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Para demonstrar a voluntária imprecisão do art. 72º, basta comparar o seu nº 1 com o
correspondente artº 85º do Projecto de Eduardo Correia de 1963. Lia-se no Projecto:
Uma versão abreviada deste estudo foi lida, perante o Professor aqui homenageado, na Faculdade de Direito de Lisboa, em
12 de Abril de 1985, no âmbito das Jornadas c Dez Anos de Evolução do Direito em Portuga!1974-1984..
2
«A fixação da pena, dentro dos limites definidos na lei far-se-á em função da culpa do
agente, tendo ainda em conta - as exigências da prevenção de novos crimes».
1
Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal. Parte Geral, Lisboa, 1966, p. 123.
2
Cf.BMJ., nº 158, p.7. O texto do art.83º da revisão encontra-se no nº 157, p. 53.
3
para o efeito de a pena exceder a medida da culpa - embora dentro da medida lega1- ou para o
efeito de ficar aquém da medida da culpa, ou para ambos. Continuam por discriminar, em
todas as versões, os fins preventivos de que se trata: se da prevenção de crimes de qualquer
pessoa - prevenção geral -, ou se de crimes futuros do próprio agente - prevenção especial -, e,
a atenderem-se ambas, em que proporção.
seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador que remeter-
se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele «Spielraum», dentro do qual podem ser
decisivas considerações derivadas da pura prevenção3.
3
Actas, p. 123.A teoria do quadro (Rahmen) ou «espaço de manobra (Spielraum) defendida na monografia de Spendel, Zur
Lehre vom Strafmass,1954 e na 1ª edição (1954) do Tratado de Maurach (p. 681) e já sugerida por Berner. e por Von Hippel,
expande-se em 1954 quando é adoptada por uma decisão unânime da Grosse Straf[rechtskommission (preparada pelo parecer
de Bockelmann: Materialien, I, p. 41 e impulsionada por Lange e pelo ministro Neumayer. Niederschriften, I, p. 47, 48, 111,
342) e logo a seguir pelo Tribunal Federal Alemão (BGH, 7 28).
4
Das Schuldprinzip, 1961, p.66.
5
provavelmente pensará da culpa de certo facto, mas aquilo que o juiz deve pensar da culpa
desse facto. Os critérios da medida da culpa na análise do crime não podem ser substituídos
por outros critérios de medida da culpa pelo facto na determinação da pena sem ofensa da
conexão entre o crime e a pena que não é só de presumir em qualquer interpretação razoável
das leis penais, mas que é também um aspecto do princípio constitucional da legalidade das
penas 6. Também o fundamento constitucional do princípio da culpa na dignidade do homem 7
seria posto em causa: a admitir-se tal fundamento, respeita-se Com o juízo de culpa o
criminoso como pessoa livre e não a generalidade das pessoas como capazes de juízos sobre a
culpa. Este princípio não implica que existe uma culpa - ou liberdade - em qualquer sentido
metafísico ou absoluto, mas implica que se trate o criminoso como livre.
Haverá uma terceira via não gnoseológica nem preventiva para fundar a teoria do
quadro de medida da culpa ? Creio que nada impede considerar que a culpa existe realmente
na cabeça do criminoso - não da sociedade - como base de uma valoração determinada do
direito - um certo desvalor -, a que correspondem várias penas possíveis dentro de uma certa
escala ou quadro. É claro que faz sentido dizer, como o BGH não mais deixou de dizer desde
1954, que o juiz «não deve impor uma pena que, pela altura ou pela espécie, é tão pesada que
por ele próprio já não é sentida como ajustada à culpa e que o juiz deve «escolher entre as
várias penas ajustadas à culpa» 8. Não há uma culpa de extensão variável mas só quantidades
ou gravidades determinadas de culpa. Só que a gravidade da culpa não varia em função de
uma escala contínua, como os dias de prisão, mas varia para mais ou para menos segundo
algumas, relativamente poucas, circunstâncias.
Haverá, sim, na determinação da medida certa da culpa pelo juiz, um certo risco, ou
salto no desconhecido, frequente em deliberações complexas, e de cuja responsabilidade se
não pode fugir.
6
Cf. o meu estudo «A Lei Penal na Constituição», em Estudos sobre a Constituição,II, 1978, p. 236.
7
Ibid., p. 199.
