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Lévinas
Observação inicial: Lévinas se aproxima mais da poesia que da ciência, sua linguagem é
extremamente metafórica. Abaixo segue uma tentativa de extrair algumas das ideias principais. O que
for copiado ao pé da letra estará entre aspas e com a página.
PRÓLOGO
O presente livro se presta a pensar o "inatual", tido como o "outro do atual", que se manifesta no
ato em toda a sua dimensão de infinito ("plenamente ser, a ponto de transbordar"), uma
presença que não tem devir. (pergunta minha: por que? estará esta presença fora da
diacronia?)
Lévinas questiona a própria experiência objetiva como fonte originária de sentido, pois antes da
ação já há essa "passividade mais passiva que a passividade conjunta do ato".
A SIGNIFICAÇÃO E O SENTIDO
Husserl rompe com essa tradição ao pensar a intuição categorial, e a intencionalidade, pela
qual a significação provém do retorno do dado como hábito. A correlação noético-noemática
seria a fonte do sentido, e a significação categorial (produção de objetos de conhecimento) só
faz fixar e justificar o que já se descobrira na intuição.
A exceção é a metáfora, que conduz para uma ausência (e não para a presença de um dado).
Não há percepção sem significação, o próprio ato de perceber já produz sentido, não há como
um dado "entrar no pensamento pelo efeito de um simples choque contra a parede de uma
receptividade" (p.23). Em cada dado há um aspecto de metáfora, que conduz para um próximo
sentido. A palavra não tem sentido literal, ela só faz remeter a outras palavras. "Cada
significação verbal encontra-se na confluência de rios semânticos inumeráveis" (p.25).
Da mesma forma que a linguagem, a experiência ganha sentido a partir da posição daquele
que olha, e nela incute a totalidade do ser, totalidade essa que é agregação caótica, arranjo
imprevisível criador pelo gesto e pela linguagem.
Esta criação se dá essencialmente a partir do corpo, dos órgãos perceptivos. O corpo está
inseparável da atividade criadora, e concede significação ao objeto antes – ou ao menos no
horizonte concreto, simultâneo – da apreensão. O corpo é um sensor sentido; sensor do lado do
objeto e sentido do lado do sujeito.
A criação que o ser opera – mediado pelo corpo – é um objeto cultural, que se dá pela evocação
de criações culturais antigas. Tais objetos povoam e preenchem uma época, possibilitam novas
significações num fenômeno que pode ser tomado não apenas no âmbito do indivíduo, mas
como antropologia.
A partir dessa noção de objetos culturais, tem-se uma nova função para a expressão: não mais
a de comunicar uma mensagem ou de transformar o mundo segundo fins. Aqui, a expressão
não é guiada por uma meta prévia, mas é expressão do ser em seu presente atual.
Eis a oposição a Platão: não existe significação em si, mundo das essências. Existe, sim, no
plano único do mundo, uma ligação entre o inteligível (noema) e a inteligência (noese). O
intelecto está, assim, subordinado à expressão.
Desse homem composto por significações culturais, não se diz que ele é uma totalidade, mas
totalidades, inscrito no intermédio horizontal das culturas umas com as outras.
O mundo e a linguagem perderam sua univocidade, seu sentido único. O absurdo não é o
não-sentido, mas o isolamento dos significantes, a alienação do sentido à revelia da orientação
(rede complexa S1 -> S2) da qual este dispõe. A crise do sentido é a crise do monoteísmo. A
crença - com base na economia - no Uno onipresente ao qual o homem era, ao mesmo tempo,
devedor e pedinte: o Deus com quem se barganha, que oferece a dádiva e cobra a dívida, e que
organizasse o mundo em um único sentido, foi derrubado pela recente crise do pensamento
ocidental.
Tal orientação precisa ter início no próprio sujeito (e não estar à mercê da história) e dali partir
como pura alteridade, Outro. Partindo livremente do Mesmo em rumo ao Outro, essa orientação
se chamará Obra. Esta não é a obra da técnica, que reduz o mundo ao meu controle e
neutraliza a alteridade. É, sim, um movimento que jamais retorna ao Mesmo. Exige uma
generosidade do sujeito e, não sendo recíproco, uma ingratidão do Outro.
A Obra não é nem um movimento niilista (que nada busca) e nem um movimento político
(porta-voz de um desejo, com uma meta, intencionando o triunfo de sua causa; nessas obras,
segundo Lévinas (p.47) há vulgaridade e baixeza): a Obra é o ser-para-além-de-minha-morte,
um gesto de paciência. O triunfo será obtido numa ocasião da qual não participarei, num
“tempo-sem-mim” (p.45). É a própria ética.
A relação com o Outro é Infinito. Ela esvazia-me de mim mesmo, ao contrário da necessidade
que me enche de mim. O objeto do desejo, aqui, não o satisfaz mas o intensifica.
