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Ingo Wolfgang Sarlet

Luciano Benetti Timm


( o r g a n iz a d o r e s )

Direitos Fundamentais
orçamento e “reserva do possível”
A n a P a u l a d e B a r c e ll o s L u c i a n o B e n e tti T i m m
D a n i e l le M e l o L u is O t a v io B a r r o s o d a G r a ç a
F e rn an d o F acu ry S caff M a l ia P o lla c k
F e r n a n d o M o u t i n h o R . B i tt e n c o u r t M a ria n a F ilch tin er F ig u e ire d o
G u sta v o A m aral N ey W ie d e m a n n N e to
I n g o W o l f g a n g S a r le t P a u lo C a li e n d o
J a y m e W e i n g a r t n e r N e to R icard o L o b o T o rres
J o s é R e in a ld o d e L i m a L o p e s R i c a r d o L u p io n
L e a n d r o M a r t in s Z a n ite lli R i c a r d o S e ib e l d e F r e ita s L i m a
L e o n e l P ir e s O h l w e i l e r V in ic iu s D i n i z V iz z o tto

livraria H
DO ADVOGADO
//editora
Porto Alegre, 2008
— S'

Constitucionalização das políticas públicas


em matéria de direitos fundamentais: o controle
político-social e o controle jurídico
no espaço democrático
ANA PAULA DE BARCELLOS'

Sumário: I, introdução; II. Direitos fundamentais, políticas públicas e controle; III. Examinando
algum as críticas ao controle jurídico e jurisdicional das políticas públicas em m atéria de direitos
fundamentais; 111.1. Exam inando a crítica da teoria da constituição; III.2. Exam inando a crítica
filosófica; III.3. Exam inando a crítica operacional; IV. Objetos e m odalidades de controle; IV.1.
Controle da fixação de m etas e prioridades e do resultado final esperado das políticas públicas;
IV.2. Controle da quantidade de recursos a ser investida; IV.3. Controle do atingimento ou não
das m etas fixadas pelo Poder Público; IV.4. Controle da eficiência m ínim a na aplicação dos
recursos públicos; IV.5 Objetos controláveis e as críticas examinadas; IV.6. M odalidades de
controle: individual, coletivo e abstrato; V. Conclusões.

I. Introdução
Im agine-se um E stado hipotético Z. É ano de eleição e o cidadão W está em
uma biblioteca pública estudando. Ele reservou um a parte do tem po, no entanto,
para fazer algum as pesquisas na internet, tendo em conta as decisões eleitorais
que precisará tomar.
N o últim o pleito, W votou na oposição e ficou vencido. N ão se podia d i­
zer, porém, que o G overno tivesse sido ruim; as m etas divulgadas no início do
mandato foram atingidas com algum a com petência. O que m ais o incomodava,
na verdade, era a cam panha da oposição, em bora ela contasse co m seu voto his­
tórico. Seu discurso continha apenas prom essas genéricas e grandiosas - sem
qualquer indicação de como, concretam ente, elas poderiam ser alcançadas - e
ataques pessoais igualm ente genéricos aos m em bros do G overno. Por isso W
decidiu consultar os dados por si próprio. Ele gostaria de algum as respostas: qual
foi afinal a arrecadação do Estado Z em cada um dos últim os anos? E m que o
' Mestre e Doutora em Direito Público. Professora Adjunta de Direito Constitucional da UERJ. Advogada.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: 1 1 1


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 111
G overno dispendeu esse dinheiro? Qual o resultado concretam ente produzido por
esses investim entos? W estim ava que em cerca de 2 (duas) a 3 (três) horas co n ­
seguiria obter essas informações: W não gostava de ser m anipulado. U m a última
informação sobre o Estado Z: ele não é o Brasil.
Este pequeno estudo tem dois objetivos principais. E m prim eiro lugar, exa­
minar algum as críticas form uladas à possibilidade de controle ju ríd ico das polí­
ticas públicas. E, em segundo, discutir a viabilidade de alguns m ecanism os de
controle jurídico das políticas públicas direcionadas à prom oção dos direitos fun­
damentais que, em vez de esvaziarem ou substituírem o controle político-social
na matéria, sejam capazes de fom entá-lo.“ Dois esclarecim entos iniciais parecem
importantes.
Em p rim eiro lugar, convém estabelecer um a convenção term inológica. A
expressão p olíticas públicas pode designar, de form a geral, a ''coordenação dos
m eios à disposição do Estado, harm onizando as atividades estatais e privada s
p a ra a realização de objetivos socialm ente relevantes e p o litica m en te d eterm i­
nados"? N esse sentido, trata-se de conceito bastante abrangente que envolve não
apenas a prestação de serviços ou o desenvolvim ento de atividades executivas
diretam ente pelo Estado, com o tam bém sua atuação norm ativa, reguladora e de
fomento, nas m ais diversas áreas. C om efeito, a com binação de um conjunto nor­
m ativo adequado, um a regulação eficiente, um a política de fom ento bem estru­
turada e ações concretas do Poder Público poderá conduzir os esforços públicos
e as iniciativas privadas para o atingim ento dos fins considerados valiosos pela
Constituição e pela sociedade.
D o ponto de vista do estudo desses fenôm enos, porém , é certo que cada um
deles descortina um m undo próprio de particularidades, dificultando um exam e
teórico único e aprofundado de todas as possíveis atividades que integram as
cham adas políticas públicas. Assim, tendo em conta essa limitação, parece mais
produtivo estudar cada um a delas de form a isolada e razoavelm ente autônoma,
ainda que sem desconsideração do todo do qual fazem parte. E xatam ente nessa li­
nha o presente estudo pretende exam inar apenas a última das atividades descritas
acima, isto é: as ações concretas, materiais, desenvolvidas ou levadas a cabo pelo
próprio Poder Público. Feita a nota term inológica e conceituai, cabe fazer um a
segunda obser\’ação, que, de certa forma, justifica o corte m etodológico que se
acaba de propor. As diferenças entre o Estado Z referido acim a e o Brasil ficarão
mais evidentes.
D e acordo com dados do Instituto Brasileiro de P lanejam ento Tributário
(IBPT)," estim a-se que a aiTecadação tributária do E stado brasileiro, incluindo
^ o estudo não tem a pretensão de ser com pleto ou exaustivo, seja no que diz respeito aos m ecanism os de
controle p ossíveis - certam ente há outros além dos identificados no texto - , seja no exam e dos m ecanism os de
controle efetivam ente abordados.
^ Maria Paula Dallari B ucci, A s políticas públicas e o direito adm inistrativo, R evista T rim estra l d e D ireito
P úblico ;.í; 135/6, 1996.
Fonte: <h ttp://w w w .ibp t.co in .b r/estu d o s/estiid o s.lst.p lip > (acesso em 28.0 5 .2 0 0 6 ).

112 Ana Paula de BarceUos


União, E stados e M unicípios, correspondeu, em 2005, a aproxim adam ente R$
733 bilhões. E m 2004 foram R$ 650,15 bilhões, e, em 2003, R $ 553,18 bilhões.
Tais valores resultam da opção política que vigora hoje no Brasil, por força da
qual se visualiza no E stado um agente capaz de redistribuir riqueza, im pulsio­
nar o desenvolvim ento e produzir m elhores condições de vida para a população.
Assim, sobretudo por m eio da tributação, retiram -se recursos das em presas e pes­
soas físicas para concentrá-los no Estado, a fim de que este os adm inistre tendo
em vista os fins públicos referidos.
Independentem ente do ju íz o que cada cidadão possa e deva fazer sobre essa
opção política, não há dúvida de que o dispêndio de recursos pelo E stado brasi­
leiro é um a atividade de cada vez m aior relevância para o país, tanto pelo volu­
me de recursos que desloca, com o pela im portância dos fms que busca realizar.
Justifica-se, portanto, que essa atividade, dentre todas as outras desem penhadas
pelo Estado, receba atenção específica. H á mais que isso, porém.
A despeito do que se acaba de registrar, e de ceita form a estranham ente, o
fato é que há m uito m ais elaboração e debate jurídicos em tom o, e.g., dos limi­
tes e condicionam entos jurídicos incidentes sobre as outras atividades estatais
m encionadas - legislativas,^ regulatórias'" e de fomento^ - , do que sobre o que
se descreveu aqui c o m o políticas públicas. O interesse não é substancialm ente
maior m esm o diante de políticas públicas vinculadas à realização ou à prom oção
dos direitos fundamentais.^ E é possível afirmar, sem m edo da leviandade, que
essa relativa indiferença jurídica não decorre da am pla satisfação com a atuação
estatal nesse particular.
C om efeito, os dados existentes sobre o acesso da população a bens que, na
conform ação atual do E stado brasileiro, devem ser prestados pelo Poder Público
- com o educação de qualidade m ínim a e prestações de saúde, por exem plo - são
^ v., por todos, Alberto Xavier, Legalidade e tributação, R evista d e D ireito P ú b lico 47-48:329-, Luís Roberto
Barroso, A pontam entos sobre o princípio da legalidade (delegação legislativas, poder regulamentar e repartição
constitucional das com petências legislativas). In: Tem as d e D ireito C on stitucion al, T om o 1, 2001, p. 165 e ss.;
e G ustavo Binenbojm , U m a te o ria d o d ire ito ad m in istra tivo - D ireito s fun dam en tais, d em o cra cia e con stitu ­
cion alizarão, 2006.
* v.,também por todos, Carlos Ari Sundfeld (Coord.), D ireito a d m in istra tivo econôm ico, 2000, Alexandre
Santos de Aragão, A gên cias re g u la d o ra s e a E volu ção d o D ireito A d m in istra tivo E conôm ico, 2002; e D iogo de
Figueiredo Moreira N eto, D ire ito regulatório, 2003.
^ v. Eros Roberto Grau, A ord em econ ôm ica na C on stituição d e J988. In terpretação e crítica, 1990.
Q
O tema vem sendo d iscu tido pontualm ente por alguns autores, mas ainda está longe de integrar a “pauta”
principal das d iscu ssõ es jurídicas brasileiras. V., sobre o tem a, dentre outros. C elso A ntônio Bandeira de
M ello, Controle Judicial dos atos adm inistrativos. R evista d e D ire ito P ú b lico 6 5 :2 7 -3 8 , 1983; Maria Paula
Dallari B u cci, A s p olíticas p úb licas e o direito adm inistrativo. R evista T rim estra l d e D ire ito P ú b lico 73:134-
144, 1996; Fábio K onder Com parato, E nsaio sobre o ju íz o de con stitucionalidad e de p olíticas públicas,
R evista d o s T ribu nais 737: \ 1-22, 1997; Andreas Krell, C ontrole judicial dos serviços públicos básicos na
base dos direitos fundam entais so cia is. In: Ingo W olfgan g Sarlet (O rg.), A C o n stitu içã o co n cretiza d a : co n s­
tru in do p o n te s en tre o p ú b lic o e o p riv a d o , p. 2 5 -6 0 , 2000; Luiza Cristina Fonseca F rischeisen, P o lítica s
pú blica s. A re sp o n sa b ilid a d e d o a d m in istra d o r e do m in istério p ú b lico , 2000; A m érico B edê Freire Júnior,
O con tro le ju d ic ia l d e p o lític a s p ú b lica s, 2005; e Eduardo A ppio, C o n tro le J u d icia l d a s p o lític a s p ú b lica s
no B rasil, 2006.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: i


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 113
ilustrativos. Segundo o IBGE, 26% da população de 15 anos ou m ais possui ape­
nas 4 (quatro) anos de estudo completo.^ D e acordo com a A ssociação Brasileira
de Tecnologia Educacional, 75% das pessoas na faixa etária dos 15 aos 64 anos
não conseguem ler e escrever plenamente. O núm ero inclui os analfabetos abso­
lutos e os considerados analfabetos funcionais, isto é, aqueles que identificam
letras e palavras, m as não conseguem utilizá-las no cotidiano e têm dificuldades
para com preender e interpretar textos. Segundo a pesquisa, apenas um em cada
quatro brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para conti­
nuar aprendendo.
Quanto à saúde, a precariedade do sistema público na m aior parte do país
é bastante conhecida. U m a recente decisão, proferida pela 10^ V ara de Fazenda
Pública do Rio de Janeiro, ilustra o quadro. A tendendo pedido do M inistério
Público, e diante da precariedade de hospital público m unicipal, determ inou-se
que as pessoas que não pudessem ser atendidas pelo hospital deveriam ser enca­
m inhadas a instituições privadas de saúde, devidam ente cadastradas, para que ali
lhes fosse fornecido o atendim ento m édico-hospitalar. A decisão condenou ainda
o M unicípio a pagar as instituições privadas pela prestação de tais serviços à
população.“ O IB G E estima que 40% da população brasileira encontra-se em si­
tuação de “insegurança alim entar” , o que significa que não têm garantia de acesso
à com ida em quantidade, qualidade e regularidade suficiente.’^
D esperdício e ineficiência, precariedade de serviços indispensáveis à p ro­
m oção de direitos fundam entais básicos, e sua convivência com vultosos gastos
em rubricas com o publicidade governam ental e com unicação social não são pro­
priamente fenôm enos pontuais e isolados na A dm inistração Pública b rasileira.’^
A questão ganha ainda m aior relevância tendo em conta a grandiosidade dos
números registrados acima em matéria de aiTecadação tributária. C o m o afinal
o Estado gasta tais recursos, e que limites e condicionam entos deve observar ao
fazê-lo, são perguntas que exigem a atenção não apenas d o cidadão, m as tam bém
do jurista.

^ Fonte; < w w w .ib g e.g o v.b r/ib g eteen /p esq u isa s/ed u ra ca o .litm l> (a cesso em 2 0 .0 5 .2 0 0 6 ).
Os dados estão na quinta edição do Indicador N acional de A nalfabetism o Funcional (Inaf), pesquisa lançada
pelo Instituto Paulo M ontenegro e pela A ção Educativa. Fonte: < w w w .a h i-h r.o rg .h r/iiid r.\.p lip '/o p iio n = ro in _ r
oiireiii& iask=virwc'i.id=^2d7íílíeini(i=2> (acesso em 2 0 .0 5.2006).
’’ Processo n° 2 0 0 4 .0 0 1 .0 3 5 4 5 5 -0 , 10“ Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do R io de Janeiro, Juiz
Ricardo Couto de Castro, DJ 15.03.05.
Fonte; < w w w .ib g e.g o v.b r/h o in e/p re sid e n ria /n o licia s/n o ticia _ visu a liza .p h p ? id _ n o ticia = 6 0 0 & id _ p a g in a = ]>
(acesso em 17.06.2006).
Em interessante decisão, o desembargador Francisco W ildo do TR F/5“ R egião, concedeu liminar, a pedido do
M inistério Público Federal na Paraíba, e determinou que o governo do Estado deveria em pregar 17,6 % da verba
destinada à publicidade para a regularização do fornecim ento de m edicam entos gratuitos e indispensáveis ao
tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson (Processo n. 2 0 0 4 .8 2 .0 0 0 0 3 3 1 5 -0 , em curso na 3“ Vara
da Justiça Federal na Paraíba, e agravo de instrumento n° 67336-P B ). A d ecisão foi reconsiderada p elo próprio
Desembargador a pedido do Estado pouco depois.

