreveram canções de matizes técnico-ideológicos muito
genéricos, procurando resolver conforme as suas concepções de mundo e da arte,
as n contradições entre o projeto estético (musical) e o ideológico.

O Centro Popular de Cultura, fundado no Rio de Janeiro por Oduvaldo Vianna Filho,
Ferreira Gullar, visava a aproximar o teatro de um público mais amplo, através da
representação de espetáculos (peças, shows) em novos espaços.

Carlos Estevan Martins, sociólogo, membro do ISEB, redigiu o primeiro


texto teórico do Centro Popular de Cultura, em 1961-1962. Posteriormente,
esse Manifesto tornou-se o discurso oficial de um projeto programático sobre o
nacional e o popular na cultura, sob a óptica do marxismo. Em linhas gerais, Carlos
Estevan Martins, em seu Manifesto, defendia uma arte revolucionária destinada à
conscientização política das massas. Criticava concepções estético-formalistas
defendidas por alguns artistas ligados às mais diversas manifestações artísticas
(cinema, música, teatro, literatura, pintura). Em oposição à concepção formalista,
C. E. Martins alertava os novos produtores de cultura sobre a importância da
integração social e política do artista no âmbito de uma determinada comunidade.
Sob essa perspectiva, o artista deveria participar "(...) como um a mais das
limitações e dos ideais comuns, de responsabilidades e dos esforços comuns, das
derrotas e das conquistas comuns"9.

Paralelamente, criticava, com virulência, o artista despolitizado, alienado,


romântico, totalmente alheio em face dos problemas sociais
e concretos vivenciados pelos homens em realidades históricas cronologicamente
determinadas. A interpretação musical desse texto genérico escrito por C. E.
Martins, aproximava-se de algumas teses defendidas por Jdanov no II Congresso
de Praga, em 1948: a arte como reflexo das relações sociais de produção e um
determinado estágio da evolução econômica de uma Nação. De acordo com esse
programa, os artistas deveriam refletir sobre as bases econômicas da sociedade
brasileira, em 1961-1962. Num de seus artigos, Ferreira Gullar exteriorizava algo
semelhante a essa concepção:

(...) o escritor, o cineasta, o estudante, o profissional liberal redescobrem-se como cidadãos diretamente
responsáveis, como os demais trabalhadores, pela sociedade que ajudam a construir10.
De acordo com esse programa, o artista deveria assumir o papel de um militante
político, capaz de interferir na História através de suas armas espirituais, em prol
da libertação material e cultural do nosso povo11. E, paralelamente, preconizava
a autonomia da obra de arte como algo equivalente a um discurso que anunciava,
com antecedência, transformações sociais a serem implantadas, futuramente, pela
revolução social. Em contrapartida, o artista despolitizado, defensor da arte pela
arte, transformava-se numa presa fácil ou numa vítima dócil ou, ainda,
num instrumento da classe dominante, em função da produção de obras
sintonizadas com o status quo, ou antipopulares.

Além disso, os ideólogos do CPC admitiam a possibilidade de um


artista reacionário ou alienado modificar o seu comportamento, graças à sua
conscientização política sobre o ideal de arte revolucionária e:

(...) a existência do artista de esquerda dentro da sociedade de classes é possível pela simples razão que
nenhuma formação sócio-econômica pode ser inteiriça e isenta das contradições pelas quais coexistem sempre
duas sociedades dentro de uma sociedade: a velha em fase de declínio e a extensão da nova em fase de
surgimento e expansão. Em nosso país, as contradições cada vez mais agudas entre as forças produtivas em
avanço e as relações de produção em atraso, entre as classes se apropriando do trabalho alheio, entre a nação
despertando para a conquista de seu futuro histórico e o imperialismo desejando para si o império da história,
são contradições que não podem deixar de se refletir em cada um dos aspectos da vida nacional12.

E, paralelamente, admitia:

(...) em nosso país não há nada mais fácil do que descobrir a presença ativa do novo. Ele encontra-se a cada
momento operando transformações de todas as ordens em todos os níveis da realidade nacional. Os que não o
encontram e por isso se perdem na angústia e na importância sem remédio são os artistas e intelectuais que se
recusam a compreender que o novo é o próprio povo e que há o novo onde está o povo e só onde está o
povo13.

Neste Manifesto, C. E. Martins substituiu a luta de classes pela noção de" povo",
elegendo o artista-militante como o porta-voz do novo. De acordo com esse
programa cultural, C. E. Martins dividiu os intelectuais-artistas em três tipos: 1º)
os conformistas (agentes da ideologia da dominação); 2º)
os inconformistas (agentes que se autoproclamavam neutros ou independentes em
face dos grupos sociais dominantes ou dominados); neste caso,
a neutralidade representava uma atitude epidérmica, não colocando em xeque os
segmentos dominantes da sociedade; 3º) os partidários de uma atitude
revolucionária conseqüente.

O terceiro tipo de intelectual tornou-se o paradigma a ser alcançado pelo músico.


Por esse motivo, Edu Lobo e Carlos Lyra, presos à tradição da música popular
brasileira - samba-canção e samba bossanovista - procuravam, agora, harmonizar
os seus discursos musicais com o pensamento e a prática em face dos "(...)
imperativos próprios à consciência da classe oprimida"14.

A canção de protesto aflorou nessa conjuntura histórica interpretada


pelos cientistas sociais, Carlos Estevan Martins, por exemplo, como
uma conjuntura marcada por uma lei objetiva da História, ou seja, em 1961-1962,
as massas haviam-se transformado numa nova categoria teórica: agora, o povo
brasileiro desempenhava um novo papel definido, com rigor, pela realidade político-
cultural. Essa nova conjuntura, fundamentada numa concepção evolutiva e
teleológica da História - povo + progresso + revolução social - favoreceu a criação
do Centro Popular de Cultura devido à consolidação de formas de arregimentação
política das massas em sindicatos, associações nacionais, entidades profissionais;
diretórios estudantis; partidos políticos de esquerda, ligas, frentes, "(...) que
centralizavam e dirigiam unificadamente a ação ascensional das massas"15.
E, a partir da construção de uma nova memória histórica, C. E.
Martins justificou historicamente uma verdadesobre o nacional e o popular na
cultura brasileira. Numa primeira etapa, os artistas transfiguraram-se em soldados
do povo, de acordo com as idéias de Jdanov:

(...) os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu
exército no front cultural. É esta opção fundamental que produz no espírito dos artistas e intelectuais que ainda
não a fizeram alguns equívocos e incompreensíveis quanto ao valor que atribuímos à liberdade individual no
processo de criação artística e quanto à nossa concepção de essência da arte em geral e da arte popular em
particular16.

E, paralelamente, C. E. Martins chamava a atenção para que os decodificadores das


mensagens culturais cepecistas não deveriam inserir-se num conceito de povo visto
como uma categoria totalizante:

(...) o povo não é uma entidade homogênea em sua composição, uma vez que dela faz parte não apenas a
classe revolucionária, mas também outras classes e estratos sociais os mais diversos17.

A inter-relação artista cepecista e povo incidia, de um lado, na classe


revolucionária em seu espírito, e, de outro, na classe revolucionária propriamente
dita: "(...) de fato sua obrigação é muito mais ampla, pois o artista deve dirigir-se a
todo o povo"18.

Para os ideólogos dos CPCs, a arte brasileira subdividia-se em três categorias


fundamentais: a) arte do povo - representativa de toda a produção cultural de
comunidades "(...) economicamente atrasadas, no meio rural ou em áreas urbanas
que ainda não atingiram as formas de vida que acompanham a industrialização" 19.
Neste caso, devido ao caráter anônimo e coletivo dessa produção, implicava uma
não-diferenciação entre o artista e a massa consumidora. Esse tipo de manifestação
prendia-se, por exemplo, à divulgação da música folclórica, defendida por Mário de
Andrade ou Luís da Câmara Cascudo; b) arte popular: obras criadas
sob encomenda por profissionais almejando o consumo das massas populares dos
centros urbanos; c) arte popular revolucionária: caracterizava-se pelo seu
conceito radical no campo da política, almejando induzir o povo na busca da "(...)
posse de si mesmo e adquirir a condição de seu próprio drama"20.

Não resta dúvida que, se nos mantivermos no plano do juízo estético puro e simples, jamais abarcaremos a
complexidade desse fenômeno cultural em curso hoje no Brasil. É preciso não esquecer, como dissemos antes,
que se trata da dramática tomada de consciência, por parte dos intelectuais, do caráter histórico, contingente,
de sua atividade e do rompimento da parede que pretendia isolar os problemas culturais dos demais problemas
do país. O escritor, o cineasta, o pintor, o professor, o estudante, o profissional liberal redescobrem-se como
cidadãos diretamente responsáveis, como os demais trabalhadores, pela sociedade que ajudam a construir
diariamente, e sobre cujo destino têm o direito e a obrigação de atuar.

A cultura popular é, em suma, a tomada de consciência da realidade brasileira. Cultura popular é compreender
que o problema do analfabetismo, como o da deficiência de vagas nas Universidade, não está desligado da
condição de miséria do camponês, nem da dominação imperialista sobre a economia do país. Cultura popular é
compreender que as dificuldades por que passa a indústria do livro, como a estreiteza do campo aberto às
atividades intelectuais, são frutos da deficiência do ensino e da cultura, os quais são mantidos como privilégios
de uma reduzida faixa da população. Cultura popular é compreender que não se pode realizar cinema no Brasil,
com o conteúdo que o momento histórico exige, sem travar uma luta política contra os grupos que dominam o
mercado cinematográfico brasileiro. É compreender, em suma, que todos esses problemas só encontrarão
solução se se realizarem profundas transformações na estrutura sócio-econômica e, conseqüentemente, no
sistema de poder. Cultura popular é, portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária21.