8
8 BGH, 7, 28. Cf. Bruns, Strafzumessungsrecht, 2ª. ed., 1974, p. 266 ss.
7
O Projecto de Eduardo Correia mencionava expressamente nos arts. 2.º, 85º e 86º, a
«culpa do agente pelo facto e pela sua personalidade». O nº 6 do artº. 86º mandava atender na
medida da pena à gravidade da falta de preparação para não violar os preceitos criminais,
manifestada no facto, que importa reprovar ou reparar pela aplicação da pena., assim
descrevendo a base de facto ou critério do desvalor da culpa na formação ou preparação da
personalidade. Poderia dizer-se que a circunstância do nº 5 do art.86º, a conduta anterior e
posterior ao facto, especialmente o esforço para reparar as consequências do crime, serviria
nomeadamente para julgar desta culpa. A mesma delimitava ainda negativamente a
inimputabilidade do art. 18º. A consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade, isto
é, a culpa por ambos, baseava a medida da pena do concurso de infracções (art. 91º § 1º). E a
pena indeterminada no caso de inclinação ou tendência para o crime (arts. 95º e 96º)
pressupunha que «da avaliação conjunta da personalidade do agente e dos seus factos
criminosos resulte que ele tem uma perigosa inclinação para o crime, que no momento da
condenação ainda não corrigiu», embora o artigo não esclarecesse se a avaliação relevante era
só de perigosidade, ou se visava também e afinal a culpa pela referida falta de correcção, dado
que, no caso da pena indeterminada prevista para o alcoólico habitual ou com tendência (art.
98º) 9, não era sequer mencionado aquele pressuposto. Já sem falar no que não estava no
articulado, mas que segundo o autor do Projecto importava para sua boa interpretação: assim,
só a ideia da culpa pela personalidade permitiria explicar completamente a punibilidade da
negligência inconsciente e do erro sobre a proibição10. Na parte especial, a culpa pela
9
E bem assim na prevista para crimes contra o património, vadiagem, mendicidade, actos contra a natureza, prostituição,
associação de malfeitores, recepção a que corresponda pena de prisão, resultando o crime de uma vida refractária ao trabalho
ou de uma vida desordenada e instável (art. 94º). Este artigo e a correspondente categoria de «delinquentes associais» (assim
como os crimes de vadiagem - art. 332º- e mendicidade- art. 293º) foram eliminados na Proposta de Lei nº 100/II de 1982.
10
Relatório do Projecto da Parte Geral nº 14 e Actas, Parte Geral, I, p. 55.
8
personalidade ou pelo carácter explicaria, pelo menos em parte, entre outras, as agravações
por baixeza de carácter no dano (art. 208º, n.° 4) e na propagação de doença contagiosa (art.
318º, nº 2), por profissão no furto (art. 197º, al. b), nº 5), na burla (art.213º, al.l))», na usura
(art. 220º, n.° 5, al. a)) e no lenocínio (art.266º, nº 2, al. e», por habitualidade ou profissão na
usura (art.222º) e na receptação (art. 230°, nº 4) 11.
Sabemos a história e a letra. Deve entender-se que a pena não se mede apenas em
função da culpa pelo facto mas também em função da culpa pela personalidade ?
actos e constrói com eles a sua personalidade, a culpa a julgar é culpa na decisão da vida ou
culpa na formação da personalidade. Mas não como coisa diferente, isto é, com outros
pressupostos, da culpa referida ao facto. Quando se pune em função da culpa. pelo facto ou
culpa de cada crime (Einzeltatschuld) pune-se em função da formação da personalidade que
corresponde ao acto criminoso. Neste primeiro sentido, toda a culpa é culpa na formação da
personalidade.
Outra coisa é medir a pena pelo defeito global da personalidade do delinquente, pelo
seu mau carácter, que é uma das causas do crime. Então pune-se aquela formação de
personalidade de que procedeu o crime, que lhe é anterior e que, enquanto é produto da
vontade do agente e não de outras causas, corresponde a outros factos da sua vida passada, os
quais podem não ser qualificados como criminosos, nem o serão normalmente, e cuja
existência e culpabilidade não são comprovadas em juízo. Lembre-se que, sem falar nas
disposições congénitas e na influência determinante do meio, os factos praticados até os
dezasseis anos não são puníveis por inimputabilidade. O próprio Eduardo Correia faz este
reparo, como vimos, pelo que não adopta esta segunda doutrina da culpa na formação da
personalidade como culpa do carácter 14. Só se pode falar aqui de culpa como ficção, para o
efeito de considerar punível a perigosidade. A exigência da prática de um crime não estaria na
lógica desta doutrina, mas seria uma limitação imposta pelo princípio da legalidade.
Degradado o crime a simples condição de punibilidade, que não fundamentaria nem mediria a
pena não pelo facto mas pela maneira de ser do agente, pela perigosidade deste no momento
da sentença - ou das sentenças, indiferentemente da fixação inicial e da execução das penas -,
dadas todas as circunstâncias anteriores e posteriores ao crime. Esta doutrina é incompatível
com a opção constitucional de consagrar um sistema de dupla via de reacção ao crime, com
penas baseadas na culpa e medidas de segurança baseadas na perigosidade. Também o já
mencionado princípio constitucional da conexão entre o crime e a pena seria posto em causa :
a pena deixaria de basear-se no crime na medida em que variasse em função de factos não
14
No sentido de que a censura implicada no juízo de culpa se dirige ao modo de ser do agente, ao seu carácter e
não à sua decisão de praticar o crime: é o sentido dado por Nowakowski, Wiener Kommentar zum
Strafgesetzbuch, Vorbem. zu §§ 3-5, Rz 39; cf. Bockelmann, Studien zum Tãterstrafrecht I, 1939, p. 132 ss.;
Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 1976, p. 100 ss. Diferente é uma concepção de culpa referida
ao facto como expressão do carácter ou da personalidade (concepção caracterológica da culpa), que tanto
Nowakowski, ibidem e Perspektillen, p. 135, como Engisch, Die Lehre von derWillensfreiheit in der
strafrechtphilosophischen Doktrin der Gegenwart, 1963, p. 50 (este último chamando-1he culpa do carácter e
opondo-a à culpa na formação da personalidade, na decisão da vida, etc.) defendem.
