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MULHERES PO BRES E VIO LÊNCIA

NO BRASIL URBAN O
R achel Soihet

Du rante a Belle Époque (1890-1920), com a p lena instau ração da or­


dem burguesa, a modernização e a higienização do país despontaram como
lema dos grup os ascend entes, que se p reocu p avam em transformar suas
cap itais em m etróp oles com hábitos civilizad os, similares ao m od elo
p arisiense. Os hábitos popu lares se tornaram alvo de esp ecial atenção no
momento em qu e o trabalho compulsório passava a ser trabalho livre. Nes­
se sentid o, medidas foram tomadas para ad equ ar hom ens e m ulheres d os
segm entos popu lares ao novo estado de coisas, incu lcand o-lhes valores e
formas de com portam ento qu e passavam p ela rígida d iscip linarização do
esp aço e do tem p o do trabalho, estend end o-se às d emais esferas da vida.
Convergiam as p reocu p ações para a organização da família e de uma
classe d irigente sólida - resp eitosa das leis, costu m es, regras e con ven ­
ções. Das camadas populares se esperava uma força de trabalho adequ ada
e disciplinada. Esp ecificam ente sobre as m ulheres recaía uma forte carga
de p ressões acerca do comp ortam ento p essoal e familiar d esejad o, qu e
lhes garantissem apropriada inserção na nova ordem, consid erand o-se que
delas d ep enderia, em grande escala, a consecu ção dos novos p rop ósitos.
A organização familiar dos popu lares assumia uma multiplicidade de
formas, send o inúmeras as famílias chefiad as p or m ulheres sós. Isso se
devia não apenas às dificuldades econôm icas, mas igualmente às normas e
valores diversos, próprios da cultura popular. A im plantação d os moldes
da família bu rguesa entre os trabalhad ores era encarad a com o essencial,
visto qu e no regime capitalista qu e então se instaurava, com a su p ressão
do escravismo, o cu sto de rep rod ução do trabalho era calcu lad o consid e­
rand o com o certa a contribu ição invisível, não remu nerad a, d o trabalho
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d om éstico das m ulheres. Além disso, as con cep ções de honra e de casa­
m ento das mu lheres p obres eram considerad as perigosas à moralidade da
nova socied ad e qu e se form ava.1
As im p osições da nova ord em tinham o resp ald o da ciên cia, o
paradigma do momento. A medicina social assegurava com o características
femininas, p or razões biológicas: a fragilidade, o recato, o p redomínio das
faculdades afetivas sobre as intelectuais, a su bord inação da sexu alid ad e à
vocação m aternal. Em op osição, o homem conju gava à sua força física
uma natureza autoritária, empreended ora, racional e uma sexu alidade sem
freios. As características atribuídas às mulheres eram su ficientes para justi­
ficar qu e se exigisse delas uma atitude de su bmissão, um com p ortam ento
que não maculasse sua honra. Estavam impedidas do exercício da sexu ali­
dade antes d e se casarem e, d ep ois, deviam restringi-la ao âmbito d esse
casam ento. Cesare Lombroso, m éd ico italiano e nome conceitu ad o da
criminologia no final d o sécu lo XIX, com base nesses p ressu p ostos, argu­
mentava qu e as leis contra o adu ltério só d everiam atingir a m u lher não
predisposta p ela natureza para esse tipo de comportamento. Aquelas dota­
das de erotismo intenso e forte inteligência, seriam despidas do sentim en­
to de m aternid ad e, característica inata da mulher normal, e consid erad as
extrem am ente p erigosas. Constituíam-se nas criminosas natas, nas p rosti­
tutas e nas lou cas qu e deveriam ser afastadas do convívio social.2
O Código Penal, o com p lexo ju diciário e a ação p olicial eram os re­
cursos utilizados p elo sistema vigente a fim de disciplinar, controlar e esta­
belecer normas para as mulheres dos segmentos populares. Nesse sentido,
tal ação procu rava se fazer sentir na m od eração da linguagem dessas mu­
lheres, estimulando seu s “hábitos sadios e as boas m aneiras”, reprimind o
seus excessos verbais.
A violência seria p resen ça marcante nesse p rocesso. Ainda mais qu e
naqu ele m om ento a postura das classes d ominantes era mais de coerção
do qu e de d ireção intelectual ou moral. A análise do caráter multiforme da
violência qu e incid ia sobre as m ulheres p obres e das resp ostas p or ela
encontrad as para fazer face às m azelas do sistema ou d os agentes de sua
op ressão é fundamental. Cabe consid erar não só a violência estrutural qu e
incidia sobre as mu lheres, mas também aquelas formas esp ecíficas d ecor­
rentes de sua cond ição de gênero; esses aspectos se cruzam na maioria das
situações.
Mas com o penetrar no passado dessas mulheres que praticamente não
d eixaram vestígios de seu cotid iano? Durante largo tem p o, som ente os
feitos dos heróis e as grand es d ecisões políticas eram considerados dignos
de interesse para a história. A partir de 1960, juntamente com outros subal­
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ternos com o os cam p oneses, os escravos e as p essoas com u ns, as m u lhe­


res foram alçad as à cond ição de objeto e su jeito da história. Porém , a
d ificuld ad e em se obter fontes para bu scar reconstru ir a atu ação das mu­
lheres é d esalentad ora. Não existem registros organizados. No tocan te às
mu lheres p obres, analfabetas em sua maioria, a situ ação se agrava. Entre­
tanto, no m eio dessa aridez, a d ocu mentação p olicial e judiciária revela-se
material privilegiado na tarefa de fazer vir à tona a contribu ição fem inina
no p rocesso histórico. Dessa forma, em bora bu scand o inform ações em
jornais, p eriód icos e escritos literários, elegem os os p rocessos criminais
com o fonte principal. A sua u tilização revela-se fundamental para p od er­
mos nos aproximar do cotidiano de homens e mu lheres das classes p op u ­
lares. Constituem uma das poucas alternativas nesse esforço de d esvend ar
as p reocu p ações e táticas relativas à sobrevivência, crenças, às aspirações,
aos conflitos e solidariedades entre familiares, amigos, vizinhos; às exp ec­
tativas e exigên cias quanto ao relacionam ento afetivo, enfim , às regras
qu e norteavam sua existência e conformavam sua cultura.
A aceleração da urbanização provocou um progressivo movimento das
p op u lações p obres para as capitais, ond e procuravam se estabelecer nas
áreas centrais, próximo ao mercado de trabalho. Aí ocupavam, em sua maio­
ria, habitações coletivas, casas de côm odo ou cortiços, cu jos “moradores
embora na maior parte do sexo frágil são de um gênio d iabólico”, registrava
um articulista maranhense; que destilava seu preconceito contra uma dessas
mulheres qu e numa rixa com um dedilhador de viola, “fez sentir sua indis­
p osição ao trovador, desandando-lhe um palavreado de fazer corar com as
pedras”. Tais manifestações legitimavam as aspirações de grupos dirigentes,
ávidos para derrubar tais habitações, vistas com o sím bolo do atraso e da
corrupção moral, e expulsar os populares, “de seu esp aço improvisado, nos
bairros centrais da cidade [S. Paulo], bem nos limites das virtualidades bur­
guesas, entre a casa de ópera e as lojas comerciais”.3
Em relação ao Rio de Janeiro, face ao seu estatuto de capital da Repú­
blica e cid ad e mais p op u losa do Brasil, urgia acelerar o seu p rojeto de
m od ernização, tornand o-a cartão de visitas do p rogresso alcançad o p or
tod o o país. A derrubada dos cortiços das áreas d o centro afigu rava-se
com o ind isp ensável, inclusive, p orqu e eram consid erad os focos das ep i­
demias que, periodicamente, infestavam a cid ade. A medicina e os interes­
ses econômicos uniram-se no propósito de transformar a velha cidade numa
m etróp ole moderna qu e deveria atrair capitais e hom ens estrangeiros.
Os p op u lares foram os mais p reju d icad os n esse p rocesso, cu jo auge
ocorreu durante o governo Pereira Passos (1904-1906), em qu e milhares
de p essoas tiveram de deixar suas moradias, d esapropriadas e d emolid as
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p or ordem da prefeitura. As mu lheres sofreram o maior ônu s, já qu e exer­


ciam seu s afazeres na p rópria moradia, agora mais cara e com côm od os
reduzidos. Aí exerciam os desvalorizados trabalhos domésticos, fundamen­
tais na rep osição diária da força de trabalho de seus com p an heiros e fi­
lhos; com o ainda produziam para o mercad o, exercen d o tarefas com o la­
vadeiras, engom ad eiras, d oceiras, bordadeiras, floristas, cartom antes e os
possíveis biscates qu e surgissem. Nessas moradias d esenvolviam red es de
solidariedade qu e garantiam a sobrevivência de seus familiares.
Também , ao contrário dos “bem situ ad os” qu e se guard avam d entro
de suas mansões, protegidas por altos muros, os p obres, homens e m u lhe­
res, tinham nas ruas e praças o esp aço de seu lazer, em muitas das quais se
buscava impedi-los de circular livremente, send o a todo momento incom o­
dados pela polícia. Inúmeros obstáculos foram p ensad os para afastá-los de
determinados locais. No município do Rio de Janeiro, a nova Avenida Cen­
tral deveria ser um d esses esp aços, visto qu e: “fazer a Avenida implicava,
p ois até, num grau moral. E todos se preparavam para isto [...] Os cavalei­
ros no maior aprumo. As senhoras na maior elegância. E aquilo era mesmo
um boulevard francês ch eio de p alácios franceses”. Não p ou cos conflitos
resultaram d esse p rop ósito de d epurar o centro da cid ad e da freqü ên cia
das camadas pop u lares, com seus hábitos grosseiros.
Com base no comportamento feminino dos segmentos médios e eleva­
dos, acresce em relação às mulheres as p rescrições dos juristas acerca da
impropriedade de uma mulher honesta sair só. Coadunava-se tal norma com
a proposta burguesa, referendada pelos médicos, sobre a divisão de esferas
que destinava às mulheres o domínio da órbita privada e aos homens, o da
pública. Embora as mulheres mais ricas fossem estimuladas a freqüentar as
ruas em determinadas ocasiões, nos teatros, casas de chá, ou m esmo p as­
seando nas novas avenidas, deveriam estar sempre acompanhadas.
A rua simbolizava o esp aço do desvio, das tentações, devend o as mães
p obres, segu nd o os m éd icos e juristas, exercer vigilância constante sobre
suas filhas, nesses novos temp os de p reocu p ação com a moralidad e com o
ind icação de p rogresso e civilização. Essa exigência afigurava-se im p ossí­
vel de ser cumprida pelas mulheres p obres que precisavam trabalhar e que
para isso deviam sair às ruas à procura de possibilidades de sobrevivência.
Aliás, não ap enas em São Paulo: “toda a sua maneira de sobreviver impli­
cava a liberdad e de circu lação pela cidade, pois d ependiam de um circuito
ativo de inform ações, bate-p ap os, leva-e-traz, contratos verbais”.4
Nesse contexto, acentu ou -se a repressão contra as mulheres, com o foi
vivenciad a p ela jovem Lídia de Oliveira, presa sob a alegação de estar
p roferind o “palavras ofensivas, na Praça da Rep ública, à moral p ú blica”,
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tend o resistido tenazmente à prisão e produzido lesões corporais nos guar­


das qu e bu scaram efetivá-la.5
Na d elegacia são das mais ásperas as referências ao com p ortam ento
da acusada, chamada de “mulher vagabunda” por um dos guardas-civis. O
d elegad o em seu relatório reforça a imagem moralmente negativa de Lídia.
Qu alifica-a d e “mulher prostituta, desordeira e ébria” qu e “à Praça da Re­
p ú blica ofend ia a moral pública proferindo obscenid ad es e levantand o as
roupas, ficand o desnu dada”.
Lídia, porém, teria reagido com “garra”, agredindo a dentadas os guar­
das. E, no seu d ep oim ento, diz qu e nada fez para ser p resa. Voltava da
Festa da Penha e estava se divertindo no Campo d e Santana, qu and o foi
maltratada p elos guardas-civis, que a trouxeram e lhe deram pancadas. Era
lavadeira e nu nca estivera em delegacia.
Na pretória, uma das testemunhas, o guarda-civil Reginaldo de Olivei­
ra, d eixa escap ar o verdadeiro motivo de toda a qu estão, ou seja, de que
Lídia, na Praça da Repú blica, fora: “convidada a retirar-se dali, p orqu e
existe ordem do Delegado de não permitir a p erm anência de mulheres ali,
não atend eu a essa ordem e com eçou a dizer palavras obscen as”.
O qu e fica claro é o em p enho das autoridades em impedir a p resença
dos p op u lares em certos locais, no esforço de afrancesar a cid ade para o
desfrute das camadas mais elevadas da p op u lação e para dar mostras de
“civilização” aos capitais e homens estrangeiros qu e pretendiam atrair. No
caso das mulheres, acrescentavam-se os p reconceitos relativos ao seu com ­
portamento; sua cond ição de classe e de gênero acentuava a incid ência da
violência. O desrespeito às suas condições existenciais traduzia-se em agres­
sões físicas e morais. Foi o que ocorreu , na situ ação em pauta, através da
im p utação à Lídia do exercício da prostitu ição, a mais infam ante p echa
para uma mulher na ép oca.
Em Florianóp olis, no início do sécu lo XX, além das tentativas de
“reajustamento social” das mulheres dos segmentos populares, havia a preo­
cu p ação de que adquirissem um comportamento “próprio para m u lheres”,
marcado p ela p resença das características já nomead as de recato, passivi­
dade, d elicad eza etc. Fato que facilitava a rep ressão e a arbitraried ade
policial, pois, não se enquadrando nesse esqu em a, fugiam às normas p ró­
prias de sua “natureza”.6
Ocorre qu e esse p rocesso não se d esenrolou sem uma efetiva resis­
tência dos membros das camadas populares, inclusive da parcela feminina,
que disputava, palmo a palmo, o seu direito ao esp aço urbano. Deve-se ter
em m ente qu e para muitos a rua assumia ares d e lar ond e comiam , d or­
miam e extraíam o seu sustento. Também era nos largos e p raças qu e as
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mu lheres costumavam reunir-se para conversar, discutir ou se divertir, da