114 Ana Paula de Barcellos


II. Direitos fundamentais, políticas públicas e controle
O constitucionalism o contem porâneo, e o brasileiro em particular, já co n­
solidaram alguns axiom as teóricos que, gradativam ente, vão se incorporando à
prática jurídica. T rês deles podem ser enunciados da form a que se segue.
A) As disposições constitucionais, tenham elas a natureza de regra ou de
princípio, são dotadas de norm atividade, isto é: são norm as jurídicas. C om o tais,
pretendem produzir efeitos no m undo dos fatos e desfrutam da imperatividade
própria do Direito. M ais que isso, as norm as constitucionais gozam de superiori­
dade hierárquica no âm bito do sistem a jurídico.
B) Os direitos fundam entais têm um status diferenciado no âm bito do sis­
tema constitucional e, a fo rtio ri, do sistem a jurídico com o um todo.*'* Fala-se da
centralidade dos direitos fundam entais, com o conseqüência da centralidade do
hom em e da sua dignidade. Isso significa, de form a simples, que, em última aná­
lise, tanto o E stado co m o o Direito existem para proteger e pro m over os direitos
fundamentais, de m odo que tais estruturas d ev em ser com preendidas e interpreta­
das tendo e m conta essa diretriz.
C) Os poderes públicos estão subm etidos à Constituição,*^ com o um a d e­
corrência direta d a noção de E stado de D ireito, por força da qual o exercício do
poder político encontra limites em norm as jurídicas. À Constituição, é certo, não
cabe invadir os espaços próprios da deliberação majoritária, a ser levada a cabo
pelas m aiorias dem ocraticam ente eleitas em cada m om ento histórico. U m a das
funções de um texto constitucional, porém , é justam ente estabelecer vinculações
mínimas aos agentes políticos, sobretudo no que diz respeito à prom oção dos
direitos fundam entais.
As três assertivas que se acaba de enunciar são amplamente consensuais
- ao menos em tese - e podem ser assumidas com o ponto de partida para outros
desenvolvim entos, com o o que se pretende passar a discutir. Isso porque, o con­
trole das políticas públicas dirigidas aos direitos fundamentais é uma decoiTência
direta e lógica desses três elem entos teóricos. Aprofunde-se a questão.
C om o se sabe, a prom oção e a proteção dos direitos fundam entais exigem
omissões e ações estatais. N a realidade, cada direito pode ensejar obrigações ne-
Essa afirmação tem dois fundamentos interligados, mas distintos. Há aqui um fundamento filosófico, que dá
conta da centi alidade axiológica do homem e de sua dignidade, e um fundamento jurídico. Este, refletindo a cen­
tralidade filosófica do hom em , organiza o sistem a jurídico em tom o e em função dos direitos fundamentais e prevê
ainda m ecanism os que reforçam esse status diferenciado, de que são exem plos a técnica das cláusulas pétreas (CF,
art. 60, § 4°, IV) e a existência de rem édio esp ecífico de proteção daquilo que a Carta de 1988 chama de “preceitos
fundamentais” (CF, art. 102, § 1°), categoria na qual se encontram, por certo, os direitos fundamentais.
*^ C elso Antônio Bandeira de M ello, Controle judicial dos atos administrativos, R evista de D ireito P úblico
65:31, 1983; “Os poderes que a A dm inistração desfruta justificam -se única e exclu sivam en te com o m eios n e­
cessários ao cum prim ento de certas finalidades legalm ente estabelecidas. Portanto, são d everes-p o d eres. antes
que p o d eres-d everes. A idéia de dever é que é predominante, enquanto a idéia de poder vem marcada por um
destino ancilar, já que os poderes são conferidos com o sim ples instrumentos necessários ao cum prim ento dos
deveres”. Tam bém os agentes privados estão subm etidos à C onstituição, mas esse tem a não será objeto de
exam e neste estudo.

Constitucionaüzação das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: l 1c


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 115
gativas ou de om issão - como, e.g., o dever de respeito - e positivas ou de ação,
com o os deveres de proteger o direito ofendido,’^ de garanti-lo e de prom ovê-
lo.'^ O Estado respeitará a liberdade de expressão, e.g., na m edida em que não
procure cerceá-la ou subm etê-la de algum a form a. A om issão, n esse caso, será
fundam ental. E ssa m esm a liberdade, no entanto, poderá ser violada por outros
agentes e sua garantia, nesse caso, exigirá um co nju n to de estruturas estatais -
fique-se apenas com a m en ção ao Judiciário - cuja existência d ep en d e de ações
públicas. A fruição de direitos, com o o acesso à edu cação form al, a prestações
de saúde ou a condições habitacionais, envolve d iretam en te sua p ro m o çã o , isto
é: ações. O ponto é d em asiado co nhecido e não há necessidad e de discorrer
sobre ele,'^ salvo por um aspecto fundam ental; as ações estatais capazes de
realizar os direitos fundam entais pressupõ em decisões acerca do d ispènd io de
recursos públicos.
As atividades legislativa e jurisdicional envolvem , por natural, a aplicação
da Constituição e o cum prim ento de suas normas. O legislador cuida de disci­
plinar os temas mais variados de acordo com os princípios constitucionais. Ao
magistrado, por seu turno, cabe aplicar a Constituição, direta ou indiretamente,
já que a incidência de qualquer norm a jurídica será precedida do e x am e de sua
própria constitucionalidade e deve se dar da m aneira que m elhor realize os fins
constitucionais. O corre que as decisões judiciais produzem , com o regra, efeitos
apenas pontuais, entre as partes,'^ e a legislação depende de atos de execução para
tom ar-se realidade.
Nesse contexto, com pete à A dm inistração Pública efetivar os com andos
gerais contidos na ordem jurídica e, em particular, garantir e p ro m o v er os direi­
tos fundam entais em caráter g e r a l . P a r a isso será necessário im plem entar ações
e program as dos mais diferentes tipos e garantir a prestação de determ inados
serviços. E m suma; será preciso im plem entar o que se descreveu acim a como
políticas públicas.^' É fácil perceber que apenas por m eio das políticas públicas
o Estado poderá, de form a sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na
Sobre os deveres de proteção v., por todos, Daniel Sarmento, D ireito s fu n d a m en ta is e re la çõ e s p riva d a s,
2004, p. 160 e ss..
Essas quatro ações - respeitar, garantir, proteger e p ro m o v er-, embora possam assum ir sign ificad os diversos
em função do direito exam inado, são freqüentem ente utilizadas sobretudo por tratados internacionais de direitos
humanos.
V.. sobre o assunto, Cass R. Sunstein, The cast o f rigliis, 1999; e Flávio C aldino, In trodu ção à teo ria dos
custos d o s direitos. D ireitos não nascem em á rvores, 2005.
As exceções a essa regia, ainda que em intensidades diversas, se verificam no âm bito da ação civil pública e
do controle abstrato de constitucionalidade,
V. M iguel Scabra Fagundes, 0 C on trole d o s a to s a d m in istra tivo s p elo P o d er Ju d iciá rio (atualizada por
Gustavo Binenbojm ), 2006, p. 3: “A função legislativa liga-se aos fenôm enos de form ação do Direito, ao passo
que as outras duas se prendem à fase de sua realização. L eg isla r (editar o direito p ositivo), a d m in istra r (aplicar
a lei de ofício) e ju lg a r (aplicar a lei contenciosam ente) são três fases da atividade estatal, que se com pletam e
que a esgotam em extensão” .
R etom e-se a nota term inológica inicial. A lém de ações diretas levadas a cabo pelo Poder Público, a garantia
e a prom oção dos direitos fundam entais freqüentemente demandarão também a edição de norm as, a regulação
e o fomento.

116 Ana. Paula de Barcellos


Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz
respeito aos direitos fundamentais cuja fruição direta dependa de ações.--
Estabelecida essa prem issa - isto é: políticas públicas são indispensáveis
para a garantia e a prom oção de direitos fundamentais^^ - , o fato é que toda e
qualquer ação estatal envolve gasto de dinheiro público e os recursos públicos
são limitados. Essas são evidências fáticas e não teses jurídicas. A rigor, a sim ­
ples existência dos órgãos estatais - do Executivo, do Legislativo e do Judiciário
- envolve dispêndio perm anente de recursos públicos, ao m enos com a m anuten­
ção das instalações físicas e a rem uneração dos titulares dos poderes e dos servi­
dores públicos,““*afora outros custos. As políticas públicas, igualm ente, envolvem
gastos. E com o não há recursos ilimitados, será preciso priorizar e escolher em
que o dinheiro público disponível será investido. A lém da definição genérica de
em que gastar, é preciso ainda decidir com o gastar, tendo em conta os objetivos
específicos que se deseje alcançar. Essas escolhas, portanto, recebem a influência
direta das opções constitucionais acerca dos fins que devem ser perseguidos em
caráter prioritário. Dito de outra forma, as escolhas em m atéria de gastos públi­
cos não constituem um tem a integralm ente reservado à deliberação política; ao
contrário, o ponto recebe im portante incidência de norm as jurídicas de estatura
constitucional.
V isualize-se novam ente a relação existente entre os vários elem entos que se
acaba de expor; (i) a Constituição estabelece com o um de seus fins essenciais a
garantia e a prom oção dos direitos fundamentais; (ii) as políticas públicas cons­
tituem o m eio pelo qual os fins constitucionais p od em ser realizados de form a
sistemática e abrangente; (iii) as políticas públicas envolvem gasto de dinheiro
público; (iv) os recursos públicos são limitados e é preciso fazer escolhas; logo,
em certa m edida, (v) a C onstituição vincula as escolhas em m atéria de políticas
públicas e o gasto dos recursos públicos.
Dito de outro m odo, a definição do conjunto de gastos do Estado é exata­
mente o m om ento no qual a realização dos fins constitucionais poderá e deverá
ocorrer. D ependendo das escolhas form uladas em concreto pelo Poder Público,
a cada ano, esses fins poderão ser mais ou m enos atingidos, de form a mais ou
menos eficiente, e poderão m esm o não chegar sequer a avançar m inim am en ­
te. Ou seja; a relação lógica entre os axiom as da m oderna teoria constitucional
- enunciados acim a - e a noção de controle ju ríd ico e ju risd ic io n a l das políticas
públicas parece bastante simples. Basta notar que a im possibilidade de controle
Victor A bram ovich y Christian Courtis, Apuntes sobre la Exigibiliclad Judicial de los D erechos Sociales.
Ingo W olfgang Sarlet (Org.), D ire ito s fu n d a m en ta is sociais: estudos de d ireito con stitucion al, in ternacional e
com parado, 2003, p. 142 e ss..
C om o registrado incidentalm ente no texto, a p ro te çã o de quaisquer direitos fundam entais que tenham sido
violados depende também de políticas públicas, que envolvem a existência e a estruturação de órgãos e enti­
dades com o Poder Judiciário, D efensoria Pública, Polícia, etc.. Esse aspecto da questão não será exam inado
neste estudo.
Flávio C aldino, O custo dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres (org,). L egitim ação d o s d ire ito s humanos,
2002, p. 139-222.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais; 1i n


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 117
em tais hipóteses acabaria por esvaziar a norm atividade de boa parte dos co m an­
dos constitucionais relacionados com os direitos fundam entais, cuja garantia e
prom oção dependem , em larga escala, das políticas públicas.
N ada obstante a aparente sim plicidade do que se acaba de registrar, a ques­
tão do gasto de recursos públicos - que envolve, no m ínim o, a definição do quan­
to gastar, com que fin a lid a d e gastar, em que gastar e com o gastar - pode ser
substancialm ente mais complexa. A C onstituição em geral não aponta de for­
ma específica que políticas públicas devem ser im plem entadas em cada caso.-^
Assim, a questão acaba sendo rem etida para a intei*pretação constitucional de
form a ampla, isto é: aquela levada a cabo pelos agentes públicos em geral e pela
sociedade com o um todo, tendo em conta sua com preensão política, ideológica
ou filosófica do que significa o texto constitucional.-^ N esse contexto, diferentes
e contundentes críticas são dirigidas à idéia de controle jurídico - e, portanto,
jurisdicional - das políticas públicas, que m erecem um exam e específico. Esse é
o objeto do tópico seguinte.

III. Examinando algumas críticas ao controle


jurídico e jurisdicional das políticas públicas
em matéria de direitos fundamentais
N ão seria viável fazer aqui um inventário com pleto das críticas já form ula­
das sobre a possibilidade de controle jurídico e jurisdicional das políticas públi­
cas. E possível, no entanto, sistematizar algumas delas em três grupos, que serão
exam inados a seguir.-’^ O prim eiro grupo congrega argum entos em geral asso­
ciados ao debate sobre a teoria da Constituição, seu papel e alcance. O segundo
procura veicular óbices de natureza predom inantem ente filosófica, ao passo que
o terceiro grupo reúne críticas que po dem ser descritas co m o operacionais.
T odas essas críticas, com o se verá, estão longe de serem inconsistentes e
não podem ser afastadas apenas bradando-se um discurso em ocionado e retórico
sobre a importância dos direitos fundam entais e da dignidade hum ana. É preciso
exam iná-las com seriedade e honestidade intelectuais.

III. 1. E xam inando a crítica da teoria da C onstituição

O prim eiro conjunto de críticas identificado aqui decoiTe de desenvolvi­


m entos da teoria da Constituição. Sua idéia central pode ser descrita nos seguin-
Há hipóteses em que a C onstituição define as políticas públicas a implementar, com o é o caso, e.g.. da educa­
ção pública fundamental e média. Ainda assim, algumas questões perm anecem em aberto para as instâncias polí­
ticas (com o o ent que gastar exatamente e com o fazê-lo). A discussão sobre o controle continua pertinente aqui.
V. Peter Hâberle, H erm enêutica constitucional. A so cied a d e a b erta d o s in térp retes da C on stituição: co n tri­
buição p a ra a in terp reta çã o p lu ra lista e 'procedim en tal' da C on stituição, 1997.
Lembre-se que o presente estudo ocupa-se apenas das políticas públicas relacionadas com a garantia e a pro­
m oção dos direitos fundam entais, de m odo que a descrição das críticas e o exam e que se fará delas na seqüência
levam em conta esse pressuposto.

118 Ana Paula de Barcellos


tes termos; por que o Direito e o Judiciário, a pretexto de interpretação do texto
constitucional, deveriam , ou m esm o poderiam, imiscuir-se c o m um tem a com o
este - políticas públicas - , tipicam ente reservado à deliberação política majori-

C om efeito, m esm o a dogm ática dos princípios constitucionais reconhece


que a estrutura dos princípios é com posta de duas partes, que se convencionou
denom inar de núcleo e área não nuclear. E se é verdade que o núcleo do princí­
pio funciona com o um a regra, im pondo efeitos determ inados, tam bém é verdade
que em sua área não nuclear-* os princípios indicam um sentido geral e dem ar­
cam um espaço dentro do qual as maiorias políticas poderão legitim am ente fazer
suas escolhas. A dem ais, a definição e a execução das políticas públicas já estão
submetidas ao controle político-social dos grupos de oposição e da população
em geral, que m anifesta sua opinião sobre o assunto ao m enos nas eleições. A
invasão pelo Direito, e pela C onstituição em particular, do espaço próprio do
pluralismo político produziria - alega-se - um grave desequilíbrio em prejuízo
da democracia.
N ão há dúvida de que definir quanto se deve gastar de recursos públicos,
com que fin a lid a d e , em que e com o são decisões próprias da esfera de deliberação
democrática, e não do m agistrado. A própria Constituição o reconhece ao dispor
sobre as com petências do E xecutivo e do Legislativo no que diz respeito à elabo­
ração do orçam ento, a sua execução e controle. Assim, é certo, a invasão dessa
seara pelo D ireito poderia produzir um desequilíbrio equivocado, que sufocaria
o funcionam ento regular e o desenvolvim ento da dem ocracia. N ad a obstante, há
três outras assertivas, que tam bém são certas, e que devem ser consideradas nesse
m esmo contexto.
Em p rim eiro lugar, tom ou-se corrente a afirm ação de que o gozo m inim a­
mente adequado dos direitos fundam entais, ou de pelo m enos alguns deles, é in­
dispensável para o funcionam ento regular da dem ocracia e, especificam ente, para
a existência do próprio controle social das políticas públicas. Isto é: ainda que
não se quisesse reconhecer um valor autônom o a tais direitos e à sua proteção,
ao menos será preciso assum ir dois axiom as para que as pessoas possam parti­
cipar do procedim ento de deliberação;-^ reconhecer que todos os indivíduos são
livres e i g u a i s . S e m o respeito a um conjunto básico de direitos fundam entais,
os indivíduos sim plesm ente não têm condições de exercer sua liberdade, de par-
Ana Paula de Barcellos, A eficácia ju r íd ic a d o s p rin cíp io s con stitucion ais - O p rin c íp io da dig n id a d e da
p esso a humana, 2002, p. 103 e ss..
R AW LS, John. U ma teo ria d a ju stiça , 1993, p. 221. V. também pp. 81 e 222. M ais especificam ente, vale
conferir os seguintes trechos de seu L iberalism o político, 1992, pp. 32 e 33: “ En esp ecial, el primer principio,
que abarca los derechos y libertades iguales para todos, bien puede ir precedido de un principio que anteceda a su
formulación, el cual exija que Ias necesidades básicas de los ciudadanos sean satisfechas, cuando m enos en la m e­
dida en que su satisfacción es necesaria para que los ciudadanos entiendan y puedan ejercer fructíferamente esos
derechos y esas libertades. Ciertamente, tal principio precedente debe adoptarse al aplicar e l primer principio” .
A A R N IO , A ulis. R eason a n d A uthority, 1997, p. 217 e ss.; e A L E X Y , Robert. D erechos, razonam iento jurí­
dico y discurso racional. R evista Isonom ia 7:48 e 49, 1994.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: i i o


