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Análise – Os Lusíadas, de Luís de Camões

Nesse grande poema épico escrito por Camões, os feitos dos navegadores portugueses
em direção às Índias são igualados às façanhas de heróis da Antiguidade greco-latina.

Os Lusíadas, grande poema épico de Luís de Camões, foi publicado em 1572, durante o
Renascimento em Portugal. Nesse período, os autores buscavam sua inspiração na
cultura da Antiguidade greco-latina. Eneida, de Virgílio, que narra a fundação de Roma
e outros feitos heróicos de Enéias, e a Odisséia, de Homero, que conta as aventuras do
astucioso Ulisses, foram certamente as maiores influências de Camões.

Em dez cantos, subdivididos em estrofes de oito versos, Os Lusíadas trata das viagens
dos portugueses por “mares nunca dantes navegados”. Uma das características da
épica é a narração de episódios históricos ou lendários de heróis que possuem
qualidade superior.

EM CÂMERA LENTA
As proporções dessa obra e a linguagem arcaica podem, de início, afastar o leitor de
hoje. As principais dificuldades encontradas na leitura são os termos antigos utilizados,
a sintaxe truncada e o grande número de informações mitológicas e históricas. Mas é
possível compreender os principais elementos, porque o poema épico tem como
finalidade narrar a própria história, ou feitos heróicos que estão no terreno da
mitologia. As descrições são minuciosas, abrangendo todos os detalhes da paisagem,
as cenas de batalha e as vestes dos guerreiros.
A épica, como gênero, diferencia- se da tragédia. Na tragédia – como na de Édipo –, o
personagem principal envolve-se em uma trama que acabará por aniquilá-lo. O
espectador assiste, aflito, ao trágico encontro do protagonista com seu destino
inevitável e cruel: Édipo fura os próprios olhos, perambulando sem destino. No gênero
épico, o “elemento de tensão” desaparece e surge em seu lugar o “elemento
retardador”. Os personagens épicos não têm um desenvolvimento psicológico
elaborado. Eles seguem suas características básicas, que não mudam no decorrer da
história. A épica deve ser lida, portanto, de maneira tranqüila e minuciosa, como uma
aventura que se passa em câmera lenta.

FORMA
O poema é constituído por 1.102 estrofes de oito versos cada uma, o que resulta em
um total de 8.816 versos. Camões utilizou em sua obra somente versos decassílabos,
ou seja, de dez sílabas métricas. Esse tipo de verso era conhecido como “medida nova”
e foi levado da Itália para Portugal por Sá de Miranda, em 1527, fato que marca o início
do classicismo português.
As rimas aparecem da seguinte forma: o primeiro verso rima com o terceiro e o quinto;
o segundo verso rima com o quarto e o sexto; e o sétimo e o oitavo rimam entre si (o
que é representado pelo esquema ABABABCC). Essas estrofes são chamadas de oitava-
rima. Além disso, o poeta inseriu na obra diversas rimas internas, o que causa efeitos
de assonância (sonoridade das vogais) e aliteração (sonoridade das consoantes).

ESTRUTURA
Assim como a Odisséia, de Homero, o poema de Camões é composto de cinco partes:
Proposição, Invocação, Dedicatória, Narração e Epílogo. Na Proposição — que aparece
no Canto I, da primeira à terceira estrofe —, o autor nos apresenta o tema de seu
poema: a viagem de Vasco da Gama às Índias e as glórias do povo português,
comandado por seus reis, que espalharam a fé cristã pelo mundo.
A segunda parte – também no Canto I, quarta e quinta estrofes – consiste na
invocação das musas do rio Tejo, as Tágides. Essa é mais uma indicação de que Camões
retirou seu modelo da cultura greco-latina.
Para os gregos, o poeta era um instrumento de uma força superior. Na Dedicatória —
Canto I, da estrofe 6 à 17 —, o poeta, após inúmeros elogios, dedica a obra ao rei dom
Sebastião, a quem confia a continuação das glórias e conquistas que serão narradas
em seguida. Na Narração, o poema propriamente se desenvolve — do Canto I, estrofe
18, ao Canto X, estrofe 144. Nela, é contada a navegação de Vasco da Gama às Índias e
as glórias da história heróica de Portugal.

O Epílogo – Canto X, estrofes 145 a 156 – consiste num lamento do poeta, que, ao
deparar com a dura realidade do reino português, já não vê muitas glórias no futuro de
seu povo e se ressente de que sua “voz enrouquecida” não seja escutada com mais
atenção.

ENREDO
Como era comum na literatura épica, a narração de Os Lusíadas começa in media res –
ou seja, em plena ação – no caminho, quando os portugueses já deixaram sua terra
natal e se encontram ancorados em Melinde, cidade situada no oceano Índico.
Enquanto isso, os deuses fazem uma primeira reunião para decidir o destino dos
navegantes. Baco se opõe ao feito, que diminuirá sua glória como senhor do Oriente.

No entanto, Vênus, deusa do amor, e Marte, deus da guerra, colocam-se a favor dos
portugueses. Júpiter concorda com os dois. Mercúrio, o mensageiro, é enviado para
garantir que o povo selvagem de Melinde seja hospitaleiro com os portugueses.

O capitão do navio, Vasco da Gama, narra ao rei de Melinde a história de Portugal, em


que se inserem as figuras de grandes heróis da história portuguesa e os episódios de
Inês de Castro, do Velho do Restelo e do Gigante Adamastor.

A caravela continua sua viagem, atravessando o oceano Índico. Nessa parte da


trajetória, um dos tripulantes, o marinheiro Veloso, narra a seus companheiros o
episódio dos Doze de Inglaterra, espécie de novela de cavalaria em que 12 cavaleiros
portugueses vão à Inglaterra para defender a honra de damas que haviam sido
ofendidas por 12 cavaleiros ingleses. Após uma luta sangrenta, os heróis lusitanos
vencem os ingleses, aos quais sobra a morte ou a vergonha da derrota.

Ao mesmo tempo, o deus dos oceanos, Netuno, recebe a visita de Baco, que o
convence a aliar-se contra os portugueses, argumentando que depois daquela viagem
os homens iriam perder o temor dos mares. Toda a força dos ventos invocados por
Netuno atinge a embarcação de Vasco da Gama. Sob a proteção de Vênus e das
Nereidas, as ninfas marinhas, os portugueses sobrevivem, mas seu navio sofre
inúmeras avarias, chegando a Calecute, na Índia, graças a correntes marítimas
invocadas em seu auxílio, uma vez que o mastro da embarcação estava partido.

Em Calecute, os portugueses são envolvidos em mais uma trama de Baco, que havia
induzido o Samorim (líder local) a separar Vasco da Gama de seus companheiros e
prendê-lo. O capitão consegue escapar mediante o pagamento de suborno, o que vale
uma crítica do narrador à corrupção dos homens pelo dinheiro.

A última aventura dos argonautas portugueses é sua visita à Ilha dos Amores, já no
retorno a Portugal. Vênus prepara maravilhosas surpresas para os visitantes.

Na ilha, estão ninfas que foram flechadas por cupido. Ao avistarem os navegantes, elas
imediatamente ficam apaixonadas. Começa, então, uma verdadeira perseguição
erótica, em que são exaltadas as qualidades do amante português. Depois de um
banquete no qual todos ouvem previsões sobre o futuro de cada um, a deusa Vênus
mostra a Vasco da Gama uma esfera, mágica e perfeita: a maravilhosa Máquina do
Mundo.

Após a volta tranqüila dos aventureiros a Portugal, o poeta termina seu livro em tom
de lamento. Queixa-se de que sua opinião não seja levada em conta pela “gente surda
e endurecida” e oferece ao rei dom Sebastião uma solução para impedir a decadência
do Império: uma grande empresa em direção ao Oriente, buscando a salvação de
muitos infiéis e resgatando a glória do heróico povo português.

TRÊS EPISÓDIOS
Existem três episódios em Os Lusíadas que merecem destaque por sua importância: o
de Inês de Castro, o do Velho do Restelo e o do Gigante Adamastor.

O episódio de Inês de Castro aparece no Canto III, durante o relato de Vasco da Gama
ao governante de Melinde. Trata-se da história do amor proibido de Inês, dama de
companhia da rainha, pelo príncipe dom Pedro. Ao saber do envolvimento do príncipe
com ela e preocupado com a ameaça política oferecida por Inês, que tinha parentesco
com a nobreza de Castela, o rei dom Afonso manda executar a jovem.

O rei percebe então que o amor de Inês por seu filho era sincero e decide mantê-la
viva, mas o povo, representando o interesse do Estado, o obriga a executar a moça.
Dom Pedro, ausente do reino na ocasião do assassinato, inicia depois uma vingança
sangrenta contra os executores e coroa o cadáver de Inês, aquela “que depois de ser
morta foi rainha”.

O relato sobre o Velho do Restelo encontra-se no Canto IV. Na praia lisboeta de


Restelo, um velho profere um discurso poderoso contra as empresas marítimas de
Portugal, que ele considera uma ofensa aos princípios cristãos, uma vez que a busca de
fama e glória em terras distantes contraria a vida de privações pregada pela doutrina
católica.

O episódio do Gigante Adamastor figura no Canto V. Ele aparece quando Vasco da


Gama e sua tripulação se dirigem ao Cabo das Tormentas, ou Cabo da Boa Esperança,
personificado pela figura de Adamastor. Esse gigante da mitologia grega se apaixonara
pela ninfa Tétis, que o rejeitara. Peleu, o marido de Tétis, transformou então o gigante
em pedra. Mais uma história de Camões em que o amor, “áspero e tirano”, causa o
infortúnio a quem se deixa levar por ele.

