Middlemarch
Um estudo da vida
provinciiana
GEORGE ELIOT
Um estudo da vida
. .
provinciana
Tradução e prefácio de
LEONARDO FRÓES
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R
ISHN 85-01-04535-7
CDD - 823
MIDDLEMARCH
adquiridos pela
585-2000
Impresso no Brasil
oTow
ISBN 85-01-04535-7
SUMÁRIO
Prefácio .......................................................................
.................... 7
Prelúdio........................................................................
................. 13
I. Miss
Brooke..........................................................................
.... 15
II. Velhos e
III. À Espera da
345
V A Mão do
VI. A Viúva e a
VII. Duas
Finale .........................................................................
................. 871
PREFÁCIO
Mulher e Cultura
no Dissenso Literário
Leonardo Fróes
Sem dote, sem berço e sem beleza, GE iniciou seu esforço de cultura
mão Das Leben Jesu (The Life of Jesus), de David Friedrich Strauss. Com 32
1 8
GEORGE ELIOT
" 1880, rica e famosa por seus vários romances, já era um dos nomes
suas construções e estilo. Mas GE, antes mesmo de ser incluída no cânon
da ficção inglesa por ER. Leavis (em The Great Tradition, 1948), se·npre
plo, tinha particular estima por The Mill on the Floss, romance no qual ela
descreve sua infância rural e que já foi tão conhecido quanto Middemarch,
fundiu e radicalizou no século XX, é muito usada por GE, ainda a modo
sempre em cada criatura um olhar mais interno que a observa, uma voz
MIDDLEMARCH
lho, quer nas relações pessoais. E novo é também o trem de ferro, que
como a medicina, à qual faz críticas ferozes. Todo o mundo das profis-
Balzac, Flaubert e Turgueniev, o último dos quais, por sinal, ela conhe-
ceu em pessoa. Mas isto não retira valor a seu trabalho, onde a origina-
10
GEORGE ELIOT
" genuínas por que ela mesma passou como mulher diferente e dissidente
" deste privilégio dos homens, que deveria lhe servir de ponte para fazer o
mem trinta anos mais velho do que ela, rabugento, doentio, egoísta,
mundo para realizar seu amor. Na vida real, a escritora Mary Ann Evans,
ção produtiva. O nome dele está no pseudônimo, George Eliot, que ela
adotou desde o primeiro livro (Scenes of Clerical Life), e foi ele quem mais
dois anos após a morte de Lewes e sete meses antes de morrer ela pró-
pria, GE, que estava com 61 anos, casou-se com um homem vinte anos
mais moço, John Walter Cross, que foi o seu primeiro biógrafo.
não são poupadas quando a vida provinciana é exposta pelo que tem de
lão de seu ócio. Quando ela enjoa de Lydgate e começa a flertar com
tomando chá com as amigas, desde que chega um boato novo, transil.a a
MIDDLEMARCH
11
dade, deixasse uma fresta aberta para se olhar com simpatia o indivíduo;
gumento de que o caráter pode adoecer como o corpo e ser tratado tam-
bém. A capacidade de observação de GE e a amplitude da visão que ela
emprega têm por efeito mais óbvio tornar facilmente críveis, para um
mundo tão diverso, seus personagens em transe - tão antigos pela apa-
que indica que não temos saída, senão as tentativas de correção perma-
que nos deixa do convívio com a autora uma impressão muito forte.
Como aliás a que ela deve ter tido, na dura alegria de criá-la, ao conviver
desejos, ardente em sua caridade, muda a luz para nós: começamos a ver
caráter."
iz
GEORGE ELIOT
, livro de poesia que se agrega ao romance, mantêm-se às vezes, mas nem
" o mais possível a relação entre o que diz a epígrafe e o que dirá o capítu-
lo. As falas dialetais do povo, grafadas por GE num inglês dos mais de-
PRELÚDIO
menina que uma manhã sai andando de mãos dadas com o irmãozinho
ainda menor do que ela, para ir em busca do martírio no país dos mouros?
humanos corações já batendo por uma idéia nacional; até que a realida-
te não foi a última de sua espécie. Muitas Teresas já nascidas não encon-
seu poeta sacro e que sem pranto afundou no esquecimento. Com luzes
cordância seu pensamento e ação; mas afinal suas lutas, aos olhos co-
14
GEORGE ELIOT
ente indefinição com que o Poder Supremo forjou a natureza das mulhe-
pécie palmípede. Aqui e ali nasce uma Santa Teresa, fundadora de nada,
LIvRo I
Miss Brooke
CAPÍTULO I
MIss BRooKE "riNHA esse tipo de beleza que parece ser lançada em
relevo pelas roupas simples. Sua mão e o pulso eram tão delicadamen-
te feitos que ela poderia usar mangas não menos destituídas de estilo
que aquelas com as quais a Santa Virgem foi vista pelos pintores italia-
nos; e seu perfil, bem como a estatura e o porte, parecia ganhar digni-
o acréscimo de que sua irmã Celia tinha mais bom senso. Contudo,
res bem próximos que sua roupa diferia da que a irmã usava, tendo um
parte, por sua irmã. O orgulho de serem damas finas tinha alguma coi-
sa a ver com isso: a origem dos Brooke, embora não exatamente aris-
18
GEORGE ELIOT
como um fidalgo puritano que servíu sob Cromwell, mas afinal se aco-
de roupagem. Sua mente era teórica e, por sua natureza, ansiava por
de uma moça por casar, tendiam a interferir com seu destino e a dificul-
ela, a mais velha, ainda não chegara aos vinte, e as duas tinham sido
educadas, desde que perderam os pais por volta dos doze anos de ida-
família inglesa e depois, em Lausanne, numa família suíça, seu tio celi-
Inglaterra, fundado
MIDDLEMARCH lg
Nem bem fazia um ano que elas tinham vindo viver em Tipton Grange
bastante, e nesta parte do país era tido por haver desenvolvido uma
como o tempo: só se podia dizer em segurança que ele agiria com inten-
como uma herdeira; pois não só cada uma das irmãs tinha por ano sete-
valia umas três mil libras por ano - renda que já parecia riqueza para as
da vida requintada.
