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RESUMO
Durante a década de 60, o ensino de matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de
ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova
abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação
básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada
pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da
Matemática Moderna (MMM).O Estado de São Paulo é considerado pioneiro no MMM, devido à
criação do GEEM - Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, em 1961, na cidade de São Paulo,
liderado pelo professor Oswaldo Sangiorgi. O principal objetivo do GEEM era coordenar e divulgar a
introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária. Em 1963, o professor da rede estadual de
ensino da época, Sylvio Nepomuceno participa dos cursos oferecidos pelo GEEM e ao final é
convidado a ministrar o curso de Práticas Didáticas, passando a integrar, desta forma, o grupo. Por
muitos anos, ministrou cursos de Geometria, Lógica, oferecidos pelo GEEM na cidade de São Paulo e
no interior do estado, acompanhando a trajetória do grupo até sua extinção. Uma característica
importante e peculiar de Sylvio é que apesar de trabalhar junto ao GEEM na formação de professores
por meio dos cursos que apresentavam as propostas defendidas pelo MMM, este professor, ao
contrário de muitos dos formadores do GEEM, nunca abandonou a sala de aula do ensino ginasial.
Podemos dizer que ele teve uma dupla participação: como formador de professores em exercício,
divulgando as novas idéias trazidas pelo MMM e como professor do ensino ginasial realizando a
apropriação das idéias do MMM na sua prática docente. Em 1967, Sylvio ingressa como professor do
Colégio Santa Cruz, ministrando a disciplina matemática para a 4o série ginasial. Quando questionado
sobre quais as mudanças em sua prática docente após conhecimento e apropriação das propostas
defendidas pelo MMM, Sylvio diz que um exemplo de mudança era quanto à Geometria, que antes era
muito axiomática, ele começava na 7o série, com ponto, reta, plano, axiomas e teorema, e, depois do
MMM, ele percebeu que os alunos não entendiam a axiomatização desenvolvida na Geometria e que o
MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender, o MMM era
uma nova maneira de ensinar, não novos assuntos. Ele ainda ressalta que o GEEM ministrava cursos
sobre conteúdos matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, depois,
era papel do professor fazer a triagem. A afirmação deste professor coloca em debate o papel que
assumiu o ensino de Geometria durante o MMM, pois pesquisas anteriores afirmam que o MMM foi
um dos responsáveis pelo abandono do ensino de Geometria na educação brasileira, devido ao fato de
muitos professores não se encontrarem preparados para desenvolver as propostas sugeridas para o
ensino de Geometria. Vale ressaltar que tais pesquisas não tinham como objetivo investigar a cultura
escolar, de modo a estabelecer relações entre normas e práticas pedagógicas. O arquivo de Sylvio
contém anotações detalhadas de suas aulas desde seu ingresso no Colégio Santa Cruz, em 1967, até
cinco anos atrás, quando abandona definitivamente a sala de aula. Desta forma, o objetivo deste artigo
é analisar este material em diálogo com outros elementos importantes na composição da disciplina
matemática da década de 60 e 70 o que nos permite ampliar a interpretação hoje aceita sobre como o
ensino de Geometria foi apropriado no ensino brasileiro, analisando, em particular, a prática
pedagógica, quanto à Geometria, de um professor que vivenciou de perto a implantação e divulgação
das novas propostas defendidas pelo MMM.
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TRABALHO COMPLETO
Introdução
Durante a década de 60, o ensino de Matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de
ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova
abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação
básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada
pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da
Matemática Moderna (MMM).