APONTAMENTOS D’OS LUSÍADAS

Renascimento

» Séculos XV e XVI
» Época de mudança ao nível da Europa
» Nasce na Itália do séc. XV, com a riqueza proveniente do comércio
» Investimento em arte como mostra de riqueza
» Os artistas e intelectuais criaram uma rede através de viagens e troca de
correspondência
» Humanismo; antropocentrismo (o Homem mentaliza-se das suas capacidades),
contrariando o teocentrismo medieval
» Valorização da razão e da experiência para certificação da verdade
» Descobrimentos; repensar da relação do Homem com o mundo; valorização da
Natureza
» Abalo das crenças: aparecimento do Protestantismo e teoria heliocêntrica de
Copérnico
» Invenção da imprensa e maior facilidade de divulgação dos livros
» Valorização da antiguidade clássica greco-romana. Representam equilíbrio,
proporção e regularidade
» Imitar os clássicos, imitar a Natureza

Luís de Camões

» Nasce por volta de 1525


» Sem documentação da educação (presumivelmente em Coimbra)
» 1549-1551: expedição ao Norte de África, onde perde o olho direito
» Na sequência de uma briga é preso. Pede perdão ao Rei, é libertado e enviado
para serviço militar na Índia
» Preso na Índia por dívidas
» Teve um naufrágio, salvando-se a nado com o manuscrito d’Os Lusíadas
» Vasta obra lírica: canções, sonetos e redondilhas. Três comédias
» Morre a 10 junho 1580. No terceiro centenário é-lhe erguida estátua em Lisboa

Características da epopeia

» Remonta à Antiguidade grega e latina


» Tem como expoentes máximos a Ilíada e Odisseia (Homero) e Eneida (Virgílio)
» Normas:
o Grandeza e solenidade, expressão do heroísmo
o Protagonista: alta estirpe social e grande valor moral
o Início da narração in medias res
o Unidade de ação, com recurso a episódios retrospetivos e proféticos
(analepse e prolepse)
o Os episódios dão extensão e riqueza à ação, sem lhe quebrar a unidade
o Maravilhoso: Os deuses devem intervir na ação
o Modo narrativo: o poeta narra em seu nome ou assumindo
personalidades diversas
o Intervenção do poeta: reduzidas reflexões em seu nome
o Estilo solene e grandioso, com verso decassilábico
Estrutura d’Os Lusíadas

» Externa:
o Verso decassilábico, maioritariamente heroico (acentuação nas 6.ª e
10.ª sílabas) ou sáfico (acentos nas 4.ª, 8.ª e 10.ª sílabas)
o Estrofes de oito versos com esquema abababcc (oitava heroica)
o 10 Cantos.
» Interna:
o Proposição: o poeta anuncia o que vai cantar (I, 1-3)
o Invocação: pedido às divindades inspiradoras (I, 4-5; III, 1-2; VII, 78-82;
X, 8)
o Dedicatória: oferecimento a personalidade importante (facultativa)
o Narração: ações do protagonista
» Planos:
o Narração Histórica:
» Viagem de Vasco da Gama (plano fulcral)
» História de Portugal (plano encaixado)
o Narração mitológica
» Plano mitológico: Intervenção dos deuses (plano paralelo)
o Intervenções do Poeta
» Alternância Mar/Terra
o Mar: I, II (Índico) V, VI (Lisboa-Calecut)
o Terra: III, IV (Melinde) VII, VIII (Calecut)
o IX, X: Mar e Terra (viagem de regresso e ilha dos amores)
» Tempo
o Discurso: Viagem, de África à Índia e regresso
o História: Desde Viriato até ao tempo de Camões
o As ligações são feitas por analepses e prolepses/profecias

Resumo

Canto I

» Proposição (1-3) – anúncio do assunto


» Invocação (4-5) – às Ninfas do Tejo
o Poder para descrever condignamente os feitos dos portugueses
» Dedicatória (4-18) – a D. Sebastião
o Segue a estrutura do sermão (exórdio, exposição, confirmação,
peroração [recapitulação e epílogo])
o Incita D. Sebastião a feitos dignos de figurar na obra
» Início da Narração (Moçambique a Mombaça)
o Ciladas preparadas em Moçambique: falso piloto para os conduzir a
Quíloa. Vénus intervém e repõe o percurso normal
» Consílio dos deuses (20-41)
o Simultaneidade com a navegação
o Decisão sobre chegada dos portugueses à Índia; oposição de Baco,
Vénus e Marte a favor
o Luz, sinónimo de riqueza e conhecimento
» Reflexão sobre a insegurança da vida (após traição de Baco)
o Depois de passar Moçambique, Quíloa e Mombaça
o Paralelismo entre perigos do mar e da terra
o Questão da fragilidade (pequenez) do Homem

Canto II

» Viagem de Mombaça a Melinde (1-113)


» A pedido de Baco, o Rei de Mombaça convida os portugueses para os destruir
» Vénus impede a Armada de cair na cilada
» Fuga dos emissários do Rei e do falso piloto
» Vasco da Gama apercebe-se do perigo e dirige uma prece a Deus (apesar da
mitologia pagã, o protagonista dirige-se sempre a Deus)
» Vénus pede a Júpiter que proteja os portugueses, profetizando-lhes futuras
glórias
» Na sequência disto, Mercúrio (em sonho) indica a Vasco da Gama o caminho
até Melinde
» Festejos na receção em Melinde
» Rei de Melinde pede a Vasco da Gama que lhe conte a História de Portugal
(109-113)

Canto III

» Invocação a Calíope (1-2)


» História de Portugal – 1.ª Dinastia
» Vasco da Gama como narrador e Rei de Melinde como Narratário
o Dificuldade em louvar o próprio
» Desde Luso a Viriato
» Formação da Nacionalidade
» As conquistas dos reis da 1.ª Dinastia
» Batalha de Ourique (42-54) – episódio épico
o Desproporção entre número de portugueses e Mouros (acentuando o
valor do inimigo, mais se acentua o valor da vitória)
o Intervenção de Cristo – lenda portuguesa
o Contraste Touro (força moura) e cão (inteligência dos portugueses),
apesar da diferença numérica
o Descrição da bandeira
» Morte de D. Afonso Henriques (83-84)
o Personificação da Natureza e sua tristeza
» Formosíssima Maria (102-106) – episódio lírico
» Episódio de Inês de Castro (118-135) – episódio lírico
o Caracterização de D. Inês e D. Pedro
o Texto com didascálias e diálogo (teatro)
o O Rei é desculpado por Camões, culpando o povo e ministros, a quem D.
Afonso IV cedeu para sobrepor a vontade do povo à sua
o Personificação da Natureza para lamentar a morte de Inês
(subjetividade)

Canto IV

» História de Portugal – 2.ª Dinastia


» Revolução 1383-85 (1-15)
» Discurso de D. Nuno Álvares Pereira (15-19)
» Batalha de Aljubarrota (28-44)
o Nobres portugueses contra os próprios irmãos, aliados de Castela
o Ao valorizar D. Nuno (chefe), valoriza todo o povo, visto que na época se
associava o valor do chefe ao valor dos seus súbditos (“um fraco rei faz
fraca a forte gente”)
» Sonho de D. Manuel (67-75)
o Rios Ganges e Indo aparecem-lhe como velhos, que lhe indicam que os
portugueses terão sucesso na Índia
o Vasco da Gama é chamado para se lançar na viagem para a Índia
o Plano da História (com ligação à viagem)
» Despedida em Belém (84-93) – episódio lírico
o Desmembramento das famílias
o Vasco da Gama evita grandes despedidas, pois só traria maiores
angústias
» Velho do Restelo (94-104)
o Representa o bom senso e prudência dos que defendiam a expansão
para o Norte de África
o Representa a ligação à terra-mãe
o Camões mostra que a opção não é consensual e que, apesar de
descrever os ideais épicos, existem outras ideologias
o Motivações erradas (glória de mandar, cobiça, fama e prestígio)
o Alerta para os perigos do mar, para a inquietação e adultério dos que
ficam e para o despovoamento do território nacional
o Excesso de ambição é prejudicial (Ícaro)
o Lamentação da estranha condição humana
Canto V

» Canto central d’Os Lusíadas (perigosas cousas do mar)


» Viagem de Lisboa a Melinde
» Fogo de Santelmo e tromba marítima (16-22)
o Episódio Naturalista
o Defesa da conquista do saber pela experiência (Humanismo) em
detrimento do saber livresco
o Elementos do quotidiano para facilitar a perceção do Rei de Melinde
o Crítica aos que acreditam por terem lido sem nunca terem visto
o Crítica ao saber livresco
» Episódio de Fernão Veloso (30-36)
» Episódio do Gigante Adamastor (37-60)
o Terror do desconhecido; capacidade para ultrapassar obstáculos
(naturais) – enaltecimento do herói
o Profecias sobre naufrágios
o O Adamastor, interpelado por Vasco da Gama, explica-lhe por que é um
penedo, com uma história de amor e traição com uma deusa (Tétis)
o Contraste da beleza feminina com a fealdade masculina
o Transformação do gigante em pedra
» Escorbuto (81-83)
» Reflexão sobre a dignidade das Artes e das Letras (92-100)
o Episódio Humanista
o Os antigos gostavam que os seus feitos guerreiros fossem cantados
o Os chefes eram também conhecedores da arte e das letras
o Os chefes da antiguidade eram guerreiros (épicos) mas também cultos
o Portugal não preza as artes (é ignorante)
o Mantendo-se a situação, ninguém exaltará os feitos dos portugueses
o Apesar de saber que os portugueses não valorizam as artes e as letras,
Camões vai continuar a sua obra, mesmo que por ela não venha a ser
reconhecido

Canto VI

» Viagem de Melinde a Calecut


» Consílio dos deuses marinhos (6-36) – Presidido por Neptuno, que com Baco
apoiam que os portugueses sejam afundados
» Episódio dos Doze de Inglaterra (43-69)
» Tempestade (70-85)
o Vasco da Gama dirige uma prece a Deus
o Intervenção de Vénus
» Chegada à Índia (92-94)
» Reflexão do poeta sobre o valor da Fama e da Glória (95-99)
o A nobreza não se herda
o São necessários feitos dignos do título
o Oposição da definição “tradicional” de Nobreza à agora apresentada por
Camões
o Apelo à coragem
o A nobreza e heroicidade conquistam-se vencendo e ultrapassando
obstáculos
o Os heróis serão reconhecidos, independentemente de o quererem

Canto VII

» Armada em Calecut
» Elogio do poeta ao espírito de cruzada. Censura às nações que não seguem o
exemplo português
o Crítica ao Luteranismo e guerras dos alemães
o Crítica à oposição dos ingleses ao Papa
o Crítica à aliança da França aos Turcos (por pura ambição)
o Crítica à corrupção italiana
o Crítica à expansão sem motivo religiosos
o Elogio aos portugueses, que apostam na expansão para propagar a fé
Cristã, enquanto os outros querem apenas conquistar território
» Desembarque de Vasco da Gama (42)
» Visita do Catual à armada. Paulo da Gama explica o significado das bandeiras
» Invocação às ninfas do Tejo e Mondego. Crítica aos opressores e exploradores
do povo (78-87)
o As etapas da vida de Camões (destacando-se a variedade). Balanço
negativo da sua vida
o Camões não se sente reconhecido pela sua obra
o Tal como ele, também os escritores vindouros se sentirão desmotivados
o Camões não louvará quem procura a fama para proveito próprio
o Crítica aos que chegam junto do Rei com o propósito de explorar o povo
o Camões sente-se cansado pela forma como é tratado pelos
compatriotas

Canto VIII

» Armada em Calecut
» Paulo da Gama explica ao Catual o significado das bandeiras (1-43)
» Ciladas de Baco, que intercede junto dos indianos contra os portugueses(43-96)
» Reflexão sobre o vil poder do ouro
o A sede de dinheiro provoca ações pouco nobres de ricos e de pobres
o O ouro corrompe mas não deixa de ser um metal nobre

Canto IX

» Em Calecut
» Regresso a Portugal – Ilha dos Amores
» Vénus recompensa os Portugueses mostrando-lhes a ilha dos amores
» Exortação do poeta aos que desejarem alcançar a Fama (92-95)
Canto X
» Tétis e as ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Profecias sobre o
futuro dos Lusitanos no Oriente (1-73)
» Invocação a Calíope (8-9)
» Tétis mostra a Máquina do Mundo a Vasco da Gama, indicando-lhe a dimensão
do Império Português (77-142)
» Chegada a Portugal (144)
» Lamentação do poeta e exortação de D. Sebastião (145-156)
o Caracterização do passado, presente e futuro
o Elogio aos portugueses que partem expostos ao perigo (nobres). Alerta
aos homens do presente, focados no ouro, cobiça e ambição
o O Rei deverá favorecer aqueles que possuem os valores que Camões diz
serem ideais
o Simetria: novas proposição e dedicatória (visão aristotélica da epopeia)

Lusíadas

Os elementos do género épico

Características gerais do género épico:

o Uma acção épica expressiva de grandeza e heroísmo de uma


forma solene
o Um protagonista que, além da sua alta estirpe social, devia
revelar grande valor moral
o Unidade de acção
o Os episódios dão extensão à epopeia, mas servem, sobretudo,
para a enriquecer, sem quebrar a unidade de acção
o A intervenção do maravilhoso na acção
o A utilização do modo narrativo, pelo poeta em seu próprio nome
ou assumindo personalidades diversas
o A reduzida intervenção do poeta
Características do género épico em “Os Lusíadas”:

a) A acção é a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da


Gama, como acontecimento culminante da História de Portugal até à data da
composição da obra e definidor do perfil do herói, isto é, o Povo Português, “o
peito ilustre lusitano”
Havia determinadas qualidades que a acção de uma epopeia devia
reunir: a unidade, a variedade, a verdade e a integridade.