mesma forma que se aglomeravam nas bicas e chafarizes, não raro, brigan­
do p ela sua vez. Em grande p rop orção responsáveis p ela m anu tenção da
família, a liberd ad e de locom oção e de p ermanência nas ruas e praças era
vital para as m u lheres p obres, qu e cotid ianam ente improvisavam p ap éis
informais e forjavam laços de sociabilid ad e.
No tocante às formas de violência esp ecíficas da con d ição fem inina,
aqu ela relativa ao relacionam ento hom em /m u lher revestia-se d e caráter
esp ecial. Ap esar da existên cia de muitas sem elhanças entre m u lheres d e
classes sociais d iferentes, aquelas das camadas popu lares possuíam carac­
terísticas próprias, p ad rões esp ecíficos, ligados às suas con d ições con cre­
tas de existência. Como era grand e sua participação no “mu nd o do traba­
lh o”, em bora mantidas numa p osição su balterna, as m ulheres populares,
em grande parte, não se adaptavam às características dadas com o u niver­
sais ao sexo fem inino: su bm issão, recato, d elicad eza, fragilid ad e. Eram
mulheres qu e trabalhavam e muito, em sua maioria não eram formalmente
casad as, brigavam na rua, p ronu nciavam palavrões, fugind o, em grand e
escala, aos estereótip os atribuídos ao sexo frágil.
As atividades das mulheres populares desdobravam-se em sua própria
maneira de p ensar e de viver, contribuind o para que p roced essem de for­
ma m enos inibida qu e as de outra classe social, o que se configurava atra­
vés de um linguajar “mais solto”, maior liberdad e de locom oção e iniciati­
va nas d ecisões. Seus ganhos estavam na última escala, já qu e p ersistia a
ideologia dominante de qu e “a mulher trabalha apenas para seus botões”,
desdobramento das con cep ções relativas à inferioridade feminina, incapaz
de com p etir em situ ação de igualdade com os homens. E, ap esar de tod as
as p recaried ad es de seu cotid iano, assumiam a resp onsabilid ad e integral
p elos filhos, p ois “maternidade era assunto de mu lher”.
Essas dificuldades se agravavam, pois muitas das idéias das mu lheres
dos segmentos dominantes se apresentavam fortemente às mulheres popu­
lares. Mantinham, p or exem p lo, a aspiração ao casam ento formal, sentin­
d o-se inferiorizadas quand o não casavam; embora muitas vezes reagissem,
aceitavam o p redomínio masculino; acreditavam ser de sua total resp onsa­
bilid ade as tarefas d om ésticas, ainda qu e tivessem qu e dividir com o h o­
mem o ganho cotid iano.

CASAR O U N ÃO CASAR, EIS A Q UESTÃO!

Embora o casam ento para a classe dominante fosse a ú nica via legiti­
mada de u nião entre um hom em e uma mulher, constitu ind o-se para a
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última no ideal mais elevado de realização, era p rop orcionalmente p equ e­


no o número de p essoas casadas em relação ao total da p op u lação. O fato
é qu e no seio dos popu lares o casam ento formal não p rep ond erava.7
Isso se exp lica não só p elo d esinteresse d ecorrente da au sência de
p rop ried ad es, mas p elos entraves bu rocráticos. A d ificuld ad e d o hom em
p obre em assumir o papel de mantenedor, típico das relações burguesas, é
outro fator, ao qu e se soma, em alguns casos, a p retensão d e algumas
mulheres de garantir sua autonomia. Esta última qu estão é bem ap resenta­
da no rom ance 0 cortiço p elo protesto da mulata Rita Baiana:
Casar? Protestou a Rita. Nessa n ão cai a filha d e m eu pai! Casar! Livra!
Para quê? Para arranjar cativeiro? Um m arid o é p ior q u e o d iab o; p en sa
logo q u e a gen te é escrava! Nada! Qual! D eu s te livre!8

A mulher ficava com o encargo dos filhos sem pais, com o a Machona,
outra das p ersonagens do rom ance, qu e ningu ém sabia ao certo se era
“viúva ou desquitada” e cu jos “filhos não se pareciam uns com os ou tros”.9
A liberdade sexual das mulheres populares p arece confirmar a idéia de
qu e o controle intenso da sexu alid ad e feminina estava vincu lad o ao regi­
me d e p rop ried ad e privada. A p reocu p ação com o casam ento crescia na
p rop orção dos interesses patrimoniais a zelar. No Brasil d o sécu lo XIX, o
casam ento era boa op ção para uma parcela ínfima da p op u lação qu e p ro­
curava unir os interesses da elite branca. O alto cu sto das d esp esas matri­
moniais era um dos fatores que levavam as camadas mais p obres da p op u ­
lação a viver em regime de concu binato.10
As m oças brancas, mas pobres “sem d otes e sem casam ento, aband o­
navam os sobren om es de família para viver em concu bin atos d iscretos,
usando apenas os primeiros nom es”. Assim, concu binas, mães solteiras ou
filhas ilegítimas viviam em sua maioria no anonim ato.11
A v.ida familiar destinava-se, esp ecialm ente, às mu lheres das camadas
mais elevadas da sociedade, para as quais se fomentavam as aspirações ao
casamento e filhos, cabendo-lhes d esempenhar um papel tradicional e res­
trito. Qu anto àquelas d os segmentos mais baixos, mestiças, negras e m es­
mo brancas, viviam menos protegidas e sujeitas à exp loração sexu al. Suas
relações tendiam a se desenvolver dentro de um outro padrão de moralidade
qu e, relacionad o p rincipalm ente às dificu ld ades econ ôm icas e d e raça,
contrap u nha-se ao ideal de castidade. Esse com p ortam ento, no entanto,
não chegava a transformar a maneira p ela qual a cultura d ominante en ca­
rava a qu estão da virgindade, nem a p osição privilegiada do sexo op osto.
No Rio de Janeiro, apesar de a grande maioria das mu lheres da classe
trabalhad ora não contrair o casam ento formal, ele se afigurava com o um
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valor. É o qu e se d ep reend e das d eclarações de m ulheres qu e criticavam


outras p or assumirem d eterminados comportamentos, com o proferir p ala­
vras de baixo calão ou p or ser “rixosa”. Ao comentar sobre elas, acrescen­
tavam a observação de que assim agiam “apesar de serem casad as”. A con­
dição de “casad a” p or si só pressupunha um comportamento irrepreensível
da mulher. Isso p arece d enotar a influência da cultura dominante sobre as
camadas populares.
Tal situ ação p od e ser observad a no p rocesso-crim e em qu e a p ortu ­
gu esa Maria Cândida, casad a, analfabeta, dizendo viver d os rend im entos
de seu marido, é acusada por Maria Garcia Munhoz, solteira, sabend o ler e
escrever, d e tê-la insu ltado de “p ..., ordinária, mulher de tod o mu nd o,
além de am eaçar d ar-lhe muitos bofetões”.12
Qu and o p rocessad a, a acu sad a negou ter p roferid o tais palavras, d i­
zend o ter sid o ela a ofend id a p ela qu eixosa com palavras inconvenientes
com o “vaca, m ulher casad a ord inária”, além de ter insu ltad o seu marido
com o “filho da p u ta”. Isto, p or ter p edido qu e a qu eixosa se retirasse de
sua porta ond e fazia baru lho, o qu e não queria p or ser “m ulher casad a e
mãe de filh os”. Aliás, em tod o o p rocesso observa-se a ênfase ao fato de
Maria Cândida ser casad a, enqu anto a qu eixosa, Maria Garcia Munhoz,
ap arece com o amasiada, o qu e foi utilizado pela d efesa com o um elem en ­
to justificativo para qu e a qu eixa fosse julgada im p roced ente.
Assim, a d efesa rep etia qu e a acusada era:

Mulher casad a, m ãe d e família e m origerad a p elo h áb ito con stan te d o


trab alh o e m ais a ap elad a é uma m u lh er casad a q u e am am en ta e cria
filhos, além d e d ed icar-se tam b ém ao trab alh o, o q u e tan to mais é d e
aten d er-se, q u an to p od ia d escan sar na resp on sab ilid ad e e n o trab alh o
d e seu m arid o. O m esm o p orém n ão se dá com a ap elan te e esta
circu n stân cia n ão milita em seu ab on o.

Essa observação referia-se ao fato de a queixosa não ser casada, rever­


tend o a acu sação: “Foi a apelante quem chamou a apelada de vaca, mulher
casada que tinha pior comportamento do que ela, apelante, que era amasiada”.
Também aqui o fato de ser casada é explorado com o um valor, ao mesmo
tempo qu e não foram poupados xingamentos de ambas as partes.
Assim, o português Manoel da Silva Alves, casad o, residente à estala-
gem da Rua d o Riachuelo nQ51, “por cabeça de sua mulher”, dona Maria da
Glória, tam bém p ortu gu esa, entrou com um p rocesso contra a brasileira
Madalena Augusta, solteira, analfabeta, dona de casa, residente no mesmo
local. Alegou qu e, ap ós um m al-entend id o, a acu sad a voltou -se p ara sua
esp osa d izend o qu e ela:
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n ão era casad a mas sab ia p roced er m elh or d o q u e m uitas casad as,


h on ran d o m elh or o seu am igo d o q u e a m u lh er d o su p lican te h on rava
seu m arid o e mais ch am ou -a d e safad a, ord in ária e assim ou tros im­
p rop érios q u e a d ecên cia m and a calar.13

Segund o o advogad o da acu sada, as coisas não tinham acon tecid o


assim. Na verdad e, a qu eixosa é que teria ofend id o Madalena qu e, d iante
d os ep ítetos qu e lhe foram dirigidos, resp ond era qu e: “send o amigada,
sabia respeitar o seu amigo como algumas casad as não o faziam”.
Ainda, o com erciante italiano, Jo sé Pano, qu eixan d o-se da vizinha
Francisca, a quem fora reclamar de seus filhos qu e estend eram uma cord a
na rua para, propositad amente, fazer suas filhas caírem, disse qu e: “esta o
recebeu com term os injuriosos com o sujo, im und o, canalha, p u to, a seu
ver impróp rios dos lábios de uma mulher (e casad a)”.14

QUEM DISSE Q U E MULHER AGÜEN TA CALADA?

O hom em p obre, por suas cond ições de vida, estava longe de p od er


assumir o p ap el de m antened or da família p revisto p ela id eologia d omi­
nante, tam pouco o papel de dominador, típ ico d esses pad rões. Ele sofria a
influência dos referidos pad rões culturais e, na medida em qu e sua prática
de vida revelava uma situação bem diversa em term os de resistência d e
sua comp anheira a seus laivos de tirania, era acom etid o de insegurança. A
violência surgia, assim, de sua incap acid ad e de exercer o p od er irrestrito
sobre a mulher, send o antes uma d emonstração de fraqu eza e im p otência
do qu e de força e p od er.15
Essa exp licação se completa pelo fato de que a tais homens, desprovi­
dos de p od er e de autoridade no esp aço p ú blico - no trabalho e na políti­
ca -, seria assegu rad o o exercício no esp aço privado, ou seja, na casa e
sobre a família. Nesse sentido, qualqu er am eaça à sua autoridade na famí­
lia lhes p rovocava forte reação, pois perdiam os su bstitu tos com p ensató­
rios para sua falta de p od er no esp aço mais am p lo.16
Ao contrário do usual, muitas populares vítimas da violência rebela-
ram-se contra os maus-tratos de seus com p anheiros numa violência p ro­
p orcional, precipitand o soluções extremas; mais uma vez d esmentind o os
estereótip os correntes acerca de atitudes submissas das mulheres.
Esse foi o caso da lavradora Arminda Marqu es de Oliveira, negra,
analfabeta, resid ente em Jacarep agu á, casad a há cerca d e 20 anos com
Marcolino Ferreira da Costa. Arminda vinha tend o nos últimos anos fortes
qu eixas de Marcolino, cada vez mais mergulhad o na embriagu ez, do qu e
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resultavam constantes rixas e o d esap arecim ento da “harm onia de outros


tem p os”. Os d esentend im en tos d esencad earam a morte de Marcolino.
Arminda exp licou que:
“muitas vezes ap an h ava d e pau ; qu e Marcolin o n ão tinha mais o m en or
resp eito à família, q u er d izen d o em frente de seu s filhos p alavras o b sce­
nas, q u er p ratican d o com a d ep oen te atos sexu ais em sua p resen ça; q u e
a isso era forçad a p ois q u e Marcolin o tinha um gên io irascível”.17
Ao com portam ento cond enável de espancar sua esp osa e de com p ro­
m eter a form ação dos filhos, op ond o-se às exigências morais da nova or­
dem, Marcolino não mais d esem p enhava seu papel prioritário na família,

As m u lh eres p ob res viviam d e acord o com p ad rões q u e p au tavam a con d u ta feminina


n as cam ad as mais favorecid as da p op u lação. Em geral, trab alh avam m u ito,
n ão estab eleciam relações formais com seu s com p an h eiros,
e n ão corresp on d iam aos ideais d om in an tes d e d elicad eza e recato.
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ou seja, “não mais cuidava de seu trabalho; send o a d ep oen te qu em fazia


o serviço da lavoura e do fabrico de carvão”.
Contrariand o às expectativas, invertiam-se os p ap éis. E, continu ava
Arminda a narrativa do seu drama, qu e culminava num quad ro escabroso
com tentativas de Marcolino de “rasgá-la”, introd u zindo os d ed os no seu
ânus, ameaçand o tirar-lhe a vida. Face a este panorama, Arminda:

d esven cilh ou -se d e su as m ãos e arm ou -se d e p au , o m esm o q u e ora


lh e é ap resen tad o e d eu umas cin co ou seis cacetad as p elo corp o e
cab eça; q u e afinal M arcolin o caiu p erto d o cam in h o d o roçad o d e
milh o; q u e a d ep oen te tinha a in ten ção d e se d efen d er e n ão d e m atá-
lo e n ão p en sava q ue ele viesse m orrer d e tais ferim en tos.