No ano de 1934, um grupo de matemáticos franceses, intitulado Nicolas Bourbaki, dá início a uma
proposta de escrever uma nova obra sobre Análise Matemática. Esta proposta inicialmente modesta,
com o passar do tempo ganha dimensão monumental, e tem como objetivo organizar a Matemática
como um todo. A visão de Matemática expressa pelos Bourbaki, considera a Matemática como um
edifício dotado de uma profunda unidade, sustentada pela teoria dos conjuntos e hierarquizada em
termos de estruturas abstratas, entre elas, algébricas e topológicas. (Pour la Science, 2000, p. 32). Este
grupo exerce influencia significativa no MMM internacionalmente, e, em particular, no Brasil. Jean
Dieudonné, André Weil, Jean Delsarte e Alexandre Grothendieck, matemáticos pertencentes à
liderança do grupo Bourbaki, vieram para São Paulo, a partir da década de 40, contratados pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Aqui influenciaram e
orientaram os responsáveis pelas cátedras como também alguns jovens assistentes (D’Ambrosio,
2000). Dentre eles, destacam-se Osvaldo Sangiorgi1, Jacy Monteiro, Omar Catunda2, Benedito
Castrucci3, que na década de 60 iniciaram e divulgaram o MMM no Brasil.
1
Osvaldo Sangiorgi foi professor titular de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP). Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da USP. Lecionou em Kansas University (EUA) e no Institut Eupen da
Bélgica, entre outras instituições internacionais. Também é membro da Academia Internacional de
Ciências, com sede na República San Marino. Até 1959, foi professor de Geometria Analítica da
Faculdade de Filosofia da Universidade Mackenzie.
2
Omar Catunda (1906-1986), merece destaque sua contribuição para a formação de diversas
gerações de matemáticos e físicos; como também sua atuação pedagógica relativa ao ensino básico,
tornando-se um dos precursores da educação matemática brasileira (Dias, 2001, p.40).
3
Benedito Castrucci (1909-1995). Matemático, professor de Matemática e autor de diversos livros
didáticos. Doutor em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP,
fundou a Sociedade Brasileira de Matemática (Valente, et all, 2004).
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colégio, documento que já havia sido aprovado em outros dois fóruns de discussão no mesmo ano.
(Soares 2001, p.75-76).
Considerações teórico-metodológicas
No artigo “Abaixo Euclides e acima quem? Uma análise do ensino de geometria nas teses e
dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil”, concluímos que os trabalhos, até
então desenvolvidos acerca do MMM no Brasil, apresentam e analisam discursos de líderes do MMM
no Brasil, como por exemplo, do professor Osvaldo Sangiorgi. Contudo, percebemos a necessidade de
estudos que venham enfocar pontos de vista distintos daqueles já investigados, que se aproximem mais
do ambiente escolar, que possibilitem identificar como o ideário do MMM, em particular aquele
relativo à Geometria, foi apropriado pelos professores em suas práticas pedagógicas. (Duarte e Silva,
2005).
No presente artigo trazemos uma análise inicial acerca da apropriação das idéias do MMM à prática
pedagógica de um professor de Matemática com o perfil descrito anteriormente. Empregamos o
conceito de apropriação, defendido por Roger Chartier: “A apropriação, a nosso ver, visa uma história
social dos usos e das interpretações, referidas as suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem” (1991, p.177). Nosso objetivo é trazer novos elementos para
análise e discussão sobre o ensino de Geometria que se aproximem da cultura escolar, no sentido
definido por Julia, como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas” (2001, p.10).
4
Nomenclatura utilizada por Sylvio em entrevista.
5
Ensino ginasial corresponde hoje ao Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries, alunos de 11 a 14 anos.
6
Colégio particular da cidade de São Paulo. Burigo (1989) cita dois colégios em São Paulo, onde
eram desenvolvidas experiências orientadas pela proposta da matemática moderna, o Colégio Santa
Cruz e o Ginásio Vocacional do Brooklin.
7
Ensino Colegial corresponde hoje ao Ensino Médio, alunos de 15 a 17 anos.
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Isto posto, fica justificado a escolha pelas fontes de pesquisa, ou seja, vestígios deixados por
cotidianos escolares passados, entre eles documentos que compõe o arquivo pessoal de um professor,
tais como livros didáticos, anotações de aula, provas, entre outros.