1. A unidade é, porventura, a característica fundamental, dado que exige


que todas as suas partes ou séries de acontecimentos constituam um todo
harmonioso
2. A variedade é conseguida através da inserção de episódios, cuja função
é embelezar a acção e quebrar a monotonia de uma narração continuada, mas
sempre sem prejudicar a unidade, através do estabelecimento hábil de uma
relação como o acontecimento ou a figura de que a acção se ocupa em cada
momento.

São variados os tipos de episódios que encontramos em “Os Lusíadas”:


 Mitológicos
 Bélicos
 Líricos
 Naturalistas
 Simbólicos
 Humorístico ou herói-cómico
 Cavalheiresco
3. A verdade consiste no tratamento de um assunto real ou, pelo menos,
verosímil
4. A integridade exige a estruturação de uma narrativa com princípio,
meio e fim ( introdução, desenvolvimento e conclusão)
b) A personagem - (os sujeitos ou heróis da acção) – o povo português, um
herói colectivo, que na obra é simbolicamente representado por vasco da
Gama
c) O maravilhoso, que consiste na intervenção, de entidades sobrenaturais na
acção, umas favorecendo, outras dificultando. Cada interventor tem as suas
razões para desejar o sucesso ou o insucesso dos marinheiros portugueses.

d) A forma: “Os Lusíadas” são uma narrativa em verso, dividida em dez cantos,
com um número aproximado de cento e dez estrofes cada. As estrofes são
oitavas em verso decassilábico, geralmente heróico
O esquema rimático é fixo – ABABABCC – sendo, portanto, a rima
cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos.

Quadro-Síntese:

CONCRETIZAÇÃO EM
ELEMENTOS CARACTERÍSTICAS
“OS LUSÍADAS”

- Unidade ligação entre as


diversas partes
- A acção - viagem de Vasco da - Variedade inserção de
acontecimentos
Gama, acontecimento episódios para quebrar a monotonia
representados ao longo
culminante da história e embelezar a acção
da obra
de Portugal - Verdade assunto real, ou, pelo
menos, verosímil
- Integridade criação de uma
intriga com principio, meio e fim
- A personagem os - Vasco da gama - individual e principal, com
agentes ou heróis da - O Povo uma dimensão simbólica ( um povo
acção Português de marinheiros)
- Camões - herói colectivo, fundamental
- Etc numa epopeia
- herói individual
- Não são meros símbolos, têm
paixões humaníssimas, identificam o
êxito e o fracasso, a vitoria e a
derrota
- O maravilhoso - Pagão deuses pagãos
- Júpiter, Vénus,
intervenção de seres - Cristão desuses do
Marte, Baco, etc.
sobrenaturais na acção cristianismo
- Deus ( A Divina
- Misto mistura dos dois
Providência Cristã)
anteriores
- dez cantos
- narrativa em versos
decassílabicos, geralmente heróicos,
A forma agrupados em oitavas
- rima cruzada nos seis
primeiros versos e emparelhada nos
dois últimos
- esquema rimático: ABABABCC

A estrutura externa

A obra distribui-se por dez cantos, cada um deles com um número


variável de estrofes ( em média cento e dez). O número total de estrofes da
epopeia é de mil cento e duas. As estrofes são oitavas, isto é, constituídas por
oito versos. Os versos são decassilábicos, na sua maioria heróicos (acentuados
nas 6º e 10ª sílabas), surgindo, também, por vezes, o verso sáfico (acentuado
nas 4º, 8ª e 10ªsílabas).

O esquema rimático é o mesmo em todas as estrofes da obra -


ABABABCC, sendo, portanto, a rima cruzada nos seis primeiros versos e
emparelhada nos dois últimos.

A estrutura interna

“Os Lusíadas” apresenta as tradicionais três partes lógicas: introdução,


desenvolvimento e conclusão.

Assim, das quatro partes de uma epopeia clássica (proposição,


invocação, dedicatória e narração) constituem as três primeiras a introdução (
I, 1-18 ); a narração constituirá o desenvolvimento; e considerar-se-á concluída
quando os marinheiros entrarem “pela foz do Tejo ameno” ( X, 144). A
conclusão, ou epílogo, inclui as restantes doze estrofes do canto X (145-156) e
exprime um desabafo desencantado perante a Musa e uma exortação final a
D.Sebastião, prometendo cantar-lhe os feitos futuros.

Introdução (proposição, invocação e dedicatória)

A proposição

Consiste na apresentação do assunto (Canto I, 1-3), em que Camões


proclama cantar as grandes vitórias e os homens ilustres (“As armas e os
barões assinalados”), as conquistas e navegações no Oriente (reinados de D.
Manuel e de D. João III), as vitórias em África e na Ásia (desde D. João I a D.
Manuel), que dilataram “a Fé e o Império” e, por último, todos aqueles que
“por obras valerosas se vão da lei Morte libertando”, todos aqueles que, no
passado, no presente e no futuro, mereceram, merecem ou vieram a merecer a
imortalidade” na memória dos homens.

Predomínio da função apelativa, pelo uso do conjuntivo com sentido de


imperativo (cessem, cale-se, cesse) e pela repetição daquelas formas verbais
sinónimas.

A invocação

Consiste em pedir ajuda a entidades mitológicas, chamadas Musas. Isso


acontece várias vezes ao longo do poema, sempre que o sujeito da enunciação
sente faltar-lhe a inspiração suficiente, seja em resultado da grandeza da tarefa
que se lhe impõe, seja porque as condições são adversas. Todavia, no canto X,
estrofe 145, Camões dirige-se, finalmente, à Musas (Calíope) para um lamento
sincero e a confissão de “não mais” poder “cantar a gente surda e endurecida”.

Predomínio, ainda, da função apelativa da linguagem, pelo uso do


imperativo, do vocativo, e da repetição anafórica.

Pretende Camões, nestas duas estrofes, que as tágides lhe dêem um


estilo sublime, à altura dos feitos que se propõe narrar e de forma que a gesta
lusíada se torne conhecida em todo o universo. Não lhe interessa, agora, a
inspiração lírica e bucólica que as Musas lhe prodigalizaram. Pretende agora
voar mais alto.

A dedicatória

A dedicatória (I, 6-18) é o oferecimento do poema a D. Sebastião.


O carácter oratório do discurso é que determina o uso da 2ª pessoa do
plural (“vós”), do modo imperativo (“inclinai”, “ponde”) e de numerosas
apóstrofes.

D. Sebastião encarna toda a esperança do poeta que quer ver nele um


monarca poderoso, capaz de retomar a “dilatação da Fé e do Império” e de
ultrapassar a crise do momento.

Camões dirige-se a D. Sebastião, usando repetidamente a cerimoniosa


2ª pessoa do plural e sucessivas apóstrofes e perífrases altamente elogiosas,
vendo nele o depositário providencial da independência da Pátria e a garantia
da dilatação da Fé Cristã e da construção dum Império onde sempre haveria
Sol, porque se estenderia de Leste a Oeste do Universo.

Desenvolvimento – os quatro planos de organização da narrativa:

A viagem

A quarta parte da epopeia, a narração, é que constitui a acção principal


que, à maneira clássica, se inicia “in media res”, isto é, quando a viagem já vai a
meio, encontrado-se já os marinheiros em pleno Oceano Índico.

Este começo da acção central, a viagem de descoberta do caminho


marítimo para a Índia, quando os Portugueses se encontram já a meio do
percurso, no Canal de Moçambique, vai permitir:

- a narração do percurso até Melinde pelo narrador heterodiegético


(cantos I e II)
- a narração da História de Portugal até à viagem (cantos III, IV e V,85),
em forma de discurso do Gama, dirigido ao Rei de Melinde e a pedido deste
- A inclusão da narração da primeira parte da viagem e ao surgimento da
“doença crua e feia” (escorbuto) na retrospectiva histórica atrás referida
- A apresentação do último troço da viagem (canto VI), entre Melinde e
Calecute, de novo por um narrador heterodiegético.
Mas, simultaneamente, os deuses reúnem em consílio, para decidir “sobre
as cousas futuras do Oriente” e, de vez em quando, tece o poeta considerações
pessoais.

A narrativa organiza-se em quatro planos: o da viagem e dos deuses, em


alternância, ocupam uma posição fulcral; a História passada de Portugal está
encaixada na viagem; as considerações pessoais aparecem normalmente nos
fins de cantos e constituem, de um modo geral, a visão crítica do Poeta sobre o
seu tempo.

Já a Proposição aponta para os quatro planos do poema: a celebração


de uma viagem a glorificação de um povo do poema: a celebração de uma
viagem, a glorificação de um povo cuja histórica será narrada, por traduzir a
vitória sobre os deuses, na interpretação pessoal do poeta: “Cantando
espalharei por toda a parte”.

A Histórica de Portugal: os discursos e as profecias

A História de Portugal, exposta em discurso (de Vasco da Gama ao rei de


Melinde e de Paulo da Gama ao Catual, para a histórica passada em relação à
viagem – 1498) e em profecias ( de Jupiter, de Adamastor, da ninfa Sirena e de
Tétis, em relação à história futura em relação à viagem), não tem uma unidade
intrínseca.

Uma parte dessa história é dada em sequência cronológica e consta do


discurso de vasco da Gama ao rei de Melinde. Outra parte é dada em quadros
soltos, como são as pinturas (“bandeiras”) que Paulo da Gama explica ao Catual
ou as profecias de Júpiter, do gigante Adamastor, de Tétis ou da Ninfa Sirena.

Abundam, os discursos, ora dos narradores, ora dos protagonistas das


histórias: o da “formosísima Maria”, a seu pai; o de Inês de Castro ao sogro
(Afonso IV); o de Nuno Álvares Pereira, no canto IV.

A exposição dos feitos dos Portugueses caracteriza-se pela ausência de


uma acção de conjunto. Não é, portanto, que encontrámos a mola do poema.

