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X SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO

8 a 10 de outubro de 2008
Recife - Pernambuco - Brasil

O PLANEJAMENTO REGIONAL E OS SERVIÇOS URBANOS NO DISCURSO DO MOVIMENTO


MUNICIPALISTA BRASILEIRO ENTRE 1946 E 1965

César Rocha Muniz (Escola de Engenharia São Carlos USP) - cmuniz@coc.com.br


Graduado FAU-USP, Mestre em Arquitetura e Urbanismo e doutorando do Programa de
Pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP. Coordenador do
Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades COC

Vera Lúcia Blat Migliorini (Faculdades COC) - verablat@coc.com.br


Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP. Mestre e Doutora em Engenharia Civil e
Urbana pela POLI-USP.
O Planejamento Regional e os Serviços Urbanos
no discurso do Movimento Municipalista Brasileiro
entre 1946 e 1965

Resumo

O objeto deste estudo é o ideário do Movimento Municipalista Brasileiro acerca da gestão,


implantação, subvenção e aprimoramento dos serviços públicos, bem como o papel do
município no planejamento regional. O trabalho investiga a presença de idéias que
extrapolam o fortalecimento do município pela via da redistribuição de rendas tributárias e
a ampliação da sua autonomia político-legal. Fundamenta-se em pesquisa documental
que utiliza a 14 artigos publicados entre 1949 e 1965 na Revista Brasileira dos Municípios,
veículo auto declarado como porta-voz do Movimento Municipalista Brasileiro. Aponta três
características importantes presentes no pensamento de vários teóricos do movimento: A
ênfase técnica na esfera da gestão; a ausência do debate quanto à distribuição geográfica
dos serviços urbanos; e um esforço para concentrar em consórcios intermunicipais o
poder político das decisões da esfera regional.
1

Introdução

Entendemos o Movimento Municipalista Brasileiro como o conjunto organizado e


institucionalizado de ações e políticas de fortalecimento do município como unidade
político-administrativa. Focalizando o ideário mais diretamente ligado ao papel do
município planejamento regional, suas formas de gestão, além da implantação,
subvenção e aprimoramento dos serviços públicos, este trabalho investiga outras idéias
além daquelas que desenharam a face mais visível do movimento — o fortalecimento do
município pela via da redistribuição de rendas tributárias e a ampliação da sua autonomia
político-legal.

Alguns dos marcos históricos do Movimento Municipalista no Brasil coincidem com a


proposição das constituições de 1934, promulgada no início do período Vargas, e a de
1946 que, além de recuperar alguns dos direitos cassados na carta que regeria o Estado
Novo a partir de 1937, consolidou, ao menos juridicamente, o município como uma das
esferas político-administrativas da República Nova.

Esta investigação fundamenta-se em pesquisa documental que utiliza a Revista Brasileira


dos Municípios, publicação do Conselho Nacional de Estatística1 como fonte principal.
Auto declarada como órgão oficial do Movimento Municipalista Brasileiro, a revista
começou a circular no final da década de 30. Este período coincide com o movimento
assinalado por Filgueiras Gomes como “uma ampliação das obras publicadas no Brasil,
que passam a incluir, além de temas relacionados à infra-estrutura, diversos títulos sobre
administração municipal, legislação, serviços públicos etc.” (2005: 19).

Os documentos foram selecionados com base em uma periodização preliminar dada por
dois atos na esfera do governo federal: a Constituição de 1946 e a publicação do Ato
Institucional no. 2 em 27 de Outubro de 1965. Este recorte resulta do papel que estes dois
instrumentos tiveram na (re)definição do significado do município como unidade político-
administrativa do período republicano que sucedeu o Estado Novo. Foram examinadas 19
edições publicadas entre 1949 e 1968, das quais foram selecionados artigos para uma
revisão sistemática considerando:

1
Instalado em 1936, o Conselho Nacional de Estatística (CNE), deu corpo e significado ao Instituto Nacional de Estatística. Objetivava
coordenar todas as atividades estatísticas no território nacional abrangendo as diversas esferas administrativas. Em 1938, o CNE e o
recém-criado Conselho Nacional de Geografia passaram a integrar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.
2

• O conteúdo das editorias2 com ênfase na intitulada Administração & Urbanismo;


• O grau de generalidade dos artigos e sua possibilidade como meio de
compreensão não tanto das práticas admistrativas, mas, sobretudo, do ideário que
estruturou o movimento;
• Os temas tratados, concentrando nossa atenção nos artigos cujo enfoque fosse
mais generalista.