o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 1 Ly
ticipar conscientem ente do processo político dem ocrático e do diálogo no espaço
públicoA E m outras palavras: o sistem a de diálogo dem ocrático não tem com o
funcionar adequadadam ente se os indivíduos não dispõem de condições básicas
de existência digna 7-
Essa constatação teórica ganha especial significado em países subdesenvol­
vidos ou em desenvolvim ento, com o o Brasil, nos quais um a quantidade signifi­
cativa da população habilitada form alm ente a participar do processo dem ocrático
vive em situação de pobreza extrema. Alguns dados ajudam a visualizar o quadro.
Segundo inform ação disponível no site do M inistério do D esenvolvim ento Social
e Com bate à Fom e - M D S, em m arço de 2006, mais de 8,6 m ilhões de famílias
receberam o benefício do Bolsa Família,^^ que se destina a famílias que tenham
renda p e r capita mensal de até R$ 100,00. A inform ação oficial dá conta, porém,
que o program a atinge apenas cerca de 60% a 85% das fam ílias pobres (variando
em função do Estado examinado).^"* É possível imaginar, então, de acordo com
a avaliação oficial, que haja ao m enos 11 m ilhões de fam ílias cujos m em bros
vivem com até R$ 100,00 mensais. Im agine-se que em cada um a dessas famílias
haja 3 (três) indivíduos habilitados para participar do processo dem ocrático; 33
milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema. Note-se que não fo­
ram incluídas na estatística as famílias cuja renda p e r capita ultrapassa R$ 100,00,
mas que não atinge, e.g., R$ 350,00.
O ponto não é novo, nem especialm ente com plexo. Em condições de po­
breza extrem a ou m iserabilidade, e na ausência de níveis básicos de educação
e informação, a autonom ia do indivíduo para avaliar, refletir e participar cons­
cientem ente do processo dem ocrático estará am plam ente prejudicada. Nesse am ­
biente, o controle social de que falavam os críticos do controle ju ríd ico apresenta
graves dificuldades de funcionam ento. Há mais, porém.
H A B E R M A S, Jurgen. D ireito e d em ocracia en tre fa c tic id a d e e va lid a d e, vol. I, 2003, p. 154 e ss.; MAI A,
Antônio Cavalcanti. D ireitos hum anos e a teoria do discurso do direito e da dem ocracia” . In: T O R R E S, Ricardo
Lobo e M ELLO, C elso Albuquerque (organizadores). A rqu ivos de d ire ito s hum anos, vol. II, 2 0 0 0 , p. 58 e ss.;
N A SC IM E N TO , Rogério Soares do. ‘‘A Ética do discurso com o justificação dos direitos fundam entais na obra
de Jürgen Habermas”. In: TO RRES, Ricardo Lobo (organizador). L egitim ação d o s d ire ito s hum anos, pp, 451
a 498. 2002; BINENBOJM , Gustavo, A nova ju risd iç ã o con stitucion al b ra sileira , 2 0 0 !, p. 47 e ss.; e SO U ZA
NETO, C láudio Pereira de. ‘‘Fundam entação e norm atividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução
teórica à luz do princípio dem ocrático” . In: TO RR ES, Ricardo Lobo e M ELLO, C elso de Albuquerque (orga­
nizadores). A rqu ivos de d ire ito s hum anos, vol. IV, 2002.
Sobre o tema das relações entre dem ocracia e direitos fundam entais, v. Landelino Cavilla. “C onstitucio-
nalidad y legalidad. Jurisdiccion constitucional y poder legislativo” . In: D ivision de p o d e r e s e in terprelacion
- H acia una teo ria de la pra x ia constitucionaL P IN A , Antonio Lopes (organizador). 1997, pp. 58 a 72; Q U A ­
DRA, Tom ás de la; PERGOLA. A ntonio La; GIL, Antonio Hernández; R O D R ÍG U E Z -Z A P A T A , Jorge G us­
tavo; ZA G R E BEL SK Y ; Francisco P. Bonifacio, Erhardo Denninger e Conrado H esse, M étodos y critérios de
interpretacion de la constitucion. In: Antonio Lopes Pina (organizador). D ivisio n de p o d e r e s e in terpretacion
- H a c i a una teoria de la p ra x ia con stitucion al, 1997, p. 134; e Francisco Fernandez S egado, La teoria jurídica
de los derechos fundam entales en la C onstitución Espanola de 1978 y en su interpretación por el Tribunal
C onstitucional, R evista de Inform ação L egislativa } 2 i \ l l , 1994,; “(...) los derechos son, sim ultàneam ente, la
conditio sine qua non del Estado constitucional dem ocrático” .
Fonte: < w w w .m ds.gov.br/ascom /bolsafam ilia/bf_poruf_part.pdf > (a cesso 20 0 5 .2 0 0 6 ).
Fonte: < w w w .m d s.gov.bi7ascom /bolsafam ilia/bf_atendim ento_ufpdf> (acesso 20 .0 5 .2 0 0 6 ).

120 Ana Paula de Barcellos


Na ausência de controle social, a gestão das políticas públicas no ambiente
das deliberações majoritárias tende a ser m arcada pela corrupção, pela inefici­
ência e pelo clientelismo,^^ este último em suas variadas m anifestações: seja nas
relações entre E x ecutiv o e parlamentares - freqüentem ente norteada pela troca
de favores^^ - , seja nas relações entre os agentes públicos e a população. Nesse
contexto, m anipulado em suas necessidades básicas,^^ o povo acaba por perder a
autonomia crítica em face de seus representantes. É fácil perceber que coiTupção,
ineficiência e clientelism o m inam a capacidade das políticas públicas de atingi­
rem sua finalidade: garantir e prom over os direitos fundam entais. Os recursos pú­
blicos são gastos, m as o status geral dos direitos fundam entais na sociedade sofre
pouca m elhora - ou apenas m elhoras transitórias - e, a f o r t io r f as condições da
população de participar adequadam ente do processo dem ocrático perm anecem
inalteradas. O ciclo então se renova: sem controle social, persistem a c o rru p ­
ção, a ineficiência e o clientelism o. M ais recursos públicos são desperdiçados
e m uito pouco se p ro d u z em favo r da p rom oção dos direitos fundam entais.
Esse, portanto, é o prim eiro registro im portante a ser feito sobre o tem a aqui
em discussão.
E m segundo lugar, a discussão sobre onde estabelecer a fronteira entre o
direito constitucional e a política, apesar de poder e dever ser travada tam bém
no plano teórico, depende substancialm ente das opções constitucionais concre­
tas que cada país haja form ulado. A deliberação majoritária que deu origem, no
Brasil, à Carta de 1988, pode ter decidido conferir um espaço mais am plo ao di­
reito, e im por m aiores condicionam entos jurídicos aos poderes públicos, do que,
e.g., a C onstituição da N oruega ou do Chile.
E em bora as decisões veiculadas nas Constituições possam ser legitima­
mente criticadas e intei-pretadas de form a m ais restrita ou abrangente em função
da arcabouço teórico em pregado pelo intérprete, elas certam ente não podem ser
ignoradas. Seria no m ínim o irônico que o teórico do direito, a pretexto de defen­
der o espaço dem ocrático, ignorasse a deliberação majoritária concretizada na
Constituição, para substituí-la por sua própria convicção sobre a matéria.
E m terceiro lugar, e esse é o terceiro registro sobre este ponto, é importante
não transform ar o debate em tela em um a falsa escolha entre dois extremos. Não
existem apenas duas opções radicais; a colonização total da política pelo direito
ou, no caso do objeto deste estudo, a absoluta ausência de controle jurídico em
matéria de políticas públicas. Existem possibilidades intermediárias de controle
aguardando desenvolvim ento: o tem a será retom ado adiante.
D icionário H ouaiss da Língua Portuguesa, 2 0 0 1 , p. 740: “Clientelism o: prática eleitoreira de certos políticos
que consiste em privilegiar uma clientela (“conjunto de indivíduos dependentes”) em troca de votos; troca de
favores entre quem detém o poder e quem vota” .
O contingenciam ento prévio, por parte do Poder Executivo, e posterior liberação de verbas de interesse dos
parlamentares, tendo em conta seu nicho de atuação política, é um exem plo dessa esp écie de relacionam ento.
Em geral, por m eio de políticas de assistencialism o populista que geram uma dependência permanente entre
o eleitor e o agente público.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais:


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático IZ l
Registradas essas três questões, é possível esboçar algum as conclusões a
respeito dessa prim eira crítica. A primeira delas é a de que, no contexto de países
subdesenvolvidos ou em desenvolvim ento co m o o Brasil, seu papel é limitado.
C om efeito, em muitas circunstâncias, o debate em torno do controle de políticas
públicas está relacionado de form a direta com a garantia e p ro m o ção daqueles di­
reitos elementares reconhecidos com o necessários ao próprio funcionam ento da
deliberação dem ocrática. Ou seja: a discussão brasileira se desenvolve, no mais
das vezes, em um m om ento prévio, de construção das condições indispensáveis
para a existência afinal de um debate público e dem ocrático, de m od o que a críti­
ca referida faz aqui pouco sentido. Junte-se a isso, no caso brasileiro, que a Carta
de 1988 decidiu juridicizar variados temas nesse am biente; a inconveniência que
algum teórico visualize nessa opção não altera o fato da sua existência.
Em todo o caso - e essa é um a segunda conclusão im portante - , deve-se
reconhecer um papel específico e relevante à crítica que se acaba de examinar:
o de conter o que se poderia denom inar de “m essianism o” jurídico. Exatam ente
por força do am biente político e social dos países em desenvolvim ento (de que
o Brasil é um exem plo), a frustração e a im paciência com o ritm o e os frutos do
processo dem ocrático ordinário podem conduzir ao desprezo - ainda que velado
- por esse processo, capaz de alim entar a tentação de m alversar o direito para
transform á-lo em instrumento de afirm ação da concepção política do intérprete.
O lembrete de que o direito constitucional e a política majoritária são fenôm enos
diversos, ainda que próximos, é da m aior im portância nesse contexto.

II 1.2. E xam inando a crítica filo só fic a

U m segundo grupo de críticas sobre esse m esm o tem a ex am in a a questão


sob um a perspectiva predom inantem ente filosófica. Trata-se do seguinte: não
seria paternalista e presunçoso im aginar que os juristas, e os juizes, tom ariam
melhores decisões em matéria de políticas públicas que os agentes públicos en ­
carregados dessa função? Note-se que não se cuida aqui apenas da questão da
legitimidade dem ocrática dos m agistrados, mas de sua legitim idade essencial.
Seriam os juristas mais sábios, teriam um acesso diferenciado ao conhecim ento
do que é bom ou adequado nesse particular? Seriam mais éticos ou mais c o m ­
prometidos com o interesse público? Essa espécie de pressuposição - associada,
inevitavelmente, à idéia de um a aristocracia governante ou dos “reis-filosóficos”
- não violaria o fundam ento básico dos Estados republicanos, por força do qual,
no âmbito da sociedade política, se entende que a opinião de todos tem o m esm o
valor?** A crítica que se acaba de resum ir m erece três com entários principais
que, de certo modo, a reduzem a sua verdadeira dimensão.
Tratando em alguns m om entos dessa espécie de objeção ao controle judicial de políticas públicas, para
criticá-la, veja-se Lenio Luiz Streck, O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociais-
fundamentais. Ingo W olfgang Sarlet (Org,), D ireito s fu n d a m en ta is so cia is: estu d o s d e d ire ito constitucional,
internacional e com parado, 2003. p. 169 e ss..

122 Ana Paula de Barcellos


Os historiadores e filósofos em geral identificam a era c ontem porânea como
a “pós-m odernidade” . A lguns dos traços filosóficos dessa era - e que de certa
forma a contrapõe ao período anterior, da m odernidade - são o ceticism o e o
relativismo, sobretudo o moral4^ E ssa concepção filosòfica^'® acaba por ter conse­
qüências da m aior relevância para o tem a aqui em discussão. U m dos corolários
imediatos do relativismo, de form a simples, é a impossibilidade de descrever algo
como certo ou errado. A rigor, um a vez que não há consensos morais, a posição
de qualquer pessoa é apenas um a opinião relativa em essência, cujo fundam ento
de autoridade é o próprio indivíduo e não uma verdade independente dele e a ele
superior.
C om o seria natural, o hom em pós-m oderno passou a ter grande dificulda­
de de julg ar ações ou escolhas com fundam ento em padrões morais clássicos
de bom/mal, certo/errado, ou m esm o de avaliar com parativam ente opções com o
melhores ou piores. N essa espécie de ambiente, qualquer concepção teórica que
dependa, logicam ente, de algum tipo de avaliação moral, acaba por causar certo
desconforto íntimo. Boa parte do apelo e do impacto da crítica descrita acima se
alimenta, na realidade, dessa concepção filosófica que a subjaz.
N ão cabe aqui discutir a fragilidade, do ponto de vista filosófico, do rela­
tivismo geral. Basta, para os fins deste estudo, registrar sua inconsistência exis­
tencial, tendo em conta a incoerência com a realidade que procura capturar.'" A
experiência indica que as sociedades - e as pessoas - prosseguem , em boa m edi­
da, guiando-se pelos padrões m orais clássicos de certo/errado e do b e m / m a l . O
discurso do relativism o moral absoluto não resiste ao confronto, no tempo, e.g.,
com a barbárie, com a violência, com a miséria, ou com a injustiça extrema, que
prosseguem com o eventos socialm ente marginais. Nesses am bientes, a convic­
ção acerca de padrões ou consensos morais parece irresistível. M e sm o longe de
situações-limite a discussão ética - pessoal, profissional e política"*® - tornou-se
A modernidade alim entava-se, com o se sabe, de ideiais universais, e.g ., de liberdade, de igualdade, de justiça,
de progresso científico. O projeto da modernidade, porém, acabou por se ver frustrado: a ciência não trouxe
a prosperidade e a paz esperadas, e as gueixas foram a marca do período. Sobre o tema, v. L. Chevitarese, As
'razões'da pós-m odernidade. In: A nálogos. A n a is da IS A F -P U C /R J, 2001 : “Na medida em que as expectativas
criadas [pela modernidade] não se puderam realizar efetivam ente, surgiram a frustração, o relativism o e o nii­
lism o (...) esse desencanto vem acom panhado da rejeição a tudo que é tipo com o opressivo, da desconfiança a
todo discurso que pretenda dizer ‘o que são as co isa s’, ‘o que devem os fazer’, ‘com o sentir” ’; e A ntonio Carlos
de A lm eida D iniz, O direito entre o m oderno e o pós-moderno: perspectivas e desafios. In: A ntonio Cavalcanti
Maia e outros (org.). P ersp ec tiva s atu ais d a f d o s o jia d o d ireito , 2005, p. 301 a 320.
N ão cabe aqui investigar o fundam ento filo só fic o do relativism o, que é mais com p lexo e decoixe da crise m e­
tafísica do hom em contem porâneo, por força da qual ele se encontra sem referenciais absolutos, só percebendo
sua própria existência.
C om o se sabe, um dos con ceitos filo só fico s mais elem entares de verdade é, exatam ente, a propriedade de
estar conform e os fatos e a realidade ou, dito de outro m odo, a relação de identidade entre o enunciado e o fenô­
meno. A ssim , se a con cepção do fenôm eno é desm entida pela realidade, a concepção não pode ser considerada
verdadeira. V, por todos, The Cam bridge D ictionary o f Philosophy, 1995, verbete “truth”.
Ainda que o conteúdo desses con ceitos possa variar significativam ente.
R ecentem ente, com o se sabe, ao apreciar lim inar solicitada na A D C n° 12, o STF entendeu válida resolução
do C onselho N acional de Justiça que veda práticas de nepotism o no âmbito do Judiciário. Um dos fundamentos
da d ecisão foi, exatam ente, a incom patibilidade de tais práticas com o princípio da m oralidade administrativa.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais:


