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O ENSINO DE GEOMETRIA DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA


(MMM) NO BRASIL: ANÁLISE DO ARQUIVO PESSOAL DE SYLVIO NEPOMUCENO.

Maria Célia Leme da Silva


Maria Cristina Araújo de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RESUMO

Durante a década de 60, o ensino de matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de
ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova
abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação
básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada
pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da
Matemática Moderna (MMM).O Estado de São Paulo é considerado pioneiro no MMM, devido à
criação do GEEM - Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, em 1961, na cidade de São Paulo,
liderado pelo professor Oswaldo Sangiorgi. O principal objetivo do GEEM era coordenar e divulgar a
introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária. Em 1963, o professor da rede estadual de
ensino da época, Sylvio Nepomuceno participa dos cursos oferecidos pelo GEEM e ao final é
convidado a ministrar o curso de Práticas Didáticas, passando a integrar, desta forma, o grupo. Por
muitos anos, ministrou cursos de Geometria, Lógica, oferecidos pelo GEEM na cidade de São Paulo e
no interior do estado, acompanhando a trajetória do grupo até sua extinção. Uma característica
importante e peculiar de Sylvio é que apesar de trabalhar junto ao GEEM na formação de professores
por meio dos cursos que apresentavam as propostas defendidas pelo MMM, este professor, ao
contrário de muitos dos formadores do GEEM, nunca abandonou a sala de aula do ensino ginasial.
Podemos dizer que ele teve uma dupla participação: como formador de professores em exercício,
divulgando as novas idéias trazidas pelo MMM e como professor do ensino ginasial realizando a
apropriação das idéias do MMM na sua prática docente. Em 1967, Sylvio ingressa como professor do
Colégio Santa Cruz, ministrando a disciplina matemática para a 4o série ginasial. Quando questionado
sobre quais as mudanças em sua prática docente após conhecimento e apropriação das propostas
defendidas pelo MMM, Sylvio diz que um exemplo de mudança era quanto à Geometria, que antes era
muito axiomática, ele começava na 7o série, com ponto, reta, plano, axiomas e teorema, e, depois do
MMM, ele percebeu que os alunos não entendiam a axiomatização desenvolvida na Geometria e que o
MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender, o MMM era
uma nova maneira de ensinar, não novos assuntos. Ele ainda ressalta que o GEEM ministrava cursos
sobre conteúdos matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, depois,
era papel do professor fazer a triagem. A afirmação deste professor coloca em debate o papel que
assumiu o ensino de Geometria durante o MMM, pois pesquisas anteriores afirmam que o MMM foi
um dos responsáveis pelo abandono do ensino de Geometria na educação brasileira, devido ao fato de
muitos professores não se encontrarem preparados para desenvolver as propostas sugeridas para o
ensino de Geometria. Vale ressaltar que tais pesquisas não tinham como objetivo investigar a cultura
escolar, de modo a estabelecer relações entre normas e práticas pedagógicas. O arquivo de Sylvio
contém anotações detalhadas de suas aulas desde seu ingresso no Colégio Santa Cruz, em 1967, até
cinco anos atrás, quando abandona definitivamente a sala de aula. Desta forma, o objetivo deste artigo
é analisar este material em diálogo com outros elementos importantes na composição da disciplina
matemática da década de 60 e 70 o que nos permite ampliar a interpretação hoje aceita sobre como o
ensino de Geometria foi apropriado no ensino brasileiro, analisando, em particular, a prática
pedagógica, quanto à Geometria, de um professor que vivenciou de perto a implantação e divulgação
das novas propostas defendidas pelo MMM.
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TRABALHO COMPLETO

