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Imagine a seguinte situação. Você é uma pessoa que tem convicção de que o
processo político que o Brasil está enfrentando é um golpe. Visando testar sua
convicção, você se propõe a ler um texto que defende o oposto. O texto a rma
haver substrato empírico e teórico a sustentar a tese de que o processo político
em curso não pode ser corretamente interpretado como um golpe. Como RECENTES
argumento principal, lhe é apresentado o seguinte conceito de golpe: “Golpe
de Estado descreve a derrubada repentina e violenta de um governo, quase A natureza laboral do Bolsa Família: uma
anál...
invariavelmente por militares ou com a ajuda de militares”. Partindo deste 9 de Março de 2018
conceito, faz-se uma análise que constata que os três elementos que compõem
o conceito (derrubada repentina + e violenta + quase invariavelmente com a MPF cobra cumprimento de
acordo para construç...
ajuda de militares) não estão totalmente presentes no caso brasileiro. Conclui- 9 de Março de 2018
se, nalmente, que não há golpe. Você se convenceria?
Mulheres trabalhadoras, uni-
Acredito que não. Parece claro que a conclusão do argumento já estava, de vos!
alguma forma, dada na premissa, certo? Ao partir da de nição de golpe como 9 de Março de 2018
Em texto publicado no Justi cando (“O STF não vai barrar o golpe porque ele é As consequências nefastas da
execução provisó...
parte do golpe”[1]) em 29 de abril, o professor e cientista político Frederico de
9 de Março de 2018
Almeida se utilizou da mesma estrutura argumentativa empregada em nosso
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exemplo ctício. Crônicas de uma morte
anunciada
Já no começo do artigo, o professor a rma que a tese de que o processo de 9 de Março de 2018
http://justificando.cartacapital.com.br/2016/05/09/podemos-alargar-o-conceito-de-golpe/ 1/5
10/03/2018 Podemos alargar o conceito de golpe?
9 de Março de 2018
um governo acuado. Para sustentar essa a rmação, Frederico se utiliza de um
conceito de golpe apresentado pelo também professor Álvaro Bianchi – Organizações realizam
segundo o qual golpe de Estado seria “uma mudança institucional promovida mobilização contra mass...
9 de Março de 2018
sob a direção de uma fração do aparelho de Estado que utiliza para tal de
medidas e recursos excepcionais que não fazem parte das regras usuais do Djamila Ribeiro ferveu Belo
jogo político”. Horizonte
8 de Março de 2018
Apresentado o conceito, Frederico de Almeida o destrincha em três elementos:
(i) o sujeito do golpe – que é ator do próprio Estado, fração da burocracia ou o
próprio governante; (ii) os ns do golpe – que compreendem a mudança LIVROS JUSTIFICANDO
institucional ou a distribuição do poder político, com ou sem a troca de
governantes; e (iii) os meios do golpe – que são sempre excepcionais, fora das
regras do jogo político, não demandando necessariamente uma intervenção
militar. Os próximos passos são: identi car os três elementos no caso concreto
e, caso estejam presentes, concluir que se está diante de um golpe.
O segundo problema – que, a meu ver, não foi enfrentado pelo professor – é o
da escolha do conceito a ser utilizado. Como disse, no nosso exemplo, a
conclusão parece embutida na própria premissa. A pergunta que se faz é: por
que devemos adotar o conceito que o professor propõe?[2] Do mesmo modo
que não se aceitaria, a priori, a de nição trazida no nosso exemplo, não se
deve aceitar, a priori, a de nição dada por Frederico. A opção por um conceito,
sobretudo quando se está diante de uma questão valorativa, deve ser
sustentada por razões. A pergunta não respondida (e que precisa ser; do O que é discriminação?
contrário, o argumento não se sustenta) é: existem boas razões para R$ 49,90
adotarmos o conceito de golpe formulado por A. Bianchi[3]?
http://justificando.cartacapital.com.br/2016/05/09/podemos-alargar-o-conceito-de-golpe/ 2/5
10/03/2018 Podemos alargar o conceito de golpe?
