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Determinantes do sucesso educacional: um olhar sobre as

TEORIA E CULTURA
trajetórias educacionais de sucesso
Vanessa Castro*

Resumo
EEste artigo busca refletir sobre o perfil e as características do background familiar dos indivíduos que mes-
mo em circunstâncias de desvantagem social, realizam com sucesso suas trajetórias escolares, tornando-se
exceções que comprovam a regra. Ou seja, mesmo a origem social exercendo forte influência sobre os destinos
escolares, muitos indivíduos sobressaem-se, atingindo o sucesso educacional apesar das circunstancias de des-
vantagem social. Merecendo uma análise mais apurada. A posição social tornou-se um importante indicador
nas pesquisas em sociologia da educação a partir dos anos sessenta, quando diversas pesquisas nos Estados
Unidos e Europa revelaram incontestáveis associações estatísticas entre os níveis de acesso à escola e os grupos
sociais . Assim, o objetivo deste artigo é refletir brevemente, com base nas teorias do capital humano, teo-
rias reprodutivistas, teorias neoweberianas e pesquisas empíricas realizadas no Brasil, sobre as desigualdades
perante o ensino e o sucesso educacional.
Palavras-chave: sucesso educacional, desigualdade, educação, posição social.

Determinants of school success: a look at the educational trajectories of success

Abstract
This article seeks to reflect on the profile and characteristics of the family background of individuals of the
lower classes that perform successfully their school trajectory. The social position became an important indi-
cator in research in sociology of education from the sixties, when several studies in the United States and Eu-
rope revealed indisputable statistical associations between levels of access to schools and social groups. Thus,
the aim of this article is to reflect based on the theories of human capital, reproductivist theories, theories
neoweberianas and empirical researches conducted in Brazil, on inequalities before teaching and the scholar
success the popular classes.
Keywords: school success, inequality, education, social position.

Introdução posições sociais desprivilegiadas que realizam


com sucesso suas trajetórias escolares. Atentamo-
O sucesso educacional apresenta diferentes nos para o sucesso educacional enquanto a
dimensões e atores, consequentemente chegada do indivíduo ao terceiro (e último)
adquirindo distintos significados. Na dimensão ano do ensino médio sem distorção idade/série.
do individuo, por exemplo, o sucesso educacional Ou seja, seu alcance educacional. A conclusão
pode compreender o conhecimento adquirido do ensino médio é condição indispensável à
na escola, em geral medido por notas em exames cidadania, ao ingresso no ensino superior, além de
padronizados, o tempo gasto para concluir a potencializar a obtenção de melhores colocações
escolaridade básica, o maior grau de escolaridade no mercado de trabalho. Segundo Schwartzman
atingido ou até mesmo a conversão de suas (2004) a distorção idade/série relaciona-se a
credencias educacionais em oportunidades no uma tradição de má qualidade no ensino, a qual
mercado de trabalho. Neste artigo buscaremos limita a capacidade de aprendizagem do aluno,
refletir sobre os possíveis determinantes do juntamente com as elevadas taxas de evasão
sucesso educacional na dimensão do indivíduo escolar, que ocorrem principalmente quando
e sua família, principalmente dos indivíduos em os jovens chegam à adolescência. As distorções

* Mestranda em Ciências Sociais, no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora –
PPGCSO/UFJF. Email: vadecastro@hotmail.com

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criadas pela má qualidade e pela repetência mais oportunidades aos indivíduos, reduzindo
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levam a um imenso desperdício de recursos, ao as desigualdades sociais e promovendo um