Introdução
Durante a década de 60, o ensino de Matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de
ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova
abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação
básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada
pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da
Matemática Moderna (MMM).
No ano de 1934, um grupo de matemáticos franceses, intitulado Nicolas Bourbaki, dá início a uma
proposta de escrever uma nova obra sobre Análise Matemática. Esta proposta inicialmente modesta,
com o passar do tempo ganha dimensão monumental, e tem como objetivo organizar a Matemática
como um todo. A visão de Matemática expressa pelos Bourbaki, considera a Matemática como um
edifício dotado de uma profunda unidade, sustentada pela teoria dos conjuntos e hierarquizada em
termos de estruturas abstratas, entre elas, algébricas e topológicas. (Pour la Science, 2000, p. 32). Este
grupo exerce influencia significativa no MMM internacionalmente, e, em particular, no Brasil. Jean
Dieudonné, André Weil, Jean Delsarte e Alexandre Grothendieck, matemáticos pertencentes à
liderança do grupo Bourbaki, vieram para São Paulo, a partir da década de 40, contratados pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Aqui influenciaram e
orientaram os responsáveis pelas cátedras como também alguns jovens assistentes (D’Ambrosio,
2000). Dentre eles, destacam-se Osvaldo Sangiorgi1, Jacy Monteiro, Omar Catunda2, Benedito
Castrucci3, que na década de 60 iniciaram e divulgaram o MMM no Brasil.

MMM no Estado de São Paulo


No Brasil, o Estado de São Paulo é considerado pioneiro no MMM, devido à criação do GEEM –
Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, em 1961, na cidade de São Paulo, liderado por Osvaldo
Sangiorgi. O principal objetivo do GEEM foi coordenar e divulgar a introdução da Matemática
Moderna na Escola Secundária. As atividades desenvolvidas pelo grupo foram diversificadas, sendo o
foco principal a realização de cursos para professores de Matemática, primeiramente na cidade de São
Paulo e no interior do estado, chegando, mais tarde, aos outros estados brasileiros. O GEEM atuou
também na tradução, publicação e divulgação de livros que discutissem assuntos relacionados ao
MMM. Outro aspecto importante de ressaltar em relação aos professores que compunham o GEEM,
era que alguns desses professores eram autores de livros didáticos, como foi o caso de seu líder,
Osvaldo Sangiorgi.
Entre 1955 e 1966, foram realizados cinco Congressos Nacionais de Ensino da Matemática. No IV
Congresso Nacional, realizado em Belém, no ano de 1962, tratou-se de forma mais objetiva a questão
da introdução da Matemática Moderna no ensino secundário. O GEEM teve presença marcante
apresentando aulas-demonstração sobre o tratamento moderno de tópicos da Matemática e palestras
sobre a introdução da Matemática Moderna na escola secundária. O GEEM também apresentou sua
sugestão de Assuntos Mínimos para um Moderno Programa de Matemática para o ginasial e para o

1
Osvaldo Sangiorgi foi professor titular de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP). Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da USP. Lecionou em Kansas University (EUA) e no Institut Eupen da
Bélgica, entre outras instituições internacionais. Também é membro da Academia Internacional de
Ciências, com sede na República San Marino. Até 1959, foi professor de Geometria Analítica da
Faculdade de Filosofia da Universidade Mackenzie.
2
Omar Catunda (1906-1986), merece destaque sua contribuição para a formação de diversas
gerações de matemáticos e físicos; como também sua atuação pedagógica relativa ao ensino básico,
tornando-se um dos precursores da educação matemática brasileira (Dias, 2001, p.40).
3
Benedito Castrucci (1909-1995). Matemático, professor de Matemática e autor de diversos livros
didáticos. Doutor em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP,
fundou a Sociedade Brasileira de Matemática (Valente, et all, 2004).
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colégio, documento que já havia sido aprovado em outros dois fóruns de discussão no mesmo ano.
(Soares 2001, p.75-76).