Assim, as músicas de Edu Lobo e de Carlos Lyra deveriam refutar o folclore como o
símbolo do atraso ou do conformismo e a música destinada a um consumo imediato
pelas massas urbanas conforme normas do mercado. Na realidade, a canção
participante representava o esboço de um projeto a ser disseminado na sociedade
como uma utopia a se concretizar como um programa hegemônico.
A partir desse momento, a canção de protesto passou a ser considerada pelos
críticos - simpatizantes dos CPCs - como a única verdadeiramente revolucionária,
capaz de despertar no povo a sua "(...) qualidade heróica de futuros combatentes
do exército de libertação nacional e popular"22. De acordo com uma interpretação
mais dogmática desse Manifesto, a canção revolucionária deveria provocar no
ouvinte - povo - a passagem do" (...) reino da necessidade para o reino da
liberdade"23. Edu Lobo e Carlos Lyra, influenciados pelos discursos verbalizados
sobre a arte popular revolucionária, escreveram músicas em parceria com
Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, Vinicius de Moraes, Oduvaldo Vianna Filho,
entre outros, baseando-se nos critérios de clareza, de simplicidade,
de objetividade política e sob a perspectiva técnica de critérios inspirados no
impressionismo neo-romântico e neoclassicismo (sistema tonal + dissonâncias +
ritmos sincopados).

Clareza, simplicidade, tonalismo, temas sociais inspirados no folclore


representavam os traços essenciais da canção participante, que deveria atingir
utopicamente o seu público alvo: o "povo" brasileiro. Ou seja: "(...) se estamos
solidários com o povo é porque afirmamos que nossa arte só irá aonde o povo
consiga acompanhá-la, entendê-la e servir-se dela"24. Para os ideólogos dos CPCs,
os temas das canções deveriam contribuir para os homens deixarem de ser "(...)
famintos, doentes, incultos e sofredores", levando-os a tomar consciência da
necessidade urgente de promover uma revolução social no Brasil.

Edu Lobo e Carlos Lyra, ligados, em algumas fases de suas carreiras, ao Teatro de
Arena de São Paulo, acabaram internalizando em algumas de suas canções,
critérios genéricos do Manifesto do CPC. Devido à inexistência de um projeto
específico para a área musical e em função da historicidade das memórias sonoras
desses compositores25, o projeto sobre a canção de protesto foi-se esboçando
através de matizes poético-políticos e musicais muito diversos. Nem sempre as
mensagens de Edu Lobo ou de Carlos Lyra em suas canções Borandá, Mesmas
Histórias, A mulher de cada porto reproduziam as chamadas condições objetivas da
História, como por exemplo, a exaltação do proletariado:" (...) classe por
excelência negação, única classe que luta para negar-se a si própria, para deixar de
existir como tal e com isto, fundar o novo mundo em que não exista mais
classes"26, ou ainda distanciavam-se da compreensão didática de sua mensagem
pelo chamado povo brasileiro, de acordo com as centenas de textos divulgados pela
União Nacional dos Estudantes:

(...) falando ao povo (a respeito dos problemas do povo) o intelectual passa a ser povo e então seu porta-voz,
e então intelectual da sociedade, não intelectual da anti-sociedade27.

A questão do didatismo da canção de protesto implicou, em muitos casos,


um rebaixamento estético da mensagem sonora. Por essa razão, muitos
compositores, como Sérgio Ricardo - Beto, bom de bola (1967) -, César Roldão
Vieira - Zé do Trem ou Sem Deus, com a família (1965) - escreveram manifestos
políticos e nãocanções. Em função da busca de um público mais amplo (não-restrito
aos 150 lugares do Teatro de Arena de São Paulo, por exemplo), Oduvaldo Vianna
Filho, num primeiro momento, e Edu Lobo e Carlos Lyra, num segundo, procuraram
aproximar-se dos meios de comunicação de massas (televisão, disco, rádio).

Oduvaldo Vianna Filho captou, com clareza, o sentido utópico de uma possível
aproximação do artista-engajado e as massas (povo): a ênfase dada pelos
dramaturgos, compositores, poetas no conteúdo político de uma peça ou de uma
canção implicava o sufocamento da aura da obra de arte ou da especificidade das
linguagens artísticas, e o projeto artístico engajado numa espécie de pronto
socorro artístico28. Ferreira Gullar, um dos mais ardorosos defensores da arte
popular revolucionária, nos fins dos anos 60 também criticou o excessivo
didatismo das obras criadas pelos nacionalistas de esquerda, contribuindo para o
surgimento de um radicalismo político, típico de intelectuais de classe média.

De acordo com Marilena Chauí:

(...) não passa pelo Manifesto a suposição de que o trabalho de uma obra cultural (superior ou inferior) se
realiza da mesma maneira enquanto obra, isto é, como esforço para capturar a experiência, determinando-a
como visível, pensável ou dizível. Nem passa pelo Manifesto a suposição de que uma obra de arte (superior ou
inferior) não se encontra apenas nela mesma, como objetividade empírica ou ideal, mas no campo constituído
por ela e seus destinatários, campo criado a partir dela com eles, aos quais se dirige. Há no Manifesto, além do
maniqueísmo das distinções, um objetivismo artístico que redunda em subjetivismo do criador.

O artista do CPC é e não é povo - não é povo, como indica a visão que possui de seu público; e é povo porque
vanguarda do herói do exército de libertação popular e nacional. Essa curiosa fantasmagoria, vasada em
linguagem hegeliana do em si e do para si, traduzida para a fenomenologia husserliana do fenomênico e do
essencial e para o existencialismo do ser-no-mundo-com-os-outros, acoplada ao conceito lukacsiano da falsa
consciência e à concepção leninista da consciência vinda de fora, pretende estar a serviço de uma revolução
popular heróica. Entre duas alienações - a da arte superior e a da arte do povo - e entre dois alienados - o
artista superior e o artista do povo - insere-se a figura extraordinária do novo mediador, o novo artista que
possui os recursos da arte superior e o encargo de fazer arte inferior sem correr o risco da alienação presente
em ambas. Assim, através da representação triplamente fantástica - do artista alienado, do artista do povo e
do artista popular revolucionário em missão - é construída a única imagem que interessa, pois é ela que se
manifesta no Manifesto: o jovem herói do CPC29.

No campo musical, as relações política-linguagem, devido à sua complexidade,


variaram de compositor para compositor ou de obra em obra de um mesmo
compositor. Alguns compositores abandonaram a Bossa Nova, almejando criar uma
nova cultura revolucionária calcada no folclore e nas formas sacralizadas pelos
compositores populares do passado. Entretanto, Ponteio, Borandá, Memórias de
Marta Saré, de Edu Lobo, ou Marcha da 4afeira de Cinzas ou Influência do Jazz de
Carlos Lyra apresentam traços de um possível engajamento político nos seus
textos, mas os arranjos, as sonoridades aproximam-se de uma modernidade não
sintonizada com discursos verbalizados por Carlos Estevan Martins em seu
manifesto do CPC, por exemplo.

EDU LOBO, CARLOS LYRA E AS NOVAS REPRESENTAÇÕES DA


MEMÓRIA: MORRO E O SERTÃO

As influências das músicas oriundas dos principais pólos culturais europeus e


americanos - Paris, Viena, Berlim, New York, Milão, Nápoles, Londres, Buenos Aires
- acentuaram-se a partir dos fins do século XIX. Nos anos 20, por exemplo,
Pixinguinha, Sinhô internalizaram em suas músicas variáveis rítmico-melódicas
oriundas do rag-time ou da habanera ou dos tangos brasileiros (maxixes, choros)
em seus shows realizados em gafieiras, dancings do Rio de Janeiro ou cabarets de
Paris (Sherazade) ou de Buenos Aires (1922 + Oito Batutas). Nas décadas de 30 e
40, sob o impacto do cinema sonoro (musicais da RKO, Metro) e das Big-
Bands (Benny Goodman, Artie Shaw, Tommy Dorsey) - swing - arranjadores-
compositores, como Radamés Gnatalli ou Heckel Tavares, privilegiaram os
instrumentos de metal em suas orquestrações grandiloqüentes de sambas cantados
por Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Marlene, Orlando Silva, Vicente Celestino.

Com a sacralização do nacional e do popular na cultura durante os anos pós-Golpe


de 1930, muitos compositores privilegiaram o samba de morro ou da Vila Isabel
como a representação da autêntica música brasileira. E, assim, foi aflorando uma
série de discursos verbalizados por Lúcio Rangel - ou sambas escritos por Ismael
Silva, Noel Rosa ou Ary Barroso - como exemplos da representação de uma nova
brasilidade na música: "Samba do morro/ não é samba/ É batucada, é batucada/ lá
na cidade/ A história é diferente/ Só tira samba/ Malandro que tem patente" (É
batucada, Caninha, 1933) ou:

Se você jurar/ Que me tem amor/ Eu posso me regenerar/ Mas se é/ Para fingir, mulher/ A orgia assim não vou
deixar/ Muito tenho sofrido/ Por minha lealdade/ Agora estou mais sabido/ Não vou atrás de amizade/ A minha
vida é boa/ Não tenho em que pensar/ Por uma coisa à-toa/ Não vou me regenerar.../ (Ismael Silva, 1931).