10
criminosos nem culposos e que não podem considerar-se como circunstâncias do crime. Por
outro lado, não há uma ligação entre o carácter e o facto criminoso que permita medir a pena
pelo carácter sem, por isso, pôr em questão os critérios da imputação da responsabilidade
penal e a própria. necessidade da pena. É que há muitos crimes, sobretudo negligentes, que
não revelam nenhum defeito de carácter, ou nenhum defeito que não seja. comum - descuidos
todos temos. E o mesmo traço de carácter, ou a mesma tendência, podem manifestar-se tanto
no crime como em operações honestas, segundo o ambiente e a circunstância: há impulsivos e
frios egoístas orientados para o bem15. O criminoso de ocasião, do ponto de vista do carácter e
da perigosidade, não justifica mais de que uma pena de lembrança., como propunha Von Liszt
16
em contraste com os critérios da lei.
15
Assim, Bockelmann, Materialien I, p. 335 (Strafrechtliche Untersuchungen, 1957, p. 11 ss.).
16
Der Zweckgedanke im Strafrecht (1883), Quellenbuch zur Geschilhte der deutschen Re,htswissenschaft, ed.
E.Wolf, 1949, p. 33 e ss.
17
Projecto, p.23.
11
apenas uma circunstância do facto que agrava a culpa do agente. Se adoptamos um conceito
de culpa pelo facto segundo o qual a culpa varia em função também dessa circunstância, ou se
distinguimos uma culpa pelo facto e uma culpa pela personalidade que juntas compõem a
culpa do agente relevante para a medida da pena, é uma questão de construção dogmática que
tratarei adiante, mas que não afecta o regime. A alternativa de regime jurídico é de saber se
toda a perigosidade revelada no crime se imputa ao agente como defeito da personalidade que
faz nessa medida variar a pena objectivamente, independentemente da capacidade do agente
para lhe resistir no momento do crime - como pretende Nowakowski18 -, ou se a perigosidade
é uma circunstância do facto abrangida pela culpa., em que a. maior gravidade do ilícito é
contrabalançada em concreto pela eventual menor exigibilidade da motivação conforme ao
direito. É claro que nesta última interpretação fica imprejudicada a relevância da perigosidade
como fundamento da variação da pena com fins de prevenção especial. Na primeira
alternativa., a perigosidade seria um factor de variação objectiva. da. pena de duas maneiras:
na medida da pena pela culpa e depois na determinação da pena em função da prevenção
especial. Na segunda alternativa a perigosidade só revelaria na medida da pena pela culpa
enquanto não fosse considerada na motivação exigível ao agente no momento do acto em face
dessa circunstância.
Só esta última alternativa. me parece defensável porque não exige nenhum desvio dos
princípios da culpa relativa ao facto. A relevância da perigosidade na primeira alternativa
contraria quer o restante regime legal da culpa, quer o restante regime legal da perigosidade.
Com efeito, não limita a culpa pela capacidade do agente de se determinar como lhe é
razoavelmente de exigir (art. 20º, nº 1, 35º, nº 1). Ora esta limitação existe relativamente a
todos os casos já referidos, em que a perigosidade se revela através de uma circunstância
como a profissão, a habitua1idade ou o modo de vida, que é elemento de um tipo de crime, e é
claramente implicada pela exigência de censurabilidade da falta de preparação para manter
uma conduta lícita, feita na al. f) do nº 2 do art. 72º. Fora destes casos em que a perigosidade é
absorvida pela culpa relativa ao facto os únicos em que a lei prevê expressamente um regime
diferente da perigosidade são os da relevância desta como fundamento e medida da prevenção
especial. Ora a agravação legal da pena relativamente indeterminada é feita num primeiro
momento independentemente dos objectivos da prevenção que podem exigir, pelo contrário,
18
Perspektiven, p.209.
12
Resta ponderar se a recusa de uma ficção de culpa para explicar a agravação da pena
do delinquente por tendência não obriga. a uma ficção de pena. É sabido que o fundador da
doutrina da culpa na condução da vida, Mezger, interpretava a correspondente disposição
legal alemã (o antigo § 20a, em vigor de 1933 a 1975, do Código alemão) como sendo apenas
«pena de culpa» na medida da culpa pelo facto e pela condução da vida. Ora esta última
reconduz-se aos actos culposos do agente imputável que causaram o defeito do seu carácter,
não abrange os factos de formação do carácter ou da personalidade incontroláveis pelo agente.