Constata-se qu e à medida qu e Marcolino mergulhava na bebid a, era


rejeitado cada vez mais pela socied ade e, por isso, tinha necessid ad e de se
reassegurar de sua autoridade junto à família; o qu e fazia tentand o obrigar
Arminda a atitudes extravagantes, como a prática de atos sexu ais na frente
dos filhos. Espancand o-a, também buscava d emonstrar qu e no interior do
seu lar ele deveria afigurar-se com o tod o-p od eroso.
As d eclarações de Arminda foram confirmad as p elas testemunhas, in­
clusive por dois filhos do casal. Todas foram unânimes em apontar a dureza
do seu cotidiano; mãe de sete filhos, a mais velha com 18 e a m enor com
dois anos incompletos, trabalhava na lavoura e no fabrico de carvão e, além
d e sua labuta diária, típica de mulheres de área rural “cortando lenha no
mato, roçand o a foice, cozinhando e lavand o”, Arminda ainda tinha que
suportar os maus-tratos de Marcolino, já “qu e era espancad a p elo marido
quase que diariamente, a socos e pontapés, apesar de nunca ter dado panca­
da no marido, sofrendo com paciência tudo o qu e ele lhe fazia”.
O contraste entre as imagens de Arminda e Marcolino deve ter contri­
bu íd o para a atitude tomada p elo juiz Edgard Costa, a 25 d e ou tu bro de
1917, qu e se op ôs à ordem de prisão preventiva d ecretad a p elo p romotor
contra Arminda. Lembrava a conveniência da p risão p reventiva, ap enas
“quand o há possibilidade de fuga do d elinqüente, receio de d estruição ou
alteração p or parte d ele d os sinais e vestígios do crim e, p ossibilid ad e de
su borno ou peita de testemunhas, incerteza de d om icílio etc.”. E, dizia o
juiz, que send o ela “pobre e rústica”, não haveria receio nem possibilidade
qu e viesse destruir ou alterar os vestígios do crime, p eitar ou su bornar
testemunhas. Dessa forma não deveria a justiça contribuir para aumentar a
d esgraça de uma mãe, separand o-a dos filhos, d os quais seria o ú nico
arrimo. Aceitando o fato com o legítima d efesa, a 2 d e abril de 1918, a
d enú ncia foi consid erada improcedente, send o a ré libertad a.
MULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

Também, Maria da Silva, natural da cidade do Rio de Janeiro, solteira,


sabend o assinar o nom e, d oméstica, resid ente numa casa d e côm od os,
atirou em seu com p anheiro, o português Manoel Jo sé Vieira, tam bém sol­
teiro, em pregad o no com ércio, após este tê-la agred id o.18
Maria relatou ter vivido maritalmente com Manoel. Brigavam constan­
tem ente p orqu e “ele não cumpria com os d everes de bom com p an heiro”.
Dessa u nião resultou um filho. Como a grande maioria das m u lheres de
sua classe social, Maria trabalhava numa casa de família e “confiou de
acord o com o falecid o a criação e amam entação d esta crian ça a uma se­
nhora de sua am izad e”. Continuand o o seu relato, Maria afirma qu e

Manoel n ão au xiliava a ela d eclaran te na d esp esa com essa crian ça;
q u e h oje às 7 h oras e vinte m inu tos mais ou m en os d eixou seu serviço
e foi p rocu rar o falecid o a fim d ele d ar algum d in h eiro p ara com p ra d e
leite p ara a referid a crian ça e ch egan d o em casa p ed iu a ele esse d i­
n h eiro, resp on d en d o-lh e ele q u e n ão d ava n em um vin tém , d esesp e­
rad a p orq u e sou b e q u e seu filhinho n em leite tinha tom ad o h oje al-
tercou com o falecid o q u e p rocu rou b ater n ela d eclaran te, ch egan d o
m esm o a atracá-la.

Em m eio à contend a, teria consegu id o desembaraçar-se do agressor e


apanhando o revólver que ele sempre trazia consigo em cima de uma mesa,
intimou-o: “Você não me bata, não me dê p ancad a”. O revólver disparou e
o p rojétil o atingiu m ortalm ente. Mas qu e ela nem sabia lidar com essa
arma, tanto qu e muitas vezes disse ao falecido que “deixasse de andar com
aqu ilo”; e qu e absolu tam ente não era sua intenção “matar o seu com p a­
nheiro de vida a quem, em bora entre ambos hou vesse semp re briga, esti­
mava muito; qu e nem m esm o em morte pensou na ocasião”.
Quais motivos teriam levado Manoel a espancar a companheira? Maria
exigia um mínimo de participação de seu companheiro na criação do filho;
sentia-se sobrecarregad a na tarefa de manter a família, p ois com o em p re­
gada d oméstica trabalhava muito mas ganhava p ou co. Essa verdad e já se­
ria suficiente para irritar Manoel, pois, na medida em qu e a mulher é en ca­
rada p elo hom em com o um simples comp lem ento, um objeto de sua p ro­
pried ad e, o hom em não se vê obrigad o a justificar seus atos. Nesse senti­
do, ao vir Maria cobrar-lhe atitudes de homem, Manoel reagia de imediato.
Ainda mais se acentu ava sua fru stração ao p erceber qu e suas con d ições
concretas de existência não lhe permitiam o exercício do p od er ilimitad o.19
A situ ação tornou -se séria p ela im p ossibilid ad e real d e Manoel em
atend er à solicitação de Maria, p or estar realmente sem dinheiro, d ispond o
apenas de cem réis no bolso. Ao sentir-se desprestigiado p or essa impossi­
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

bilidade, pois deveria ter internalizado a id eologia de qu e cabe ao homem


o p apel de mantenedor, d esencad eou -se o conflito.
A p au lista Antônia Josep h a Maria da Con ceição, negra, natu ral de
São Pau lo, com 50 an os, solteira, an alfabeta, cozin h eira, resid en te
nu m barracão em Ped regu lh o, teve, em ou tu bro d e 1904, forte d is­
cu ssão com seu am ásio, o p ortu gu ês An tôn io Fern an d es, 67 an os,
casad o, an alfabeto, ch acareiro, resid ente no m esm o local. A razão d o
con fron to foi o fato d e Antônia Josep h a ter lh e p ed id o d in h eiro p ara
p agar o alu gu el da casa. Antônio reagiu agressivam en te jogan d o u ma
botin a na ca b eça de An tônia, levan tan d o-se, em segu id a, com d esti­
n o à ru a.20
Segund o Antônio Fernandes, logo do primeiro degrau foi atirado p or
Antônia escad a abaixo, ficand o bastante m achu cad o no braço e em toda
parte esqu erd a do corp o; o qu e Antônia Josep h a negou d izend o qu e o
mesmo “rolou escada abaixo” sozinho. De qualqu er m odo houve esp anca­
mento de ambas as partes, pois Antônia em altas vozes dizia qu e “se Antô­
nio Fernand es fosse se qu eixar à p olícia ela tam bém vinha, p ois estava
ferida e com sangu e”.
Nesse caso, o homem foi instado p ela com p anheira para o cump ri­
m ento de suas obrigações familiares - o p agam ento do alu guel da casa.
Acresce-se à situação a real impossibilidade econôm ica do mantenedor, e
assim terem os os motivos qu e exp licam a violenta reação de Antônio
Fernand es contra sua mulher.
Antônia Josep h a, porém, não p erm aneceu passiva, d ep end ente, d e­
p ositand o em seu amásio a tarefa de enfrentar o m und o extrad om éstico.
Ela não só reagiu às ofensas de Antônio, com o, no dia segu inte, contraria­
m ente ao com portamento convencional, saiu para trabalhar. Relegou seu
p ap el de esp osa a segu nd o p lano, d eixand o Antônio com a filha, qu e,
ju ntam ente com o amásio, passara a morar em sua com p anhia: d ad o ex­
p ressivo do p roblem a de escassez de moradia qu e se acentu ava em m eio
às obras emp reend id as p elo p refeito Pereira Passos no Rio de Jan eiro.
O fato foi relatado à p olícia p elo patrão de Antônio Fernand es, José
de Oliveira, também português, 39 anos, casad o, an alfabeto. Ap reensivo
com as faltas d e seu empregado, dirigiu-se à sua casa, ocasião em qu e
sou be do ocorrid o e, constatand o qu e o mesmo:
estava h á d ois dias sem receb er cu rativo algum , foi ch am ar u m m éd i­
co. Este, ten d o exam in ad o, viu q u e estava com o b raço lu xad o, p elo
q u e d isse a ele d eclaran te q u e o m an d asse p ara a Santa Casa d e Mise­
ricórd ia p ara ser tratad o con ven ien tem en te. Q u e ele d eclaran te à vista
d o fato en ten d eu com u n icar à p olícia p ara os fins con ven ien tes.
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

Verifica-se, assim, um dado ainda muito p resente na ép oca a resp eito


da estreita relação entre patrão e empregad o, esp ecialm ente se da mesma
nacionalid ad e. Essa modalidade de relacionam ento p aternalista na Rep ú­
blica Velha, no contexto da transição para a ordem capitalista, teria fu ncio­
nado eficazmente para mitigar as tensões entre patrões e empregados, p elo
m enos na primeira d écad a do sécu lo.21
Os d ep oim entos de Antônio e de seu patrão tinham o claro p ropósito
de culpar Antônia Josep h a p ela queda do marido. José de Oliveira afirmou
qu e o acid entad o não havia recebid o tratamento algum; o qu e não
corresp ond e ao d ep oim ento da filha de Josep h a, segu nd o a qual foram
aplicados rem éd ios caseiros em seu pai.
Antônio faleceu trinta e d ois dias d epois do ocorrid o, send o qu e no
ofício da Santa Casa de Misericórdia ficaram declarad as não só as fraturas
da coxa e d o braço do lad o esqu erd o, com o alcoolism o e sep ticem ia. De
acord o com o au to d e corp o de d elito, a morte d ecorreu das “con d ições
personalíssimas do ofend id o”.
Ap esar disso, Antônia Josep h a foi consid erad a cu lp ad a. Mas logo o
advogad o d e d efesa obteve sua absolvição argumentand o qu e cu lp á-la
seria uma iniqüidad e, “máxime, tratando-se de uma mu lher”. Na verdade,
esse tipo de tratamento, qu e à primeira vista p arece beneficiar as m u lhe­
res, tem-se constituído em fonte de discriminação, pois coloca as mulheres
com o criaturas frágeis, incapazes de suportar os embates da vida e assumir
suas resp onsabilid ad es à sem elhança do homem.
Outra situ ação sim ilar é a da viúva p ernam bu cana Tereza d e Sá
Barreto, p arda, saben d o ler e escrever, costu reira, resid ente nu ma casa
de côm od os. Tereza teve forte con flito com seu am ásio, Roqu e da Silva
Rangel, bran co, solteiro, saben d o ler e escrever, em p regad o no com ér­
cio, na ocasião d esem p regad o, resid ente no m esm o local. Ao voltar da
rua, a m u lher lhe teria p ergu ntad o “se tinha ou não recebid o os seu s
vencim entos p orqu anto há três dias seus filhos e ela acu sad a não tinham
o qu e com er”.22
Uma das testemunhas afirmou que Roque foi maltratado p ela acusada
ao entrar em casa e “zangand o-se p rincipiou a ajuntar a roupa para sair”;
Roque com eçou a ser agredido por Tereza, que lhe deu diversas facadas. A
mulher negou a agressão informand o que:
em resp osta a q u e lhe d eu seu am an te Roqu e, ela acu sad a correu à
cozin h a e aí en con tran d o u ma garrafa com esp írito d e vin h o b eb eu e
na ocasião em q u e p en etrava em seu q u arto seu am an te Roq u e a agre­
diu e travan d o com ela acu sad a p resen te forte luta, resu ltou seu am an ­
te cair e ferir-se.
H IS TÓ RIA D AS M ULH ERES N O BRASIL

Em relação às acu sações que lhe são feitas, Tereza retru ca qu e não
p egou em faca conform e dizem as testem u nhas, p orqu anto as m esm as
eram suas inimigas e bu scavam diariamente intervir em sua vida privada.
Segundo Roque:
in d o à casa on d e resid e en con trou su a am ásia Tereza Barreto b astan te
alcoolizad a e ap ós a sua en trad a, ele, ofen d id o, teve p equ en a discus­
são com a filha de sua am ásia de nom e R aim unda, e em seguida a isso
sua am ásia Terez a at racou-se com ele ofendido e lançando a m ão em
um a fa ca , com esta deu-lhe diversos golpes, resu ltan d o os ferim en tos
q u e ap resen ta, [grifo n osso]

Ap esar de gravemente ferido, Roque, em seu d ep oim ento, não fez


m enção ao motivo alegad o p or Tereza para a d iscu ssão, d o qu e se
depreende o propósito de ocultá-lo, interiorizando a situação de desprestígio
qu e acarretava ao homem a im possibilidad e d e m anter a p rópria família.
Tereza e sua filha, levadas a corpo de delito, revelaram estar machucad as.
No interrogatório, já no sumário, Tereza relatou que o ofend ido costumava
maltratá-la muito e no dia do ocorrido chegara em casa embriagado e dera-
lhe uma bofetad a, avançand o tam bém para sua filha, em qu em deu um
murro.
O promotor, na denúncia, mostra-se altamente p reconceitu oso em re­
lação a Tereza, explicitando o papel que ela deveria cumprir, em se tratando
de uma mulher. Assim, o promotor diz:

Rangel h avia regressad o à casa u m tan to em b riagad o e com eçou a


altercar com sua am ásia, ora d en u n ciad a e esta, longe de desculpar o
excesso de linguagem de seu amásio e ev it ar qualquer desacat o, p ro cu ­
rou ainda mais exacerbá-lo, m an ten d o com ele d iscu ssão irritan te e
im p ru d en te, a p on to d e lan çar m ão d e u ma faca e vib rar u m golp e tão
p rofu n d o em Rangel q ue veio a falecer n o dia segu in te [...] Assim, a
indiciada, em v ez de evitar a cena de sangue, prov ocou-a e levou a
term o assassin an d o Rangel q u e p elo seu estad o n orm al e in con scien te
n em seq u er p ôd e d efen d er-se e evitar o golp e, atirad o p or u m a fraca
mulher, visto ach ar-se em con d ição d e n ão p od er d efen d er-se d o ata­
q u e in esp erad o d e sua agressora. [grifo n osso]