1. Preocupação didática
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Uma característica identificada na obra de Sylvio é uma preocupação didática com a apresentação e o
desenvolvimento dos conteúdos. Observamos que, em muitas situações, o autor convida o aluno a
deduzir as propriedades em questão ao invés de simplesmente apresentá-las.
Como exemplo, citamos a discussão de como proceder para reconhecer quais são os pontos do plano,
que são interiores ou exteriores a uma curva fechada simples. Sangiorgi, no volume 3 (7ª série do
Ensino Fundamental), apresenta diretamente a regra prática para resolver a questão: “basta traçar,
pelos pontos, qualquer semi-reta que intercepte a curva e contar o número de pontos da intersecção: se
for par, o ponto é exterior; se for ímpar, o ponto é interior” (1968, p.125).
Nepomuceno, no livro da 5ª série, apresenta o mesmo assunto, com o título: um fato muito curioso.
Ele inicia com um exemplo de uma curva fechada simples, traça o segmento AB unindo um ponto
interior (B) a um exterior (A) e pede aos alunos que observem o número de “cruzamentos”. Depois
comenta: “Observe que A é ponto exterior e quando a outra extremidade do segmento de reta é ponto
interior, o número de intersecções é ímpar, enquanto que se a outra extremidade do segmento de reta é
ponto exterior, o número de intersecções é par. Podemos adiantar que esse fato ocorre sempre e pode
ser útil” (1982, p.183).
Este exemplo traduz, em parte, uma das interpretações de Sylvio acerca do MMM, quando relata que
para ele o MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender. Esta
visão, considerada positiva do ponto de vista didático, é pouco discutida nas pesquisas anteriores sobre
o tema. Certamente, o fato de Sylvio não abandonar a sala de aula reforça a preocupação didática
evidenciada em seus livros. Apesar de tanto Nepomuceno como Sangiorgi terem uma trajetória
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comum, no que diz respeito às discussões realizadas pelo GEEM sobre o MMM, a forma de
apropriação, de cada um, em seus livros didáticos, é distinta.
Considerações Finais
A análise inicial do material que compõe o Arquivo Pessoal de Sylvio Nepomuceno revela que o
ensino de Geometria, durante o MMM, assumiu diferentes interpretações. Miorim (2004) conclui em
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seu estudo sobre livros didáticos no período da implementação da MMM, que apesar de existir uma
certa concordância de se substituir a abordagem tradicional da Geometria euclidiana por outra mais
moderna, não existia consenso sobre qual deveria ser a nova abordagem. Neste artigo trazemos a
contribuição de um livro didático produzido por um professor que se diferencia, em certos aspectos,
do livro tido como referência, no estado de São Paulo, durante o MMM. Entre esses aspectos,
destacamos, uma valorização do ensino da Geometria, que é apresentada em todas as séries da
coleção, com propostas diferenciadas, contrariando o consenso de que uma das razões do abandono do
ensino de Geometria seja o MMM.
Outro dado também revelador trazido nesta análise inicial é a preocupação didática presente nos livros
e na entrevista de Sylvio como uma das aprendizagens que ele obteve pelo contato com as idéias do
GEEM e do MMM. Nepomuceno destaca em seu relato e em seu livro os aspectos, por ele
considerados, como positivos do MMM.
As conclusões aqui apresentadas são iniciais e necessitam serem ampliadas, buscando incorporar e
confrontar outras fontes de pesquisa sobre o ensino de Geometria durante o MMM.
Bibliografia
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D'AMBROSIO, B. S. The Dynamics and consequences of the modern mathematics reform movement
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SANGIORGI, O. Matemática - curso moderno para os ginásios. Companhia Editora Nacional, 1968.
3o volume.
SILVA, Clovis Pereira da. A matemática no Brasil: história de seu desenvolvimento. 3ª ed., São
Paulo: Edgar Blücher, 2003.