manter nas escolas alunos mais velhos que já não ambiente mais favorável ao mercado e ao
deveriam mais estar lá. desenvolvimento econômico, juntamente com a
Segundo Nogueira (2005) a influência crença da população sobre os benefícios privados
do background familiar sobre a experiência da educação em termos de renda, emprego e
educacional do indivíduo ocupa um lugar de prestígio social. Por outro lado, a educação por
destaque no campo da sociologia da educação. si mesma não geraria riquezas, a não ser quando
Com instrumentos metodológicos cada vez combinada com outros fatores, funcionando
mais sofisticados, os cientistas sociais estariam como um mecanismo de filtragem e consolidação
trabalhando para documentar, elaborar e das desigualdades sociais, controlando o acesso
comprovar a influência do background familiar a posições de autoridade, prestígio e riqueza,
sobre os destinos escolares, embora até atuando como um mecanismo de distribuição
recentemente as pesquisas sobre esta categoria e controle de credenciais, que permitem ou
focalizassem principalmente os resultados não, o acesso a posições sociais vantajosas,
educacionais, dando pouca atenção aos determinadas pelas condições anteriores - ou
processos. No Brasil, especialmente desde as capital cultural - das famílias dos indivíduos
ultimas duas décadas do século XX, mudanças (SCHWARTZMAN, 2004). Todavia, muitos
importantes estariam afetando a instituição indivíduos mesmo em circunstancias de
familiar, sua relação com sistema escolar e o desvantagem social, realizam com sucesso suas
sucesso educacional do indivíduo. Um rápido trajetórias escolares, merecendo uma analise
balanço demográfico de suas principais mutações mais detalhada que permita identificar os
inclui o decréscimo do número de casamentos, as diferenciais destas trajetórias, principalmente
elevações constantes da idade de casamento e taxa nos quesitos acesso e permanência.
de divórcios, além da diversificação dos arranjos
familiares devido à difusão de novos tipos de Desigualdades perante o ensino
famílias (como monoparentais, recompostas,
monossexuais) e as mudanças nas mentalidades. Ao longo do século XX, predominou sobre
Soma-se a isto uma conjunção de fatores, dentre a sociedade moderna um otimismo, atribuindo
os quais a proibição do trabalho infantil, a a escolarização um papel fundamental na nova
extensão do período de escolaridade obrigatória sociedade moderna, justa e democrática, onde
e a criação dos sistemas de seguridade social. a educação realizaria transformações sociais,
Sendo entregue à família, em maior ou menor culturais, tecnológicas e produtivas. A economia
grau conforme o meio social, a tarefa de escolher moderna, orientada pelos ideais iluministas,
entre diferentes perfis de estabelecimentos de premiaria os indivíduos por sua educação,
ensino, os quais variam segundo múltiplos treinamentos e outras fontes de conhecimentos
aspectos, desde localização, infraestrutura, e informações adicionais, adquiridos
clientela, grau de tradição, qualidade do ensino, principalmente no sistema de ensino. A escola
clima disciplinar, proposta pedagógica, etc., pública e gratuita potencialmente resolveria os
(NOGUEIRA, 2005). Assim, dentre as exceções problemas de acesso à educação, garantindo
que comprovam a regra, nos interessa qual a os princípios de igualdade de oportunidade a
correlação entre o comportamento do indivíduo, todos os cidadãos. Os indivíduos concorreriam
sua família e o êxito escolar? em condições igualitárias, prevalecendo à
Esta reflexão será contextualizada a meritocracia, que por sua vez levaria ao bom
partir das teorias do capital humano, teorias posicionamento social (NOGUEIRA, 1990);
reprodutivistas e teorias neoweberianas, (NOGUEIRA E NOGUEIRA, 2002).
relacionando-as com o contexto brasileiro. Por Nesta perspectiva, ao final da década de
um lado, a educação enquanto capital humano cinquenta e inicio da década de sessenta, Schultz
aumentaria a produtividade, geraria riquezas e a elaborou seu conceito de capital humano,
ampliação do acesso à educação proporcionaria considerando-o como os investimentos privados

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em educação. Pontuando que a maioria dos do conhecimento e o desenvolvimento de

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trabalhos analíticos sobre o capital humano refere- habilidades. Os rendimentos dos mais educados
se principalmente às propriedades econômicas mostravam-se quase sempre acima da média,
da educação. Seu conceito foi construído na embora os ganhos fossem geralmente maiores
fase áurea do modo de regulação fordista. O em países menos desenvolvidos (BECKER,
modo de regulação fordista transcendeu o 1964).
âmbito econômico, constituindo-se em uma Para Becker (1964) as discussões sobre o
matriz cultural, centrada nas ideias de produção capital humano não poderiam omitir a influência
em massa, consumo em massa, plena busca da família sobre os conhecimentos, habilidades,
por emprego e diminuição das desigualdades valores e hábitos de seus filhos. As pequenas
sociais, com pressupostos de desenvolvimento diferenças entre as crianças na preparação
harmônico, progressivo e ilimitado. O impacto fornecida por suas famílias se multiplicariam
de sua formulação sobre o capital humano lhe frequentemente ao longo da vida, transformando-
rendeu o Prêmio Nobel de Economia de 1979 se em grandes diferenças na adolescência.
(FRIGOTTO, 2000). Ao chegar à vida adulta, estes indivíduos
Em The Reckoning of Education as Human despreparados apresentariam dificuldades em
Capital, Schultz (1970) argumenta sobre serem absorvidos pelo mercado de trabalho.
os avanços na teoria do capital humano, O abandono escolar e a falta de preparo para
principalmente enquanto produtos de um o trabalho comprometeriam e dificultariam a
conjunto de analises teóricas e empíricas. Os elaboração de políticas públicas voltadas a estes
avanços relativos às teorias do capital humano grupos. Famílias em melhores condições sociais e
seriam em partes resultados de microanálises. com menor número de filhos tenderiam a mantê-
No entanto, a relação entre educação e renda los na escola por mais tempo. As altas taxas de
embora situada em nível individual, expandiu- natalidade comprometeriam o desenvolvimento
se e extrapolou-se a níveis macrossociológicos. econômico de um país, havendo estreita e
Quanto maior o nível educacional de um país, geralmente negativa correlação, entre o nível de
maior seu potencial em elevar a produtividade, crescimento populacional e o investimento em
a competitividade e a capacidade de geração capital humano.
de emprego e renda, reduzindo assim as Todavia, alguns contrapontos sobre a teoria
desigualdades sociais. Schultz observa que do capital humano sugerem que os dados
em se tratando de investimentos privados em individuais responsáveis pela configuração
capital humano as pessoas pobres seriam as mais da teoria não necessariamente permitiriam
prejudicadas na aquisição deste tipo de capital. a extrapolação para contextos maiores. Ou
Becker (1964) ao investigar os retornos ainda, que há necessidade de se investigar mais
privados da educação nos Estados Unidos, a fundo os limites sociais da educação, uma
observou que os investimentos relacionados vez que esta sozinha não realizaria seus efeitos
à educação eram semelhantes a outros diretos, sendo auxiliada por outras estruturas
investimentos que as pessoas faziam. Tais como a ocupacional e a tecnológica a fim de
investimentos, para além do contexto monetário, garantir seus retornos sociais. Além disto, o
estender-se-iam a tipos diferentes como mercado de trabalho de acordo com a relação
escolaridade, formação integral, treinamentos, entre oferta e procura, e influenciado pelas taxas
habilidades, conhecimentos, saúde, dentre outros de desemprego, reduziria as médias salariais e
ativos. O investimento e estoque destes ativos aumentaria as exigências de seleção. Os teóricos
constituiriam o capital humano do individuo. O do capital humano tenderiam a omitir estas
investimento em capital humano proporcionaria condições (TAVARES JR., 2004).
qualidade de vida, ganhos mais elevados e uma Neste mesmo período, pesquisas
melhor socialização. O sucesso individual e social patrocinadas pelos governos Americano, Francês
dependeria principalmente dos investimentos e Inglês, (Relatório Coleman, Estudos do INED
das pessoas em si mesmas. A escolaridade e Aritmética Política Inglesa, respectivamente),
aumentaria os lucros e a produtividade através apontaram claramente o peso da origem social