O Outro é nosso interlocutor: aquele para quem a expressão exprime, e que confere o próprio
sentido às ações e à expressão. Por isso, mesmo que se dê na totalidade concreta do mundo
imanente, ele é mais que um dado, que um objeto cultural. O Outro significa por si só. Se o
noema é representação, da ordem do imaginário, o Outro foge à redução e é da ordem do Real.
O Rosto fala antes de qualquer palavra, e sua manifestação é o discurso primeiro. Ele exige o
Eu a responsabilizar-se, sem que eu possa fugir a esse chamado: a consciência perde sua
prioridade: tal é a alteridade do Rosto que não chega a se tornar conteúdo (tema) para a
consciência.
“Ser Eu (Moi) significa, a partir daí, não se poder furtar à responsabilidade, como se todo o
edifício da criação repousasse sobre meus ombros. Mas a responsabilidade que esvazia o
Eu (Moi) de seu imperialismo e de seu egoísmo – [mesmo que] seja ela egoísmo da salvação –
não o transforma em momento da ordem universal, porém confirma a unicidade do eu (Moi).
A unicidade do Eu (Moi) é o fato de que ninguém pode responder em meu lugar” (p.53)
A resposta para o questionamento de Lévinas sobre um sentido único para o sujeito que não o
privasse de sua liberdade, é essa significação pressuposta na ética originária de
responsabilização pelo Outro, e que é prévia à cultura – ela é a própria base, espinha dorsal e
juíza da cultura.
Sendo inatualidade, o Rosto não é um fenômeno que mascare a coisa-em-si. O rosto não
significa nada, isto é, não é um signo que indique a uma outra coisa. Ele é um puro buraco no
mundo, por onde escapa o Real e o Infinito, mas procurar compreendê-lo como uma coisa no
mundo só levará ao engano, a outra máscara.
Platão sobre o Uno: “nem semelhante, nem dessemelhante, nem idêntico, nem não-idêntico”.
Por isso o vestígio escapa à redução fenomenológica, que lida com o “aparecer” e com o
“dissimular-se”; ele é a própria interrupção da epoché. Ao mesmo tempo, ele é a verdadeira
essência do Ser, constitutivo do ser mesmo antes do ato e da linguagem; ele faz o peso do ser
pela sua própria irreversibilidade.
“O vestígio como vestígio não conduz somente para o passado, mas é o próprio passe para um
passado mais afastado que todo passado e todo futuro, os quais ficam dispostos ainda no meu
tempo” (p.66).
O movimento do Encontro, do qual fala Buber, entre um Eu e um Tu, está contido no Rosto. Sua
eleidade (caráter de “ele”, Outro) é a origem da alteridade do ser.
HUMANISMO E AN-ARQUIA
Lévinas acusa uma crise no Humanismo de nossa época, na pretensão do animal rationale
como criatura privilegiada de Deus, e na ilusão de uma consciência esclarecida que abarque a
totalidade integrada do ser; tudo isto tornou-se um contrassenso após termos testemunhado os
horrores da II Guerra, e as descobertas Freudianas da Psicanálise entre outros.
A consciência de si, ela mesma desintegra-se sob o efeito das pulsões por debaixo da máscara
da pessoa. A psicanálise, então, constitui um anti-humanismo. Uma vez que o sujeito esteja
privado da "coincidência completa consigo próprio" do Cogito Cartesiano, a questão do saber e
do conhecimento precisará ser revista. O formalismo (resquício de positivismo) que visa
dissipar o relativismo subjetivista cai em contradição, pois "contestar o subjetivo é afirmar o
valor do subjetivo que contesta" (p.72).
Foi este o erro que Husserl denunciou em Descartes: pensar o ser para além de sua condição
concreta, imanente, atingir um absoluto do ser (transcendente) mas logo em seguida
reposicioná-lo no mundo concreto, dotar o ser de uma alma "deste mundo".
O homem é animal rationale, o que quer dizer que é fundado na Natureza (animal) e dotado de
capacidade categorial de formação de ideias, conceitos etc. (racional).
O conceito de “homem” costumeiramente é definido pelas ações que este executa no mundo.
No entanto, a ação é mais que um fenômeno de emprego de energia em uma série causal: é o
próprio começar, o próprio lançar-se em ato, visando um horizonte de futuro. “Começar”
consiste em desprender-se da indeterminação inatual e concretizar uma atualidade tornada
presente, ou, “representada”:
Exemplo meu (depois, arranjar um melhor): como se de um oceano de algodão doce
(abstração do passado vivido) apanhássemos um punhado e o comprimíssemos, numa
bolinha rosa de puro açúcar e concretude atual (ou seja, manifestando-se no corpo da
fala falante).
Uma ontologia como a Lacaniana, fundada na atividade humana devotada à quitação de uma
dívida eterna, ou de uma perspectiva moral, na ação orientada pelo dever estendido ao infinito,
abre-se a possibilidade do conceito de “homem” como um meio para mostrar uma suposta
verdade do ser.