O artigo baseia-se no conteúdo de 14 artigos, a partir dos quais desenhamos uma


periodização de contornos mais nítidos: O intervalo compreendido entre 1949, data do
primeiro artigo estudado e 1965, data do AI-2 e tema do último artigo analisado.

O Programa do Movimento Municipalista Brasileiro

Segundo Aragão (1959), as origens do Movimento Municipalista estão no período


colonial: “O embrião municipalista do Brasil está nas Cartas Régias que instituíram os
donatários” (p.107). Algumas afirmações, contudo, talvez não resistissem a um exame
mais sistemático:

Com o impulso municipalista à origem, foi que os desbravadores paulistas do século XVI e
XVII arquearam a linha de Tordesilhas até os limites do chamado último oeste do Brasil.
(ARAGÃO, 1959: 108)

Esta afirmação embute uma estratégia de argumentação presente em vários dos artigos
estudados: a recorrência a fatos históricos que precedem, inclusive, o período
republicano, como forma de reafirmar o municipalismo como um valor tradicional
brasileiro. Ao defender os esforços de capacitação técnica dos governos municipais, J.
Guilherme de Aragão desenha o pano de fundo de uma das principais bandeiras do
movimento, a redistribuição das rendas tributárias:

Ao município colonial, responderá o Império com o município quase ponto morto na


estrutura política e administrativa do País. E ao regime colonial e imperial de redução do
município, seguiu-se a antítese republicana da plena autonomia municipal. Antes, a
centralização sufocara o município. Com a primeira república, o município torna-se
autônomo, mas praticamente inerme, devido à míngua de recursos financeiros. (ARAGÃO,
1959: 109)

2
No período estudado, as editorias da Revista Brasileira dos Municípios apresentaram diversas configurações. As mais
freqüentemente encontradas foram: Administração & Urbanismo, Idéias em Foco; Inquéritos e Reportagens; Através da Imprensa;
Legislação e Jurisprudência; Vida Municipal; Estatística Municipal; O Município no Parlamento e Vultos do Municipalismo.
3

A Constituição de 1946, além de restabelecer vários dispositivos da Constituição de 34


revogados pela Constituição do Estado Novo em 1937, marcou uma divisão entre dois
períodos importantes da República com reflexos no Movimento Municipalista. Até a carta
de 46, “a autonomia dos Municípios não era um dos princípios constitucionais da União;
estava regulamentada pelos Estados federados”. (OLIVEIRA, 1963:202) Três de seus
artigos merecem especial atenção:

• O art. 28 que elevou o município à condição de terceira esfera de governo, ao


estabelecer um grau de autonomia política administrativa e financeira análogo aos
dos governos estaduais e federais;
• O art. 21 que destinou 40% das rendas tributárias aos municípios onde se tiver
realizado a cobrança; e
• O art. 23, que garantiu a não intervenção dos Estados-membros senão para lhes
regularizar as finanças em caso de atraso ou inadimplemento de empréstimos
garantidos por estes. (BRASIL, 1946)

Tais conquistas foram celebradas pelo então Presidente da Comissão Executiva da


Associação Brasileira de Municípios em conferência no Congresso das Municipalidades
Pernambucanas:

Posso dizer, igualmente, que essa política é o fruto da pregação doutrinária e da campanha
de esclarecimento suscitadas pelos teóricos e técnicos do Municipalismo para efeito de
restaurar a terceira órbita político-administrativa no papel, no verdadeiro papel, que lhe está
assinalado na dinâmica do regime democrático e federativo — restauração essa a que a
obra justiceira dos Constituintes de 1946 deu excelente começo, ao consignar na Carta
magna medidas de redistribuição tributária beneficiadoras do Município. (XAVIER, 1949:
450)

Apesar das conquistas que incluíam a recepção de 10% do que fosse arrecadado pela
União com o Imposto de Renda, os prefeitos das capitais e dos municípios considerados
de importância estratégica para as forças armadas não seriam eleitos, mas nomeados.
Além desta, outras anomalias se fizeram presentes. A proliferação de municípios que
subsistiam apenas com os repasses dos governos federal e estadual deu origem a um
número expressivo de unidades incapazes de arcar com as atribuições que vinham junto
com os recursos. Também a falha de numerosos estados em repassar as verbas a que os
municípios tinham direito, acabou frustrando as expectativas advindas de muitas das
conquistas de 46 (IBAM,2006).
4

O Início do período autoritário em 1964 aprofundou a frustração, removendo muitas


destas conquistas. O Ato Institucional no. 2 de outubro de 1965 foi emblemático, pois
provocou profundas mudanças nas três esferas governamentais: O art. 10 determinou a
não remuneração dos vereadores; o art. 15 delegou ao Presidente da República o poder
de cassar mandatos legislativos nas 3 esferas no interesse de preservar a Revolução; e o
art. 17 ampliou os casos de intervenção nos Estados e Municípios em caso de violação de
lei federal ou de risco de subversão da ordem pública (MEIRELES,1965).

O programa municipalista mínimo de Yves de Oliveira

Parte significativa do material publicado na Revista Brasileira dos Municípios trata de


práticas administrativas, divulgando modelos estrangeiros ou relatando experiências bem
sucedidas. Vários artigos retratam o ideário do movimento no período compreendido entre
a publicação da Constituição de 46 e o início do período autoritário. Antes, contudo, é
oportuno examinar o artigo Contribuição para um programa municipalista mínimo, de Yves
de Oliveira, publicado em 1955. Nele, encontramos uma boa síntese das idéias do
movimento.

A implantação de uma República Municipalista, ambição maior do movimento, está


claramente expressa logo no início do programa, sob o tópico Aspecto Político
Institucional. Na seção Aspecto Administrativo, as questões ligadas à capacitação técnica
vêm alinhadas com o desejo de se transferir a capital federal para o Centro-Oeste
brasileiro e a obtenção da capacidade plena de legislar. É importante assinalar que, além
da questão da formação, a avaliação periódica do pessoal está presente no artigo. A
inclusão de uma referência clara à questão do planejamento sob a rubrica Aspecto
Econômico é reveladora de uma transição do urbanismo higienista e cosmético para o
planejamento funcional concentrado nas questões produtivas. O programa defende que a
inserção do Município nas questões do planejamento regional deveria se dar pela via da
cooperação intermunicipal que poderia se institucionalizar, inclusive, pela criação de
empresas especificamente voltadas para este fim:

Cooperação entre os Municípios, para criação de sociedades de fins econômicos, quando a


execução dos acordos intermunicipais o tornar necessário, podendo participar do
empreendimento pessoas físicas ou jurídicas. (OLIVEIRA, 1955: 228)

E, em consonância com uma das principais demandas do município, a sugestão de


mudanças na constituição, a instituição de um Código Tributário Nacional e a proposição
5

de uma “percepção de 40% pelos Municípios do total das rendas públicas arrecadadas no
país” (OLIVEIRA, 1955: 228).

O artigo de Oliveira é breve, mas significativo. Sintetiza, além dos aspectos citados,
outros que vão desde a questão educacional, científica, didática e sanitária até o aumento
da participação dos municípios no âmbito internacional.

O ideário do Municipalismo no contexto do debate urbanístico

Além do papel do município no planejamento regional e a problemática dos serviços e da


capacitação técnica, é oportuno acrescentar uma terceira reflexão: a recepção de idéias
estrangeiras, particularmente de origem norte-americana.