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sobre os destinos escolares, revelando as falhas do que se sobressaltou para investigar a atuação
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Welfare States e o fracasso da promessa liberal de da educação na sociedade designou-a como


igualdade de oportunidade. O Relatório Coleman reprodutivista. As correntes reprodutivistas,
(1966), por exemplo, foi uma pesquisa nacional inspiradas nas teorias marxistas, consideram
em larga escala, realizada com alunos norte- o sistema de ensino um espaço reprodutor,
americanos, no intuito de investigar as diferenças legitimador e pouco efetivo na mudança
sociais, econômicas e culturais, convertidas da estrutura social, mesmo em períodos de
em diferenças de desempenho e interferentes expansão econômica e democratização das
no sucesso educacional destes alunos. Suas oportunidades. O sistema de ensino atuaria como
conclusões apontaram o peso do background um mecanismo de internalização de valores,
familiar e das condições socioeconômicas dos normas e comportamentos, ditados pela classe
alunos em seu sucesso educacional. A partir dominante, além de um produtor de certo tipo
destes estudos, houve certo reconhecimento que de trabalhador para o mundo capitalista. Nesta
o desempenho escolar não dependia somente corrente, encontramos autores como Bourdieu
dos dons individuais, mas da origem social e Passeron (1970), os quais caracterizam a
dos alunos. Neste contexto, emergiram novos educação como um mecanismo de reprodução
movimentos sociais de protestos e novas teorias cultural, ao investigarem sobre os processos de
explicativas sobre a verdadeira relação entre a reprodução social e os meios através dos quais as
escola e a estrutura social. A interpretação do classes dominantes efetivamente se apropriam e
sistema educacional na sociedade tornava-se monopolizam os distintos recursos em benefício
fundamental para o entendimento dos diferentes próprio, principalmente a preservação de sua
benefícios proporcionados pela educação posição social de vantagem em relação às classes
aos distintos grupos sociais (NOGUEIRA, dominadas (NOGUEIRA, 1990).
1990); (NOGUEIRA E NOGUEIRA, 2002); Bourdieu e Passeron realizaram na França
(NOGUEIRA, 2005). um conjunto de investigações teóricas e
As crises econômicas que se estenderam empíricas sobre o papel da escola e da educação
sobre as sociedades modernas causaram sérios na sociedade. No livro A Reprodução (1970), suas
impactos no sistema produtivo, exigindo novas investigações concluíram sobre a necessidade
interpretações da sociedade e a dinâmica de de se repensar a pratica educacional. Onde
suas instituições. O esgotamento dos sistemas se esperava a igualdade de oportunidades,
de câmbio, as crises do petróleo e as altas a meritocracia e a justiça social via escola,
taxas de inflação, provocaram a redução estes autores enxergavam a reprodução e a
do crescimento econômico e o desemprego legitimação das desigualdades sociais. A escola
progressivo, além de cultivar visões apocalípticas deixa de ser uma instância transformadora e
nas sociedades de capitalismo avançado. Neste democratizadora, passando a ser encarada como
cenário, o desmoronamento das expectativas uma das principais instituições por meio das
de crescimento, e das possibilidades teóricas quais se mantêm e se legitimam os privilégios
e empíricas de distribuição democrática dos sociais e as desigualdades. Os alunos não seriam
frutos do desenvolvimento, impactou sobre o indivíduos abstratos competindo em condições
campo educacional, desarticulando a promessa relativamente igualitárias, mas sim atores
integradora e econômica da educação, ao mesmo socialmente constituídos, que trazem em alguma
tempo revalorizando sua importância em uma medida uma bagagem de atributos diferenciados
“sociedade de conhecimentos” (GENTILI, 2000). adquiridos no ambiente familiar, rentáveis ou
Na década de sessenta e setenta, a sociologia não ao mercado escolar. Neste contexto, os
da educação destaca-se pelas significativas filhos da classe dominante seriam extremamente
mudanças do enfoque e a abertura de novas favorecidos em relação aos filhos das classes
tendências teóricas e metodológicas. A educação dominadas, na medida em que entrariam para
passa a ser encarada principalmente, como um o sistema de ensino melhor preparados para se
instrumento de manutenção das desigualdades suceder. Estas crianças compartilhariam de um
sociais. Neste período a perspectiva teórica modo comum de expressão, estilo de interação

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social e orientação estética com os professores, seus membros). O capital cultural seria o