Sylvio de Lima Nepomuceno


Sylvio Nepomuceno nasceu em São Miguel, interior do Estado de São Paulo. Fez o curso normal e o
colégio. No ano de 1957, prestou concurso estadual para professor de Matemática e inicia sua carreira
docente no interior de São Paulo. No ano de 1961, por meio de uma convocação da Secretaria
Estadual da Educação do Estado de São Paulo, ele faz um curso na cidade de Itapetininga, ministrado
pelos professores Omar Catunda, Jacy Monteiro, Osvaldo Sangiorgi entre outros.
No ano de 1963, Sylvio Nepomuceno muda-se para a cidade de São Paulo e passa a freqüentar o
GEEM, no Colégio Mackenzie. Ele cursa os três estágios4 oferecidos pelo GEEM e ao final é
convidado a ministrar o curso de Práticas Didáticas, passando a integrar, desta forma, o grupo. Por
muitos anos, ministrou cursos de Geometria, Lógica, oferecidos pelo GEEM na cidade de São Paulo e
no interior do estado, acompanhando a trajetória do grupo até o encerramento de suas atividades em
1976.
Uma característica importante e peculiar de Sylvio é que apesar de trabalhar junto ao GEEM na
formação de professores por meio dos cursos que apresentavam as propostas defendidas pelo MMM,
este professor, ao contrário de muitos dos formadores do GEEM, nunca abandonou a sala de aula do
ensino ginasial5. Podemos dizer que ele teve uma dupla participação: como formador de professores
em exercício, divulgando as novas idéias trazidas pelo MMM e como professor do ensino ginasial
realizando a apropriação das idéias do MMM na sua prática docente.
Sylvio atua como professor do Colégio Santa Cruz6, ministrando a disciplina Matemática para a 4ª
série ginasial (atualmente 8ª série do Ensino Fundamental) no período de 1967 até 2000. Ao longo
desses anos, teve também cargos administrativos de direção e vice-direção no Colégio. Paralelamente
ele continua atuando na rede pública de ensino até sua aposentadoria em 1991. Na sua trajetória
profissional, Sylvio lecionou em todas as séries dos ensinos ginasial e colegial7.

Considerações teórico-metodológicas
No artigo “Abaixo Euclides e acima quem? Uma análise do ensino de geometria nas teses e
dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil”, concluímos que os trabalhos, até
então desenvolvidos acerca do MMM no Brasil, apresentam e analisam discursos de líderes do MMM
no Brasil, como por exemplo, do professor Osvaldo Sangiorgi. Contudo, percebemos a necessidade de
estudos que venham enfocar pontos de vista distintos daqueles já investigados, que se aproximem mais
do ambiente escolar, que possibilitem identificar como o ideário do MMM, em particular aquele
relativo à Geometria, foi apropriado pelos professores em suas práticas pedagógicas. (Duarte e Silva,
2005).
No presente artigo trazemos uma análise inicial acerca da apropriação das idéias do MMM à prática
pedagógica de um professor de Matemática com o perfil descrito anteriormente. Empregamos o
conceito de apropriação, defendido por Roger Chartier: “A apropriação, a nosso ver, visa uma história
social dos usos e das interpretações, referidas as suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem” (1991, p.177). Nosso objetivo é trazer novos elementos para
análise e discussão sobre o ensino de Geometria que se aproximem da cultura escolar, no sentido
definido por Julia, como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas” (2001, p.10).

4
Nomenclatura utilizada por Sylvio em entrevista.
5
Ensino ginasial corresponde hoje ao Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries, alunos de 11 a 14 anos.
6
Colégio particular da cidade de São Paulo. Burigo (1989) cita dois colégios em São Paulo, onde
eram desenvolvidas experiências orientadas pela proposta da matemática moderna, o Colégio Santa
Cruz e o Ginásio Vocacional do Brooklin.
7
Ensino Colegial corresponde hoje ao Ensino Médio, alunos de 15 a 17 anos.
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Isto posto, fica justificado a escolha pelas fontes de pesquisa, ou seja, vestígios deixados por
cotidianos escolares passados, entre eles documentos que compõe o arquivo pessoal de um professor,
tais como livros didáticos, anotações de aula, provas, entre outros.