O juiz, durante o pronunciamento da acusada, recon h ece a má vonta­


d e do promotor, rebatend o “qu e dos autos não se verifica ter havid o p or
parte da denu nciad a traição, surpresa ou d isfarce com o alega o Ministério
Pú blico”.
O estereótipo do marido dominador e da mulher submissa, próprio da
família da classe d ominante, não p arece se ap licar in toturn nas cam adas
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

subalternas. Muitas mulheres assumiam um comportamento negador de tal


pressup osto. Algumas reagiam à violência, outras recusavam-se a suportar
situ ações hu milhantes chegand o mesmo a abrir mão do matrimônio - ins­
tituição altamente valorizada para a mulher, na ép oca. As con d ições con ­
cretas de existência dessas mulheres, com base no exercício do trabalho e
partilhando com seus com p anheiros da luta pela sobrevivência, contribu í­
ram para o d esenvolvimento de um forte sentimento de auto-respeito. Isso
lhes p ossibilitou reivind icar uma relação mais simétrica, ao contrário dos
estereótip os vigentes acerca da relação homem /m ulher qu e previam a su­
bord inação feminina e a aceitação passiva dos p ercalços p rovenientes da
vida em comum.
Para a com p reensão de tal atitude, torna-se relevante inform ar qu e
nesse p eríod o o cen so aponta um exced ente de p op u lação m ascu lina em
relação à fem inina, índ ice qu e alcança sua maior d iferença em 1906 em
razão da entrada d e imigrantes estrangeiros sem suas famílias, além de
muitos serem solteiros. A diferença quantitativa entre os dois sexos favore­
cia às m u lheres qu e eram, assim, altamente disputadas p elos hom ens e
tinham cond ições de reivindicar uma relação mais simétrica.
Dessa forma, nas relações entre homens e mulheres p obres d estaca-se
a atitude insu bm issa da segund a, com o ocorreu com a p ortu gu esa Maria
Adelaide. Ela formava com seu patrício, Antônio do Couto, um dos inú me­
ros casais qu e, vivend o em estalagem, tinham sua privacidade facilm ente
rompida, face à p recaried ad e das instalações. Além d isso, sofriam com a
constante vigilância policial, com o costumava ocorrer às camadas p opu la­
res na ép oca.23
Em setem bro de 1904, o casal foi su rpreendid o, em m eio a uma qu e-
rela, p elo insp etor seccional qu e levou ambos para a d elegacia; fato difícil
de ocorrer nas cam ad as médias e elevad as, pois disp unham de recu rsos
para impedir, na m aioria d os casos, qu e suas qu estões se tornassem de
conhecim ento p ú blico ou da p olícia.
No ep isód io em pauta, chama a atenção a intrepidez da acusada, mu­
lher ativa qu e ajudava o comp anheiro no seu mister de sapateiro. Segund o
a vizinhança e o encarregad o da estalagem, Maria Adelaide e Antônio “vi­
viam constantem ente brigand o e fazend o grande baru lho no quarto ond e
m oram ”, send o qu e, às 7 horas da noite do dia citado, mais uma vez tais
fatos ocorreram e, devid o ao baru lho qu e faziam, a patrulha qu e passava
p elo local trou xe-os para a Estação Policial. Maria Adelaide informou que,
por vezes, já fugira da com panhia de Antônio devido aos maus-tratos, mas
sempre qu e ele lhe procura ela acaba voltando para sua com panhia. Disse
qu e Antônio “é hom em qu e bebe e quand o está em briagad o entend e de
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

lhe esp ancar, o qu e já a fez vir a d elegacia. Qu e hoje chegou de fora e


entrou logo de maus hu mores e com o ela resp on d esse lhe d eu p ontap és
na barriga e se atracaram”. Antônio retruca:

Viver am asiad o com a acu sad a q u e lhe aju da n o trab alh o d e su a arte.
Esta tem gên io b astan te alterad o e p or isso está sem p re em q u estão
com ele. Q u e p or vezes tem já se sep arad o d a m esm a p elas q u estões
q u e têm tido [...] h oje ao en trar a m esm a com eçou com u m a gran d e
q u estão com ele, e estan d o com u ma p an ela d e arroz, lan çou -lh e [...]
q u an d o se atracaram ten d o Adelaid e lh e d ad o so co s e lhe arran h ad o
com as u n h as, ferin d o-o, o q u e levou a ju n tarem -se p essoas na p orta.

Henriqueta Maria da Conceição tam bém está longe d e se enqu ad rar


no m od elo tradicional p rescrito para a mulher. Natural do Rio de Jan eiro,
com 18 anos, casad a, analfabeta, exercen d o o serviço d om éstico, a 17 de
agosto d e 1896 achou p or bem p ernoitar na casa ond e trabalhava, p ois
precisaram de seus serviços no baile que lá se realizava. Tomou essa d eci­
são sem consultar o marido, demonstrando desprendimento e elevado senso
p rofissional. Ao retornar ã sua casa, foi agredida p or seu marido qu e afir­
mava não ser verdade o motivo alegado. Henriqueta, porém, ciosa de seus
direitos, reagiu à agressão, ficand o ambos m achu cad os.24
Inconformad o com a atitude da mulher, o marido providenciou a pri­
são de H enriqu eta, qu e foi levada para a Casa de Detenção ond e ficou ,
ilegalm ente, até 6 de outubro, quand o só então foi im p etrad o habeas-
corpus em seu favor. Por sua vez, seu marido teria p assad o oito dias na
Santa Casa de Misericórdia, de onde saiu com p letam ente restabelecid o.
As atitudes tomadas por Henriqueta demonstraram sua d iscord ância
em relação às lim itações que se pretend ia imp or ao seu sexo. Valorizou
H enriqu eta sua atividade profissional qu e na mulher, ao contrário d o h o­
mem, deve sempre se manter num p lano abaixo d aqu ele corresp ond ente
às fu nções de esp osa e mãe. Também ousou Henriqueta reagir à atitude de
p rep otência de seu companheiro, fato cond enável num sistema qu e legiti­
mava a su bord inação feminina.
Armênia Alves Pereira, brasileira, casada, analfabeta, residente em Irajá,
vivia send o importunada por seu marido, Joaqu im Alves Pereira. Segund o
informação de Armênia, Joaqu im costumava embriagar-se e, quando nesse
estad o, p u nha-se a esp ancá-la. Qu e, p or vezes, tinha ela escap ad o de ser
assassinad a e qu e recentem ente Joaqu im teria tentad o estrangu lá-la. Ele
próp rio dizia d esconfiar da fidelidade da mulher, o qu e o fazia vigiá-la
assidu amente, fato p or si só su ficiente para p rovocar forte reação de
Armênia, qu e acabou lhe dando um p ontapé nos órgãos gen itais.25
MULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O 379

Uma situ ação bastante diversa daquela estereotip ad a para os d ois se­
xos é a da costureira baiana Isabel Maria de Jesu s, que mantinha o amante,
era nove anos mais velha do qu e ele, qu e revela iniciativa consegu ind o-
lhe um emp rego e que, ao ser aband onada, extravasou seus d esenganos e
frustrações, ao invés de se au toflagelar em nome de uma su p osta “nature­
za fem inina”. Isabel afirmou em seu d ep oim ento ter sido amante do
p ernambucano Gastão Ribeiro dos Santos, solteiro, sabend o ler e escrever,
recebed or da Companhia de S. Cristóvão.

D an d o-lh e d in h eiro e até o em p regan d o com o o fez na Com p an h ia de


S. Cristóvão; q u e G astão n u n ca teve em p rego, fu rtan d o ele d ela acu sa­
d a, 18$000 réis, q u e ain d a n ão os restituiu q u e sem p re G astão esteve
m oran d o com ela acu sad a [...] q ue estava p assan d o h oje p ela Rua d o
N ú ncio cerca d e 8 h oras da n oite, q u an d o en con trou -se com G astão
q u e a teria p rovocad o com p alavras in sultu osas, ch am an d o-a d e ‘vaga­
b u n d a’ e ou tras p alavras.

Volta a dizer qu e sempre “vestiu e deu de com er e dormida a Gastão”.


Tal afirmativa, repetida a todo momento, se por um lado denota uma situa­
ção com u m entre m u lheres p obres - de garantirem a sobrevivên cia coti­
diana com seu trabalho e, em grand e parte, de manterem a casa qu and o
seu s com p anheiros estão d esem p regad os ou quand o vivem sozinhas -,
por outro, d emonstra a incid ência dos valores d ominantes acerca d os p a­
p éis trad icionais d os d ois sexos, qu e d ep reciam o hom em qu e se d eixa
sustentar p or uma inferior, uma mulher.
Gastão nega qu e tenha feito qu alqu er p rovocação a Isabel e atribui
sua atitude a ciúmes. Acrescenta que Isabel sempre que o encontrava amea­
çava matá-lo. Mesmo assim, a d enú ncia foi considerada im p roced ente p or
falta de provas. É bem verdade qu e a imagem de Gastão, d ep end ente dos
ganhos e da iniciativa de Isabel, d eve ter assegu rado tal d ecisão.
A au tonomia das mu lheres p obres no Brasil da virada do sécu lo é um
dado ind iscutível. Vivend o p recariam ente, mais com o au tônomas do que
com o assalariadas, improvisavam continuamente suas fontes de su bsistên­
cia. Tinham, p orém , n aqu ele m omento, maior p ossibilid ad e qu e os h o­
mens de vend erem seu s serviços: lavando ou engom and o roup as, cozi­
nhand o, fazend o e vend en d o d oces e salgad os, bord and o, prostitu indo-
se, em p regand o-se com o d omésticas, sempre davam um jeito de obter al­
guns trocad os. Exp lica-se, assim, a significação que emprestavam ao traba­
lho. Em São Paulo, p or exem p lo, em meio à trad icional au sência m ascu li­
na, as mulheres p obres lutavam pela sobrevivência su bm etend o-se a ativi­
dades mal vistas p elos p od erosos, com o o artesanato caseiro e o com ércio
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

ambu lante qu e na concep ção d aqu eles só sujavam e enfeiavam a cid ad e.


Mães solteiras e concu binas eram, igualmente, alvos do p recon ceito p or
estarem ã margem do esqu ema de organização familiar bu rguês, con cebi­
do com o u niversal.26
O qu e ressalta é a liderança d essas mu lheres no seu grup o familiar.
Em vários relatos se observa qu e o testem unho dos filhos lhes era favorá­
vel. Reconheciam seus esforços omitindo idêntica p reocu p ação em relação
aos pais, qu e estavam longe de possuir o status de p atriarca. Em bora não
d eixassem de sofrer as influências dos estereótip os vigentes acerca da p as­
sividade feminina, essas mulheres não se dispunham a d eixar-se humilhar
p elos d esmand os do companheiro.
Por sua vez, os homens pobres encontravam nas mu lheres um abrigo
seguro em face dos dissabores da existência, marcada p elo d esem p rego ou
p elos p arcos ganhos. Não conseguiam, porém, desfrutar uma relação mais
igualitária com suas companheiras, já qu e sobre eles incidiam o estereóti­
p o d om inante de qu e a mulher era sua p rop ried ad e privada sobre a qual
tinha um p od er ilimitado. A insegurança e a frustração d ecorrentes da im­
possibilidade de exercer concretamente o p apel qu e lhes era prescrito exa­
cerbavam sua agressividade.

UM P ESO ... DUAS MEDIDAS

Na virada do século, o crime passional assumiu grand es p rop orções.


Em contrap osição aos criminalistas clássicos - qu e afirmavam qu e aind a
no p aroxism o da mais violenta p aixão não ocorria su sp ensão tem p orária
das facu ld ad es mentais e o indivíduo mantinha a p ercep ção do bem e d o
mal - , os ad ep tos da Escola Positivista Italiana, liderada p or Lom broso,
isentavam de responsabilidade o criminoso passional. Estes últimos exp li­
cavam qu e certas p aixões intensas se identificavam com determinadas for­
mas de loucura, p od end o anular a fu nção inibidora da vontad e, d edu zin­
do-se daí a irresponsabilidade penal. Ferri, criminalista da Escola Positivista,
d estacava a existência de p aixões sociais, send o os crim inosos p or elas
acometid os impulsionados por motivos úteis à socied ad e: o amor e a hon­
ra, o id eal p olítico e o religioso. Argumentava qu e qu alqu er p enalid ad e
seria inútil para esses indivíduos já qu e “as próprias cond ições de tem p es­
tad e p síqu ica sob as quais eles com etem o crime tornam imp ossível toda
influ ência intimidante da ameaça legislativa”.27
Os crimes beneficiavam-se da onda de romantismo no âmbito da lite­
ratura e da arte enfatizand o o amor e a p aixão. Situ ações d esse teor eram
retratadas por Tolstoi, Dostoievski, Daudet, Maupassant e D’Annunzio, cujas
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

obras estão rep letas de situ ações em qu e o amor e o ciú me ap arecem


com o d eterm inantes d os atos mais impulsivos. A própria vida d e algu ns
d esses p oetas e rom ancistas confirmaria a doutrina qu e ap roxim a da lou ­
cura a p aixão p elo amor.
A desigu ald ade entre hom ens e m u lheres em relação à qu estão se
constituía numa realid ad e. Lombroso, cu jas idéias estavam revestid as de
forte teor evolu cionista, apontava na mulher inúmeras d eficiências, além
de atribuir-lhe fortes traços de perfídia e dissimulação. Ele afirmava qu e a
mulher era menos inteligente que o homem, exp licando qu e a p resença da
genialidad e nesse sexo, por uma confu são de caracteres sexu ais secu nd á­
rios, faria a mulher p arecer um homem disfarçado. Era a mulher dotada de
menor sensibilid ad e nos mais diversos âmbitos, esp ecialm ente na sexu ali­
dade. Dentre as razões que apresentava para comprovar tal afirmação, enu ­
merava a raridad e das p sicop atias sexu ais nesse sexo e a sua cap acid ad e
de manter a castid ad e, p or longo temp o; atitude im p ossível de exigir-se
dos homens. Assim, justificava que as leis contra o adultério só atingissem
a mulher, cu ja natureza não a predisp u nha a esse tipo de transgressão.
Apesar de considerar a existência de uma categoria esp ecial de m u lheres-
as crim inosas p or p aixão - , dizia Lombroso qu e o tipo puro de crim inoso
p assional seria sem p re m ascu lino, pois nu nca a exp losão da p aixão na
mulher p od eria ser tão violenta quanto no hom em .28
As consid erações acim a contribuíram para qu e a d esigu ald ad e se
exp licitasse ao nível da regu lamentação jurídica. Na França, por exem p lo,
p sicólogos e juristas em p enharam-se para demonstrar qu e o cham ad o cri­
me p assional era uma mera exp ansão brutal do instinto sexual, qu e cabia
à civilização controlar, send o esse instinto ativo no homem, enqu an to na
mulher ele se manifestava p ela passividade. Pouco a p ou co, a mulher seria
exclu íd a da cond ição de agente de crimes passionais.
Alguns p aíses chegavam a ad otar a norma de impunidade total em
favor do marido qu e “vingasse a honra” ao su rp reend er sua m u lher em
adultério. No Brasil, de acord o com o Código Penal de 1890, só a mu lher
era penalizada por adultério, sendo punida com prisão celular de um a três
anos. O homem só era consid erad o adúltero no caso de possuir concu bina
teúda e manteúda.
Os motivos da p u nição são óbvios, já que o adultério rep resentava os
riscos da participação de um bastardo na partilha dos bens e na gestão dos
capitais. O hom em , em verd ad e, tinha p lena liberdad e de exercer sua se­
xualidade desde qu e não am eaçasse o patrimônio familiar. Já a infid elid a­
de feminina era, em geral, punida com a morte, sendo o assassino benefi­
ciado com o argumento de que se achava “em estado de completa privação
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