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 123
um tem a fundam ental para a sociedade contem porânea, sobretudo ocidental. Do
ponto de vista jurídico, boa parte da discussão sobre os princípios envolve exata­
mente a incorporação, pelo Direito, de elem entos valorativos (com o a dignidade
humana, a justiça social, a solidariedade, a m oralidade adm inistrativa, a boa-fé,
etc.).
Veja-se; se o relativism o m oral generalizado não é consistente, é possível
concluir que há espaços em que podem haver padrões ou consensos morais; d e ­
cisões certas em oposição a eiTadas, boas em oposição a más. N essa espécie de
ambiente, o fundam ento da posição de um indivíduo sobre determ inada matéria
não consistirá apenas na sua própria opinião pessoal e relativa, m as poderá ser
confrontado com esses padrões. N ão se trata, portanto, de conferir m aior valor à
opinião do juiz ou do jurista por razões subjetivas, isto é; porque se cuida de um
juiz ou de um jurista. Trata-se de conferir maior valor a uma opinião porque, em
determinado contexto, e independentemente de seu emissor, nem todas as opiniões
são equivalentes, indiferentes ou igualmente relativas-, existem parâmetros morais
aplicáveis que permitem afirmar que determinadas posições são certas e outras er­
radas e, com o parece natural, as posições certas têm valor superior às eiradas."“
Raciocínio sem elhante ao que se acaba de descrever aplica-se igualm ente
a outra seara; a dos conhecim entos técnicos e científicos. A o longo da história o
hom em acum ulou conhecim entos sobre temas que podem autorizar a afirmação,
com razoável certeza, de que há m eios m elhores e piores para alcançar-se deter­
m inado fim. E ventualm ente, será possível afirm ar que determ inados m eios são
realmente imprestáveis para a realização de objetivos específicos. T am b ém aqui,
nem todas as opiniões são equivalentes ou têm a m esm a valia. H á parâm etros que
permitem concluir que determinadas possibilidades ou opiniões são adequadas e
outras não, ou ainda que algum as concepções são realm ente m elhores que outras,
não por conta de quem as emite, mas por seu próprio conteúdo.
Diante do que se acaba de expor, já é possível chegar a um a prim eira co n­
clusão. A crítica filosófica que se resum iu acima, em bora continue muito rele­
vante, com o se verá mais à frente, não é pertinente em todo e q ualq uer ambiente.
Ficam excluídos de sua incidência aqueles casos nos quais se esteja lidando com
padrões e consensos m orais ou com conhecim entos técnicos ou científicos con­
solidados. R estam os espaços, amplos e im portantes, não há dúvida, das opções
políticas, relativas e contingentes. Esta era a p rim eira observação a fazer sobre
o ponto.
A segunda nota sobre o tema é um a decoiTência direta da primeira. O de­
bate sobre o controle das políticas públicas em m atéria de direitos fundam entais
Uma questão mais com plexa é a que procura investigar de onde se extraem esses padrões morais. D esde os
tempos mais remotos da história da humanidade, e em certa medida até hoje. a resposta para essa questão foi
encontrada na metafísica: um Ser moral e transcendente - a divindade - teria estabelecido esses padrões e os in­
cutido de alguma forma no hom em . Mais recentem ente, outras elaborações têm sido desenvolvidas. John Rawls
(em sua obra “Teoria da Justiça”), com o se sabe, procurou oferecer uma resposta racional a essa pergunta, por
m eio do seu "estado original” no qual, por força do véu da ignorância, as p essoas não teriam corno ser egoístas
e poderiam fazer escolhas moralmente adequadas.

124 Ana Paula de Barcellos


envolve em algum a m edida pad rõ es m orais ou questões té c n ic a sl Em outras
palavras, o registro que se acaba de fazer é m eram ente teórico ou tem algum a
aplicação prática para a discussão que se trava aqui? A resposta à pergunta é
afirmativa. A lém dos aspectos puram ente jurídicos, o debate sobre o controle
de políticas públicas em m atéria de direitos fundam entais pode envolver, de um
lado, questões morais e eventualm ente tam bém questões técnicas e, de outro,
questões puram ente políticas e contingentes. O que se expôs acim a será relevante
apenas nesse prim eiro am biente - ocupado pelas questões m orais e técnicas - ,
mas não no segundo, no qual se encontram as questões políticas. Tais distinções
são importantes no que toca às possibilidades de controle ju rídico e jurisdicional.
Aprofunde-se o tema.
O controle das políticas públicas em matéria de direitos fundam entais - seja
esse controle político-social ou jurídico - envolve ao m enos duas questões m o­
rais. Em prim eiro lugar, a discussão sobre o tema assum e com o padrão moral
- e tam bém jurídico, não há dúvida - a centralidade do hom em e de seus direitos
no contexto do E stado e do Direito. Assim, opções em m atéria de políticas p ú­
blicas que claram ente violem essa diretriz, funcionalizando o indivíduo, serão
moralmente erradas. E m tais casos, o controle jurisdicional terá sua legitimidade
incrementada na m edida em que seja possível agregar aos fundam entos jurídicos
também o fundam ento moral, a fim de qualificar a opção do Poder Público como
m oralm ente errada.
E certo que “opções que claram ente violem ” esse pressuposto moral - e o
advérbio claram ente desem p enha um papel importante na oração - não são tão
freqüentes e m E stados democráticos. A realização da dignidade hum ana e dos
direitos fundam entais não constitui uma operação simplista; ela envolve aspectos
individuais e coletivos,"*^ presentes e futuros,“*® exige o equilíbrio entre necessi­
dades diversas e a coordenação de efeitos mediatos e imediatos das diferentes
ações.*’ N o norm al das circunstâncias, não é dificil sustentar razoavelm ente que,
de alguma form a, direta ou indireta, determ inada política respeita o pressupos-
A lguns debates en volvend o, e.g., a proteção do consum idor podem exigir essa esp écie de perspectiva sim ul­
tânea, individual - coletiva. A proteção esp ecífica de consum idores isolados e historicam ente localizados pode
causar prejuízos para a coletivid ade dos consum idores. Um exem plo d esse fenôm eno, de fácil visualização,
envolve os contratos de seguro; a cobertura de eventos não previstos com o sinistros produz o aumento da sinis-
iralidade que poderá justificar um increm ento global do prêm io da carteira.
Um exem plo dessa esp écie de dificuldade é observado nas discu ssões, que com eçam a se desenvolver no
Brasil, envolvendo o con flito entre o direito à moradia (em geral de desabrigados ou de fam ílias extrem amente
carentes) e a proteção am biental de áreas de preservação ecológica. A forma de equilibrar aspectos presentes do
atendimento a direitos fundam entais - com o é o caso da moradia - e futuros - de que muitas vezes se ocupa a
proteção am biental - pode ser bastante com plexa.
*’ Uma das maiores dificuldades n esse particular - efeitos im ediatos e m ediatos de políticas públicas em matéria
de direitos fundam entais - será a forma co m o o Poder Público presta assistência aos desam parados. D epen­
dendo da forma com o são organizados e executados os programas assistenciais, em bora indispensáveis para
evitar um grau de m iserabilidade inaceitável, esses programas poderão ensejar, a m édio prazo, efeitos colaterais
indesejáveis, com o, e.g., a destruição da autonomia individual, da m otivação para o aprim oram ento pessoal e
para o trabalho e a deterioração da responsabilidade pessoal do indivíduo assistido, afora o risco da formação,
do ponto de vista p olítico, de um vínculo clientelista entre assistido e autoridade pública responsável pela co n ­
cessão desses benefícios.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: 1^ ^


o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 125
to da centralidade do hom em e de seus direitos. E ventualm ente, porém , alguma
opção política não conseguirá justificar-se racionalm ente à luz desse elem ento
moral e, então, a legitimidade do controle jurídico será reforçada p or esse funda­
mento.
Na m aior parte dos casos, sem pre que haja conexão racional possível entre
as opções políticas e esse axiom a moral, a questão se desenvolverá em ambiente
diverso - o am biente político - sobre o qual se tratará adiante. É bem de ver que
m esm o nesse ambiente, tendo em conta determ inado fim pretendido, pode ser
viável afirmar que há escolhas erradas ou piores que outras, não m ais com funda­
m ento moral, e sim, com o referido acima, com base na experiência histórica e em
conhecim entos técnicos ou científicos acumulados.
A discussão sobre as políticas públicas em m atéria de direitos fundam entais
envolve ainda uma segunda questão moral. Não se trata m ais de um juízo acerca
do conteúdo da política pública escolhida, e sim - independentem ente da escolha
feita - da lisura na utilização dos recursos públicos. A ssim , a segunda questão
moral, com fundam ento na qual é possível fazer julgam entos de certo/eiTado, en ­
volve a coiTeção com que a política pública que se decidiu adotar é de fato im ple­
mentada. T am bém aqui, esse elem ento moral já foi am plam ente incorporado pelo
direito positivo brasileiro. Os desvios de recursos e de finalidade, a corrupção e
o desperdício ou a ineficiência são, além de injurídicos, m oralm ente reprováveis.
A crítica filosófica exam inada to m a-se pouco relevante nesse am biente, no qual
não há propriam ente espaços de discricionariedade política adm itida pelo direito,
isto é: nos quais diversas opções podem ser form uladas, todas igualm ente válidas,
e sim espaços m oralm ente vinculados.
A conclusão do exam e levado a cabo acerca da crítica filosófica pode ser re­
sum ida nos seguintes termos. O controle jurisdicional das políticas públicas pode
ter três fundam entos distintos e legítimos. E m prim eiro lugar, co m o todo controle
jurisdicional, seu fundam ento pode ser unicam ente a norm a jurídica, fruto da d e ­
liberação democrática. Assim, se um a política pública, ou qualquer decisão nessa
matéria, é determ inada de form a específica pela Constituição ou por leis válidas,
a ação administrativa coirespondente poderá ser objeto de controle jurisdicional
como parte do natural ofício do m agistrado de aplicar a lei.
A hipótese mais complexa, porém, e mais freqüente, coloca-se quando não
se pode extrair de forma direta da norm a jurídica respostas às questões relevantes
em matéria de políticas públicas (isto é: quanto investir, em que investir, com
que propósito investir, etc.). N essa hipótese, cabe sobretudo ao E xecutivo e ao
Legislativo elaborar as respostas para tais perguntas. M e sm o aqui, em bora se
trate do espaço próprio das deliberações majoritárias, poderá haver controle ju ris­
dicional, conquanto seja possível - a despeito do caráter genérico dos parâm etros
jurídicos - form ular um juízo consistente de certo/errado em face das decisões
dos poderes públicos. C om o referido acima, esse ju ízo pode ter fundam entos
morais ou técnico-científicos.

126 Ana Pania de Barcellos


Inexistente qualquer desses três fundam entos - jurídico, moral ou técnico-
científico - incide perfeitam ente a crítica exam inada neste ponto. N ão haverá
fundamento algum, legítimo, co m base no qual o juiz possa fazer a sua opinião
prevalecer sobre a dos agente públicos dem ocraticam ente eleitos. Se o ju iz não
pode recorrer a um fundam ento norm ativo claro - que traz em si a legitimidade
democrática própria associada a sua elaboração - e se sua decisão não se recon­
duz a um im perativo m oral ou técnico, sua opinião, na realidade, é apenas isso:
uma opinião, sem qualquer valor intrínseco especial. E entre opiniões equivalen­
tes, terá m aior valor aquela que conta com o apoio da maioria, ainda que indire­
tamente.

II 1.3. E xam inando a crítica operacional

A terceira crítica, p o r seu turno, tem um. viés m ais o peracional e pode ser
assim resumida. A inda que superadas as críticas anteriores, o fato é que nem o
jurista, e m uito m enos o juiz, dispõem de elem entos ou condições de avaliar,
sobretudo em dem andas individuais, a realidade da ação estatal com o um todo.
Preocupado com a solução dos casos concretos - o que se poderia denom inar de
m icro-jiistiça - , o juiz fatalm ente ignora outras necessidades relevantes e a im po­
sição inexorável de g erenciar recursos limitados para o atendim ento de dem andas
ilimitadas: a rnacro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítim o o controle jurisdi­
cional das políticas públicas, o jurista não disporia do instrum ental técnico ou de
informação para levá-lo a cabo se m desencadear am plas distorções no sistema de
políticas públicas globalm ente considerado.'**
H á ainda mais do que isso. Os indivíduos que vão ao Judiciário postular
algum bem ou serviço em m atéria de direitos fundam entais nem sem pre serão
representantes das classes m enos favorecidas da sociedade. As necessidades des­
tes, com o regra, não c h eg a m aos T ribunais e n em são ouvidas pelos juizes. Nesse
contexto, o que se pode verificar é um deslocam ento de recursos das políticas
públicas gerais - que, e m tese, deveriam beneficiar os mais necessitados de forma
direta - para as dem andas específicas daqueles que detém inform ação e capaci­
dade de organização.
A crítica que se acaba de enunciar não pode ser refutada de m aneira sim plis­
ta e não co n v ém ignorá-la. C om efeito, o ju iz não detém inform ações completas
sobre as m últiplas necessidades que os recursos públicos d ev em acudir ou mesmo
sobre os reflexos não antecipados que uma determ inada decisão pode desencade­
ar. Ele não tem o tem po necessário para fazer um a investigação com pleta sobre o
assunto, nem os meios para tanto. N em lhe cabe afinal levar a cabo um planeja­
mento global da atuação dos poderes públicos.
■** Richard A. Posner, E conom ie a n alysis o fla w , 1992; Gustavo Amaral, D ireito, e.scassez e escolh a - em busca
de critério s ju ríd ic o s p a ra lid a r com a esca sse z d e recu rso s e a s d ec isõ e s trágicas, 2001; e Flávio Galdino,
Introdução à teo ria d o s custos d o s direitos. D ire ito s não n ascem em árvores, 2005.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: __


o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 127
Tendo em conta o que se acaba de registrar, a pergunta que se coloca passa
a ser a seguinte: mas qual a conseqüência dessa crítica o peracional para o con ­
trole jurídico e jurisdicional das políticas públicas? Ela o inviabilizaria? Ela o
restringiria de algum m odo? A resposta a essas questões dependerá, e variará,
em função de dois elementos: o objeto a ser juridicam ente controlado e a m od a­
lidade de controle que se pretenda implementar.*^ E sse último tem a - objetos e
m odalidades de controle - , por sua importância, não apenas no que diz respeito
a esta última crítica, m as tam bém quanto às duas primeiras, será exam inado no
próxim o tópico.

IV. Objetos e modalidades de controle


A expressão “controle jurisdicional de políticas públicas” não descreve um
fenôm eno único ou um conjunto uniform e de situações. É viável im aginar diver­
sas possibilidades e com binações nesse particular, sendo que cada uma dessas
variações poderá produzir um im pacto diverso sobre os argum entos utilizados
pelas críticas descritas nos tópicos anteriores. A lgum as form as de controle po ­
dem ensejar - se em pregadas am plam ente - m aior intervenção do Judiciário na
esfera própria dos outros Poderes, ao passo que outras serão m ais deferentes para
com o espaço de deliberação majoritária. Seja com o for, e com o j á referido, o
controle de políticas públicas em matéria de direitos fundam entais poderá variar
em função, ao menos, de dois elem entos diversos.
O primeiro elem ento vem a ser o objeto específico a ser controlado. Trata-
se de saber que conduta ou bem^® será exigido, de quem e sob que fundam ento.
O segundo elem ento, por seu turno, envolve o am biente processual no qual a
discussão será posta e, conseqüentem ente, os efeitos objetivos e subjetivos de
eventuais decisões proferidas, o que se pode denom inar aqui, por convenção, de
niodalklade de controle.
Quando se trata de políticas públicas em m atéria de direitos fundam entais
- nos termos em que o conceito foi delim itado para este estudo - , que objetos
podem ser alvo de controle jurisdicional? Em outros termos, o que é exigível
nessa matéria e, portanto, pode ser sindicado jud icialm ente? É possível cogitar de
5 (cinco) objetos distintos (sem prejuízo de outros), ainda que interligados, que
podem ser agrupados em dois grupos.
N o prim eiro bloco, será possível controlar, em abstrato, (i) a fix a ç ã o de
m etas e p rio ridades por parte do Poder Público em matéria de direitos fund am en­
tais; em concreto, será possível cogitar do controle (ii) do resultado fin a l espe­
rado das políticas públicas em determ inado setor. N o segundo grupo, é possível
controlar ainda três outros objetos: (iii) a quantidade de recursos a se r investida,
*’ Victor Abram ovich y Christian Courtis, Apuntes sobre la Exigibilidad Judicial de los D erechos Sociales.
Ingo W olfgang Sarlet (Org.), D ire ito s fiu idam en ta is sociais: estu dos de d ire ito constitucion al, in ternacional e
com parado. 2003. p. 159 e ss..
50 A •
A n g o i\ a pretensão será sem pre de uma conduta, ainda que a conduta seja a de entregar o bem.