Arquivo Pessoal Sylvio Nepomuceno


O arquivo pessoal do professor Sylvio contém uma coleção de livro didático, escrita por ele. Neste
artigo discutiremos os livros de 5ª a 8ª séries, destinados a alunos de 11 a 14 anos. A data da edição
dos livros é 1982. Sylvio nos contou em entrevista como foi o processo de elaboração da coleção:
“A coleção começou a ser pensada em 1972. Eu fazia esta coleção em fins de semana, foram
oito livros, e comecei pelo primário, e foi sendo feita na seqüência. A idéia era fazer uma
coleção integrada para o primário, assim, participaram da coleção um professor de
português, de geografia, de história e de ciências. De 5ª a 8ª série, escrevi sozinho ... O livro
representou pra mim também uma espécie de reação contra os exageros da MMM”
(depoimento oral)
Sylvio ainda nos relatou que tais livros foram publicados por três anos e que neste período a coleção
foi adotada no Colégio Santa Cruz. A escolha deste material para análise se deve ao fato de que a
coleção escrita por Sylvio é fruto de uma prática pedagógica, já que a seqüência dos assuntos, as
atividades propostas, a linguagem empregada nesses livros haviam sido experimentadas por ele em
suas aulas.
Chervel (1990) considera as transformações realizadas sobre os conteúdos de ensino pelo público
escolar como uma constante importante na história da educação. Segundo ele, tais transformações
encontram-se na origem da constituição das disciplinas, nesse esforço coletivo realizado pelos mestres
para deixar no ponto métodos que “funcionem”, pois a criação, assim como a transformações das
disciplinas, tem um só fim: tornar possível o ensino (p. 199-200). Desta forma, nos parece muito
oportuno investigar documentos produzidos por professores, assim como seus relatos sobre a produção
de materiais didáticos e de como tais materiais eram utilizados em suas práticas pedagógicas.

O ensino de Geometria durante o MMM


No nosso primeiro encontro, em fevereiro de 2005, quando perguntamos ao Sylvio quais as mudanças
em sua prática docente após conhecimento e apropriação das propostas defendidas pelo MMM, Sylvio
diz que um exemplo de mudança era quanto à Geometria, que antes era muito axiomática, ele
começava na 7ª série, com ponto, reta, plano, axiomas e teorema, e, depois do MMM, ele percebeu
que os alunos não entendiam a axiomatização desenvolvida na Geometria e que o MMM pregava que
só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender, o MMM era uma nova maneira de
ensinar, não novos assuntos. Ele ainda ressalta que o GEEM ministrava cursos sobre conteúdos
matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, depois, era papel do
professor fazer a triagem.
A afirmação de Sylvio coloca em debate o papel que assumiu o ensino de Geometria durante o MMM,
pois pesquisas anteriores afirmam que o MMM foi um dos responsáveis pelo abandono do ensino de
Geometria na educação brasileira, devido ao fato de muitos professores não se encontrarem preparados
para desenvolver as propostas sugeridas para o ensino de Geometria (Pavanello, 1993). Vale ressaltar
que tais pesquisas não tinham como objetivo investigar a cultura escolar, de modo a estabelecer
relações entre normas e práticas pedagógicas.

Os livros didáticos de 5ª a 8ª séries de Sylvio Nepomuceno


Realizamos uma análise inicial, sobre o ensino de Geometria, comparando as coleções de livros
didáticos de Sylvio Nepomuceno e de Osvaldo Sangiorgi. Trazemos a obra de Sangiorgi como
referência de análise por ser a primeira coleção de livros didáticos brasileiros a incorporar as novas
propostas defendidas pelo MMM, além de ter sido uma das mais vendidas no Brasil durante a década
de 60. Além disso, Sylvio foi aluno de Osvaldo Sangiorgi e trabalhou com ele nos cursos do GEEM.
Criamos, para discutir neste artigo, três categorias de análise entre as duas coleções.

1. Preocupação didática
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Uma característica identificada na obra de Sylvio é uma preocupação didática com a apresentação e o
desenvolvimento dos conteúdos. Observamos que, em muitas situações, o autor convida o aluno a
deduzir as propriedades em questão ao invés de simplesmente apresentá-las.
Como exemplo, citamos a discussão de como proceder para reconhecer quais são os pontos do plano,
que são interiores ou exteriores a uma curva fechada simples. Sangiorgi, no volume 3 (7ª série do
Ensino Fundamental), apresenta diretamente a regra prática para resolver a questão: “basta traçar,
pelos pontos, qualquer semi-reta que intercepte a curva e contar o número de pontos da intersecção: se
for par, o ponto é exterior; se for ímpar, o ponto é interior” (1968, p.125).