Para Guerra (1858), a organização administrativa das grandes cidades deve ser objeto de
estudos específicos em face do emaranhado de funções e problemas que apresenta.
Constituindo um campo de reflexão particular, o aumento da eficácia na administração da
cidade dependeria de algumas diretrizes básicas: Aplicação da técnica; concentração de
poderes; estabilidade; e intensidade máxima de atuação.

Entre os sistemas de governo considerados como de maior eficácia são apontados o


“Governo por Comissão” e o de “Conselho de Gerente” (City Manager Plan). Acerca de
um possível questionamento sobre a aplicabilidade destes regimes em países de origem
ibérica, argumenta-se:

... pode-se contrapor o fato de, não obstante essas diferenças de origem, uma grande
cidade, uma grande concentração urbana apresentar, no que se refere à sua forma de
governo, problemas idênticos ou semelhantes, em todos os extremos do globo e que uma
grande concentração urbana é, precisamente, o centro mais apropriado à assimilação de
um novo sistema de governo, porquanto sua condição de núcleo populoso a torna mais
permeável à reforma do que uma localidade pequena seria. É na cidade grande que se
evidencia a necessidade de ser a mesma administrada com visão de empresa, por isso, os
sistemas expostos, benéficos se adotados, seriam acatados pela população, o que faz
supor um preparo político mais apurado, com menos receios e mais fácil adaptação.
(GUERRA, 1958: 130)

Ao sistema americano é ainda sobreposta uma variação implementada pela Constituição


Cubana de 1940, segundo o autor, um “aperfeiçoamento notável do que se faz nos
Estados Unidos”, já que exigiria do gerente, antes de sua admissão, a demonstração de
sua capacitação técnica aferida mediante concurso.
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Esta discussão sobre as competências governamentais associadas ao planejamento


urbano e regional lembra a estrutura administrativa, um tanto descentralizada, de Nova
York. Notamos um paralelo que se situa no complexo de fatores possibilitaram a
proposição do zoneamento de 1916 (MANCUSO, 1980) — uma metrópole constituída por
cinco distritos dotados de considerável autonomia, submetidos, numa instância maior, a
um corpo legislativo bi-cameral — o Board of Estimate and Apportionment e o Board of
Aldermen.

O município e os planos regionais

É freqüente, no discurso municipalista, a preocupação com questões afetas ao


planejamento regional. Boa parte das causas apontadas para os principais problemas
urbanos apresenta relações deste caráter. A principal delas seria o crescimento
populacional decorrente das migrações:

A causa desses problemas é bem conhecida. São devidos a que a população urbana
cresce e a rural emigra, invade as cidades e nelas se integra, tratando de obter empregos e
melhores condições de vida e também ao aumento desordenado das indústrias,
hipertrofiando a extensão das áreas de seus bairros, divisões e distritos.... (HEINEN, 1958:
27)

“Da proximidade física em que se situa, somente o município, detentor de uma cidade, no
centro de uma zona rural, poderá colocar-se na vanguarda da luta contra o êxodo,
aglutinando-se, é claro, com os grandes planos regionais e nacionais que se estruturam
com esse desiderato. (FERNANDES, 1957: 129)

Neste último fragmento, o Municipalismo se vê como arma eficaz na luta contra as


desigualdades regionais que originam os movimentos migratórios do campo para a
cidade, que seriam ainda agravadas pela inovação tecnológica cada vez mais presente
nas atividades rurais (SILVA citado por FERNANDES, 1957).