d e sentid os e de inteligência” no ato de com eter o crime, ou seja, acom e­


tido de loucu ra ou desvario m om entâneo. Na prática, recon h ecia-se ao
hom em o d ireito de dispor da vida da mulher.
No início do século, o Rio de Janeiro foi p alco de um crime p assional
qu e encontrou ampla difusão e comentários. Atormentad o p elo ciú m e, o
estudante de direito Luís de Faria Lacerda assassinou a tirbs o m éd ico João
Ferreira de Moraes e fez diversos ferimentos na bela e jovem viúva de um
d ip lomata chileno, Climene Philipps Benzanilla. O con h ecid o ad vogad o
Evaristo de Moraes, encarregad o da d efesa de Lacerda, consegu iu com a
família do réu algumas cartas de Climene qu e comp rom etiam sua “hones­
tidade”. Referindo-se ã resistência do acusado, qu e teria se op osto ã divul­
gação das cartas, o célebre advogado fez da cond u ta da viúva o principal
assunto a ser apreciad o p elo júri que, em fu nção dos p reconceitos de seus
membros em relação ao comportamento feminino, absolveu o réu. Quanto
aos atos do réu, ju stificou -os em nome da “exacerbação amorosa elevada
ao p aroxism o” que o acometera e que se revelava equ ivalente à alienação
mental.
Conclui-se d esse e de outros p rocessos, apresentados a seguir, que os
elem entos envolvid os eram ju lgad os muito mais p ela ad equ ação de seu
com p ortam ento às regras de cond u ta moral, consid erad as legítimas, do
que propriamente p elo ato criminoso em si. Igualmente, o m od elo ideal de
mulher que se distinguia nos autos era o de mãe, ser d ócil e submisso cu jo
p rincipal índ ice de moralidade era sua fidelidade e d ed icação ao marido.
O homem se definia pela dedicação ao trabalho, pois sua obrigação funda­
mental era p rover a su bsistência da família. Emergia, assim, uma imagem
assimétrica da relação homem/mulher, ou seja, do homem exercend o com ­
pleta d ominação sobre a mulher submissa.29
Para avaliação da mentalidade mascu lina acerca da legitim idad e do
adultério, quand o praticado p elo homem, temos um exem p lo na atitude e
no discurso de Raul Machado, empregado no com ércio, qu e foi su rp reen­
dido p or sua esp osa, Maria Augusta de Brito Machad o, jantand o em casa
de sua amante, a gaúcha Ermelinda Lucila de Almeida. Enfurecida, investiu
e qu ebrou grand e parte da louça qu e encontrou sobre a mesa do jantar.
Nessa ocasião, teria sido agredida p elos dois, passand o Raul a espancá-la.
Segund o seu d ep oimento, consid erava sua atitude totalm ente justificada.
Declarou com a maior simplicid ade qu e “tem com o amante Lucila, o qu e
deu lugar por duas vezes a que sua senhora fizesse escând alo na porta de
su a am ante”. E qu e às 9 horas da noite, jantava com a amante, qu and o
bateram à porta. Não recon hecen d o a voz de sua mulher, abriu a porta e
esta entrando repentinamente meteu o “chapéu de chu va” na louça, com e­
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O 383

çand o a qu ebrar tu do o qu e havia sobre a mesa. Face à agressão, ele


bu scou “segu rar e su bju gar a sua senhora”, a fim de evitar qu e ela qu e­
brasse tudo. Maria Augusta, vend o-se segura, gritou p or socorro, acorren­
do ao local “grande massa de p ovo”. Quanto ao ferimento qu e sua esp osa
apresentava atribuía-o a um fragmento de louça ou a uma haste do guarda
chuva.30
Observa-se, assim, que estava perfeitamente assumida por Raul a id eo­
logia vigente de qu e a infid elid ade masculina se constituía em assu nto do
domínio privado, não tend o ele de fornecer informações sobre o assunto a
qualquer institu ição p ú blica, no caso a p olícia, em contrap osição à infid e­
lidade feminina, vista com o crime. Interessante é a sua utilização do termo
“senhora” ao referir-se à esp osa, enqu anto qu e Ermelinda, “a ou tra”, é
brindada com o de “am an te”; sem anticam ente, uma d iferença qualitativa
entre as duas. À “senhora” eqü ivaleria o p apel de mãe e resp onsável p ela
ord enação do lar, o qu e lhe vedava, entre outros, a prática d e escând alos.
Já à “am ante” caberia acom p anhá-lo nos prazeres, no caso, o jantar com
que se deliciavam, na chegad a de Maria Augusta, a esp osa.
Maria Augusta, casada há dez anos, com três filhos, o maior com nove
anos, estaria sofrend o p rivações e necessid ad es devido à vida desregrada
do marido. H abitu alm ente, ele deixaria de ir à casa três ou mais dias e,
quando o fazia, chegava às duas, três horas da manhã, o qu e demonstrava
sua falta de assistência. Esteve com seu filho, gravem ente d oente, o qu e
não d espertou a generosid ad e p aterna qu e preferiu os gozos materiais de
uma “cocote”. Acentuava qu e “seu marido não faz m istério d esse viver
com o o demonstrou nessa d elegacia, fazendo disso alarde e m esm o título
de recom en d ação”. Ultimamente pareciam ter chegad o a um acord o: Raul
escrevera uma carta à amante em qu e se d isp unha a não mais freqü entar
sua casa. De p osse da carta, resolveu ser ela m esma p ortad ora. E, qu al
não foi seu d esen canto ao entrar na casa e se d eparar com “seu marid o à
mesa d essa m u lher”. Na sua versão limitou-se a p enetrar “altiva e resolu ­
ta”, qu and o foi:

in op in ad am en te agarrad a p or seu m arido q u e a su b ju gou , p rocu ran d o


m esm o tap ar-lh e a b oca p ara q u e n ão gritasse, sen tin d o-se n essa o ca ­
sião ferid a n a m ão d ireita p ela am an te d e seu m arid o, n ão p od en d o
p recisar se com vid ro d o cop o, se com vidro d e garrafa, b rad ou p or
socorro e p ou co d ep ois p raças e p ovo p en etraram n o jardim e ela
p ôd e escap ar a san h a d os seu s agressores.

Sem dúvida, Maria Augusta bu scou dramatizar a sua situação, ap elan­


do para lances que mais facilmente provocassem comp aixão. De qualqu er
H IS TÓ RIA D AS M ULH ERES N O BRASIL

forma, o praça qu e com p areceu ao local diz ter encontrad o “esse senhor
esp ancan d o a senhora p resente a qual achava-se com a rou pa m anchad a
de sangue. Qu e ele interveio dizendo ao senhor para não mais esp ancar a
sen hora”. A violência física foi, portanto, o recu rso utilizado p elo esp oso,
frente ã situ ação qu e o incomodava de ser qu estionad o, no caso, p ela
m anu tenção de uma amante.
Raul termina, porém, por ser absolvid o, a ju stiça recon h ecen d o o
caráter privado da questão.
Também nessa outra situação fica configurad a a mentalidade vigente
em relação ao adultério. A fidelidad e obrigatória era im p ossível d e ser
mantida p elo homem cuja sexualidade era excessivam ente exigente, resva­
lando a qualquer “sed u ção”. Julgava-se dever da esp osa a com p reensão de
tais “fraquezas”.

REAGIN DO A REJEIÇÃO

Ap esar das certezas científicas acerca da rem ota p ossibilid ad e de o


hom em m anter-se monógamo, p or força de sua natureza extrem am ente
sensu al, em op osição à m enor sensibilid ad e fem inina, não foram p ou cas
aqu elas qu e agiram tragicamente frente a tal situ ação. Esse foi o caso de
Sofia Eu gênia da Gama, parda escura, com 38 anos, solteira, analfabeta,
doméstica, residente em Vila Isabel, que após tentar assassinar seu amásio,
o português José Pinto Ferreira, com 41 anos, solteiro, proprietário de uma
grand e confeitaria no bairro, disparou contra si, visand o su icid ar-se.31
Sofia vivia com José há cerca de 21 anos, conhecend o-o quand o ainda
desfrutava de uma situação humilde. Tornand o-se d ono de uma confeita­
ria, muito p rosp erou , adquirindo José inú meros ou tros p réd ios qu e lhe
p rop orcionavam renda considerável. José, há uns oito m eses, p assou a
m anter relações íntimas com uma ex-em p regad a d o casal qu e ele teria
desvirginado, Maria Henriqueta dos Santos, com ap enas 23 anos. José co­
locou Maria Henriqueta sob seu sustento, montand o-lhe casa e passand o a
pernoitar na companhia da nova amante às terças, sextas e domingos, acom­
panhand o-a em tod os os divertimentos, e p rom etend o-lhe até casam ento.
Os outros dias passava com Sofia.
Inconform ad a com esse estad o de coisas, Sofia p rocu rou discutir a
situ ação com José, que, segu nd o as testem unhas, não lhe dava atenção e
afirmava para os amigos a resp eito de H enriqu eta qu e “aqu ilo não era
nada, qu e a d enu nciad a era semp re o ch efe da casa”. Ainda, informam
amigos de José, qu e ele “sempre tratou com muito carinho su a amásia
Sofia, p rop orcionand o-lhe tod os os recu rsos e atend end o a tod as as ne-
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O 385

cessid ad es da m esm a”. Dep reen d e-se da ênfase d essas afirm ações uma
tentativa de ju stificar a atitude p revaricadora de José, já qu e ele cu mp ria
aquilo qu e a socied ad e consid erava o seu d ever p rincipal, ou seja, o su s­
tento de Sofia. Assim, fica im plícito qu e ele teria d ireito a certas “lou cu ­
ras”, no caso uma amante bem mais nova do que aquela com quem convi­
via há muitos anos.
Sofia, de início, perseguira Henriqueta, sobre a “qual recaíam ressen­
timentos p rofu nd os p ela circu nstância, de haver conqu istad o o objeto de
seu amor, leviana ou traiçoeiram ente no seu p róprio lar, até então feliz”.
Dep ois, mu dando de idéia, adquiriu um revólver, do qu e foi informad o
José p or uma carta anônima à qual ele não deu maior importância, d izen-

As classes m en os favorecid as foram as mais p reju d icad as n o p rojeto d e m od ern ização


das cid ad es já n o in ício d o sécu lo XX. Em n ossos dias as famílias p ob res con tin u am
sob reviven d o em m eio à m iséria, muitas vezes sem a p resen ça d o pai.
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

do qu e “não tinha medo de tiros de mu lher”. Na noite d e 18 de ju lho de


1907, p or volta de 1 hora da manhã, Sofia atirou em Jo sé no ouvido d irei­
to, fazend o o mesmo consigo.
Os amigos de José, como o negociante português José Martins Simões,
fizeram qu estão de frisar, como um dado positivo para a vítima, qu e:
Sofia d escob rin d o a infidelidade ficou tod a en ciu m ad a e às vezes p ro ­
cu rava d iscu tir e b rigar n ão levan d o p orém a efeito, visto q u e Ferreira
n ão lhe d ava aten ção; q ue Ferreira sem p re tratou com m u ito carin h o
su a am ásia Sofia, p rop orcion an d o-lh es tod os os recu rsos e aten d en d o
a tod as as exigên cias da m esma.

A própria Maria Henriqueta afirma qu e o “Sr. Ferreira tratou sempre a


denu nciad a com estima dando-lhe tudo quanto p ed isse e assim continuou
mesmo d epois qu e montou casa para ela, informante”. Observa-se, assim,
qu e a infid elid ad e masculina constitui objeto de tolerância, d esd e qu e o
homem assegu re seu p ap el fundamental na família, qu e é o de provedor.
Tod os, d e certa forma, consid eram em seu s d ep oim entos qu e José não
m erecia tal d esfecho, já qu e não só mantinha Sofia e seus familiares com o
a tratava de maneira carinhosa, atitudes su ficientes para satisfazer a uma
mulher.
Cabe ressaltar qu e tais con cep ções, com o as demais qu e ap ontam os
nos diversos relatos d esse trabalho, extrap olam os limites das situ ações
focalizadas, exp ressand o a cultura da ép oca. Em suma, esse era o p ensa­
m ento d ominante no que se refere ao com p ortam ento m ascu lino e às ex­
pectativas relativas à comp reensão feminina nas situ ações d escritas.
Vítima de uma situação similar àquela de Sofia, Malvina de Souza Lima,
natural d e Vassouras, com 40 anos, solteira, sabend o ler e escrever, p ro­
prietária de uma p ensão situada à rua Luiz Gama, em d ezem bro de 1917
disp arou o revólver contra sua rival, a p ortu guesa Dolores Pinto, com 31
anos, solteira, cançonetista e proprietária de uma casa de chop e. Malvina
d ep õe qu e há nove anos mantinha uma relação de amor com Antônio
Rodrigues d os Santos, d ono da fábrica de cerveja Com ércio, localizad a à
avenida Passos. Ultimamente, porém, p ercebera certo retraimento de An­
tônio, descobrindo que ele passara a se relacionar, igualmente, com Dolores
Pinto. Tiveram um atrito e separaram-se, chegand o Malvina a tomar-lhe a
chave d e sua p ensão qu e até então ele p ossu ía, mas a d esp eito d isso
ainda se encontravam e falavam. Dolores, porém, freqü entem ente chama-
va-a ao telefone insultando-a. Naquele dia p rovocou -a, d izend o qu e o seu
amante estava na casa dela. Transtornada, Malvina foi à procura do amado,
andando em seu encalço até cerca de lh da madrugada não consegu ind o
MULHERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

encontrá-lo. Às 4h :30, já em sua casa, foi despertada p elo telefonem a de


Dolores qu e falava qu e àqu ela hora o seu amante estava em sua com p a­
nhia

e q u e a d eclaran te fosse p ela m an h ã à fáb rica d e cerveja p orq u e tinha


q u e liqu idar as con tas; a d eclaran te ainda mais exaltad a com essa p ro­
v o cação p ela m an h ã foi à fábrica d e cerveja, isto é, ap roxim ou -se p ara
ver se seu am an te ch egara com D olores.

