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Capítulo 1*

MODERNIDADE E FEMINISMO

Eu prefiro estudar... o dia-a-dia, o chamado banal, o supostamente a-


ou não experimental, não perguntando “por que se negligencia o
modernismo?”, mas “como as teorias clássicas do modernismo
negligenciam a modernidade das mulheres?”

Meaghan Morris, “Things to Do with Shopping Centres”**

Mesmo o exame mais apressado do vasto corpus de escritos sobre o moderno revela uma
cacofonia de vozes diferentes e dissidentes. A modernidade surge de uma cultura da “estabilidade,
coerência, disciplina e domínio do mundo”;1 alternativamente ela aponta para uma “experiência
descontínua do tempo, espaço e causalidade como transitória, fugaz e fortuita.”. 2 Para alguns
autores, trata-se de uma “cultura da ruptura”, marcada por um relativismo histórico e pela
ambiguidade3; para outros, ela envolve um “sujeito autônomo, racional” e uma “concepção unitária,
absolutista de verdade”4. Ser moderno é estar ao lado do progresso, da razão, e da democracia ou,
por contraste alinhar-se com “a desordem, o desespero, a anarquia.”5 Na verdade, ser moderno é
frequentemente ser paradoxalmente antimoderno, definir-se em oposição explícita às normas
prevalentes e aos valores da nossa época6.
É claro, não há meios mágicos de se resolver esta confusão semântica, a qual deriva de
aspectos multifacetados e complicados do desenvolvimento moderno. Ainda assim, é possível
identificar certos fatores-chave que contribuem para esta desconcertante diversidade de definições.
Por exemplo, as diferentes compreensões do moderno através das culturas e tradições nacionais
levam a dificuldades potenciais de tradução quando os textos circulam dentro da economia intelectual
global. Deste modo, para Jürgen Habermas “die Moderne” abrange um processo histórico irreversível
que inclui não só as forças repressivas burocráticas e a dominação capitalista, mas também a
emergência de uma ética da razão comunicativa potencialmente emancipatória, porque autocrítica.
Aqui Hegel emerge como uma figura central, em cuja filosofia a autoconsciência teórica da
modernidade recebe sua primeira articulação sistemática7. Vincent Descombes, por sua vez, critica
Habermas por tal equação elementar da modernidade com a filosofia idealista, um movimento que é,
ele argumenta, tão enraizado na história e na sociologia específica da cultura alemã que se torna
“impossível” para aqueles formados no pensamento francês. Para Descombes, é o reino da poética e
não da filosofia e acima de tudo a figura de Baudelaire que define os parâmetros de uma modernité
francesa, caracterizada pela ambiguidade, pela descontinuidade, e pelo borramento mais do que a

*Tradução autorizada pela autora, entretanto, não autorizada para publicação pel Harvard University Press. Capítulo 1 do Livro “The
Gender of Modernity” de Rita Felski, por Joana d’Arc Martins Pupo (UFPR/UEPG-PR), em jun.2013.
**Epígrafe: Meaghan Morris, “Things to Do with Shopping Centres”, em Grafts: Feminist Cultural Criticism, Ed. Susan Sheridan
(Londres: Verso, 1988), p.202.
1
Bryan S. Turner, “The Racionalization of the Body: Reflections on Modernity and Discipline,” in Max Weber: Rationality and
Modernity, ed. Sam Whimster e Scott Lash (Londres: Allen & Unwin, 1987), p.223.
2
David Frisby, Fragments of Modernity (Cambridge: MIT Press, 1986), p.4.
3
Matei Calinescu, Five Faces of Modernity: Modernism, Avant-Guarde, Decadence, Kitsch, Postmodernism (Durham: Duke University
Press, 1987), p.91.
4
Susan J. Hekman, Gender and Knowledge: Elements of a Postmodern Feminism (Cambridge: Polity Press, 1990), p.188.
5
Modernism, 1890-1930, Ed. Malcolm Bradbury & James McFarlane (Harmond-sworth; Penguin, 1976), p.41.
6
Marshall Berman, All That Is Solid Melts into Air: The Experience of Modernity (Londres: Verso, 1983), p.14.
7
Ver Jürgen Habermas, The Philosophical Discourse of Modernity (Cambridge: Polity Press, 1987), e Habermas and Modernity, ed.
Richard J. Bernstein (Cambridge: Polity Press, 1985).
2

separação entre a arte e a vida8. Nesta disputa terminológica, podemos ver um exemplo claro de uma
das ambiguidades mais recorrentes e definidoras do moderno: sua utilização por alguns escritores
como mais ou menos sinônimo da tradição do Iluminismo e por outros como antitético a isto.
Isto me traz para a questão relacionada da influência das tradições disciplinares particulares
sobre a construção e circulação dos conceitos teóricos. O trabalho de Michel Foucault em particular
aguçou nossa consciência sobre os modos através dos quais as estruturas de conhecimento ajudam
a formar nossa compreensão dos próprios objetos que eles afirmam analisar. Deste modo, a
modernidade pode significar algo muito diferente no trabalho de teóricos políticos, críticos literários,
sociólogos, e filósofos, para citarmos somente alguns poucos exemplos. Esta ambiguidade relaciona-
se não somente a estimativas conflitantes da natureza e do valor do moderno, mas também a
discordâncias em relação a sua própria localização no tempo histórico. Enquanto um teórico político
pode situar as origens da modernidade no século XVII e na obra de Hobbes, um crítico literário é tão
propenso a afirmar que a modernidade tem seu nascimento em meados ou final do século XIX. Mais
do que uma periodização histórica precisa, a modernidade constitui-se, dessa maneira, em um
conjunto cambiante de coordenadas temporais. Como Lawrence Cahoone aponta, “o ponto histórico
inicial é impossível de fixar; qualquer século do XVI ao XIX poderia ser, e tem sido o que se chama o
primeiro século ‘moderno’. O sistema Copernicano, por exemplo, indiscutivelmente a pedra
fundamental da modernidade, data do século XVI, enquanto o governo democrático, que pode ser
considerado a essência da política moderna, não se tornou a forma política ocidental dominante até
muito recentemente.”9
A afirmação de Cahoone nos permite ver que a modernidade não é um Zeitgeist homogêneo que
nasceu em um momento particular da história, mas que se constitui em uma coleção de correntes
filosóficas, culturais, institucionais entrelaçadas que emergem e se desenvolvem em diferentes
épocas e que são frequentemente definidas como “modernas” retrospectivamente. Em uma tentativa
de distinguir entre estas diferentes correntes, é útil começar esclarecendo a “família dos termos”
associados ao moderno.10 Modernização é geralmente tomado para denotar a constelação complexa
de fenômenos socioeconômicos que se originaram no contexto do desenvolvimento ocidental, mas
que desde então se manifestou ao redor do globo de várias formas: inovação tecnológica e científica,
a industrialização da produção, a urbanização rápida, um mercado capitalista sempre em expansão, o
desenvolvimento do Estado Nação, e assim por diante. Modernismo, por sua vez, define uma forma
específica de produção artística, servindo como um termo guarda-chuva para uma mistura de escolas
e estilos artísticos que primeiramente surgiram no final do século XIX na Europa e nos Estados
Unidos. Marcado por características como autoconsciência estética, fragmentação estilística, e um
questionamento da representação, os textos modernistas alimentaram uma relação altamente
ambivalente e frequentemente crítica com os processos de modernização. O termo francês
modernité, enquanto também preocupado com um sentido distintivamente moderno de deslocamento
e ambiguidade, localiza-o na experiência mais geral da estetização da vida cotidiana, como
exemplificado nas qualidades transitórias e efêmeras de uma cultura urbana moldada pelos
imperativos da moda, do consumismo, e da constante inovação.11 Finalmente, modernidade é
frequentemente utilizado como um termo abrangente de periodização para denotar uma era histórica
que pode conter qualquer uma ou todas as características acima. Este significado de época do termo
tipicamente inclui uma distinção filosófica geral entre as sociedades tradicionais, que são estruturadas

8
Vincent Descombes, “Le Beau Moderne”, Modern Language Notes, 104, 4 (1989): 787-803.
9
Lawrence E. Cahoone, The Dilema of Modernity: Philosophy, Culture, and Anti-Culture (Albany: State University of New York Press,
1988), p.1.
10
Minha discussão aqui baseia-se no útil comentário de Mike Featherstone, “In Pursuit of The Postmodern,” Theory, Culture, and
Society, 5, 2/3 (1988), p.195-215.
11
Ver Frisby, Fragments of Modernity, & Mike Featherstone, “Postmodernism and the Aestheticization of Everyday Life,” in Modernity
and Identity, ed. Scott Lash & Jonathan Friedman (Oxford: Basil Blackwell, 1992).
3

ao redor da onipresença da autoridade divina, e um universo secularizado moderno predicado sobre