Os deuses

A intriga dos deuses abre com o consílio, com que se inicia a acção do
poema (I; 20-41) e fecha na ilha de Vénus, com que ele, praticamente, se
encerra.

Formalmente, a unidade de “Os Lusíadas” é estabelecida pela intriga


dos deuses. Eles estão em cena desde o princípio até ao fim do poema, o qual
abre com o consílio dos deuses e termina com a Ilha dos Amores. Não se trata
de mero quadro externo, ou de uma sobreposição, mas da mola real do poema,
que não tem outra. As personagens mitológicas têm uma vida que falta às
personagens históricas: são elas as verdadeiras criaturas humanas, que sentem,
que se apaixonam, intrigam e fazem rebuliço. O Gama é muito mais hirto e frio
que o Gigante Adamastor, apesar de este ser um cabo, uma rocha. E ninguém
tem o vulto, a irradiação, a força, a personalidade provocante de Vénus.

Através da mitologia, Camões exprime algumas tendências profundas


do Renascimento:

- a vitória dos homens sobre os deuses, que personificam os


limites opostos pela tradição à iniciativa humana
- a confiança na capacidade humana para dominar a natureza
- a concepção da natureza como um ser vivo
- a afirmação (apenas virtual) de Deus coo uma imanência
- a crença na bondade da natureza
- a identificação da lei da razão com a lei da liberdade
- a proscrição da noção de pecado

As considerações pessoais

Este plano, é aquele em que o autor se permite tecer considerações, na


maior parte das vezes de carácter satírico, sobre matérias muito diferenciadas:
- a fragilidade da vida humana face ais “grandes e gravíssimos
perigos” tanto no mar como na terra (I, 105-106)
- o desprezo a que as Artes e as Letras muitas vezes são votadas
pelos Portugueses (V, 91-100)
- o valor da glória e das honras por mérito próprio (VI, 95-99)
- a ingratidão de que se sente vítima por parte da sociedade (VII,
78-87)
- o poder corruptor do ouro, o “metal luzente e louro”, também
motor de traições (VIII, 96-99)
- os modos de atingir a imortalidade, condenado a cobiça, a
ambição e a tirania (IX, 92-95)
- a decadência da Pátria, a “austera, apagada e vil tristeza” (X,
145)
- a invectiva ao Rei, renovando os apelos da Dedicatória, e
incentivando-o a tomar medidas no sentido de corrigir e repor o país na senda
do êxito (X, 146-156)

Conclusão

Camões lamenta perante a Musa (Calíope) a inutilidade do seu canto


face à indiferença da sociedade do seu tempo (“gente surda e endurecida”),
afogada que está “no gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil
tristeza”; da estrofe 146 até ao fim do , Camões dirige-se ao novo Rei, última
esperança de regeneração da Pátria, aconselha-o a “favorecer” todos aqueles
que estejam dispostos a servir desinteressadamente e conclui a sua obra
oferecendo-se para cantar os feitos que D. Sebastião venha a praticar em
África.

A universalidade e actualidade da mensagem

“os Lusíadas” são o poema do mar, dos descobrimentos, das trocas


internacionais? Sim, sem qualquer dúvida. Mas Camões defende,
simultaneamente, o amor e a guerra, o império do amor e o amor do império.
Tem-se a impressão de que Camões, poeta lírio, faz uma aposta – a aposta de
escrever uma epopeia – cumpriu a sua palavra até ao fim, mas durante a
realização de um trabalho de muitos anos sofreu momentos de dúvida e pôs
em causa aquilo que exaltava. As contradições do poema são as contradições
do seu século, e desta conclusão podemos inferir da sua universalidade, pois
“OS Lusíadas” não são exclusivamente o canto do nacionalismo que se
estruturava – mas também uma meditação sobre os valores. Trata-se, com
efeito, das contradições dialécticas de uma voz que exprime a consciência
moral, social e política da Europa num momento da sua evolução.

“Os Lusíadas,. Poema simultaneamente épico e crítico, veiculam pois


uma mensagem universal de humanismo generoso que contrabalança e
ultrapassa a tolerância religiosa e um patriotismo estreito. A sua problemática,
bem como a sua arte, interessa ainda aos nosso dias, aos homens de todo o
mundo. Nele se descobre já a aspiração profunda ao conhecimento e ao amor
do próximo, condição necessária quer para o desenvolvimento harmonioso do
indivíduo quer para a criação cultural e o triunfo da paz.

Os Dez Cantos d'Os Lusíadas

Canto I

O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo e


dedica o poema ao Rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração de viagem de Vasco
da Gama, referindo brevemente que a Armada já se encontra no Oceano Índico, no
momento em que os deuses do Olimpo se reúnem em Consílio convocado por Júpiter,
para decidirem se os Portugueses deverão chegar à Índia.
Com o apoio de Vénus e Marte e apesar da oposição de Baco, a decisão é
favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí Baco
prepara-lhes várias ciladas que culminam com o fornecimento de um piloto por ele
instruído para os conduzir ao perigoso porto de Quíloa. Vénus intervém, afastando a
armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo até Mombaça. No final do
Canto, o poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o Homem.

Canto II
O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os Portugueses a entrar
no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite, pois
os dois condenados que mandara a terra colher informações tinham regressado com
uma boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido
enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, afasta a
Armada, da qual se põem em fuga os emissários do Rei de Mombaça e o falso piloto.
Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo que corria, dirige uma prece a
Deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os Portugueses, ao que ele
acede e, para a consolar, profetiza futuras glórias aos Lusitanos. Na sequência do
pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até
Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos
Portugueses a Melinde é efectivamente saudada com festejos e o Rei desta cidade visita
a Armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a história do seu país.
Canto III
Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa da
História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária
história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração
dos feitos guerreiros dos Reis da 1.ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando.
Destacam-se os episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique, no reinado
de D. Afonso Henriques, e o da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado e de Inês de
Castro, no reinado de D. Afonso IV.

Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora a
história da 2.ª Dinastia, desde a revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de
D. Manuel, em que a Armada de Vasco da Gama parte para a Índia.
Após a narrativa da Revolução de 1383-85 que incide fundamentalmente na
figura de Nuno Álvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os
acontecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo os relacionados com a expansão
para África.
É assim que surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo que
D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D.
Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando as futuras
glórias do Oriente. Este canto termina com a partida da Armada, cujos navegantes são
surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na
praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.

Canto V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora
a viagem da Armada, de Lisboa a Melinde.
É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros
observaram maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a
Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos
nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante
Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que
desprezam a poesia.

Canto VI
Finda a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde guiada por um
piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut.
Baco, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir
ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar
Baco e soltar os ventos para fazer afundar a Armada. É então que, enquanto os
marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o
episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violenta
tempestade.
Vasco da Gama vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a
Deus e, mais uma vez, é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas seduzir
os ventos para os acalmar.
Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece
a Deus. O canto termina com considerações do Poeta sobre o valor da fama e da glória
conseguidas através dos grandes feitos.

Canto VII
A Armada chega a Calecut. O poeta elogia a expansão portuguesa como
cruzada, criticando as nações europeias que não seguem o exemplo português. Após a
descrição da Índia, conta os primeiros contactos entre os portugueses e os indianos,
através de um mensageiro enviado por Vasco da Gama a anunciar a sua chegada.
O mouro Monçaíde visita a nau de Vasco da Gama e descreve Malabar, após
o que o Capitão e outros nobres portugueses desembarcam e são recebidos pelo Catual
e depois pelo Samorim. O Catual visita a Armada e pede a Paulo da Gama que lhe
explique o significado das figuras das bandeiras portuguesas. O poeta invoca as Ninfas
do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que critica duramente os opressores e
exploradores do povo.

Canto VIII
Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras
portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco
intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote
brâmane e instigando-o através da informação de que vêm com o intuito da pilhagem.
O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar às naus, mas é
retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses
depois destes lhes entregarem as fazendas que traziam. O poeta tece considerações
sobre o vil poder do ouro.

Canto IX
Após vencerem algumas dificuldades, os portugueses saem de Calecut,
iniciando a viagem de regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os
marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho cúpido
desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão
apaixonadas os Portugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros desembarcam
para caçar, vêem as ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a
Vasco da Gama a razão daquele encontro (prémio merecido pelos “longos trabalhos”),
referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da
simbologia da Ilha, o poeta termina, tecendo considerações sobre a forma de alcançar a
Fama.

Canto X
As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma invocação do
poeta a Calíope, uma ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos portugueses no
Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a
Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império português. Os
portugueses despedem-se e regressam a Portugal.
O poeta termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta
incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar
a glória dos Portugueses.

RESUMO DA NARRAÇÃO DE "OS LUSÍADAS"

CANTO I

Depois do Concílio dos Deuses, a armada de Vasco da Gama chega a Moçambique


onde pára para se abastecer. Aí recebe a bordo da nau alguns Mouros da Ilha. O
Régulo, isto é, o chefe da Ilha, é recebido por Vasco da Gama.

O Mouro, quando verifica que os Portugueses eram Cristãos, inspirado por Baco,
resolve destruí-los. Quando Vasco da Gama desembarca na ilha‚ é atacado
traiçoeiramente, mas com a ajuda dos marinheiros portugueses consegue vencer os
mouros. Após o triunfo, Vasco da Gama recebe a bordo um piloto, que recebera
ordens para levar os portugueses a cair numa cilada em Quíloa. Quando a armada se
aproximava de Quíloa, Vénus, que descobrira a traição de Baco, afasta a armada da
costa por meio de ventos contrários, anulando assim a traição. O piloto mouro tenta
outras vezes aproximar a armada da costa para a destruir, mas Vénus está atenta e
impede que isso aconteça. Entretanto os portugueses continuam a viagem para Norte
e chegam a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para receber os portugueses e os
destruir.

CANTO II

O rei de Mombaça convida a armada portuguesa a entrar no porto a fim de a destruir.


Vasco da Gama, por medida de segurança, manda desembarcar dois condenados
portugueses, encarregados por ele de obterem informações acerca da terra. Baco
disfarça-se de sacerdote cristão. Os dois portugueses são levados à casa onde ele se
encontra e vêem em Baco um sacerdote cristão junto a um altar onde se
representavam Cristo e os Apóstolos. Quando os portugueses regressam à armada,
dão informações falsas a Vasco da Gama, convencidos de que estavam entre gente
Cristã. Vasco da Gama resolve entrar com a armada no porto de Mombaça. Vénus
apercebe-se do perigo e, com a ajuda das Nereides, impede os barcos de entrar no
porto. Perante o espanto de todos, apesar do vento empurrar os barcos em direcção à
cilada, eles não avançam. O piloto mouro e os companheiros que também tinham sido
embarcados na ilha de Moçambique, pensando que os seus objectivos tinham sido
descobertos, fogem precipitadamente lançando-se ao mar, perante a admiração de
Vasco da Gama, que acaba por descobrir a traição que lhe estava preparada e à qual
escapou milagrosamente.
Vasco da Gama agradece à Divina Guarda o milagre concedido e pede-lhe que lhe
mostre a terra que procura. Vénus, ouvindo as suas palavras, fica comovida e vai ao
Olimpo queixar-se a Júpiter pela falta de protecção dispensada pelos deuses aos
Portugueses. Júpiter fica comovido e manda Mercúrio a terra para preparar uma
recepção em Melinde aos Portugueses e inspirar a Vasco da Gama qual o caminho a
seguir. A armada continua a viagem e chega a Melinde, onde é magnificamente
recebida. Vasco da Gama envia um embaixador a terra e o rei acolhe-o
favoravelmente.