Muitos compositores, intérpretes, historiadores, críticos, ideólogos conservadores


ou cepecistas identificaram a batida tradicional do samba como a representação de
uma verdade histórica, em oposição às formas e ritmos estrangeiros ou
antinacionais, como o jazz, o bolero, o tango argentino. Porém, numa sociedade
capitalista calcada no mercado livre, a importação de milhares de músicas
estrangeiras sempre harmonizou-se com todos os programas intervencionistas ou
nacional-populistas do governo Vargas (1930-1945; 1951-1954) ou de Juscelino,
Jânio, Jango ou dos militares pós-64. Os músicos brasileiros defensores desse
imaginário nacionalista sempre tiveram de enfrentar a concorrência estrangeira.
Assim, os grandes sucessos internacionais foram divulgados no Brasil através do
rádio, do disco, do cinema, num primeiro momento, e, num segundo, da televisão.
Nos anos 40 e 50, essa invasão altamente matizada atingiu os mais diversos
segmentos do público: Gregório Barrios (boleros); Xavier Cugat (rumbas,
mambos); Edith Piaff (chansons); Elvis Presley (rock), Louis Armstrong (jazz).
Devido a essa intensa circulação de ondas sonoras oriundas dos Estados Unidos,
México, Cuba, Argentina, França, Itália, as escutas do
chamado povo brasileiro eram multifacetadas. Essa disparidade de sons
harmonizava-se com as memórias coletivas internalizadas no gosto do imigrante
que vivia em São Paulo, por exemplo: italiano, espanhol, francês, alemão,
japonês...

Na realidade, a criação de um projeto nacional e popular na canção de protesto


incidiu numa invasão de novos espaços, almejando-se implodir
esse passado internacionalista e alienante. E assim, durante os anos 60, Edu Lobo e
Carlos Lyra, entre dezenas de compositores envolvidos com o projeto cepecista,
passaram a escrever músicas representativas dos novos lugares da História: o
morro e o sertão. Nas canções de Edu Lobo, os temas, em geral, giram em torno
nos excluídos sociais: sertanejos ou pescadores
- Ponteio, Repente, Toada, UpaNeguinho, Vento Bravo, Borandá, No cordão da
saideira, Candeias, Arrastão, Canção da Terra, Reza, Dos
Navegantes, Veleiro, Canudos - e de Carlos Lyra, temas sobre os excluídos dos
grandes centros urbanos: Choro de breque, Entrudo, Influência do Jazz, Feio não é
bonito, Marcha da 4a feira de Cinzas.

As músicas escritas por Edu Lobo e Carlos Lyra refletiram, de um lado, algumas
dimensões político-estéticas de uma memória coletiva construída
pela esquerda durante os anos 60, centrada nos temas sobre o morro e o sertão,
como verdades inquestionáveis, sob o ponto de vista de uma determinada leitura
sobre a História do Brasil; e, de outro, alguns traços técnico-estéticos já
consolidados pelos compositores eruditos, tais como Villa-Lobos, Camargo
Guarnieri, Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone. E, influenciados por uma
determinada interpretação do tema construído pelos cepecistas sobre a Revolução
Russa de 1917 e a Revolução Burguesa e Francesa de 1789, esses compositores
construíram, consciente ou inconscientemente, músicas representativas de duas
frações da classe oprimida: o campesinato e o proletariado urbano.

Esses artistas, embora não negassem a importância do jazz, da Bossa Nova,


tinham consciência da impossibilidade de atingir o público alvo: o sertanejo ou o
favelado. Consideraram a canção como uma estratégia não-determinante, mas
como uma prática artístico-política capaz de contribuir no sentido de iluminar ou
sensibilizar e, possivelmente, conscientizar setores das classes médias sobre a
pobreza e a miséria reinante no Brasil.

A televisão caracterizada por amplos setores da intelectualidade como o reino da


alienação, como símbolo do consumo e da degradação do sistema capitalista, foi
considerada pelos artistas populares engajados como um veículo capaz de divulgar
esse imaginário sobre o morro e o sertão e, paralelamente, capaz
de unificarpoliticamente as massas urbanas ainda hesitantes em face do Golpe de
64.

O entusiasmo, o otimismo, a agressividade presentes nas interpretações de Edu


Lobo, Carlos Lyra, Elis Regina, Nara Leão, Maria Betânia, Marília Medalha, MP4, Jair
Rodrigues, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo incidiam, consciente ou
inconscientemente, numa leitura dionisíaca do texto poético, almejando traduzir
uma

(...) visão da revolução que converteria a nação inteira, mesmo que tivesse de utilizar, em sua etapa final os
`dispositivos do poder', que controlava o voluntarismo e ilusão, talvez. Em suma, um vanguardismo
singularmente nuançado.30

Nas músicas de Edu Lobo, escritas entre 1963-68 sobre o sertanejo ou o pescador,
pode-se resgatar temas inspirados no folclore, de acordo com os paradigmas
discutidos por Mário de Andrade, em sua vastíssima obra sobre essa
questão. Reza, Aleluia, Upa Neguinho, Cinco
crianças, Borandá, Arrastão, Ponteio representam canções de Edu Lobo que
procuravam, de um lado, negar ou deglutir o chamado romantismo regionalista-
ufanista presente no Luar do Sertão de Catulo da Paixão Cearense, e, de outro,
denunciar ou desmitificar mitos arraigados no imaginário das populações rurais ou
dos despossuídos das grandes cidades.

Na realidade, as canções de Edu Lobo inspiradas nos gêneros populares tais como o
frevo, o cordão, a embolada, apresentavam um acabamento formal de natureza
erudita, oriunda dos grandes centros urbanos. Notam-se em Ponteio e Memórias de
Marta Saré, de um lado, pulsos oriundos do imaginário nacional-populista do CPC,
e, de outro, uma feitura técnico-estética de altíssimo nível, podendo ser incluídas
entre as canções mais significativas escritas durante o século XX.

BORANDÁ (EDU LOBO); MARCHA DA 4a FEIRA DE CINZAS (CARLOS


LYRA): SHOW OPINIÃO(DEZ. 1964-1965)

O Show Opinião

O Show Opinião, encenado num teatro do Shopping Center de Copacabana, foi


concebido e escrito por Oduvaldo Vianna Filho31, Armando Costa e Paulo Pontes.
Esse show estreou em dezembro de 1964, tornando-se um dos mais marcantes
sucessos da história do teatro brasileiro contemporâneo. Em linhas gerais, a
estrutura narrativa desse espetáculo teatral apoiava-se em algumas teses
cepecistas sobre o nacional e o popular na cultura brasileira. Apesar da estrutura
dramatúrgica ter sido escrita por Oduvaldo Vianna Filho em parceria com Paulo
Pontes e A. Costa, o sustentáculo da encenação incidiu na apresentação de canções
escritas por Zé Ketti, Edu Lobo, Carlos Lyra, João do Valle, Heitor dos Prazeres, Ary
Toledo, Sérgio Ricardo, Vinicius de Moraes, entre outros.
As canções de protesto selecionadas para esse show giravam em torno de temas
sobre o morro e do sertão. De um lado, críticas às estruturas fundiárias e à vida
miserável do nordestino, tais como Borandá (Edu Lobo), Perseguição , trecho da
trilha musical escrita por Sérgio Ricardo para o filme de Glauber Rocha, Deus e o
Diabo na Terra do Sol; Missa Agrária (Carlos Lyra e G. Guarnieri); Carcará (João do
Valle); Sina Cabocla; e, de outro, o quotidiano dos favelados, dos sambistas, dos
homens pobres dos grandes centros urbanos, como a cidade do Rio de
Janeiro: Samba, samba, samba (Zé Ketti); Eu sou o morro (Zé Ketti, canção do
filme de Nélson Pereira dos Santos, 1955); O Favelado (Zé Ketti); Opinião (Zé
Ketti); Marcha de 4a feira de Cinzas (Carlos Lyra/ Vinicius de Moraes); Esse mundo
é meu (Sérgio Ricardo); Canção do homem só (Carlos Lyra); Malvadeza Durão (Zé
Ketti, do filme de Nélson Pereira dos Santos, Rio, Zona Norte, 1956).

Devido ao sucesso do Show Opinião, figuras desconhecidas do grande público


transformaram-se em mitos de fortes colorações cepecistas. João do Valle
representando o sertanejo nordestino, Zé Ketti, o sambista pobre dos morros e
Nara Leão, ex-musa da Bossa Nova, agora, assumindo papel de militante,
explicitando, na prática, o programa do CPC sobre a possibilidade de agentes
sociais da classe média urbana abraçar a causa das esquerdas.

Nara Leão, posteriormente substituída por Maria Betânia, João do Valle e Zé Ketti
assumiram papéis de artistas integrantes de um front cultural, conforme concepção
jdanovista, que haviam transformado o limite de suas ações políticas no âmbito das
dimensões do palco dos teatros onde essa peça foi encenada (Rio de Janeiro, São
Paulo, Porto Alegre). Os cantos de protesto baseavam-se em formas da música
popular brasileira: samba, baião, embolada. Competia, portanto, aos intérpretes e
aos autores dos textos poéticos e musicais das canções (Carlos Lyra, Edu Lobo, Zé
Ketti, João do Valle, Vinicius de Moraes, Gianfrancesco Guarnieri, Sérgio Ricardo)
divulgar um imaginário capaz de captar e transmitir emoções próximas aos anseios
do povo. Assim, todos os criadores desse espetáculo deveriam ter
uma opinião sobre os problemas sociais que afligiam o "povo" brasileiro. E,
paradoxalmente, todos os públicos que compareceram durante um ano para assistir
e aplaudir de pé esse show, eram vistos pelos ideólogos da arte engajada
como atores que espelhavam a verdadeira face do povo.