uma subjetividade autoconsciente e individualizada.12
A ambiguidade factual implícita na ideia do moderno é, entretanto, combinada com um poder
retórico distintivo. A Modernidade difere de outros tipos de periodização por possuir tanto uma
normativa quanto uma dimensão descritiva _ podemos ser “a favor” ou “contra” a modernidade de um
modo que não podemos ser a favor ou contra a Renascença, por exemplo. A força simbólica do termo
encontra-se na sua enunciação de um processo de diferenciação, um ato de separação do passado.
Assim, a famosa Querelle des Anciens e des Modernes no final do século XVII na Europa transforma-
se no desafio a autoridade dos textos clássicos como pontos definitivos de referência cultural e
portadores de verdades intemporais. Matei Calinescu observa que enquanto ambos os lados na
disputa retinham certa aderência inquestionável aos ideais neoclássicos, foi aqui que a ideia do
moderno adquiriu uma primeira perspectiva polêmica explícita como uma rejeição do peso morto da
história e da tradição. Cada vez mais, “moderno” viria a se tornar sinônimo do repúdio ao passado e
um compromisso de mudança e dos valores do futuro.13
É fácil ver que as políticas de tal ideal são inerentemente de dois gumes. Por um lado, o apelo
ao moderno poderia servir com um meio de rebelião legítima contra as estruturas sociais hierárquicas
e modos de pensamento ao desafiar a autoridade da tradição, dos costumes, e do status quo. Tais
eventos históricos como a Revolução Francesa são frequentemente identificados como momentos-
chave na articulação de noções distintivamente modernas de autonomia e igualdade, apoiadas na
crença de que não existe autoridade além de uma razão humana, crítica e autocrítica. Por outro lado,
a ideia do moderno estava profundamente implicada desde seu início com um projeto de dominação
sobre aqueles vistos como sem capacidade para o raciocínio reflexivo. Nos discursos do colonialismo,
por exemplo, a distinção histórica entre o presente moderno e o passado primitivo foi mapeada sobre
as relações espaciais entre as sociedades ocidentais e não ocidentais. Assim os avanços
tecnológicos dos estados-nação poderiam ser citados como uma justificativa para a invasão
imperialista, na medida em que as tradições e costumes dos povos indígenas foram forçados a se
render ao inexorável caminhar do progresso.14 De modo semelhante, o moderno trouxe consigo um
ideal de igualdade baseado na fraternidade que efetivamente excluía as mulheres das muitas formas
da vida política. Assim, Joan Landes comenta que “do ponto de vista das mulheres e de seus
interesses, o iluminismo se mostra de maneira suspeita como um contra iluminismo e a revolução
como uma contra revolução.”15 Ao traçar a história dos papéis das mulheres na Revolução Francesa,
Landes mostra como o discurso dos direitos modernos e as virtudes republicanas efetivamente
serviram para silenciar as mulheres através de uma identificação recorrente do humano com o
masculino.
Evocações ao moderno e ao novo poderiam, entretanto, também ser apropriadas e articuladas
de um modo novo por grupos dissidentes e marginalizados para formularem sua própria resistência
ao status quo. Assim, no início do século XX, a figura da Nova Mulher tornar-se-ia um símbolo
ressonante de emancipação, cuja modernidade assinalava não um endosso de um presente
existente, mas uma imaginação corajosa de um futuro alternativo. De muitos modos diferentes,
movimentos modernistas e de vanguarda buscaram desmantelar suposições, tomadas como certas, e
complacências dogmáticas, remodelando a ideia do moderno de significar ambiguidade, incerteza, e
crise em vez de uma atribuição acrítica a uma teleologia do progresso ocidental e um ideal da razão.
O “novo velho” dos valores burgueses dominantes foi assim regularmente desafiado por diversos
grupos que se autodefiniam como “autenticamente novos” e que se aproximavam e revitalizavam a

12
Ver, por exemplo, Charles Taylor, Sources of the Self: The Making of the Modern Identity (Cambridge: Harvard University Press,
1989).
13
Calinescu, Five Faces of Modernity, pp.23-25.
14
Sobre a cumplicidade das noções ocidentais de história e modernidade com o legado do imperialismo, ver, por exemplo, Robert
Young, White Mythologies: Writing History and the West (Londres: Routledge, 1990).
15
Joan B. Landes, Women and the Public Sphere in the Age of the French Revolution (Ithaca: Cornell University Press, 1988), p.204.
4

promessa de inovação como transformação liberalizante implícita na ideia do moderno para forjar um
conjunto de identidades opositivas e críticas.
1. As evocações à modernidade têm, em outras palavras, sido utilizadas para fazer avançar
uma gama multifacetada de interesses culturais e políticos. Em vez de identificar um referente estável
ou conjunto de atributos, o “moderno” atua como uma categoria cambiante e móvel de classificação
que serve para estruturar, legitimar, e valorizar perspectivas variadas e frequentemente concorrentes.
Minha análise, portanto, começa com a suposição de que a modernidade abarca um conjunto
multidimensional de fenômenos históricos que não podem ser prematuramente sintetizados em um
Zeitgeist [o espírito de uma época] unificado. Consequentemente, sou cética em relação àqueles
escritos que equacionam todo o período moderno a uma tradição particular definida estreitamente do
pensamento intelectual que se estende desde Kant até Marx (como se muitos séculos de história
pudessem ser reduzidos aos escritos de um punhado de filósofos!) para celebrar a emergência de
uma ambiguidade pós-moderna e a diferença contra a homogeneidade e a racionalidade. Tal suposta
crítica de totalização é em si mesma vastamente totalizante, produzindo uma violência interpretativa
às ramificações heterogêneas e complexas da cultura moderna, que não podem ser reduzidas, desse
modo, a exemplificações de uma visão de mundo monolítica. Dentro do contexto específico da
Europa do final do século XIX, por exemplo, evocações à ciência, à racionalidade, e ao progresso
material coexistiram com evocações românticas à emoção, à intuição, e à autenticidade tanto quanto
a explorações do status artificial e performativo da identidade e a metaforização inescapável da
linguagem. Em vez de inscreverem um consenso cultural homogêneo, os discursos da modernidade
revelam respostas múltiplas e conflitantes aos processos de mudança social.
Minha intenção aqui não é afirmar que o moderno e o pós-moderno são significantes
intercambiáveis; claramente, nosso próprio fin de siècle difere de modos cruciais e fundamentais de
seu predecessor, mesmo que também revele alguns paralelos intrigantes. (Assim muitos topos e
expressões frequentemente consideradas como a quintessência do pós-modernismo _ simulação,
pastiche, consumo, nostalgia, ciborgues, cross-dressing _ estão sugestivamente pressagiadas em um
número de textos do século XIX.) Entretanto, a teoria feminista certamente precisa questionar mais do
que acriticamente endossar uma oposição entre uma modernidade repressiva e uma pós-
modernidade subversiva que se tornou o rigeur [o socialmente obrigatório] em certas áreas da teoria
contemporânea. Como enfatizou Gianni Vattimo, tal visão do pós-moderno repete tipicamente o gesto
de superação e de futuridade que é fundamental para o moderno, ingenuamente reabilitando a
própria lógica da história como progresso que afirma renunciar.16
Minha própria análise é motivada pelo desejo de questionar teorias existentes da história cultural
e literária para revelar sua cegueira em relação às questões de gênero. Neste sentido, estou em
consonância com as críticas feministas que argumentam que as teorias tanto do moderno como do
pós-moderno têm se organizado em torno de uma norma masculina e não prestam suficiente atenção
às especificidades das vidas e das experiências das mulheres. Porém, não busco demonstrar a
natureza ilusória do moderno para posicionar as mulheres e as preocupações feministas do lado de
fora de sua lógica. Tais atos de intentada desmistificação são necessariamente problemáticos porque
falham ao reconhecer seu próprio enredamento inevitável dentro das categorias que buscam
transcender. Deste modo, espero demonstrar que o feminismo, que tem sido altamente crítico do
conceito do moderno, tem sido profundamente influenciado por ele, e que as lutas pela emancipação
das mulheres estão entrelaçadas de modos complexos aos processos de modernização. Se os
interesses das mulheres não podem ser alinhados sem problemas às concepções dominantes do
moderno, também não podem ser simplesmente colocados fora delas.

16
Gianni Vattimo, The End of Modernity: Nihilism and hermeneutics in Postmodern Culture (Baltimore: The Johns Hopkins University
Press, 1988), p.4.
5

“Heroínas da Modernidade”

A afirmação de que a maioria das teorias contemporâneas do moderno é centrada no masculino,


eu imagino, não surpreenderá muito a maioria das leitoras deste livro. É um traço constante que liga
um conjunto variado de textos bastante disparatados. Já citei o relato ricamente elaborado de
Berman, mas neste sentido frustrantemente monológico; dentro da área dos estudos culturais e
literário, podemos facilmente listar muitos outros trabalhos críticos que afirmam oferecer uma teoria
geral da modernidade, mas se baseiam exclusivamente em obras de homens e representações
textuais de masculinidade [Poderíamos pensar aqui no caso do Romantismo inglês]. A questão é
ainda mais direta dentro do campo da teoria política e social, onde a equação da modernidade a
estruturas institucionais e públicas particulares governadas pelos homens leva a uma total elisão das
vidas, preocupações, e perspectivas das mulheres.17
A identificação da modernidade com a masculinidade não é, é claro, simplesmente uma
invenção dos teóricos contemporâneos. Muitos dos símbolos-chave do moderno no século XIX _ a
esfera pública, o homem na multidão, o estrangeiro, o dândi, o flâneur _ são de fato explicitamente
generificados. Não poderia haver, por exemplo, um equivalente direto feminino do flâneur, dado que
qualquer mulher que vagasse nas ruas de uma metrópole do século XIX seria certamente
considerada uma prostituta.18 Dessa maneira, uma identificação recorrente do moderno com o público
foi amplamente responsável pela crença que as mulheres foram situadas fora dos processos da
história e da mudança social. Nos textos do início do Romantismo, encontramos algumas das mais
explicitamente nostálgicas representações da feminilidade como um refúgio redentor do mal estar da
civilização. Vistas como menos especializadas e diferenciadas do que os homens, locadas dentro do
espaço doméstico e em uma rede íntima de relações familiares, mais intimamente ligadas à natureza
através de sua capacidade reprodutiva, a mulher incorporou uma esfera de autenticidade atemporal
aparentemente intocada pela alienação e fragmentação da vida moderna.
Esta visão de feminilidade reteve muito de seu poder retórico, re-emergindo nas obras de
inúmeros escritores contemporâneos. Deste modo, parte do senso comum de muito do pensamento
feminista do mainstream foi uma crença que tais fenômenos como a indústria, o consumismo, a
cidade moderna, os meios de comunicação de massa, e a tecnologia são fundamentalmente
masculinos, e que os valores femininos de intimidade e autenticidade permanecem de fora da lógica
alienante e desumanizante da modernidade. Estas suposições receberam articulação explícita nos
trabalhos do feminismo cultural que abraçaram um ideal romântico de feminilidade como um enclave
da autopresença natural em face do ataque violento da racionalidade tecnocrática. Trabalhos
feministas mais recentes têm se baseado em teorias psicanalíticas e pós-estruturalistas para lançar
uma crítica amplamente semelhante em um nível mais abstrato, argumentando que os conceitos e as
estruturas fundantes do pensamento moderno são por natureza falocêntricos. Em um livro recente,
por exemplo, Juliet MacCannell afirma que a modernidade é caracterizada pela eliminação da mulher
e da diferença sexual. De acordo com MacCannell, a sociedade moderna não mais exemplifica a lei
do pai, mais em vez disso representa o regime do irmão, como a autoridade inquestionável e
tradicional do Deus ou rei patriarcal dá lugar a uma lógica do Iluminismo de igualdade, fraternidade e