Não os encontrand o, Malvina, dirigiu-se a um botequ im ond e bebeu


“agu ard ente com o se isso lhe servisse de lenitivo” e ao sair viu Dolores
entrar na fábrica. Foi a uma casa de armas e comp rou um revólver p or
qu arenta mil réis, sob a garantia de seus brincos p orqu e não tinha o di­
nheiro. Em segu id a, encam in hou -se para a fábrica, ond e Dolores já não
estava e aí conversou com o gerente, quando novamente apareceu Dolores.
Ao d eparar-se com a rival, teria perdido a razão e d esfechad o vários tiros
fatais. Ignorand o o resultad o de seu ato, recobrou a razão qu and o já fora
da fábrica.32
Malvina foi absolvida p elo júri a 21 de fevereiro de 1919, sob a alega­
ção d e qu e esta se achava em estad o de comp leta p rivação de sentid os e
inteligência. Esta d ecisão não foi aceita p elo promotor, qu e recorreu ale­
gand o qu e seria

levar m uito lon ge a elasticid ad e já gran d e q ue se tem d ad o à p ertu rb a­


ção d os sen tid os e da in teligên cia admitir, com o n esse estad o, tod a a
m u lh er m ercad ora d e seu corp o q ue vê substituída sua falta d e atrati­
vos, d imin u ídos ou ap agad os p ela ação d o tem p o, p ela m ocid ad e e
coquet t erie d e u m a com p etid ora q u e su ced e hoje p ara ser d esp ed id a
am an h ã q u an d o satisfeito o ap etite bestial d o am an te q u e p aga aq u ela
q u e mais lhe agrad e.

E ainda lembrava aos Desembargadores que

a acu sad a é m orad ora à rua Luiz G am a, antiga Esp írito San to, solteira,
h ab itu ad a ao com ércio d o am or e d as em oções da m u d an ça d e am an ­
te, o q u e a faz agir mais p or cálcu lo d o q u e p or sen tim en to.

Essa afirmação era bem o reflexo dos p reconceitos da ép oca contra as


mu lheres qu e não se ad equ avam ao mod elo de mulher ligada ao lar e ao
marido. Essas, m antend o-se solteiras, com o acentu a o trecho acim a, ou ­
sand o entreter uma vida livre, eram mu lheres perdidas, indignas, p erigo­
sas por servirem de d escam inho para as “filhas de família de p ou cos teres”,
incapazes de sentim entos mais nobres.
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

O p romotor não fez m enção ao fato de Malvina ser p rop rietária de


p ensão, o qu e a tornava de certa forma ind ep end ente fin anceiram ente.
Considerava que a única ligação qu e essa era capaz de manter se baseava
no interesse e no cálcu lo, send o a ocasião uma op ortu nid ad e da ju stiça
afastar mulher tão nefasta do convívio da socied ad e.
Suas argumentações encontravam guarida junto aos juizes da 3‘ Câmara
Criminal, encarregados de julgar o recurso, numa demonstração dos p recon­
ceitos do momento em relação à mulher. Os juizes argumentaram que:

d e fato, em b ora se verifique q ue a acu sad a p raticou o crim e sob o


im p ério da em oção violenta com o esp írito p ertu rb ad o p or injúrias da
vítima e p elo ab an d on o d o am an te, n ão b asta essa circu n stân cia p ara
isen tá-la da resp on sab ilid ad e criminal.

Assim, salvaguardava-se a ordem, já qu e a fu nção do ju d iciário con ­


sistia em garantir a vigência de um sistem a d e norm as vistas com o u ni­
versais e ad equ ad as à socied ad e, d escon sid eran d o a existên cia d e p a­
d rões alternativos. Face ao sensacionalism o qu e a im p rensa em prestava
na ép oca aos crim es p assionais, o p leito era acom p an had o p elos d iver­
sos segm en tos da socied ad e. Acentu ava-se, d essa forma, a n ecessid ad e
de garantir seu p apel p ed agógico, qu e no caso em pauta residia em mar­
car a im p ossibilid ad e de uma mulher, aind a mais p rostitu ta, sair in cólu ­
me d e uma situ ação em qu e ousava inverter a cond u ta trad icional esp e­
rada.
A m ineira Maria Flau sina d os Santos, n egra, an alfabeta, em p rega­
da d om éstica, aos 13 an os, n ão m ereceu da ju stiça qu alqu er tolerân ­
cia. Morava nu m a rua n ão m u ito con ceitu ad a, a ru a d e São Jo r g e, e
fora aban d on ad a p elo am ante, o p ortu gu ês Sebastião da Costa Lop es,
solteiro, estivad or. In con form ad a com o fato, em n ov em bro d e 1917
Maria Flau sin a resolveu m atar o am an te, m as errou o alvo ferin d o o
com p an h eiro com qu em Sebastião jogava bilh ar, o esp an h ol Jo s é
Land eira.33
Disse Maria Flausina que:

d u ran te três an os, Seb astião freq ü en tou a sua casa d eixan d o d e o fa­
zer d e algu ns dias a esta p arte; q u e h oje ven d o-o n o b ilhar da rua S.
Jorge, 79, ali en trou com a in ten ção d e o m atar, levan d o p ara esse fim
a pistola aqui p resen te com a qual d esfech ou u m tiro em Seb astião,
q u e errou o alvo e falhou o seu in ten to, in do o projétil ferir ao d on o
d o b oteq u im q u e na ocasião jogava b ilhar com Seb astião; q u e a p isto­
la, a d eclaran te com p rou on tem em u ma casa da Av. Passos e o fez já
com o in ten to d e com ela m atar Seb astião.
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

Tal d ep oimento, caso seja verdadeiro, revela uma total ingenu id ade e
falta de assistência de Flausina, d ecorrente de sua con d ição de mu lher
pobre. Sem advogado para acompanhá-la na Delegacia, teria sido fatal esse
tipo de d eclaração.
Porém, as d eclarações de Sebastião e de outras testem unhas d eixam
dúvidas qu anto à fid elid ad e do d ep oim ento acima. Disse Sebastião qu e
não deu atenção a Flausina qu and o esta pediu qu e ele a acom p an hasse.
Continuou a jogar bilhar d istraidamente e de rep ente ouviu o estam p id o
de um tiro. Tal seqü ên cia revela muito mais uma atitude impulsiva de
Flausina diante do d escaso, qu e Sebastião a relegava, o qu e não foi, p o­
rém, levado em conta. Acresce que a acusada esporad icamente praticava o
meretrício, ap resen tand o em sua ficha quatro d etenções p or vadiagem ,
além de ter sido presa três vezes p or briga com Sebastião.
Esses fatos d evem ter contribu íd o para o júri cond ená-la à p ena de
dez anos e quinze dias de prisão celular, algo exagerad o face ao ocorrid o.
Além d isso, sua ap elação foi recusad a e, na verdade, esta d eve ter sid o
uma forma de depurar o ambiente de pessoa tão nefasta: mulher insubmissa,
agressiva, e ainda meretriz, traind o o mod elo de p assividad e e d om es­
ticidade, essencial à sua absolvição.
Um d ad o im p ortante é qu e, ap esar de o d escrito acim a se constitu ir
num crime passional, em nenhu m momento foi lembrado o artigo qu e lhe
era corresp ond en te do Cód igo Penal, ou seja, o estad o de p rivação de
sentid os e de inteligência para ju stificar a atitude de Flausina, com o se
fazia de forma corriqu eira com relação aos idênticos crimes masculinos na
época.

DEFESA DA H ON RA É IMPORTAN TE!

A honra da mulher constitui-se em um conceito sexualmente localizado


do qual o hom em é o legitimad or, uma vez qu e a honra é atribuída p ela
ausência do homem, através da virgindade, ou pela p resença masculina no
casamento. Essa con cep ção im p õe ao gênero feminino o d esconhecim en­
to do próprio corp o e abre cam inhos para a rep ressão de sua sexu alidade.
Decorre daí o fato de as mu lheres manterem com seu corp o uma relação
matizada p or sentimentos de culpa, de impureza, de diminuição, de vergo­
nha de não ser mais virgem, de vergonha de estar menstruad a etc.
Esses sentimentos, por sua vez, seriam acionad os e reforçad os através
de uma rede de informações sobre o corp o que se caracterizaria pela trans­
missão de inform ações de caráter restritivo (“não p od e”) e p unitivo (“se
fizer isto acontece aqu ilo”). A identidade sexual e social da mulher através
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

de tais inform ações molda-se para atend er a um sistem a de d om inação


familiar e social. O medo, a insegurança, a vergonha, por sua vez, extrava­
sam d o sexu al para a atu ação no social, num sistema de realim entação
constante.34
As con stru ções têm, igualm ente, um significad o p olítico, com o se
p od e d ep reend er dos acontecim entos em Desterro, atual Florianóp olis,
no ú ltimo terço do sécu lo XIX. A forte crise econ ôm ica d aqu ele m om en­
to agu çou as disp u tas p olíticas no seio da elite local, observan d o-se a
íntima relação entre o com p ortam ento sexu al das m u lheres, a honra fa­
miliar e a hierarqu ia social. Qu alqu er su sp eita acerca d o p roced im ento
das m ulheres dos d iferentes grup os sociais corresp ond ia à sua exclu são
do p od er local, num contexto econ om icam ente estagnad o. Diante d esse
panorama se exp lica a p reocu p ação extrema dos jornais de Desterro com
a veicu lação de im agens fem ininas id ealizad as, con trap on d o com fre­
qü ência às qualidades femininas ideais - “m eigu ice, fragilid ade, am or” -
àqu elas consid erad as p erigosas - “vaid ad e, fu tilid ad e e traição”. Não
obstan te, valores veicu lad os, em grand e m ed id a, contrastavam com as
p ráticas das m u lheres das camadas p op u lares, forn ecen d o argu m entos
para a sua rep ressão.35
Esse quadro configura uma modalidade de violência que, embora não
com p reend a atos de agressão física, d ecorre de uma norm atização cu ltu­
ral, da discriminação e submissão feminina. Assim, p ermaneceriam as mu­
lheres por longo tempo sem poder dispor livremente de seu corpo, de sua
sexualid ad e, violência qu e se constituiu em fonte de múltiplas outras vio­
lências. Qu anto aos homens, estimulou-se o livre exercício de sua sexu ali­
dade, sím bolo de virilidade; na mulher tal atitude era cond enad a, caben ­
d o-lhe reprimir tod os os d esejos e impulsos d essa natureza. Mulheres sol­
teiras qu e se deixassem desvirginar perdiam o direito a qu alqu er consid e­
ração e, no caso de uma relação ilegítima, não se sentiam os hom ens
resp onsabilizad os, d evend o as mu lheres arcarem com o p eso das con se­
qüências do “erro”.
Afinal, “pureza” era fundamental para a mulher, num contexto em que
a imagem da Virgem Maria era o exem p lo a seguir. “Ser virgem e ser m ãe”
constitu ía-se no supremo ideal d essa cultura, em contrap osição à “mãe
puta”, a maior degradação e ofensa possível da qual todas desejavam esca­
par. E, assim, mu lheres aband onadas exp u nham suas vidas em práticas
abortivas toscas e apressadas, outras se d esfaziam do recém -nascid o nas
situ ações mais trágicas. Transformavam-se em monstros, numa cultura ali­
mentada p elo estereótip o do amor de mãe com o instintivo, “p orqu anto as
feras indomáveis, essas mesmas, com a sua asperidade, têm am or”. Outras
M ULHERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

qu e arriscaram viver sua sexu alid ad e, com outro p arceiro qu e não seu
marido, foram assassinad as em nome da “legítima d efesa da honra”.36
Esse cen ário aju d a a com p reen d er a p reocu p ação exp ressa d e um
anônim o pai p ortu gu ês, aflito com a p erm anência no Brasil de su a filha
Celeste Aurora Vieira, com ap enas 17 anos. Mantend o-se em Portugal, na
corresp ond ên cia trocad a com Celeste, o pai lim ita-se a lem brá-la da im­
p ortância d e se m anter virgem. A 15 de ju lho de 1901 era ele bem exp lí­
cito:
Receb i a tua carta a qual estim ei sab er n otícias tuas, Au rora. O q u e te
p eço é q u e ten h as m uito juízo, n ão te fies em p rom etim en to d e h o­
m em n en h u m , tem juízo q u e és m uito crian ça [...] Se ten s juízo n ão m e
q u eiras d ar algu m d esgosto, d este teu pai q u e mil felicid ad es te d ese­
ja, ad eu . Até a vista.