Destacamos a crítica de Rafael Xavier às práticas administrativas em geral, e as


associadas ao urbanismo, em particular, entre outras “tarefas burocráticas” que seriam
também responsáveis pela atração, para as cidades, dos que buscavam “emprego fácil”,
aumentado assim o êxodo rural:

O êxodo rural é um fenômeno (...), é, em maior parte, o resultado da atração exercida pelos
grandes centros, onde o emprego mais cômodo se torna relativamente fácil. Se o interesse
principal, nessa transmigração, fosse o das indústrias, teríamos um fato normal, dirigido por
um crescimento industrial forçosamente paralelo à intensificação dos trabalhos agrícolas, e
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isto significaria um largo desenvolvimento de nosso mercado interno. Mas, como não é esse
o principal interesse, caímos na desgraça da burocratização e da política baseada nas
clientelas ávidas do emprego público e das funções de toda espécie que o urbanismo
distribui, com prejuízo das atividades capazes de ampliar o mercado interno. (XAVIER,
1954: 12)

Esta crítica também é observada por Ribeiro e Cardoso (1996), quando apresentam a
“anti-urbanização” defendida por Rafael Xavier, em que o crescimento urbano seria o
grande gerador de problemas decorrentes da concentração de recursos oriundos do
interior. Para a solução de tais problemas, o modelo proposto enfatiza, então, a
importância dos planos regionais (HEINEN, 1958).

Nesse contexto, o discurso municipalista valoriza propostas para as pequenas cidades


localizadas no interior como forma de diminuir as desigualdades regionais. Para mitigar
este problema “nada mais indicado que se integre a cidade do interior no plano de
desenvolvimento da zona rural brasileira subdesenvolvida e de sua equiparação ao ritmo
evolutivo das zonas mais privilegiadas” (FERNANDES, 1957: 133).

Convém notar que os arrazoados que justificam a importância do planejamento regional


apegam-se a recomendações de órgãos internacionais afetos à questão, como a
Organização Interamericana de Cooperação Intermunicipal. São expostos os conceitos
defendidos em encontros internacionais, como o caso do Congresso da UIA realizado em
Moscou, tais como esforços para resolver a questão da moradia, soluções para os
problemas de tráfego, a necessidade de estabelecer Zonas Regionais e prever a
localização adequada das indústrias, tudo atrelado a um plano regional. Entre os
exemplos de experiências estrangeiras em planejamento regional são citados países
como Alemanha, Bélgica, França, Grã-Bretanha, Itália, Polônia e Tcheco-Eslováquia.

Destacam-se os modelos que partem de uma unidade padrão para alcançar a


organização geral do território. Heinen (1958) cita Victor Gruem que “propõe um novo
padrão da cidade e da região, organizado, integrado e estruturado. Sua forma estará
regulada por módulos. Um módulo, igual à unidade humana” (p.29). Reis (1962) menciona
a unidade de vizinhança. Para ele, “partindo do núcleo, da unidade de vizinhança, ou do
bairro autônomo, para o conjunto de bairros e daí para a cidade inteira, teremos achado o
caminho para o desenvolvimento progressivo e a expansão contínua da cidade” (p. 17).

Para introduzir o alcance do planejamento e as interligações que se manifestam entre as


escalas local e regional, Reis (1962) apresenta cinco tipos de planejamento: Físico,
Econômico, Social, Cultural, e de Área. Neste último, vinculando o planejamento nacional
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e o regional, por abranger as atividades humanas localizadas em determinada porção do


território sejam quais forem seus limites administrativos.

O processo que levaria ao desenvolvimento de planos regionais (Reis, 1962; Heinen,


1958) é semelhante às práticas ainda hoje aplicadas. Envolve, basicamente, quatro
etapas: Leitura da problemática, desenvolvimento de propostas, implantação, e revisão.

Reis (1962) referencia Lewis Munford (The Culture of Cities) na defesa de um


planejamento regional flexível e da revisão periódica do mesmo e define as etapas
necessárias à implantação do plano regional. Destas, é interessante destacar a da
“reconstrução e projeção imaginativas”, o que nos leva a supor já ser um embrião de um
procedimento hoje bastante em voga no planejamento — incluindo-se aí o estratégico: a
análise de cenários futuros.