17
Ver, por exemplo, Carole Pateman, The Disorder of Women: Democracy, Feminism, and Political Theory, ed. Mary Lyndon Stanley
& Carole Pateman (Cambridge: Polity Press, 1991); R.A. Sydie, Natural Women, Cultured Men: A Feminist Perspective on
Sociological Theory (Milton Keynes: Open University Press, 1987); T.R. Kandal, The Women Question in Classical Sociological
Theory (Miami: Florida International University Press, 1988).
18
Susan Buck-Morss, “The Flâneur, the Sandwichman, and the Whore: The Politics of Loitering,” New German Critique, 39 (1986):
119. O flâneur emergiu como uma figura-chave nas abordagens feministas recentes da modernidade, apesar das opiniões variarem
sobre a possibilidade de uma flâneuse feminina. Ver Janet Wolff, “The invisible Flâneuse: Women and the Literature of Modernity,”
Theory, Culture, and Society, 2, 3 (12985): 37-46; Griselda Pollock, “Modernity and the Spaces of Femininity,” em Vision and
Difference: Femininity, Femisnism and the Histories of Art (Nova York: Routledge, 1988); Deborah Epstein Nord, “The Urban
Peripatetic: Spectator, Streetwalker, Woman Writer,” Nineteenth-century Literature, 46, 3 (1991): 351-375; e Elizabeth Wilson, “The
Invisible Flâneur,” New Left Review, 191 (1992):90-110.
6

identidade. Entretanto, para as mulheres, este desenvolvimento histórico traz consigo regimes mais
opressivos, porque dissimulados, de dominação; o moderno é predicado sobre a ausência do Outro e
o apagamento da agência e do desejo femininos.19
Os aspectos da tese de MacCannell são sugestivos, e sua leitura do moderno através das lentes
da teoria psicanalítica utilmente desestabiliza a dicotomia racional/irracional ao expor as dimensões
fantasmáticas e narcisistas do pensamento Iluminista. Todavia, a dificuldade com tais teorias do
moderno repousa na generalidade implacável de suas afirmações. Uma coisa é argumentar que
fenômenos culturais e institucionais particulares surgidos dos processos de modernização têm sido
historicamente estruturados em torno da norma masculina, como fazem Joan Landes em sua
cuidadosa discussão da política simbólica da esfera pública do século XVIII ou Griselda Pollock em
seu relato da topografia sexual da cidade do século XIX.20 É outra diferente afirmar que um período
histórico estendido pode ser reduzido a uma manifestação de um único princípio masculino unificado.
Tal crítica absoluta falha ao dar conta dos impulsos contraditórios e conflituosos que moldam a lógica
_ ou melhor, as lógicas _ do desenvolvimento moderno. Não permite a possibilidade que certos
aspectos da modernidade possam ter sido ou poderiam potencialmente ser benéficos para as
mulheres. Em vez disso, origina uma dicotomia entre um passado moderno alienado e um futuro
feminino autêntico (pós-moderno?) que não consegue oferecer uma descrição de mecanismos
possíveis de transição de uma condição para a outra.21 Além disso, tal visão da natureza
essencialmente masculina da modernidade efetivamente inscreve as mulheres fora da história por
ignorar suas ativas e variadas negociações com diferentes aspectos do ambiente social. Aceitar o
valor aparente de uma equação do moderno a certos ideais filosóficos e uma vida pública dominada
pelo masculino, fracassa em considerar as características distintas e específicas da modernidade das
mulheres.
Entretanto, existe um corpus de obras feministas sobre o moderno as quais influenciaram
significativamente este livro. Tanto quanto basear-se nas reescritas da história literária do fin de siècle
de Elaine Showalter e Sandra Gilbert e Susan Gubar, encontrei enorme utilidade nas obras recentes
de Elizabeth Wilson, Christine Buci-Glucksmann, Rachel Bowlby, Nancy Armstrong, Andreas
Huyssen, e Patrice Petro.22 O que todas estas críticas compartilham é um reconhecimento
autoconsciente das intersecções complexas entre a mulher e a modernidade, da imbricação natural
tanto quanto de pontos de contradição entre estas duas categorias. Em vez de adotar uma narrativa
do progresso a qual supõe que a modernização trouxe consigo uma melhora inequívoca na vida das
mulheres ou ainda um contramito da nostalgia por um passado dourado, não-alienado e edênico,
suas obras oferecem um engajamento contínuo com as complexidades cambiantes do moderno em
relação às políticas de gênero.
Deste modo, por um lado, como muitas feministas haviam percebido, o século XIX presenciou o
estabelecimento de fronteiras crescentemente rígidas entre as essências individuais públicas e
privadas, de modo que as diferenças de gênero solidificaram-se em traços aparentemente naturais e
imutáveis. A distinção entre uma masculinidade competitiva e determinada e uma feminilidade

19
Juliet Flower MacCannell, The Regime of the Brother: After the Patriarchy (Londres: Routledge, 1991). Sobre fraternidade, ver
também Carole Pateman, The Sexual Contract (Stanford: Stanford University Press, 1988).
20
Landes, Women and the Public Sphere, e Pollock, “Modernity and the Spaces of Femininity.”
21
Ver Iris Marion Young, “The Ideal of Community and the Politics of Dofference,” in Feminist/Postmodernism, ed. Linda Nicholson
(Nova York: Routledge, 1990).
22
Elaine Showalter, Sexual Anarchy: Gender and Culture at the Fin de Siècle (Nova York: Viking Penguin, 1990); Sandra M. Gilbert &
Susan Gubar, No Man’s Land: The Place of the Woman Writer in the Twentieth Century, vol.1: The War of the Words (New Haven:
Yale University Press, 1988), e No Man’s Land, vol. 2: Sexchanges (New Haven: Yale University Press, 1989); Elizabeth Wilson,
Adorned in Dreams: Fashion and Modernity (Berkeley;University of California Press, 1987), e The Sphinx in the City: Urban Life, the
Control of Disorder, and Women (Londres: Virago, 1991); Christine Buci-Glucksmann, La raison baroque: de Baudelaire à Benjamin
(Paris: Editions Galilée, 1984); Rachel Bowlby, Just Looking: Consumer Culture in Dreiser, Gissing, and Zola (Methuen: Nova York,
1985); Nancy Armstrong, Desire and Domestic Fiction: A Political History of the Novel (Oxford: Oxford University Press, 1987);
Andreas Huyssen, “Mass Culture as Woman: Modernism’s Other” e “ Thje Vamp and the Machine: Fritz Lang’s Metropolis,” em
After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, and Postmodernism (Bloomington: Indiana University Press, 1986); Patricia Petro,
Joyless Streets: Women and Melodramatic Representation in Weimar Germany (Princeton: Princeton University Press, 1989).
7

doméstica e provedora de cuidados, enquanto um ideal realizável somente para uma minoria de lares
classe média, não obstante tornou-se uma rubrica diretiva à qual vários aspectos da cultura foram
submetidos. Mary Poovey observa que “o modelo de uma oposição binária entre os sexos, que foi
construído socialmente em ‘esferas’ separadas, mas supostamente equânimes, subscreveu todo um
sistema de práticas e convenções institucionais em meados do século, desde uma divisão sexual do
trabalho até uma divisão sexual dos direitos políticos e econômicos.”23 Estas realidades materiais e
institucionais ambas moldaram e foram elas mesmas moldadas por concepções dominantes da
relação das mulheres com a história e o progresso, na medida em que categorias espaciais do
privado e do público foram mapeadas em distinções temporais e entre passado e presente. Ao ser
colocada do lado de fora das estruturas desumanizantes [sem h] da economia de capital, tanto quanto
das demandas da vida pública, a mulher tornou-se um símbolo da identidade inalienada, e portanto
não-moderna. Um corpo prolífico de textos científicos, literários e filosóficos procurou provar que as
mulheres eram menos diferenciadas e menos autoconscientes do que os homens e mais enraizadas
em uma unidade Elemental. Como consequência, para vários intelectuais mulheres e homens, as
mulheres poderiam adentrar a modernidade somente assumindo atributos que tradicionalmente têm
sido classificados como masculinos.
Por outro lado, entretanto, uma reflexão mais profunda dos textos do século XIX sugere que as
divisões entre o público e o privado, masculino e feminino, moderno e antimoderno não eram tão fixas
como possam ter parecido. Ou melhor, elas foram desfeitas e refeitas de novas maneiras. Christine
Buci-Glucksmann se refere a uma “redistribuição simbólica de relações entre o feminino e o
masculino”, que ela vê como uma contratendência dominante dentro da vida urbana do século XIX, 24
Portanto, a ideologia das esferas separadas foi enfraquecida pelo movimento de mulheres
trabalhadoras em trabalhos industriais e de produção de massa, fazendo com que um grande número
de escritores expressasse seus medos de que o local de trabalho tornar-se-ia sexualizado através da
proximidade perigosa entre os corpos femininos e os masculinos. A expansão do consumismo na
última metade do século confundiu ainda mais a distinção entre o público/privado, na medida em que
as mulheres da classe média movimentaram-se para o espaço público da loja de departamentos e o
mundo das mercadorias produzidas em massa, por sua vez, invadiu a interioridade do lar.
Finalmente, as feministas do final do século XIX e os reformadores sociais forneceram um dos
desafios mais visíveis e abertamente políticos às hierarquias de gênero. Fazendo valer seus direitos à
igualdade legal e política dos homens, elas simultaneamente apelaram a uma autoridade moral
distintivamente feminina como uma justificativa para a sua ocupação da esfera pública.
Crescentemente, as imagens da feminilidade desempenharam um papel fundamental nos medos,
ansiedades e fantasias esperançosas sobre o caráter da “idade moderna”.
Neste contexto, muitos críticos comentaram sobre a significância da prostituta no imaginário
social do século XIX e seu status emblemático na literatura e na arte daquele período25. Ambos,
vendedora e mercadoria, a prostituta foi o símbolo maior da comodificação do Eros, um exemplo
perturbador das fronteiras ambíguas que separam a economia da sexualidade, o racional do
irracional, o instrumental do estético. Seu corpo produziu inúmeras interpretações conflitantes; visto
por alguns escritores contemporâneos como exemplo da tirania do comércio e da dominação