Por isso é que Lévinas propõe uma ontologia avessa, do ser fundado não na atividade,
mas na total passividade pré-consciente e pré-inteligível, ser a priori numa dimensão
pré-original que pode até ser chamada religiosa, mas sem recorrer a um “espiritualismo”.
É religiosa porque envolve uma vocação, um chamado à responsabilidade sobre o Rosto
do Outro.
O não poder furtar-se à responsabilidade sobre o outro não categoriza servidão. Para que o
fosse, seria necessário um momento em que o dominador (determinante) exercesse seu
domínio sobre o dominado (determinado), em que ambos fossem contemporâneos, e que este
último tivesse sido livre em algum momento pregresso
A subjetividade está “aquém da alternativa determinismo-solidão” (p.82). O próprio Bem
é o determinante, que se investiu no sujeito antes mesmo da constituição deste. Por isso,
a ontologia de Lévinas é fundada na Ética. Não se “opta” pelo bem como escolha dentro
de uma polaridade axiológica, já que esta vocação é prévia à própria liberdade (de
escolha).
. A infinitude da eleição pelo Bem como passado radical é uma “inconvertibilidade em presente
assumível” (p.84). Em termos de tempo vivido, isto significa que o Bem só se manifesta como
“vestígio”, hábito.
Este Bem é Deus.
Nada, porém, nesta passividade, se naturaliza automaticamente, e não se vêem apenas ações
orientadas por tal predisposição.
“O vínculo anárquico entre o sujeito e o Bem [...] estabeleceu-se sem que o sujeito tenha
tido vontade; ele não é a consequência natural de uma psiquê altruísta, generosa.
A tentação para o não-cumprimento do Bem exerce um atrativo erótico, como Caim que
diz “serei eu o guardião do meu irmão?”. Surge a autorreferência e o egoísmo, isto é, o
Mal, como uma atividade posterior ao emprego do Bem, e abaixo dele. O pecado é a
recusa do chamado à responsabilidade.
Destarte, o Mal é o fundador do Eu (Moi), da individuação. Se o Bem é pré-subjetivo, o
Mal é a própria criação da singularidade encarnada. A morte dos sujeitos é sentida de
modo diferente de acordo com o modo como os enlutados interagiram com a pessoa
destes sujeitos, é um resultado direto da própria escolha de ser. O Bem, por outro lado,
não se mede pelo ser.
Temos, entretanto, desde que investidos do Bem, a responsabilidade de
não-consentimento à morte, de não deixar que o Outro morra sob nossa vigilância.
SEM IDENTIDADE
As proporções planetárias que nossa sociedade contemporânea assumiram não mais permitem
ao homem presumir saber tudo de si. Os fenômenos ocorrem a despeito de seu controle, e as
ciências humanas por conseguinte já não podem mais ter como objeto um humano que se
possa compreender, catalogar e mapear.
A nostalgia do humano “coincidente consigo mesmo”, passível de um saber exato,
precisa de extrapolações metodológicas, embrutecimentos de sua análise, para poder
forçar a produção dos objetos de conhecimento de que deseja.
Numa perspectiva contrária, todo o humano passa a ser concebido “do lado de fora”, no
campo intersubjetivo.
Hegel já procurara explicar tal alienação de si própria como efeito do zeitgeist, relativizado em
função do tempo (este quadro eventualmente alterar-se-ia), e Marx atribuiu à alienação a
própria fagulha da motivação revolucionária, onde o ser iria identificar-se em seu reencontro
consigo mesmo. Ora, não há chance de tal presunção. “Eu é um outro” (p.94).
A própria identidade está em cheque!
A literatura recente das ciências humanas e da filosofia vem convergindo na ideia do fim da
metafísica, extinção do sujeito autocontido, do eu (moi) que é “eu substancial”, do ser capaz de
dobrar-se sobre si e adquirir certeza de si;
Em lugar disso, assume-se um Ser que recebe seu sentido do ato cultural; um Ser subsituído
pela Arte, Ciência, Religião, Economia, Política, Mídia, enfim, pela Cultura.
Heidegger fala de um “ser-manifestação”, que é o dasein. Na existência autêntica esse
ser encontra abertura para manifestar-se. Já na existência inautêntica,
“esquecimento-de-ser”, o homem volta à vida monádica, enclausurada, e cria a vida
psíquica. A metafísica europeia não foi senão a história desse monadismo!
Uma vez finda a supremacia do reino psíquico privado, da metafísica, pensar se torna
“responder à linguagem silenciosa do convite” (p.96).
Como decorrência inevitável desta revolução paradigmática, concebe-se que nossos atos não
respondem unicamente à deliberação da subjetividade. Se o humano “está do lado de fora”, a
presença de outrem tem o efeito de me convocar a algo pelo qual não decidi, alienando minha
identidade.