Na realidade, o sucesso do Show Opinião incidiu na escolha de músicas que


espelhavam, em seus conteúdos, temáticas que traduziam uma gama de problemas
sociais e, além disso, de canções de excelente acabamento formal,
como Borandá (que já vinha sendo apresentada, com sucesso, entre os intérpretes
da Bossa Nova) de Edu Lobo, Marcha da 4a feira de Cinzas (Carlos Lyra e Vinicius
de Moraes) ou ainda canções de forte impacto rítmico-melódico,
extraordinariamente interpretadas por Nara Leão e Maria Betânia: Opinião (Zé
Ketti) e Carcará(João do Valle). E,

(...) como nos ritos religiosos, onde os mitos subjazem numa forma conhecida pelos fiéis circunscrevendo,
portanto, um código próprio. Opinião operava uma comunicação em circuito fechado: palco e platéia irmanados
na mesma fé. Aliás, um raro exemplo de espetáculo brasileiro contemporâneo grego em seu espírito. O povo de
palco era o mesmo povo da platéia32.

Neste espetáculo foi mantido o conceito de povo sacralizado por Nélson Werneck
Sodré nos Cadernos do Povo: conjunto de classes ou de camadas ou de grupos
sociais. E Borandá e Marcha da 4a feira de Cinzas foram inseridas nesse espetáculo
e interpretadas nesse contexto sócio-cultural (texto dramatúrgico + encenação +
arte engajada) como representativas de uma arte popular revolucionária.

Assim, Borandá, Marcha da 4a feira de Cinzas, Missa Agrária (trecho), Canção de


um homem só devem ser analisadas como textos que giraram em torno das
canções-chave sob o ponto de vista político desse espetáculo: Opinião (samba +
morro + verdade política) e Carcará (sertão + tomada de posição + luta armada e
críticas virulentas à ditadura militar, instaurada em março de 1964).

E, paralelamente, a

(...) música Carcará, por exemplo, quando cantada em qualquer hora e lugar tornava-se a senha de
reconhecimento da tribo ideológica. Metonímia, simbolização, o próximo passo deste processo político é a
criação do mito, para completar a circularidade própria das criações ideológicas artificiais. O mito, como se
sabe, define-se pela heteronomia de seu corpus em relação às suas origens reais, ou seja, é uma forma
autônoma, referente a algo que existiu, mas totalmente independente, em sua existência separada de suas
constituintes originais. Como relação de alteridade e, então, pura ideologia33.

Posteriormente, Carcará, Borandá, Esse mundo é meu, Marcha da 4a feira de


Cinzas foram apresentadas nos shows de televisão, tendo sido gravadas por
diversos intérpretes. Na realidade, a bricolage elaborada por Oduvaldo Vianna Filho,
Paulo Pontes e Armando Costa possuía uma bem articulada relação entre as
canções escolhidas, algumas escritas nos anos 50, como Eu sou o
morro e Malvadeza Durão, ou nos inícios dos anos 60, como Marcha da 4a feira de
Cinzas (1962).

Opinião, Borandá, Carcará foram apresentadas em ritmos" secos", de forte impacto


gestual (teatral), reinventando a tragédia grega no Brasil dos anos 60. Para os
agentes do Poder, essas canções representavam pulsações dionisíacas, duramente
criticadas por Platão n'A República34 - texto subversivo e ritmos selvagens - e, para
os simpatizantes da arte popular revolucionária, uma utopia que começava a
esbarrar num programa musical dogmático, que se transfigurou nos anos 1967-
1968 numa proposta apolínea "(...) Glória a Deus Senhor nas alturas/ E viva eu de
amargura/ Na terra do meu senhor/ Carcará/ Pega, mata e come/ Carcará/ Num
vai morrer de fome/ Carcará/ Mais corage do que home (...)".

Apesar das críticas contundentes de Edélcio Mostaço sobre o projeto cepecista ou


comunista desse espetáculo refletirem uma problemática histórica real, sob o ponto
de vista musical, o seu impacto social foi muito amplo, tendo atingido os mais
diversos públicos, quando as canções desse Show foram reinventadas pelos seus
intérpretes em outros espaços das cidades. Assim, as memórias sobre o morro e
o sertão atingiram públicos que assistiam aos programas de televisão ou das rádios
ou que adquiriam discos dos seus artistas preferidos, nem sempre comprometidos
com o eixo cepecista do espetáculo teatral.

Em contrapartida, Júlio Medaglia, sob o ângulo político-musical, assim discutiu essa


temática:

O sucesso desta tendência deve-se particularmente à atuação de Nara Leão, cantora sem grandes recursos
vocais, mas que se associou à BN pelas características básicas de sua interpretação. Exprimindo-se sempre da
maneira mais simples e direta, adotando também a prática do canto quase falado, lançando mão de um
repertório de qualidade, despertou, pela sua inteligência e musicalidade, grande interesse popular para com a
temática participante. Aparentando pessoal e vocalmente certa fragilidade, Nara lançou um repertório de
conteúdo bastante agressivo, numa época, inclusive, em que a manifestação pública de idéias se tornara
problemática. O sucesso do repertório `participação' alcançou maiores proporções através do show `Opinião'
onde Nara Leão era figura de proa. O sucesso do show tanto no Rio como em São Paulo sugeriu a encenação de
outros na mesma linha - `Liberdade, Liberdade' e `Zumbi' - assim como as suas gravações em disco. Montado
sob condições técnico-teatrais das mais primitivas, o espetáculo conseguiu, através dessas músicas, grande
contato com o público, que aplaudia no decorrer da apresentação e não raro participava ativamente, cantando
junto com os atores. Nessa época surgiu uma série de novas composições, das quais João do Valle e os irmãos
Marcos e Paulo Sérgio Valle foram os autores mais destacados. Nelas presenciamos verdadeiros manifestos:
`onde a terra é boa o senhor é dono não deixa passar', `o nordestino vai criar coragem pra poder lutar pelo
que é seu', `plantar pra dividir? Não faço mais isso não', `quem trabalha é que tem direito de viver, pois a
terra é de ninguém', `o dia da igualdade está chegando, seu doutor' etc. Nessa linha, além dos textos do tipo
`libelo', existem também aqueles cujo impacto resulta da aridez agressiva do próprio fato narrado: `Carcará/
pega, mata e come/ Carcará/ não vai morrer de fome/ Carcará/ mais coragem do que homem/ Carcará/ pega,
mata e come!'
No que toca à interpretação, se as canções do tipo `amor-sorriso-flor' oferecem ao cantor maior liberdade, por
se basearem mais na subjetividade afetiva de cada um, as canções que cantam a aridez, o marasmo, o
abandono e o tipo vegetativo de sobrevivência de toda uma coletividade, exigiriam do cantor uma interpretação
correlata. Uma interpretação ainda mais impessoal, ainda menos `expressiva', sem o menor perfeccionismo
vocal e não raro com muita dureza. Assim se explica, por exemplo, a ascensão rápida da cantora Maria Betânia,
que, ao substituir Nara no show `Opinião', teve sucesso imediato. Possuindo uma voz ainda mais primitiva e
rude, sua interpretação conferiu a empostação exata e ainda maior autenticidade ao conteúdo daqueles textos -
particularmente o Carcará35.

Por outro lado, Opinião, de Zé Ketti, representava a fala política do sambista do


morro:

Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui
do morro/ Eu não saio, não/ Se não tem água/ Eu furo um poço (...) Fale de mim quem quiser falar/ Aqui eu
não pago aluguel/ Se eu morrer amanhã, doutor/ Estou pertinho do céu/.

Nesta canção, o morro como o verdadeiro lugar da música e dos despossuídos,


como o símbolo do povo brasileiroe, além disso, como um local de resistência
política em face às classes dominantes. Apesar das críticas de Carlos Estevan
Martins relativas à presença do romantismo na arte popular revolucionária,
podemos notar no samba Opinião traços do romantismo, tais como: a exaltação do
herói popular; o morro como um espaço fora da sociedade burguesa e capitalista
(não pagamento de aluguel; sopa feita com um osso) ou o teor religioso implícito,
que remomorava Ave Maria no Morro de Herivelto Martins (1942) - Se eu morrer
amanhã, doutor/ Estou pertinho do céu.

Borandá (Edu Lobo)

Edu Lobo lançou, em dezembro de 1964, a música Borandá, canção de protesto,


incluída no Show Opinião. Na realidade, essa canção tinha sido muito bem aceita
nos círculos bossanovistas alguns meses anteriores à encenação da peça de
Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa. Compositor de sólida
formação e sensibilidade musicais, conviveu durante sua infância e adolescência
com os gêneros da moda (samba-canção e, posteriormente, a Bossa Nova, na
cidade do Rio de Janeiro) e com o frevo, a embolada, o bumba-meu-boi, cantigas
infantis do Recife (por ocasião de suas férias escolares passadas com os seus
familiares pernambucanos). Simpatizantes das premissas culturais do CPC e da
Bossa Nova, aproximou-se de artistas engajados ou não, como Tom Jobim, Vinicius
de Moraes, Sérgio Ricardo, Carlos Lyra, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna
Filho, Ruy Guerra, Nara Leão, Wanda Sá36.

