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Anna Campbell
Sinopse
Há um pirata na mansão!
O que a filha do vigário Bess Farrar fará quando o arrojado novo conde, que as
fofocas dos homens pintam como um pirata cruel, a beija no dia em que se
conheceram? Então, beijá-lo de volta, é claro! Agora Lorde Channing promete
reivindicar a linda atrevida, apesar da interferência dos moradores, uma tempestade
de neve, escândalo, e um burro malandro. O primeiro Natal em terra do galante
capitão naval promete caos e uma vida de paixão de tirar o fôlego.
Bess Farrar pode ser uma inocente moça de aldeia, mas sabe o suficiente sobre o
mundo para duvidar dos motivos de Lorde Channing quando ele a beija no mesmo
dia em que se encontram. Afinal, as fofocas locais insistem que antes deste arrojado
libertino tornar-se um conde, ele navegou os sete mares como um pirata cruel.
Até que ele inesperadamente herda um título, o honorável escocês Rory Beaton
dedicou sua vida aventurosa à Marinha Real. Mas ele altera seu curso para novas
águas tempestuosas quando conhece a adorável e brilhante Bess Farrar. Agora este
marinheiro ousado fará o que for preciso para convencer a moça a se animar para
lançar-se em seus braços e partir para o pôr do sol.
1
Och. (Principalmente na Escócia, Irlanda) interjeição geral da confirmação, afirmação, e muitas vezes a
desaprovação.
podemos conversar um pouco sem deixar toda a língua da aldeia sacudindo. ―
Ele fez uma pausa. ― De qualquer forma, quem vai saber?
― Sua Senhoria pode ser difícil ―, disse o homem, voltando-se para ela
se desculpando. ― Talvez fosse melhor se você viesse uma outra vez.
Bess, que, apesar de tudo, estava apreciando este encontro não
convencional, sorriu. Era muito mais divertido fazer batalha com o Sua
Senhoria em pessoa do que através de resmas de cartas ignoradas. ― Por que
eu iria querer fazer isso, Sr. …
― White, senhorita Farrar. Edward White. ― Ele se inclinou com uma
polidez até agora inexistente no conde. ― Eu sou secretário de Sua Senhoria.
― E mordomo e cozinheiro e oficial de justiça. E companheiro de
bordo de vinte anos. É uma coisa boa você ser tão endiabradamente
indispensável, ou eu poderia não ter a amabilidade de o ter pairando como
uma velha.
― Levei quatro semanas para colocar os olhos em Lorde Channing ―,
disse ela calmamente. ― Agora tenho-o à minha mercê, nem cavalos selvagens
me poderiam arrastar para longe.
― Bravo, senhorita Farrar, ― Channing disse secamente. ― Talvez você
se junte a mim na biblioteca. ― Ele fez um gesto com uma mão de dedos
longos em direção à porta por onde surgira. ― Você tem claramente muito a
dizer. Eu prefiro evitar congelar até a morte, enquanto você me arengar.
― Como é impressionantemente cooperativo, meu senhor. ― Ela
combinava com o seu tom enquanto o precedia através do corredor para a
biblioteca. O quarto era desprovido de livros, mas, pelo menos, continha uma
mesa, algumas cadeiras, e um fogo.
Ela olhou para as prateleiras cheias de teias de aranha com
consternação. ― Não tinha ideia de que a casa estivesse tão negligenciada.
Embora tendo em conta que os funcionários remanescentes foram demitidos
seis meses atrás, eu devia ter adivinhado.
Channing cruzou para derramar um brandy da garrafa que se
encontrava sobre a mesa. Ele levantou a garrafa em sua direção. ― Você?
Ela abafou o começo de um riso. Se ele pensou que seu
comportamento pouco ortodoxo a iria dissuadir, teria uma decepção. ― Não,
obrigada.
― Eu vou ter que beber algum bom uísque abaixo de Speyside. ― Ele
pegou sua bebida e atravessou para o fogo com uma inquietação que agitava o
ar. Havia algo incrivelmente convincente sobre o novo conde. Um estalo de
energia que Bess só agora percebia que estava faltando em sua vida. ― Você
conhecia meu irmão?
― Esta é uma comunidade pequena, meu senhor. Claro que conheci.
Ele estava com a saúde debilitada nos últimos anos.
― Ele deixou a casa se destruir e arruinar.
― Antes de partir para a Itália, ele era um bom proprietário e muito
consciente sobre os cuidados para os moradores.
― Eu estou supondo que você se certificou de que o fosse.
Ela não respondeu. Mesmo que fosse verdade. Com seu pai perdido em
sonhos de Bizâncio e o conde sendo um inválido, alguém tinha que se levantar
pelos moradores. ― Meus pêsames sobre a sua morte.
Channing deu de ombros. ― Eu não o conhecia. A minha mãe levou-
me para longe de Penton Wyck como uma criança pequena, e depois que meu
pai morreu, casou-se com um escocês com quatro filhas. Ela nunca pôs os pés
na Inglaterra novamente. George era quinze anos mais velho que eu e um
verdadeiro Sassenach2. Ele tinha pouca utilidade para a sua família bárbara do
norte.
2
Sassenach é derivado da palavra gaélica escocesa sasunnach, que significa literalmente "Saxão", e
originalmente usada por falantes de gaélico para se referir a quem não fala gaélico. Um termo usado pelos
habitantes Gaélicos das Ilhas Britânicas para se referir aos habitantes Inglêses.
Bess franziu a testa. Ao crescer, ela ouvira falar sobre a condessa
fugitiva. Mas a explicação prosaica de Lorde Channing trouxe de volta a
história da família amargamente infeliz por trás o velho escândalo.
Talvez este passado conturbado explicasse a selvageria do conde.
Certamente explicava por que parecia que devia usar um kilt, mesmo que
agora ele estivesse vestido simplesmente com uma calça de montar e um
casaco azul escuro.
― Tenho certeza de que, mesmo nas Highlands, um homem sabe o
suficiente para contratar alguns funcionários quando se muda para uma casa
desse tamanho.
― Eu tenho os mais importantes.
― Os cavalariços, você quer dizer?
Ele deu de ombros novamente e apontou para um sofá de couro gasto.
― Sim. Os cavalos têm prioridade. Ned e eu podemos aguentar até
descobrirmos o costume da terra.
Cautelosamente, ela sentou-se, então espirrou na nuvem de poeira que
explodiu ao seu redor. ― Aguentá-lo… ― Ela acrescentou peso irônico às
palavras. ― …dificilmente convém à sua dignidade como conde de Channing,
porém, não é? Você precisa definir um padrão.
Ele apoiou um quadril na grande mesa de mogno coberta de papéis e
considerou-a sem hesitação. ― Entende? É por isso que me surpreendeu,
senhorita Farrar.
― Porque eu sou ousada o suficiente para apontar o seu dever? ―
Obrigou-se a encontrar os olhos dele, enquanto algumas partes femininas
bobas dela queriam rir e corar e vibrar os cílios.
Ela era muito velha para tal absurdo. Severamente disse a si mesma que
o pecado sempre vinha disfarçado de beleza. Foi assim que atraiu você. Mas
na luz cinzenta gritante através da janela em suas costas, Lorde Channing era
o homem mais espetacular que ela já vira em todos os seus reconhecidamente
resguardados vinte e seis anos.
Ele balançou a cabeça e pegou uma faca para papel de prata que passou
à toa de uma mão elegante para a outra. ― Não, porque desde o tom de suas
cartas, eu esperava uma solteirona digna de cinquenta anos. Não a garota mais
bonita da aldeia.
― A mais bonita… ― Ela fechou a boca com um estalo. O que na
Terra? Ele poderia estar flertando com ela? Ninguém flertava com ela. Todo
mundo estava muito ocupado aguardando suas instruções. Entre os
problemas de saúde do falecido Lorde Channing e a posição de autoridade de
seu pai, uma posição que ele alegremente ignorava, ela se tornara a mão
orientadora de Penton. ― Você está tentando me deixar doce, meu senhor.
Devia se envergonhar.
Outro meio sorriso. A parte dela que com toda a certeza que não era
uma solteirona ardia por vê-lo sorrir corretamente. ― Um pouquinho de
açúcar sempre adoça relações, Senhorita Farrar. Uma lição que não deve
desviar quando você estabelecer a lei para seus superiores.
O abrandamento momentâneo depois de seu elogio desapareceu. ―
Você não é meu superior.
Ele riu e se levantou. ― Em todos os sentidos, exceto o mais mundano,
isso é, sem dúvida, verdade. Mas um mês irritante foi mais propenso a fazer-
me ignorá-la do que seguir seu comando.
Irritante? A arrogância do homem. Ela apertou os dentes e se esforçou
para soar educada. ― Achei que você gostaria de receber alguns conselhos
sobre assuntos locais.
Seus olhos vincados com irônica diversão. Ainda nenhum sorriso. E ela
adoraria vê-lo sorrir. ― Não, você pensou que iria me levar do jeito que você
levou o meu irmão e isso não vai acontecer.
― Quando você está, obviamente, a fazê-lo de forma brilhante em suas
próprias terras ―, ela respondeu asperamente, apontando ao redor da sala
desordenada com eloquente escárnio.
― Você é uma condenada moça, senhorita Farrar.
Sua admiração aberta tocou a mesma parte tola de seu coração que
tinha aquecido ao ouvi-lo chamá-la bonita. ― A linguagem, meu senhor.
― Por que deveria me importar com minhas maneiras? Você
dificilmente foi um modelo de decoro.
Ela corou de mortificação, não atração reprimida. Amaldiçoando-o. Ele
estava certo. Seu pai ficaria horrorizado por ouvi-la. Mas então, a alma de seu
pai era gentil e mansa. Ninguém nunca tinha usado qualquer uma dessas
palavras para descrevê-la. Por outro lado, seu pai iria hesitar e não faria nada
enquanto o mundo desabava sobre ele.
― Eu imploro seu perdão, meu senhor ―, disse ela rigidamente.
― Agora, não venha toda empertigada para mim. Nossa franca troca de
pontos de vista é uma mudança refrescante da habitual tolice eloquente
inglesa. ― Para seu alarme, ele veio e se sentou ao lado dela. O sofá tinha
muito espaço para dois. Mas a personalidade forte de Channing fez Bess se
sentir como se ele estivesse demasiado perto. Nervosa, ela se afastou.
Ela se preparara para lembrá-lo que ele tinha obrigações, mas não foi o
que emergiu. ― Como você sabe?
― Sei o quê?
Suas bochechas estavam em chamas. ― Que eu sou a… garota mais
bonita da aldeia. Você não pôs os pés em Penton Wyck.
― Eu tenho sido claramente negligente, se você é um exemplo das
vistas que eu tomaria na rua. Tenho certeza de que as pessoas devem vir de
muito longe para ter um vislumbre da linda paisagem local.
Seus lábios se apertaram em sua provocação. Assim como ninguém
flertava com ela, ninguém brincava com ela também. Não tinha certeza se
deveria incentivá-lo. Esta discussão brincalhona fez o cabelo na parte de trás
de seu pescoço formigar. Ela era uma mulher voluntariosa que passara a
primeira juventude. Não estava acostumada a homens tratando-a como um
objeto de desejo. Mas certamente não estava equivocada sobre o interesse de
Lorde Channing.
A menos que depois de um mês encerrado na abadia, ele estivesse
entediado o suficiente para flertar com qualquer coisa em saias. Esse
pensamento baixo esmagou sua desinquieta excitação. Aquele homem tinha
estado ao redor do mundo. Mesmo alguém tão inexperiente quanto Bess viu
que as meninas seriam loucas para ele onde quer que fosse. A uma solteirona
sisuda de vila não era provável que o entusiasmasse.
Ela olhou-o, sem favor. ― Meu senhor, estou começando a pensar que
eu deveria ter pedido ao Sr. White para ficar.
Ele ignorou o comentário. Sua história com ele indicou que ele tinha
uma grande capacidade de ignorar o que não queria ouvir.
― Senhorita Farrar, você deve ser a mocinha mais bonita da aldeia,
porque é a mocinha mais bonita que eu já vi ―, disse ele em voz baixa, e por
um momento ressonante, a provocação recuou e algo mais profundo pairou
entre eles.
Ele sorriu plenamente, apenas para ela. E seu coração deu uma
cambalhota tripla em seu peito. Foi a sensação mais estranha. A respiração
presa na garganta de Bess quando ela olhou nos olhos dele, afogando-se em
rico veludo verde. Em algum lugar no fundo de sua mente, uma voz avisou
que enfrentar este leão em particular no seu covil era um ato imprudente. O
pirata conde era um perigo para mais do que navios de linha3.
De repente, ela já não se sentia como o governante sábio de seu
próprio reino. Em vez disso ela se sentiu como uma garota inexperiente
confrontada com o mistério eterno da potente masculinidade. Ela se levantou,
3
Um navio da linha era um tipo de navio de guerra naval construída a partir do século 17 até meados do
século 19 para tomar parte na tática naval conhecida como a linha de batalha.
alisando as saias em uma tentativa de esconder a sua inquietação. ― Eu… eu
devo ir.
Ela esperava que ele risse dela novamente. Um homem mundano como
este não teria dificuldade em adivinhar sua reação puramente feminina para
ele.
Ele olhou para ela a partir do sofá. Sem sorrir. Em seguida, a expressão
predatória abandonou seu rosto e ele parecia quase inofensivo. Ou, pelo
menos, tão inofensivo como um homem de sua atração conseguia. ― Não se
apresse a sair. Você deve ter vindo com um propósito específico, algo que
uma carta não vai conseguir.
― Minhas cartas não realizaram qualquer coisa ―, ela respondeu com
voz trêmula.