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que nem mesmo o conteúdo ensinado e a forma conjunto de disposições, valores e estratégias
como é ensinado seriam susceptíveis de serem promovidos principalmente pela família e outras
estranhos a elas, os quais Bourdieu classifica instituições sociais, além das competências
como habitus (NOGUEIRA, 1990). individuais institucionalizadas em critérios
O habitus refere-se às características das culturais (como qualificações educacionais que
diferentes classes e frações de classe. Sendo proporcionam retornos aos seus titulares). E o
um princípio de diferenças não somente nas capital simbólico, seria referente ao prestigio
competências adquiridas, mas também nas social e ao status. Estas formas de capital
maneiras de implementá-las. Um conjunto seriam assim institucionalizadas para melhor
de propriedades secundárias que revelam servirem aos interesses das classes dominantes,
diferentes condições de aquisição, predispostas a principalmente na promoção de vantagens para
receberem valores muito diferentes nos distintos seus filhos na competição escolar. A conversão
mercados. Aversões, simpatias, antipatias, e a transmissão destes tipos de capitais seriam
fantasias e fobias de uma classe. Principio cruciais na capacidade das classes dominantes
gerador de praticas que classificam, ao mesmo manterem sua posição social de vantagem. Estas
tempo sendo objetivamente classificáveis. formas de capital seriam imputadas sobre a
Capacidade de diferenciar e apreciar práticas, escola, no intuito de garantir a reprodução das
que constituem o mundo social representado. classes dominantes, culminando na violência
Gosto, propensão e aptidão. Apropriação simbólica. A violência simbólica seria um
material ou simbólica que encontra origem no mecanismo gerador, legitimador e reprodutor
estilo de vida. Conjunto unitário de preferências das desigualdades sociais. Seu uso por um
distintivas. Interiorização de representações e indivíduo ou grupo de indivíduos que controlam
práticas, que apesar das aparências, são sempre o poder simbólico sobre os outros geraria crenças
ajustadas às condições objetivas das quais são no processo de socialização, induzindo os
produtos (BOURDIEU, 2006). Assim, enquanto dominados a enxergarem e a avaliarem o mundo
os filhos da classe dominante progressivamente de acordo com os critérios e padrões definidos
se beneficiariam de uma interação positiva entre pelos dominantes (NOGUEIRA, 1990).
as influências de casa e da escola, as crianças No entanto, as teorias de Bourdieu e Passeron
menos favorecidos encontrariam dificuldades, não abrangem as variações perante o ensino
provavelmente crescentes, de ajuste. Estas últimas no tempo e espaço, bem como a resistência
falhariam em alcançar os níveis mais elevados do dos que a ela estão sujeitos, não considerando
sistema educacional, ou porque seriam excluídos parte da mobilidade social consequente da
pelo desempenho inadequado, ou porque na escolarização dos indivíduos. Na perspectiva
verdade se autoexcluiriam (BOURDIEU, 1982). destes autores, o contexto de reprodução cultural
Na perspectiva reprodutivista de Bourdieu e das classes passaria pelo sistema educacional,
Passeron (2006), a ideia de capital compreende configurado em favor da manutenção da classe
um recurso social, o qual a posse é privilégio de dominante. Desta forma, o sistema educacional
poucos. O capital econômico seria referente ao não seria visto como um meio de utilizar o
capital na forma de riqueza material, fundamental talento de forma mais eficaz ou a ampliação
na manutenção da posição social de vantagem de oportunidades através da meritocracia,
e no investimento em educação (mensalidades mas sim como uma agência de controle social
escolares, material didático, transporte, aulas necessária à manutenção das estruturas de
de reforço, etc.). O capital social seria expresso classes na sociedade, principalmente a fim de
pela participação em redes formais e informais garantir os interesses particulares das classes
de convivência, que proporcionam retornos por dominantes. Prejudicando o sucesso escolar
meio de contatos, apoios e representações (como dos filhos originários das classes trabalhadoras,
por exemplo, redes sociais, grupos da elite ou que acabariam sendo levados a cúmplices de
outros grupos bem sucedidos, que viabilizam sua própria desvantagem, seja através de uma
oportunidades e criam aspirações sociais em aceitação passiva de seu «fracasso», ou através