Em Borandá (letra e música de Edu Lobo), canção com ambientação rural, o autor
procurou desmistificar a religiosidade popular dos nordestinos, vista como um
entrave ou obstáculo que contribuía para a não-conscientização do homem
rústico em face dos reais problemas sociais. Aproximando-se das idéias estético-
políticas esboçadas por Glauber Rocha em seu filme Deus e o Diabo na Terra do
Sol, Edu Lobo denuncia a miséria como um sintoma da seca e, paralelamente,
procura desmistificar a religiosidade popular que impelia o sertanejo a assumir o
papel de um ser errante, que se dirige para os grandes centros urbanos do litoral
em busca de melhores condições de vida ou terras férteis em outras regiões do
Nordeste. A temática dessa canção lembra problemas levantados por Graciliano
Ramos em sua obra Vida Secas, e filmada por Nélson Pereira dos Santos em 1963-
1964: Deve ser que eu rezo baixo e, ironicamente, o autor procura indicar uma
resposta: "(Pois meu Deus não ouve, não)/ É melhor partir lembrando (Que ver
tudo piorar)". E, em seguida, Edu Lobo resume, em poucas linhas, o retrato sobre
as condições de vida do retirante: "(...) Borandá, que a terra/ Já secou, borandá/ É
borandá, que a chuva/ Não chegou, borandá". E, sutilmente, denuncia a relação
Igreja/ coronelismo e uma possível solução dos problemas sociais: "Já fiz mais de
mil promessas/ Rezei tanta oração/ deve ser que eu rezo baixo/ Pois meu Deus não
ouve, não/ Borandá, que a terra/ Já secou borandá/ É borandá, que a chuva/ Não
chegou, borandá". E, finalmente, sem nenhuma ilusão, o sertanejo procura outros
lugares para fugir da seca: "Vou-me embora, vou chorando/ Vou-me lembrando de
meu lugar/ Quanto mais eu vou pra longe/ Mais eu penso sem parar/ Que é melhor
partir lembrando/ Que ver tudo piorar/ Borandá, borandá/ Vem borandá".

MARCHA DA 4a FEIRA DE CINZAS (CARLOS LYRA E VINICIUS DE


MORAES) E O SHOW OPINIÃO

Convidado por Oduvaldo Vianna Filho para escrever a trilha sonora da peça Os
Azeredos e os Benevides (tema central: a vida do povo nas áreas rurais), Carlos
Lyra engajou-se no movimento político liderado pelo PCB. A partir de 1961-1962,
as canções de Carlos Lyra e as suas posturas políticas procuravam refletir o seu
engajamento nas lutas da UNE, do Teatro de Arena, e, posteriormente, do CPC. O
objetivo de Carlos Lyra poderia se resumir no seu depoimento recente:

(...) trazer a Liga Operária Camponesa para minha música. Quando eu contava tudo isso ao Estevan, ele
vibrava. Era a música de Zé Ketti, Nélson do Cavaquinho e Cartola, o pessoal da escola de samba, mais João do
Valle, que era homem rural do interior do Maranhão. Acho que a música brasileira é isso. Ela está ou no
interior, ou na escola de samba, no morro, enfim, nesses lugares onde estão as verdadeiras manifestações
populares37.

Com a criação do CPC do Rio de Janeiro, Carlos Lyra passou a ocupar a direção do
Departamento de Música. Tendo passado pelo samba-canção, pela Bossa Nova,
Carlos Lyra tinha uma visão muito particular sobre o conceito de cultura popular e
de canção participante. No momento da fundação do CPC da UNE, C. Lyra se opôs a
essa denominação, pois admitia que a produção cultural dos intelectuais não
deveria ser chamada de cultura popular. Achava que o teatro não era do povo, nem
a música mais politizada poderia ser classificada como a música do povo. Era
favorável à aproximação do intelectual com o povo, mas nunca transformar a
música num discurso político engajado capaz de contribuir para as transformações
da realidade histórica.

Para Carlos Lyra, a maioria dos artistas da Bossa Nova eram de direita, com
exceção de Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo. Entretanto, acreditava que, com o
surgimento do CPC, a Bossa Nova nunca poderia continuar a trilhar os mesmos
caminhos ideológicos. E, por essa razão, procurou envolver muitos
artistas indecisos:" (...) até o Tom Jobim, que era de direita, começava a mudar
pela mão do Vinicius (...)". Assim, Carlos Lyra procurou, de um lado, aproximar-se
dos artistas comprometidos com as raízes do povo, como João do Valle, Zé Ketti,
Cartola, Nélson Cavaquinho; e, de outro, convencer os chamados artistas
alienados, como Geraldo Vandré, "(...) advogado cantador de bolero, que não tinha
nada a ver com a política"38. Em parceria com Vinicius de Moraes, escreveu o Hino
da UNE, a Canção do subdesenvolvido, com Chico de Assis, e, no teatrinho do CPC,
Carlos Lyra convidou o quarteto em Cy, o Tamba Trio, Cartola, Zé Ketti, entre
outros, para realizar diversos shows.

Apesar da criação de hinos como o da UNE, que se popularizou rapidamente em


todo o País, Carlos Lyra, em seus inúmeros depoimentos, sempre desconfiou da
relação intelectual/ povo defendida por Carlos Estevan Martins. Em sua viagem ao
Nordeste, logo percebeu que falava uma linguagem diferente da do "povo": (...) os
camponeses precisavam de comida e não de Carlos Lyra" 39. Na realidade, Carlos
Lyra defendia a Bossa Nova e a sua relação com a canção de protesto, sem
radicalismos:

(...) Faço bossa-nova, faço teatro. Mas, da mesma forma que não acho que o teatro que a gente faz seja um
teatro do povo, a minha música, por mais que eu pretenda que ela seja politizada, nunca será uma música do
povo. Tudo pode ser feito com essa intenção de chegar ao povo, um teatro para o povo, uma música que
busque a participação, a integração popular. Mas, classificá-los como arte popular, aí já é outra história.
Reconheço que a Bossa Nova, por exemplo, nunca mais foi a mesma depois do CPC. Antes, ela era a Bossa
Nova do amor, do sorriso e da flor. Depois, passou a criticar a influência do jazz e também fazer uma análise
das coisas que estavam influenciando a cultura brasileira naquele momento. Vem o tempo do `morro não tem
vez' (...)40.

As músicas escritas por Carlos Lyra no período de 1959-1964, denotam uma


excelente textura melódico-harmônica, como em Lobo bobo; Canção que morre no
mar; Se é tarde, me perdoa (fase do amor, do sorriso e da flor) e nas canções
participantes: Feio não é bonito (em parceria com Gianfrancesco Guarnieri); Você e
eu(com Vinicius de Moraes); Marcha da 4a feira de Cinzas (com Vinicius de
Moraes)... As marcas da Bossa Nova sempre estiveram nas canções de protesto
escritas por Carlos Lyra. Na realidade, somente os textos procuraram refletir o
imaginário cepecista. Os temas sobre o sertão e o morro afloraram, implicitamente,
nas suas canções, sem contudo aproximar-se nitidamente do projeto modernista
villalobiano, muito presente nas canções de Edu Lobo.

Em 1955, escreveu Quando chegares e, no ano seguinte, Menina, canção


vencedora do Io Festival Internacional da Canção da TV Rio, onde Carlos Lyra
internalizou escutas oriundas de boleros, do jazz e do rock-balada.
Lançou Criticando em 1957, e em 1962, escreveu a canção síntese: Bossa Nova +
protesto, Influência do jazz:

Pobre samba meu/ Foi-se misturando, se modernizando/ E se perdeu/ E o rebolado, cadê?/ Não tem mais/
Cadê o tal gingado, que mexe com a gente/ Coitado do meu samba, mudou de repente/ Influência do jazz/
Quase que morreu/ E acaba morrendo, está quase morrendo/ Não percebeu/ Que o samba balança de um lado
pro outro/ O jazz é diferente, prá frente e prá trás/ E o samba meio torto, ficou meio torto/ Influência
do jazz(...)

Em 1962, juntamente com Juca Chaves, Alaíde Costa, Sílvia Telles, Oscar Castro
Neves, realizou vários shows em Universidades. Participou do musical Um
americano em Brasília (1961), de autoria de Chico de Assis e Newton Lins e Barros.
A Canção do subdesenvolvido, incluída nessa peça, foi posteriormente gravada,
mas em função da proibição da encenação da peça pela Censura Federal, o disco foi
retirado das lojas.

Em 1962, participou do célebre concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall de Nova


Iorque, tendo como parceiros Tom Jobim, Sérgio Ricardo, João Gilberto, Stan Getz,
Astrud Gilberto. Em 1963, na boate Au Bon Gourmet, apresentou o show Pobre
menina rica (em parceria com Vinicius de Moraes), sob a direção musical de
Radamés Gnatalli, onde atuou ao lado de Nara Leão.

(...) a minha presença no CPC fez com que a minha cabeça musical mudasse. Eu já estava preocupado em
fazer música do tipo Marcha da 4a feira de Cinzas e não só em criar canções como Você e eu e Coisa mais
linda... mas foi o Centro Popular de Cultura que fez deslanchar tudo isso. Como eu era fundador e diretor
musical do CPC do Rio, fazia parte do meu trabalho revisar a música brasileira. Enquanto a bossa nova era
busca da forma, com o CPC começou uma busca do conteúdo e isso veio influenciar todos os bossa-novistas,
para falar a verdade. Nessa fase, é possível perceber que o Tom Jobim, eu, todos nós começamos a mudar.
Todo o conteúdo mudou em função do Centro Popular de Cultura. Mesmo que as pessoas não fossem ligadas à
esquerda, elas estavam conscientes da realidade social do Brasil, e isso é muito importante para a nossa
identidade cultural41.