― Bem, talvez um pedido em pessoa consiga o que elas não fizeram ―,
disse ele facilmente, curvando-se contra o encosto do sofá. ― Venha,
senhorita Farrar… ― Ele parou. ― Você assinou todas as suas cartas E.
Farrar. O que o E representa?
Ela nem sequer pensou em se recusar a responder. ― Elizabeth. Mas
todo mundo me chama Bess.
Ela pegou um brilho de satisfação nos olhos dele. ― Eu gosto disso.
Levantando-se e afastando-se dele fez maravilhas para sua confiança.
Seu espírito habitual revivido. ― Eu não posso imaginar uma ocasião em que
vá usá-lo.
Quando suas pálpebras baixaram, ele mais uma vez tornou-se toda a
ameaça sensual. ― Eu certamente posso.
― Lorde Channing…
― Por que você veio aqui, minha encantadora Senhorita E. Farrar?
― Não deve escarnecer, ― ela respondeu. ― Eu vim aqui para o burro
de Natal.
Capítulo Dois
4
"Rule, Britannia!" é uma canção patriotic britânica, originada no poema "Rule, Britannia" de James
Thomson com música de Thomas Arne em 1740. Está fortemente associada à Marina Real (Royal Navy),
assim como à Armada Britânica (British Army).
Fazendo uma pausa para recuperar o fôlego, Rory considerou o burro
com desagrado. ― Ela está brincando com a gente.
― É claro que está.
― Eu vou comprar-lhe um outro burro.
― Isso é bobagem. ― A senhorita Farrar enviou-lhe o mesmo olhar
impaciente que ele tinha dado ao burro. ― Ele só tem persistência.
― E cantando.
― E cantando.
― Ela não aprova o meu desempenho.
― Ela está apenas tirando sua medida.
― Eu tenho a dela. E não acho que devemos desencadear este rufião na
minha aldeia.
Ele parou, chocada. Bem, o que você sabe? Todos os dias desde que
herdou, se sentiu como um intruso. Nunca antes tinha referido Penton Wyck
como seu. Talvez, graças à senhorita Farrar, ele se reconciliou com essa farsa
de conde.
― Não me diga que você está deixando um mero animal doméstico o
derrotar, meu senhor. Certamente um pirata tem mais espírito.
Ele realmente tinha que afastar a senhorita Farrar dessa coisa toda de
pirata. Mas antes que pudesse falar, Daisy fez uma corrida repentina para a
outra extremidade do campo. No momento em que chegou junto dela, ele não
tinha fôlego para nada, apenas maldições abafadas. Este último mês a viver
como um amante de terra firme o deixara mole.
― God rest ye merry, gentlemen5, ― A senhorita Farrar cantou,
aproximando-se de Daisy com o cabresto escondida atrás das costas. Rory não
estava convencido que cantar tivesse qualquer efeito sobre a besta maldita,
mas quando a música lhe prendeu a atenção, ela avançou furtivamente a partir
5
God Rest You Merry, Gentlemen (Deus repousa alegre no homem gentil )é uma canção treadicional de
Natal inglesa. É uma das mais antigas canções existentes, datada do século 16 ou anterior. A mais antiga
edição impressa conhecida da canção está data de cerca de 1760.
do outro lado. O burro estava mais perto de um canto do que alguma vez
tinha conseguido. No último minuto, ele abriu os braços e incitou alto. O
burro começou e perdeu sua orientação o suficientes para se afastar.
― Muito bem, Lorde Channing, ― a senhorita Farrar disse, em seguida,
retomou a cantar quando foi sobre o burro esmagado contra a sebe. ― Agora
cante.
― Tidings of comfort and joy, comfort and joy6.
Daisy recuou.
Rory se aproximou.
Daisy se esquivou, mas ele cortou sua fuga.
― Cuidado, ela…
― Morde. ― Ele pulou para fora do alcance bem a tempo de evitar os
grandes dentes afundando em seu braço. Mas havia um novo rasgo em seu
casaco. ― Tem certeza de que ela não vai correr solta entre os cidadãos
cumpridores da lei?
― Ela gosta do jogo. Ela sabe que é a favorita. ― A senhorita Farrar
tirou vantagem do ataque de Daisy a Rory deslizando o cabresto sobre a
cabeça.
Para surpresa de Rory, o burro estava calmo quando a senhorita Farrar
pegou a liderança. ― Você exagera a complexidade de seus processos de
pensamento.
― Você vai aprender. ― A senhorita Farrar conduziu Daisy em direção
ao portão. ― Eu aconselho a não subestimá-la. Afinal de contas, José é
responsável por ela no dia.
Ele revirou os olhos enquanto a seguia. ― Deus me salve.
Quando encontrou o olhar marrom conhecedor de Daisy, ele se
perguntou se a senhorita Farrar estava certa sobre o jumento sendo um gênio
6
Tidings of comfort and joy, comfort and joy (Oh, mensagens de conforto e alegria, conforto e alegria).
Mesma canção que a anterior.
do crime. Neste momento, ela parecia tão doce quanto o açúcar, e ele quase
acreditou, até se lembrar da perseguição a que os levara.
Seus pensamentos focados em perseguir um prêmio muito mais
interessante do que um burro briguento. Seu olhar se estabeleceu na senhorita
Farrar.
Elizabeth.
Bess.
Nenhum grande tarefa. Ela era adorável em sua estranha variedade de
roupas e suas botas enlameadas. Correndo em volta do campo perdera seu
lenço. O exercício tinha afrouxado seus cabelos louros ondulando e
emoldurado no rosto vívido.
Rory abriu o portão e recuou para deixar Bess e Daisy passar à frente
dele. ― Embora eu não acredite que tenhamos estabelecido termos para seu
uso.
Bess fixou os olhos azuis escuros assustados sobre ele. ― O que você
quer dizer? Nós sempre usamos Daisy. É tradição.
Um sorriso malandro esticou os lábios enquanto fechava o portão. ―
Sim, mas agora há uma nova mão no leme de Penton Abbey, ou tinha se
esquecido?
― Mas… você ajudou a pegá-la. E se não vamos tê-la, todo mundo vai
ficar tão decepcionado. ― Sua voz firmada. ― Isso vai fazer uma má
impressão.
― Eu queria vê-la para descobrir se ela vale a pena.
Bess se iluminou. ― Você está se oferecendo para vendê-la? Tenho
certeza de que podemos definir um preço.
Ele apoiou as costas contra a cerca e cruzou os braços. ― Não vender,
alugar.
Ela franziu a testa. ― Quanto?
Sem desviar sua atenção de Bess, ele enganchou o calcanhar da bota na
trave mais baixa da cerca. ― Não o quanto, o quê.
Ela pareceu nitidamente desconfortável. Mais uma vez ele aplaudiu seus
instintos. ― Você está sendo amaldiçoadamente enigmático, meu senhor.
― Estou apenas negociando o aluguer justo por este animal magnífico,
senhorita Farrar.
Bess olhou em dúvida para o pequeno jumento, enlameado e
despenteado depois de viver fora durante todo o verão. ― E o que poderia
ser?
― Nada muito ruinoso. ― Triunfo mau o inundou enquanto olhava
sem piscar em Bess. ― Um beijo pequenino, e Daisy é sua para o teatro.
Capítulo Três
Rory não dormiu bem. A memória de segurar Bess em seus braços não
era tanto um tormento como uma promessa de mais para vir. Sentia-se tão
animado e no limite como um aspirante inexperiente enfrentando sua primeira
batalha no mar.
Bess, também, tinha sido inexperiente. Seja qual fosse o canalha que a
tinha beijado fizera um mau trabalho. Ela devia estar em seus vinte e poucos
anos, mas beijou como uma menina doce, os lábios fechados e com cautela. A
inocência dela o havia tocado, reforçando a sua resolução vacilante para não a
levar muito longe.
Embora qualquer homem de princípios diria que já havia tomado tudo
longe demais, roubando esse beijo casto. Ela era uma senhora virtuosa, a filha
de um vigário, nem menos. E eles tinham acabado de se conhecer.
Mas ele não podia deixá-la ir sem saborear um pouco. E tinha sido
gloriosa.
Se o destino fosse gentil, ele não iria esperar muito tempo para saboreá-
la novamente.
Na manhã seguinte, os seus planos lascivos atingiram um problema.
Quando saiu de seu quarto ― ele dormira até mais tarde do que o habitual
após suas inquietações noturnas ― pessoas de todas as idades andavam no
grande salão. Os aldeões, ele assumiu, sob o comando da mulher com que
pretendia se casar.
Ned White se juntou a ele no topo da escada. ― Você não me disse que
era todas as mãos no convés, esta manhã, Rory.
Rory atirou em seu amigo um olhar divertido. ― Eu rendi-me a uma
força superior, rapaz.
A atenção de Ned caiu em Bess, toda ocupada em seu vestido cinza
simples e avental sensato. Uma impressão minada pela cor de suas bochechas
e os fios esvoaçantes de cabelo dourado. ― Uma mulher de aparência fina, a
senhorita Farrar.
― Sim.
― Uma esposa ideal para um novo conde e uma forma de conhecer e
criar laços com seus vizinhos.
Droga, Ned o conhecia muito bem. Isso resultava de navegarem juntos
pelos últimos vinte anos. ― Ela é uma mulher com suas próprias ideias.
Qualquer pessoa que a tome terá que dizer adeus a uma vida quieta e qualquer
esperança de uma pequena esposa mansa para suavizar as preocupações e
saltar para suas ordens.
― Sim, bem, alguns poderiam dizer depois que um homem atravessou
os oceanos do mundo, uma pequena esposa mansa parece monótona em
comparação.
― Sim, alguns podem.
― Seus inquilinos parecem ter muito respeito por ela.
Era verdade. Rory tinha servido com capitães suficientes, bons e maus,
para verificar o respeito que tinham por Bess. para não mencionar o carinho.
Era difícil fazer corresponder esse líder capaz com a menina ensombrada que
tinha beijado na neve.
Rory mudou de assunto. ― Você sabia que há um rumor no exterior
que eu sou um pirata?
Ned bufou com a risada. ― Você?
― Sim.
― Bem, diabos me levem. Quando você não está devastando o Spanish
Main7, você vai içar o Jolly Roger8 no mastro da Abbey para dizer ao mundo
casa do senhor dos saqueadores?
― Você não tem graça ―, disse Rory, tentando não sorrir.
― Eu acho que tenho.
― Você sempre acha. ― Ele fez uma pausa. ― Como por Hades9
começaram os contos tontos como este?
Ned deu de ombros. ― O primo de alguém ouviu alguma coisa do
primo de alguém que ouviu algo de alguém passando de carruagem por
Londres. Você sabe como essas coisas funcionam.
― Devo dizer alguma coisa? Ou será apenas adicionar combustível para
o fogo?
― Eu suspeito que isso vai morrer de sua própria vontade quando não
forrar as paredes da casa com mapas marcados com um X.
― Muito divertido. E não ajuda.
― Oh, você me magoa. Com seu facão. Apenas não me faça andar na
prancha.
― Eu não posso levar muito mais hilaridade, rapaz. Vamos anunciar
nossa presença conhecida?
Ned fez uma reverência irônica. ― Depois de você, meu senhor.
Rory lançou o seu mais antigo amigo um olhar irônico e se aproximou
da balaustrada. ― Bom Dia a todos.
7
Spanish Main – refere-se às possessões costeiras espanholas em torno do Mar do Caribe e do Golfo do
México.
8
Jolly Roger é o nome dado às típicas bandeiras piratas, mais concretamente à típica bandeira cujo fundo
é preto e tem uma caveira branca com dois ossos cruzados.
9
Inferno
Ele estava acostumado a lidar com sua tripulação através do barulho de
vento, ondas e velas, pelo que sua voz facilmente cortou toda a conversa. Fez-
se silêncio e como um, trinta rostos se viraram para cima. As expressões eram
como ele esperava. Dadas as fofocas estranhas sobre suas façanhas antes de
vir para Penton Wyck, a cautela era inevitável. Mas hostilidade estava
felizmente ausente. Em vez disso ele leu curiosidade e interesse.
Automaticamente procurou Bess. Sua expressão era mais difícil de
interpretar. Se ela tivesse encontrado o sono evasivo, também? Talvez ela
passasse as horas desde que eles se separaram revivendo seu beijo. Maldição,
ele bem esperava que sim.
Ela mergulhou em uma mesura e como se seu movimento tirasse a
multidão de um feitiço, as outras mulheres oscilaram em mesuras e os homens
se curvaram. Rory supôs que teria que se acostumar com essas homenagens a
seu posto.
― Obrigado por terem vindo através da neve para preparar Penton
Abbey para o meu primeiro Natal aqui. É uma grande casa antiga e precisa
voltar à vida. ― O chamassem francês se não era aprovação no olhar azul
constante de Bess. ― Vocês não me conhecem ainda, e eu não os conheço.
Mas trabalhando juntos por uma causa comum é a melhor maneira de
descobrir a coragem de um homem. Espero que pelo tempo em que
estaremos bebendo um brinde para a temporada e a tora10 esteja em chamas
na lareira, vocês vão me considerar um de vós e um sucessor digno ao meu
falecido e respeitado irmão. ― Ele gesticulou em direção a Bess. ― Senhorita
Farrar sabe onde guardar tudo, tratem com ela. Este velho lobo do mar não
tem ideia de como acomodar equipamento em terra firme.
Como ele esperava, o fim auto-depreciativo ao seu discurso tornou
mais leve a solenidade que resultou de mencionar seu irmão. Ainda provocou
algumas risadas.
10
Tronco de Natal
Ned estava ao lado dele. ― Você quer dizer para deixá-los entregues a
isso?
― Não seja um tolo, rapaz. ― Rory enviou-lhe um sorriso temerário. ―
Eu tenho uma filha de vigário para apanhar. Não vou deixar a formosa
Senhorita Farrar fora da minha vista.