128 Ana Paula de Barcellos


em termos absolutos ou relativos, em políticas públicas vinculadas à realização
de direitos fundam entais; (iv) o atingim ento ou não das m etas fix a d a s pelo p ró ­
prio P oder Público', e fvj a eficiência m ínim a na aplicação dos recursos públicos
destinados a determ inada finalidade. C om o é fácil perceber, os dois primeiros
objetos de controle se ocupam do conteúdo das políticas públicas em si, ao pas­
so que os três últim os pretendem controlar aspectos do processo de decisão e
execução das políticas públicas levado a cabo pelo Poder Público. Exam ine-se
rapidamente cada um deles.

IV. 1. C ontrole da fix a ç ã o de m etas e prioridades e do


resultado fin a l esperado das políticas públicas

O prim eiro objeto referido acim a envolve o controle da fixação de metas,


a cargo do E xecutivo e do Legislativo no âm bito do orçam ento e da execução
orçamentária,^* em m atéria de políticas públicas para a realização de direitos fun­
damentais. O segundo objeto, por sua vez, diz respeito ao controle do resultado
fmal esperado das políticas públicas associadas a determ inada matéria. A rigor,
essa segunda form a de controle ju rídico só existirá se as m etas de que trata a
primeira não houverem sido incluídas no orçam ento ou não tiverem sido alcança­
das, já que o conteúdo final das duas form as de controle é o mesmo. Explica-se
melhor.
As duas espécies de controle que se acaba de identificar assum em com o
pressuposto que há resultados esperados - e exigíveis - das políticas públicas em
matéria de direitos fundam entais. Tais políticas, portanto, não constituem um fim
em si m esm o e, m ais que isso, a escolha dos fins que elas d evem alcançar não
está inteiram ente à disposição dos Poderes E xecutivo e Legislativo. N a realidade,
as políticas públicas deverão n ecessariam ente produzir com o resultado o ofere­
cimento, à população, de determ inados bens ou serviços, que vão dar conteúdo,
então, ao que se referiu acim a co m o "resultado esperado das po lítica s públicas".
Dois exem plos ajudam a esclarecer o ponto.
Parece não haver dúvida de que as políticas públicas em m atéria de educa­
ção, dentre outros objetivos que p ossam ter, terão, necessariam ente, de oferecer
ensino fundam ental gratuito a todas as crianças em idade própria, bem com o aos
adultos que, por desventura, não tiveram oportunidade de receber essa espécie de
instrução. Tais bens constituem , sob a ótica dos indivíduos, direitos subjetivos,
como se sabe. Se é assim, os Poderes Públicos estarão obrigados, em primeiro
lugar, a incluir e m suas previsões orçam entárias rubricas capazes de atender essa
necessidade, isto é: metas relacionadas com o oferecim ento desses serviços. E
se se trata de um dever jurídico, sua inobservância poderá ser objeto de controle
** o orçam ento, no Brasil, com o se sabe, é apenas autorizativo, sendo freqüente a transferência de recursos
entre rubricas e o contingenciam ento. O controle, portanto, não poderá se restringir apenas à fixação abstrata
das metas no orçam ento - sob pena de ser inócuo - , mas deverá também afetar a inclusão daquela meta, de fato,
no plano de execu ção orçamentária.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais; -i


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático IZ ”
jurisdicional. Trata-se aqui, portanto, do prim eiro objeto de controle descrito; o
das metas a serem fixadas pelo Poder Público.
Imagine-se, porém , que, a despeito do que se acaba de registrar, em d eterm i­
nada localidade do país os bens em questão não são oferecidos à população; não
há escola pública (ou qualquer equivalente) destinada a crianças e adolescentes,
nem há serviço específico dirigido aos adultos. Esse é o espaço de operação da
segunda form a de controle identificada acima. O controle ju rídico nessa hipótese
representa exatam ente a possibilidade de exigir diretam ente tais bens; o resulta­
do final esperado pelas políticas públicas em m atéria de direitos fundam entais.
Nesse caso, portanto, poderia o ju iz determ inar de form a específica o o ferecim en­
to de tais serviços à população.
Veja-se ainda um exem plo envolvendo o direito fundam ental a prestações
de saúde. Im agine-se que os indivíduos têm direito subjetivo ao fornecim ento
gratuito de m edicam entos necessários ao tratam ento da tuberculose e ao c o n ­
trole da hipertensão, sobretudo se por eles não possam pagar. D o ponto de vista
do Poder Público, portanto, o fornecim ento de tais m edicam entos constitui uma
meta necessária de suas políticas públicas para o setor. Sua não inclusão no orça­
m ento ou no plano de execução orçam entária poderá ensejar controle específico.
E m um segundo m om ento, suponha-se que os rem édios não são de fato ofereci­
dos à população. O controle do resultado final consistiria na possibilidade de o
juiz determ inar ao Poder Público o oferecim ento obrigatório dos m edicam entos
referidos.
A o incidir sobre o resultado final esperado das políticas públicas - seja
previamente, no m om ento do estabelecim ento das metas, seja posteriorm ente,
quando verificado o não cum prim ento dessas m etas - esses controles ensejam ao
m enos um a reflexão importante. Eles exigem sempre, previam ente, a definição
de que determ inado bem ou serviço constitui, de um lado, um direito subjetivo e,
de outro, pelo m esm o fundam ento, um resultado necessário das políticas públi­
cas. Há casos em que essa definição será bastante simples. N o caso da educação,
com o se sabe, os incisos I, VI, VII e os §§ 1° e 2° do art. 208 da C onstituição
são explícitos ao descrever com o direitos os serviços referidos acima. O tem a da
saúde, entretanto, j á envolve maiores complicações. T oda e q u alqu er prestação
de saúde disponível no m ercado daria origem a um a providência exigível? A d es­
peito da redação dos arts. 196 e 198, II, am bos da Carta de 1988, essa conclusão
não parece viável em um m undo de recursos limitados.
O u seja; para levar-se a efeito tais controles, será preciso definir qual é o re­
sultado esperado e necessário das políticas públicas relativam ente aos diferentes
direitos fundam entais. E ssa definição envolverá um a certa delicadeza para que, a
pretexto de interpretar a Constituição, o aplicador não tente im por sua concepção
pessoal na matéria. Excessos nesse particular terão repercussões graves sobre os
temas discutidos pelas críticas de que se tratou logo no início deste trabalho, a
saber; (i) o equilíbrio entre a C onstituição e o espaço dem ocrático; (ii) a legitim i­

130 Ana Paula de Barcellos


dade do m agistrado nesse particular; e (iii) a distorção das relações entre micro e
inacro justiças. E m outras palavras, o tem a envolve a extensão ou a abrangência
daquilo que se vai definir com o resultado fin a l e sp e r a d o f que, para além de
determinados limites, essa possibilidade de controle poderá ser um alvo justo das
críticas referidas no tópico anterior. O ponto será retom ado adiante quando se tra­
tar dos am bientes processuais nos quais as diferentes espécies de controle podem
se desenvolver (o que se denom inou acima de m odalidade de controle).
E xam ine-se agora, ainda que brevem ente, os três outros objetos de controle,
que já não cuidam do conteúdo propriam ente das políticas públicas. O objetivo
último dessas espécies de controle é, tam bém , influenciar o resultado final a ser
alcançado por m eio das políticas públicas e aproxim ar a ação estatal daquilo que
deseja a Constituição: o m eio em pregado para tanto, porém, é indireto e de cer­
ta forma m enos invasivo do espaço de escolha do L egislativo e do Executivo.
Confira-se.

IV .2. C ontrole da quantidade de recursos a ser investida

O terceiro objeto controlável a que se vai fazer referência - o primeiro


deste segundo grupo - é a quantidade de recursos a ser investida na promoção
dos direitos fundam entais. C o m o é corrente, a própria C onstituição estabelece
percentuais m ínim os de recursos que devem ser investidos em educação e saúde
pelos entes federativos (CF, arts. 198, § 2°, e 202^®), além de vincular as receitas
das contribuições sociais ao custeio da seguridade social.®*
E possível, todavia, cogitar da construção teórica de outros parâmetros nes­
sa matéria, além dos objetivam ente já fixados pela Constituição. C o m efeito, é
plausível im aginar relações de prioridade exigíveis entre diferentes tipos de gas-
Em outro estudo (A eficácia ju ríd ic a d o s p rin cíp io s constitucionais. O p rin cíp io da d ig n id a d e da p esso a
humana, 2001) sustentam os a possibilidade de controle jurídico de ao m enos quatro conjuntos de bens - saúde
básica (saneam ento, atendim ento m aterno-infantil, ações de m edicina preventiva e prevenção epidem iològica),
educação fundam ental, assistência aos desam parados e acesso à justiça - por considerar, o que continuam os a
entender, que eles correspondem ao resultado final esperado das políticas públicas determinadas pelo próprio
texto constitucional.
CF/88: “Art. 198, § 2° dispõe que “ § 2° A U nião, os Estados, o Distrito Federal e os M unicípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos m ínim os derivados da aplicação de percentuais ca l­
culados sobre: I —no caso da União, na forma definida nos termos da lei com plem entar prevista no § 3“; II - no
caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos im postos a que se refere o art. 155 e dos
recursos de que tratam os arts. 157 e 159, in ciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transfe­
ridas aos respectivos M unicípios; III - no caso dos M unicípios e do D isü ito Federal, o produto da anecadação
dos im postos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, in ciso I, alínea b e § 3°
“ (...) A lt. 212: “A U nião aplicará, anualm ente, nunca m enos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
M unicípios vinte e cin co por cento, no m ínim o, da receita resultante de im postos, com preendida a proveniente
de transferências, na m anutenção e desenvolvim ento do ensino” ;
®* CF/88: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, m ediante recursos provenientes dos orçam entos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
M unicípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)”.N o site do M inistério da Previdência e A ssistência S o ­
cial (w w w .m p as.gov.b r) é p ossível ter acesso a uma lista com pleta das contribuições com as alíquotas e as bases
de cálcu lo aplicáveis. V. sobre o tema, M arcelo Guerra Martins. Im postos e co n trib u içõ es fe d e r a is, 2004.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: -| '21


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 131
tos do Poder Público e em função dessas relações desenvolver controles. Pode ser
juridicam ente consistente, por exem plo, sustentar que os gastos com publicidade
governam ental não poderão ser superiores aos investim entos com saúde ou edu­
cação, um a vez que necessidades im portantes de tais áreas sofram com carência
de recursos, ou que os gastos públicos com eventos culturais (e.g., show s) não
possam ultrapassar ou representar m ais do que determ inada fração daqueles com
educação fundam ental e média, etc.^*
A elaboração de parâm etros diversos dos já previstos constitucionalm ente
exigirá, por certo, um esforço de justificação importante. N o caso dos percentuais
já fixados pelo texto constitucional, o controle é im ediato e não enseja maiores
questionamentos. N o caso de percentuais ou proporções construídas pela doutri­
na ou pela jurisprudência, o grau de crítica a que essa possibilidade de controle
estará sujeita dependerá da consistência jurídica com que foi fundamentada.*^
Nada obstante, um a vez que seja possível concluir que tais relações proporcionais
entre os valores a serem investidos pelo Poder Público são exigíveis, sua obser­
vância poderá ser objeto de controle jurídico.
Um a questão relevante nesse contexto envolve os pedidos q ue podem ser
formulados de form a específica à autoridade judicial. E m prim eiro lugar, nem
sempre será fácil obter inform ações sobre o destino real dos recursos públicos.*’
Nessas circunstâncias, será necessário form ular pedidos cautelares, de natureza
preparatória, solicitando, e.g., a prestação de contas ou a exibição de docum entos
ou por m eio da qual se possa obter dados sobre o tema.
Ultrapassada essa eventual fase preliminar, passam -se aos pedidos princi­
pais. Certam ente é possível cogitar da responsabilização pessoal do adm inistrador
pelo descum prim ento dos parâm etros referidos acim a (ao m enos por im probida-
** o M inistério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação por im probidade administrativa em face de
autoridades m unicipais do M unicípio de C am pos dos G oytacazes por conta do ex cesso de gastos públicos em
eventos culturais. A Prefeitura organizou mais de 150 eventos m usicais em m enos de dois anos gerando, em
média, três show s por fim de semana. A lém das acusações de supeifaturam ento em tais contratações, alega-se
que os gastos m ilionários nessas áreas não se repetem em outras áreas de atuação obrigatória do poder público,
violando a razoabilidade. N ão se tem notícia de que haja sido proferida d ecisão nessa dem anda (processo n°
2 0 0 3 .014.016724-4, 4" Vara C ível da Comarca de C am pos dos G oytacazes).
*^ M axim o La Torre, Theories o f Legal Argumentation and C oncepts o f Law. An A pproxim ation, R atio Juris
4:382, 2002: “It is today the judge that is put forward as the new centre o f the legal system , no longer the leg­
islative power, like it or not. And in the ju d g e’s view central im portance inevitably attaches to the procedure
by which the decision is arrived at. Here, the law is not enough, other criteria o f ch oice have to be resorted to";
e Aulis Aarnio, Lo racio n a i com o razonable, 1991, p. 29: “C om o se ha m encionado, el d ecisor ya no puede
apoyarse en una mera autoridad formal. En una sociedad moderna, la gente ex ig e no so lo d ecisio n es dotadas
de autoridad sino que pide razones. Esto vale también para la adm inistración de justicia. La responsabilidad del
juez se ha convertido cada vez más en la responsabilidad de justificar sus d ecision es. La base para el uso dei
poder por parte dei ju ez reside en la aceptabilidad de sus decision es y no en la posición form al de poder que
pueda tener. En este sentido, la responsabilidad de ofrecer justificación es, especificam ente, una responsabilidad
de m aximizar el control público de la decisión. A sí pues, la presentación de la justificación es siem pre también
un m edio para asegurar, sobre una base racional, la existencia de la certeza jurídica en la socied ad ” .
*’ Sobre a questão da dificuldade de acesso a inform ações na matéria, v. A na Paula de B arcellos, Ana Paula de
Barcellos, N eoconstitucionalism o, direitos fundam entais e controle das políticas públicas. R evista de D ireita
A dm inistrativo 240:S3 e ss., 2005.