E a culpa pelo facto deveria considerar-se atenuada pela menor capacidade de resistência
individual aos impulsos criminosos em razão da tendência ou carácter. Para lá disto haveria
uma «pena de segurança»19 ou, nas palavras de Welzel, uma «medida de segurança
especialmente configurada»20 . Em consequência, apesar do inicial, mas incoerente 21, esforço
do Reichsgericht para conciliar o § 2Oa com o princípio da culpa, os dois eram considerados
incompatíveis por quase toda a doutrina nas ,vésperas do Anteprojecto Eduardo Correia 22.
23
Mezger considerava o § 2Oa como «o mau produto de uma pena finalística utilitarista e
propunha um sistema dualista em que o juiz conheceria em simultâneo na sentença acerca de
uma pena e de uma medida de segurança 24. Seria esta última a orientação a prevalecer na
República Federal da Alemanha no projecto de 1962, no projecto alternativo de 1966 e
finalmente na lei de 1969 ( em vigor desde 1975). que não contém para lá do regime da
reincidência. uma agravação penal específica do deliquente por tendência.
Será que a agravação da pena do delinquente por tendência está apanhada entre a Cila
de uma concepção objectivista da culpa, à maneira de Nowakowski, e a Caríbdis de uma pena
de segurança, na esteira de Mezger ? Penso que não. A manifestação que o agente faz da
19
Strafrecht (Studienbuch), I, 9ª ed., 1960, p. 275.
20
Lehrbuch, 9ª ed., 1965, § 34, III,4.
21
Nomeadamente por medir a culpa por um prognóstico da perigosidade e por considerar para tal o tempo do
julgamento e não o do facto. Vejam-se as referências em Jagusch em Leipziger Kommentar, 8ª ed., 1957, § 2Oa
II 2, 4, Schönke-Schöder, StGB, 10ª ed., 1961, § 2Oa V 2, 4, Kohlrausch-Lange StGB, 43ª ed., 1961, § 2Oa n, 3.
22
Além de Mezger, Welzel, e dos comentadores citados na nota anterior (com excepção de Kohlrausch-Lange,
que entende o § 2Oa compatível com a ideia da culpa do agente), também Maurach, Lehrbuch, 2ª. ed., 1958, p.
674. Sax em Betterman-Nipperdey-Sscheuner, Die Grundrechte III/2,1959, p. 946 s. considerava todo o § 20a
inconstitucional por violação do princípio da culpa.
23
Ob. cit., p. 274.
24
Niederschriften I, p. 58. Enquanto que no sistema dos antigos §§ 20a e 42e do Código alemão, a eventual
medida de segurança do § 42e só seria fixada depois de cumprida a pena, caso subsistisse então a perigosidade.
13
perigosidade do seu carácter no momento do crime é-lhe imputada porque o agente tinha
razões para dela ter conhecimento e contra ela se precaver e, não obstante, praticou o crime, e
praticou-o de uma forma que revela a má tendência do seu carácter, podendo deixa.r de o
fazer, dada a sua capacidade individual de resistência aos impulsos para o crime (se tivesse
usado da sua força de vontade e do seu cuidado, como exige o direito de um cidadão leal) 25.
E compreende-se que nestes casos a agravação seja substancial. Para citar Eberhard Schmidt:
«Todos os elementos de perigosidade que se manifestam no criminoso habitual perigoso
representam uma tal agravação da sua valiosidade social que, sem ter nada a ver com o que se
possa dizer prognosticamente do ponto de vista cognitivo, a pessoa em causa já se encontra.
em vista desses elementos de perigosidade numa culpa qualificada, que do ponto de vista da
justiça torna possível perante ela uma pena muito considerável» 26. É claro que o esforço que
o delinquente por tendência terá que fazer, e os cuidados que terá que tomar, para resistir à sua
tendência criminosa são maiores dos que os do homem comum, e quiçá tanto maiores quanto
mais assim pode e deve resistir, senão seria inimputável. Não lhe são imputáveis os factores
incontroláveis congénitos adquiridos por doença ou acidente, ambienciais, etc. do seu
carácter, mas o facto de não ter controlado a manifestação deste último, seja qual for o papel
que na sua configuração concreta aqueles tiveram. Só neste sentido vale o dito: podes, logo
deves 27. Isto é: deves se podes, podes, logo deves. Vale também dizer com Max Ernst Mayer
que «o carácter agrava», na medida em que um crime, em que o agente é infiel à sua maneira
28
de ser é mais desculpável do que aquele, no mais igual, em que de se retrata como é e
suposto que o agente pode agir doutra maneira. Se pode menos. por ter imputabilidade dimi-
nuída, agrava ainda por comparação com a hipótese de o facto não ser expressão do carácter,
embora o resultado final possa ser uma atenuação 29.