Nepomuceno, no livro da 5ª série, apresenta o mesmo assunto, com o título: um fato muito curioso.
Ele inicia com um exemplo de uma curva fechada simples, traça o segmento AB unindo um ponto
interior (B) a um exterior (A) e pede aos alunos que observem o número de “cruzamentos”. Depois
comenta: “Observe que A é ponto exterior e quando a outra extremidade do segmento de reta é ponto
interior, o número de intersecções é ímpar, enquanto que se a outra extremidade do segmento de reta é
ponto exterior, o número de intersecções é par. Podemos adiantar que esse fato ocorre sempre e pode
ser útil” (1982, p.183).

Este exemplo traduz, em parte, uma das interpretações de Sylvio acerca do MMM, quando relata que
para ele o MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender. Esta
visão, considerada positiva do ponto de vista didático, é pouco discutida nas pesquisas anteriores sobre
o tema. Certamente, o fato de Sylvio não abandonar a sala de aula reforça a preocupação didática
evidenciada em seus livros. Apesar de tanto Nepomuceno como Sangiorgi terem uma trajetória
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comum, no que diz respeito às discussões realizadas pelo GEEM sobre o MMM, a forma de
apropriação, de cada um, em seus livros didáticos, é distinta.

2. O início da geometria dedutiva


Aqui é possível entender melhor a fala de Sylvio quando diz que o MMM era uma nova maneira de
ensinar, não novos assuntos e que o GEEM ministrava cursos sobre conteúdos matemáticos, de
matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, ressaltando que era papel do professor
fazer a triagem:
“Na verdade, eu sempre fui vidrado em Geometria, então eu sempre procurei adaptar os
conceitos que eu recebia lá no GEEM a Geometria que eu lecionava. Então, eu comecei a
perceber o seguinte: isto aqui foi o curso de lógica que me deu, que me deu uma maneira de
ver a Geometria, o que a gente faz com as demonstrações em geometria. De repente, eu
percebi o seguinte: eu tenho que ensinar o aluno, o que é uma dedução, quais são as
inferências e a lógica me deu as regras de inferência. Então, eu passei a trabalhar as
demonstrações, primeiro de uma maneira formativa, com silogismo, usando a teoria dos
conjuntos, que o aluno da 7ª série entendia perfeitamente” (depoimento oral)

A coleção do Nepomuceno trabalha com a Geometria em todas as séries, da 5ª a 8ª série,