132 Ana Pailla de Barcellos


de, sem prejuízo de outras sanções). H á outros pedidos viáveis, com o, e.g., que
se determine o investim ento obrigatório dos recursos inicialmente alocados em
outras rubricas em políticas vinculadas aos direitos fundam entais, se isso ainda
for factível do ponto de vista do estágio da execução orçam entária. T am bém não
seria implausível o pedido de inclusão, no orçam ento do ano seguinte, da diferen­
ça de recursos que deveria ter sido gasta em direitos fundam entais e não o foi.^*

IV .3. C ontrole do atingim ento ou não das


m etas fix a d a s p elo P oder Público

O quarto objeto possível de controle envolve a verificação acerca do atin­


gimento, ou não, das m etas estabelecidas pelo próprio Poder Público para suas
políticas públicas. Naturalm ente, essa espécie de controle jurisdicional só se j u s ­
tificará caso o P oder P úblico não haja, com o lhe caberia fazer, tornado públicas
as infom iações a esse respeito. Infelizm ente, o tema é relevante, já que nem sem ­
pre o dever de publicidade é observado em toda sua extensão pelas autoridades
públicas competentes.^^ A profunde-se a questão.
A C onstituição de 1988 dispõe que o Presidente da R epública deve remeter
ao Congresso Nacional plano de governo, do qual deveriam constar as metas que
0 Executivo visualiza para sua ação administrativa. C abe-lhe tam bém prestar,
anualmente, as contas d o exercício anterior.*^“ Mais que isso, a Carta prevê que
cada um dos três Poderes deve m anter sistema de controle interno com a finali-
Essa já era a cogitação de Luís Roberto Barroso no final da década de 80, v. Luís Roberto Barroso, O direita
cmustitucianal e a efetivid a d e d e su as norm as, 2006 (primeira edição de 1990), p. 144, n. 59: "Não se deve
desconsiderar, para um futuro aprofundam ento do tema, a viabilidade de uma d ecisão jud icial condenando o
Estado a fazer constar do orçam ento do exercício subseqüente a previsão da despesa necessária ao cumprimento
de uma obrigação de fazer judicialm ente im posta. C om plexidades geradas por certas regras clássicas, de natu­
reza constitucional e processual, exigem , no entanto, mas cuidadoso exam e da questão”. É certo que os limites
da Lei de R esponsabilidade Fiscal deverão ser respeitados e, provavelm ente, o termo do mandato do C hefe do
Executivo responsável pela ação/om issão inconstitucional. Parece problem ático que o n o v o governante eleito
tenha sua liberdade de conform ação limitada por ações ou om issões inválidas praticadas por seu antecessor. De
todo m odo, este é um tema que exige reflexão mais aprofundada.
V. STF, R HD 22, Rei. Min. C elso de M ello, j. 19 set. 1991: “A Carta Federal, ao proclamar os direitos e
deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja com preensão é essen cial a caracterização da
ordem dem ocrática corno um regim e do poder v isível. O m odelo político-jurídico, plasm ado na nova ordem
constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta” ; e STF, D JÜ 09 dez. 2 0 0 3 , M S 2 4 .725-8, Rei.
Min. C elso de M ello: “A ssiste, aos cidadãos e aos m eios de com unicação social ( ‘mass m ed ia’), a preixogativa
de fiscalizar e de controlar a destinação, a utilização e a prestação de contas relativas a verbas públicas. (...)
Não custa rememorar que os estatutos do poder, numa República fundada em bases dem ocráticas, não podem
privilegiar o m istério, eis que a legitim idade político-jurídica da ordem dem ocrática, im pregnada de necessário
substrato ético, som ente é com patível com um regim e do poder visível, definido, na lição de BO BBIO , com o
‘um m odelo ideal do governo público em p úb lico’. A o dessacralizar o segredo, a nova C onstituição do Brasil
restaurou o velho dogm a republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio dem ocrático da publicidade,
cuja incidência - sobre repudiar qualquer com prom isso com o m istério - atua com o fator de legitim ação das
decisões e dos atos governam entais”.
“ CF/88: “Art. 84. C om pete privativam ente ao Presidente da República: (...) XI - rem eter m ensagem e plano
de governo ao C ongresso N acional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e
solicitando as providências que julgar necessárias; (...) X X IV - prestar, anualm ente, ao C ongresso Nacional,
dentro de sessenta dias após a abertura da sessã o legislativa, as contas referentes ao ex ercício anterior;”

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: -t


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 133
dade de avaliar o cum prim ento das m etas que tenham sido estabelecidas.®' Ainda
que o texto constitucional nada houvesse falado sobre o ponto, a fixação de metas
é um a exigência elem entar de qualquer processo adm inistrativo. E o controle do
atingimento de metas vem a ser um corolário natural de sua própria fixação.
O objeto a ser controlado aqui não é propriam ente o conteúdo das metas:
elas terão sido definidas pelas instâncias majoritárias.®’ T am b ém não se cuida
aqui de punir o adm inistrador que não atingiu as m etas por ele m esm o fixadas.
E certo que m uitos eventos im previstos e im previsíveis podem ocorrer ao longo
da execução orçam entária, de m odo que as metas previstas originariam ente po­
dem ter de sofrer adaptações. O controle que se pretende aqui é instrumental e, a
rigor, seu objetivo central é obter inform ação e divulgá-la, de m o do a fom entar
o debate público e o controle social do tema. Trata-se de um pedido de prestação
de contas, cabendo ao Poder Público explicitar o cum prim ento da m eta que havia
estabelecido ou justificar suas opções. Apenas isso. A ntes de prosseguir, há uma
observação importante a fazer.
E m bora o objeto a ser controlado envolva a com paração entre as metas ini­
cialm ente fixadas pelo Poder Público e o resultado final de suas políticas, pode
haver um problem a prévio; a ausência de m etas concretas a partir das quais algum
controle possa se desenvolver. N ada obstante o que prevê a C onstituição brasilei­
ra acerca do plano de governo, esse docum ento contém tradicionalm ente apenas
uma peça retórica de propaganda política, da qual com o regra não é possível ex­
trair qualquer meta tangível®® no que diz respeito às políticas que o G overno pre­
tende implementar. O m esm o se diga acerca dos planos plurianuais e até m esmo
das leis orçamentárias.®* C om o regra, tais docum entos descrev em fins e metas de
form a tão genérica e dissociada de parâm etros concretos que será sim plesm ente
inviável, depois, controlar, sob qualquer perspectiva, seu eventual cum prim ento
ou descum prim ento.
®' CF/88: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, E xecutivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistem a de
controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cum prim ento das metas previstas no plano plurianual, a ex e­
cução dos programas de governo e dos orçam entos da União;”
■ R epita-se que os controles discutidos neste estudo não excluem outros aqui não abordados, nem se está a
sustentar que não seria p ossível controlar o conteúdo das metas. O que se deseja enfatizar neste passo é a possi­
bilidade de um controle puramente instrumental n esse particular.
® Embora não seja o caso de desenvolver o ponto aqui, vale registrar que metas tangíveis correspondem à des­
crição de uma realidade concreta, “palpável” e observável. Assim , investir uma quantidade “x ” de recursos em
determinada área não corresponde ainda a uma meta tangível. Metas tangíveis seriam, e.g., na área de saúde, a con­
tratação de “z” m édicos, a contrução de “y” hospitais e seu aparelhamento, o fornecim ento de “z” doses do m edica­
mento tal, etc.. E claro que a fixação das metas terá de levar em conta os recursos estim ados para investimento.
Esse foi um dos problem as apontados pelo relatório da auditoria realizada pela Secretaria de M acroavalia-
ção Governamental (SE M A G ) do TC U acerca do Plano Plurianual 2 0 0 4 /2 0 0 7 (Processo n° 0 1 5 2 7 1 /2 0 0 3 -4 ),
verbis: “49. Há que se registrar, nesse contexto, a generalidade e im precisão da grande parte dos desafios de
governo, que podem ser ligados aos objetivos de diversos programas, levand o-se em consideração que não se
encontram associados a referências objetivas que possam ser mensuradas, e sim a enunciados genéricos, do
tipo; ‘valorizar’, ‘im plem entar’, ‘prom over’, ‘m elhorar’, ‘garantir’, etc. Em o u ü o s casos, fala-se em ‘reduzir’
ou ‘aumentar’, mas não se apresentam as situações-objetivo no horizonte de tem po” . Sobre o tema, v. Renata
Ribeiro Baptista, T C ü - P roc. 0 1 5 2 7 1 /2 0 0 3 -4 - C on trole do Plano P lurianual 2 0 0 4 /2 0 0 7 p e lo T ribunal de
Conta.s' da U nião, 2006, nüineo.

134 Ana Pania de Barcellos


Esse aspecto da questão é especialm ente relevante. Não se trata apenas do
desrespeito às noiTnas constitucionais que tratam do plano de g ov erno ou do
controle interno. U m a vez que o debate político se alim en ta apenas de ge­
neralidades, c havõ es e frases de efeito, o controle social - tanto no m o m e n ­
to das eleições, q u a n to d u ran te os m andatos - tem gran de d ificuld ade de se
desenvolver. E m um E stad o d em ocrático, o natural seria q ue os candidatos
apresentassem prop o stas con cretas de m etas para aq uilo que identificam sei­
os problem as do país e os m eios factíveis de realizá-las, o ferecendo ao eleitor
dados que p u d e sse m ser avaliados racionalm ente, e não apenas slo g a n s e jin -
gles em ocionais.
Seria tam bém natural - em um Estado republicano no qual a publicidade e a
responsabilidade política são disposições constitucionais - que cada governo elei­
to divulgasse suas metas concretas por setor e, periodicam ente, prestasse contas
do que foi feito, do que não pôde ser feito e das razões para tanto, sobretudo em
um sistema, co m o o brasileiro, que admite a reeleição dos Chefes do Executivo.^*
Caberia, é claro, à oposição form ular as críticas pertinentes e à população avaliar
concretamente e form ular seus próprios juízos. E fácil perceber que, na ausência
de elem entos m inim am ente objetivos, a matéria prima do debate público acaba
por ser form ada por acusações pessoais, prom essas infactíveis, m anipulações de
dados e propaganda.
Feita a digressão, reto m e-se ao ponto. U m a vez que seja possível identificar
metas envolvendo políticas públicas em matéria de direitos fundam entais, o ob­
jeto a ser controlado aqui em discussão diz respeito apenas à realização, ou não,
de tais metas. Q ue espécie de pedido poderia ser form ulado perante a autoridade
judiciária nesse contexto? Caso não se tenha inform ação acerca do cum prim ento
ou não da m eta previam ente estabelecida, será o caso de solicitar a prestação
de contas por parte do Poder Público. N a hipótese de as infom iações sobre esse
ponto existirem, mas não existir qualquer dado sobre as razões que justificaram
o abandono pelo P o der Público daquela meta (e não sejam elas notórias), é pos­
sível cogitar de pedido nesse sentido, a fim de que tais razões sejam divulgadas
publicamente.
Lem bre-se que o propósito dessa espécie de controle não é interferir com
a form ulação ou co m a execução da política pública ou punir o agente público.
Trata-se apenas de racionalizar a gestão das políticas públicas em matéria de
direitos fundam entais e increm entar o grau de responsabilidade política e social
(accountability), de m odo a fornecer subsídios mais consistentes para o debate e
o controle sociais.

Boa parte dos argum entos que levaram à consagração da regra da reeleição dizem respeito à possibilidade de
a população avaliar o governo e decidir se deseja ou não m antê-lo. Se os elem entos concretos a serem avaliados
não são divulgados, a legitim idade da regra resta am plam ente prejudicada.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: -t y r


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático U 5
IV A . C ontrole da eficiência m inim a na
aplicação dos recursos p ú b lico s

U m cjuinto objeto de controle jurisdicional possível é a eficiência m ínim a


na utilização dos recursos públicos investidos ou destinados a políticas públicas
relacionadas com direitos fundam entais. Independentem ente da eventual dificul­
dade de desdobrar a expressão em todas as suas conseqüências,®® a eficiência é,
não há dúvida, um dever jurídico im posto ao P oder Público pelo próprio texto
constitucional.®’ Isso significa, com o parece natural, que sua verificação pode ser
exigida judicialm ente. Explica-se m elhor com um exemplo.
A nualm ente, no orçam ento e, ao fim, na execução orçam entária, o Poder
Público destina determ inada quantidade de recursos para o custeio de políticas
relacionadas, e.g., com educação, saúde e moradia. O objeto de controle de que
se cogita neste tópico não é a quantidade de recursos a ser investida - de que se
tratou acima - ou m esm o as prioridades eleitas para o investimento. Todas essas
decisões, sob a perspectiva desse controle, estariani a cargo do E xecutivo e do
Legislativo, cada qual no âmbito de suas com petências. O controle aqui sugerido
tem com o objeto apenas o que se fez, afinal, com os recursos destinados pelo
Poder Público a determ inada área.
Im agine-se que um M unicípio hipotético X declara, em seu relatório de exe­
cução orçamentária, haver investido R $ 1.000.000,00 (um m ilhão de reais) em
saúde no ano de 2005. As questões que surgem aqui são duas. E m prim eiro lugar:
o que se fez especificam ente com os R$ 1.000.000,00? Q ue resultado se produziu
com tais recursos? E m segundo lugar, e tendo em conta essa inform ação, será o
m om ento de apurar se existe um a relação de eficiência m ínim a entre os recursos
investidos e o resultado produzido (seja ele qual for). Teria havido desperdício,
ineficiência ou desvio? O resultado produzido concretam ente pelo investim ento
de tais recursos custa razoavelm ente 1 m ilhão de reais?
Repita-se que esse controle não se ocupa do quanto deveria ou não ter sido
investido em determ inada área ou m esm o de quais deveriam ter sido as priori­
dades de investim ento nesse particular. Deixando, por ora, a cargo dos Poderes
Públicos majoritários a definição desses elem entos, o q ue se procura verificar é a
existência - ou não - de um a relação de eficiência m ínim a entre o que se investiu
e o resultado específico desse investimento. H á duas observações a fazer sobre a
questão.
O controle da eficiência eventualm ente poderá exigir o recurso a parâm e­
tros externos, obtidos junto ao mercado, para que seja possível aferir qual o custo
real, ainda que aproxim ado, dos bens e serviços produzidos afinal pelo Poder
Público. Suponha-se que, com o R$ 1.000.000,00 referido acima, o M unicípio X
afirme ter construído a escola Y e increm entado a qualidade da m erenda escolar
v., dentre outros trabalhos sobre 0 assunto, Em erson Gabardo, P rin cíp io con.stitucional d a eficiên cia adini-
nisrrativa, 2002.
C F/88, art. 37, caput, e art. 70.

136 Ana Paula de Barcellos


das cinco escolas já existentes na região, atendendo a um total de 800 crianças.
Pois bem: quanto deveria custar, em geral, um a edificação do porte da escola Y
e, quanto custa, tam bém em média, a m elhoria introduzida na m erenda escolar?
O juiz, por certo, não terá essa informação, mas poderá obtê-la por meio do au­
xílio de peritos ou experts. A situação não é diversa de tantas outras que cabe ao
Judiciário conhecer e decidir. E sta a primeira observação relevante.
A segunda observação envolve a noção de eficiência, em bora não seja o
caso aqui de exam inar o tem a com m aior profundidade. A doutrina especializada
visualiza na eficiência um dever geral de a A dm inistração otim izar o em pre­
go dos m eios disponíveis para, com eles, obter os melhores resultados possíveis
relevantes para o interesse público.^* É certo que os meios disponíveis não se
resumem a recursos financeiros: eles envolvem tempo, urgência, recursos hum a­
nos, dentre outros ativos relevantes. N ada obstante, a econom icidade - isto é; a
relação custo/benefício sob uma perspectiva financeira - será sem pre um aspecto
importantíssimo a ser exam in ado no contexto da eficiência. O tem a é da maior
atualidade e dispensa m aiores comentários.*^^
A inda sobre a noção de eficiência, tam bém é certo que a avaliação acerca
do que é - ou, mais precisam ente, do que foi - eficiente ou não muitas vezes
produzirá zonas de certeza negativa, zonas de certeza positiva e tam bém as cha­
madas “zonas de pen u m b ra” .^** Dito de outro modo, algum as opções dos Poderes
Públicos poderão facilm ente ser descritas com o ineficientes (zona de certeza ne­
gativa), outras com o eficientes (zona de certeza positiva), ao passo que em rela­
ção a outras haverá dúvida fundada sobre seu status, sobretudo tendo em conta
- e esse é tam b ém um aspecto importante - as circunstâncias que cercavam e
pressionavam o adm inistrador (e eventualm ente tam bém o L egislador) no m o­
mento em que tom ou a decisão que agora o Poder Judiciário examina.
A possibilidade de controle da eficiência m ínim a das políticas públicas,
antes de outros desenvolvim entos m aiores e mais aprofundados, envolverá so­
bretudo o aspecto da econom icidade, de m odo a verificar o em prego adequado
dos recursos no contexto das políticas públicas direcionadas (ou supostam ente
direcionadas) à realização dos direitos fundam entais. Esse controle, é claro, tem
por objetivo principal elim inar as zonas de certeza negativa na matéria. Isto é:
impedir - ou, no mais das vezes apenas punir, já que im pedir em caráter pre­
ventivo nem sem pre será viável - condutas claram ente ineficientes ou m esm o a
m alversação crim inosa do dinheiro público.
Não se vai aqui tratar da d istinção, já corrente hoje, entre interesse público primário e secundário. Sobre
0 assunto, veja-se C elso A ntônio Bandeira de M ello, C u rso d e d ire ito a d m in istra tiv o , 2 0 0 3 , p. 57 e ss.. Fica
apenas o registro de que o dever de eficiên cia se dirige, prim ordialm ente, à realização do interesse público
primário.
Lembre-se mais uma vez que não se está excluindo aqui a possibilidade de controle de eficiên cia em termos
mais abrangentes.
™ Gustavo Binenbojm , Uma te o ria d o d ire ito a d m in istra tivo - D ireito s fun dam en tais, d em o cra cia e con stitu ­
cionalização, 2006, p. 211 e ss..