25
Neste sentido, o próprio determinista Engisch admite que o agente concreto poderia ter agido de outra maneira
(e só por isso a pena pode influenciar previsivelmente as suas predisposições): ob.cit., p. 55.
26
Niederschrifien J, p. 52: é certo que Eberhard Schmidt conclui que, então, mesmo uma pena de segurança
relativamente indeterminada seria justa, «do ponto de vista de uma teoria da culpa correctamente entendida»,
além de necessária. Contraponha-se que, tratando-se de «pena de segurança», a justiça deixaria de ser da pena e
da culpa, para ser da necessidade de segurança e da perigosidade.
27
Invocado por Kohlrausch-Lange, § 2Oa, II, 2, e criticado por Nowakowski. Perspektiven, p. 57.
28
Strafrecht. AlIgemeiner Teil, 2.ª ed., 1923, p. 497 s.
29
Neste sentido Jagusch, ob. cit., § 2Oa II, 1 d, Nowakowski, Perspektiven. p. 157 s.
14
momento do crime.
III. Culpa como elemento do crime ou como outra base da medida da pena?
30
Actas, II, p.123. A distinção entre um sentido amplo e outro restrito da culpa neste contexto, encontra-se em
Hegler, ZStW 36, p. 184 ss. e em Frank Festgabe, I, 1930, p. 290 s.. Também para Cavaleiro De Ferreira,
Direito PenaI, II 1961, p. 279, a culpabilidade a que se referia o art. 84º do anterior Código, na redacção da
reforma de 1954, «não é o elemento subjectivo do crime, mas a culpabilidade do delinquente no sentido
material»; em Direito Penal Português, Parte Geral I, 1981, p. 206 (cf. II 1982, p. 420), distingue um sentido de
culpabilidade «como facto culpável, englobando o crime na sua totalidade», que «é a medida de responsabilidade
e de pena», de outro em que se separa do facto ilícito.
31
Zipf, Strafmassrevision, 1969, p. 94; Bockelmann, Strafrecht. A1lgemeiner Teil, (1ª ed., 1973) § 12a 4, § 29
3a) aa): Aschenbach, Historische und dogmatische Grundlagen der strafrechtsystematischen Schuldlehre, 1974,
p. 3 ss. 10 ss.; Roxin - em Festschrift für Bockelmann, 1979, p. 304; Lenckner em Schönke Schröder StGB, 21ª
ed., 1982, Vorbem. §§ 13 ss., Rn. 112; Stree, ibid. § 46 Rn. 9a; Lackner, StGB, 15ª ed., 1983, Vorbem. § 13 Anm.
4; Maurach-Zipf, Strafrecht. Allgemeiner Teil, 6.. ed. I, 1983, § 30 I, 2, n, 1984, § 63 I, 19-20. Para Rudolphi, em
StGB, Systematischer Kommentar, 1984 Vor § 19 Rn. 1a Strafzumessungsschuld é no essencial uma
quantificação da Strafbgründungsschuld (seguido por Stree, supra).
32
StGB, Systematischer Kommentar, 1981, § 46 Rn. 37.
33
Perspektiven, p. 159; Wiener Kommentar Vorbem. §§ 3-5 Rz. 49; também crítico: Jacobs, Strafrecht.
AlIgemeiner Teil, 1983, p. 385 n 1. No mesmo sentido e na esteira de Radbruch e de Zimmerl, a minha
dissertação Estudos para a dogmática do crime omissivo I, 1965, p. 47 ss.
15
questão deixa de ser de mera construção jurídica, se a teoria distintiva defender que os
critérios de definição e avaliação dos pressupostos da pena são diferentes na análise do crime
e na medida da pena. Tal seria o caso se o Código consagrasse uma culpa pela personalidade
que fizesse variar a pena segundo critérios diferentes dos da teoria do crime. Vimos que,
afinal, não é o caso.
No anterior argumento, a variação das consequências de uma acção - que seria não
criminosa se delas se abstraísse - implicava a realização de diversos tipos de crime. O n. ° 2
do art. 72º manda atender, porém, à gravidade das consequências do facto (al. a)), mesmo
quando não faça parte do tipo de crime. O problema, aliás, põe-se do mesmo modo quanto a
todas as outras circunstâncias que «não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do
agente ou contra ele», e que as várias alíneas no nº 2 exemplificam. Já tem sido dito que os
componentes da culpa na medida da pena não são idênticos aos da análise do crime, «porque
estes são à partida relativos ao tipo, enquanto que na medida da pena se tem de recorrer ao
que fica para além do tipo penal» 35.
34
Die Strafmassrevision, p. 94; Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 19.
35
Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 19.