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do envolvimento em subculturas contraescolares níveis sócio-profissionais mais elevados. O
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para expressar sua resistência a ordem desenvolvimento das sociedades industriais não
estabelecida, ao mesmo tempo reforçando sua teria sido acompanhado de mobilidade social,
posição de subordinação dentro do sistema. ocorrendo sob considerável diferenciação na
Goldthorpe adverte sobre os cuidados necessários distribuição das oportunidades, especialmente
quanto à manipulação e apropriação das teorias as econômicas, principalmente desde o fim da
reprodutivistas, ressaltando que a expansão Segunda Guerra Mundial (BOUDON, 1981).
educacional e a mobilidade social consequente Para Boudon (1981) a mobilidade social
deixaram tais teorias limitadas. Apresentando acontece posteriormente à aquisição de grau
evidências empiricamente contraditórias, educacional que possibilite o indivíduo se
contudo, fornecedoras de um debate produtivo direcionar para determinadas profissões,
(GOLDTHORPE, 2007). consequentemente influenciando em seu nível
Em suas investigações sobre classes e de renda e sua posição social. Diante disto,
mobilidade social, Goldthorpe segue na esteira o autor investiga em que momento o grau
das investigações Boudon (1981), o qual educacional e a posição social do pai influenciam
desenvolveu um modelo teórico para analisar as no grau educacional e posição social do filho. E
desigualdades de oportunidades educacionais, a influência do grau educacional do filho em
investigando a relação entre os sistemas que relação à sua própria posição social. Presumindo
influenciariam nestas desigualdades. A família, a que o pai pode influenciar na posição social
escola e outras instâncias de orientação às quais do filho ao proporcionar-lhe níveis mais
o individuo está conectado, seriam fundamentais elevados de instrução. Por outro lado, em
em suas expectativas e mobilidade social. Boudon sociedades industriais o nível de instrução não
associa em seu modelo teórico elementos da influenciaria sensivelmente nas possibilidades
macro e microssociologia, buscando demonstrar de mobilidade, exercendo menos influência
suas recíprocas influências nos parâmetros e sobre a posição social do que se crê em geral.
campos decisórios dos indivíduos. Ao adotar As origens sociais influenciam, contudo não
o individualismo metodológico, Boudon determinam exclusivamente a posição social
não nega a existência de entidades coletivas do individuo. Um indivíduo que tem um nível
em contraposição a entidades individuais, de instrução superior ao de seu pai possui quase
reconhecendo as propriedades estruturais, no tantas oportunidades de manter ou melhorar sua
entanto sem que tais propriedades atuem como posição de origem, quanto o individuo que tem
leis de ferro. O individualismo metodológico o nível inferior ao de seu pai (BOUDON, 1981).
teria status epistemológico para a explicação Além dos fatores supracitados, Boudon
sociológica de fenômenos sociais a partir da também investiga outros aspectos sobre a
relação entre razão e ação (HAMLIN, 1999). estrutura familiar como a origem social dos pais
No livro A Desigualdade de Oportunidades, e o comportamento escolar dos filhos, a posição
Boudon (1981) investiga a desigual distribuição social da família e suas expectativas sobre o
das oportunidades perante o ensino e a individuo, a estrutura das relações familiares
mobilidade social nas sociedades industriais e o clima familiar. O nível de aspiração escolar
avançadas do tipo liberal - Europa Ocidental seria diferenciado de acordo com a história e
e América do Norte - visando construir um a imagem social que a família tem de si. Além
modelo teórico sobre as desigualdades, na disto, para este autor uma teoria completa sobre
medida em que estas sociedades dispõem de um desigualdades perante o ensino deve considerar
maior conjunto de estatísticas sociais e escolares. aspectos como a taxa de fecundidade em
No que concerne ao ensino às diferentes origens função das classes sociais e sua influência no
sociais possibilitam ou dificultam o individuo comportamento e nas expectativas escolares dos
em relação ao acesso, permanência e conclusão. indivíduos. Ao realizar exercícios hipotéticos
No que tange a mobilidade social, a distribuição sobre o tipo ideal de sociedade, relacionando
desigual de oportunidades em função da origem as desigualdades de oportunidades perante o
social dificulta a ascensão dos indivíduos a ensino com a importância da instrução para

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a classificação social, e a adequação entre as da posição social de sua família. A posição social

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estruturas sociais e escolares, Boudon propõe confere distintos significados aos riscos, custos
um conjunto de axiomas que combinam efeitos e benefícios, correspondentes à aquisição de um
estruturais através de um modelo experimental. dado nível de estudo (BOUDON, 1981).
Concluindo que embora a educação exerça um Boudon (1981) conclui que a herança cultural
forte papel sobre a posição social, não se deve apresenta fortes efeitos em certas etapas do curso
esperar sua participação elevada na mobilidade, escolar. O valor da educação decresceria com
uma vez que também é condicionada por outros a posição social da família. O meio familiar
fatores. produziria desigualdades culturais cujos
Boudon subsidia-se pelos estudos de Kahl e efeitos seriam observáveis desde a infância e
Hyman da década de 50, onde a hipótese é que principalmente na adolescência. O autor também
o conjunto de valores aderidos pelos indivíduos verifica que mesmo suprimindo o fator herança
depende da classe social à qual pertencem, cultural as disparidades permanecem muito
influenciando nas taxas de sobrevida, êxito marcadas. Mesmo que medidas eficazes atenuem
no sistema escolar e na percepção sobre a as desigualdades culturais, seus efeitos seriam
importância e finalidade do ensino para muito moderados sobre as desigualdades sociais
segurança material, realização pessoal e ascensão perante o ensino. A origem das desigualdades
social. De Merton (1957), onde os indivíduos perante o ensino se relacionaria muito mais
adotam ambições e atitudes a partir do meio com as diferenças dos campos decisórios em
social que os cercam e com referencias aos função da posição social, principalmente nos
grupos sociais a que pertencem ou sentem- níveis mais elevados do curso escolar, que com
se próximos. E Keller e Zavalloni, nos quais se a herança cultural. Nos resultados encontrados
encontrariam negativas as afirmações de que os Boudon verificou que os mecanismos de
valores variam em função da classe social. Ao repetição das decisões tomadas em difíceis
passo que indivíduos de distintas classes podem condições causadas pela posição social,
atribuir semelhante importância ou valor aos desempenham papel fundamental na explicação
diplomas escolares (BOUDON, 1981). das desigualdades perante o ensino. Seu modelo
Partindo destas analises, Boudon segue demonstra as consequências da composição
para um esquema teórico do processo de social da escola, revelando que as classes mais
decisão escolar em função da posição social, privilegiadas chegariam mais facilmente ao
no que concerne aos custos, benefícios e riscos, nível superior de ensino que as classes menos
chegando às seguintes proposições: o Individuo privilegiadas. Concluindo que as sociedades
e/ou sua família são chamados a tomar decisões analisadas apresentaram uma lenta tendência à
de continuidade ou não ao longo do curso mobilidade social e a redução das desigualdades
escolar, achando-se associados para cada posição sociais, embora tal redução tenha sido pouco
social um determinado risco, custo e beneficio, significativa e as desigualdades tendenciosas
podendo-se distinguir antecipadamente e em caso medidas assertivas não sejam tomadas. A
graus ordenados. Nos riscos intervêm elementos expansão do sistema educacional pode ter sido
como idade ou êxito escolar, o custo corresponde uma das causas da redução das desigualdades
a dois graus consecutivos do sistema escolar, sociais. O autor destaca que no ensino superior
mostrando-se elevado quanto menos privilegiada realizam-se as maiores desigualdades, uma vez
for à posição de um individuo no sistema de que este nível demanda recursos econômicos,
estratificação. E o beneficio, corresponderia temporais e cognitivos, os quais favorecem as
a dois graus consecutivos do sistema escolar, classes mais privilegiadas, consequentemente
sendo maior quanto mais próximo estivesse reduzindo as chances dos indivíduos das classes
um individuo dos níveis mais elevados de inferiores (BOUDON, 1981).
estratificação social. Dado um risco, o beneficio Em suas investigações sobre a desigualdade
pode não ser recuperado em função dos altos de oportunidades perante o ensino, Boudon
custos. O interesse subjetivo do individuo em (1981) destaca que os efeitos primários gerariam
alcançar determinada posição social, dependeria diferenças, a partir da capacidade demonstrada