23
Mary Poovey, Uneven Developments: The Ideological Work of Gender in Mid Victorian England (Chicago: University of Chicago
Press, 1988), p.8.
24
Christine Buci-Glucksmann, “Catatrophy Utopia: The Feminine as Allegory of the Modern,” Representations, 14 (1986): 222.
25
Discussões recentes da prostitute como um símbolo de modernidade influenciadas pelo trabalho de Walter Benjamin incluem Buck-
Morss, “The Flâneur, the Sandwichman, and the Whore,” e Angelina Rauch, “The Trauerspiel of the Prostitute Body or Woman as
Allegory of Modernity,” Cultural Critique, 10 (1989): 77-88. Ver também T.J.Clarck, The Painting of Modern Life (Princeton:
Princeton University Press, 1984), chap. 2; Charles Bernheimer, Figures of Ill-Repute: Representing Prostitution in the Nineteenth-
Century France (Cambridge: Harvard University Press, 1989); Alain Corbin, Women for Hire: Prostitution and Sexuality in France
after 1850 (Cambridge: Harvard University Press, 1990); Linda Nead, Myths of Sexuality: Representations of Women in Victorian
Britain (Oxford: Basil Blackwell, 1988); e Judith Walkowitz, Prostitution and Victorian Society: Women, Class, and the State
(Cambridge: Cambridge University Press, 1980), e City of Dreadful Delight: Narratives of Sexual Danger in the Late-Victorian
London (Chicago: University of Chicago Press, 1992).
8

universal do nexo do dinheiro, foi lido por outros como representativo do abismo de uma sexualidade
feminina ligada à contaminação, à doença, e ao colapso das hierarquias sociais na cidade moderna.
Sujeita a formas crescentes de regulação, documentação e vigilância governamentais, a prostituta foi
uma lembrança insistentemente visível do anonimato potencial das mulheres na cidade moderna e do
afrouxamento da sexualidade dos laços familiares e comunais. Como a prostituta, a atriz poderia
também ser vista como uma “figura do prazer público”, cuja utilização de cosméticos e vestuário dava
testemunho das formas comodificadas e artificiais da sexualidade feminina contemporânea26. Este
motif da performática feminina se presta facilmente à apropriação como um sintoma da difusão da
ilusão e do espetáculo na geração de formas modernas de desejo. Colocadas à margem da
sociedade respeitável, todavia graficamente incorporando sua lógica estruturante da estética da
mercadoria, a prostituta e a atriz fascinaram os críticos culturais do século XIX preocupados com a
natureza artificial e decadente da vida moderna.
O status cambiante das mulheres sob as condições de urbanização e industrialização
expressou-se ainda em uma ligação metafórica das mulheres com a tecnologia e com a produção de
massa. Não mais colocadas em uma oposição simples à lógica racionalizante do moderno, as
mulheres foram então vistas como sendo construídas através delas. A imagem da mulher-máquina é
outro tema recorrente no moderno, explorado em textos tais como Tomorrow’s Eve de Phillipe
Auguste Villiers de L’Isle Adam27. Como observa Andreas Huyssen, esta imagem vem cristalizar, em
forma condensada, uma fascinação e asco simultâneos pelos poderes da tecnologia. Como a obra de
arte, a mulher na era da reprodução tecnológica é desprovida de sua aura; os efeitos da indústria e
da tecnologia ajudam assim a desmistificar o mito da feminilidade como o último remanescente da
natureza redentora. Neste sentido, a modernidade serve para desnaturalizar e, portanto,
desestabilizar a noção de uma feminilidade essencial, dada por Deus. Todavia esta imagem da
mulher como máquina também pode ser lida como uma reafirmação do desejo patriarcal pelo domínio
tecnológico sobre a mulher, expressado na fantasia de uma fêmea autômato complacente e no sonho
da criação sem a mãe através de processos artificiais de reprodução. Há uma ambiguidade crucial na
figura da mulher-máquina _ ela aponta para uma subversão ou, em vez disso, para um reforço das
hierarquias de gênero? _ que continua a marcar sua mais recente reencarnação no manifesto
ciborgue de Donna Haraway28.
A prostituta, a atriz, a mulher mecânica _ são tais figuras femininas que cristalizam as respostas
ambivalentes ao capitalismo e à tecnologia que permearam a cultura do século XIX. A lista pode ser
facilmente expandida. A figura da lésbica, por exemplo, veio servir como um símbolo evocativo da
modernidade feminilizada no trabalho de muitos escritores franceses do século XIX que a
representaram como um avatar de perversidade e decadência, exemplificando a mobilidade e a
ambiguidade das formas modernas do desejo. Como Walter Benjamin observa em sua discussão
sobre Baudelaire, o status da lésbica como heroína do moderno deriva de seu desafio consciente dos
papéis tradicionais de gênero através de uma subversão da heterossexualidade “natural” e dos
imperativos da reprodução biológica. Lilian Faderman e, mais recentemente, Thais Morgan
exploraram algumas das manifestações deste culto do exotismo lésbico na medida em que moldou os
textos de autores avant-garde do século XIX. Como Morgan afirma, a figura da lésbica veio funcionar

26
Charles Baudelaire, The Painter of the Modern Life and Other Essays ( Londres: Phaidon Press, 1984), p.36.
27
Philippe Auguste Villiers de L’Isle Adam, Tomorrow’s Eve, trans. Robert Martin Adams (Urbana: University of Illinois Press, 1982).
Ver também, por exemplo, Mary Annn Doane, “Technophilia: Technology, Representation, and the Feminine,” em Body/Politics:
Women and the Discourse of Science, ed. Mary Jacobus, Evellyn Fox keller , e Sally Shuttleworth (Nova York: Routledge, 1990);
Annette Michelson, “On the Eve of the Future: The Reasonable Facsimile and the Philosophical Toy,” em October: The First
Deacade, 1976-1986, ed. Annette Michelson et al. (Cambridge:MIT Pres, 1987); Rodolphe Gasché, “ The Stelliferous Fold: On
Villiers de L’Isle –Adam’s L’Eve future,” Studies in Romanticism, 22 (1983): 293-327; Peter Gendolla, Die Lebenden Maschinen: Zur
Geschichte der Maschinen-menschen bei Jean Paul, E.T.A. Hoffman, und Villiers de L’Isle –Adam’s (Marburg: Guttandin und Hoppe,
1980).
28
Minha discussão sobre a mulher mecânica deve muito ao trabalho de Huyssen “The Vamp and the Machine”. Sobre o Ciborgue, ver
Donna Haraway, “A Manifesto for Cyborgs: Science, Technology, and Socialist Feminism in the 1980s,” em Simians, Cyborgs, and
Women (Nova York: Routledge, 1991).
9