Ned sorriu de volta. ― Ela não tem uma chance.
Rory permaneceu especialmente ciente da localização de Bess. Agora
ela estava debaixo de uma das janelas, falando com um senhor idoso de preto
que parecia conter alguma autoridade. ― Peço a Deus que você esteja certo.
Ned olhou para ele em choque. ― Bem, isso leva o biscoito.
― O quê? ―, Perguntou Rory, sem desviar sua atenção de Bess.
― Você deve estar apaixonado por ela.
Calor desconhecido ardeu em suas bochechas. Droga, Rory não tinha
corado desde a sua primeira viagem. Um menino de convés crescia rápido.
― Eu só conheci a moça ontem. ― A fofoca estava certa sobre uma
coisa, pelo menos, ele tinha mais experiência com o belo sexo do que era bom
para ele. Mas amor? Isso era um território desconhecido.
Ned olhou presunçoso. ― Eu nunca pensei ver o dia.
― Ela é uma criatura adorável.
― Sem dúvida.
― E inteligente e capaz.
― Indiscutivelmente.
― Um homem de propriedade precisa de uma esposa. Ele não pode
permanecer o mesmo imprudente auto-centrado bastardo da sua juventude.
― Especialmente quando ele se apaixona. Em todos os nossos anos
juntos, eu nunca o vi menos do que confiante de suas chances com uma
mulher. Tem sido endiabrado irritante. Se você está inseguro sobre esta
senhora, é porque ela não é apenas uma mulher, ela é a mulher.
― White, você tenta minha paciência ―, ele retrucou. ― Venha e
coloque essa imaginação fértil para trabalhar movendo móveis.
― Sim, sim, senhor. ― Ned teve a temeridade de saudar antes de correr
descendo as escadas para participar de uma festa se desenrolando no salão.
Rory não o seguiu imediatamente. Ned White o conhecia melhor do
que qualquer outra alma na terra. Melhor do que a família em Edimburgo, que
deixara aos onze anos e raramente vira desde então. Então, enquanto ele
adoraria descartar as divagações do companheiro como declamações
sentimentais, em algum lugar no fundo de sua alma, elas atingiram a verdade.
Em vez de se juntar a seus inquilinos, ele ficou olhando pensativamente
a Bess que continuava dando instruções. Seu alegre desrespeito por sua
presença o irritou. E o fato de que o irritou o enfureceu ainda mais.
11
Market Cross no original – consiste em uma estrutura usada para marcar uma praça de mercado em
cidades onde historicamente o direito de realizar um mercado regular ou feira foi concedido pelo rei, um
bispo ou um barão.
12
O Enxaimel é uma antiga técnica construtiva, na qual uma estrutura de
madeiras encaixadas tem seus vãos preenchidos com tijolos ou taipa.
estrutura impressionante e antiga, com imponentes portas com altura de
vários andares.
― É um celeiro do dízimo13 ―, disse Bess. ― É onde realizamos os
nossos ensaios.
― Magnifico ―, Rory disse, com intenção. A arquitetura era simples,
mas o tamanho do celeiro tirava o fôlego. Ele puxou uma Daisy recalcitrante
para a frente. O burro tinha vindo brincando todo o caminho a partir da
Abadia. Apenas um par de coros de “Greensleeves”14 a tinha mantido em
movimento. ― Os monges devem ter sido rica em seu tempo.
Ela olhou para ele. ― Eles eram. É por isso que esses ávidos Beatons
estavam tão determinados a reivindicar Penton Abbey quando os mosteiros
foram dissolvidos. Deve ter sido daí que vieram de suas tendências de
pirataria.
― É injusto culpar um homem por seus antepassados ―, Rory
protestou, quando uma figura decrépita, inclinando-se em uma batina preta
desbotada, surgiu entre as portas abertas. Só quando ele se aproximou Rory
percebeu que o homem estava acima da altura média. A escala monumental
do celeiro o havia diminuído.
― Boa tarde minha querida. Saiu para um passeio? ― Os olhos azuis
familiares vagaram sobre Rory sem nenhum indício de curiosidade. Rory
adivinhou a identidade do homem antes de Bess falar.
― Boa tarde, Papai, ― disse ela. ― Estamos praticando para o teatro de
Natal.
― Muito bem, muito bem. ― Ele sorriu vagamente e levantou uma mão
fina para coçar Daisy atrás das orelhas.
13
Tithe barn no original - era um tipo de celeiro usado em grande parte do norte da Europa na Idade
Média para o armazenamento de rendas e dízimos - um décimo da produção de uma fazenda que era dada
à Igreja. Estavam normalmente associado com a igreja da vila ou da reitoria e os agricultores
independentes colocavam seus dízimos lá.
14
Greensleeves é o nome de uma canção folclórica inglesa, que serve como base para a forma musical
intitulada "romanesca".
― Lorde Channing, posso apresentar o meu pai, John Farrar, vigário de
St. Martin?
― O que é que você diz? ―, Perguntou o velho. ― Lorde Channing?
Pensei que realizei um serviço memorial por ele no verão passado. O coro
cantou o hino William Byrd. Bastante tocante, também. Meu Deus, estou
ficando esquecido.
― O novo Lorde Channing, Papai. Eu disse-lhe que o irmão do conde
tinha herdado. Ele é um homem do mar. Levaram vários meses para localizá-
lo.
― Oh, sim, sim ―, disse o vigário, e Rory iria apostar que ele não
prestou atenção.
Pelo menos ela não havia dito a seu pai era um pirata.
― Você tem uma filha linda, vigário ―, disse Rory, varrendo o chapéu
forrado de pelo de castor e curvando-se, um processo complicado quando
tinha que se certificar que Daisy não se afastava dele.
― Linda, sim. ― O vigário sorriu com a aprovação beatífica que poderia
significar qualquer coisa. Rory só percebeu que o vigário tinha ouvido e
compreendido quando ele continuou. ― Assim como a mãe dela. Sua mãe era
a garota mais bonita que já vi. Ela poderia ter casado com qualquer um. Estou
terrivelmente feliz porque se casou comigo.
― Ela sempre disse que tinha o coração mais puro do mundo, papai ―,
disse Bess, sua voz quente com carinho.
― Meu senhor, bem-vindo a Penton Wyck. ― O vigário se inclinou na
direção de Rory. ― Eu suponho que você não tem interesse em Bizâncio15? Se
tiver, estou escrevendo um artigo sobre Anna Porphyrogenita16 e as
15
O Império Bizantino foi a continuação do Império Romano durante a Antiguidade Tardia e Idade
Média. Sua capital foi Constantinopla (a moderna Istambul), originalmente conhecida como Bizâncio.
Inicialmente parte oriental do Império Romano (frequentemente chamada de Império Romano do
Oriente), sobreviveu à fragmentação e ao colapso do Império Romano do Ocidente no século V e
continuou a prosperar, existindo por mais de mil anos até sua queda diante da expansão dos turcos
otomanos em 1453.
16
Anna Porphyrogenita - era a Grande Princesa consorte de Kiev; ela era casada com Grão Príncipe
Vladimir, o Grande. Anna era filha do imperador bizantino Romano II e da Imperatriz Theophano. Ela
negociações para seu casamento com Vladimir, o Grande. Me lisonjeio por ter
encontrado algumas informações interessantes nas crônicas a que não tinham
sido dadas o seu devido valor.
― Não é a minha área de especialização, senhor, mas eu fui a
Constantinopla.
A nebulosidade desapareceu dos olhos do Vigário e estabeleceu o olhar
inesperadamente agudo em Rory. ― Você esteve, na verdade? Eu adoraria
ouvir o que viu. A visitei como um jovem antes de receber as ordens sagradas.
― Terei todo o prazer de informá-lo sobre o meu tempo lá ―, disse
Rory.
O vigário fez um gesto para a porta da casa paroquial, a poucos passos
de distância. ― Não há tempo como o presente.
― Papai, as pessoas estão esperando por nós. Talvez Sua Senhoria
poderia vir outro dia.
Com a mudança de foco de Bizâncio para as celebrações de Natal, a
imprecisão do vigário retornou. ― Outro dia. Sim certamente. Ansioso por
isso. Teatro de Natal e tudo. ― Ele se arrastou para fora, resmungando por
cima do ombro, ― Faça o que achar melhor, Bess. Você sempre toma a
decisão certa. Uma bênção de tê-la. Uma bênção.
― Bom dia, senhor ―, disse Rory ao recuar para trás, mas o vigário não
respondeu.
A expressão de Bess transmitiu um carinho tolerante pela
excentricidade de seu pai. ― Ele só ouve metade do que você diz. Não há
nada de errado com sua mente, foi um dos graduados mais inteligentes de seu
ano em Oxford, mas tem dificuldade em dobrar sua atenção para questões
práticas. Está perdido em seus livros na maioria das vezes.
― Eu ficaria feliz em falar com ele sobre minhas viagens.
também era irmã dos imperadores Basílio II Bulgaroktonos (O Caçador-Bulgar) e Constantino VIII. Anna
era uma Porphyrogenita, uma filha legítima nascida na câmara púrpura especial do palácio do imperador
bizantino. A mão de Anna foi considerada um importante prêmio que levando alguns a teorizar que
Vladimir tornou-se cristão apenas para se casar com ela.
― Ele gostaria disso. Quando encontra um assunto interessante, ele é
um bom conversador. ― Ela fez uma pausa. ― Simplesmente não há muitos
assuntos que acha interessantes.
Rory assistiu a saída do pai de Bess pelo vicariato e fora da vista. Tanto
ficou claro do que o havia intrigado. A reação estranha do Dr. Simpson
quando ele perguntou sobre o vigário. Ainda mais, a posição de Bess de
autoridade na aldeia. Com o falecido conde um inválido e o vigário vagando
entre os fantasmas de antigos impérios, não admira que ela se encontrasse
supervisionando o bem-estar de Penton Wyck.
― Daisy! Daisy!
Os gritos urgentes de Bess perfuraram suas reflexões. ― Oh inferno.
O burro tinha aproveitado a distração de Rory para esticar o pescoço e
atacar os bonitos enfeites de Natal que decoravam a varanda da casa
paroquial. O que tinha sido uma vez um arranjo elaborado de azevinho,
vermelho e fitas prata era agora um aro irregular para a fogueira.
Capítulo Cinco
Para Bess, os quatro dias seguintes correram por uma onda de atividade
e uma decepcionante falta de beijos.
Além do oficial de justiça, o mordomo e a governanta, a Abbey estava
agora composta por dentro e por fora. Através de toda a agitação, Lorde
Channing provou ser um homem de maneiras fáceis e humor rápido. Ele até
foi na em igreja no domingo e conseguiu manter-se acordado durante o
sermão mortalmente maçante de seu pai sobre algum ponto obscuro da
tradução do grego do Novo Testamento. Os moradores já se referiam ao
lorde pirata do solar com orgulho em vez de suspeita.
Bess estava menos satisfeita com a forma como o conde tão
rapidamente se tornara extremamente importante para ela. Seu dia só
começava quando ele a recebia em Penton Abbey, e o brilho esmaecia quando
eles se separavam à noite. Ainda mais assustador, ela então passava cada noite
ansiando para aproveitar a sua presença novamente.
Ninguém deveria tornar-se tão… necessário tão rapidamente. Afinal, o
que ela sabia sobre ele?
Exceto que as horas de trabalho em conjunto lhe ensinaram muito
sobre Lorde Channing. Sua atração inicial em breve aumentou com respeito e
admiração, e algo que poderia amadurecer em amizade.
Ele não era de todo arrogante. Estava sempre pronto para compartilhar
uma palavra amiga com os aldeões. Seu irmão tinha sido um bom homem,
mas não tinha a capacidade do atual conde para encontrar um terreno comum.
Bess já poderia dizer que o novo regime de Penton Abbey seria
consideravelmente mais democrático do que o anterior. Se Channing levasse
seus ideais libertários para Londres quando tomasse seu assento na Câmara
dos Lordes, horrorizaria os velhos reacionários no Parlamento.
Não que ela aprovasse todas as mudanças. Sua Senhoria poderia estar
preparado para ouvir conselhos, mas ela logo percebeu que ele possuía
opiniões fortes. Em algumas questões que ela não poderia influenciá-lo, da
maneira amaldiçoada, que ele a acusara de mover seu irmão. Felizmente, ele
tinha o charme e inteligência para atingir os seus fins sem criar ressentimento
indevido nos aldeões, ou nela.
Talvez ele não estivesse tão desajustado fazendo o seu caminho no
Parlamento depois de tudo.
Deveria ter sido um capitão notável, toda vontade de aço revestida de
persuasão de veludo. Era uma lição de liderança, observando-o virar
moradores antes cautelosos em aliados. Ela tinha uma suspeita desagradável
que ele a manobrava habilmente.
Ele de alguma forma tinha tornado o seu interesse na filha do vigário
conhecido. Interesse que, aparentemente, encontrou a aprovação de todos,
exceto, talvez, da filha do vigário. Bess logo notara olhares de soslaio e
sorrisos manhosos, para não mencionar a conspiração para deixá-la sozinha
com sua senhoria sempre que possível.
Ela não tinha certeza se deveria ficar grata pelas maquinações dos
vizinhos, ou ressentir-se. Certamente não se importava de ficar sozinha com
Channing. Se ele a beijasse novamente, ela se importaria ainda menos.
Ela e o conde estavam sozinhos agora. Eles estavam nos estábulos e ela
estava preparando uma Daisy inquieta para a representação do dia seguinte.
Sua Senhoria assistia-as do corredor, de braços cruzados em cima do portão
do estábulo. Os tratadores estavam notavelmente ausentes, embora no meio
do dia, devessem estar trabalhando arduamente.