Após várias manifestações de contentamento em terra e na armada, o rei de Melinde


visita a armada portuguesa.

CANTO III

O narrador começa por invocar Calíope, musa da poesia épica, para que lhe ensine o
que Vasco da Gama contou ao rei de Melinde. A partir daqui o narrador passa a ser
Vasco da Gama. Segundo ele, não contará história estranha, mas irá ser obrigado a
louvar os seus, o que, segundo ele, não será o mais correcto. Por outro lado, receia
que o tempo de que dispõe, por mais longo que seja, se torne curto para tantos e tão
grandiosos feitos. Mas obedecerá ao seu pedido, indo contra o que deve e procurando
ser breve. E, para que a ordem leve e siga, irá primeiro tratar da larga terra e, em
seguida, falará da sanguinosa guerra.

Após a descrição da Europa, Vasco da Gama fala das origens de Portugal, desde Luso a
Viriato, indicando também a situação geográfica do seu país relativamente ao resto da
Europa. A partir da estância 23, começa a narrar a História de Portugal desde o conde
D. Henrique até D. Fernando, último rei da primeira dinastia.

Os principais episódios narrados dizem respeito aos reinados de D. Afonso Henriques e


a D. Afonso IV.

Relativamente ao primeiro rei de Portugal, refere as diferentes lutas travadas por ele:
contra sua mãe, D. Teresa, contra D. Afonso VII e contra os mouros, para alargamento
das fronteiras em direcção ao sul. São de destacar os episódios referentes a Egas
Moniz (estâncias 35-41) e a Batalha de Ourique (estâncias 42-54).

No reinado de D. Afonso IV, destacam-se os episódios da formosíssima Maria, em que


sua filha lhe vem pedir ajuda para seu marido, rei de Castela, em virtude de o grão rei
de Marrocos ter invadido a nobre Espanha para a conquistar; o episódio da batalha do
Salado, em que juntos os dois Afonsos vencem o exército árabe; e, finalmente, o
episódio de Inês de Castro, a mísera e mesquinha que depois de morta foi rainha.
CANTO IV

O canto IV começa por referir o interregno que se seguiu à morte de D. Fernando,


entre 1383-85, e, em seguida, foca o reinado de D. João I, apresentando-nos os
preparativos para a guerra com Castela, a figura de D. Nuno Alvares Pereira, o seu
insurgimento contra aqueles que se colocaram ao lado de Castela, entre os quais se
contam os seus próprios irmãos, e a Batalha de Aljubarrota, que opôs D. João I de
Portugal a D. João I de Castela. Em seguida, é narrada a conquista de Ceuta e o
martírio de D. Fernando, o Infante Santo.

São a seguir apresentados os reinados a seguir a D. João I, entre os quais os de D.


Afonso V e de D. João II. No reinado de D. Manuel I, é apresentado o seu sonho
profético (estâncias 67-75). D. Manuel I confia a Vasco da Gama o descobrimento do
caminho marítimo para a Índia e é-nos depois apresentada a partida das naus, com os
preparativos para a viagem, as despedidas na praia de Belém e, finalmente, o episódio
do velho do Restelo, no qual um velho de aspecto venerando critica os
descobrimentos, apontando os seus inconvenientes e criticando mesmo o próprio rei
D. Manuel I, que deixava criar às portas o inimigo, no Norte de África, para ir buscar
outro tão longe, despovoando-se o reino e enfranquecendo-o consequentemente.

CANTO V

Vasco da Gama, que continua a sua narração ao rei de Melinde, apresenta agora, no
começo deste canto, a largada de Lisboa e o afastamento da armada até ao
desaparecimento no horizonte da fresca serra de Sintra. A viagem prossegue
normalmente até à passagem do Equador, momento a partir do qual Vasco da Gama
refere diversos fenómenos meteorológicos, tais como súbitas e medonhas trovoadas,
o fogo de Santelmo e a tromba marítima (estâncias 16-23).

Chegados à ilha de Santa Helena, os portugueses contactam com um nativo, a quem


oferecem vários objectos. Crendo haver conquistado a confiança dos nativos, Fernão
Veloso aventura-se a penetrar na ilha de Santa Helena. A certa altura, surge a correr a
toda pressa, perseguido por vários nativos, tendo Vasco da Gama de ir em seu socorro,
travando-se uma pequena luta entre eles, da qual saiu Vasco da Gama ferido numa
perna.

Regressados aos barcos, os marinheiros procuram gozar com Fernão Veloso, dizendo-
lhe que o outeiro fora melhor de descer do que subir. Este, sem se desconcertar,
respondeu-lhes que correra à frente dos nativos por se ter lembrado que os
companheiros estavam ali sem a sua ajuda (estâncias 24-36).

Junto ao Cabo das Tormentas, ocorre o episódio do Gigante Adamastor (estâncias 37-
60), o qual faz diversas profecias aos portugueses e, em seguida, interpelado por Vasco
da Gama, conta a sua história.
Vasco da Gama relata o resto da viagem até Melinde, tendo referido também a mais
crua e feia doença jamais por ele vista: o escorbuto. O canto termina com os elogios
feitos pelo Gama à tenacidade portuguesa e com a invectiva do poeta contra os
portugueses seus contemporâneos por desprezarem a poesia e a técnica que lhe
corresponde.

CANTO VI

Após as festas de despedida, a armada larga de Melinde para prosseguir a viagem até à
Índia, levando a bordo um piloto melindano. Entretanto Baco desce ao palácio de
Neptuno, a fim de incitar os deuses marinhos contra os portugueses, pois vê-os quase
a atingir o império que ele tinha na Índia. Baco é recebido por Neptuno no seu palácio
e explica-lhe os motivos da sua vinda.

Por ordem de Neptuno, Tritão vai convocar todos os deuses marinhos para o concílio.
Assim que se encontram todos reunidos, Baco profere o seu discurso, apresentando
honesta e claramente as razões da sua presença. As lágrimas interrompem-lhe a dado
momento as palavras, fazendo com que de imediato todos os deuses se inflamassem
tomando o seu partido. Neptuno manda a Eolo recado para que solte os ventos,
gerando assim uma tempestade que destrua os portugueses (estâncias 6-37).

Sem nada pressentirem, os portugueses contam histórias para evitarem o sono, entre
as quais a dos Doze de Inglaterra (estâncias 43-69). Quando se apercebem da chegada
da tempestade, a fúria com que os ventos investem é tal que não lhes dá tempo de
amainar as velas, rompendo-as e quebrando os mastros. É tal a fúria dos elementos
que nada lhes resiste. As areias no fundo dos mares vêem-se revolvidas, as árvores
arrancadas e com as raízes para o céu e os montes derribados. Na armada a situação é
caótica. As gentes gritam e vêem perto a perdição, com as naus alagadas e os mastros
derribados. Vendo-se perdido, Vasco da Gama pede ajuda à Divina Guarda.

Vénus apercebe-se do perigo em que os portugueses se encontram e, adivinhando que


se trata de mais uma acção de Baco, manda as Ninfas amorosas abrandarem as iras
dos ventos. Quando a tempestade se acalma (estâncias 70-85), amanhecia e o piloto
melindano avista a costa de Calecut. O canto termina com a oração de agradecimento
de Vasco da Gama e com uma reflexão do poeta acerca do verdadeiro valor da glória.

CANTO VII

Os portugueses, que tinham chegado à Índia ainda no Canto VI (estância 92), agora, na
primeira estrofe do Canto VII entram na barra de Calecut. Na estrofe 2, o narrador faz
o elogio do espírito de cruzada luso e exorta as outras nações europeias a seguirem o
exemplo dos Portugueses na luta contra os infiéis (estâncias 2 a 15). Uma vez chegados
a terra, pescadores em leves embarcações mostram aos portugueses o caminho para
Calecut, onde vive o rei da Índia. Das estâncias 17 a 22, é feita a descrição da Índia e
apresentados os primeiros contactos com Calecut. Vasco da Gama avisa o rei da sua
chegada e manda a terra o degredado João Martins. Este mensageiro encontra o
mouro Monçaide, que já estivera em Castela e sabia quem eram os portugueses,
ficando muito admirado por os ver tão longe da pátria. Convida-o a ir a sua casa, onde
o recebe e lhe dá de comer. Depois disto, Monçaide e o enviado regressam à nau de
Vasco da Gama. Monçaide visita a frota e fornece elementos acerca da Índia. Algum
tempo depois, Vasco da Gama desembarca com nobres portugueses, é recebido pelo
Catual, que o leva ao palácio do Samorim. Após os discursos de apresentação, o
Samorim recebe os portugueses no seu palácio. Enquanto estes aqui permanecem, o
Catual procura colher informações junto de Monçaide acerca dos portugueses e, em
seguida, visita a nau capitaina, onde é recebido por Paulo da Gama, a quem pergunta o
significado das figuras presentes nas bandeiras de seda. Das estâncias 77 até ao fim do
Canto VII, Camões invoca as ninfas do Tejo e também as do Mondego, queixando-se
dos seus infortúnios.

CANTO VIII

Paulo da Gama continua a explicar o significado das figuras nas bandeiras portuguesas
ao Catual, que se mostra bastante interessado, fazendo várias perguntas.

Após a visita, o Catual regressa a terra. Por ordem do rei da Índia (estâncias 45 a 46) os
Arúspices fazem sacrifícios, porque adivinham eterno cativeiro e destruição da gente
indiana pelos portugueses.

Entretanto, Baco resolve agir contra os portugueses. Aparece em sonhos a um


sacerdote árabe (estâncias 47 a 50) incitando-o a opor-se aos portugueses. Quando
acorda, o sacerdote maometano instiga os outros a revoltarem-se contra Vasco da
Gama.

Vasco da Gama procura entender-se com o Samorim, que, após violenta discussão,
ordena a Vasco da Gama que regresse à frota, mostrando-lhe o desejo de trocar
fazendas europeias por especiarias orientais.

Subornado pelos muçulmanos, o Catual impede o cumprimento das ordens do


Samorim e pede a Vasco da Gama que mande aproximar a frota para embarcar, com o
intuito de a destruir. Vasco da Gama, astuto e desconfiado, não aceita a proposta,
sendo preso pelo Catual.

Com o receio de ser castigado pelo Samorim, por causa da demora, o Catual apresenta
nova proposta a Vasco da Gama: deixa-o embarcar, mas terá de lhe dar em troca
fazendas europeias. Vasco da Gama aceita e regressa à frota, depois de ter entregue as
mercadorias pedidas. O canto acaba com as reflexões do poeta acerca do poder do
«metal luzente e oiro».
CANTO IX

Dois feitores portugueses são encarregados de vender as mercadorias, mas são


detidos em terra, para retardar a partida da armada portuguesa, a fim de dar tempo a
que uma armada muçulmana viesse de Meca para a destruir.