16
Há, então, que distinguir entre os critérios da existência do crime ou da subsunção, que
são os elementos visados na definição do crime, e os critérios da gravidade do crime, do mais
e do menos desvalor dos elementos do crime, em função de circunstâncias que, em parte. não
são essenciais. É claro que todas as circunstâncias de que depende a gravidade do crime são
circunstâncias de um facto típico, e como tais, relativas ao tipo, mesmo que não sejam elas
próprias típicas, além de que, para fundar maior pena têm que ser abrangidas pela culpa. Mas
há que distinguir aquelas circunstâncias que fundamentam quer a subsunção quer uma certa
gravidade do crime, daquelas circunstâncias que são irrevelantes para a subsunção e só fazem
variar a medida da culpa. Exemplos das primeiras são o dolo e a negligência. Assim, por
exemplo. o dolo directo e o necessário são mais intensos e, nessa medida, mais gravemente
culposos, do que o dolo eventual. pelo que justificam, segundo a al. b) do art. 72º, maior pena:
quer dizer. nomeadamente, que as mesmas circunstâncias de facto descritas no nº 2 do art. 14º
( dolo necessário) que, em alternativa com as descritas no nº 1 e nº 3 do mesmo artigo,
fundamentam diferentemente a subsunção, fundamentam também por diferença com as do nº
3, maior culpa e, logo, uma mais grave medida da culpa da pena. Do mesmo modo. a reflexão
sobre os meios empregados fundamenta a existência do dolo, na medida em que não há dolo
sem deliberação e a reflexão não é mais do que uma deliberação mais intensa, e fundamenta a
agravação característica da premeditação. O que caracteriza as circunstâncias que se acabam
de referir, é ser idêntica a descrição da circunstância, enquanto fundamenta a subsunção e
enquanto fundamenta a graduação da culpa. Outras circunstâncias de dupla função -
subsuntiva e graduadora - têm uma descrição diferente em cada função. Assim, o dolo
eventual, de que se acabou de falar, implica um fim não típico da acção que não interessa à
subsunção, mas que influi na graduação da culpa. Do mesmo modo os outros fins ou motivos
que determinaram o agente mencionados na segunda parte da al. c) do nº 2 do art. 72º são
elementos constitutivos da vontade criminosa que não interessam à sua descrição típica. O
mesmo se diga do modo de execução do crime, das circunstâncias que fundam um certo grau
de ilicitude ou de violação dos deveres impostos ao agente (al. a) do nº 2 do art. 72º).
culpa 36, da capacidade do agente, por exemplo, de resistir aos impulsos criminosos, dada a
sua vida passada, ou da maior ou menor intensidade do dolo, dado o modo impulsivo ou
premeditado como se comporta a seguir. Em especial, o comportamento com o fito de reparar
as consequências do crime torna provável concluir que o crime era inadequado à
personalidade do agente, pelo que não serão de presumir ao praticá-lo os mesmos desvios do
carácter e da motivação, a mesma atitude de inimizade ao direito, que o comportamento
contrário indicia. O que vale para a conduta passada vale também para as condições pessoais
do agente e para a sua situação económica (al. d) do art. 72º) e ainda para os sentimento
manifestados na preparação do crime (primeira pane da al. c) do mo 72º).
36
Assim, Bruns, ob. cit., p. 562 SS. (cf. especialmente p. 572), onde se demonstra ser esta a orientação
dominante da jurisprudência alemã; cf. o mesmo em Welzel-Festschrift, p. 755 s., Horn, StGB, Systematischer
Kommentar, § 46 Rn. 74 ss.
37
Assim, Horn, ob. cit., § 46 Rn. 69, 70.
38
Assim, Horn, ibid., e Bruns, Strafzumessungsrecht, p. 425, contra a decisão oposta do BGH, 4 StR, 120/66.
39
Lehrbuch, p. 499.
18
crime 40, porque a base ou critério da culpa abrange integralmente o ilícito culposo e só este
fundamenta a pena.
Resta saber como integrar as circunstâncias que fazem variar o quadro de medida da
culpa dentro da medida da pena na análise do crime. Não posso agora desenvolver uma teoria
dos elementos da culpa como elemento da infracção que abranja sistematicamente todas as
circunstâncias que podem fazer variar a medida da culpa da pena. Tenho que limitar-me a
assinalar um ponto desse programa dogmático, que completa o que foi dito acerca da culpa na
formação da personalidade. Como integrar as várias circunstâncias, algumas anteriores ou
posteriores ao facto, e que dizem respeito mais directamente à personalidade do agente, na
culpa referida ao facto ? Creio que haverá que admitir aqui, na esteira, por exemplo, de
Novaskowski 41, um elemento caracterológico, que tem a ver, não com os aspectos dinâmicos
do facto, mas com a maneira de ser do delinquente ao praticar o crime. Nada impede
descrevê-lo, seguindo Eduardo Correia, como a omissão do dever de dominar tendências para
o crime ou de conformar a personalidade na medida do exigível pelo direito penal. É uma
questão de descrição ou individualização desse dever a relação que tem com o dever mais
geral de motivação normal pelo ilícito, cuja violação baseia a culpa, isto é, o dever de
conhecer e avaliar a ilicitude do facto e de se motivar por esse conhecimento como o direito
espera de «Uma pessoa identificada com os valores juridicamente protegidos, na expressão
dos §§ 10 e 32 secção 2 do Código austríaco. Trata-se de definir neste caso um critério de
medida que visa as atitudes perante o valor e os tipos de carácter, que o direito espera do
cidadão leal ao direito na situação de vida do agente no momento do facto. Trata-se aqui de
um dever ser, é verdade, e não dos critérios de facto, do poder concreto do agente. Só que a
violação desse dever depende do poder, das capacidades concretas do agente. Ultra posse
nemo tenetur, tanto na violação do dever de praticar o acto que funda o desvalor da ilicitude,
como na violação do dever de motivação pela ilicitude, que funda o desvalor da culpa. Somos
assim levados a uma extensão da teoria normativa da culpa, que. tal como em Goldschmidt 42,
40
Como querem Bockelmann, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 12 IV , e Aschenbach, ob. cit., p. 13. Este último
invoca ainda um argumento a favor da diferença de conceitos, derivado do diferente tratamento processual da
exclusão da culpa e da culpa diminuta, que supõe à partida o que falta provar: que esta última não tem cabimento
na teoria do crime.