diferentemente da coleção de Sangiorgi que inicia o estudo da Geometria a partir do volume 3 (7ª
série). Porém, a Geometria dedutiva, que propõe a apresentação dos axiomas e a demonstrações dos
teoremas, nas duas coleções, inicia-se na 7ª série. A diferença se verifica na abordagem que cada um
dos autores faz.
O livro da 7ª série de Nepomuceno é composto de 11 unidades, sendo que as unidades de 9 a 11
referem-se à Geometria. Nas primeiras unidades, os temas são: conjunto dos números reais, cálculo
algébrico, fatoração de polinômios, polinômio em uma variável x, frações algébricas racionais,
equações em uma variável, sistema de equações do 1º grau e problemas do 1º grau, inequações e
inequações compostas. A Geometria é iniciada na 9ª unidade com transformações geométricas e
congruências, na 10ª unidade o tema é casos de congruência de triângulos e linhas notáveis.
A Geometria dedutiva é tratada na 11ª unidade, com o título: Introdução ao raciocínio dedutivo –
Geometria. Na sete primeiras páginas desta unidade, ele apresenta, discute e propõe exercícios de
lógica, baseados nas sentenças do tipo “se p então q”. Nos exemplos e exercícios propostos trabalha-se
com conjuntos numéricos, expressões algébricas, diagramas e também com propriedades e objetos
geométricos. Ao iniciar o item raciocínio dedutivo, Nepomuceno apresenta como exemplo um
conjunto de três regras relacionando os números naturais (chamando-as de axiomas), juntamente com
quatro implicações (chamando-as de teoremas) com as respectivas justificativas (chamadas de
demonstrações). Em seguida, ele propõe como exercício mais dois exemplos muito parecidos: um com
números inteiros e outro com os números reais. Depois desta abordagem inicial, Nepomuceno
apresenta o enunciado e demonstração de um teorema em Geometria.
O livro de Sangiorgi inicia o estudo da Geometria no volume 3, correspondente a 7ª série. O volume 3
é composto por 4 capítulos e 1 apêndice, sendo que o tema do primeiro é números reais e estrutura de
corpo e do segundo, cálculo algébrico e estudo dos polinômios. Os capítulos 3 e 4 abordam conceitos
geométricos, sendo que o tema do terceiro é estudo das figuras geométricas e do quarto, estudo dos
polígonos e da circunferência. A Geometria dedutiva encontra-se na 2ª parte do capítulo 4. Sangiorgi
subdivide esta parte em itens, o primeiro deles trata da insuficiência das medidas e das observações
para “provar” que uma afirmação é verdadeira, o segundo, da necessidade de um processo dedutivo.
Neste segundo item, ele apresenta, em uma página, um teste de atenção, com dois modelos de
sentenças. Um desses modelos é: “Todo paulista é brasileiro. João é paulista. Logo... (João é
brasileiro), em seguida acrescenta uma nota: Se todo paulista é brasileiro, João, sendo paulista, está
incluído no todo... e quem pode “o mais” pode “o menos”! ” (p.233) . Logo a seguir propõe mais
algumas sentenças semelhantes. Na página seguinte, discute o que é postulado, teorema e enuncia 10
postulados para então trabalhar com os primeiros teoremas.
Ao observar as duas formas de apresentar o início da Geometria dedutiva, podemos dizer que ambos
usam princípios da lógica como introdução ao estudo das demonstrações geométricas. Porém, mais
uma vez, identificamos, enfoques distintos na incorporação da lógica à Geometria. Nepomuceno faz
uma ampla discussão sobre as sentenças do ponto de vista da lógica, traz exemplos e exercícios
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diversificados e ainda, no início, apresenta axiomas e teoremas em situações diferentes da Geometria.


Pela forma e extensão em que é tratada a lógica, podemos dizer que ela ganha um papel importante
para o estudo da Geometria dedutiva. Segundo Sylvio esta incorporação é fruto de sua formação nos
cursos do GEEM, no qual constava a disciplina de Lógica.
Um dado importante a acrescentar, nesta análise, é um documento do APOS – Arquivo Pessoal de
Osvaldo Sangiorgi, que contém a grade de um curso de férias de verão, oferecido pelo GEEM, no ano
de 1965, em convênio com o Ministério de Educação e Cultura (Diretoria do Ensino Secundário) e
Secretaria de Educação de São Paulo (Serviço de Expansão Cultural). Neste documento, é possível
identificar as disciplinas oferecidas no referido curso com os respectivos regentes. As disciplinas são:
Teoria dos Conjuntos, Lógica Matemática, Cálculo Infinitesimal, Álgebra Moderna 1, Vetores e
Geometria Analítica, Probabilidades, Topologia, Álgebra Moderna 2, Programação Linear, Seminários
de Ensino, Sessões de Estudo – Curso Normal e Práticas Modernas.
Observamos que no elenco das disciplinas, não consta nenhuma específica de Geometria, porém, no
mesmo documento, são detalhados uma relação de tópicos discutidos na disciplina de Práticas
Moderna, entre eles consta a Geometria. Sylvio Nepomuceno, também relata, que não se lembra de
disciplina de Geometria nos 3 estágios que cursou no GEEM, ele recorda que os conceitos
geométricos eram tratados nas Práticas Modernas.
Neste contexto, nos parece clara, a apropriação realizada pelo professor Sylvio dos conhecimentos que
tomou contato no GEEM às suas aulas. Ele reconhece que sua formação foi muito influenciada pelos
professores que integravam o GEEM, pelos cursos que lá realizou tanto como aluno, como também
mais tarde como formador. Ele relata também as várias palestras oferecidas pelo GEEM como de
grande importância na sua formação, principalmente quanto ao conteúdo matemático. A proposta de
realizar um estudo sobre as inferências da lógica foi uma tentativa de ajudar os alunos na compreensão
das demonstrações geométricas.
Outro ponto importante de salientar em nossa análise é o papel que assume a formação, seja inicial ou
continuada, de um professor, em suas práticas pedagógicas. Cursos de formação contribuem para a
mudança das práticas docentes, porém não de forma imediata ou como simples transferência, mas sim
por um processo de apropriação, particular do sujeito e do contexto no qual ela se dá. Neste sentido,
acreditamos que estudos que investiguem o processo de formação de professores, juntamente com
práticas pedagógicas, em tempos passados são relevantes para compreender a história de uma
disciplina escolar.