O Gama é informado disso pelo árabe Monçaide e, por isso, decide partir, procurando
fazer com que os dois feitores portugueses regressem secretamente à armada, mas
não consegue o que pretende. Como represália, impede vários mercadores da Índia de
regressarem a terra e, tomando-os como reféns, ordena a partida.

Por ordem do Samorim, são restituídos a Vasco da Gama os dois feitores portugueses
e as fazendas, após o que se iniciou o regresso a casa (estâncias 13 a 17).

Vénus decide preparar o repouso e prémio para os portugueses (estâncias 18 a 21).


Dirige-se, com esse objectivo, a seu filho Cupido (estâncias 22 a 50), e manda reunir as
Ninfas numa ilha especialmente preparada para os acolher.

A «Ilha dos Amores», cuja descrição se apresenta nas estâncias 52 a 55, era uma ilha
flutuante que Vénus colocou no trajecto da armada, de modo a que esta,
infalivelmente, a encontrasse.

Os portugueses desembarcaram na ilha e as Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma


perseguição. Para aumentar o desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram uma certa
resistência, apenas se deixando apanhar ao fim de algum tempo, efectuando-se,
então, o «casamento» entre elas e os marinheiros.

Tétis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se a Vasco da
Gama, recebendo-o com honesta e régia pompa. Depois de se ter apresentado e dado
a entender que ali viera por alta influição do Destino, tomando o Gama pela mão,
levou-o para o seu palácio, onde lhe explicou (estâncias 89 a 91) o significado alegórico
da «Ilha dos Amores»: as Ninfas do Oceano, Tétis e a Ilha outra coisa não são que as
deleitosas honras que a vida fazem sublimada.

O Canto IX termina com uma exortação dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu
nome.

CANTO X

Tétis e as restantes ninfas oferecem um banquete aos navegantes e durante ele uma
ninfa começa a descrever os futuros feitos dos portugueses. Entretanto (estâncias 8-9)
o poeta interrompe-lhe a descrição para invocar uma vez mais Calíope. Finda a
invocação, a ninfa retoma o seu discurso, falando dos heróis e futuros governadores da
Índia.
A partir da estância 74, onde acaba a prolepse (avanço no tempo, ou seja, previsão de
factos futuros), Tétis conduz Vasco da Gama ao cimo de um monte, onde lhe mostra
uma miniatura do Universo e descobre, no orbe terrestre, os lugares onde os
portugueses irão praticar altos feitos. Dentro das várias profecias, Tétis narra o
martírio de S. Tomé e faz referência ao naufrágio de Camões. Finalmente, Tétis
despede os portugueses, que embarcam para empreenderem a viagem de regresso
(estâncias 142-143), cuja viagem se efectua com vento sempre manso e favorável,
chegando à foz do Tejo sem quaisquer problemas (estância 144).

Das estâncias 145 a 156 são apresentadas lamentações, exortações a D. Sebastião e


vaticínios de futuras glórias.

Figuras de estilo

As figuras de estilo são recursos que tornam a linguagem mais expressiva, permitindo
condensar múltiplas ideias em poucas palavras. Deste modo, o escritor /o poeta,
sugere ao leitor várias interpretações para os seus textos / poemas e leva-o, por vezes,
a associá-los a outros textos ou temas do conhecimento geral.

Alegoria
Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente;
geralmente, o autor pretende apresentar uma verdade moral ou espiritual subjacente
à acção.
N’Os Lusíadas
A alegoria da ilha dos Amores
(Ilha = recompensa, paraíso)
C. IX, 52-91
C. X, 1-7; 10-142

Aliteração
Repetição de um som ou sílaba no início, no meio ou no fim das palavras; utilizada
para criar um efeito auditivo de harmonia ou de onomatopeia.
N’Os Lusíadas
Que um fraco rei faz fraca a forte gente
C. III, 138.8

Alusão
Referência breve a uma pessoa ou circunstância supostamente conhecida do leitor, de
modo a alargar o saber para além do próprio texto.
N’Os Lusíadas
D’água do esquecimento
C.I, 32.7
= Rio Letes que, segundo a lenda, se situava no Inferno pagão, cujas águas tiravam a
memória aos que dela bebessem.

Anáfora
Repetição de uma ou mais palavras no início de dois ou mais versos.
N’Os Lusíadas
Dai-me agora um som alto e sublimado,
................................................................
Dai-me ua fúria grande e sonorosa,
................................................................
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
C.I, 4.5, 5.1, 5

Anástrofe
Processo que consiste na inversão da ordem habitual das palavras, de forma a pôr em
relevo elementos da frase. Neste caso, a inversão é menos violenta do que
no Hipérbato.
Que sejam, determino, agasalhados (Os Lusíadas, I, 29, v. 5

Antítese
Expressão de ideias opostas numa só frase; tese significa afirmação, anti- contra.
N’Os Lusíadas
A pequena grandura de um batel
C. VI, 74.6

Antonomásia
Identificação de alguém através de um epíteto ou de qualquer outro termo que não
seja o seu nome próprio.
N’Os Lusíadas
Cessem do sábio Grego e do Troiano
C. I, 3.1
(Sábio Grego: Ulisses; Troiano: Eneias)

Apóstrofe
Interpelação de uma pessoa, entidade ou coisa personificada, no meio de uma
narração, por exemplo, a invocação às Musas na poesia. Pode ser utilizado para
chamar a atenção do leitor, mudando de assunto.
N’Os Lusíadas
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
III, 119.1

Assíndeto
Sequência de palavras ou frases às quais se omitiu a conjunção e, substituída por
vírgula, condensando várias ideias numa só frase, possibilitando, por vezes, diversas
interpretações.
N’Os Lusíadas
Fere, mata, derriba, denodado;
C.III, 67.3

Assonância
Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas.
N’Os Lusíadas
As armas e os barões assinalados
C.I, 1.1

Comparação
Método de aproximação de duas pessoas, ideias ou circunstâncias de modo a
evidenciar as suas semelhanças ou diferenças. Distingue-se da metáfora pela utilização
de alguns nexos inter-frásicos: como, tal como, assim como.
N’Os Lusíadas
Assi como a bonina, que cortada
C.III, 134
Qual o reflexo lume do polido
Espelho de aço ou de cristal fermoso
C.VIII, 87.1-2

Elipse
Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em consideração o
contexto.
N’Os Lusíadas
Agora, pelos povos seus vizinhos,
Agora, pelos húmidos caminhos.
C. II, 108.7-8
(Agora, pergunta pelos povos seus vizinhos)

Eufemismo
Suavização de uma ideia desagradável ou cruel através de palavras ou expressões
seleccionadas. Pode confundir--se com a perífrase.
N’Os Lusíadas
Tirar Inês ao Mundo determina
C. III, 123.1
(=matar Inês)

Hipérbato (cf. Anástrofe)


Inversão violenta dos elementos da frase, alterando a ordem sintáctica normal. Utiliza-
se para enfatizar o discurso ou para imitar a estrutura sintáctica do latim. Os versos de
Os Lusíadas são formados por uma série de hipérbatos.
N’Os Lusíadas
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.
C. V.60.7-8

Hipérbole
Expressões que exageram intencionalmente o pensamento. Utiliza-se para enfatizar o
discurso. É um dos recursos estilísticos mais utilizados n’Os Lusíadas.
N’Os Lusíadas
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do Profundo.
C.VI, 76.1-4

Imagem
Impressão mental ou representação de um animal, pessoa ou coisa que permite criar
imagens nítidas, através de uma linguagem metafórica.
N’Os Lusíadas
O mar se via em fogos acendido
C.II, 91.6
Ironia
Recurso, que segundo Aristóteles é um disfarce que conduz à essência da verdade,
pois as palavras adquirem um significado diferente daquele em que são empregues.
N’Os Lusíadas
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
C.VII, 82.1-4
(Camões ironiza a incompreensão dos seus compatriotas)

Metáfora
Comparação abreviada, implícita, sem a partícula comparativa como, que permite
identificar uma coisa com outra através de um processo imaginativo.
Tomai as rédeas Vós do Reino vosso
(Tomai as rédeas = governai)
C. I, 15.3

Metonímia
Substituição do nome dum objecto ou duma ideia por outro relacionado com ele.
Assim, dizer a coroa ou o ceptro em vez de o soberano; a cruz e a espada em vez de a
religião e o exército; os copos em vez de as bebidas alcoólicas são exemplos de
metonímia.
N’Os Lusíadas
De Portugal, armar madeiro leve
(madeiro = nau, feita de madeira)
C. VI, 52.3

Onomatopeia
Palavras cujo som evoca um determinado objecto ou ideia, muitas vezes, são sons da
natureza. Trata-se, portanto, da utilização de palavras imitativas para alcançar um
efeito estilístico. Pode coincidir com a aliteração.
N’Os Lusíadas
Bramindo, o negro mar de longe brada
C. V, 38.3

Perífrase
Consiste em dizer em muitas palavras, o que poderia ser dito apenas numa.
N’Os Lusíadas
Mas assim como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido Horizonte
Na moça de Titão a roxa fronte,
C. II, 13.5-8
(= Aurora, deusa; aurora, nascer do dia)

Personificação / Prosopopeia
Atribuição de características humanas a abstracções, animais, ideias ou objectos
inanimados.
N’Os Lusíadas
A figura do Gigante Adamastor, personificação de um cabo, que aparece a falar.
... e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso
C. IV, 28.3-4

Pleonasmo
Repetição desnecessária da mesma ideia utilizando muitas palavras.
N’Os Lusíadas
Vi, claramente visto, o lume vivo
C. V, 18.1

Sinédoque
Consiste em se tomar a parte pelo todo ou o todo pela parte.
É uma espécie de metáfora, por exemplo, dizer velas por navios ou cabeças por
animais; na expressão o pão nosso de cada dia, pão significa não apenas alimento, mas
todo o sustento duma maneira geral. Esta figura de estilo tem ainda algumas
semelhanças com a perífrase e a metonímia.
N’Os Lusíadas
Vós, ó novo temor da Maura lança,
(canto I,6.5),
(= poderio militar dos mouros)

Sinestesia
Associação de sensações recebidas por vários sentidos, por exemplo, uma nota azul
(ouvido, vista) ou um verde frio (vista, tacto). são expressões sinestésicas.
N’Os Lusíadas
As areias ali de prata fina;
C. VI, 9.2
(vista: prateado; tacto: textura fina)

Para mais informações consulta:


http://lusiadas.gertrudes.com/poesia1.html
Noção de epopeia
Uma epopeia é a narrativa dos feitos grandiosos de um indivíduo ou de um povo.
Nesta definição encontramos os elementos essenciais de qualquer texto épico.
Enquadra-se no género narrativo - é sempre um relato de acontecimentos: o sujeito da
enunciação assume-se como narrador e dispõe-se a fazer o relato de um
acontecimento ou conjunto de acontecimentos a um determinado público; a dimensão
e a natureza do público depende do assunto objecto do relato, presumindo-se que
será sempre constituído pelas pessoas nele interessadas; se o assunto disser respeito a
uma determinada comunidade o público será mais restrito; se o assunto tiver um
interesse mais vasto, o público será mais alargado, podendo abranger potencialmente
toda a humanidade.