Com relação ao conteúdo das propostas, destacamos a preocupação com a definição de


indicadores quantitativos por Heinen (1958). Reis (1962) chega a determinar os índices
estabelecidos pela American Public Health Association que dimensionariam a Unidade de
Vizinhança — área, população, raio de abrangência e densidade demográfica — e, a
partir deles, indica várias possibilidades de configuração urbana, estruturadas com base
na distribuição de casas isoladas, unidades geminadas e habitações coletivas
verticalizadas e horizontais. Complementando as possibilidades de aplicação destes
indicadores, destaca ainda a importância de nelas considerar os princípios recomendados
por Clarence Stein para a organização da Neighborhood Unit (tamanho; limites; espaços
livres; áreas para as instituições; e comércio local). Entram, assim, em pauta as questões
relativas ao controle do uso do solo e não apenas das formas de ocupação. Uma vez
ordenadas as unidades internas da cidade, são consideradas as outras escalas
territoriais.

Outra questão é apontada: a organização viária. Neste sentido, deve ser proposto um
plano viário para a região: “O plano das vias mestras que de futuro serão auto-estradas
ou melhor, usando a terminologia americana moderna de free-way, express-way, park-
way, turn-pike etc., será objeto do planejamento nacional, extrapolando o âmbito do
planejamento regional” (REIS, 1962: 19).

Finalmente, quanto à implantação do planejamento regional, coloca-se freqüentemente a


necessidade de recomendar aos outros níveis de governo o reconhecimento desta
necessidade. Entretanto, foi pouco o que encontramos que expressasse de forma clara de
quem é a responsabilidade institucional deste processo no planejamento. Embora a
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cooperação intermunicipal seja bastante valorizada, o único instrumento citado pelos


autores estudados é o consórcio entre municípios: “Assim presente na maioria das
constituições dos Estados, a cooperação intermunicipal supre o estabelecimento do
governo consorcial” (ARAGÃO,1959: 111).

A cooperação municipal também é acolhida como instrumento capaz de auxiliar no


atendimento da crescente demanda por serviços públicos imposta aos municípios. Neste
sentido Costa (1950: 60) recomenda “estudar as necessidades peculiares de cada grupo
de municípios de uma mesma zona fisiográfica” que forneçam subsídios técnicos para a
legalização deste agrupamento. Merece também destaque a preocupação de Heinen
(1958) com a implantação de órgãos de planejamento “com amplos poderes, autônomos,
independentes e executivos” (p.31), capazes de implantar livremente programas e planos
regionais e urbanos (HEINEN, 1958: 31).

Reis (1962) salienta a necessidade de se extrapolar os limites das instituições


administrativas para o sucesso do planejamento regional, afirmando que uma cidade “não
pode ser descrita meramente em termos da Zona que governa” (p. 21). Além da
integração entre os órgãos e níveis de planejamento, Fernandes (1957) considera
indispensáveis para a “contenção do êxodo, a elevação dos níveis técnicos das
administrações locais” e a “dotação de melhores recursos dos municípios para o
cumprimento das tarefas que lhe forem conferidas”. (p. 154)

Gestão dos serviços e capacitação técnica

À medida que propostas aprofundam-se nas questões relativas ao planejamento


territorial, a preocupação com capacitação técnica para o provimento dos serviços
públicos aparece com maior freqüência. Vimos que uma das principais reivindicações do
discurso municipalista é o aumento do volume de recursos em relação às outras esferas
de governo. A questão da capacitação técnica não foge a esta regra. Para Aragão (1959),
“de nada adianta aumentar o volume de recurso, se a municipalidade não está
tecnicamente preparada para aplicá-los produtivamente” (ARAGÃO, 1959: 112).