― Adeste, fidelis ―, ela cantou quando Daisy se afastou do grupo de fitas
brilhantes que ela detinha.
Lorde Channing riu. ― Ela opõe-se à imprecisão histórica de seus
enfeites. Eu duvido que os burros reais saíssem como pequenos arlequins.
Bess lançou-lhe um olhar pouco impressionado. ― Você não ajuda.
― E se eu cantar também? ― Sua sorriso provocante deixou seu
coração bobo dançando uma gavotte17, pulando como se fosse primavera em
vez do mais profundo inverno.
― Você poderia tentar.
― Eu prefiro assistir a batalha real entre você e essa besta problemática.
É ótimo entretenimento. Daisy é a única criatura em Penton Wyck que não
salta para o seu lance.
Bess drapeou as fitas sobre a borda da manjedoura e agarrou o cabresto
de Daisy para mantê-la imóvel. ― Ela não é o único animal problemático que
eu vejo.
Ele riu suavemente. ― Não saltei para o seu mero comando, senhorita
Farrar? Eu empreguei metade da vila, e agora não posso abrir uma porta em
minha própria casa sem tropeçar em alguma caipira tola espanando a
porcelana. Eu esvaziei todos os mantimentos dentro de cem quilômetros para
alimentar seus amigos e vizinhos no dia de Natal. Fiquei acordado até da
depois da meia-noite aprendendo as falas para o seu maldito teatro, você
pensa que sou um maldito estudante sentado em seu exame de tradução de
latim.
― Linguagem ―, disse ela, tentando fazer com que os dedos
trabalhassem com sua destreza habitual quando enroscou uma fita vermelha
17
Gavotte é uma dança popular de origem francesa dos séculos XVII e XVIII.
em torno do arnês. Ela simplesmente não podia controlar sua reação trêmula
a Lorde Channing. Nunca tinha estado tão fisicamente ciente de ninguém.
Tampouco podia esquecer o quão maravilhoso fora quando ele colocou os
braços em volta dela.
Maldito seja, e sua influência ruinosa sobre a sua língua, desde então ele
tinha agido como um perfeito cavalheiro. Mesmo sendo um cavalheiro rápido
para pegar seu braço ou tocar seu ombro ou segurar a mão dela para subir um
degrau. Ou pegar sua cintura para levantá-la nas costas de Daisy quando
interpretava Maria.
Mas não houvera mais beijos. E enquanto ela esperava em suspense
ofegante para ele beijá-la novamente, esses provocantes pequenos toques a
foram deixando louca.
― É a minha casa e eu sou um marinheiro. Ficaria desapontada se eu
não deixasse escapar uma palavra indevida ocasional.
Ele poderia estar certo. Uma sua parte fraca se emocionava ao pensar
na vida excitante que ele levou. Ela adorava Penton Wyck. Mas não seria
humana se não ansiasse ocasionalmente por novos horizontes. Lorde
Channing trouxe esses novos horizontes para sua porta. ― Você não tem
muito a reclamar. José tem apenas três falas.
Outro sorriso curvou a boca fascinante. Uma boca em que ela não
conseguia parar de pensar. Tinha uma simples prova o convencido de que não
valia a pena beijá-la? Fora muito ansiosa? Muito desajeitada? Será que ele a
encontrara arrogante? Esta não foi a primeira vez que ele se referiu a ela
dando-lhe ordens.
Só que ela tinha certeza de que, desde o início, ele tinha seguido suas
próprias inclinações. Ele jogava um jogo profundo, na superfície podia ser
todo cooperação, mas no final, Bess Farrar dançava a sua música, e não o
contrário.
Qual era exatamente a sua música? Evidentemente nada de beijos, a
praga o levasse.
A horrível e vergonhosa verdade era que o beijo foi a coisa mais
emocionante que já tinha acontecido com ela. Revisitar esses quentes
segundos a mantinha acordada à noite e agitada durante todo o dia. A febre
não encontrava alívio. Aquele beijo a deveria ter chocado, afinal, eles apenas
tinham acabado de se conhecer e ela tinha ouvido falar sobre a sua reputação,
mas quando tudo acabou, tudo o que queria era mais.
E nenhum filha de um bom vigário deveria dedicar tanto tempo a
pensar sobre beijos.
Claramente ela não era boa.
Não que Lorde Channing fizesse muito para tirar proveito de sua
pecaminosidade.
Ele estava falando com ela como se não tivesse nada mais importante
em sua mente que o teatro de Natal. ― Sim, mas José é responsável por Daisy.
É o papel mais difícil em todo o show. Você só precisa sentar-se lá, parecendo
bonita.
― Obrigada ―, disse ela, hesitante. Que diabo ia ela fazer quando ele
dizia essas coisas? Se ele realmente achava que ela era bonita, porque na terra
que não fazia algo sobre isso?
Como beijá-la novamente.
― Você quer aqueles para alguma coisa especial?
― Perdão?
Channing apontou para onde o burro mastigava as fitas preparadas para
seu adorno. ― Oh, Daisy, você é uma coisa podre.
Channing riu novamente. ― Eu lhe disse que o controle de Daisy era
um grande esforço.
Não tanto esforço como controlar um conde pestilento. ― Cante para
ela.
O, meu amor é como uma rosa vermelha, vermelha
Rebentando de novo em junho;
O, meu amor é como a melodia
Docemente tocada em sintonia.
Como és formosa, minha linda moça,
Tão profundamente apaixonado estou
E eu te amarei ainda, minha querida,
Até que os mares sequem.
18
Flávio Cláudio Juliano (em latim Flavius Claudius Iulianus; Constantinopla, 331 - Maranga,
atual Samarra, 23 de junho de 363 d.C.) foi um imperador romano, que reinou desde o ano 361 d.C. até a
sua morte, dois anos depois. Foi o último imperador pagão do mundo romano, e por isso ficou conhecido
na história como "o Apóstata", por não professar a fé cristã num período em que o cristianismo já era
aceito e até incentivado por seus antecessores desde Constantino I.
Ela parou tão abruptamente que sua mão caiu de seu braço. ―
Ninguém nunca me chamou assim.
― Você me encantou compondo a Abbey e organizando um jantar de
Natal e, o mais terrível de tudo, a encenação.
― Eu fiz você fazer tudo isso, ― ela murmurou, mesmo enquanto seu
coração se expandiu sob o seu louvor.
― Não, você me fez querer fazê-lo. Há uma diferença.
Ela estudou-o. Uma nuvem baixa escondeu o sol, mas o brilho branco
da neve o jogou em relevo gritante. ― Você é um homem amável, Lorde
Channing.
Era a sua vez de parecer desconfortável. ― Absurdo. É por demais
evidente que, se Newcastle não caiu a seus pés, há algo de errado com
Newcastle, não você. Quantos anos você tinha?
― Dezesseis pela primeira vez, dezoito a última. ― Em todos os anos
ocupados desde então, ela tinha quase esquecido a ignomínia de não se ter
destacado e da decepção amarga e volúvel da tia.
― Você é uma original, senhorita Farrar. Acredite em mim, em
Londres, você seria o brinde da cidade. Como um segundo filho humilde, eu
teria sido completamente abaixo de sua elevada qualidade. Você me iria cortar
direto e se afastaria valsando nos braços de um marquês bonito, com
cinquenta mil por ano.
Ela riu ironicamente. ― Que absurdo você fala. ― Especialmente
quando ela tinha certeza de que, mesmo como um segundo filho humilde, ele
se destacaria como excepcional.
― Pelo menos o meu absurdo a fez sorrir. Será que nenhum colega tem
o cérebro para ver que jóia você é?
Suas bochechas aquecidas sob sua admiração. Se eles não tivessem
estado a céu aberto, com um interrupção provável a qualquer momento, ela o
beijaria novamente.
Decidiu então ali que a próxima chance que tivesse, lhe iria pedir para
beijá-la. Certamente que a luz em seus olhos indicava que iria cooperar.
E se ele não queria parar em beijos?
Excitação malvada se refletiu em sua barriga enquanto contemplava
mais do que beijos. Embora soubesse que dirigia em águas perigosas. ―
Houve um cavalheiro que minha tia favorecia.
― Mas você não fez?
― Não. Ele tinha quarenta e cinco anos e seis filhos.
― Deve ter havido mais alguém.
― Como você sabe?
Seu olhar era zombeteiro. ― Você disse que tinha sido beijada antes. ―
Como era interessante. Parecia que sua mente estava ocupada com
beijos também. ― Havia um homem muito agradável, sem perspectivas. ― Ela
não tinha pensado em Tom Wilson em anos. ― Ele gostava de mim, mas
precisava se casar por dinheiro. Minha porção é respeitável, mas não o
suficiente para restaurar uma propriedade em ruínas e apoiar uma família
extensa de parentes indigentes.
― Será que ele se casou com o dinheiro?
― Eu ouvi dizer que ele se casou com uma viúva rica de York.
― E eu aposto que ele passou todos os dias desde então amaldiçoando
o seu destino.
Ela riu. ― Eu duvido. Nosso pequeno de romance foi muito de menino
e uma menina, e não algo que enche seu coração ao longo de uma vida. Eu
nem me lembro como ele era, embora, no momento, pensei que era
incrivelmente bonito.
― Eu nunca te esqueceria. Tenho certeza de que ele também não.
Ela tentou não aproveitar a intervenção de Channing como um sinal de
que ele se importava com ela. Seria tão fácil confundir a sua bondade com
algo mais. ― Espero que ele tenha. Foi tudo tão bobo. Embora eu me
convenci de que era uma grande paixão e chorei no meu travesseiro durante
semanas quando cheguei em casa. Mas então acabei com as coisas aqui.
― À espera de seu príncipe encantado.
Embora a piada tocasse demasiado perto do osso, ela forçou uma
risada. Tinha um forte pressentimento de que o beijo de Lorde Channing a
tinha acordado do sono encantado. ― Ele deve ter perdido o meu endereço.
― Estes príncipes são endiabrados e descuidados, por Deus. É melhor
ficar com condes.
― Vou me lembrar disso ―, disse ela levemente, dizendo-se mais uma
vez que seria uma idiota por dar muito peso a sua provocação.
Lorde Channing parecia estranhamente satisfeito consigo mesmo
quando recuou para deixar Bess precedê-lo para dentro. Confusa e instável,
Bess entrou na cozinha lotada, cheia de ricos, aromas picantes onde a Sra.
Hallam e seus assistentes assavam pudins e tortas para o jantar de Natal.
Hoje Bess e o conde tinham falado como amigos, como iguais, e ele
tinha sido rápido com alguns elogios bonitos. Em seguida, a paquera,
brincadeiras quase eriçadas entre eles tinham desaparecido brevemente e eles
tinham tocado em algo mais profundo.
Isso significava mais beijos, ou um tipo diferente de proximidade onde
os beijos não tinham lugar? E se ela escolhesse beijos, eles iriam arruinar isso,
essa preciosa e frágil amizade antes que tivesse a chance de florescer?
Capítulo Seis
As botas de Rory rangeram quando ele vagou pela neve, Bess a seu
lado. Ele puxou um trenó meio cheio de azevinho, hera, e pinhas. Estavam
ambos vestidos como tinham estado em sua primeira tarde juntos, com
casacos, botas, cachecóis e luvas grossas. Mais uma vez, Bess tinha pegado
emprestado um casaco para vestir sobre o seu próprio casaco mais feminino.
Ao redor deles, a floresta estava escura e silenciosa. Era no meio da
tarde, mas pesadas nuvens antecipavam o crepúsculo. Com os sentidos
afinados por um milhar de tempestades no mar lhe disseram que o mau
tempo estava a caminho. Eles provavelmente não deveriam ficar fora por
muito mais tempo, mas estava relutante em acabar com esses momentos
privados com Bess.
Se juntaram a um grupo de recolha de vegetação para a casa. Então,
como tantas vezes aconteceu nestes últimos dias, os outros tinham se afastado
para deixá-lo sozinho com Bess. Se seu namoro falhasse, ele não podia culpar
a oposição local. Os aldeões tinham feito tudo o que podiam para promover
seu cortejo.
Um cortejo que o deixava intrigado, frustrado e encantado. Quanto
mais via de Bess, mais gostava dela. E mais se convencia de que ela era a
mulher para ele.
Mas este crescente respeito triturava contra sua necessidade premente
de tê-la em sua cama. Seu impulso mais forte era derrubá-la, em seguida, tratar
de um casamento rápido. E ela merecia mais do que isso. Sem mencionar que,
depois de todos os aldeões conspirando em seu nome, ele lhes estaria
retribuindo falsamente desonrando sua querida.
Mas a perspectiva de meses sofrendo no campo do desejo deixou a
ponto de explodir.
Ele não tinha certeza de que ela o aceitaria. Sim, ela gostava dele o
suficiente, e aceitava seu toque com gratificante facilidade. Mas isso significava
que o queria? Mesmo que o fizesse, iria se casar com ele? A descoberta de que
ela tinha recusado uma série de cavalheiros elegíveis, incluindo seu irmão,
tinha amachucado a sua confiança.
Droga, ele não estava acostumado à agonia da dúvida sobre coisa
alguma, muito menos uma mulher. Mas, em seguida, Bess Farrar foi a
primeira mulher que realmente importou. Era impossível traçar seu curso com
seu habitual élan inabalável.
― Há algum visco branco. ― Ela apontou para um galho mais alto. ―
Estamos com sorte de ver algum. Ele geralmente não cresce tão a norte.
Se ela tivesse sido como qualquer outra conquista ligeira, ele faria uma
piada sobre beijá-la e então a beijaria. Ao contrário, ele cruzou para cortar sua
descoberta, usando uma serra ligada a uma vara longa.