como um emblema de transgressão chique, permitindo aos artistas e escritores explorarem uma
ampla variedade de prazeres e subjetividades sem, necessariamente, desafiarem as suposições e os
privilégios tradicionais da masculinidade29.
Como este exemplo indica, muitas das representações dominantes da feminilidade moderna são
moldadas por preocupações da fantasia masculina e não podem simplesmente serem lidas como
representações precisas da experiência das mulheres. Entretanto, não se trata de argumentar a favor
de um contra domínio de feminilidade autêntica que aguarda para ser descoberto fora de tais
representações e das lógicas institucionais e textuais do moderno. Ao contrário, espero mostrar que a
nostalgia por tal plenitude não alienada é ela mesma produto de esquemas dualísticos modernos os
quais posicionam a mulher como o Outro inefável além dos limites de uma ordem simbólica e social
masculina. Em vez de perseguir a quimera de uma feminilidade autônoma, desejo explorar alguns
dos diferentes modos em que as mulheres basearam, contestaram, ou reformularam as
representações de gênero e a modernidade, compreendendo sua própria posição dentro da
sociedade e da história. A experiência das mulheres não pode ser vista como uma ontologia pré-
determinada que precede sua expressão, mas é constituída através de um número de fios
contraditórios, embora conectados, que não são simplesmente refletidos, mas construídos através
das “tecnologias de gênero” de culturas e períodos particulares 30. Tal entendimento de história como
um decreto situa a feminilidade em suas múltiplas, diversas, mas determinadas articulações, que são
elas mesmas entrecruzadas por outras lógicas e hierarquias culturais de poder. O gênero está
continuamente em processo, uma identidade que é performativizada e realizada ao longo do tempo
dentro de restrições sociais determinadas.
Reconhecer a determinação social da feminilidade não é, portanto, advogar por uma lógica de
identidade que supõe que a experiência das mulheres da modernidade pode simplesmente ser
assimilada àquela dos homens. Para ficar claro, as vidas das mulheres foram radicalmente
transformadas por tais fenômenos quintessencialmente modernos como a industrialização, a
urbanização, o advento da família nuclear, as novas formas de regulação tempo-espaço, e o
desenvolvimento dos meios de comunicação de massa. Desta perspectiva, não pode haver esferas
separadas da história das mulheres fora das estruturas dominantes e da lógica da modernidade. Ao
mesmo tempo, as mulheres experienciaram estas mudanças de modos especificamente
generificados que foram posteriormente fraturados, não somente por hierarquias muito citadas de
classe, raça, e sexualidade, mas por suas identidades sobrepostas e práticas variadas, como
consumidoras, mães, trabalhadoras, artistas, amantes, ativistas, leitoras, entre outras. São estes
encontros distintamente femininos com as várias facetas do moderno que foram amplamente
ignorados por meta-teorias sociais e culturais esquecidas da generificação dos processos históricos.
Deste modo, uma abordagem da história literária e cultural que tem como foco textos de mulheres
e/ou sobre mulheres pode resultar em um conjunto diferente de perspectivas sobre a natureza e o
significado dos processos históricos. Aquelas dimensões da cultura ou ignoradas, trivializadas, ou
vistas como regressivas, mais do que autenticamente modernas, _ sentimentos, romances
românticos, compras, maternidade, moda _ ganham dramaticamente em importância, enquanto
temas previamente considerados como centrais para a análise sociocultural da modernidade tornam-
se menos significantes ou recuam para segundo plano. Como consequência, nossa compreensão
sobre o que conta como história significativa é sutilmente, ainda que profundamente, alterada na
medida em que a paisagem do moderno adquire um conjunto de contornos diferente, menos familiar.
No entanto, a crítica feminista também corre o risco de reforçar estereótipos de gênero se ela
devota toda sua atenção a desvelar uma cultura distintiva de “mulheres”. Muitas mulheres do século
29
Thais E. Morgan, “Male Lesbian Bodies: The Construction of Alternative Masculinities in Coubert, Baudelaire, and Swinburne,”
Genders, 15 (1992):41. Ver também Walter Benjamin, Charles Baudelaire: A Lyric Poet in the Era of High Capitalism (Londres:
New Left books, 1973), pp.89-93, e Lilian Faderman, Surpassing the Love of Men: Romantic Friendships and Love between Women
from the Renaissance to the Present (Londres: Junction Books, 1981), pp. 254-276.
30
Teresa de Lauretis, Technologies of Gender (Blomington: Indiana University Press, 1987).
10

XIX buscaram questionar tal noção atravessando as fronteiras tradicionais do feminino/masculino,


seja de modos abertamente políticos ou de modos mais calados e menos visíveis. É igualmente
importante reconhecer a presença feminina dentro das esferas frequentemente vistas como
províncias exclusivas dos homens, tal como o domínio da política pública ou da arte de vanguarda.
Ao apropriarem-se de tais discursos tradicionalmente masculinos, as mulheres ajudaram a revelar a
instabilidade potencial da divisão tradicional de gêneros, assim como suas versões destes discursos
frequentemente revelam diferenças sugestivas e interessantes. Em vez de ler tais estratégias como
sinais patológicos da submissão das mulheres a um falocentrismo que tudo abrange, estou
interessada em explorar as identidades híbridas e frequentemente contraditórias que se seguiram. Se
as políticas de gênero tiveram um papel central em moldar os processos de modernização, estes
mesmos processos, por sua vez, ajudaram a iniciar uma remodelagem e reimaginação de gênero que
continua em andamento.

Estética Modernista e Modernidade das Mulheres

Entre os vários termos associados ao moderno, o modernismo é o que é mais familiar dentro do
campo dos estudos literários. Ao contrário da modernidade, pode ser situado em um tempo histórico
com um relativo grau de precisão; a maioria dos críticos situa o ponto alto da literatura e da arte
modernistas entre 1890 e 1940, enquanto concordam que as características modernistas podem ser
encontradas em textos que precedem ou pospõem-se a este período. A emergência do modernismo
na Europa continental é frequentemente ligada ao surgimento do simbolismo na França e do
esteticismo da Viena fin de siècle, enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos as tendências
modernistas são comumente supostas de terem se manifestado algum tempo mais tarde,
aproximadamente ao tempo da Primeira Guerra Mundial.
Enquanto a literatura modernista constitui-se de um amplo e heterogêneo conjunto de estilos
mais do que uma escola unificada, é, todavia, possível listar algumas de suas mais importantes
características identificatórias. De acordo com o útil resumo de Eugene Lunn, entre estas, incluem-
se: autoconsciência estética; simultaneidade; justaposição, e montagem; paradoxo, ambiguidade, e
incerteza; e desumanização do sujeito.31 Estas características são convencionalmente explicadas
com referência à crise da linguagem, da história, e do sujeito que moldou o nascimento do século XX
e deixou uma marca indelével na literatura e na arte do período. Desta maneira, Malcolm Bradbury e
James McFarlane observam que o modernismo “é a arte consequente na desoficialização da
realidade comunal e das noções convencionais de causalidade, na destruição de noções tradicionais
da totalidade do caráter individual, no caos linguístico que se segue quando as noções públicas de
linguagem foram desacreditadas e quando as realidades tornaram-se ficções subjetivas.”.32
Há, entretanto, muito menos concordância a respeito das consequências sociopolíticas da
inovação modernista na esfera da literatura e da arte. Nos países europeus, tais como a França, a
Alemanha, a Itália, e a Rússia, a experimentação formal dos movimentos artísticos do final do século
XIX e do início do século XX estava frequentemente ligada a uma agenda social explícita por ambos
os praticantes e os críticos: a estética radical estava intimamente interligada com as políticas de
vanguarda. Uma noção crucial aqui era aquela de ostranenie, ou desfamiliarização, utilizada pela
escola do formalismo russo para descrever a capacidade da literatura de romper com as percepções
automatizadas e chamar a atenção para a materialidade da linguagem como um conjunto de
significantes. Para várias vanguardas, este potencial de desfamiliarização permitiu à inovação
artística adquirir uma conexão integral com as mudanças sociais. O modernismo foi a arte mais

31
Eugene Lunn, Marxism and Modernism (Londres: Verso, 1985), pp.33-37.
32
Malcolm Bradbury e James McFarlane, “The Name and Nature of Modernism,” em Bradbury e McFarlane, Modernism, p.27.
11

apropriada para desafiar as complacências políticas e os dogmas ideológicos por romper com as
ilusões miméticas das tradições naturalista e realista e articular, através de sua forma única as
contradições e ambiguidades radicais que caracterizavam a vida moderna.
Dentro do contexto anglo-americano, o modernismo tem sido lido de modo muito diferente, um
fato, em parte, devido à falta de uma tradição de vanguarda substancial na Inglaterra e nos Estados
Unidos e das políticas mais abertamente passivas e conservadoras de muitos dos seus praticantes-
chave. Como consequência, o modernismo foi frequentemente definido em oposição às
preocupações sociopolíticas, na medida em que os críticos evocaram as sutilezas da experimentação
modernista para defender um ideal de objeto de arte autorreferencial e autônomo. Desta maneira,
uma afinidade eletiva se estabeleceu entre as preocupações estéticas frequentemente rarefeitas de
escritores, tais como T.S. Eliot e Ezra Pound, e a ênfase antirreferencial e formalista da Nova Crítica
como uma prática institucional e uma tecnologia de leitura. Mariane DeKoven escreve que “o triunfo
do Modernismo da Nova Crítica fez parecer embotado, banal e até mesmo gauche discutir a escrita
modernista como uma crítica da cultura do século XX _ abordá-la, de fato, como qualquer coisa que
não fosse o altar da complexidade e intelectual e linguística em busca de uma unidade
transcendente.”33 A necessidade percebida de DeKoven para legitimar e defender sua própria
interpretação sociopolítica de Joseph Conrad e Virginia Woolf ressalta a natureza arraigada de tais
suposições e das diferenças marcadas a este respeito entre as tradições modernistas anglo-
americanas e européias.
Ambas destas tradições, entretanto, estão unidas em sua ampla reprodução acrítica de uma
linhagem literária masculina _ frequente e abertamente masculinista _ que foi colocada sob o
escrutínio das estudiosas feministas. Algumas críticas deram atenção a uma estética machista que
caracterizava o trabalho de modernistas homens que é baseada em uma exclusão de todas as coisas
associadas ao feminino. Aqui a ênfase do modernismo em uma estética rigorosamente experimental,
autoconsciente e irônica é interpretada como incorporando uma reação defensiva e hostil aos
engodos sedutores da emoção, do desejo, e do corpo. Outras feministas buscaram uma linha
diferente de argumentação, percebendo que muitas das características-chave da experimentação
modernista sugestivamente coincidem com a crítica feminista do falogocentrismo. Suzette Henke, por
exemplo, baseia-se no trabalho de Julia Kristeva para ler a obra de James Joyce como um desafio
subversivo às estruturas do discurso falocêntrico, desencadeando uma pluralidade de significantes
que articulam as ambiguidades de um desejo libidinal alinhado ao corpo maternal. A natureza
polissêmica da arte modernista é deste modo reapropriada para o projeto feminista através de sua
inquietude radical da fixidez da hierarquia de gênero.34
Além de produzir tais leituras revisionistas do cânone modernista masculino, as críticas
feministas estão também trazendo as mulheres para o centro de atenção como praticantes e teóricas
fundamentais do modernismo. Tanto quanto reler escritoras bem conhecidas como Virginia Woolf e
Gertrude Stein, elas estão começando a recuperar uma tradição menos conhecida de modernistas
mulheres e, desta forma, estão redesenhando e refinando os contornos da história literária.
Distanciando-se das análises de conteúdo reducionistas da crítica feminista inicial, estes trabalhos
recentes estão frequentemente tomando todo cuidado para reconhecer as sutilezas e complexidades
da escrita modernista através de uma análise cuidadosa de seus tropos, metáforas, jogo de palavras,
e ritmos textuais.35 Existem, claramente, fundamentos institucionais para tais intervenções e para
tentar trazer mais mulheres para o cânone literário existente atentando para a natureza formalmente
sofisticada e inovadora de suas artes. Todavia, é também evidente que alguns dos textos de
mulheres discutidos em tais estudos são menos informados pelo credo do experimentalismo
33
Marianne DeKoven, Rich and Strange: Gender, History, Modernism (Princeton: Princeton University Press, 1991), p.12.
34
Suzette Henke, James Joyce and The Politics of Desire (Londres: Routledge, 1990).
35
Ver, por exemplo, Shari Benstock, Women of the Left Bank: Paris, 1900-1940 (Austin: University of Texas Press, 1986); Gillian
Hanscombe e Virginia L. Smyers, Writing for Their Lives: The Modernist Women, 1910-1940 (Londres : Women’s Press, 1987); e
The Gender of Modernism: A Critical Anthology, ed. Bonnie Kime Scott (Bloomington: Indiana University Press, 1990).
12