No ensaio O que é um golpe de Estado, que é de março deste ano, Bianchi faz
um levantamento dos usos da expressão “golpe de Estado” (coup d’état) ao
longo da história. Apesar de interessante, não se tira muitas conclusões desse
levantamento. Apenas ao nal do ensaio Bianchi fornece razões para
repensarmos o conceito de golpe. De seu levantamento histórico, ele constata
que, de acordo com Edward Luttwak, a maior parte dos golpes de Estado,
sobretudo os que ocorreram no século XX, contaram com uma participação
importante de militares. Apesar disso, Bianchi sugere que o coup d’état não
deve ser identi cado exclusivamente com sua variante militar. Para ele, esta
seria uma de nição bastante limitada, que não abarcaria casos de golpes
promovidos por grupos do Poder Legislativo ou do Judiciário, por exemplo.
Curiosamente, ele a rma que o golpe militar de 1964 não estaria abrangido
pelo conceito de golpe fornecido pelo The Routledge Dictionary – “golpe de A Maioridade Penal nos
Estado descreve a derrubada repentina e violenta de um governo, quase Debates Parlamentares
invariavelmente por militares ou com a ajuda de militares”. De todo modo, R$ 59,90
cita outros dois exemplos que, para ele, deveriam estar (mas não estariam)
abarcados por um tal conceito de golpe: o caso de Manuel Zelaya (2009,
Honduras) e o de Fernando Lugo (Paraguai, 2012). Disso, conclui pela
necessidade de alargarmos o conceito, chegando à de nição que seria utilizada
por Frederico de Almeida. Nenhuma outra razão nos é fornecida pelos
professores.
A primeira delas é que essa versão mais alargada do conceito tem uma
consequência séria: ela pode levar à descaracterização do que o termo
usualmente designa na história recente brasileira. O termo “golpe” evoca,
tendo em vista nossa história recente, a participação militar, a restrição de
direitos, as perseguições políticas, a prática de tortura, etc. Lembremos que
ainda não fomos capazes de construir uma narrativa uniforme sobre o regime
militar. Existem os que ainda defendem que se tratou de uma revolução.
Alargar a concepção de golpe de Estado em nada contribui para se combater
essa interpretação absurda dos fatos. Ao abrigarmos, sob o mesmo rótulo, o
golpe militar e o processo de impedimento de Dilma Rousse , não fazemos jus
às pessoas que tiveram seus direitos brutalmente cerceados pela ditadura
militar, e principalmente àquelas que foram torturadas, perseguidas e
mortas[4].Além disso, a insistência no conceito alargado de golpe de Estado
traz outra consequência importante: a intensi cação do processo de
polarização política. Não penso que polarizar seja, a priori, um problema. A
polarização passa a ser um problema quando reprime a possibilidade de
alternativas aos polos. Em outros termos, a partir do momento em que as
pessoas e suas ações ou são caracterizadas como contra o golpe/defensoras da
democracia, ou são caracterizadas como a favor do golpe/golpistas. A adoção
do conceito de golpe em sua versão alargada tem o efeito prático de
circunscrever o âmbito semântico do debate, limitando possibilidades
políticas ao reduzir o con ito político à disputa entre duas identidades
contrapostas. No caso, a polarização tende, em certa medida, a invisibilizar
enunciados que fogem ao binômio golpe/não-golpe[5], di cultando que
pautas comuns aos polos avancem
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10/03/2018 Podemos alargar o conceito de golpe?
Além disso e porém, também esperamos que elas nos forneçam boas razões
para adotarmos um ou outro conceito, e que levem em conta não apenas a
consistência do argumento escrito, mas também as consequências práticas
daquilo que é defendido no plano do discurso. Neste ponto, gostaria de citar o
próprio Alvaro Bianchi: “Substituir o conceito por slogans pode ter efeitos
positivos para a mobilização das pessoas. Mas não é um recurso que permita
compreender a realidade presente. A própria mobilização obtida é, por essa
razão, incapaz de uma ação política e caz. Frequentemente ela aponta para a
direção errada. Um componente importante da atual crise da esquerda [e
também de parte de seus opositores políticos] está em sua recusa a
compreender a realidade. Prefere sempre a comodidade das antigas fórmulas.
A análise torna-se, assim, serva da política”[6].
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10/03/2018 Podemos alargar o conceito de golpe?
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