― Bem visto, ― disse ele, ridicularizando como alegre e protetor ele
parecia quando se sentia tão terrivelmente quente e incomodado. ― Eu não
saía atrás de verdura de Natal desde que era um rapaz.
Bess olhou-o com curiosidade, enquanto recolhia o emaranhado de
folhas e frutos do chão coberto de neve embalando-o para o carrinho. Depois
de um par de horas, eles tinham caído em um padrão de trabalho eficiente.
Ela era uma alegre companhia. Mas ele já sabia disso desde que compartilhava
a tarefa hercúlea de montar a casa. Ela era alegre com todos. Era uma
admissão humilhante, mas Rory chegou a um ponto em que estava pronto
para ir de joelhos e implorar por algum sinal de que era especial.
Sabia que não era razoável. Conheciam-se havia menos de uma semana,
e enquanto ele reconheceu imediatamente a atração queimando, ela estava
muito menos acostumada ao flerte. No dia seguinte a ele a beijar, ela deu a
entender que ficaria feliz em fazê-lo novamente. Mas, desde então, se afastava
de qualquer coisa abertamente sedutora. Talvez o conhecimento mais
próximo a fizesse decidir que não queria beijá-lo depois de tudo.
Naquele momento, cortaria a perna esquerda de bom gado apenas por
uma palavra de encorajamento. Por algum contato físico que ela iniciasse, ele
cortaria as duas pernas.
― O que você fazia no navio no Natal?
Ele encolheu os ombros. ― Nada nesta escala. Nós teríamos algo
agradável para jantar e partilharíamos rum extra. Eu teria lido a história da
natividade da Bíblia para a tripulação, e se os homens estivessem ansiosos, eles
cantariam algumas canções. E, claro, tudo dependia do tempo e do inimigo.
Uma vez vendavais nos Açores nos mantiveram saltando por uma quinzena.
Ninguém celebrou muito naquele ano.
― Que vida de aventuras que você levava. ― Sua expressão era
melancólica. ― Pode encontrar as coisas em Penton Wyck maçantes em
comparação.
Ele pegou a alça do trenó, marchando alguns metros mais
profundamente dentro da floresta. ― Não tem sido maçante até agora.
― Você chegou em um momento de movimentado. As coisas vão
tranquilizar a partir de agora até à primavera.
― Então estou ansioso para desfrutar da minha espetacular casa nova e
conhecer meus rendeiros. ― Uma em particular.
Ela parou de cortar alguns ramos de um arbusto de azevinho.
Equilibrou a sua serra de cabo longo no trenó, ele cruzou para ajudar e notou
seu tremor. ― Está ficando mais frio. E mais escuro. Talvez devêssemos
regressar.
Ele fez a oferta com relutância, porque, apesar do zumbido constante
de frustração, estava se divertindo. Vagando pela neve com uma mocinha
bonita e a promessa de um fogo ardente, quando ele voltasse para casa para
uma agradável tarde. O aroma das madeiras aguçava seus sentidos, e o ar
estava fresco como uma maçã nova.
Bess olhou para cima através dos ramos nus para o céu de chumbo. ―
Provavelmente deveríamos. O tempo está se fechando.
Como que a confirmar a sabedoria de retornar, uma rajada de vento
gelado assobiou por entre as árvores. Rory assumiu o comando do trenó. ―
Mantenha-se junto de mim, assim você não escorregará.
Ela imediatamente passou a mão enluvada através de seu braço. Seu
sangue aqueceu apesar do frio piorando.
Depois de sofrer através da intensificada ventania durante uma árdua
hora, Rory percebeu que estavam muito mais longe de casa do que ele
pensava. E agora lutavam com a neve, assim como o vento. ― Está um dia
perfeito para ponche de rum. Vou fazer quando chegarmos.
Bess sorriu, mas ele notou a preocupação em seus olhos quando
pressionava sobre através da neve espessada. Quando ele olhou para trás, suas
trilhas tinham desaparecido completamente.
― Os moradores vão desfrutar disso.
Rory piscou os flocos de neve que aderiam a seus cílios. ― E você?
― Sou uma das moradoras. ― Ela se aproximou. Ele esperava que não
fosse apenas porque a temperatura despencou. ― Sinto muito. Trouxe-a
demasiado longe.
Não longe o suficiente, ele pensou ironicamente.
O clima se deteriorou com uma rapidez alarmante. Apenas alguns
minutos atrás via claramente o caminho à frente. Agora, até mesmo os
enormes carvalhos em ambos os lados apareciam como cinza, sombras
indistintas.
― Nós precisamos encontrar abrigo até o pior passar, ― disse ele,
gritando através do vento, embora Bess lutasse mesmo ao lado dele. ― Existe
algum lugar?
― Há uma cabana de lenhador aqui perto se não nos desviamos muito
do nosso caminho.
Ele abandonou o trenó e agarrou a mão de Bess. Amaldiçoando-se
depois de a ter encontrado, a deixasse congelar até a morte. ― Vamos
encontra-la.
Eles abriram caminho para a frente contra o vento. Ele fez uma paródia
sobre a espessura de sua roupa, cortando e congelando sua pele. Inclinou Bess
atrás dele assumindo o peso, mas sabia de seu progresso desigual que ela
achava difícil seguir, mesmo usando-o como um quebra-vento.
Eventualmente, ela o puxou para uma parada ofegante. ― Deve haver
uma trilha fora do caminho aqui. Oh, essa neve é um incômodo. Eu nem
tenho mais certeza de onde estou.
Ele lançou um braço em volta dos ombros dela. Através de seu casaco
grosso, a sentiu tremer de tensão. ― Vamos encontrá-la. Não estudei o papel
de José para ser preso em uma nevasca na véspera de Natal
Mesmo na penumbra, ele pegou seu olhar irônico. ― No próximo ano,
vou fazer-lhe o Anjo do Senhor. Em seguida, você vai saber sobre texto. Esse
papel tem páginas.
Ele deu um bufo de risada, enquanto saudou a coragem dela. Senhorita
Farrar não era uma menina histérica ao primeiro sinal de problemas. ―
Ninguém em sua mente correta iria me lançar como um anjo.
― Está certo sobre isso. Que pena que não há piratas na história de
Natal.
― Eu não estou…
― Aqui está ela, a trilha para a cabana.
Eles se voltaram direto para o vento norte frígido e ele precisou de
todo o seu fôlego para continuar. Bess liderava enquanto a neve se empilhava
em torno deles, mais profunda a cada minuto. Ele amarrou o cachecol mais
forte em torno de suas orelhas que ardiam. Não era uma tarefa fácil para uma
só mão no meio de uma nevasca. Mas não havia maneira no inferno que ele
soltasse a mão de Bess. E não apenas porque se ela ficasse muito à frente, ele
provavelmente a perderia.
A mente lógica de Rory disse-lhe que a trilha estava a poucos metros.
Parecia quilômetros. O vento era poderoso o suficiente para forçá-lo para trás,
a menos que aplicasse toda a sua força contra ele. A neve pesada cegava pelo
que somente quando ele estava no alpendre da cabana percebeu que haviam
chegado ao seu destino.
Empurrou a porta. Ela não se moveu. Seu cérebro estava tão
congelado, demorou vários segundos para tatear para o primitivo barbante e
prego travão.
― Vamos, ― disse ele ofegante, cambaleando para dentro e finalmente
liberando Bess.
O quarto estava escuro como uma mina de carvão. O vento açoitava o
edifício de madeira, por isso não era muito mais silencioso dentro do que fora.
Através do rugido dos elementos, ele ouviu Bess tropeçando e estendeu a mão
para ela.
Sua mão pousou em algo macio e redondo. Mesmo antes de seu
suspiro assustado, ele sabia que tinha tocado seu peito. De repente não estava
frio. Por um instante queimou, com a mão enrolada para moldar sua carne
antes de a tirar.
― Eu imploro seu perdão, senhorita Farrar. ― Era difícil parecer
pesaroso, mas, por outro lado, não a queria fugindo para a neve para escapar
de suas atenções.
Depois de uma raspagem, um brilho suave afugentou as trevas. Ela
acendeu uma lâmpada. ― Foi um acidente.
Daquela vez, talvez.
Evitando os olhos dela para que não visse o quão desesperadamente ele
a queria, olhou ao redor da pequena cabana. Estava inesperadamente bem
equipada. Prateleiras cobriam as paredes, maioritariamente repletas de
ferramentas, mas viu alguns alimentos e suprimentos médicos básicos. Ainda
melhor, havia uma lareira e um bom estoque de madeira.
― Por Deus, isso é um palácio.
Ela riu, sacudindo aquele momento constrangedor de quando ele lhe
tocou o peito com uma facilidade que encontrou desanimadora. Sua mão
ainda formigava com o calor.
― Não é bem assim. Mas o clima aqui muda em um piscar de olhos.
Abrigo disponível pode significar a diferença entre a vida ou a morte.
― Eu fiquei surpreso quão rápido a neve veio.
Ela foi verificar os estoques de alimentos. ― Estamos em
Northumberland. Não é lugar para fracotes.
― Então podemos ficar presos por um tempo? ― Ele esperava não
parecer muito feliz com isso.
Os móveis eram adequados, mas básico. A mesa tosca, quatro cadeiras
finas com assentos de palha. E um divã contra uma parede. Duas janelas
fechadas e a estrutura da chaminé.
Inclinou-se para acender um fogo enquanto Bess acendeu uma segunda
lâmpada. E ele tentava, o que era diabolicamente difícil, não pensar sobre a
cama e estar sozinho com ela por horas a fio.
― Nesta época do ano, a tempestade costuma se afastar rápido. Em
janeiro e fevereiro, as pessoas podem ficar presas por vários dias se as coisas
se complicam.
Dias? E uma cama? Tornou-se ainda mais difícil se concentrar em obter
uma faísca do barril de pólvora. ― Vamos perder a representação.
― Espero que não. Ouvi que um novo ator fará sua estréia com um
papel espetacular como José.
Rory riu de onde se ajoelhava diante da lareira. Ela realmente era uma
alma corajosa. Seus anos no mar deram-lhe um profundo apreço pela
coragem. Esta moça iria colocar seus leais companheiros envergonhados. ―
Ele é bom com o burro pelo menos.
Os gravetos atearam satisfatoriamente, as chamas lambendo
avidamente os cepos maiores. Pelo menos eles não corriam o risco de
congelar.
― Ele é bom com o fogo, também.
― Não sou nenhum aristocrata inútil, ― ele disse secamente. ― A vida
em um navio prepara um homem para qualquer circunstância, incluindo
encontrando-se sozinho com uma menina bonita no meio de uma tempestade
de neve.
Ela lançou-lhe um olhar zombeteiro. ― E parece que lhe ensina a usar a
bajulação, também.
Ele apenas falou a verdade, mas se começasse a dizer-lhe o quão
maravilhosa era, não confiava em si mesmo para não oferecer a prova física de
sua admiração. ― O que diabos você está fazendo?
Ela lutava contra a porta aberta e o vento através da sala. Ele se
inclinou sobre o fogo para manter o brilho frágil do calor vivo.
― Vou buscar um pouco de neve para derreter para a água. Nós temos
os ingredientes para a sopa. Você está com fome?
Sim, e não apenas para a sopa. ― Algo quente seria bom.
Ela esteve fora apenas momentos. A porta se fechou atrás dela
enquanto lutava por seu caminho de volta para dentro da cabana. Ele cruzou
para levar o pote de ferro pesado cheio com neve e colocou-o no gancho
acima das chamas.
― Vou ter que cumprimentar o proprietário por seus arranjos. ― Ela
dirigiu-se para a prateleira de suprimentos e começou a classificar ingredientes.
Rory não sorriu quando puxou uma cadeira até a mesa e sentou-se.
Quando os aldeões tinham conspirado para avançar seu namoro, ele tinha se
divertido e sensibilizado. E certamente apreciara qualquer oportunidade de ter
Bess para si mesmo.
Mas agora, por causa dessa conspiração, um potencial desastre se
aproximava. Pelo menos do ponto de vista de Bess.
― Se ficar aqui a noite toda, haverá repercussões, ― disse ele
gravemente.
― Vai correr tudo bem. ― Ela trouxe duas cebolas, um pedaço de
bacon dissecado, e alguns nabos murchos, batatas e cenouras para a mesa.
Ele não esperava que ela entrasse em colapso, em histeria. Bess era feita
de um material mais forte do que isso. Mas, certamente, a ameaça de
escândalo merecia mais atenção do que ela deu a alguns velhos vegetais. ― Sua
reputação estará em pedaços.
Ela voltou para as prateleiras. ― Temos também cevada, e ervilhas. Nós
definitivamente não vamos passar fome.
― Ótimo. Você ouviu o que eu disse?
Ela carregava um par de frascos. ― Há camomila para o chá, e algum
tipo de bebida alcoólica. É provavelmente material velho, mas pode ajudar a
nos mantermos quentes.
Rory pegou seu pulso antes que ela se afastou novamente. Com o
quarto aquecido, ambos tiraram suas luvas, então ele sentiu o pulso acelerado
sob seus dedos. Ela não estava tão calma como apareceu na superfície. ―
Bess?
Ela olhou-o com admiração. ― Você nunca me chamou Bess antes.
Ele soltou um suspiro impaciente. ― Esqueça isso. Eu só quero que
você saiba que sou um homem de honra.
Suas pálpebras piscaram para baixo e ela olhou para sua mão grande
bronzeada que rodeava o pulso pálido. ― Isto não é Londres ou até
Newcastle. As pessoas aqui compreendem que as emergências acontecem.
― Se ficarmos sozinhos até de manhã, não há nenhuma ajuda para o
que devemos fazer.
Ela se afastou e voltou para a prateleira onde pegou um par de taças,
uma faca afiada, e uma concha. ― Não vou fazer agitação.