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pela criança no inicio de sua vida escolar. início dos pontos de ramificação do sistema, ele
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Reconhecendo neste nível a importância das tende a ajudar as famílias das classes favorecidas
influências culturais de classe, em relação às a manterem uma maior aceitação que é de fato o
possibilidades reais de desempenho. Goldthorpe tipo mais caro de oferta educativa. O otimismo
(2010) desenvolve a abordagem teórica de liberal sobre a redução dos diferenciais de classes
Boudon, evidenciando que estaria nos efeitos advém da suposição de que ao reduzir os custos
secundários o centro das atenções em relação da educação para o indivíduo, seus benefícios
às diferenças de classe. Os efeitos secundários serão mais percebidos. Os critérios de atribuição
operariam através das decisões tomadas pelas darão lugar aos critérios de desempenho na
crianças e seus pais sobre as opções educacionais, seleção social e a educação se tornaria a chave
a partir da análise das possibilidades da conversão para o sucesso econômico, sendo reconhecida
educacional em realização socioeconômica. como tal. Assim, a tendência entre as crianças
Onde a expansão educacional deveria ser tratada de todas as origens sociais seria continuar na
de forma eficaz. educação, na medida em que suas habilidades
Com a expansão da oferta educativa nas levem-nos à ascensão. No entanto, embora o
sociedades economicamente avançadas, a argumento liberal seja relevante para explicar a
educação primária e secundária tornou-se expansão educacional, negligenciaria o fato de
universal, obrigatória e gratuita, especialmente a que a tomada de decisão educacional permanece
partir de meados do século XX. O nível médio de condicionada pelas situações de classe em que
escolaridade veio aumentando substancialmente ela ocorre (GOLDTHORPE, 2010).
nestas sociedades, embora muitas investigações Goldthorpe (2010) presume que o
empíricas revelassem que os efeitos desta desenvolvimento de uma população melhor
expansão teriam sido relativos e limitados, na instruída pode significar que as famílias mais
medida em que compreenderam uma série de favorecidas estão sob a constante pressão de
transições ou ramificação em certos pontos do realizarem maiores investimentos na educação
sistema de ensino, principalmente configurados de seus filhos como uma forma “defensiva”,
e direcionados às crianças das classes menos isto é, como um consumo necessário apenas
favorecidas. Mesmo com a expansão do sistema para manter sua posição social de vantagem.
de ensino e as reformas educacionais, o balanço Considerada como um bom investimento, a
geral dos custos e benefícios associados às educação seria em larga medida “posicional”.
opções educacionais mais ambiciosas ainda Desta forma, dentre as famílias das classes
apresentavam-se altos e pouco acessíveis às classes privilegiadas a importância da qualificação
menos favorecidas. Indicando a persistência adequada seria a manutenção da estabilidade
das diferenças entre as classes no contexto da da classe, juntamente com capacidade dos pais
escolaridade (GOLDTHORPE, 2010). absorverem os custos envolvidos, incentivando
Nos argumentos liberais, uma das principais suas crianças a tentarem ingressar no ensino
expectativas é que os diferenciais de classe superior. A este respeito, Fred Hirsch (1979) em
a nível educacional diminuam através de Limites Sociais do Crescimento, argumenta sobre
provisões públicas direcionadas ao ensino o “escore social zero”, no qual a educação geraria
gratuito em todos os seus níveis. Contudo, efeitos perversos através do consumo defensivo,
os subsídios públicos para a educação não que por si é dispendioso e não agrega benefícios,
estariam focados principalmente nas famílias sendo utilizada principalmente para competição
com maior necessidade, na medida em que o posicional.
princípio da educação universal, obrigatória Partindo destas premissas, Goldthorpe
e gratuita, acaba favorecendo aqueles que já se (2010) levanta proposições sobre as diferenças
apresentam em uma posição social de vantagem entre as classes na aceitação de uma opção
e potencialmente conseguem fluir no sistema de educacional mais ambiciosa. As condições e
ensino até chegar ao nível superior. Assim, na os possíveis custos e benefícios destas opções
medida em que apoio do Estado para a educação levariam à desistência das crianças de famílias
não consegue reduzir as diferenças de classe no menos favorecidas a perseguirem estes objetivos.