O discurso inclui os prefeitos. A capacitação do corpo técnico pode ser atendida pelos
órgãos estaduais de prestação de assistência aos municípios. À Associação Brasileira
dos Municípios (ABM) caberia atuar “na formação da nova mentalidade do administrador
municipal, no tratamento e solução dos problemas do município; finalmente no
reerguimento social e econômico das municipalidades brasileiras” (ARAGÃO, 1959: 113).
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Dentre estes fatores que pressionam os esforços de aprimoramento técnico, destacam-


se:

• A urbanização crescente, idéia que contrapõe o homem urbano ao agricultor, que


“resolve sozinho o problema do abastecimento de água e, em regra, não necessita
de abrir ruas, inspecionar construções, etc.”;
• O progresso tecnológico, que possibilita a “prestação de serviços que antes não
podiam ser executados em virtude de incapacidade técnica”, tais como campanhas
de vacinação; e
• A evolução da filosofia social, indicando que as mudanças “ocorridas nos padrões
e nos ideais de vida social, abriram caminho para a doutrina de que nem só os
produtores, mas igualmente os consumidores têm direito aos serviços e à proteção
do governo”. Desta evolução derivariam os serviços associados à proteção do
consumidor, tais como licenciamento de atividades comerciais, vigilância sanitária,
entre outros. (SILVA, 1953: 309)

Além da preocupação em identificar as causas do aumento da demanda pelos serviços


urbanos, notamos também a presença em Silva (1953) de um outro marco da discussão
urbanística dos anos 40: o de estudar tendências e necessidades futuras. Tais
prognósticos levariam a um aumento ainda maior das responsabilidades dos governos,
imperiosas para a promoção do desenvolvimento econômico dos seus municípios, que
envolveriam desde a criação de distritos industriais ao aparelhamento dos sistemas de
transportes facilitadores do escoamento da produção:

..., à medida que ampliarem a sua capacidade de ação, os Municípios voltarão às vistas
para as atividades econômicas subsidiárias, (...) e mil outras iniciativas que contribuem para
transformar uma cidade em grande centro industrial e comercial. As atividades desse tipo,
atividades econômicas auxiliares, que os Governos municipais são solicitados a
empreender, geralmente acarretam elevadas despesas e, embora beneficiem a indústria e o
comércio locais, não trazem proveito direto para o tesouro público. (SILVA, 1953: 310)

Nesse contexto, impõe-se ao município a necessidade de uma maquinaria administrativa


tecnicamente autônoma. Notamos, aqui também, influência dos modelos norte-
americanos. Valle (1953) apresenta um programa de treinamento para os funcionários
municipais fortemente baseado nas recomendações do “Institute for Training in Municipal
Administration”, de Chicago.

Reivindicações desta natureza foram encontradas com freqüência nos documentos


analisados, sugerindo que elas tenham sido precursoras de uma maior participação dos
11

organismos municipais nas decisões políticas, particularidade que é um dos aspectos que
distinguem planos de projetos, como definido por Villaça. (1999).

Dentre os numerosos serviços públicos arrolados na discussão, os relativos ao


saneamento básico são os que recebem maior atenção, constituindo um dos grandes
problemas da cidade e uma das principais responsabilidades dos administradores. Neste
campo, a distribuição das competências entre as diversas esferas de governo é
questionada. Silva (1953) propõe, para a distribuição destas atribuições, a aplicação do
“critério de contigüidade”, que definiria três categorias de atividades a serem exercidas
pelos poderes públicos: as de importância mediata; as de importância próxima; e as de
importância imediata.

Estabelecida essa classificação tripartida das funções governamentais, logo se verifica que
as atividades de importância mediata parecem manter relações de atividade com o Governo
nacional, isto é, o governo mais distante do indivíduo; ao passo que as de importância
imediata, ou seja, os serviços públicos de primeira necessidade, parecem caber
logicamente aos governos municipais, isto é, aos governos vizinhos do indivíduo. As
atividades classificáveis na segunda categoria, isto é, as atividades de importância próxima,
são mais difíceis de distribuir segundo o critério de contigüidade. A rigor, elas deveriam ficar
a cargo dos Estados, salvo quando exigissem uniformidade nacional. (SILVA, 1953: 306)

Nesta classificação, o governo municipal é caracterizado pelas relações de proximidade,


“por assim dizer um governo de vizinhos e, como tal, suscetível de fiscalização direta e
ininterrupta”. Em síntese, o autor ressalta quatro aspectos importantes:

• A necessidade de ações de continuidade;


• A facilidade de acesso da população aos órgãos responsáveis pela execução dos
serviços públicos;
• A dificuldade da aplicação destes preceitos nas grandes cidades; e
• Os benefícios decorrentes deste modelo de gestão.