― Você não terá que fazer.
Ela olhou para trás, olhos azuis profundo e sério na luz dourada. Ele
percebeu que ela estava plenamente consciente dos problemas em que se
encontravam. ― Vamos atravessar essa ponte quando chegarmos lá.
― Nós poderíamos tentar voltar para a Abbey. Não pode ser muito
mais que dois quilómetros.
Seus lábios se viraram para baixo em negaçã. ― No escuro em uma
nevasca? E ambos a pé e não vestindo para este tempo? Estaríamos levando
nossas vidas em nossas próprias mãos.
- Evitaríamos o escândalo.
- Eu prefiro ficar viva. ― Ela começou a cortar uma cebola com uma
eficiência impressionante. ― Cresci neste vale. Confie em mim quando digo
que isso é provável que não seja mais do que uma nevasca.
Uma nevasca? O mundo exterior estava uivando de terror branco. Mas
ele pôs de lado outros argumentos pelo momento. Como ela disse, não
ganhava nada antecipando problemas. Eles estariam presos ali até que a
tempestade se afastasse.
Ele se casaria com ela no dia seguinte, com escândalo ou sem
escândalo, mas ela claramente não compartilhava seu entusiasmo pela ideia,
demônios. ― Posso ajudar?
Ela olhou para cima com um sorriso rápido. E alívio visível por ele
mudar de assunto. ― Duvido que tenha força para os cubos de bacon. Posso
dar a você? Pode precisar de um machado.
19
Piquet é um jogo de cartas jogado desde finais do século 15 em Inglaterra.
Ele descansou sua bochecha em seu cabelo brilhando. Uma sugestão de
lã molhada também provocou suas narinas, apesar de o fogo os secar nas
últimas horas. Mas por trás disso, ela era uma deliciosa mulher.
Com toda a sua força, ele se esforçou para se comportar como um
cavalheiro solícito, e não um sedutor voraz. Afinal, a sua presença em seus
braços era uma marca de confiança duramente conquistada. Ela claramente
não tinha nenhuma ideia de como o seu sangue subia à sua proximidade, nem
como ele lutava contra a necessidade de arrastá-la debaixo dele e aquecê-la da
melhor maneira que sabia.
Desde que fora para o mar, teve poucas relações com senhoras
virtuosas. O tipo de garota que sucumbia a um marinheiro sabia que ele seria
afastado na próxima maré. Bess, por toda a sua força, vigor e coragem, lhe
parecia tão dolorosamente frágil agora. Ele detestava a ideia de assustá-la com
o seu desejo ousado.
Se ela fosse uma de suas amantes luxuriosos, ele cairia nela em um
piscar de olhos. Mas ela não era. Era a casta filha de um vigário, e ele não
tinha ideia de como mudar seus sentimentos de cordialidade à paixão. Ela era
pura e perfeita, e ele a queria que tão ferozmente, se sentiu pronto para
explodir em chamas.
― Me desculpe, tê-lo metido nisto.
Ele saiu de seu ninho para satisfazer seu olhar azul solene. ― Como
isso é culpa sua? A menos que tenha alguma influência com os deuses da neve
que eu não conheça. Se você tem, pelo amor de Deus, peça-lhes que se
afastem.
Ela sorriu, mas seu coração não estava nele. ― Eu te fiz sair cortando
verduras de Natal. Na verdade, eu o envolvi em ter um Natal na Abbey em
primeiro lugar.
― Pequena garota tonta, não percebeu que em cada passo do caminho,
eu fiz exatamente o que quis?
Ela estudou-o, franzindo a testa em confusão. ― Fez?
― Sim. A menos que você me empurrasse para fora da minha miséria
solitária, nunca viria a conhecer os moradores, ou você.
― Oh. ― Ela colocou mais esforço em seu sorriso. ― Estou feliz.
― Por que eu me integrei?
― Sim. E porque te conheci, também.
Caro Senhor, ele sofria para beijá-la. Para fazer mais. Somente com o
maior esforço é que resistiu puxá-la contra ele. Tinha sido ousado o suficiente
para beijá-la no primeiro dia. Agora muito dependente do que aconteceu entre
eles para tal imprudência.
Seu sorriso desapareceu, substituído por uma expressão de intenção
que corroeu seu frágil auto-controle. ― Eu sei como gostaria de passar o
tempo.
― Poderíamos trocar histórias de vida. Embora, sem dúvida, as minhas
a iriam chocar.
― Talvez o fizessem. ― Ela fez uma pausa. ― E talvez eu queira ser
chocada.
Ele não entendia. ― Bess?
Ela lambeu os lábios e elevou o queixo em um ângulo desafiante. ―
Lorde Channing, você poderia por favor me beijar de novo?
Capítulo Sete
20
O Palácio de Bleinheim é um monumental palácio rural, situado em Woodstock, Oxfordshire,
Inglaterra. É a única residência rural não-episcopal a ostentar o título de "palácio". Foi construído entre
1705 e cerca de 1722.
Se ele a tomasse agora, ele iria mostrar o seu prazer. Ele a trataria com
respeito e cuidado.
Continuaria sendo um erro grave.
― Espero que você me perdoe. Não me comportei como um
cavalheiro.
Ela apertou os lábios. ― Na minha opinião, você está se comportando
muito como um cavalheiro, meu senhor.
Não havia sussurros doces de Rory agora, ele notou, escondendo um
estremecimento. Sua recusa de sua generosidade de tirar o fôlego claramente a
picara. Ele podia suportar sua raiva. Sua dor o deixou sentindo como se ela o
eviscerasse com uma faca de manteiga. Cada palavra que dizia apenas parecia
ampliar o abismo entre eles.
Ele desejava pegá-la em seus braços, mas ele estava severamente ciente
de como precariamente mantinha o controle. Se a tocasse, a senhorita Farrar
iria enfrentar o dia seguinte como uma mulher caída. Este maravilhoso,
brilhante, novo sentimento que crescia entre eles se tornaria uma coisa de
vergonha e segredos.
Ele não podia suportar isso.
Repetiu o que havia reconhecido quando, ansioso e imprudente, ela
implorou para ele não parar. Bess Farrar merecia melhor.
― Bess…
Ela suspirou, um som de tal miséria que o fez querer uivar como uma
criança sem mãe. ― Eu sinto muito. Estou agindo como uma bruxa.
Empolamento sexual frustrado não o deixou se sentindo muito alegre
também. Perguntou-se por que fazer a coisa certa deixava furiosa e a ele
miserável. Onde estava a justiça nisso? ― Não.
Ele nunca tinha visto tanto esforço colocado em um sorriso para tão
pouco efeito. Suas mãos em punhos contra a vontade de pegá-la contra ele.
Porque enquanto isso pudesse confortar, não seria como tudo iria terminar.
Dane-se tudo para o inferno.
― Você está tentando ser gentil. ― Olhos baços levantados sobre ele. ―
Você é um bom homem, meu senhor.
Se ela conhecesse os demônios de luxúria em guerra pela posse de sua
alma, não diria isso. ― Não, eu não sou.
Ela conseguiu uma risada abafada. ― Eu não sou uma bruxa e você não
é um bom homem? Parece que não podemos concordar com qualquer coisa.
Ela se esforçou para fazer o melhor de uma situação que não tinha
como ser melhor. Por Deus, ela o humilhou. ― Por favor, me escute.
Exceto que diabo poderia ele disse? Como ele poderia formar uma
explicação coerente da agitação deste turbilhão de impulsos contraditórios? E
se começasse a tranquilizá-la com palavras de que a queria mas tinha que se
afastar para a segurança dela, ele sabia que iria continuar a demonstrar o
desejo em ações. Da próxima vez não iria encontrar a força para parar.
― Não, não agora. ― Sua voz falhou e suas mãos cavaram as mantas
cinzentas grossas. Ele odiava ter empurrado esta criatura viva tão perto da
ruptura. ― Lorde Channing, eu ficaria muito grata se nós não discutirmos
mais isso. Acho… eu acho que estou muito cansada.
― Bess, pelo amor de Deus…
― Sim, pelo amor de Deus, meu senhor, por favor… por favor, me
deixe em paz.
― Muito bem ―, disse ele severamente. Apesar do risco ao seu
controle, ele sofria por falar com ela, para explicar o que tinha acontecido,
para fazê-la entender. Mas parecia tão exausta e triste, que não podia suportar
a forçar.
Ela deixou-se cair na cama e virou as costas. Por um longo momento,
ele olhou para os ombros curvados eloquentemente, sofrendo uma mistura
turva de saudade e remorso. Ele sabia que fizera uma maldita confusão
daquilo, mas não sabia como corrigi-la.
Eventualmente, com um profundo suspiro, ele levantou-se e alimentou
o fogo antes de puxar o capote. Quando seus dedos tocaram o rasgão que
Daisy tinha feito em sua manga, ele jurou sob sua respiração. A lembrança da
primeira vez que beijou Bess não era exatamente bem-vinda agora.
Ele juntou as cadeiras para formar uma cama improvisada. Longe de
ser tão confortável como a que Bess ocupava em eriçado silêncio. Mas mesmo
que ela lhe permitisse dormir ao seu lado, ele sabia que era melhor não testar a
sua força de vontade.
Rory se encostou em uma cadeira e apoiou os pés em outra. A madeira,
ferro-duro sob seu traseiro, serviu como mais um lembrete do preço da
virtude. Mas seja lá o que fosse que seu lado mau queria, ele sabia em sua alma
que tinha feito a coisa certa.
Se apenas Bess pensasse assim também.
Ele tirou seu relógio de bolso. Apenas passava das nove horas. Ele
sentiu como se tivesse vivido uma vida inteira na última hora. Seus
pensamentos se desviaram para aqueles beijos milagrosas, mas trouxe a si
mesmo curto. As coisas estavam difíceis o bastante, sem se torturar sobre o
que poderia estar fazendo agora, em vez de tentar organizar o seu longo corpo
de uma maneira que não o deixasse mancando amanhã.
Lá fora o vento gritava como uma alma penada. Ao contrário das
previsões otimistas de Bess, a tempestade não mostrou nenhum sinal de
diminuir. Ia ser um inferno de uma longa noite.
Capítulo Oito
Rory acordou de seu cochilo inquieto para ver a porta abrir. Esticando-
se dolorosamente, ele levantou uma mão para esfregar a rigidez do pescoço.
Não recomendava dormir a noite em duas cadeiras.
― Ned? ― Ele perguntou, admirado quando seu amigo entrou na
cabana, batendo a neve de suas botas. ― Que diabo você está fazendo nesta
nevasca?
Ned fechou a porta atrás de si. ― Agora está uma bela noite. Você
escolheu um lugar imprevisível para ficar.
Rory percebeu que o vento não uivava. ― Como você nos encontrou?
― Quando você e a senhorita Farrar não voltaram, as pessoas ficaram
preocupadas, mas não podiam sair na tempestade. Uma vez que a neve
diminuiu, eu vim atrás de você. Quando encontrei o trenó, soube que não
podia estar longe.
Bess tinha se mexido quando Ned chegou e agora se sentou sem dar a
Rory um olhar. Ela parecia desgrenhada e exausta. O estômago de Rory se
contraiu com se tivesse sido esfaqueado pela culpa quando viu marcas de
lágrimas em suas bochechas. A tinha machucado quando levara aquele
encontro selvagem para um fim, o que nunca tinha sido sua intenção. Droga,
ele a deveria ter deixado mais suavemente, mas ao mesmo tempo, estivera a
um milhão de quilómetros de sua própria equanimidade.
Quando Rory desviou o olhar de Bess, ele pegou um brilho
especulativo nos olhos de Ned. Parecia que ela tinha sobrevivido a uma
tempestade de neve. Infelizmente também parecia completamente que fora
levada para a cama.
― Você está sozinho?
― Sim, eu tentei chegar aqui à frente da multidão. Mas eles não estão
muito atrás de mim.
As palavras de Ned eram um aviso. Rory e Bess estiveram sozinhos por
horas, e, a menos que fosse cuidadoso, estariam irremediavelmente
comprometidos. Ele queria que ela se casasse com ele, mas não porque tinha
que fazer. E ele não podia suportar a ideia de pessoas fofocando sobre ela.
― Boa noite, Sr. White, ― ela disse, levantando e alisando as mãos para
baixo de suas saias vincadas. ― Obrigado por ter vindo nos encontrar.
― É o meu prazer, senhorita Farrar. ― Ned gostava de Bess, e ele
apreciava sua vivacidade e competência. Nada daquilo iria salvá-los do
escândalo, se os moradores escolhessem interpretar os acontecimentos
daquela noite a uma luz lasciva. Culpa esfaqueou Rory de novo ao recordar o
quão perto estivera de tornar qualquer pensamentos em realidade lasciva.
― Que horas são? ― Bess correu os dedos pelo cabelo caído e dividiu-o
em três vertentes para entrançar. Seus movimentos foram rápidos e ágeis,
enquanto confinava a massa de ouro amarfanhada. Os dedos de Rory coçaram
para tocar aquela linda juba. Seus princípios cansativos não o impediam de
querer.
― Logo depois da meia-noite ―, disse Ned, endireitando seus óculos.
Rory olhou diretamente para o amigo. ― Se as pessoas sabem que
estivemos juntos todo esse tempo, haverá o diabo para pagar.
Bess se moveu em torno da cabana, arrumando e afastando vestígios de
ocupação. Apesar de suas circunstâncias terríveis, Rory encontrou sua
tranquila gestão doméstica hipnotizante. Qualquer homem teria sorte de
voltar para casa para uma esposa como Bess. Boa, fiel e brilhante.
E agora, um milhão de quilômetros fora de alcance, mesmo estando
apenas a metros de distância.
― Vou dizer que não vi nada de inconveniente ―, disse Ned.