O assunto deverá ter um carácter excepcional. Nem todas as acções são susceptíveis
de serem tratadas de forma épica; é necessário que, no entendimento do narrador (e
do seu público), essas acções se distanciem dos acontecimentos vulgares, assumam
um carácter de excepcionalidade. Nas epopeias primitivas os feitos narrados são de
carácter lendário, embora essas ficções tenham sempre um fundo histórico. Em
algumas epopeias de imitação, no entanto, o assunto é histórico.

Os eventos exigem um agente e, tratando-se de eventos excepcionais, o agente deverá


ser igualmente um ser de excepção, um ser que, pela sua origem, pelas suas
características, se distancie, se imponha aos seus semelhantes (herói), pouco
importando que se trate de um indivíduo ou de uma colectividade (herói individual ou
herói colectivo). Na Ilíada e na Odisseia, escritas no século VI a.C., o herói é individual:
num caso, Aquiles; no outro, Ulisses. N' Os Lusíadas o herói é, como o título indica,
colectivo - o povo português. Já na Eneida de Virgílio há uma certa ambiguidade: o
herói parece ser individual, Eneias, mas na realidade o objectivo do poema é exaltar o
povo romano.

Característica de todas as epopeias é a utilização de um estilo elevado, correspondente


à grandiosidade do assunto, e que se traduz na selecção vocabular, na construção
frásica extremamente elaborada e na abundante utilização de recursos estilísticos.
Estrutura externa
Os Lusíadas estão divididos em dez cantos, cada um deles com um número variável de
estrofes, que, no total, somam 1102. Essas estrofes são todas oitavas de decassílabos
heróicos, obedecendo ao esquema rimático "abababcc" (rimas cruzadas, nos seis
primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).

Estrutura interna
Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura clássica da epopeia. N' Os
Lusíadas são claramente identificáveis quatro partes:

Proposição - O poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando de
forma sucinta o assunto da sua narrativa; propõe-se, afinal, tornar conhecidos os
navegadores que tornaram possível o império português no oriente, os reis que
promoveram a expansão da fé e do império, bem como todos aqueles que se tornam
dignos de admiração pelos seus feitos.

Invocação - O poeta dirige-se às Tágides (ninfas do Tejo), para lhes pedir o estilo e
eloquência necessários à execução da sua obra; um assunto tão grandioso exigia um
estilo elevado, uma eloquência superior; daí a necessidade de solicitar o auxílio das
entidades protectoras dos artistas.

Dedicatória - É a parte em que o poeta oferece a sua obra ao rei D. Sebastião. A


dedicatória não fazia parte da estrutura das epopeias primitivas; trata-se de uma
inovação posterior, que reflecte o estatuto do artista, intelectualmente superior, mas
social e economicamente dependente de um mecenas, um protector.

Narração - Constitui o núcleo fundamental da epopeia. Aqui, o poeta procura


concretizar aquilo que se propôs fazer na "proposição".

Estrutura da narração
A narração d' Os Lusíadas tem uma estrutura muito complexa, o que decorre dos
objectivos que o poeta se propôs. Desenvolve-se em quatro planos diferentes, mas
estreitamente articulados entre si.

Plano da viagem - A acção central do poema é a viagem de Vasco da Gama. Escrevendo


mais de meio século depois, Luís de Camões tinha já o distanciamento suficiente para
perceber a importância histórica desse acontecimento, devido às alterações que
provocou, tanto em Portugal, como na Europa. Por essa razão considerou a primeira
viagem marítima à Índia como o episódio mais significativo da história de Portugal.

No entanto, tratava-se de um acontecimento relativamente recente e historicamente


documentado. Para manter a verosimilhança, o poeta estava obrigado a fazer um
relato relativamente objectivo e potencialmente monótono, o que constituía um
perigo fatal para o seu projecto épico. Daí que Camões tenha sentido a necessidade de
introduzir um segundo nível narrativo.

Plano mitológico (conflito entre os deuses pagãos) - Camões imaginou um conflito


entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada dos portugueses à Índia, pois receia
que o seu prestígio seja colocado em segundo plano pela glória dos portugueses,
enquanto Vénus, apoiada por Marte, os protege.

Pode parecer estranho que Camões incluísse num poema destinado a exaltar um povo
cristão os deuses pagãos, mas algumas razões permitem compreender essa atitude:

1) Como vimos, a simples narrativa da viagem seria algo monótona, tanto mais que
Vasco da Gama e os seus marinheiros têm um carácter rígido, quase inumano: são
determinados e inflexíveis, imunes às hesitações, à dúvida, às angústias. Não há ao
nível da viagem qualquer conflito. Para introduzir o necessário dramatismo na
narrativa, Camões teve que imaginar um conflito externo, o conflito entre Vénus e
Baco.

2) Os poemas épicos renascentistas são epopeias de imitação e como tal sujeitas a


regras estritas. Uma dessas regras impunha ao poeta a introdução de episódios
maravilhosos, envolvendo quase sempre deuses da mitologia greco-latina, à
semelhança do que acontecia nos poemas homéricos ou na Eneida .

3) Finalmente, o recurso aos deuses pagãos é mais uma forma de o poeta engrandecer
os feitos dos portugueses. Nas suas intervenções, os deuses frequentemente referem-
se-lhe de forma elogiosa. Além disso, o simples facto de a disputa entre os deuses ter
como objecto os portugueses é já uma forma indirecta de os exaltar.

Plano da História de Portugal - O objectivo de Camões era enaltecer o povo português


e não apenas um ou alguns dos seus representantes mais ilustres. Não podia por isso
limitar a matéria épica à viagem de Vasco da Gama. Tinha que introduzir na narrativa
todas aquelas figuras e acontecimentos que, no seu conjunto, afirmavam o valor dos
portugueses ao longo dos tempos. E fê-lo, recorrendo a duas narrativas secundárias,
inseridas na narrativa da viagem, cujo narrador é o poeta.

1) Narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde - Ao chegar a este porto indiano, o


rei recebe-o e procura saber quem é ele e donde vem. Para lhe responder, Vasco da
Gama localiza o reino de Portugal na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao
reinado de D. Manuel. Ao chegar a este ponto, conta inclusivamente a sua própria
viagem desde a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a narrativa
principal iniciara-se "in media res" , isto é quando a armada já se encontrava em frente
às costas de Moçambique.

2) Narrativa de Paulo da Gama ao Catual - Mais tarde surge outra narrativa secundária.
Em Calecut, uma personalidade hindu (Catual) visita o navio de Paulo da Gama, que se
encontra enfeitado com bandeiras alusivas a figuras históricas portuguesas. O visitante
pergunta-lhe o significado daquelas bandeiras, o que dá a Paulo da Gama o pretexto
para narrar vários episódios da História de Portugal.

3) Profecias - Os acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam


ser introduzidos na narrativa como factos históricos. Para isso, Camões recorreu a
profecias colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Thétis, principalmente.

Plano das considerações do poeta - Por vezes, normalmente em final de canto, a


narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões de carácter pessoal sobre
assuntos diversos, a propósito dos factos narrados.

Análise da Proposição

As armas e os barões assinalados


Que, da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino , que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte .

Cessem do sábio Grego e do Troiano


As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre lusitano ,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Os Lusíadas (I, 1-3)

Como vimos, a finalidade da proposição, em qualquer epopeia, é a enunciação do


assunto que o poeta se propõe tratar. Assim é, também, n' Os Lusíadas : Camões está
decidido a tornar conhecido em todo o mundo o valor do povo português (" o peito
ilustre lusitano "). E para isso estrutura a sua proposição em duas partes: nas duas
estâncias iniciais, enuncia os heróis que vai cantar; na segunda parte, constituída pela
terceira estrofe, estabelece um confronto entre os portugueses e os grandes heróis da
Antiguidade, afirmando a superioridade dos primeiros sobre os segundos. Que o herói
desta epopeia é colectivo, é um facto incontestável. Quanto a isso, o próprio título é
inequívoco: os "lusíadas" são, afinal, os portugueses - todos, não apenas os passados,
mas até os presentes e futuros, na medida em que assumam as virtudes que
caracterizam, no entendimento do poeta, o povo português e que ele sintetiza, na
dedicatória a D. Sebastião, desta forma:

amor da pátria, não movido


De prémio vil, mas alto e quase eterno

O facto de o seu herói ser colectivo e a sua acção se estender por um intervalo de
tempo muito vasto permite-lhe desdobrá-lo em subgrupos, conforme verificaremos a
seguir. O plural utilizado para designar cada um deles confirma o carácter colectivo do
herói: "barões assinalados", "Reis", "aqueles".

A inversão da ordem sintáctica nessa primeira frase, que engloba as duas estâncias
iniciais, pode tornar difícil, à primeira leitura, a compreensão do texto. A ordem
normal seria esta: Cantando, espalharei por toda a parte as armas e os barões...

Pode esquematizar-se o conteúdo dessas duas estrofes da seguinte maneira:


Através da poesia,
se tiver talento para isso,
tornarei conhecidos em todo o mundo

os homens ilustres
que fundaram o império português do Oriente

os reis, de D. João I a D. Manuel,


que expandiram a fé cristã e o império português

todos os portugueses
dignos de admiração pelos seus feitos.

Pelo esquema, vemos que Camões apresenta três grupos de agentes ("agentes" e não
heróis, porque herói é " o peito ilustre lusitano ").

O primeiro é constituído pelos " barões assinalados ", responsáveis pela criação do
império português na Ásia. É evidente que o poeta destaca principalmente a actividade
marítima, a gesta dos descobrimentos (" Por mares nunca dantes navegados,/
Passaram ainda além da Taprobana ").

O segundo grupo inclui os reis que contribuíram directamente para a expansão do


cristianismo e do império português (" foram dilatando / A Fé o Império "). Aqui é
sobretudo o esforço militar que se evidencia ("andaram devastando").

No terceiro grupo incluem-se todos os demais, todos os que se tornem dignos de


admiração pelos seus feitos, quaisquer que eles sejam.

A enumeração é apresentada em gradação descendente: em primeiro lugar, os


envolvidos na expansão marítima; depois, os reis envolvidos na expansão militar;
finalmente, todos os outros. Essa valorização relativa é confirmada pelo espaço
textual: oito versos, para o primeiro grupo; quatro, para o segundo; dois apenas, para
o terceiro.

No entanto, este terceiro aparece como um grupo aberto: nele se incluem não apenas
heróis passados, mas todos aqueles que se venham a evidenciar no futuro. Note-se
que, para os dois primeiros grupos, o poeta utiliza o pretérito perfeito, enquanto aqui
recorre ao presente perifrástico - "vão libertando" .