Em 27 de d ezem bro de 1901 volta o p reocu p ad o pai a escrever:


Receb i a tua carta, vejo o q u e me d izes, p ois eu já receb i 6 cartas tu as
e ten h o resp on d id o a tod as com a d ireção q u e me m an d as d izer n as
tu as costas. Agora o q u e te d igo é q ue ten h as juízo, seres m u lh er
h on rad a, tu b em sab es q u e estás lon ge de mim, govern a a tua vida
h on rad am en te, sem vergon h a d o m u n d o. E q u e n in gu ém ten h a q u e te
d izer q u e é o m elh or gosto q u e m e p od es d ar.37

A gravidade d essa qu estão p ode ser melhor avaliada através do relato


de Eleuzina Gomes, branca, com 18 anos, solteira, sabend o ler e escrever,
que declara:
Q u an d o con tava n ove an os d e idade e m orava na Rua da Am érica,
certo dia foi ap an h ad a d escu id ad a p or um em p regad o d o b oteq u im
q ue fu n cion ava n o an d ar térreo d o p réd io, d e n om e Ern esto, d e seu s
d ezessete an os. Este forçou a d ep oen te à p rática d e atos sexu ais, d e
cu jas con seq ü ên cias n ão se record a, n em m esm o se o ato se con su ­
mou e se sentiu algu m a d or.38

Tal ocorrência marcou profundamente Eleuzina, qu e, sentind o-se in­


digna, consid erou -se obrigada a contar o fato ao rad iotelegrafista Edson
dos Santos, com o qual com eçara a namorar há cerca de seis m eses e com
quem tratou casam ento. Ed son, “a p retexto de qu erer verificar se a d ep o­
ente já tinha sid o ou não desvirginada, tentou por três ou quatro vezes ter
relações sexu ais consigo, o qu e entretanto, nunca se consu m ou por moti­
vos qu e não sabe exp licar”.
Segund o Eleu zina, da última vez “sentiu d or e o empu rrou não con ­
sentind o mais no p rossegu im ento do coito; qu e tam bém notou qu e sua
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

camisa recebeu uma ponta de sangue”. Edson, em seguida, d esmanchou o


noivado com Eleuzina. Ele se refere ao

mau com p ortam en to e muitas levian d ad es p or ela p raticad as e q u e ao


sab er d o ocorrid o e ten tar com p rová-lo, afastou -se p or com p leto [...]
tan to m ais q u e o d ep oen te já an d ava con trariad íssim o, com o p roced i­
m en to d e sua n am orad a q ue passeava a sós p o r esta cidade, tanto de
dia com o de noite, e at é freqüent av a clubes carnav alescos fant asiada.
[grifo n osso]

No rol das acu sações qu e faz a Eleu zina, fala d os “nam orad os qu e
ela arranjava e aband onava am iú d e” e inclu sive d e qu e esta lhe fora
apontad a em uma Exp osição do Convento da Ajuda com o m ulher p ú bli­
ca. Verifica-se do d ep oim ento de Ed son tod o o em p en h o em ap resentar
uma visão negativa de Eleu zina, para ju stificar qu e a p rática de relações
sexu ais mantida com a mesma em nada teria contribu íd o para d eflorá-la,
ela qu e já vinha ap resentand o traços tão com p rom eted ores para uma
m oça digna.
A angústia de Eleuzina, diante do d esconhecim ento de seu corp o,
levou -a a confessar à senhora da casa ond e morava qu e d esejava ser exa­
minada para, no caso de já se achar de fato deflorada, arranjar um homem
qu e a p rotegesse, isso porque já não via cond ição de consegu ir casam en­
to, caso se confirm asse a sua suspeita de não ser mais virgem.
Eleu zina, na sua ansiedad e, foi levada a uma enferm eira da materni­
dade Angélica de Magalhães, que revelou ter sido procurada em princípio
de novembro por uma mocinha cu jo nome ignora, acompanhada de Dona
Lucília de Oliveira, p essoa qu e estava send o tratada na maternid ade de
uma moléstia de ovários; que a referida mocinha pediu-lhe com insistência
qu e a exam inasse a fim de verificar se estava ou não d eflorad a; qu e, de
início, tinha querido se esquivar dessa incu m bência, mas, dada a insistên­
cia com qu e a moça pedia o exame,

fê-la subir a um a mesa de exam e e fin giu que a t inha exam inado, sem
que de fat o o fiz esse, visto que absolut ament e não lhe tocou e nem viu
as part es sexuais da m enor referida, tanto mais qu e a depoent e sofre da
vista, e p or este p rocesso n ão podia sab er se ela estava ou n ão d eflorad a;
q u e é verd ad e ter dito a ela q u e p od ia se casar, p orq u e tan to se casam
as solteiras e as viúvas, mas o fez sem q u erer afirm ar ou n egar q u e ela
já estivesse ou n ão d eflorada; q u e ela p róp ria foi q u em d isse à d ep o­
en te já ter tido relações sexu ais com h om en s e p or isso a d ep oen te, à
vista d essa in form ação ouvida da sua p róp ria b oca, ficou con ven cid a
d e q u e ela já n ão mais era d on zela, [grifo n osso]
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

A mãe de Eleu zina, qu eixan d o-se à p olícia, d eclarou qu e a filha não


estava deflorada totalmente, tend o sido ap enas forçada, mas qu e p odia se
casar sem receio algum; qu e na segunda-feira daquela semana, Lucília vol­
tou a ela e então d isse-lhe qu e não convinha estar enganand o: a sua filha
Eleuzina estava desvirginada e há muito tempo.
Eleuzina, p or sua vez, com p leta o relato afirmando qu e Dona Lucília
iria lhe apresentar, naquela mesma tarde, um homem muito rico qu e podia
protegê-la, recom end and o se preparasse para recebê-lo. Realmente, nesse
mesmo dia, ap areceu o tal homem, chamado de Araújo, português, m ore­
no alto e gordo. No dia imediato,. Dona Lucília cham ou -a para:
com b in ar o n egócio d a p roteção com o sen h or Araújo q u e lá tinha
voltad o e, en tran d o a d ep oen te na sala em q u e ele estava e q u e ao
m esm o tem p o é o d orm itório d e D on a Lucília, esta retirou -se e fech ou
a p orta, d eixan d o a d ep oen te a sós com ele; con versaram p or algu m
tem p o e ficou estab elecid o ficar a d ep oen te sob a p roteção d ele m e­
d ian te a con trib u ição m en sal d e cen to e cin q ü en ta mil réis q u e d essa
vez teve um con tacto sexu al com ele na p róp ria cam a d e Lucília sem
q u e sen tisse d or algu m a ou p erd a d e san gu e, q u e n o dia segu in te
p orém ao ter com ele n ovo con tacto sexu al, sentiu d or e verificou q u e
sua cam isa ficou suja d e san gu e; atribui p orém essa an orm alid ad e ao
fato d e ter in trod u zid o na vagin a u m a cáp su la em form a d e ovo,
forn ecid a ain d a p or d on a Lucília p ara o fim d e a d ep oen te n ão ficar
grávid a.

Verifica-se qu e Eleuzina foi submetida a todo tipo de enganos e humi­


lhações, além do que, p or força do sistema em que estava inserida, via seu
corp o não com o uma fonte de p razer e satisfação, mas com o uma m erca­
doria a ser negociad a. Sendo muito p obre, consid erou ser esta uma forma
de “não p assar mais n ecessid ad e”, seguind o o raciocínio de qu e, sem uma
form ação p rofissional ad equ ad a, p ou cas ch an ces teria de sobrevivên cia
no m ercad o de trabalho, a não ser com o d oméstica - atividade extrem a­
m ente esp oliad a e d ep reciad a. Desp ojad a do hímen, com o lhe queriam
fazer crer, o casam ento lhe ficava ved ad o.
Tamanho era o significado da honra feminina, qu e algumas mu lheres
não vacilavam em exterm inar seus persegu id ores, ao se virem importuna­
das p elas insistentes abord agens e tentativas de sed u ção. Em tais circu ns­
tâncias, o recurso extrem o ap arecia com o única alternativa numa socied a­
de qu e via a agressão sexu al com o própria ao homem, ao m esm o tem p o
que d esconfiava da mulher qu e se deixava possuir p ela força. Violentada a
mulher, o seu p rocesso de estigmatização é irreversível. Nesse âmbito, em
que “a resistência da vítima é a ú nica prova da existência da violên cia”,
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

exp lica-se a p osição assumida por algumas das mu lheres injuriadas ante a
atitude de seus perseguidores.
Os crimes com etid os em nome da d efesa da honra fem inina eqü iva­
liam àqueles cometidos pelos homens, no caso da infidelidade da mulher.
Percebe-se, portanto, p or parte dos agentes ju ríd icos, uma tend ência a
consid erar as mulheres que defendessem sua honra com o m ereced oras de
tolerância, aceitand o-se para o seu ato a ju stificativa do “estad o de
irresponsabilid ad e p enal por privação de sentid os e inteligência”.
Assim, a italiana Biasina Siciliano, com 33 anos, analfabeta, d om ésti­
ca, narra sua situação de casada há doze anos com o comp atriota Vicente
Pinola, marítimo, atualmente desempregado e d oente, com quem teve três
filhos. Acentua ter sempre vivido “honestamente, trabalhand o tanto quan­
to permitem suas forças para auxiliar seu marido na m anu tenção da famí­
lia”; u ltimamente, estava sofrend o o asséd io de Francisco Santoro, tam­
bém , italiano qu e “a todo transe qu er obrigar a d ep oen te a com ele ter
relações sexu ais”.
Q u e d e início Santoro se utilizava de b oas m an eiras, m as n ão con se­
gu in d o ‘q u eb rar a severa linha de con d u ta traçad a p ela d ep oen te, p as­
sou p ara o terren o das am eaças’, in clusive u ltim am en te este lhe tem
m ostrad o arm as e lhe tem d eclarad o q u e ‘p or b em ou p or mal havia a
d ep oen te d e a ele en tregar seu co rp o ’, q u e face a tais am eaças, esta
con tou o q u e se vem p assan d o a um a família q u e m ora con sigo na
m esm a casa; q ue inclusive San toro d izen d o-se am igo d e seu m arid o,
p rocu rava sem p re ir visitá-la nas ocasiões d e au sên cia d o m esm o, tor­
tu ran d o-a com suas p reten sões. Q u e h oje cerca d e 6 h oras da tard e,
com o n ad a tivesse q ue d ar aos filhos p ara com er, seu m arid o, m esm o
d oen te saiu d e casa p ara com p rar um p ou co d e café.39
N esse in tervalo, en q u an to Biasin a en tregava-se aos seu s trab alh os
d om ésticos, na cozin h a, ali ap areceu Fran cisco San toro q u e n ão só a
teria agarrad o b ru talm en te, com o lhe d issera q u e “h oje, p or b em ou
p or mal, a d ep oen te havia de a ele se en tregar”. Pron tam en te, reagiu a
agred id a, resp on d en d o-lh e que só p raticava esse ato com seu m arid o.
San toro am eaçou -a d e m orte e já ten d o “on tem ten tad o m atá-la com
u m p u nh al, am ed ron tou a d ep oen te p or tal m an eira q u e em d esesp ero
d e cau sa lan çou m ão de uma faca d e cozin h a q u e ali en con trou e com
ela, d eu várias cu telad as em seu ofen sor, não só p ara dele se livrar
como p a ra desafront ar sua honra ult rajada ”. [grifo n osso]
A defesa de Biasina e as dos demais processos da mesma natureza
pesquisados não se pautaram em aspectos essenciais: o significado da violên­
cia contra a mulher, o desrespeito à pessoa humana, à integridade individual
da mulher, ao direito desta dispor de seu corpo. A defesa acentuou tão-somen­
MULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

te a questão da honra feminina, cujo significado para a sociedade era o único


relevante, um verdadeiro atentado à propriedade do marido ou do pai.
N esse sentid o, a d efesa afirma: “Com base em Cogliolo, qu e a h on ­
ra ‘con stitu i o mais sagrad o e p recioso p atrim ônio d e tod o h om em ’ e
qu e nenhu m d ireito é p ortan to, mais essen cial à p essoa hu m ana qu e o
d ireito à h onra. É ela o fu nd am ento da vida socia l” (trad . De Direit o
Penal 111-88).
E ainda:

Se a d efesa da h on ra con stitu i d irimen te d e resp on sab ilid ad e d os d eli­


tos p raticad os n as circu n stân cias definidas n o art. 34, d o Cód igo Pe­
nal, m ais acen tu ad a d eve ser a justificativa q u an d o essa d efesa se refe­
re ao sen tim en to d e fidelid ad e con ju gal, fu n d am en to d e tod a organ i­
zação social e b ase p rimord ial da m oral p úb lica e p rivad a.

O juiz acolheu a argumentação e ainda reafirmou o direito da mulher:


“de p revenir p or tod os os m eios o ultraje de qu e está am eaçad a e de em ­
p regar p or este efeito a violência, pois p od e tudo recear d aqu ele qu e se
lança sobre ela para um atentad o d este gênero (ao p u dor). Este p erigo
basta para legitimar a morte ou os golp es e ferid as”.
A ré Biasina foi absolvid a p or legítima d efesa, tend o o p rom otor re­
corrido, contra o qu e se pronu ncia o Procurador Geral, send o confirmada
a absolvição a 17 de janeiro de 1920.
O ú ltimo caso qu e com entarem os é o de Mariana Jan ibelle, igu al­
m ente italiana, com 15 anos, sabend o ler e escrever, d om éstica; resid ia
há 5 anos na estalagem da Rua Areai na 52. No p átio da referid a estala­
gem, às 8h da noite, com uma faca de cozinha d esferiu p rofu nd o golp e
qu e acertou m ortalm ente o m arceneiro paulista Luiz Ru sso, com ap enas
18 an os.40
Mariana declarou qu e tinha conhecid o Luiz Russo há cin co meses. Ele
era vend ed or d e jornais e morava na mesma estalagem em qu e ela residia.
O hom em a p rocurava insistentem ente, inclusive qu and o ia para o colé­
gio, na Praça da Rep ública.