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: ^ __


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 13 /
Trate-se agora, tam bém aqui, dos pedidos a serem form ulados. N o âmbito
dessa espécie de controle poderá ser necessário, com o já referido, veicular pedi­
dos de natureza cautelar preparatória. Isso porque, caso não haja inform ação dis­
ponível sobre o tema, é possível cogitar de pedidos relacionados co m a obtenção
de informação acerca dos recursos investidos e do destino desses recursos. Em
uma fase seguinte, dem onstrada, por desventura, a existência de condutas inefi­
cientes, será o caso de aplicar as sanções cabíveis aos responsáveis.”

IV. 5 O bjetos controláveis e as críticas exam inadas

Antes de exam inar o tem a das m odalidades de controle - objeto do subtó-


pico seguinte - será útil fazer algum as observações sobre a form a c o m o cada um
dos objetos controláveis referidos acim a se relaciona com as críticas descritas
inicialmente.
Os dois prim eiros objetos, exam inados em conjunto no item IV. 1., são, no
plano abstrato, o conteúdo das m etas a serem fix a d a s p e lo s P oderes Públicos
e, em concreto, a existência ou não, de fato, do resultado fin a l esperado das
p olíticas públicas. C om o referido, essa espécie de controle exigirá a definição,
do ponto de vista teórico, das m etas consideradas juridicam ente obrigatórias e,
na m esm a linha, do resultado final esperado das políticas públicas vinculadas à
realização dos direitos fundam entais. Isto é: o controle jurisdicional desses dois
objetos interfere com o próprio conteúdo das políticas públicas, representando,
portanto, a m aior “invasão” no espaço próprio dos dem ais Poderes. P o r isso m es­
mo, as críticas exam inadas no início deste estudo incidirão co m m aior intensida­
de nesse ambiente. H á algum as outras questões a considerar nesse particular.
C om o já m encionado anteriorm ente, as críticas referidas terão m aior ou
menor relevância na hipótese dependendo do conteúdo que se venha a atribuir
às metas ou ao resultado final esperado das políticas públicas em questão. No
que diz respeito às duas primeiras críticas - derivadas dos debates da teoria da
Constituição e da discussão filosófica - , se esse conteúdo encon trar respaldo
consistente no próprio texto constitucional e constituir-se de bens considerados
essenciais para a dignidade hum ana e para o próprio fun cionam ento do regime
democrático, elas perderão boa parte de seu fundam ento.
Nessas circunstâncias, o argum ento dem ocrático-m ajoritário, fundam ento
central da primeira crítica, não poderá contrapor-se co m sucesso a essa espécie
de controle, um a vez que o parâm etro com base no qual as m etas e o resultado
final das políticas públicas serão controlados corresponde a condições básicas
para a própria deliberação democrática. A idéia igualitarista e relativista, que dá
suporte especial à crítica filosófica, tam bém não tem condições de confrontar
um parâm etro diretam ente vinculado a um a opção valorativa boa, a rigor assim
A Lei n° 8,666/93 prevê sanções que, em tese, poderiam ser ap licáveis, bem co m o a Lei n° 8 .4 2 9 /9 2 (Lei de
Improbidade), dentre outras.

138 Ana Paula de Barcellos


reconhecida pela com unidade no texto constitucional: a dignidade hum ana e sua
centralidade no sistem a jurídico e estatal.
Q uanto à crítica operacional - a terceira das críticas exam inadas - há duas
notas a fazer. E m prim eiro lugar, não existirá “m acro-justiça” sem “micro-jus-
tiça” ou justiça individual. A “m acro-justiça” - assim com o a clássica noção de
interesse público^- - não existe com o um conceito etèreo, desvinculado da reali­
dade e das pessoas c oncretam ente consideradas. Assim, se determ inados bens são
considerados indispensáveis para a dignidade hum ana em um a dada sociedade,
a atribuição de tais bens às pessoas - as múltiplas “m icro-justiças” - form arão
necessariam ente um dos conteúdos obrigatórios da “m acro-justiça” , de tal m odo
que, se esta últim a não incluir tais prestações em seu bojo, haverá um a injuridici-
dade em sua concepção. A segunda nota a fazer, na verdade, envolve as m odali­
dades de controle - se individual, coletiva ou abstrata - tem a que será exam inado
de forma específica adiante.
U m últim o registro ainda sobre esses dois objetos de controle. A jurispru­
dência brasileira está fam iliarizada com o que se descreveu com o “controle do
resultado final das políticas públicas” . São freqüentes as decisões que condenam
o Poder Público, e.g., a custear m edicam entos e tratam entos m édicos não dis­
poníveis na rede pública de saúde.’* Tais decisões, por natural, assum em que o
oferecimento de tais bens constitui um resultado necessário das políticas públicas
em m atéria de saúde - um dever jurídico - de m odo que seu não oferecim ento
constituiria um ilícito a ser sanado pelo Judiciário.
Ora, se o oferecim ento de tais bens à população é um dever jurídico, o
Poder Público estaria igualm ente obrigado a fornecê-los em carater geral. E se
ele não o faz, seria perfeitam ente possível impor-lhe o cum prim ento desse dever
jurídico no contexto do seu planejam ento, por m eio do controle jurídico de suas
metas. M ais que isso, o controle das metas em abstrato, e não do resultado em
concreto, traria a vantagem adicional de beneficiar de form a equivalente todos
os indivíduos que precisem do tal m edicam ento ou do tratam ento médico, e não
apenas aqueles que recoiTeram ao Judiciário. Pela m esm a razão, no entanto, se
se entender inviável, do ponto de vista teórico, exigir a inclusão de determ inado
” Sobre o tema, veja-se, por todos, D aniel Sarm ento (O rg.), In teresses p ú b lico s versus in teresses p riva d o s:
descon stru indo o p rin cíp io de su prem acia d o in teresse pú blico. 2005.
STJ, D JU 07 out. 2002, RM S 13452/M G , Rei. Min. Garcia Vieira: “C onstitucional e Adm inistrativo. M an­
dado de Segurança. Objetivo: reconhecim ento do direito de obtenção de m edicam entos indispensáveis ao
tratamento de retardo mental, Hemiatropia, epilepsia, tricotilom ania e transtorno orgânico da personalidade.
D enegação da ordem. Recurso ordinário. D ireito à saúde assegurado na constituição federal (art. 6“ e 196 da
CF). Provim ento do recurso e con cessão da segurança”; STJ, D JU 04 set. 2000, R M S 1 1183/PR, Rei. Min.
José Delgado: “C onstitucional. Recurso ordinário. Mandado de segurança objetivando o fornecim ento de m e­
dicam ento (riluzol/rilutek) por ente público à pessoa portadora de doença grave: esclerose lateral am iotrófica
- ELA. Proteção de direitos fundam entais. D ireito à vida (art. 5°, caput, (7F/88) e direito à saú de (arts. 6° e 196,
C F/88)”; STJ, D JU 09 fev. 2 004, M S 8740/D F , Rei. Min. João O távio de Noronha: “Adm inistrativo. Mandado
de segurança. D oença congênita grave. M ielom en in gocele infantil. N ecessidade de tratamento por m eio de
aparelho terapêutico não fabricado no país. D ever do estado. Direito fundamental à vida e à sa ú d e’’-, e STJ, D JU
23 ago. 2004, REsp 625329/R J, Rei. Min. Luiz Fux: “Recurso especial. SU S. Fornecim ento de m edicam ento.
Paciente com b ócio d ifuso tóxico com hipertiroidism o. Direito à vida e à saúde. D ever do Estado”.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais; _„


0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 13"
bem com o uma m eta pública e m caráter abstrato, dúvida sem elhante deverá exis­
tir acerca da sua exigibilidade em c o n c r e to f “*
Trate-se, agora, do controle da quantidade de recursos a ser investida.
C om o referido, já existem alguns parâm etros norm ativos objetivos na matéria
- contidos no próprio texto constitucional - e, quanto a eles, o controle não se
sujeita a m aiores questionam entos. A dem ais, a interferência que essa espécie de
controle produz no espaço de escolhas dos poderes majoritários é substancial­
mente menor, já que não se ingressa no debate acerca das políticas específicas a
serem desenvolvidas em cada caso. Sob as rubricas gerais, e.g., educação, saúde
ou m esm o direitos fundam entais, o P oder Público estará livre para destinar, às
políticas que entender m ais adequadas, os recursos m ínim os a serem investidos
nesse setores.
As duas prim eiras críticas, portanto, não assum em m aior vulto nesse con­
texto. A construção de novos parâm etros, é certo, poderá ensejar algum a discus­
são, dependendo de sua consistência dogmática. N ada obstante, parece certo que
em muitos casos será perfeitam ente plausível sustentar relações necessárias de
proporcionalidade entre diferentes despesas públicas. Q uanto à crítica operacio­
nal, sua pertinência é relativa, já que a discussão envolve a alocação de recursos
em caráter geral e abstrato, previam ente, portanto, à definição das m icro e ma-
cro-justiças. Nesse contexto, tanto a definição da m acro-justiça, pelos Poderes
Públicos, co m o a realização eventual da micro-justiça, pelo m agistrado, terão de
considerar esse elemento, isto é: a quantidade de recursos disponíveis e destinada
para cada finalidade.
A p róxim a m odalidade de controle envolve a verificação do cum prim ento
das m etas fix a d a s p elo pró p rio p o d e r público. C om o se referiu acim a, m uitas ve­
zes a dificuldade será prévia; a ausência de metas, mas não cabe aprofundar esse
aspecto da questão aqui. Existindo as metas, a obrigação de prestar contas acerca
de seu cum prim ento, bem com o das razões para o seu eventual descum prim ento,
não sofre, a rigor, qualquer repercussão das críticas acima. N ote-se que não se es­
tará, aqui, tom ando qualquer decisão propriam ente dita, de m odo que não há que
se discutir sobre a am pliação do espaço da C onstituição - em detrim ento do espa­
ço da deliberação dem ocrática - ou da legitim idade do Judiciário para interferir
em políticas públicas. T am bém não são relevantes as dificuldades operacionais a
que se fez referência acima.
N a verdade, é possível descrever o controle que incide sobre essa espécie
de objeto com o “neutro” do ponto de vista das críticas descritas. P o r isso m es­
mo, seu proveito é muito mais m ediato que imediato: cuida-se, c o m o registrado,
de fornecer subsídios para o controle social. A crítica que se poderia form ular
é outra. U m a grande quantidade de ações judiciais veiculando essa espécie de
pedido acabaria por exigir uma quantidade considerável de trabalho do Poder
Esse tema, dentre outros, será exam inado com profundidade na dissertação de mestrado de Eduardo M endon­
ça, em elaboração no âm bito do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UERJ. É esperar.

140 Ana Paula de Barcellos


público (na preparação das inform ações a serem apresentadas), dispersando suas
energias e deslocando-o do foco principal de sua atuação. A dem ais, poder-se-ia
argumentar, os T ribunais de Contas são órgãos cujo papel é levar a cabo essa es­
pécie de controle. M obilizar duas estruturas estatais - os Tribunais de Contas e o
Judiciário - para o m esm o propósito seria pouco adequado e eficiente. Exam ine-
se cada um a das observações.
De fato, um grande volum e de dem andas na linha do que se acaba de des­
crever poderá desencadear um a quantidade de trabalho considerável e imprevisto.
Não convém esquecer, porém, que esse quadro poderia ser evitado uma vez que
0 Poder Público houvesse prestado contas adequada e publicam ente acerca de
suas decisões, na linha do que lhe impõe a Constituição. O recurso ao Judiciário
justifica-se diante da om issão do Poder Público nesse particular. É possível es­
pecular ainda que, diante de u m conjunto de dem andas dessa natureza, e para
evitá-las, os agente públicos acabem por ser induzidos a prestar contas em caráter
geral. O objetivo dessa espécie de controle terá então sido alcançado; fornecer
elementos concretos para o debate e o controle sociais. N ão faria sentido, em
face da om issão do P oder Público, bloquear-se a intervenção judicial pelo fato de
suas eventuais decisões gerarem “trabalho” para as autoridades públicas. De todo
modo, com o se verá adiante, esse “trabalho” poderá ser bastante reduzido em
função do am biente processual no qual o controle venha a se desenvolver.
Q uanto ao T ribunal de Contas, há alguns registros a fazer. Os Tribunais
de Contas não são instâncias judiciais e suas decisões não são finais, podendo
sempre ser revistas pelo Poder Judiciário. N ad a obstante isso, seria pouco ra­
cional, de fato, que duas estruturas estatais estivessem , ao m esm o tem po, se
ocupando da m esm a atividade. A questão, porém , não se eoloca exatam ente
nesses term os. E m prim eiro lugar, em b ora adm ita outros parâm etros - a saber:
legitim idade e e co n o m ic id ad e (CF, art. 70, caput) - , o controle desem penh ado
pelos T ribunais de C ontas co ncentra-se na verificação da legalidade estrita das
contas públicas.
E m segundo lugar, os Tribunais de Contas sofrem com u m a vicissitude que
decoiTe de sua própria estrutura. E m bora e m m uitas ocasiões seus corpos técnicos
levem a cabo investigações acuradas, seus conselheiros - cuja nom eação, com o
se sabe, e ao m enos até agora, tem caráter m arcadam ente político - nem sempre
estão dispostos a deliberar a favor ou contra determ inado governo. E m terceiro
lugar, não é in co m um que as investigações dos Tribunais de Contas sejam parti­
cularmente dem oradas, ultim ando-se após o térm ino dos m andatos dos agentes
responsáveis pelas decisões exam inadas. E ssa circunstância acaba por impedir
que as eventuais inform ações obtidas subsidiem o controle social de que se tratou
acima. Seja co m o for, parece razoável sustentar que, existindo investigação espe­
cífica e tem pestiva e m curso ju n to ao Tribunal de Contas com petente, o controle
judicial deverá aguardar seu término. S em prejuízo, é claro, de as eventuais con­
clusões da Corte de Contas serem subm etidas ao escrutínio judicial.
Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: t /i i
0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 141
Por fim, algum as observações sobre o quinto objeto controlável: a efici­
ência m ínim a das políticas públicas, entendida aqui c o m o econom icidade. A
primeira observação diz respeito aos próprios contornos do objeto em questão.
C om o referido, não se cuida de avaliar a propriedade ou a adequação da política
escolhida pelo Poder Público em face de outras possíveis ou hipotéticas. E m bora
a noção mais geral de eficiência admita, por certo, essa espécie de controle, não
é dele que se cuida aqui. C om o referido, por eficiência m ínim a se quer significar
apenas o aspecto financeiro da questão, isto é; a relação de econom icidade entre
os recursos destinados à política e o custo m édio de m ercado das ações levadas a
cabo no contexto dessa iniciativa estatal.
Note-se, portanto, que, na m esm a linha do objeto anterior, não se estará a in­
terferir em qualquer decisão acerca do conteúdo das políticas públicas. Ademais,
os deveres de econom icidade e eficiência decorrem do próprio texto constitucio­
nal, constituindo, nessa linha, obrigações jurídicas im postas aos agentes públi­
cos em geral. Assim, as duas primeiras críticas discutidas neste estudo não têm
relevância nesse ambiente. A crítica operacional igualm ente não é pertinente, já
que não se estará m odificando nem o planejam ento nem a execução dos planos
concebidos pelo Poder Público.
U m a última nota. N em a Constituição nem a legislação prevêem percen­
tuais em abstrato a partir dos quais - tom ando o valor de m ercado dos bens e
serviços em discussão com o parâmetros^^ - haveria ineficiência m ínim a. Outras
figuras, que operam com um a espécie similar de raciocínio - co m o a noção de su-
perfaturam ento prevista na Lei n° 8.666/93, art. 25, § 2°,'^^ vários conceitos gerais
utilizados pela Lei de Im probidade (Lei n° 8.429/92^^) e a idéia de onerosidade
excessiva, regulada pelo art. 478 e ss. do N ovo C ódigo Civil - , igualm ente não
são acom panhadas de parâm etros objetivos em abstrato. E ssa circunstância, por
natural, não im pede que tais conceitos sejam integrados e aplicados pelo m agis­
trado à luz dos casos concretos. O m esm o, portanto, poderá se passar com a noção
de eficiência m ínim a aqui em discussão.
Antes de tratar das m odalidades de controle, cabe concluir este tópico. Os
dois prim eiros objetos controláveis são aqueles que interferem de form a direta
com o conteúdo propriam ente dito das políticas públicas. Sobretudo a espécie de
controle que lida c om o resultado esperado dessas políticas, será ela, sem dúvida,
a que produz resultados mais rápidos e visíveis, no que diz respeito à proteção
e à prom oção dos direitos fundamentais. Sem prejuízo dessas opções, as demais
possibilidades de controle, em bora toquem o problem a apenas de form a indireta.
Será preciso levar em conta, na avaliação d esses dados, as particularidades do regim e contratual da A dm i­
nistração Pública,
Lei n° 8.666/93. art. 25, § 2°; “Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se com provado
superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador
de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras san ções legais ca b ív eis” .
V eja-se, por exem plo, o art. 11 da Lei n° 8.429/92; “Constitui ato de im probidade adm inistrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou om issão que v io le o s d everes de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:”

142 Ana Paula de Barcellos


não devem ser desprezadas. A capacidade que elas podem ter, a m édio prazo,
de fom entar um debate político e social sério acerca do tema, na m edida em que
projetem dados concretos no espaço público, não deve ser subestimada. Ademais,
os deveres instrum entais im postos ao Poder Público - o dever de investir deter­
minada quantidade de recursos em educação, o dever de prestar contas e o dever
de eficiência m ínim a - são igualm ente jurídicos. N ada justifica que eles sejam
ignorados ou que o P oder Judiciário não possa, provocado, exercer sobre eles
escrutínio.