modernista do que as tradições literárias alternativas, tais como o realismo ou o melodrama. Neste
contexto, Celeste Schenk defende uma “polêmica para o desmantelamento de um ‘Modernismo’
monolítico definido por sua irreverência iconoclasta por convenção e forma, uma diferença a qual
contribuiu para a marginalização das poetas mulheres durante o período.”36 [Mais uma vez
poderíamos pensar a poesia escritas por mulheres na época romântica, ver meu trabalho: “A
Invisibilidade Feminina no Romantismo Inglês”] Mais do que simplesmente argumentar pela inclusão
de mais umas poucas mulheres no cânone modernista, Schenk sugere que um desafio contínuo ao
fetiche do vanguardismo e uma expansão do termo “modernismo” para cobrir todos os textos escritos
dentro de um dado período pode ajudar a neutralizar o status marginal das mulheres e inaugurar um
olhar crítico para a variedade de estilos de escrita circulando dentro de uma dada era histórica.
A questão em foco aqui é quais benefícios e os perigos residem em formas particulares de
categorização. Embora eu tenha grande simpatia pelas preocupações de Schenk, sua sugestão para
que o modernismo seja ampliado para incluir “qualquer coisa escrita entre 1910 e 1940” parece
insatisfatória por razões óbvias. Se o modernismo não é mais definido por nenhuma característica
formal ou estilística distintiva, as datas que ela propõe são, por sua vez, completamente arbitrárias;
por que localizar o início do modernismo em 1910, em vez de em 1880, ou 1850, ou 1830, todos
períodos que se enxergaram, de importantes maneiras, como “modernos”? Dissolver a especificidade
do “modernismo” deste modo é tornar um termo já vago efetivamente inútil, roubando dele qualquer
referente. É certamente mais útil reter o termo como uma designação para aqueles textos os quais
exibem as características formalmente autoconscientes, experimentais, antimiméticas descritas
anteriormente, ao mesmo tempo em que se questiona a suposição de que tais textos sejam
necessariamente as obras mais importantes ou representativas do período moderno. O modernismo é
somente um aspecto da cultura da modernidade das mulheres.
Em outras palavras, a crítica feminista da história literária é mais bem realizada não negando a
existência de distinções estéticas e formais entre os textos, mas em vez disso questionando e
repensando os significados que são frequentemente designados por estas distinções. Isto inclui Esta
variedade desde a celebração humanista liberal do grande modernista masculino como o porta-voz
heroico de seu tempo à crença, compartilhada por várias críticas pós-estruturalistas, neo-marxistas, e
feministas, de que a arte experimental exemplifica o desafio mais autenticamente radical à autoridade
dos sistemas ideológicos dominantes. Este isolamento do texto modernista como um locus
privilegiado do radicalismo cultural repousa sobre certas suposições tidas como certas sobre o status
unicamente privilegiado do discurso literário que se tornou cada vez mais tênue na teoria crítica. A
primeira destas posições pode ser frouxamente descrita como uma forma de mimetismo; ao mesmo
tempo em que rejeita supostamente o quadro reflexivo da estética realista, entretanto presume que o
modernismo de algum modo oferece uma representação verdadeira da natureza radicalmente
fragmentária e indeterminada do social. Neste sentido, o texto modernista torna-se o portador
privilegiado da autoridade lógica, cristalizando em sua própria estrutura as fissuras subjacentes que o
texto realista encobre. O modernismo é paradoxalmente promovido acima do realismo porque é um
realismo mais verdadeiro; indo além da estabilidade superficial das convenções literárias de
superfície, revela que a realidade é fluidez, fragmentação, indeterminação.37
Uma posição psicológica, em contraste, coloca uma ênfase maior sobre a proximidade do texto
modernista com os trabalhos incoerentes e fragmentados do inconsciente. Aqui a fascinação de
muitos escritores modernistas com as atividades subterrâneas da psique coincide com o impacto
renovado da psicanálise na teoria literária mais recente. Deste modo, as críticas feministas basearam-
se fortemente nas teorias psicanalíticas do significado para interpretar as fissuras e contradições

36
Celeste Schenk, “Charlotte Mew,” em The Gender of Modernism, p.320, nota 1.
37
Laura Marcus, “Feminist Aesthetics and the New Realism,” em New Feminist Discourses, ed. Isobel Armstrong (Londres: Routledge,
1992), p.14. Para uma discussão detalhada das revindicações miméticas implícitas em muita da teoria estética modernista, ver
Astradur Eysteinsson, The Concept of Modernism (Ithaca: Cornell University Press, 1990).
13

dentro dos textos modernistas como erupções de um desejo libidinal que ameaça romper com as
estruturas fixas de um sistema falocêntrico. O rompimento do modernismo da sintaxe hierárquica e do
tempo e do enredo lineares, seu descentramento do sujeito conhecedor e racional, sua fascinação
pelas qualidades rítmicas e auditivas da linguagem, são vistas como oferecendo a base para uma
estética feminina subversivamente outra ligada aos impulsos do inconsciente.38
Ambas estas posições assumem de modos diferentes que a obra modernista comporta uma
relação privilegiada com uma realidade não linguística que forma a base de seu potencial
transgressivo. Através de sua articulação das verdades reprimidas, o texto fraturado de algum modo
desafia, enfraquece, ou de maneira diferente questiona os discursos mistificadores de uma ordem
burguesa/patriarcal. O texto modernista torna-se assim a expressão definitiva das contradições reais
da modernidade. Entretanto, já observei que a questão do que a modernidade é [aqui estava
erroneamente na negativa], sem dúvida, não é tão autoevidente quanto tais teorias, algumas vezes,
supõem. Enquanto as teóricas marxistas, por exemplo, tiveram uma tendência de enfatizar as lógicas
impulsionadas pela crise da produção capitalista, outros escritores apontaram que as práticas
culturais não necessariamente harmonizam, de qualquer forma direta, com o desenvolvimento
econômico. Alain Corbin, por exemplo, afirma a relativa estabilidade da religião, do costume, e das
redes tradicionais do parentesco e da afiliação na Paris do século XIX, sugerindo que revindicações
por uma transformação radical da vida social sob o capitalismo são frequentemente exageradas.39 Se
aceitamos a legitimidade de tais críticas dos modelos totalizantes da periodização, torna-se mais
difícil identificar um tipo único de texto, seja o realista ou a mais alta obra de arte moderna, como
incorporando a verdade do Zeitgeist moderno em um modo singularmente representativo. De fato,
qualquer tentativa de exemplificar uma única obra como um índice representativo de toda uma
problemática cultural (modernidade, mulheres) se revela como uma iniciativa metodologicamente
carregada em seu posicionamento de uma relação isomórfica entre o texto literário e o real. Em vez
disso, a ideia do moderno se fragmenta em uma variedade de filamentos, frequentemente
contraditórios, se conectados, os quais não são simplesmente reflexos, mas são em parte construídos
através de diferentes discursos de um período específico. Deste modo, nossa própria compreensão
do moderno como um período de instabilidade radical e mudança constante está ela mesma, pelo
menos parcialmente, em dívida com a proeminência de obras de arte modernistas iconoclastas em
histórias herdadas da cultura do século XX; uma leitura de outros tipos de textos pode por sua vez
originar uma visão muito diferente da relação entre estabilidade e mudança dentro do período
moderno.
Os problemas epistemológicos inerentes às recorrências à essência da modernidade influenciam
diretamente as políticas textuais do modernismo, sugerindo que revindicações generalizadas da
natureza subversiva das formas experimentais precisam ser substituídas por análises mais
contextualmente específicas das relações entre discursos particulares e diferentes eixos de poder.
Muito da arte de vanguarda da virada do século, por exemplo, expressou uma profunda antipatia por
ideologias dominantes e visões de mundo da parte de elites intelectuais e artísticas marginalizadas.
Ao articular esta alienação ao nível da forma artística, tais vanguardas abraçaram uma estética
contestatória e crítica que buscou explodir as certezas complacentes das atitudes burguesas. Ainda
assim uma leitura feminista frequentemente revela linhas marcantes de continuidade entre discursos
dominantes e contradiscursos estéticos em termos de uma valorização compartilhada dos modelos
edípicos da masculinidade competitiva e um desprezo manifesto por uma esfera “propriamente
feminina” da emoção, do ponto de vista, dos sentimentos. Como consequência, a introdução de uma
política de gênero complica radicalmente uma oposição existente entre o que Matei Calinescu
chamou de as “duas modernidades” da racionalização burguesa e da arte radical, rompendo e