Nesse processo de reprodução da música popular, a `esquerda' musical deu a sua contribuição. Até 1964, sua
atuação esteve mais ligada aos postulados de uma `cultura popular' que esclarecesse o povo sobre seus
dramáticos problemas. Muitos músicos estiveram ligados ao Centro Popular de Cultura, agência de uma arte
nacional e popular, destacando-se os nomes de Edu Lobo e Carlos Lyra. Através da linha `bossanovista', a
ênfase recaía no conteúdo politizado da canção, no protesto (...)42.
E assim, a Marcha da 4a feira de Cinzas, escrita por Carlos Lyra e Vinicius de
Moraes em 1962, foi naturalmenteselecionada por Oduvaldo Vianna Filho, Paulo
Pontes e Armando Costa para ser apresentada no Show Opinião:

Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais brincando feliz/ E nos corações/
Saudades e cinzas foi o que restou/ Pelas ruas o que se vê/ Que nem se sorri/ Se beija e se abraça/ E sai
caminhando/ Dançando e cantando cantigas de amor/ E no entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso
cantar/ Mais que nunca é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade/ A tristeza que a gente tem/
qualquer dia vai-se acabar/ Todos vão sorrir/ Voltou a esperança/ É o povo que dança/ Contente da vida feliz a
cantar/ Porque são tantas coisas azuis/ E há tão grandes promessas de luz/ Tanto amor para amar que a gente
nem sabe/ Quem me dera viver prá ver/ E brincar outros carnavais/ Com a beleza dos velhos carnavais/ Que
marchas tão lindas/ E o povo cantando seu canto de paz/ Seu canto de paz43.

Essa canção exemplifica, com nitidez, as inter-relações entre Bossa Nova e o novo
imaginário calcado no programa sobre o nacional e o popular na cultura brasileira.
Com letra de Vinicius de Moraes, esta marcha-rancho tornou-se um dos grandes
sucessos no ano do seu lançamento: 1962. Na realidade, esse texto denota um
forte otimismo e esperança numa possível mudança histórica, tendo o povo como o
seu principal porta-voz. No Show Opinião, em dezembro de 1964, essa canção
inseriu-se num outro contexto histórico: peça teatral como resistência à ditadura
recém-instaurada no País e, além disso, as tropas do governo já haviam destruído,
em seu sentido literal, a sede da UNE no Rio de Janeiro, iniciando as perseguições
aos ex-cepecistas.

Nesta Marcha... notamos um pleno ajustamento entre o refinamento e a elegância


do texto poético e as inflexões melódico-harmônicas do canto-falado. E a sua forma
- marcha-rancho - ajustava-se com o movimento da Bossa Nova não comprometido
somente com o samba:

(...) até certo ponto, o samba é a raiz da bossa nova. Mas a bossa nova não é somente samba. As raízes da
música brasileira vão além. Por isso, a bossa não pode ser somente o samba. Ela às vezes fica restrita ao
universo do samba porque João Gilberto é um cantor sambista. Ele canta sambas na maior parte do seu
repertório. Então, passou para muita gente, inclusive no exterior, a idéia de que a bossa nova é um sambinha:
`samba bossa nova'. Com isso eu não concordo (Carlos Lyra).

Na Marcha..., Carlos Lyra refutou, em parte, a tese de Carlos Estevan Martins a


respeito da negação da estética e da positividade do conteúdo na elaboração de um
texto cultural (teatro, poesia, música). Fundamentalmente, no campo musical,
compositores de talento e fortemente marcados pelas escutas dos impressionistas,
dos cantores de jazz, jamais poderiam simplificar suas melodias ou pesquisas
timbrísticas na busca de um som mais simplesou de um
texto didático e esquemático a ser decodificado com facilidade pelo povo. Em
síntese, Carlos Lyra e Edu Lobo não podem ser rotulados como autores de canções
didático-políticas, sem nenhum diálogo com as tendências técnico-estéticas mais
significativas do século XX.

ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS

1ª - A canção popular, em linhas gerais, apresenta uma dupla articulação: musical e


verbal. Nos anos 60, a chamada canção de protesto atingiu amplos segmentos
sociais devido à ênfase dada por alguns compositores na parte poética, em
especial, com o seu conteúdo político-ideológico. Em alguns casos, o texto verbal
transfigurava-se num longo manifesto político, apoiado em esquemas harmônicos
elementares, como por exemplo Beto bom de bola, de Sérgio Ricardo - canção
desclassificada pelo júri na fase final do III Festival da Record, em 1967 -
e Caminhando ou Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, que foi
classificada em segundo lugar no FIC-Rio de Janeiro, tendo perdido
para Sabiá (Chico Buarque de Holanda/ Tom Jobim), vista
como alienada e burguesa por faixas de público - 30.000 pessoas presentes no
Maracanãzinho (1968).

Em outras canções, os sons (altura) e os pulsos (duração) harmonizaram-se com


expressiva riqueza estética com os textos poéticos: Ponteio, Arrastão, Memórias de
Marta Saré, Upa, Neguinho de Edu Lobo em parceria com Capinam, Vinicius de
Moraes e Gianfrancesco Guarnieri, respectivamente; e Marcha da 4a feira de
Cinzas; Feio não é bonito, de Carlos Lyra, em parceria com Vinicius de Moraes e
Gianfracesco Guarnieri, respectivamente.

2ª- A inserção da canção popular no âmbito do contexto cultural-político dos anos


60 levou-nos a discutir a música como um discurso altamente complexo na sua
feitura e na sua recepção pelos públicos. De um lado, as canções de Edu Lobo e de
Carlos Lyra foram analisadas em determinados eventos culturais, como por
exemplo, Show Opinião, almejando-se resgatar experiências históricas localizadas
em confluência de conflitos sociais, políticos, culturais e estéticos; e, de outro,
como uma produção coletiva que envolvia arranjadores, intérpretes sintonizados
com o discurso musical, teatral, visual e político da época. No Show Opinião, por
exemplo, deu-se uma convergência de músicas oriundas de outros contextos
culturais e estéticos: Eu sou o morro e Malvadeza Durão, dos filmes neo-
realistas de Nélson Pereira dos Santos, de 1955 e 56 (Rio, 40 graus e Rio, Zona
Norte) ou Borandá de Edu Lobo (cantada nos espaços bossanovistas de
Copacabana) ou trechos do filme de Glauber Rocha - Deus e o Diabo na Terra do
Sol - ou ainda a Marcha de Quarta-Feira de Cinzas de Carlos Lyra e Vinicius de
Moraes lançada com sucesso em 1962... Essa rápida difusão do projeto nacionalista
na canção popular de colorações engajadas levou a uma valorização da música nas
peças de teatro (a descoberta da dramaturgia de B. Brecht), filmes, shows ou
manifestações políticas (passeatas). E, assim, o conceito totalizante de cultura
defendido pelo CPC interferiu na criação e na divulgação da música que circulou nos
mais diversos espaços da cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro (Upa, Neguinho,
originalmente um segmento da peça Arena conta Zumbi, tornou-se um
sucesso isolado de Elis Regina nos palcos do Teatro Paramount, em São Paulo, e
televisionado através do video-tape para as principais cidades do País, foi
apresentada, inclusive, no Olympia de Paris...). A construção e sacralização desse
imaginário musical num discurso marcadamente ideológico implicou o afloramento
de práticas consideradas pelos defensores da brasilidade como alienantes, tais
como: os temas da Bossa Nova sobre a mulher, o sorriso, o violão, a flor, o mar de
Copacabana; o iê-iê-iê, o rock, defendido pelos artistas da Jovem Guarda ou com
os antropófagos/do movimento tropicalista.

3ª - A canção do combate social associou-se a uma nova maneira de interpretar


esse tipo de música, pois exigia de seus intérpretes uma certa experiência teatral,
não somente um tratamento mais grandiloqüente do canto, mas também nos
gestos capazes de transmitir os diversos "momentos" dramáticos, ou não, da
canção. Por esse motivo, muitos intérpretes contribuíram para o êxito das
chamadas canções de protesto: Elis Regina (interpretou diversas músicas de Edu
Lobo, como Arrastão, Upa, Neguinho, Chegança, Zambi); Nara Leão (Marcha da
Quarta-Feira de Cinzas, Carcará, Opinião); Maria Betânia (Upa,
Neguinho, Cirandeiro, Lua Nova, Candeias, Borandá, Prá dizer adeus, Veleiro, O
tempo e o rio de Edu Lobo); Jair Rodrigues (Disparada), Marília Medalha (Ponteio).
Esse matiz mímico, originário da Commedia dell'Arte e do circo, induziu o público a
gesticular conforme os efeitos cenestésicos e dinamogênicos produzidos ora pelo
som puro, ora pela relação poesia e dança.

4ª - O entusiasmo despertado no público por algumas canções participantes,


favoreceu a sua entrada na televisão, um dos veículos mais criticados pelas
esquerdas brasileiras, durante os anos 60. O artista-artesão romanticamente
envolvido com os matizes marxistas na canção acabou sendo seduzido pela
indústria do disco e da televisão. A gravação de muitos discos ao vivo favoreceu a
divulgação da canção aliada à vibração do público. Músicos e platéia faziam parte
de um mesmo show: palmas, gritos, vaias, assobios...

5ª - O desgaste do MMPB deu-se em função dos seguintes problemas: a) a


repetição de temas, de soluções melódico-rítmico-timbrísticas, foi corroendo a
canção participante em seus aspectos intrínsecos: linguagem e poesia; b) a
interferência da censura política pelo Estado autoritário coibiu a divulgação de
centenas de músicas, levando alguns compositores e intérpretes a abandonar esse
imaginário, vítima da própria situação política do País; c) a mitificação de alguns
ídolos pela indústria cultural levou muitos compositores e intérpretes a seguir
carreiras solo (a dupla Elis Regina e Jair Rodrigues foi desfeita, os programas que
envolviam artistas numa única família - a Record - foram cancelados pela falta de
patrocinadores e pela intervenção do Estado e dos próprios donos das emissoras
(Paulo Machado de Carvalho + Record) ou Assis Chateaubriand (TV Tupi).