― Não é bom o suficiente. ― Rory estudou as características
acadêmicas do amigo. ― A reputação de uma senhora está por um fio, e eu
juro que a Senhorita Farrar é tão pura agora como era quando entrou na
cabana.
Era quase a verdade. Mas, quando ela endireitou a cama e dobrou os
cobertores, os ombros de Bess endureceram.
― O que você gostaria que eu fizesse? ― Perguntou Ned.
― Diga às pessoas que me encontrou no oco de uma árvore ou
protegido sob um banco, e você e eu chegámos juntos na cabana para
encontrar a senhorita Farrar. Vou dizer que ela e eu fomos separados na
tempestade. Todo o inferno se soltou, então não há nenhuma razão para
alguém duvidar de nossa história, especialmente se você me apoiar.
― Claro que eu vou. ― Ned sorriu para Bess que tinha parado para
observá-los com o cenho franzido perturbado. ― Eu nunca vou permitir que
alguém questione sua virtude, senhorita Farrar.
Ela conseguiu dar um sorriso para Ned. Novamente evitou os olhos de
Rory. ― Obrigado, Sr. White. Você é muito gentil.
Ned virou-se para Rory. ― Vá e role na neve até o seu casaco ficar
molhado. Ninguém vai acreditar em uma palavra dessa história se o virem tão
quente e seco.
Rory reprimiu uma risada sarcástica. Se apenas Ned soubesse o quão
perto ele esteve de mergulhar de cabeça na neve depois que abandonou Bess
naquele momento crucial. Severamente se dirigiu para fora e puxou um ramo
pendurado. A gelada neve molhada que caiu em cascata pelo pescoço parecia
penitência adequada para suas culpas.
No momento em que seus salvadores chegaram, a cabana estava
imaculada, e Bess e seus dois companheiros se sentavam em volta da mesa, a
imagem de inocência. Apenas Rory notou que quando ela compartilhou uma
narração ligeiro de suas aventuras com os aldeões, nem uma vez olhou em sua
direção.
21
Yule ou Yuletide é um festival observado pelos povos históricos germânicos, depois passando por
reformulações cristianizadas resultando na agora conhecida Festa de Natal.
― Senhorita Farrar, você está bem? ― Perguntou Rory sob sua
respiração enquanto todos os outros se aglomeraram ao redor da esposa do
ferreiro, e seu bebê que era Jesus da peça.
― Perfeitamente, ― Bess disse em uma voz plana, sem olhar para ele.
Ele estava diabolicamente cansado daquele olhar azul opaco escorregando
através dele como se ele fosse uma outra peça de mobiliário.
Pior. Bess sempre prestou atenção ao mobiliário.
― Você tem certeza?
― Perfeitamente.
― Bem, isso é… bom, ― ele disse, não acreditando nela por um
momento. Ele olhou para o visco suspenso acima de sua cabeça e se
perguntou como ela reagiria se a pegasse pela cintura e a beijasse. Ela
provavelmente diria “perfeitamente” naquela voz educada que não se parecia
em nada com a mulher que ele conhecia.
Dr. Simpson, vestido como o estalajadeiro, aproximou-se para fazer
uma pergunta e ela se virou para ele com alívio mal escondido. Rory andou
descontente contra a parede e observou o processo com um ar de icterícia.
Ele ainda não estava com seu traje, mas vendo que só tinha que puxar um
manto listrado longo sobre a camisa, não estava incomodado.
Seu olhar rastreou Bess enquanto ela se movia em torno do elenco,
endireitando uma coroa em um homem sábio, lembrando o pastor-chefe de
suas linhas, verificando com o maestro. As crianças e os moradores andavam
fora da casa. Eles cantavam músicas natalinas acompanhados de flautas e
tambores enquanto a procissão fazia seu caminho através da aldeia.
Tudo, exceto Bess Farrar estava em plena forma. A casa cheirava a
floresta, fresca e verde com a seiva de pinho aromático. Graças a Deus o mau
tempo do dia anterior tinha passado, e a véspera de Natal amanheceu clara e
fria. Através das portas abertas, Rory viu como o sol atingia a neve
ofuscantemente branca.
Bess passou vários minutos acalmando o Anjo do Senhor que tinha a
parte mais longa. Sally Potts era considerada a beleza da aldeia, e este foi o seu
primeiro ano em um papel falando. Talvez Rory fosse tendencioso, mas ele
não podia deixar de a comparar com Bess. Ainda hoje, quando sua querida
parecia que não dormira nada, ela ainda era a moça mais bonita que ele já
tinha visto.
O único ator para quem escaparam algumas palavras de encorajamento
foi o senhor da casa. Será que Bess o fazia para transmitir a impressão de que
nada incomum tinha acontecido na cabana? Esta manhã, ele notou alguns
olhares especulativos, mas até agora sua história foi geralmente aceite.
Estava intrigado com a atitude dela. Bess podia estar zangada com ele,
ou desapontada. Embora certamente agora que o calor da paixão
desaparecera, deveria perceber que ele fizera a única coisa que um homem de
honra podia.
Só que o que ele viu quando a viu e a observou ― e a observou tão
perto como um gato observa um pássaro esvoaçando em um arbusto ― não
era irritação, mas uma infelicidade valentemente escondida que fazia suas
entranhas apertar remorso.
Ele precisava desesperadamente de falar com ela, para descobrir o que
se passava dentro de sua linda cabeça. Dois anos com suas irmãs lhe tinham
ensinado que, quando as fêmeas têm uma noção, suas mentes poderiam levá-
las até à borda da desgraça antes de um homem reconhecer que tinha
cometido um erro menor.
O pior de tudo era que, mesmo que conseguisse que Bess aceitasse as
suas desculpas, não teria um segundo a sós com ela durante todo o dia para
fazê-las. Então ficou, preocupado e frustrado, à beira de uma multidão que o
excluía ao mesmo tempo que abraçava Bess.
― É hora de ir para fora ―, disse ela com uma alegria que chegou falsa
nos ouvidos de Rory. ― Todos foram maravilhosos no ensaio, por isso estou
certo de que este será um ano especial.
Dr. Simpson sorriu para ela, em seguida, enviou a Rory um olhar
significativo. ― Na verdade, é um ano especial. Congratulamo-nos com um
novo conde, e eu não poderia estar mais satisfeito que sua senhoria já seja
uma parte indispensável da nossa pequena comunidade.
Para surpresa de Rory, todos na sala explodiram em aplausos antes de
uma versão irregular, mas entusiástico de “Ele é um bom companheiro”, com três
vivas retumbantes a seguir.
Tocado, ele deu um passo para a frente. Tinha estado errado se
sentindo excluído. Sua cabeça estava em todo o lugar naquele dia com o frio
entre ele e Bess. Pelo menos ela juntou-se à música, esperava que não fosse
apenas por causa da aparência.
― Obrigado, Dr. Simpson. Eu não poderia pedir uma recepção mais
calorosa. Estou feliz por haver lançado âncora em Penton Wyck. Pelo meu
dinheiro, não há um lote melhor de pessoas na Inglaterra. ― Ele fez uma
pausa. ― Ou na Escócia, o que eu nunca pensei que um verdadeiro filho das
Highlands diria. ― Todos riram. Mesmo Bess conseguiu dar um sorriso. Ele
gesticulou em direção onde ela estava a meio quarto de distância. ― Eu
gostaria de agradecer à senhorita Farrar. Sem ela, nunca teria descoberto a
alegria de preparar um Natal tradicional, ou teria uma casa habitável, ou
conheceria a encantadora Daisy.
Outra risada e mais três vivas para Bess que parecia terrivelmente
nervosa. Se ela não se acalmasse, seria a Maria mais nervosa na história.
Rory fez sinal para os dois homens de pé ao lado da porta. Em poucos
segundos eles estavam circulando com bandejas de vinho quente. Os atores
tinham uma longa tarde pela frente, principalmente no exterior. Um
pouquinho de alegria adicional não prejudicaria. Os aromas de canela, cravo e
laranjas da bebida perfumada subiram para combinar agradavelmente com o
cheiro de pinho.
― Obrigada ―, disse Bess. ― Agora é hora de partimos, ou Daisy irá
sem nós. A ideia de deixá-la à sua própria sorte é muito terrível para
contemplar.
Outra risada. Para além do lago de infelicidade tempestuosa em torno
de Bess, um rio de boa vontade fluiu através do quarto.
Rory percebeu que ela mal tocou em seu vinho. O que foi uma pena. Se
alguém tinha necessidade dos efeitos reforçantes do licor, era Bess.
Todos marcharam pelas portas abertas. Do lado de fora, empregadas
estavam recolhendo copos vazios, e a atmosfera festiva fazia com que
parecesse que o Natal começou mais cedo. Mesmo Daisy parecia feliz, vestida
com fitas, com seu casaco cortado e preparado para brilhar.
Rory parou na porta para saborear uma sensação que nunca tinha
experimentado antes. Que estava em casa e este era seu povo, e ele pertencia
aqui. Seu peito estava muito pequeno para conter a emoção inchando em seu
coração.
Ele nunca tinha imaginado que sua herança iria mudá-lo. Mas tinha.
Irrevogavelmente.
Desde sua chegada, não, na última semana, ele tinha criado raízes neste
rico solo Nortumbrino, raízes que esperava nutrir o resto de sua vida. Havia
apenas sete dias, seu desejo feroz para fortalecer a vida como Lorde Channing
o teria o surpreendido.
Ele tinha uma pessoa a quem agradecer pela transformação. A única
peça que faltava naquele quadro de contentamento.
Bess Farrar.
De repente, não podia suportar a esperar para curar a brecha entre eles.
Não podia suportar a esperar para a reclamar.
As criadas e lacaios caminhavam em direção a cozinha. Bess ficara para
trás no grande salão para acalmar o medo de palco de Sally. A garota parecia
ligeiramente mais confiante quando deslizou o arnês de asas brancas e de
prata brilhando sobre os ombros. Em seguida, teve de aliviar os lados
passando por Rory para caber através da porta. Sally não era a criatura mais
inteligente do mundo, mas com suas massas de cabelo louro fino e delicado
rosto, parecia verdadeiramente etérea.
― Você parece um anjo, Sally ―, disse ele quando ela passou. ― Será a
estrela da peça.
Sally corou em um vermelho brilhante e deu uma guinada em uma
mesura desajeitada. ― Obrigado, meu senhor.
Ele a pegou e ajudou nos degraus antes que desalojasse as asas. Ou
pior, as rasgasse. Então, antes que Bess pudesse escapar, ele voltou para
dentro, fechou a porta e trancou-a.
― O que diabos você está fazendo? ― Ela perguntou, surpresa banindo
a boa-educação autômata que o tinha dirigido à loucura. ― Temos de
começar.
― Eles vão esperar ―, disse ele, virando-se para ela e cruzando os
braços implacavelmente sobre seu peito.
Desgosto iluminou seus olhos. Ela estava no centro da sala, exatamente
onde a viu pela primeira vez. Soube, então, que ela era a única para ele.
― Bom, isso não é justo. E depois de fazer um belo discurso, também.
― Finalmente, ela parecia a moça espirituosa que tivera a coragem de o
repreender sobre suas funções.
― Eu espero que isso apenas demore um pouco.
Cautela substituiu o aborrecimento naqueles belos olhos azuis e ela
recuou. Em suas longas vestes marianas, ela era uma criatura de outro mundo.
Parecia uma blasfêmia recordar a sua mão ondulando em torno de seu peito
nu. Exceto que seus sentimentos pela senhorita Farrar sempre continham uma
dose saudável de carnalidade.
― O que é… isso exatamente?
Ele rondava em sua direção. ― Você realmente não tem ideia?
― Não ― disse ela. ― E se nós não formos para fora agora, todas as
fofocas que conseguimos evitar se levantarão e nos devorarão.
Ele riu suavemente, divertindo-se, pela primeira vez desde que a beijara
na noite passada. ― Não seja uma pequena ingênua, Bess. Eles fofocaram
sobre nós durante toda a semana.
― O quê? Você tem certeza?
― Sim, é claro que eu tenho certeza.
― Eles não disseram uma palavra para mim. ― A luz através da janela
alta a fazia parecer mil vezes mais angelical do que Sally Potts jamais poderia
parecer. Se um anjo poderia ser confuso e irritado e eminentemente palpável.
― Bem, eles não diriam, ou diriam?
― Apenas o que eles têm vindo a dizer? ― Ela perguntou, desconfiada.
Ele sorriu, encantado com ela, muito satisfeito consigo mesmo por
encontrá-la. Quem teria imaginado que sua noiva perfeita estava escondida em
um canto obscuro de Northumberland? ― Que você me faria uma excelente
condessa.
Ela franziu a testa. ― Que absurdo.
― E eu estou inclinado a concordar com eles.
Descrença arregalou os olhos. ― Você está?
― Sim.
Para sua consternação, justamente quando pensou que iria definir seu
curso para um porto amigável, a infelicidade voltou a minar toda a linda
vitalidade de seu rosto. De olhos baixos e as mãos enterradas em suas saias.
Tarde demais. Vira como ela tremia.
― Eu sei o que você está fazendo ―, ela disse em uma voz inexpressiva.
― Claro que você faz. Eu estou propondo.
― Porque você acha que tem que o fazer ―, ela murmurou. Ao invés de
jogar-se em seus braços, ela marchou por ele em direção à porta. ― E não
precisa. Mesmo que haja conversa sobre a noite passada, ela vai morrer
quando nos tratamos um ao outro da forma como sempre fizemos.
― E como é isso? ― Ele deu um passo à frente dela para bloquear sua
partida.
Bess olhou com desfavor. ― Como… como um conde e uma inquilina
humilde.