38
DeKoven, Rich and Strange, p.8.
39
Alain Corbin, “Backstage”, em A History of Private Life, vol.4: From the Fires of Revolution to the Great War, ed. Michelle Perrot
(Cambridge: Harvard University Press, 1990), p.503.
14

reconfigurando as linhas de poder existentes.40 Um texto que possa parecer subversivo e


desestabilizador de uma perspectiva política torna-se um portador de ideologias dominantes quando
lido no contexto de outra perspectiva. Neste contexto, a busca ansiosa de um texto autenticamente
transgressivo dentro da teoria cultural e literária recente se revela como uma iniciativa singularmente
desinteressante e improdutiva.
Este argumento por sua vez tem implicações significativas para a própria escolha de
metodologia do feminismo, indicando os problemas inerentes ao tentar encapsular a essência da
modernidade das mulheres através de uma leitura cuidadosa de um ou dois textos exemplares
canônicos. As obras de Woolf e Stein, por exemplo, podem revelar muito mais do contetxo específico
das subculturas aristocrático-boêmias femininas de Bloomsbury e de Left Bank na década de 20 do
que de alguma feminilidade Ur [primordial] exemplar e reprimida. Tais escritos nos oferecem
explorações elegantes e irônicas da fragilidade linguística e das normas sexuais, articulando uma
visão de mundo artística e intelectual que foi moldada pelo impacto do freudismo e do feminismo, das
filosofias linguísticas e dos manifestos artísticos. Todavia eles nos dizem muito menos sobre aqueles
aspectos da modernidade que moldaram as vidas de outros tipos de mulheres: a modernidade das
lojas de departamento e fábricas, dos romances populares e das revistas femininas, dos movimentos
políticos de massa e construções burocráticas da feminilidade. Tais preocupações não estão, é claro,
completamente ausentes do modernismo, mas estão tipicamente mediadas e refratadas através de
uma lente estética da ironia, da desfamiliarização, e da montagem específica para uma elite artística
e intelectual _ apesar de não necessariamente política, do período. A conexão de tal estética com os
discursos, imagens, e representações do moderno moldando as vidas de outras classes e grupos de
mulheres é de modo algum autoevidente. Como nota Martin Pumpfrey, “Qualquer leitura adequada do
período moderno... precisa levar em consideração o fato de que os debates sobre a liberdade pública
das mulheres, sobre a moda e a feminilidade, os cosméticos e a limpeza de casa foram tão
essenciais à fabricação da modernidade como o cubismo, o Dada ou o futurismo, como o simbolismo,
a forma fragmentada ou a narrativa do fluxo de consciência.”41
Se as revindicações epistemológicas da verdade da escrita modernista podem estar precisando
de alguma modificação, assim também podem estar as revindicações políticas. Deste modo, autoras
como Gertrude Stein são frequentemente escolhidas pelas críticas feministas para ganhar atenção
por causa de seus desafios às convenções linguísticas e sociais e seu questionamento transgressivo
da feminilidade. Tal revindicação de uma tradição de vanguarda feminina indubitavelmente forma uma
parte importante da reescrita feminista da história literária através da criação de um panteão das mais
importantes e inspiradoras artistas mulheres. Entretanto, também frequentemente perpetua uma
infeliz dicotomia do valor político e literário que identifica a experimentação formal como a prática
mais autenticamente resistente, com um estigma consequente, ligado tanto às formas
representacionais da arte e aos textos sentimentais regressivos da cultura de massa. Tal retórica
progressista e orientada para o futuro, eu sugeriria, pode oferecer um modo insuficientemente
nuançado de abordar as políticas de gênero dos textos culturais dentro de histórias desiguais do
moderno. Assim um aspecto central da sabedoria feminista foi sua preocupação com o cotidiano, o
mundano, e sua consequente recuperação daquelas áreas da vida das mulheres frequentemente
desprezadas como triviais e insignificantes. Neste contexto, equacionar modernidade com
modernismo, supor que a arte experimental é necessariamente o veículo cultural privilegiado de uma
política de gênero, é certamente ignorar as implicações da crítica feminista não só para os métodos,
mas para os objetos de análise.
Aqui o conhecimento feminista entra em uma relação produtiva com as teorias semióticas, as
quais demoliram as rígidas oposições entre a arte e a sociedade, demonstrando a natureza carregada
de signos de todo o domínio cultural. Argumentar que o mundo é textual, neste sentido, não é negar
40
Calinescu, Five Faces of Modernity, p.43.
41
Martin Pumpfrey, “The Flapper, the Housewife, an the Making of Modernity,” Cultural Studies, 1,2 (1987):181.
15

suas realidades políticas, institucionais, e determinadas pelo poder, mas reconhecer que estas
realidades são concretizadas através de uma diversidade de artefatos e atividades semioticamente
complexos. Tal compreensão mais ampla do texto cultural pode contribuir significativamente para
uma reteorização do moderno ao romper com as distinções tradicionais entre um vanguardismo
radical (frequentemente codificado como masculino) e uma cultura de massa que tem sido
frequentemente retratada como sentimental, regressiva e feminina. Em particular, o trabalho feminista
recente na área da cultura popular e dos estudos culturais pavimentou o caminho para um repensar
da modernidade das mulheres que pode incluir uma consideração das políticas da arte experimental,
mas que pode ir além da hipostatização [atribuir abusivamente realidade absoluta a uma coisa relativa] do texto modernista.42
Tal leitura da modernidade baseada na cultura pode utilmente suplementar e rearticular os discursos
existentes, mas de algum modo moribundos, da modernização e do modernismo dentro da sociologia
e da crítica literária respectivamente.

A Política do Método

Deste modo, resolvi abordar a questão de gênero e modernidade via um conjunto de textos que
abrangem desde a divisão factual/ficcional até a alta/popular. As formas particulares da escrita
examinada nos capítulos seguintes são originárias de um espectro de gêneros [textuais], incluindo a
teoria sociológica, romances realistas e naturalistas, o melodrama popular, os tratados políticos e
discursos, e as obras do início do modernismo. Todas estas formas articulam, de modos diferentes,
uma consciência de e uma reação à problemática do moderno que é crucialmente entrelaçada com
sua representação do feminino. Ao ligar formas de escrita que são comumente mantidas à distância,
desejo investigar as dimensões narrativas e metafóricas da escrita política e sociológica ao mesmo
tempo em que situo a literariedade autoconsciente da experimentação modernista inicial dentro de
contextos sociopolíticos particulares. Se o estabelecimento do Novo Historicismo ajudou a pavimentar
um caminho para tais leituras transgenéricas, meu argumento está igualmente em dívida com os
estudos culturais por terem irrevogavelmente problematizado a oposição entre uma “alta” literatura
que supõe-se ser, inerentemente, ambígua e autocrítica e uma cultura de massa equiparada com a
reprodução de um ponto de vista ideológico monolítico. Os significados de todos os textos, isto se
tornou continuamente claro, são produzidos através de redes complexas de relações intertextuais, e
mesmo o texto mais conciliador e aparentemente monológico pode mostrar evidências de
dissonância, ambiguidade, e contradição em vez de simplesmente reinscrever o conformismo.
Afastar oposições, entretanto, não é argumentar a favor de identidades. Ao mesmo tempo em
que é importante identificar imagens e feixes de ideias que migram através dos textos, é igualmente
necessário considerar cuidadosamente as convenções e as lógicas distintivas que governam tipos de
textos, tanto quanto considerar os contextos específicos em que eles operam. Deste modo, eu
desejo, nas palavras de Ludmilla Jordanova, “chamar a atenção para as intrincadas transformações e
os múltiplos significados das ideias fundamentais em nossas tradições culturais.” 43 Estas “intrincadas
transformações” são imediatamente aparentes quando começamos a rastrear a figura do feminino,
cujos significados se misturam e se modificam, algumas vezes, dramaticamente, algumas vezes
imperceptivelmente, quando nos movemos através de diferentes regimes de discursos e tradições de
representações. O gênero, como enfatiza Jordanova, contém muitas camadas sedimentadas de
significado; é um compósito cujas fronteiras são instáveis e constantemente cambiantes, mesmo

42
Aqui estou pensando nos textos mencionados acima de Petro, Huyssen, e Wilson., mas também de obras marco-divisórias nos estudos
culturais feministas como Tania Modleski, Loving with a vengeance: Mas-Produced Fantasies for Women (Nova York: Methuen,
1984); Ien Ang, Watching Dallas (Nova York:Methuen, 1985); e Janice Radway, Reading the Romance: Women, Patriarchy, and
Popular Literature (Chapel Hill: University of North Caroline Press, 1984).
43
Ludmilla Jordanova, Sexual Visions: Images of Gender in Science and Medicine between the Eighteenth and the Twentieth Centuries
(Nova York: Harvester Wheatsheaff, 1989).
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quando também se revelam elementos significativos de continuidade através dos diferenciais de