Ao contrário das epopeias primitivas, aqui o herói é colectivo, o que o próprio título
logo indica - Os Lusíadas . Por outro lado, na proposição, como vimos, a indicação dos
heróis, além de ser desdobrada em grupos diferenciados, em cada um deles é utilizado
o plural.

A proposição não é uma simples indicação dos seus heróis, mas obedece já a uma
estratégia de engrandecimento dos portugueses. A expressão "por mares nunca
dantes navegados" evidencia o carácter inédito das navegações portuguesas; observe-
se o destaque dado à palavra "nunca". A exaltação continua com a referência ao
esforço desenvolvido, considerado sobre-humano (" esforçados / Mais do que
prometia a força humana ").

Na segunda parte, esse esforço de engrandecimento continua, desta vez através de


um paralelo com os grandes heróis da Antiguidade. O confronto é estabelecido com
marinheiros famosos (Ulisses e Eneias), eles próprios heróis de duas epopeias clássicas,
e conquistadores ilustres (os imperadores Alexandre Magno e Trajano). A escolha de
navegadores e guerreiros não é inocente, visto que é exactamente nessas duas áreas
que os portugueses se destacam. E quase a concluir, uma nota final, na mesma linha: "
... eu canto o peito ilustre lusitano, / A quem Neptuno e Marte obedeceram ". A
submissão do deus do mar e do deus da guerra aos portugueses (" o peito ilustre
lusitano ") é uma forma concisa e muito expressiva de exaltar o valor do seu herói.

Análise da Invocação
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene .

Dai-me uma fúria grande e sonorosa,


E não de agreste avena ou frauta ruda ,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda.
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no Universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
Os Lusíadas (I, 4-5)
Invocar significa "chamar em seu socorro ou auxílio, particularmente o poder divino ou
sobrenatural" . Na proposição, o poeta apresentou o assunto que vai tratar e, dado o
carácter excepcional, a grandiosidade desse assunto, sente necessidade de pedir às
entidades protectoras auxílio para a execução de tarefa tão grandiosa.

Naturalmente, Camões , sendo um poeta cristão, não acreditava nas entidades míticas
de que lançou mão. Utilizou-as sempre como um simples recurso poético. Isto é, a
Invocação, para Camões, é mais um processo de engrandecimento do seu herói. De
facto, é a grandiosidade do assunto que se propôs tratar que exige um estilo e uma
eloquência superiores. Agora, precisa, não o " verso humilde ", por ele tantas vezes
utilizado, mas um " um som alto e sublimado ". O carácter sublime do assunto justifica,
portanto, a Invocação e é afirmado ao longo do texto, em mais do que uma expressão:
"famosa gente vossa", digna de apreço pelos seus méritos guerreiros (" que a Marte
tanto ajuda ") é como o poeta se refere ao seu herói. E termina, insinuando que esses
feitos são tão espantosos que, possivelmente, nem com o auxílio das Tágides poderão
ser transpostos, com a devida dignidade, para a poesia (" Que se espalhe e se cante no
Universo, / Se tão sublime preço cabe em verso .").
Desde já, registe-se que o nosso poeta não se limitou a invocar as ninfas ou musas
conhecidas dos antigos gregos e romanos. Embora as "Tágides" não sejam criação sua,
adoptou-as como forma de sublinhar o carácter nacional do seu poema.
Independentemente do interesse universal que possam ter, todos os feitos cantados,
todos os agentes, são portugueses. Isso tinha já ficado claro na Proposição, mas
reforça-se essa ideia na Invocação. E, pela fórmula utilizada ("Tágides minhas"),
identifica-se pessoalmente com esse nacionalismo, estabelecendo, através do
possessivo, uma espécie de relação afectiva com as ninfas do Tejo. A força expressiva
do possessivo é reforçada pela inversão e sua colocação em posição forte (coincidindo
com a 6ª sílaba).

Tratando-se de um pedido, a Invocação assume a forma de discurso persuasivo, onde


predomina a função apelativa da linguagem e as marcas características desse tipo de
discurso - o vocativo e os verbos no modo imperativo - determinam a estrutura do
texto:

E vós, Tágides minhas, (...)


Dai-me (...)
Dai-me (...)
Dai-me (...)

E este esquema revela imediatamente um dos recursos estilísticos utilizados pelo


poeta: a repetição anafórica, que identifica claramente o pedido e evidencia o seu
carácter reiterativo.

Por outro lado, este tipo de discurso é sempre acompanhado de argumentos,


implícitos ou explícitos, de forma a mais facilmente persuadir o receptor. O primeiro
deles antecede o próprio pedido ("pois criado / Tendes em mi um novo engenho
ardente") e a sua força é evidente: já que as ninfas lhe concederam essa nova
inspiração, o desejo de cantar os feitos dos portugueses, então devem igualmente dar-
lhe o estilo, a eloquência necessários. Este primeiro argumento tem como fundamento
a obrigação moral: quem cria a necessidade, deve fornecer os meios.

E logo após a primeira formulação do pedido, surge o segundo argumento: "Por que de
vossas águas Febo ordene / Que não tenham enveja às de Hipocrene." Agora, o
fundamento psicológico é outro: o poeta procura despertar o sentimento de emulação
nas Tágides, sugerindo que, ao atender o seu pedido, as águas do Tejo poderão igualar
ou até suplantar a fama da fonte de Hipocrene, como inspiradoras de grandes poetas.

O terceiro argumento encerra o pedido: "Que se espalhe e se cante no Universo". Para


que os feitos dos portugueses possam ser admirados no mundo inteiro, é necessário
que as ninfas atendam o seu pedido. Neste caso, recorre a uma argumentação
finalística: pressupõe-se que esses feitos são dignos de serem apreciados, mas para o
serem é necessário um estilo extremamente elevado. Aliás, o último verso sugere a
ideia de que os feitos dos portugueses são tão grandiosos que dificilmente poderão ser
traduzidos em verso de forma adequada. Como se vê, a estratégia de
engrandecimento do povo português, iniciada na Proposição, é retomada aqui, quase
nos mesmos termos. Comparem-se estes dois últimos versos com aqueles com que
encerra a primeira parte da Proposição:

Cantando, espalharei por toda a parte,


Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Que se espalhe e se cante no Universo,


Se tão sublime preço cabe em verso.

Vimos já que o poeta pede às Tágides o estilo elevado que a epopeia e a grandiosidade
do assunto requerem; o " som alto e sublimado ", exigido pelo " novo engenho ardente
" que as ninfas colocaram nele. Como poeta experiente que é, sabe que a tarefa a que
agora se propôs exige um estilo e uma linguagem de grau superior, por isso estabelece
ao longo destas duas estâncias um confronto entre a poesia lírica, há muito por ele
cultivada, e a poesia épica, a que agora se abalança.

POESIA LÍRICA
verso humilde
agreste avena
frauta ruda
POESIA ÉPICA
novo engenho ardente
som alto e sublimado
estilo grandíloco e corrente
fúria grande e sonorosa
tuba canora e belicosa

Esse confronto serve-lhe para marcar a superioridade relativa da poesia épica sobre a
lírica, o que uma análise medianamente atenta comprova facilmente.

Nota-se, desde logo, a maior quantidade de expressões dedicadas à poesia épica.


Igualmente significativa é a abundância da adjectivação e, mais ainda, o recurso à
dupla adjectivação. Por outro lado, o valor semântico desses adjectivos merece
também alguma atenção: alguns afirmam o carácter elevado dessa poesia e do estilo
correspondente (alto, sublimado, grandíloco, grande); outros, a musicalidade e
sonoridade que os deve distinguir (corrente, sonorosa, canora); alguns, ainda, sugerem
a exaltação típica dos feitos épicos (ardente, belicosa).

O efeito dessas expressões é, de certo modo, ampliado pelo recurso ao paralelismo


sintáctico ( substantivo + adjectivo + adjectivo ), que conduz à imediata associação
dessas expressões.

Até os instrumentos musicais associados a cada um dos tipos de poesia são


significativos: à simplicidade da flauta, que associa à lírica, contrapõe a sonoridade
guerreira da tuba, própria da epopeia.

E ao referir-se à " tuba canora e belicosa ", acrescenta: " que o peito acende e a cor ao
gesto muda ". Com esse verso pretende transmitir a ideia de que o estilo épico exerce
sobre o leitor um intenso efeito emotivo, semelhante à exaltação sentida pelos
próprios heróis que vai cantar. Note-se o recurso à metáfora "o peito acende", que
sugere uma espécie de fogo interior avassalador, reforçada pela inversão (colocação
do complemento directo antes do verbo).

Simbologia do episódio do "Velho do Restelo"

Naturalmente, o "Velho do Restelo" não é uma personagem histórica, mas uma


criação de Camões com um profundo significado simbólico.

Por um lado, representa aquela corrente de opinião que via com desagrado o
envolvimento de Portugal nos Descobrimentos, considerando que a tentativa de
criação de um império colonial no Oriente era demasiado custosa e de resultados
duvidosos. Preferiam que a expansão do país se fizesse pela ampliação das
conquistas militares no Norte de África.
Essa ideia era, sobretudo, defendida pela nobreza, que assim encontravam
possibilidades de mostrarem o seu valor no combate com os mouros e, ao mesmo
tempo, encontravam nele justificação para as benesses que a Coroa lhes
concedia. A burguesia, por seu lado, inclinava-se mais para a expansão marítima,
vendo aí maiores oportunidades de comércio frutuoso.
Por outro lado, se ignorarmos o contexto histórico em que o episódio é situado,
podemos ver na figura do Velho o símbolo daqueles que, em nome do bom
senso, recusam as aventuras incertas, defendendo que é preferível a tranquilidade
duma vida mediana à promessa de riquezas que, geralmente, se traduzem em
desgraças. Encontramos aqui um eco de uma ideia cara aos humanistas: a
nostalgia da idade de ouro, tempo de paz e tranquilidade, de que o homem se viu
afastado e a que pode voltar, reduzindo as suas ambições a uma sábia mediania
("aurea mediocritas", na expressão dos latinos), já que foi a desmedida ambição
que lançou o ser humano na idade de ferro, em que agora vive (cf. est. 98). Neste
sentido o episódio pode ser entendido como a manifestação do espírito
humanista, favorável à paz e tranquilidade, contrário ao espírito guerreiro da
Idade Média.
Assim, o episódio do "Velho do Restelo" está de certo modo em contradição com
aquilo mesmo que Os Lusíadas , no seu conjunto, procuram exaltar - o esforço
guerreiro e expansionista dos portugueses. Essa contradição é real e traduz, de
forma talvez inconsciente, as contradições da sociedade portuguesa da época e do
próprio poeta. De facto, Camões soube interpretar, melhor que ninguém, o
sentimento de orgulho nacional resultante da consciência de que durante algum
tempo Portugal foi capaz de se destacar das demais nações europeias. Mas
Camões era também um homem de sólida formação cultural, atento aos valores
estéticos do classicismo literário e imbuído de ideais humanistas. Se, ao cantar os
feitos dos portugueses, ele dá voz a esse orgulho nacional, que sentia também
como seu, na fala do "Velho do Restelo" e em outras intervenções disseminadas
ao longo do poema, exprime as suas ideias de humanista.

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