Q u e há m ais d e d ois m eses a d eclaran te receb eu u m cartão-p ostal p or


in term éd io d e um ind ivíd uo am igo d e Ru sso; q u e, sab en d o ser d e
Russo, jogou -o fora e ap esar d isso, Russo a p ersegu ia; q u e u ltim am en ­
te Russo m ostrou -lh e um revólver e an tes escreveu -lh e u ma carta di­
zen d o-lh e se q u isesse a luta ele teria a esp ad a e se q u isesse a p az ele
n am orava ela; q u e Russo tod o o dia vigiava a casa da d ep oen te e dizia
q u e ali n en h u m rap az havia d e parar, q u e isso revoltou o esp írito da
d ep oen te e h oje à n oite ela cravou -lh e a faca n o p eito.
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

As testem unhas confirmaram suas afirm ações, bu scand o ap resentar


da vítima uma imagem extremamente negativa. Uma delas relatou qu e Luiz
Russo difamava a d enu nciad a faland o de sua honra, e qu e em certa oca­
sião a vítima lhe mostrara um revólver qu e comp rara a fim de tirar a vida
da acu sad a e de seu progenitor. Afirmou, aind a, qu e Luiz Russo insistia
para que a denunciada lhe retribuísse os seus galanteios, mas nunca Mariana
lhe correspond eu . Enfim, desiludido, Luiz lançou mão da calúnia, afirman­
do a um companheiro que Mariana era sua amante; costumava ainda enviar
cartas imorais com gravuras p ou co d ecentes à moça.
O praça qu e conduziu Mariana à d elegacia informou qu e ela assim se
exp ressou a respeito de Luiz: “Quiseste manchar a minha honra, mas tirei-
lhe a vid a”, algo qu e deve ter ecoad o muito p ositivam ente em favor da
acusada. Configuravam-se, assim, inúmeros atributos qu e visavam empres­
tar à vítima características qu e a identificavam com o p erniciosa à socied a­
de, cu ja morte se constituía, praticamente, num benefício. A d efesa justifi­
cava o crime de Mariana baseand o-se na pressão qu e sofria de Luiz Russo,
não só através de galanteios inconvenientes, am eaças a sua vida, com o,
principalmente, através de ofensas à sua reputação, enviando-lhe missivas
e gravuras p ornográficas, além de difundir p ela vizinhança qu e Mariana
era sua amante.
A d efesa explorou o p reconceito relativo à id entificação da honra fe­
minina com a sexualidade, argumentando que:

Foi sob u ma atm osfera d e tal ord em q u e viveu Mariana Jan ib elli. Du ­
ran te algu m tem p o, op rim id a, insultada, vilip en d iad a n o sen tim en to
m ais p u ro e mais sagrad o q ue a sua alma d e m oça d ign a ven erava,
am eaçad a, sem p od er recorrer à d efesa d o seu pai, in cap az de am p ará-
la e socorrê-la d ad o o fato d e viver sem p re em estad o d e em b riagu ez,
ela se viu forçad a a agir em certo m om en to p ara p ôr term o a u m a vida
d e difícil, sen ão imp ossível con tin u ação.

Recorrendo à criminologia da época, citando expressamente Lombroso


e Ferri, Mariana é apresentada como tendo reagido por um impulso passional
irresistível, sentim ento de que seriam tomados “indivíduos de sensibilid a­
de exagerad a e de anteced entes irrepreensíveis qu e são levad os à prática
do delito por uma impulsão passional irresistível, principalmente pelo amor,
pela política, p ela honra com o p aixões sociais”.
A atitude de Mariana, ao contrário de merecer uma punição, deveria se
constituir em “alto e moralizador exem p lo” demonstrativo de que “a acu sa­
da, longe de ter aninhados em sua alma juvenil sentimentos de corrup ção e
de desbrio, tem a compreensão nítida da honra e da dignidade”.
M ULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O 397

E conclu ía a d efesa com argumentos similares àqueles utilizados para


com os homens que assassinavam suas esposas ou companheiras. Mariana
Janibelli teria agido sob o impulso de “uma p aixão violenta, sob a influ ên­
cia irresistível de um ressentimento digno de [...] aprovação, sob o ímpeto
de uma justa dor; não p od e p ortanto ser consid erad a capaz de resp ond er
p or atos qu e em tais cond ições p raticou ”. E a op inião p ú blica, traduzida
por artigos em toda imprensa, foi u nânime em recon h ecer a sua atitude
com o efeito de uma exp losão violenta e m om entânea qu e lhe told ou a

A infidelidade
feminina era,
em geral, p u n id a
com a m orte.
No Brasil, d e acord o
com o cód igo p en al
d e 1890, só a m u lh er
era p en alizad a
p or ad u ltério.
H IS TÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

razão. Ressaltava-se a “pureza de caráter de uma alma cândida e imaculada


de d onzela qu e não d eixou periclitar o seu mais sagrad o e inestim ável
patrimônio”.

ALGUMAS CON SIDERAÇÕES

Sofrend o os efeitos de uma ord em social injusta e d iscriminatória e


tend o o seu cotid iano marcado p elas d ificuld ades d e sobrevivên cia, na
maior parte das histórias relatadas aqui deparamos com mu lheres bastante
d iferentes do estereótip o feminino da ép oca. Em bora não d eixassem de
exp erim entar a influência dos padrões culturais vigentes, essas m u lheres
exp ressavam no com portamento suas cond ições concretas de existên cia,
marcada p or p recaried ad es materiais qu e as obrigavam a uma constante
luta. Consideradas p erigosas p or serem p obres, eram su jeitas a constante
vigilância, o qu e não as impedia de se ap ropriar d e d iversos esp aços, lu­
tando sem d estem or p elos seus direitos. Circulavam p elas ruas, em bu sca
da resolu ção de seu s p roblemas, p reocu p ad as com o trabalho, com os
filhos, muitas vezes surpreendendo o marido ou com p anheiro qu e as en­
ganava. Por tudo isso, julgavam-se merecedoras de direitos iguais aos dos
homens com quem conviviam.
Além da violência física, sobre elas fez-se sentir, igualmente, a violên­
cia sim bólica dando lugar à incorp oração de inú m eros estereótip os. Em
boa parte das situações essas mulheres desenvolveram táticas com vistas a
mobilizar para seus próprios fins rep resentações qu e lhes eram impostas,
bu scan d o desviá-las contra a ordem qu e as produziu; ou seja, d efiniram
muitos de seu s p od eres por m eio de um movim ento de reap rop riação e
desvio dos instrumentos simbólicos qu e instituem a d om inação masculina
contra o seu p róprio dominador. Isso se evid encia nos casos de crim es
contra a honra, quand o as mulheres - d izend o-se p ersegu idas p elo sed u ­
tor justificavam sua atitude criminosa, valend o-se d os argumentos estabe­
lecid os p elos homens. Eram elogiadas p elo em p enho demonstrad o na d e­
fesa de seu mais alto valor: a reputação. Ao vitimarem o com p anheiro que
as am eaçavam , valiam-se de p ressu p ostos estabelecid os p ela ordem
hegem onicam ente burguesa e masculina; alegavam sua incap acid ad e em
m antê-las e aos seus filhos, para mais facilm ente escap arem ao castigo.
Não eram admitidas, porém, reações femininas frente ao adultério ou aban­
d ono, com o ocorria com o homem, qu e acred itava ap resentar sensações
diversas d aquelas do sexo feminino.
Assim, ao contrário de algumas afirmações tradicionais, vimos mu lhe­
res qu e lutaram, amaram, odiaram, xingaram... Não p ou cas, vend o-se p re­
MULH ERES PO BRES E VIO LÊN CIA N O BRASIL URBAN O

judicadas em seus direitos e violentadas em suas aspirações, não hesitaram


em lançar mão d os recu rsos de qu e dispunham, até m esmo de investidas
físicas, para fazer frente a uma situ ação qu e consid eravam d anosa à sua
honra.

N OTAS
(1) Rach el Soih et. Condição fem in in a e fo rm a s de violência-, m u lh eres p ob res e ord em u rb an a
(1890-1920). Rio d e Jan eiro : Foren se Un iversitária, 1989. p. 8; Martha d e Ab reu Esteves. M eninas
perdidas: o cotid ian o d o am or n o Rio d e Jan eiro d a “Belle Ép o q u e”. São Pau lo: Paz e Terra, 1989.
p. 123
(2) Cesare Lom b roso, G u glielm o Ferrero. La fem m e crim inelle et la prost it uée [trad u ction d e
1’italien l, 1896. As referên cias à m ed icin a social p od em ser en con trad as em Ju ran d ir Freire Costa.
(3) A Pacot ilha. São Luís, 31 jan .1890. p . 3. A pud Maria d a G lória G u im arães Correia. Nos fios
da t ram a: q u em é essa m u lh er?, 1996. [m im eo.]; Maria O dila Leite d a Silva D ias. Q uot idiano ep o d er
em São Paulo no século XIX. São Pau lo: Brasilien se, 1984. p . 10.
(4) Maria O d ila d a Silva D ias. Op. cit., p . 47. Joan a Maria Ped ro. M ulheres honest as e m ulheres
faladas: u m a q u estão d e classe. Florian óp olis: Ed itora d a UFSC, 1994. p . 144-145.
(5) Processo Lídia de Oliveira. Arq u ivo N acion al. N. 688, m aço 881, GA, 04 n ov .1906.
(6) Jo a n a Maria Ped ro . Op. cit., p . 155.
(7) Tal fato p od e ser d ep reen d id o d a con su lta aos cen sos e p rocessos p en ais, n os q u ais gran d e
n ú m ero d e m u lh eres n ão eram casad as, e em ou tras fon tes co m o n o rom an ce O Cortiço, q u e forn ece
valiosas in form ações sob re o cotid ian o d os p op u lares, em q u e a m aioria d as p erson agen s n ão se
casava.
(8) Aluísio A zeved o. O Cortiço. São Pau lo: Ática, 1981. p. 30.
(9) Id. Ibid., p .46.
(10) Eni d e M esq u ita Sam ara. A fam ília brasileira. São Pau lo: Brasilien se, 1983. p . 42. [col.
Tu d o é h istória].
(11) Maria O d ila d a Silva Dias. Op. cit.
(12) Processo M aria Cândida. Arq u ivo N acion al, n. 363, caixa 1920, GA. 23 d e z .1891.
(13) Processo M adalena A ugust a Frederica. Arq u ivo N acion al, n. 481, caixa 1018, GA. 2 n ov.
1890.
(14) Processo Francisca Dut ra D'Almeida. Arqu ivo N acion al, n. 3548, m aço 944, GA. 2 o u t.1892.
(15) Sid n ey Ch alh ou b . Trabalho, lar e botequim. O cotid ian o d os trab alh ad ores n o Rio d e
Jan eiro d a Belle Ép o q u e. São Pau lo: Brasilien se, 1986. p. 155.
(16) M arilen a Ch au í. Repressão sexual. São Pau lo: Brasilien se, 1984. p . 79.
(17) Processo A rm inda M arques de Oliveira. Arq u ivo N acion al, m aço 174. Prim eiro Triib u n al
d o Jú ri. 27 jun . 1917.
(18) Processo M aria da Silva. Arq u ivo N acion al, m aço 168. Arq u ivo d o Prim eiro Trib u n al d o
Jú ri. 19 ab r. 1917.
(19) Sid n ey Ch alh ou b . Op. cit. p. 155.
(20) Pro cesso An tôn ia Jo se p h a Maria da C on ceição. Arq u ivo N acion al, n. 1085, m aço 894, GA.
20 ou t. 1904.
(21) Sid n ey Ch alh ou b . Op. cit., p . 113-
(22) P rocesso Th ereza d e Sá Barreto. Arq u ivo N acion al, m aço 63- Arq u ivo d o Prim eiro Trib u ­
nal d o Jú ri, 03 a g o .1906.
(23) Processo M aria A delaide e A nt ônio do Couto. Arq u ivo N acion al, n. 4098, m aço 948, GA.
17 a g o .1894.
(24) P ro cesso H en riq u eta Maria d a C o n ceição . Arq u ivo N acion al, n. 9830, caixa 1903, GF. 03
ou t. 1896.
(25) Pro cesso Arm ên ia Alves Pereira. Arq u ivo N acion al, n. 885, caixa 769, GA. 30. ago. 1905.
(26) Maria O d ila d a Silva D ias. Op.cit.
(27) Ferri. Sociologia Crim inal, p. 573- A pud Evaristo d e M oraes. Crim inalidade Passional.
São Pau lo: Saraiva, 1933. p . 11.
H ISTÓ RIA DAS M ULH ERES N O BRASIL

(28) Cesare Lom b roso, G u glielm o Ferrero. Op. cit.


(29) M ariza Corrêa. Morte em fam ília. Rio d e Jan eiro: G raal, 1983. p . 192. A p artir d a an álise
d e p rocessos crim in ais d e h om icíd ios p assion ais ocorrid os em Cam p in as en tre os an os d e 1952 e
1972, o estu d o d e Mariza Corrêa sob re rep resen tações ju ríd icas d e p ap éis sexu ais ap resen ta co n clu ­
sões q u e m ostram certa sim ilarid ad e com aq u eles d a virad a d o sécu lo, ap esar d a d istân cia tem p oral.
(29) Maria O dila d a Silva Dias. Op. cit.
(30) Processo R aul M achado e Erm elinda Lucila. Arq u ivo N acion al, n. 4971-72, caixa 1157,
GA. 21 d ez. 1899-
(31) Processo Sofia Eugênia da Gama. Arq u ivo N acion al. N. 5007, m aço 880, G a. 18 jul. 1907.
(32) Processo M alvina de Souz a Lima. m aço 169. Arq u ivo d o Prim eiro Trib u n al d o Jú ri, 19 fev.
1917.
(33) Processo M aria Flausina dos Santos, m aço 173. Arq u ivo d o Prim eiro Trib u n al d o Jú ri, 30
n ov. 1917.
(34) Bran ca M oreira Alves et al. Sexu alid ad e fem in in a. Algu m as co n sid eraçõ es sob re id en tid a­
d e sexu al e social. In: Escrita - Ensaio. A m u lh er b rasileira a cam in h o d a lib ertação. N. 5, 1979, p .
106-107.
(35) Jo a n a M aria Ped ro. M ulheres honest as e m ulheres faladas: u m a q u estão d e cla sse .
Florian óp olis, Ed itora d a UFSC, 1994.
(36) Rach el Soih et. Condição fem inina...O p. cit., p . 327.
(37) Processo A delaide Pereira Soares ou M aria A delaide Soares e A nt ônio Lopes Ferraz , m aço
51. Arq u ivo d o Prim eiro Trib un al d o Jú ri, 14 ou t. 1901.
(38) Processo Lucília de Oliveira, n. 578, caixa 1863. Arq u ivo N acion al, 23 n ov. 1918.
(39) Processo Biasina Siciliano. Arq u ivo N acion al, n . 24, caixa 1873, m aço 295. 1917.
(40) Processo M ariana Janibelle. 138, Arq u ivo d o Prim eiro Trib u n al d o Jú ri. m aço 138. 25 jan.
1912.

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