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As persistências destas diferentes tendências avaliando em certa medida os prováveis custos

TEORIA E CULTURA
ao longo do tempo poderiam ser vistas a partir e benefícios. Orientando-se por normas sociais e
de uma base racional, onde as implicações dos pela expressão de valores culturais, os indivíduos
recursos, oportunidades e as restrições continuam conheceriam em certa medida sua sociedade e os
a caracterizar diferentes situações, consideradas constrangimentos que caracterizam sua situação.
no momento da escolha de continuidade Sendo capazes de agir de forma autônoma em
educacional. A interpretação adicional proposta favor dos seus interesses e de maneira mais
por Goldthorpe sugere que as crianças menos ou menos adequada em relação à situação
favorecidas precisariam demonstrar previamente social em que se encontram, apesar de não
a seus pais suas capacidades e habilidades, para serem totalmente esclarecidos e perfeitamente
que estes considerem as opções educacionais conscientes dos seus objetivos e dos meios ideais
mais ambiciosas. Ao investigar as regularidades para persegui-los. Nestes contextos, a teoria da
macrossociais resistentes às mudanças nas ação racional poderia auxiliar na compreensão
relações de classes, o autor observa que os sobre como os atores sociais escolhem e buscam
diferenciais entre as classes em geral persistem, seus objetivos, adaptando-se às oportunidades e
porque poucas mudanças ocorrem nas constrangimentos que caracterizam sua situação
relatividades custos-benefícios da educação, social (GOLDTHORPE, 2010).
que favoreçam opções racionais ambiciosas Nos últimos anos, o Brasil tem realizado
em diferentes situações de classes. Contudo, grandes esforços no sentido de aumentar o
não presume que tais regularidades sejam atendimento escolar para jovens e adolescentes.
determinísticas, salientando a importância da De acordo com o Censo Demográfico de 2010,
análise dos contextos desviantes. o ensino fundamental está universalizado: 96,9
Supondo-se que ao ver a educação como um % das crianças entre 07 e 14 anos frequentam
bom investimento, a principal preocupação das a escola. O grande desafio é a cobertura do
famílias em posições sociais privilegiadas é que ensino médio entre jovens de 15 a 17 anos.
seus filhos obtenham qualificações suficientes Nesta faixa etária, 83,3% frequentam a escola,
para preservar uma estabilidade intergeracional mas apenas 50,9% concluem esta etapa da
da posição de classe, ou no mínimo evitar escolarização. A meta nacional para 2022, é que
qualquer mobilidade descendente, incentivando pelo menos 90% dos jovens nesta faixa etária
seus filhos a graus educacionais mais elevados estejam matriculados no ensino médio, condição
(GOLDTHORPE, 2010). Já dentre as famílias da necessária para progressão rumo ao ensino
classe trabalhadora, ao invés do nível superior, superior (SOUZA et al., 2012). Observa-se o
a tendência seria o investimento em cursos aumento da escolaridade média da população e a
profissionais ligados à formação on-the-job diminuição das desigualdades educacionais entre
de seus filhos (metodologia orientada para a as regiões, grupos de cor, gênero e estratos de
melhoria das qualificações e competências dos renda. A decomposição em fatores explicativos
indivíduos em contexto de trabalho), no intuito indica que esta redução pode estar associada às
de reduzir suas chances de rebaixamento para as melhorias nas condições de vida da população,
fileiras dos não qualificados ou desempregados. na urbanização e no sistema de ensino (SILVA E
Entre as crianças de origens menos favorecidas HASENBALG 2000).
prevaleceria uma tendência exatamente oposta Silva (2003) ao examinar as evidências
as dos filhos das classes mais favorecidas, os quais relativas à expansão educacional no Brasil na
recorreriam principalmente ao nível superior de década de noventa, observou que ocorreu de
ensino (ARUM E SHAVIT, 1995). maneira particularmente acentuada na segunda
Por outro lado, também é possível observar metade do ensino básico e no ensino médio. Tal
que muitos indivíduos mesmo pertencentes expansão seria resultado da redução dos custos
às camadas menos favorecidas da sociedade, diretos da educação, de políticas públicas na
almejam os níveis educacionais mais elevados e área educacional e do aumento da acessibilidade
principalmente seus benefícios. Os indivíduos à educação, dentre os segmentos em situação
têm objetivos e meios para persegui-los, de desvantagem social. No entanto, quando o

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sistema educacional se expande, as desigualdades dos alunos na entrada e na saída do sistema
TEORIA E CULTURA