3. Incorporação da Geometria das Transformações


Como já mencionamos acima, o estudo da Geometria das Transformações, é realizado no apêndice do
volume 3 do livro de Sangiorgi. O fato de o conteúdo ficar no apêndice é um indicativo de que o autor
não parece ter se sentido a vontade para incorporar as discussões mais teóricas acerca das
transformações geométricas no corpo do texto (Miorim, 2004).
Já o livro de Nepomuceno realiza o estudo das transformações geométricas no interior do estudo da
Geometria. Nepomuceno inicia na 6ª série, com as translações e na 7ª série, na 9ª unidade, apresenta os
temas: transformações isométricas, simetria axial e simetria central. Entretanto, além do local que
ocupa o estudo das transformações ser distinto, o enfoque também é diferenciado. Sangiorgi propõe o
estudo das transformações geométricas do ponto de vista das estruturas algébricas, ele apresenta o
grupo das translações, grupo das rotações e por último, simetria axial e simetria central. Nepomuceno
não faz menção às estruturas algébricas, ele ressalta as propriedades nas isometrias, incorpora as
construções geométricas à este estudo e apresenta os casos de congruência de triângulos como
transformações isométricas de um triângulo.
Mais uma vez, trazemos exemplos de abordagens do ensino de Geometria, durante o período do
MMM, que se diferencia de umas das obras consideradas como referência no período. Nosso objetivo,
ao trazer enfoques diferenciados, não é de defender que tais enfoques tenham sido largamente
utilizados nas práticas de ensino de Geometria, mas de exemplificar a variedade de interpretações
acerca do MMM.

Considerações Finais
A análise inicial do material que compõe o Arquivo Pessoal de Sylvio Nepomuceno revela que o
ensino de Geometria, durante o MMM, assumiu diferentes interpretações. Miorim (2004) conclui em
4159

seu estudo sobre livros didáticos no período da implementação da MMM, que apesar de existir uma
certa concordância de se substituir a abordagem tradicional da Geometria euclidiana por outra mais
moderna, não existia consenso sobre qual deveria ser a nova abordagem. Neste artigo trazemos a
contribuição de um livro didático produzido por um professor que se diferencia, em certos aspectos,
do livro tido como referência, no estado de São Paulo, durante o MMM. Entre esses aspectos,
destacamos, uma valorização do ensino da Geometria, que é apresentada em todas as séries da
coleção, com propostas diferenciadas, contrariando o consenso de que uma das razões do abandono do
ensino de Geometria seja o MMM.
Outro dado também revelador trazido nesta análise inicial é a preocupação didática presente nos livros
e na entrevista de Sylvio como uma das aprendizagens que ele obteve pelo contato com as idéias do
GEEM e do MMM. Nepomuceno destaca em seu relato e em seu livro os aspectos, por ele
considerados, como positivos do MMM.
As conclusões aqui apresentadas são iniciais e necessitam serem ampliadas, buscando incorporar e
confrontar outras fontes de pesquisa sobre o ensino de Geometria durante o MMM.

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__________________ Entrevista concedida à Maria Célia Leme da Silva. São Paulo, janeiro de 2006.
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