41
Perspektiven, p. 152 ss; Wiener Kommentar, Vorbem. zu §§ 3-5 Rz. 45, 48.
42
Cf. Frank-Festgabe, I, p. 428 ss. Goldschmidt viu bem que a teoria normativa da culpa implicaria uma norma
de culpa (a que chamou norma do dever) com diferente objecto da norma da ilicitude (a que chama norma jurí-
dica), mas indentificou erradamente esta diferença de objecto com a diferença entre o elemento objectivo (o
19
supõe uma norma de culpa que tem como objecto aspectos diferentes do comportamento e
funda um desvalor que, se varia não-autonomamente em função da ilicitude, varia também
autonomamente em função de outros elementos do facto, entre eles as atitudes e os modos de
ser do agente. Impõe-se também aqui definir critérios gerais de um dever de cuidado de não
violar a norma de culpa. Já não acompanhamos Nowakovski quando diz neste contexto que
«também a culpa não depende de um poder subjectivo, mas de um dever ser com validade
geral, que novamente, é certo, tem em conta os dados subjectivos do agente em tudo que não
seja a vinculação ao valor»43. Um desses dados subjectivos pressupostos pelo dever ser da
culpa é precisamente a capacidade concreta do agente de se motivar pelas normas, no mesmo
sentido de «capacidade» da capacidade de escolher agir ou não agir de certa forma, sem a qual
não há agente, nem deliberação, nem decisão, nem intenção, nem norma 44.
IV . Culpa como limite máximo, como limite máximo e mínimo ou nem uma coisa
nem outra ?
O eliminado art. 2º do Projecto dizia que «a medida da pena não pode exceder
essencialmente a da culpa».
«Isto significa - dizia Eduardo Correia - que o juiz quando mede a pena não pode
abstrair do seu fundamento ético. Simplesmente, não deve esquecer os fins de prevenção, que
podem por vezes obrigá-lo a afastar-se alguma coisa daquele quantum que uma mera
consideração puramente ética forneceria». A contradição com a teoria do quadro de medida da
culpa evitar-se-ia dizendo que se dá uma permissão ao juiz para atender a fins de prevenção -
exactamente até ao ponto em que a essência da pena (a culpa do agente) não seja tocada» 45.
Trata-se de uma fórmula que nos aproxima da teoria do BGH que só considera fins pre-
ventivos entre os limites da pena que já não é sentida como ajustada à culpa e da que ainda é
sentida como ajustada à culpa, embora não tenha que ser a mais ajustada, isto é, situar-se ao
meio. O problema aqui resulta de a fórmula do Projecto ter sido afastada pelo Código, que
não atende à prevenção apenas nos limites da culpa-quadro, mas que manda menos
precisamente «ter ainda em conta» a prevenção. Olhando só a letra, pode ter-se em conta
dentro do quadro da culpa, e ter-se em conta para fazer variar a pena acima ou abaixo desse
quadro.
A questão deve decidir-se segundo os princípios mais gerais do direito penal. Quanto
ao limite máximo, acima dele há pena sem culpa, o que viola o princípio da culpa. Com
excepção da letra do art. 72º, nada na lei, a começar na Constituição, permite pensar que pode
haver pena, ou mesmo só uma parte dela, sem culpa. Quanto ao limite mínimo, o princípio da
legalidade revela que nem toda a culpa tem que ser punida. Se pode haver culpa sem pena,
também pode haver culpa com menos pena que a adequada à culpa.
Em que caso? Penso que, por obediência à primazia do fim da culpa, apesar de tudo
resultante da letra do art. 72º, os fins de prevenção só são de considerar em casos extremos.