IV .6. M odalidades de controle: individual, coletivo e abstrato

E m alguns m om entos da exposição fez-se breve referência à possibilidade


de alguns dos controles descritos acim a serem levados a cabo no âm bito de ações
individuais, coletivas ou m esm o no contexto do controle abstrato de constitu-
cionalidade de leis ou de atos do Poder Público. Cabe agora sistem atizar a ques­
tão. O ponto é especialm ente im portante por várias razões. É certo que decisões
proferidas no âm bito de processos coletivos - com o, e.g., ações civis públicas
- ou no contexto das ações abstratas, de controle objetivo de constitucionalidade,
produzem efeitos m uito mais abrangentes, atingindo a generalidade das pessoas
no país ou em determ inada região. Efeito similar terá, do ponto de vista prático,
decisões proferidas e m sede de m andado de segurança contra ato ou om issão do
Chefe do Executivo. Os efeitos que tais decisões produzem terão algumas con ­
seqüências.
N a hipótese de tais decisões interferirem diretam ente co m deliberações dos
demais Poderes acerca de políticas públicas, é certo que incidirão com especial
intensidade as duas prim eiras críticas discutidas neste estudo (a saber: a form ula­
da pelas teorias da C onstituição e a filosófica). Por outro lado, a discussão cole­
tiva ou abstrata traz diversas vantagens, tanto sob a ótica das críticas estudadas,
quanto do ponto de vista do sistem a jurídico. E m primeiro lugar, a m aior visibi­
lidade que o debate coletivo ou abstrato confere aos argum entos das críticas filo­
sófica e da teoria da C onstituição deve ser encarada com o um elem ento positivo.
Freqüentemente, diante do dram a individual do autor, é dificil levar a cabo uma
reflexão equilibrada sobre a questão.
E m segundo lugar, será m ais fácil lidar com os argum entos da crítica ope­
racional nesse contexto do que seria no âmbito de ações individuais. C om efeito,
a discussão coletiva ou abstrata exige naturalm ente um exam e do contexto geral
das políticas públicas discutidas (a “m acro-justiça”) - o que em geral não ocorre
no contexto de ações individuais - , e to m a mais provável esse exam e, já que os
legitimados ativos (M inistério Público e associações) terão m elhores condições
de trazer tais elem entos aos autos e discuti-los. Por fim, a discussão em sede co­
letiva ou abstrata favorece a isonom ia, evitando as distorções que os processos
individuais p o d e m gerar na distribuição de bens dentro da sociedade, já que a
solução produzida será aplicável em caráter geral. Por isso m esm o, aliás, e como
Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: i 4y
0 controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 143
já se referiu, um a ação coletiva ou abstrata é capaz não apenas de evitar um sem
núm ero de dem andas individuais, livrando o Judiciário de um a sobrecarga adi­
cional, mas tam bém os próprios Poderes Públicos de responderem a um a quanti­
dade significativa de ações individuais.
Veja-se que as observações que se acaba de fazer - salvo no que diz respeito
à isonom ia - são pertinentes apenas nas hipóteses em que as críticas discutidas no
início deste estudo sejam aplicáveis. Feitos esses registros prévios, será o caso de
relacionar brevem ente cada um dos objetos controláveis já exam inados com as
modalidades de controle aqui referidas.
O controle do resultado esperado das políticas p ú b lica s sem pre poderá se
dar no âmbito de ações individuais: esta é, aliás, a m odalidade de controle de
políticas públicas mais usual, atualm ente, no Brasil. É bem de ver, no entanto,
que controle equivalente poderá ser levado a cabo no âm bito de ações coletivas.
Assim, e.g., a ausência de vaga no ensino fundam ental em escola pública, pela
inexistência de estabelecim ento de ensino na região, enseja ações individuais e
coletivas, sendo que nestas se poderá discutir os deveres de instalar o estabele­
cim ento de ensino e de resolver o problem a emergencial dos titulares do direito
de acesso à educação fundam ental gratuita, até que a escola esteja disponível.
O m esm o raciocínio se aplica a prestações de saúde que sejam consideradas j u ­
ridicamente exigíveis. O indivíduo não atendido pode, por certo, postular seu
atendimento, mas tam bém se pode discutir a questão em caráter geral - com
m aior proveito, aliás - de m odo a assegurar o oferecim ento do bem a todos os
indivíduos que dele necessitem.
C om o é fácil perceber, o controle coletivo do resultado esperado das p o lí­
ticas p ú b licas favorece um a solução geral, além de perm itir u m a discussão mais
concreta sobre os recursos disponíveis e o planejam ento estatal co m o um todo.
No que diz respeito ao controle abstrato, após a regulam entação da A D P F (Lei n°
9.882/99), é possível sustentar, ao m enos em tese, que a om issão inconstitucio­
nal do Poder Público (a rigor, de qualquer nível da Federação), capaz de violar
preceito fundam ental, poderá tam bém ser objeto de controle por m eio dessa ação
abstrata de com petência originária do STF.
Quanto ao controle da fix a ç ã o de m etas p o r parte do P o d er P úblico, parece
difícil visualizar a discussão do tem a no âm bito de ações individuais, tendo em
conta a atual situação dogm ática do processo civil relativam ente à legitimação
ativa.’^ As ações coletivas poderão ser um a sede adequada para essa discussão.
Em sentido diverso do defendido pela teoria processual clássica sobre a matéria, v. C elso A ntonio Bandeira
de M ello, Controle judicial dos atos administrativos, R evista de D ireito P ú b lico 6 5 :2 9 /3 0 , 1983: “Não cabe
imaginar que normas postas em benefício da coletividade, mas que proporcionam proveito individual não este­
jam a tutelar também e com igual proteção aqueles que delas sacariam os b en efícios previstos. N ão cabe supor
que o fato de uma regra ser editada tendo com o alvo um interesse da coletividade, ao ser desatendida não esteja
desatendendo, com a m esm a intensidade, os interesses concretos e esp ecífico s daqueles indivíduos que fazem
parte daquela m esm a coletividade. (...) De outra parte, negar proteção jurisdicional nos casos em que o pleito se
assenta em hipóteses excedentes da noção restrita de direito subjetivo con espon deria a assum ir p osição antinô-
mica aos vetores interpretati vos que são im postos pela lógida do Estado de Direito. É forçoso, pois, reconhecer

144 Ana Paula de Barcellos


Do ponto de vista abstrato, se a lei orçam entária não inclui em seu bojo meta que
seria obrigatória por conta do texto constitucional, parece possível atacá-la por
meio de ação direta de inconstitucionalidade’®ou, se se entender que se trata de
lei de efeitos concretos, por m eio de argüição de descum prim ento de preceito
fundamental.^®
Que dizer do controle que tem com o objeto a quantidade de recursos a ser
investida pelo Poder Público? T am b ém aqui, parece certo que a viabilidade de
ações individuais seria questionada com base na falta de legitim idade ativa dos
indivíduos para discutirem o tema. As ações coletivas poderão com tranqüilidade
tratar do assunto, j á que se cuida de típico direito difuso. D o ponto de vista do
controle abstrato, igualm ente, um a vez que a destinação de determ inada quanti­
dade de recursos para fim específico consubstancia um a regra constitucional, sua
inobservância gera invalidade que deve poder ser sanada ou p or m eio de ADIn
(ou representação p o r inconstitucionalidade) ou por m eio de A D P F (assumindo
que a questão envolverá preceito fundamental).
T anto o controle do atingim ento ou não das m etas fixa d a s pelo P oder
Público, co m o o da eficiência m ínim a na aplicação dos recursos públicos, terão
como espaço próprio de d iscussão as ações coletivas. As ações individuais, como
já referido, esbarram na dificuldade quanto à legitim ação ativa. A inadequação
das ações abstratas nesse caso parece decorrer da circunstância de que tais espé­
cies de controle não discutem a validade de deliberações vigentes, isto é; deli­
berações do Poder P úblico que se encontram produzindo efeitos e continuarão a
produzi-los no futuro. A o contrário, exam inam -se aqui deliberações passadas e
pontuais, cuja eficácia a rigor já se esgotou. N ão se cuida aqui, portanto, da tutela
da ordem jurídica em vigor - objeto típico das ações abstratas - , mas do controle
específico de atos passados do P oder Público. A dem ais, tais controles podem
exigir um volum e considerável de instrução probatória, a fim de verificar em
concreto, e.g., se as m etas foram ou não atingidas, qual o custo m édio dos bens
contratados pelo Estado, etc. E m b o ra já se adm ita algum a instrução no âmbito de
ações abstratas,®' essa não parece ser a sede própria para discutir a verificação ou
não de fatos controversos alegados pelas partes.
que em todos os casos em que a violação da ordem jurídica pela Adm inistração acanetar um prejuízo pessoal
para o administrado - esteja ele colocad o em situação relacional concreta ou em situação genérica, objetiva
- há violação a um d ire ito seu, assistindo-lhe, de conseguinte, obter proteção jurisdicional para ele. (negrito no
original)”.
A ADIn seria cabível apenas em face de leis orçamentárias federais e estaduais, já que não cabe ADIn em face
de leis m unicipais. Estas poderiam ser discutidas em abstrato em face das C onstituições dos Estados-m em bros,
dependendo de seu teor.
A tradicional jurisprudência do STF entendia incabível A D In contra lei orçamentária por visualizar nela lei
de efeitos concretos {D JU 03 abr. 1998, QO na ADIn 1640-D F, Rei. Min. Sydney Sanches). N o julgam ento
da ADIn 2.9 2 5 -D F (D JU 19 dez. 2003, Rei." Min." Ellen Gracie, Rei. p/ acórdão Min. M arco A urélio), porém,
vários Ministros registraram a con ven iência de m odificar esse entendim ento, tanto assim que a ADIn foi conhe­
cida. Parece, no entanto, que o tem a ainda se encontra em discussão na Corte.
V. Lei n“ 9.8 6 8 /9 9 , art. 9° e Lei n” 9 .8 8 2 /9 9 , art. 6“.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: -t A C


o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 145
Seja com o for, o que se pode concluir quanto a este ponto é que, sem pre­
juízo das ações individuais, que constituem um espaço im portante de exercício
da cidadania no âm bito de um E stado de Direito, as ações coletivas e as ações
abstratas, quando cabíveis, constituem um m eio valioso para a discussão jurídica
acerca das políticas públicas.

V. Conclusões
Parece próprio, a guiza de conclusão, com pendiar as principais idéias d e ­
senvolvidas neste estudo. Lem bre-se que o trabalho perseguia dois objetivos,
autônomos, porém interligados: (i) exam inar algum as críticas form uladas à possi­
bilidade de controle jurídico das políticas públicas e (ii) iniciar a discussão acerca
de alguns m ecanism os de controle ju rídico das políticas públicas direcionadas à
prom oção dos direitos fundam entais que, ao invés de esvaziarem ou substituirem
o controle político-social na matéria, fossem capazes de fom entá-lo.
T endo em conta o prim eiro objetivo, foram exam inadas três críticas fre­
qüentem ente form uladas à possibilidade de controle juríd ico e jurisdicional das
políticas públicas; (a) a crítica form ulada pela teoria da Constituição - que q u es­
tiona a validade de a inteipretação constitucional invadir espaços próprios da
política majoritária; (b) a crítica filosófica - que discute a legitim idade essen­
cial (não apenas dem ocrática) do m agistrado para im por suas deliberações sobre
aquelas form uladas pelos representantes das m aiorias; e (c) a crítica operacional,
que se opõe ao controle por entender que o Judiciário não é capaz de co m p reen ­
der o contexto global das políticas públicas, n em de lidar com ele, e, ao pretender
interferir nesse universo, acaba gerando distorções.
As duas primeiras críticas têm sua im portância relativizada na m edida em
que: (i) a discussão envolva direitos que constituem pressupostos para o funcio­
namento da deliberação majoritária e sem os quais o controle social das polí­
ticas públicas dissipa-se no ciclo corrupção - ineficiência - clientelism o; e (ii)
o controle jurisdicional das políticas públicas tenha por fun dam en to elem entos
normativos específicos, padrões ou consensos m orais ou conhecim entos técni­
co-científicos consolidados. A terceira crítica é mais com plexa. O s diferentes
objetos e m odalidades de controle podem , no entanto, neutralizar em bo a m edida
sua pertinência.
C onsiderando o tem a políticas p ú b lica s p ro m o to ra s cie d ireitos fu n d a m e n ­
tais, propôs-se neste estudo cinco objetos que podem sofrer controle ju ríd ico e j u ­
risdicional (sem prejuízo de outros). São eles (i) a fixação de m etas e prioridades
por parte do Poder Público em m atéria de direitos fundam entais; (ii) o resultado
final esperado das políticas públicas; (iii) a quantidade de recursos a ser inves­
tida em políticas públicas vinculadas à realização de direitos fundam entais, em
termos absolutos ou relativos; (iv) o atingim ento ou não das m etas fixadas pelo
próprio Poder Público; e (v) a eficiência m ínim a (entendida co m o econom icida-
de) na aplicação dos recursos públicos destinados a determ inada finalidade.

146 Ana Paula de Barcellos


Discutiu-se em relação a cada um desses objetos suas relações com as três
críticas referidas (e ainda com outras) e os pedidos que poderiam ser form ulados
em dem andas veiculando tais pretensões. C om o é fácil perceber, os dois prim ei­
ros objetos de controle se ocupam do conteúdo das políticas públicas em si, ao
passo que os três últim os pretendem controlar aspectos do processo de decisão e
execução das políticas públicas levado a cabo pelo Poder Público. Por fim, tra­
tou-se brevem ente das m odalidades de controle, isto é, do am biente processual
- individual, coletivo ou abstrato - no qual as diferentes discussões descritas
poderiam ter lugar, bem com o suas vantagens e conveniências, considerando os
cinco objetos de controle.
R etom e-se agora à biblioteca pública do Estado “Z ” . O cidadão “W ”, a essa
altura, já se foi: ele obteve os dados que buscava e está adequadam ente informado
para tom ar suas decisões. A biblioteca já encerrou o expediente. O Estado “Z ”
ainda não é aqui: m as um dia pode ser.

Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: t /l*7


o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático 147

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