Silva vincula o aparelhamento técnico e articulação com as demais esferas à construção


do papel político do município em um contexto maior:

A existência de núcleos municipais bem organizados, autônomos de direito e de fato, além


de assegurar aos municípios o gozo e uso dos serviços públicos de primeira necessidade,
contribui ativamente para a nobilização e refinamento das instituições democráticas.
(SILVA, 1953: 307)

Este caráter de vizinhança, vocação do governo municipal, teria origens na formação dos
municípios brasileiros. A argumentação, mais uma vez, retoma o contexto colonial da
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formação do município brasileiro em um processo que não teria como principal


preocupação “a necessidade única de aproximação entre grupos de uma mesma
procedência racial, mas a necessidade natural de se estabelecer, logo cedo, um sistema
de divisão administrativa compatível com a grandeza territorial do país” (AMORIM, 1949:
462). A tônica do discurso é que o municipalismo “é um meio ideal para dividir os Poderes
públicos e dispersá-los entre comunidades, fixando-os assim nos pontos em que podem
ser mais úteis” (SILVA, 1953:308). Ao mesmo tempo, a prestação de serviços e a
articulação com municípios vizinhos são o critério de desempenho:

O progresso do governo municipal verificar-se-ia no grau de eficiência e qualidade dos


serviços prestados, e na capacidade crescente para colaborar com outros Municípios, com
os Estados e com a União na promoção de atividades de importância próxima, que
nobilitam o indivíduo e a coletividade, embelezam a vida e, em última análise, expressam a
marcha da civilização. (SILVA, 1953: 309)

Em resumo, o provimento dos serviços públicos constitui uma das principais


responsabilidades do município, devendo ser respaldada por um corpo técnico eficiente e
comandado por um administrador adequadamente preparado. A priorização de quais e
onde implantar os serviços, raramente é mencionada.

Conclusão

A Revista Brasileira dos Municípios não pode ser tratada como representante único das
idéias do Movimento Municipalista no Brasil, mas, mesmo diante desta limitação, as
informações coletadas colaboram para o entendimento do papel do movimento no debate
urbanístico a partir dos anos 40.

Retomando as preocupações mais específicas deste trabalho — a questão regional e os


serviços — verificamos particularidades no discurso dos municipalistas que convém
ressaltar:

Os serviços municipais foram discutidos considerando a responsabilidade das três esferas


de governo. Ao município, caberiam os serviços municipais imediatos. A formação técnica
do pessoal para a gestão surgiu como preocupação central do movimento. Foi pouco o
que encontramos que tratasse da distribuição destes serviços no espaço ou de seu papel
no processo de urbanização em um contexto mais democrático. A discussão é
essencialmente técnica, deixando o significado sócio-político em um plano idealizado e
difuso.
13

Na questão regional, por outro lado, o significado político ganha maior importância. Em
vários documentos, o problema regional é tratado como questão exclusiva da esfera inter-
municipal e não da estadual. Cabe perguntar: Haveria uma intenção deliberada de limitar
o poder estadual neste âmbito? Seria este um expediente voltado para a apropriação pelo
município de mais verbas?

A análise reforça a idéia de um movimento mais preocupado com os recursos, a técnica e


a gestão das ações municipais que com o papel político do município na construção de
uma sociedade mais justa. O discurso pende para o como fazer e não para o que fazer. A
retórica, quase sempre presente, presume que fortalecimento dos municípios é a solução
para todo tipo de desigualdade, seja ela de ordem regional ou nacional. A condição para
tal é o acesso a uma fatia maior do bolo tributário.
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