entre grupos sociais tendem a permanecer de ensino. Um sistema de ensino seria mais
estáveis e até mesmo a se ampliarem, uma vez democrático quanto menor for à correlação
que os grupos em posição social de vantagem entre a origem social familiar dos alunos e o
estariam em melhores condições de aproveitarem desempenho no processo de escolarização, seja
as novas oportunidades abertas pela expansão. em termos de aprendizagem ou em termos de
Somente quando os grupos em vantagem social realização escolar (SILVA, 2003). Mont’Alvão
atingirem seus níveis de saturação nas chances (2011) ao testar hipóteses sobre os efeitos da
de completar uma transição educacional, as origem social nas possibilidades de alcance
desigualdades começarão a declinar, conforme educacional, conclui que a transmissão das
postulados da Desigualdade Maximamente desigualdades seria mediada pela influência das
Mantida – MMI, segundo (SILVA, 2003). origens sociais nas possibilidades de alcance
Menezes-Filho (2007) ao examinar o educacional. Mesmo diante à visível expansão,
desempenho dos alunos da 4ª e 8ª séries do o baixo rendimento interno do sistema escolar
ensino fundamental e da 3ª série do ensino ainda dificultaria o acesso da maior parte da
médio em testes de proficiência em Matemática, população, revelando-se um sistema marcado
utilizando os dados do Sistema de Avaliação por alto grau de seletividade social.
do Ensino Básico (SAEB), observou grande Souza e colaboradores (2012) ao estimarem
heterogeneidade nas notas dentro de cada estado fluxos escolares do ensino fundamental para
brasileiro, com escolas muito boas e muito o médio e os fluxos ao longo do ensino médio,
ruins. Os dados revelaram que entre 10% e 30% observando variáveis associadas às características
das diferenças de notas obtidas pelos alunos da do aluno e sua família, do mercado de trabalho
rede pública, ocorrem devido a diferenças entre e das condições de oferta escolar, evidenciam
escolas. O restante da variação ocorre em razão em seus resultados a relevância do background
das diferenças entre os alunos e suas famílias. familiar para a aprovação no ensino fundamental
Seus exercícios econométricos revelaram que e médio, bem como na probabilidade do
as variáveis mais explicativas no desempenho indivíduo progredir ao longo do ciclo escolar.
escolar seriam as características do aluno e sua A qualidade da educação revela-se como um
família (tais como educação da mãe, cor, atraso importante fator associado a maiores chances
escolar, reprovação, número de livros, presença de aprovação e continuidade dos estudos.
de computador em casa e trabalho fora de casa). Quanto ao mercado de trabalho, os salários e
Outra variável importante seria a idade de entrada empregabilidade influenciam na continuidade
no sistema escolar: os alunos que fizeram pré- dos estudos, embora não seja possível afirmar
escola apresentaram um melhor desempenho que estariam diretamente associados às chances
em todas as séries. Variáveis relativas à escola, de aprovação. Suas conclusões indicam que a não
como o número de computadores, o processo aprovação ainda é uma barreira para o ingresso
de seleção do diretor e dos alunos, além da no ensino médio e sua progressão ideal, embora
escolaridade, idade e salário dos professores, tenha perdido a importância nos últimos anos
apresentaram efeitos muito reduzidos sobre o para explicar a evasão escolar. A educação
desempenho dos alunos. A variável escolar que dos pais ainda é um fator relevante tanto para
parece afetar consistentemente o desempenho a aprovação, quanto para a continuação dos
do aluno é o número de horas-aula, ou seja, o estudos. A aprovação seria um fator importante
tempo que o aluno permanece na escola. na explicação das probabilidades de progressão
Ao investigar a estratificação educacional no ao longo do ciclo educacional, contudo torna-
Brasil, Mont’Alvão (2011) realiza uma síntese do se menos significante para a continuidade dos
processo de expansão educacional, oferecendo estudos ao longo do ensino médio (SOUZA et
um quadro analítico do país, na primeira década al., 2012).
do século XXI. A estratificação educacional
verifica o funcionamento do sistema escolar
em relação às características socioeconômicas

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Considerações finais FRIGOTTO, G. (Org.) (2000) Educação e Crise

TEORIA E CULTURA
do Trabalho: Perspectivas de final de século.
Com base nos estudos apresentados, Editora Vozes, 4ª edição, Petrópolis.
buscamos refletir brevemente sobre os possíveis
determinantes do sucesso educacional, GENTILI, P. (2000) “Educar para o desemprego:
na dimensão do indivíduo e sua família, A desintegração da promessa integradora”. In:
principalmente o sucesso educacional dentre Educação e Crise do Trabalho: Perspectivas de
os indivíduos provenientes das camadas menos final de século. (Org.) FRIGOTTO, G. Editora
favorecidas da sociedade. A literatura científica nos Vozes, 4ª edição, Petrópolis.
aponta variadas evidências teóricas e empíricas
sobre as interferências das desigualdades sociais GOLDTHORPE, J. H.(2007) “Cultural Capital:
Some Critical Observations”. Sociológica.
no acesso e trajetória escolar dos indivíduos em
posições sociais desfavorecidas. A permanência
GOLDTHORPE, J. H. (2010) “Class Analysis
no sistema educacional nestas circunstancias é
and the Reorientation of Classtheory: The
condicionada por vários fatores, que vão desde a
Case of Persisting Differentials in Educational
falta de recursos econômicos e culturais, passando Attainment”. The British Journal of Sociology:
por inúmeras desigualdades sociais e perante London School of Economics and Political
o ensino. Contudo, muitos indivíduos mesmo Science.
sob tais circunstâncias, se mantêm na escola e
realizam com sucesso sua trajetória educacional, HAMLIN, C. L.(1999) “Boudon: Agência,
tornando-se imprescindível a investigação dos Estrutura e Individualismo Metodológico”. Lua
possíveis determinantes do sucesso educacional Nova, n° 48.
dentre estes indivíduos nestes contextos.
HASENBALG, C. e SILVA, N. V. (Org.) (2003)
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Sociologia, Rio de Janeiro: IUPERJ.

Notas

1 O background é composto por características


socioeconômicas mensuráveis, as quais proporcionam
aos indivíduos um melhor aproveitamento dos
recursos disponíveis, além de referir-se a elementos
presentes no conjunto familiar, que se ajustam aos
indivíduos a fim de produzir melhores resultados.
2 Pesquisas como O Relatório Coleman (1966), nos
EUA; Estudos do INED - Instituto Nacional de Estudos
Demográficos (1962), na França; A Aritmética Política
Inglesa, desenvolvida na London School of Economics
nos anos 50, na Inglaterra; dentre outros.

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