Casos extremos são aqueles em que se torna impossível toda a prevenção especial ou se torna
impossível a prevenção geral necessária. Passamos assim aos dois últimos problemas.
nº 1, 48º, nº 2, 49º nº 1, 53º nº 71º, 76º, nº 1 e a prevenção geral nos arts. 48º nº 2, 53º nº 1,
71º e 75º nº 1. As exigências da prevenção em qualquer das suas formas medem-se pela
perigosidade. Ora o juízo de perigosidade distingue-se fundamentalmente do de culpa por ser
um juízo de prognose em função da probabilidade de futuros crimes e não ser em razão do
facto passado. Por consequência, o momento racional a ter em conta para julgar das
exigências da prevenção é o da sentença e não o da prática do facto.
48
E 1962- Bundestagsvorlage, p. 118.
49
Veja-se Bruns, em Festschrift für Dreher, 1977, p.251, ss.
22
50
Como já entendia Franz Von Liszt: vejam-se as citações e indicações coincidentes da mais recente
criminologia em Schöch (que invoca Schaffstein, Peters, Grassberger, Göppinger, Schüler-Springorun,
Hoeck-Gradenwitz, Stürup) em Festgabe fiir Schaffstein, p. 262 s.
51
Assim, Roxin, em Festschrift fiir Bruns, p. 199.
23
Assim sendo, uma pena de prisão superior a dez anos terá nestas hipóteses um efeito
necessariamente incompatível com o fim da prevenção especial. Mas o art. 72º, nº 1 impõe
que este fim seja tido em conta. Deve entender-se que a sociedade e o juiz «têm o direito e o
dever - nas palavras de Gallas - de vigiar de modo a que, desde que tal não seja exigido por
razões cogentes de protecção jurídica, o tratamento do agente segundo o que merece não seja
comprado com o perigo da sua dessocialização 52. A sociedade não é apenas responsável pela
protecção dos seus membros perante o criminoso, tem também uma responsabilidade, perante
este último, de contribuir para a sua possível recuperação. Nestes casos toma-se necessário
desistir de uma parte da pena correspondente à culpa para respeitar o mandamento legal de ter
em conta a prevenção especial.
Deverão estas conclusões ser modificadas para ter também em conta a prevenção
geral ?
Creio que não. Com efeito, na determinação da pena em sentido amplo, os regimes da
dispensa de pena (art. 75º, n.° 1), da suspensão da execução da pena (art. 48º, nº 2), do regime
de prova (artº 53º, nº 1) revelam que a prevenção especial, que em exclusividade justifica a
escolha por tais regimes, tem a primazia sobre a prevenção geral, até ao limite das
«necessidades da prevenção geral», para usar a própria expressão do art. 75º, nº 1. O mesmo
vale, por identidade de razão, para a medida judicial da pena. Além disso, deve considerar-se
que, sendo as necessidades de prevenção geral determinantes da própria medida legal da pena,
enquanto a pena se mantiver dentro desses limites, e é esse o âmbito de aplicação do art. 72º,
está em princípio garantida a satisfação daquelas necessidades. Só não será assim quando seja
de admitir que a própria lei quis deixar ao juiz, dentro de certos limites, a medida das
necessidades de prevenção geral, em função de circunstâncias que implicam diferenças de
ilicitude material - que fazem variar correspondentemente a culpa - dentro do mesmo tipo de
crime. A extensão entre o máximo e o mínimo da medida legal da pena de certos crimes (que
chega a ser de quinze anos no art. 189º e é frequentes vezes de dez, nove ou oito anos) é um
sinal dessa intenção da lei. Mas mesmo então a prevenção geral nunca pode aprovar a pena
52
ZsTW, 8o, p.4. Assim, também em especial Roxin, em Festschrift für Bruns, p. 198 ss.
24
acima da medida da culpa e só intervirá como impedimento excepcional 53, que se opõe (arts.
53º nº 1, 75º nº1) à relevância da prevenção especial para determinar a pena dentro da medida
da culpa e abaixo dela. É de notar que na enumeração das circunstâncias que graduam a pena
dentro da sua medida legal (assim o nº 2 do art. 72º) não há nenhuma que faça variar as
exigências preventivas gerais independentemente das circunstâncias que fundamentam a
ilicitude material do caso concreto e são abrangidas pela culpa. Não são, portanto, de admitir
considerações relativas ao aumento geral da criminilidade ou à frequência de crimes de certo
tipo (acidentes de trânsito mortais, por exemplo) para justificar a irrelevância total ou parcial
54
da prevenção especial . Estas considerações genéricas não têm lugar na individualização
judicial da pena e implicariam uma proibida dupla valoração das circunstâncias típicas, contra
o nº 2 do artº 72º.
53
Assim, Maurach-Zipf, II, § 63, I, Rn. 101, 102.
54
Sobre necessidade de se verificarem circunstâncias especiais no caso concreto - como o reforçado e comprovado
alastramento, ou enfraquecimento da reprovação social (como quanto aos crimes do nazismo, dada a persistência da
ideologia), daquele tipo de crime naquelas circunstâncias - cf. Bruns, Strafzumessungsrecht, p. 404 ss. e G. Hirsch, StGB,
Leipziger Kommentar, 10 ed., § 46, Rn. 21-25.