6ª - Ponteio de Edu Lobo e Marcha da Quarta-Feira de Cinzas de Carlos Lyra


representam o intenso diálogosonoro desses compositores com o passado (Claude
Debussy, Heitor Villa-Lobos, Cole Porter, Jerome Kern) ou com o presente (Tom
Jobim, Miles Davis, João Gilberto). Nessas canções, os conceitos sacralizados pela
elite da Belle Époque do Rio de Janeiro e mantidos durante o século XX pelos
historiadores da música brasileira sobre Arte culta ou erudita versus cultura popular
foram implodidos. Os arranjos jazzísticos feitos por Edu Lobo para Memórias de
Marta Saré, no Free Jazz Festival, de 1996, demonstram o pensamento desse
compositor na busca de um diálogo sonoro com as experiências rítmicas e
timbrísticas da modernidade, que se harmonizam com o seu engajamento artístico
iniciado nos anos 60.

7ª - O estudo da produção musical de Carlos Lyra e Edu Lobo, durante o período de


1962 a 1968, implicou, de um lado, o estudo das relações de produção da canção
bossanovista e da canção de protesto no âmbito de uma sociedade de classes e
uma indústria cultural (televisão e disco) voltada para as massas; e, de outro, a
análise dos debates político-estético-culturais aflorados a partir da chamada
modernidade na música (acorde dissonantes, clusters; acordes de nona; novos
instrumentos de percussão) e o nacional-popular na canção internalizados num
amplo e complexo mosaico cultural dos anos 60, representado pelo Cinema Novo,
pelo Teatro de Arena, Opinião e Oficina; Movimento Música Nova (música erudita):
poesia concreta; Tropicália, Jovem Guarda e a revalorização dos artistas
do passado - Bossaudade.

Carlos Lyra e Edu Lobo, compositores de formação semi-erudita, foram


influenciados por escutas heterogêneas: jazz; folclore; baião, frevo, samba-canção,
samba bossanovista. Num determinado momento de suas carreiras, inspirados
numa concepção pragmática de arte e influenciados pelos dramaturgos - Oduvaldo
Vianna Filho + Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho +
Edu Lobo - procuraram abandonar a tese, alguns temas e práticas de Bossa Nova
em prol de uma possível instrumentalização política de suas canções em prol de
uma possível conscientização política dos decodificadores de suas mensagens, e
não do povo brasileiro conforme teses defendidas por Carlos Estevan Martins no
seu Manifesto sobre a arte popular revolucionária (1962).

8ª - E, sutilmente, foi levantada uma nova problemática metodológica: a


importância do debate sobre os autores dos textos poéticos das canções ou
parcerias de Edu Lobo e Carlos Lyra, tais como Vinicius de Moraes, Capinam,
Dolores Duran, Chico Buarque de Holanda, Ruy Guerra, Oduvaldo Vianna Filho,
Gianfrancesco Guarnieri, Nélson Lins e Barros, Cacaso, Ronaldo Bôscoli. Logo, a
discussão sobre os traços ideológico-políticos das canções incidiu no início de um
debate sobre os autores dos discursos verbalizados, a serem aprofundados em
pesquisas futuras.

NOTAS
1
Ver: SAID, Ana Maria. O projeto político-pedagógico do Teatro de Arena de São Paulo. Campinas, Dissertação
de Mestrado defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP, 1989. [ Links ]

2Pedro Pedreiro (Chico Buarque de Holanda). Gravado em 23 de novembro de 1965, no show: 1ª Dentisamba.
Teatro Paramount de São Paulo; Sem Deus, com a família (César Roldão Vieira, nov. 1965); Zé do Trem (César
Roldão Vieira, nov. 1965); Aleluia (Edu Lobo/ Ruy Guerra), gravado no show sem título, na noite de 26 de abril
de 1965, no Teatro Paramount; Canção do cangaceiro que viu a Lua cor de sangue (Carlos Castilho/ Chico de
Assis, 1967); Anda que te anda (Ary Toledo/ Mário Lago, 1967).

3 Na conjuntura histórica - 1966/1967 - o debate estético sobre as verdadeiras raízes do MMPB confundiu-se
com questões político-ideológicas. De um lado, ocorreu a passeata da Frente única da MPB e, de outro, a Jovem
Guarda lançou o seu Manifesto do Iê-Iê-Iê contra a onda de inveja (publicado n'O Cruzeiro, em 5 de agosto de
1967)." No dia 18 de julho de 1967, a `passeata' pela MPB, `contra as guitarras elétricas' saiu do Largo São
Francisco, no Centro de São Paulo, e seguiu até o `templo da bossa', o Teatro Paramount. Tendo à frente Elis
Regina, Gilberto Gil, Jair Rodrigues, Edu Lobo, o conjunto MPB-4, a `passeata' na verdade era um evento de
lançamento do novo programa da TV Record, Noite da MPB, que deveria suceder O Fino da Bossa; porém,
acabou sendo vista como uma manifestação `ideológica' contra a turma do iê-iê-iê, o que era plausível tendo
em vista as declarações que circulavam na imprensa. Elis, por exemplo, havia declarado: 'Está nascendo uma
nova frente na música popular brasileira, onde se diz o que se diz para unir os inimigos e vencer o iê-iê-iê'.
Mesmo relativizando posteriormente o sentido desta declaração, Elis demarcava uma posição ideológica e
comercial, ao mesmo tempo". In: DE EUGÊNIO, Marcos F. Napolitano. O debate estético-ideológico e a indústria
cultural em torno dos Festivais da MPB da TV Record (1966-1969). Relatório para Exame de Qualificação, São
Paulo, FFLCH-USP, out. 1997, p. 93. [ Links ]

Caetano Veloso assim se manifestou sobre esse confronto MMPB versus Jovem Guarda: "(...) Na noite do
primeiro, creio que a cargo de Simonal, preparou-se uma passeata, em mais uma macaqueação da militância
política. Era a Frente Ampla da MPB contra o Iê-Iê-Iê, com faixas e cartazes pelas ruas de São Paulo. Eu
conversara com Gil sobre a reunião (...) Ficou claro entre nós que todo aquele folclore nacionalista era um
misto de solução conciliatória para o problema de Elis dentro da emissora e saída comercial para os seus donos.
Que Gil aproveitasse a oportunidade para lançar as bases da grande virada que tramávamos. Mas nunca
considerei aceitável que ele participasse, ao lado de Elis, Simonal, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré e outros
(dizem que Chico chegaria a se aproximar por alguns minutos) dessa ridícula e perigosa jogada de marketing.
Nara e eu assistimos, assombrados, de uma janela do Hotel Danúbio, à passagem da sinistra procissão. Lembro
que ela comentou: `Isso mete até medo. Parece uma passeata do Partido Integralista' (a versão brasileira do
nazi-fascismo, um movimento católico-patriótico-nacionalista de extrema direita nos anos 30, do qual alguns
antigos expoentes inclusive apoiavam o governo militar)". In: VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo,
Companhia das Letras, 1997, p. 161. [ Links ]

4 "Vocês ganharam!... vocês ganharam!... Este é o país subdesenvolvido. Vocês são uns animais!... Vocês são
uns animais!... (...) Em resposta à crescente indignação, quebramos - eu e todos que se somavam no meu
coração - o violão e o atiramos contra a platéia, acordando-a daquele transe, ainda que o gesto viesse a
significar o fim da minha carreira profissional". In: Sérgio Ricardo. Quem quebrou meu violão. Rio de Janeiro,
Record, 1991, p. 196. [ Links ]

5As canções bossanovistas de Carlos Lyra revelam os cruzamentos sonoros dos anos 50. "Não há dúvida de
que todas as influências jazzísticas - sobretudo o jazz West Coast - tiveram dois nomes como Chet Baker, Gerry
Mulligan e outros. Antes de nos aprofundarmos nesse jazz West Coast, já curtíamos Sinatra e todos aqueles
musicais americano com Gene Kelly e Fred Astaire. Já vinha por tabela a influência do jazz através dos
Gershwins, Rodgers Hart, Cole Porter, enfim, daqueles compositores que foram importantíssimos para a nossa
cabeça". Entrevista com Carlos Lyra. In: CHEDIAK, A. Songbook Carlos Lyra.' Rio de Janeiro, Lumiar, 1994, p.
20. [ Links ]

Apesar de algumas críticas de Edu Lobo e Carlos Lyra em face da invasão da música popular norte-
americana no momento de suas adesões ao MMPB, sob inspiração cepecista, esses compositores nunca
negaram as influências de modelos importados: Cole Porter, Miles Davis, Rodgers and Hammerstein, G.
Gershwin. Esses compositores interpretaram no acordeon ou no piano ou no violão um repertório cosmopolita,
preso ao sistema tonal (classicismo, romantismo) e nos pulsos/ timbres de peças de colorações populares. La
Cumparsita (E. Lemon); Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu); Night and Day (Cole Porter); Beguin to
beguine (Cole Porter), peças de Waldemar Henrique, compositor paraense, que veio para o Rio de Janeiro nos
fins dos anos 30.

Em parceria com Ronaldo Bôscoli escreveu um dos grandes sucessos da Bossa Nova:" Lobo bobo: Era uma vez
um lobo mau/ Que resolveu jantar alguém/ Estava sem vintém/ Mas arriscou/ E o lobo se estrepou/ (...) Pra
ver você que lobo também faz papel de bobo/ Só posso lhes dizer/ Chapeuzinho agora traz/ Um lobo na coleira,
que não janta nunca mais".