Ele começou a rir. ― Och, o apodrecimento total. Você não tem um
osso humilde em seu corpo, e se teve qualquer momento de deferência pelo
meu posto, eu certamente perdi.
Sua boca voluptuosa se firmou e ela cruzou os braços. ― Bem, isso é
como eu pretendo tratá-lo no futuro. Me desculpe se fui desrespeitosa. Não
vou ser desrespeitosa novamente.
― Gostaria de fazer uma pequena aposta sobre isso?
Ela franziu a testa, parecendo menos hipócrita a cada minuto. ― Você
ficou completamente louco.
Seus lábios tremeram. ― Essa oferta de me tratar com deferência
apropriada não durou muito tempo.
Ela não sorriu. ― Sinto muito, meu senhor.
Na noite anterior ela o chamara de Rory. Ele prometeu que o faria
novamente antes de sair daquela casa. ― Não, você não sente. E de qualquer
forma, é verdade. Estive louco desde o dia em que você entrou e estabeleceu a
lei.
― Eu sinto muito por isso, também, ― ela disse robusta.
Ele pegou a mão dela. ― Não sinta. Se você não tivesse invadido o
local, eu teria perdido a última semana, o que seria uma vergonha.
Ela olhou para ele, sem tentar se libertar. ― Estou tão feliz que você se
tornou parte da aldeia. O vinho quente foi uma nota agradável.
Ele abafou uma risada. ― Eu tenho uma ideia ocasional de mim
próprio, você sabe. Na verdade, tenho a ideia agora que você deve dizer que
vai se casar comigo. Então, podemos salvar essas boas pessoas de pé sobre a
neve, querendo saber o que estamos fazendo.
Ela olhou-o com tal angústia que ele desejou pegá-la em seus braços.
Mas algum instinto profundo lhe disse para pisar com cuidado.
― Você não tem que fazer isso.
Ele suspirou e apertou em sua mão. ― Eu sei que não. Eu quero casar
com você.
― Não, você não quer.
Ele se endireitou em toda sua altura e olhou para ela como se ela fosse
um atirador insubordinado. ― O diabo, que verme você tem ocupando essa
sua mente, minha bela Bess?
Para seu pesar, ela se afastou, seu rosto marcado com uma miséria que
fez uma cãibra no estômago em negação. Ele poderia estar errado? Poderiam
todas as suas esperanças terminar em nada?
― Eu não quero falar sobre isso.
― Que pena. Diga-me por que está vagando ao redor durante todo o
dia como o fantasma na festa. ― Um pensamento horrível lhe ocorreu. ― Não
me diga que você está com vergonha do que fizemos?
― Eu não deveria estar? ― Ela levantou os olhos desesperados para os
dele.
Ele pegou seus ombros. ― Não, maldição, você não deve. Você é uma
criatura bonita, ardente, e quando o desejo é mútuo, é natural expressá-lo.
Seus lábios tremiam e, para seu horror, os olhos ficaram vidrados de
lágrimas. ― Mas não foi.
― Não foi o quê? Natural? ― Ele riu. ― Certamente foi.
― Não, mútuo ―, ela murmurou.
Ele franziu a testa, sem entender. Ele deveria ser o pateta mais grosso
de raciocínio na criação. ― Você não me queria?
Ela evitou seu olhar e, para seu horror, uma lágrima escorreu pelo seu
rosto. ― Claro que queria. Você sabe que sim.
― Eu pensei assim.
― Mas você não me quis.
― Que disparates condenados. ― Ele lutou contra a vontade de provar
de uma vez por todas como fora tolo o que ela dissera. ― Eu estava
desesperado por você.
― Então por que parou?
― Oh, Bess ―, disse ele, impotente, e desta vez não hesitou. Passou os
braços sobre ela e beijou-a completamente. Ela hesitou antes de o beijar de
volta, levando a uma tentativa satisfatoriamente apaixonada para convencê-la
de seu interesse e carinho.
Relutantemente, ele levantou a cabeça. Ela parecia rosada e bem beijada
e, para seu alívio, um pouquinho mais feliz.
― Eu pensei que deveria ter nojo quando eu estava tão… tão ansiosa ―
ela confessou. ― Ou eu fiz algo errado que o fez parar.
Quando ele se afastou depois de Bess ofereceu-lhe tudo, ele sabia que a
machucara. Ela estava perigosamente vulnerável, e sua retirada abrupta a
magoara. Mas ele não tinha ideia que sua negação a fizera duvidar de si mesma
tão profundamente.
Que maldito idiota ele era. Tinha subestimado a poderosa inocência
que a fez ver sua contenção mal realizada como falta de interesse. ― Você era
gloriosa em meus braços, um sonho. Você é tudo que eu desejo em uma
mulher. Certamente sabe disso.
― Você pareceu me querer. E então… você não quis.
― Eu sempre vou querer você. Mesmo quando estiver velho e cinza, e
precisando de uma corneta acústica para a ouvir me chamar de tonto.
Quando a pequena piada despertou o fantasma de um sorriso, uma
nova esperança o inundou. Com cada momento, ela parecia mais confiante,
graças a Deus. ― Então você queria continuar me beijando?
― O inferno, Bess, eu queria mais do que isso, mas não era o momento
nem o lugar. ― Sua voz se aprofundou em um estrondo rouco. ― Eu
pretendo reivindicar você como minha esposa e minha condessa na frente de
todo o mundo. Você é digna de toda a honra, não de alguma sedução em um
canto, não importa o quão louco esteja por você.
Seus olhos brilhavam com tal luz que seu coração se entregou. ― Oh,
Rory, que idiota eu sou. Você estava sendo nobre. Eu deveria ter percebido.
― E foi infernalmente doloroso, também. ― Ele beijou-a rapidamente
para lhe agradecer por chamá-lo de Rory. ― Patinha tonta.
Pela primeira vez naquele dia, aqueles lábios exuberantes se curvaram
em um sorriso genuíno. ― Então você não está se propondo apenas para
salvar a minha reputação?
Ele não era dado a discursos floreados ou gestos dramáticos, mas
naquele momento pedia algo memorável. A emoção brilhando silenciosa em
seus olhos derrotando inibições.
Ele se moveu um passo para trás e pegou a mão dela. Em seguida, caiu
de joelhos e olhou para o belo rosto que disparou seus sonhos. ― Eu estou te
propondo, Bess, porque sem você minha vida é incompleta. Estou te
propondo, porque a partir do momento em que te conheci, você preencheu
todos os meus pensamentos.
― Assim é melhor ―, disse ela vacilante. Sérios olhos azuis escuros o
estudaram. ― Eu só te conheço há uma semana.
Seu aperto em sua mão apertada. ― Tem sido um diabo de uma semana
movimentada, porém, vale mais do que seis meses de namoro em sociedade,
onde beberíamos mais xícaras de chá com um acompanhante contando cada
palavra.
― Você… você me cortejaria assim se eu lhe pedisse?
Seu sangue subiu em furiosa negação. Ele a queria agora em sua cama e
em sua vida. ― Sim.
Ela levantou uma sobrancelha cética. ― Você não parece muito certo.
Ele lhe deu um sorriso triste. ― Estou impaciente para te fazer minha.
Mas posso esperar. ― Sua voz raspou enquanto continuava. ― Apenas pelo
amor de Deus, não me faça esperar muito tempo.
― Um ano?
Bom Deus. Ele seria um desastre esfarrapado após um ano de espera
por ela. ― Então você vai se casar comigo?
Humor iluminou os olhos. ― Então você vai esperar um ano?
― Sim, se for preciso. Tenho certeza do que quero. Não posso esperar
o mesmo de você. ― Ele fez uma pausa. ― Contanto que eu tenho sua
promessa.
― Mais de um ano?
Levantou-se e olhou para ela, hesitante. ― Você realmente não tem
certeza?
Seu sorriso se alargou. ― Eu estou verificando para ver se você tem.
Quero ser mais do que apenas uma escolha conveniente.
Ele lançou uma risada apreciativa. ― Você está me provocando, moça
impossível.
O olhar que ela lhe mandou por debaixo de suas pestanas era
inconfundivelmente de paquera. ― Eu posso ser.
― Você não quer esperar um ano? ― Ele deslizou seus braços ao redor
da cintura dela.
― Eu não gosto de festas de chá.
Ela era um tesouro. Provocando, mas definitivamente um tesouro. ―
Então, quanto tempo devo esperar?
― Quanto tempo quer esperar?
― Para sempre, se for preciso, ― ele mordeu fora, puxando-a para mais
perto. ― Quer se casar comigo, Bess?
Ela juntou as mãos atrás do pescoço. O toque dela trovejou através
dele como cinquenta canhões disparando. ― Eu quero, meu senhor.
― Você quer? ― Ele disse estupidamente.
Seu sorriso brilhante deslumbrando-o, o fez sentir como se caísse
através das estrelas para o paraíso. ― Ah sim. Eu tinha certeza desde o início,
também.
― Minha querida… ― Beijou-a com toda a alegria reverente em seu
coração. Só parou quando alguém bateu na porta, alto o suficiente para
compensar o bater de sangue em seus ouvidos. Lentamente, ele levantou a
cabeça e olhou para Bess. Ela parecia completamente enfeitiçada.
― Meu amor, nossa privacidade chega ao fim. ― Incapaz de resistir, ele
beijou cada canto de sua boca cheia. Essa boca o tinha atraído toda a semana.
A promessa de uma vida inteira de beijos o deixou pronto para jogar a cabeça
para trás e gritar seu triunfo até o teto.
Ela se esforçou em direção a ele. ― Beije-me novamente.
Ele riu e se forçou a se afastar. Como ela poderia ter imaginado
desprezar seu espírito ardente? Sua paixão ardente era uma das muitas coisas
que ele amava sobre Bess.
Amava…
Ele amava Bess.
O mundo parou de girar. Mesmo o insistente batendo desapareceu a
nada.
Ele a amava. Com um amor maior e mais poderoso do que o oceano.
― Rory?
Ele piscou até o grande salão voltar a concentrar-se. Mas ainda assim a
verdade eterna martelando para ele. Amava Bess. E ela concordou em ser sua
esposa. Mal podia esperar.
― Nós vamos nos casar ―, disse ele em júbilo e pegou-a contra ele para
outro beijo.
Desta vez, ela se soltou. Virou-se para a porta. ― Deus do céu, os
moradores vão se perguntar o que aconteceu com a gente. ― Ela olhou para o
relógio de pé contra a parede. ― Nós deveríamos ter saído vinte minutos
atrás.
― Eles vão nos perdoar uma vez que saibam porque nos atrasamos. ―
Dado o fluxo eficiente de informações, ele apostaria bom dinheiro em que a
maioria, se não todos, adivinharam o que Bess e o novo conde estavam
fazendo no momento.
― Devemos dizer a eles? ― Para seu deleite, ela pegou sua mão.
― Eu deveria falar com seu pai em primeiro lugar.
― Então, hoje este é o nosso segredo.
Ele tinha certeza de que parecia completamente alucinado. Por que
não? Ele estava. ― Sim.
O abraço dela se apertou. ― Gosto disso.
Ele levantou a mão aos lábios. ― Você me fez o homem mais feliz na
Inglaterra. ― Fez uma pausa. ― E na Escócia.
― Estou bastante agradada também. ― Em seguida, normalmente sua
atenção voltou-se para questões práticas. ― Você precisa colocar seu traje.
Bess Farrar tinha prometido se casar com ele, e todo o mundo virou-se
para o Natal. ― Só mais um beijo.
― Nós vamos estar tão atrasados ―, disse ela, sem sua convicção de
costume.
Ele a fez recuar alguns passos. ― É sua culpa. Encontrou o visco.
― Oh, você é um diabo ―, ela sussurrou antes que seus lábios
capturassem os dela.
Silenciosamente, ele prometeu devoção ao longo da vida. Se perguntou
se ela sentia a sua promessa, porque quando levantou a cabeça, seus olhos
estavam enevoados.
Com uma ternura que encravara a respiração em sua garganta, ela tocou
seu rosto. ― Eu vou amar ser sua esposa.
Mas será que isso significava que o amava? Outra batida na porta
provou que aquele não era o momento para descobrir.
Eles teriam tempo. Céu louvado, eles tinham o resto de suas vidas.
― Amaldiçoadas nossas obrigações. Eu quero que você para mim. ―
Ele atravessou a sala e vestiu a veste listrada de José. Então, destrancou a
porta. O Dr. Simpson estava no degrau, procurando saber, enquanto as
pessoas faziam fila na neve observando com curiosidade indisfarçável.
― Você está pronta? ― Rory sussurrou para Bess quando ela se juntou
a ele na porta.
― Eu estou pronta para qualquer coisa, contanto que você esteja
comigo.
Como amava a inclinação orgulhosa de seu queixo. ― Então vamos
levantar nossas velas e definir o nosso curso nas novas terras, querida.
Ele saiu para se juntar a seu povo, a mulher que amava a seu lado.
22
Um brigue é um navio à vela com dois mastros quadrados-fraudados. Durante a “Idade da Vela”, os
brigues eram vistos como rápidos e manobráveis e eram usados como navios de guerra e navios
mercantes. Eles foram especialmente popular nos séculos 18 e inícios do 19.
apaixonado, mas não queria saber. ― Eu vou ter que fazer de todos os dias da
nossa vida juntos uma aventura, minha bela. A partir deste exato momento.
Epílogo
23
Popular canção de Natal britânica
Alguns particularmente belos cantos do exército celeste. Apenas dois reis
agraciados com coroas. José perdeu o controle do burro em um momento
crucial para a manjedoura terminar em uma centena de peças estilhaçadas e o
bebê Jesus teve de se contentar com metade de um barril de cerveja como
berço.
E Maria, que chorou como uma tromba de água todo o caminho até
Belém.
Fim