períodos e contextos.
Com uma ou duas exceções, meu corpus de textos se origina no período entre 1880-1914. O fin
de siècle foi um período no qual atitudes conflitantes em relação ao moderno se apresentaram com
uma clareza particular, quando evocações de decadência e de mal-estar foram intercaladas com a
retórica do progresso e a percepção estimulante do nascimento de uma nova era. Neste sentido, é
claro, trata-se de um tempo que convida a paralelos inevitáveis com a nossa própria era. Foi um
período que viu uma diferenciação crescente de campos discursivos, na medida em que a arte
tornou-se autoconsciente e consciente de seu próprio status como arte, ao mesmo tempo em que tais
disciplinas como a sociologia, a psicologia, e a antropologia buscaram se estabelecer como
disciplinas autônomas e narrativas científicas da realidade. Como consequência, foi no final do século
XIX que muitas narrativas concorrentes do moderno receberam sua primeira articulação sistemática.
Presa entre os modelos historicistas e evolucionistas do século XIX ainda poderosos e a crise
emergente da linguagem e da subjetividade a qual moldaria a arte experimental do século XX, a
virada do século oferece um rico campo textual para se rastrear as ambiguidades do moderno.
A primeira metade do livro é dedicada a uma leitura detalhada de algumas representações
recorrentes do gênero da modernidade na medida em que elas se manifestam nos textos de
escritores homens do fin de siècle. Começo por identificar o que é ainda talvez a visão mais comum
de mulher como existindo fora do moderno, analisando os modos pelos quais esta visão é expressa e
legitimada na teoria sociológica inicial através da sua equação da modernidade com a esfera
masculina da racionalização e da produção. No capítulo seguinte, analiso o que parece ser uma visão
antitética, a associação da modernidade com a irracionalidade, a estética, e o excesso libidinal, como
exemplificado na figura da consumidora feminina voraz. Por que, eu pergunto, as representações da
modernidade são continuamente feminilizadas e demonizadas, e o que isto revela sobre a relação
entre a lógica do capitalismo e o patriarcado em uma cultura emergente de consumo? Finalmente,
considero a migração do tropos do feminino do corpo da mulher para a estética de vanguarda,
examinando a emergência de uma noção ainda influente da modernidade literária como ligada a
feminilização da escrita (dos homens). Nestes três feixes, a metáfora da mulher submete-se a
algumas impressionantes transmutações ao mesmo tempo em que revela continuidades significantes
de ênfase.
A segunda metade do livro, pelo contrário, centra-se sobre a própria representação da mulher da
relação entre modernidade e feminilidade, enquanto manifestada não simplesmente no conteúdo,
mas em estilos e técnicas de sua escrita. Eu pergunto: como as mulheres se posicionam em relação
à lógica da temporalidade e dos valores sociais, políticos, e estéticos associados ao moderno?
Começo com uma discussão sobre o romance popular, uma forma frequentemente considerada
regressiva e anacrônica, mas cuja saudade nostálgica por um “outro lugar” indeterminado é, eu
sugiro, um tropos fundacional dentro do próprio moderno. Eu persigo isso com uma escavação das
filosofias da história evidentes nos discursos e tratos das feministas da primeira onda, focando seu
emprego de metáforas da evolução e revolução como marcadores de uma experiência particular de
consciência histórica e sentido de temporalidade. Finalmente, contrasto este discurso político-
filosófico da modernidade com a modernidade literária da escritora francesa decadente Rachilde
(Marguerite Eymeri), cujas explorações estilizadas das ligações entre a perversão sexual e a
estetização da identidade perigosamente prenunciam algumas das preocupações centrais da teoria
cultural contemporânea. Ao contrastar tão diferentes gêneros _ o romance sentimental, a retórica
política, a estética de vanguarda _ procuro salientar algumas das muitas fantasias diferentes de e
reações ao moderno entre escritoras mulheres do fin de siècle.
Minha própria análise destas diferentes visões faz certas afirmações à representatividade, como
o faz qualquer argumento por definição. Entretanto, estas afirmações não repousam na capacidade
17

presumida de um único texto para cristalizar as características subjacentes de uma totalidade social,
para articular o Outro feminino reprimido do logos patriarcal ou mesmo encapsular a ideologia
dominante do período moderno. Em vez disso, tenho como objetivo apontar e analisar algumas das
mais penetrantes representações das mulheres e da modernidade que recorrem dentro, e algumas
vezes através, de fronteiras culturais particulares e de campos discursivos, e cujos traços se
estendem bem além do século XIX para dentro do nosso. É aqui que uma abordagem comparativa
pode provar-se útil, ao destacar as conceitualizações diferentes do moderno dentro de tradições
culturais diferentes, tanto quanto permitir um reconhecimento das afinidades que atravessam as
fronteiras nacionais. Tentei selecionar textos que iluminam tais temas recorrentes com uma claridade
particular, apesar da presente seleção não ser de modo algum uma seleção necessária e ou
inevitável. Argumentos semelhantes poderiam facilmente ser desenvolvidos em relação a materiais
muito diferentes, apesar de que com diferenças óbvias de ênfase.
Ao mesmo tempo em que minha abordagem foi claramente influenciada por novas formas da
história cultural tanto quanto pela disciplina mais tradicional da história das ideias, ela retém um
interesse feminista explícito em estabelecer conexões entre os discursos e as ideias por um lado e os
sistemas de poder por outro. Eu permaneço comprometida com o valor analítico de postular lógicas
sistêmicas (por isso meu uso contínuo e desembaraçado de termos tais como patriarcado e
capitalismo), ao mesmo tempo em que acredito que a modernidade contém um número de tais
lógicas que podem frequentemente funcionar em contradição tanto quanto em conluio. Aqui
considerei a noção de Nancy Fraser de “eixos de poder” enormemente útil; tem o mérito de evitar os
modelos totalizantes e funcionalistas de sociedade, ao enfatizar as interações e contradições
potenciais entre diferentes hierarquias de poder, sem, entretanto, dissolver e dispersar
completamente a noção de poder.44 Tal modelo por sua vez fornece uma compreensão da política de
texto, em vez de simplesmente existir ou no centro ou nas margens; textos individuais podem possuir
diferentes e, frequentemente contraditórios, significados em relação a eixos de poder particulares.
Meu argumento supõe, em outras palavras, que os significados políticos de discursos, imagens, e
conjuntos de representações particulares não são dados para todos os tempos, mas podem variar
significativamente dependendo das condições de enunciação e dos contextos nos quais aparecem.
A discussão a seguir também se distancia de um dualismo epistemológico que supõe que a
escrita dos homens precisa invariavelmente distorcer a experiência feminina, enquanto a escrita das
mulheres oferece o verdadeiro acesso a ela. Em vez disso, supõe que todo conhecimento da
experiência da mulher (ou do homem) _ não importando se íntima ou aparentemente privada _ é
mediada por quadros referenciais intersubjetivos e sistemas de significado, mas que estes quadros
são heterogêneos mais do que unificados, e frequentemente estão em conflito. A relação de tais
discursos com o fato empírico do gênero de um autor é complexa e variável, mais do que constante;
não podemos prever o valor de verdade potencial, ou o contrário disso, de um texto específico
simplesmente do conhecimento do sexo do autor. Assim a representação da feminilidade em obras
tais como Nana e Madame Bovary, por exemplo, interconecta-se de modos sugestivos com as
discussões feministas recentes de performance, desejo, e consumismo; é por esta razão que me
baseio nestes romances em minha discussão crítica da política sexual da modernidade. Todavia
outros aspectos destes romances são misóginos e, por outro lado, problemáticos, invocando uma
reação crítica, em vez de concordante, de uma leitora feminista. Em outras palavras, estou
interessada em buscar as iluminações parciais oferecidas por textos particulares mais do que atribuir
a eles uma essência uniforme de verdade ou falsidade enraizada em um gênero autoral; estas
iluminações parciais por sua vez derivam dos pontos de correspondência e conexão entre as
perspectivas críticas abertas pela teoria feminista e as ideologias operantes dentro de formas
particulares da escrita do século XIX.

44
Nancy Fraser, Unruly Practices: Power, Discourse, and Gender in Contemporary Social Theory (Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1989).
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Tal oscilação entre iluminação e crítica necessariamente molda minha leitura dos textos de
mulheres e de homens; não há um substrato permanente de identidade comunal, o qual colocaria as
mulheres todas juntas ao longo da cultura e da história. Do ponto de vista do presente, os textos das
escritoras do século XIX revelam seu inevitável enredamento dentro das ideologias e das visões de
mundo de seu tempo, de modo que suas vozes nos falam através de abismo de diferença histórica.
Isto é verdade não somente em relação às conservadoras autoidentificadas como a escritora de
romances, Marie Corelli, mas também em relação àquelas feministas e ativistas do fin de siécle cujo
compromisso com a mudança social está profundamente entrelaçado com as crenças que parecem
agora ser anacrônicas, e frequentemente abertamente racistas, Darwinianas ou Malthusianas. O
desejo feminista de reivindicar a escrita das mulheres pode certamente somente se basear em um
compromisso político para recuperar as vozes perdidas de mulheres mais do que em uma afirmação
de uma verdade necessária que é falada por tais vozes. É por esta razão que minha discussão
mantém a distinção entre textos de mulheres e textos de homens _ não por que as visões das
mulheres da modernidade são invariavelmente mais precisas do que a dos homens, mas por que a
crítica feminista, no meu modo de ver, está comprometida em dar pelo menos o mesmo peso a tais
visões e a prestar uma atenção cuidadosa às características específicas da escrita das mulheres.
Esta especificidade, isto deve ser enfatizado, não deve ser vista como simplesmente interna ao texto;
em vez disso, é fundamentalmente moldada por significados e efeitos particulares os quais advêm de
discursos publicamente de autoria de mulheres. O gênero da autoria é um fator crucial que influencia
na circulação e na recepção do significado textual.
Preciso apenas concluir chamando a atenção para o meu próprio investimento neste projeto e as
implicações metodológicas de tal investimento. Não faço qualquer tentativa de ocupar uma posição
de neutralidade ao me limitar a um registro puramente antiquário de discursos do século XIX; ao
contrário, minha análise é ideologicamente interessada e busca estabelecer pontos de conexão entre
os textos do passado e a política feminista do presente. Neste sentido, trata-se de um trabalho de
teoria cultural tanto quanto de história cultural; se o valor da “história” repousa em chamar a atenção
para a particularidade dos eventos, aquela da “teoria” repousa na habilidade de fazer conexões
significativas através destes particulares distintivos. Desta perspectiva, a natureza seletiva da
interpretação não é somente inevitável, mas desejável, dado que os processos sociais só podem ser
constituídos como objetos significativos de análise em relação a um ponto de vista particular e a um
conjunto de preocupações. Deste modo, eu concordo com uma crença na dimensão hermenêutica
inevitável de qualquer ato de escrita e na construção necessária do passado do ponto de vista do
presente. Ao mesmo tempo, entretanto, tentei tanto quanto possível evitar os anacronismos óbvios
que possam resultar de uma projeção irrefletida das verdades contemporâneas sobre os textos do
passado a fim de encontrá-las em falta. Em vez disso, minha discussão tem como objetivo preservar
uma consciência das possibilidades discursivas que estavam disponíveis em um dado momento
histórico e avaliar as implicações políticas de representações particulares das mulheres e da
modernidade sob esta luz. Esta corda bamba histórica de empatia e crítica é difícil de ser gerenciada
habilmente: resta ao leitor decidir quão bem sucedido este gerenciamento foi.

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