E alguns compositores de protesto - Edu Lobo e Sérgio Ricardo - inspiraram-se nas músicas de Heitor Villa-
Lobos e Waldemar Henrique, que escreveram suas canções como representações da brasilidade, tendo como
ponto nodal temas sobre o morro e o sertão.

6 Edu Lobo, um ser dividido entre as escutas de obras de compositores norte-americanos, como Georges
Gershwin, Jerome Kern, Cole Porter e as falas verbalizadas pelos discursos dos intelectuais nacionalistas, como
Carlos Estevan Martins, Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri. Na realidade, as
harmonias de Edu Lobo - Ponteio e Memórias de Marta Saré - aproximaram-se do imaginário musical
impressionista norte-americano:" Suas harmonias também são inconfundíveis. Em geral, evitam dissonâncias
extremas. Desde que seu estilo musical, suas harmonias são bastante consistentes em todas as composições.
São principalmente diatônicas. Encontram-se nelas acordes de sétima não-resolvidos e mudanças rápidas não
preparadas que passam da tônica para a tonalidade vizinha, geralmente meio passo ou um passo inteiro
adiante (como nesta sucessão de acordes; sol-fa-sol-si-si bemol-do natural)..." In SCHWARTZ, Charles. George
Gershwin - Uma Biografia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 340.

7 Muitos compositores, excetuando-se Edu Lobo e Carlos Lyra, aproximaram-se das teses jdanovistas sobre a
música. Os argumentos invocados por Andrei Jdanov imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, para
justificar a depuração da cultura soviética de seus resíduos formalistas subversivos, procedem de uma
interpretação mecanicista do determinismo marxista. Em uma sociedade decadente, tudo se dispersa: temos
talentos, autores, heróis. O escritor, conforme Jdanov, vende seu talento ao capitalista, ou, em caso de ser
honrado, faz do pessimismo o princípio criador de sua obra. Jdanov reafirma o princípio leninista da
continuidade cultural e proclama a restauração dos valores culturais da época burguesa destruídos pelos
movimentos modernistas. O partido comunista deve salvaguardar a herança clássica dos mestres do século
XIX, que é o modelo de todo desenvolvimento artístico posterior. Os critérios fundamentais de Jdanov para
traçar as fronteiras entre tradição clássica são a compreensibilidade e a simplicidade.

Em seguida, resumiremos as definições ortodoxas de Jdanov sobre a música realista e a música formalista:
(tabela ao lado)

8 PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo, Ática, 1989, p. 152. [ Links ]

9 MARTINS, Carlos Estevan." História do CPC." In Arte em Revista, no 3, 1980, p. 68. [ Links ]

10GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro, Editora Universitária da UNE, 1980, pp. 83-
87. [ Links ]
11
Manifesto CPC, p. 69.

12 Idem, p. 70.

13 Idem.

14 Idem.

15 Idem, p. 71.

16 Idem.

17 Idem.

18
Idem.

19 Idem, p. 73.

20
Idem.

21 GULLAR, Ferreira. op. cit., p. 84.

22 Manifesto CPC, p. 73.

23 Idem, p. 74.

24
Idem, p. 76.

25 A aproximação da obra de Edu Lobo com o simbolismo ou impressionismo musical francês na música erudita
(Claude Debussy, Maurice Ravel) ou com o neoclassicismo (Igor Strawinsky, Heitor Villa-Lobos) ou ainda com
o jazz (Miles Davis) vem exposta em algumas de suas canções escritas durante os anos 60.
Em Ponteio (1967); Memórias de Marta Saré (1968), notamos, de um lado, traços do classicismo e do
romantismo - preservação do sistema tonal; e, de outro, a presença de algumas inovações timbrísticas
inspiradas no Prélude à l'après-midi d'un faune; Reflets dans l'eau (Debussy) ou as Bachianas (H. Villa-Lobos).
Na realidade, estas canções denotam as belas sonoridades, refinadas e expressivas. Essa predileção incidiu nas
pesquisas timbrísticas, incorporando em sua música acordes paralelos (acordes utilizados conforme uma função
mais timbrística do que tonal), de escalas pentatônicas com algumas colorações dissonantes. Os contrastes
vivos internalizados no Ponteio e Memórias de Marta Saré reproduzem uma escuta que resgatou traços de uma
memória técnico-estética presentes em alguns compositores ligados ao bebop e outros autores eruditos
impressionistas. Na realidade, Edu Lobo prendeu-se, de um lado, à tradição da música das alturas (tendo como
eixo as estruturas melódicas), e, de outro, a uma textura que se organiza em torno dos pulsos, das repetições.

26
HOLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem. 2ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1981, p.
147. [ Links ]

27 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 72. [ Links ]

28PEIXOTO, Fernando. Vianinha. São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 163. Textos apresentados por F.
Peixoto. [ Links ]

29CHAUI, Marilena. Seminários - O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1982, p.
92.

30 PECAUT, Daniel. op. cit., p. 160.

31
Ver: PATRIOTA, Rosângela Rasga Coração. Tese de Doutoramento, São Paulo, FFLCH-USP,
1995. [ Links ]

32 Mostaço, Edélcio. Songbook. Rio de Janeiro, Lumiar, 1994, p. 20. [ Links ]

33 Idem.

34
As tensões, os conflitos, as relações harmoniosas entre música e História (política) afloraram, sob matizes
diversos, nas sociedades e culturas, cronologicamente determinadas. N'A República de Platão (427-347 a.C.),
por exemplo, a concepção idealista da música prendia-se a valores éticos internalizados nas leis que
caracterizavam um Estado disciplinador. Na Grécia Antiga, o uso e a função social da música, devido à natureza
enigmática e altamente polissêmica do seu signo, denotava, de um lado, poderes agregadores e unificadores de
uma pólis harmônica, e, de outro, poderes desagregadores ou dionisíacos, como índices de uma possível
dissolução ético-moral do cidadão. Esses poderes desagregadores eram representados pelo ritmos" populares"
ou pelas canções ou práticas artísticas introduzidas pelos não-cidadãos: escravos e povos bárbaros (não-
gregos). Assim, a chamada barbárie poderia colocar em xeque a arte conservadora e o ideal de cidadania
simbolizado pelo tempo cíclico internalizado nas tragédias. Platão, entre outros filósofos, apropriava-se
ideológica e politicamente da música e passava a censurar, com rigor, todos os tipos de signos sonoros capazes
de induzir no cidadão grego comportamentos contrários às concepções de civismo, disciplina, ética, sacralizados
pela tradição. Para evitar possíveis choques entre a música tradicional e a moderna, foram estabelecidos
critérios normativos, como, por exemplo, a utilização de alguns modos, que poderiam incutir
no povo comportamentos considerados amorais, devassos ou pouco viris. A proposição desse tipo de pedagogia
musical retomava o debate sobre o conflito som versus ruído, sob um determinado matiz político-ideológico.
Por essa razão, alguns modos e instrumentos harmônicos foram considerados símbolos do civismo e da
disciplina, fundamentais para a formação educacional da criança e do adolescente, e outros, foram vistos como
perigosos, sensuais, obscenos, cacofônicos. Os ideais pitagóricos, platônicos, não preconizavam o isolamento
de um modo - considerado perigoso - em face dos demais, mas defendiam uma teoria do cosmos e dos
números. Essa teoria fundamentava-se numa relação harmoniosa entre repouso e tensão em todas as séries de
sons do sistema modal.

35 MEDAGLIA, Júlio. O Balanço da Bossa. São Paulo. Perspectiva, 1968, pp. 77-78. [ Links ]

36
Edu Lobo escreveu Músicas para as peças: Os Azeredos e os Benevides, de Oduvaldo Vianna Filho (onde se
destacou a canção Chegança - 1963 - posteriormente interpretada por Nara Leão e Maria Betânia
no show Opinião - dez. 1964-1965 e por Elis Regina n'O Fino da Bossa - programa da TV Record); O Berço do
Herói (Dias Gomes, 1964); Arena conta Zumbi (Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, 1965); Memórias de
Marta Saré (de Gianfrancesco Guarnieri), que estreou no teatro João Caetano - RJ - em janeiro de 1969;
ou para o cinema: O Barão Otelo no barato dos milhões (de Miguel Borges) ou para TV (Caso Especial, TV
Globo). Em 1973, escreveu a trilha musical para a peça Calabar ou o Elogio da Traição, de Chico Buarque de
Holanda. Entre 1974 e 1975, Edu Lobo, contratado pela TV Globo, escreveu a trilha sonora para quatorze
programas da série Caso Especial.

37BARCELLOS, Jalusa. CPC, uma História de Paixão e Consciência, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, p.
99. [ Links ]

38 Idem.

39 Idem, p. 102.

40 Idem, p. 97.

41
CHEDIAK, Almir. op. cit.

42 KRAUSCHE, Valter. Música popular brasileira, São Paulo, Brasiliense, s/d., pp. 78-79. [ Links ]

43
Inicialmente, marcha de rancho, música produzida por músicos predominantemente de sopro. Era
chamada orquestra dos ranchos carnavalescos cariocas nos fins da primeira década do século XX. Ritmo mais
dolente do que as marchas comuns. Apresenta maior desenvolvimento na parte melódica. Nos fins dos anos 20,
a marcha-rancho passou a ser escrita por compositores profissionais, como por exemplo, a marcha de rancho
com coro intitulada Moreninha, de Eduardo Souto (1927).

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