E como iria Dorothea não se casar, moça tão linda e com tais pers-
pectivas? Nada seria um obstáculo a isto, a não ser seu amor pelos ex-
mesmo finalmente levá-la a recusar todas elas. Uma jovem dama de boa
teologia! Tal esposa poderia acordá-lo nalguma bela manhã com um novo
(1788-1850), ministro
1829.
20 GEORGE ELIOT
tão inocente e por ser tão amável, enquanto os grandes olhos de Miss
tecidos externos que para ela fazem uma espécie de brasão ou mostra-
dor de relógio.
modo sensual e pagão, e sempre pensava que algum dia acabaria renun-
ciando àquilo.
era tocante ver como sua imaginação adornava a irmã Celia de atrativos
à granja por qualquer outro motivo que não estar com Mr. Brooke, logo
deduzia que ele devia estar apaixonado por Celia: Sir James Chettam,
própria Celia, debatendo em seu íntimo se aceitá-lo seria bom para Celia.
Parecer-lhe-ia uma irrelevância ridícula que ele pudesse ser visto como
dos outros grandes homens cujos hábitos bizarros teria sido gloriosa
MIDDLEMARCH 21
prazeroso devia ser um no qual o marido fosse uma espécie de pai que
mais criticado nas famílias da vizinhança por não contratar alguma senhora
de meia-idade como guia e companheira para suas sobrinhas. Mas ele pró-
que as moças nunca tinham visto, mas sobre o qual Dorothea já sentia uma
tos anos às voltas com uma obra concernente à história religiosa; e também
como homem de suficiente riqueza para dar lustro à sua devoção, e que
publicação de seu livro. Seu simples nome causava uma impressão muito
umas construções (tipo de trabalho que ela adorava), quando Celia, que a
ocupada - que tal nós darmos uma olhada hoje nas jóias da mamãe, e
GEORGE EI.IOT
22
deu a você. Lembra? ele disse que até então tinha esquecido delas. E você,
desde que as trancou aqui no armário, acho que nunca mais pensou nisso."
"Bem, querida, nós, como você sabe, não devemos usar essas jóias
Celia enrubesceu, e ficou muito séria. "Acho, querida, que seria falta
cação que aumentava, "os colares agora estão muito em uso; e Madame
Poinçon, que em certas coisas era até mais rigorosa do que você, costuma-
que agora estão no céu e que usaram jóias." Celia tinha consciência de sua
boa dose de vigor mental quando ela realmente se empenhava numa ar-
gumentação.
ela havia pegado justamente dessa Madame Poinçon que usava jóias.
"Mas então vamos a elas, é claro! Por que não me disse antes? Mas e as
pensada e premeditada.
jóias."
leção muito grande, incluía porém algumas peças que eram realmente
quase tão bem e tão justo como um bracelete; mas o círculo combinava
Mas acho que a cruz fica melhor com suas roupas escuras."
clar de
MIDDLEMARCH 23
Celia tentava não sorrir de prazer. "Oh, Dodo, você devia ficar com a
"Devia sim, devia mesmo; ficaria muito bem em você agora - com
"Nem por nada deste mundo. Nunca eu usaria uma cruz como um
"Mas então a seu ver não seria também conveniente eu usá-la," dis-
"Não, querida, não," disse Dorothea, alisando o rosto da irmã. `As al-
mas também têm compleições: o que convém a uma não convém a outra."
"Mas você pode querer ficar com ela pela lembrança de mamãe."
rioridade nesta tolerância puritana, quase tão penosa para a carne loura
"Mas como eu iria usar adornos, se você, que é a irmâ mais velha,
"Não, Celia, isto já é pedir demais, que deva eu usar enfeites só para
Celia tinha desabotoado e retirado o colar. "Em seu pescoço ele fica-
ria um pouco apertado; alguma coisa que se pudesse usar mais solta
seria melhor para você," disse com uma ponta de satisfação. A completa
caixinhas de anéis, um dos quais exibia uma bela esmeralda com dia-
mantes, e justamente então foi que o sol, passando além de uma nuvem,
brilhou com força sobre a mesa.
"Que lindas são estas gemas!" disse Dorothea sob uma nova corrente
cores parecem penetrar tão fundo na gente como os odores. Suponho que
seja esta a razão pela qual as gemas são usadas como emblemas espiri-
GEORGE EI..IOT
24
"E há um bracelete para usar com ela," disse Celia. "Não o tínhamos
notado a princípio."
bem no nível de seus olhos. Enquanto isso seu pensamento tentava juscifi-
car seu prazer com as cores, mesclando-o com sua alegria místico-religiosa.
ainda melhor que as ametistas roxas. "Você deve hear com o bracelete e
o anel - ou senão com outra coisa. Mas olhe só, estas ágatas são muito
bonitas - e discretas."
"É mesmo! Vou ficar com estas - com este anel e o bracelete," disse
Dorothea. Depois, deixando a mão cair na mesa, ela disse noutro tom:
"No entanto, que homens vis os que descobrem tais coisas, e nelas traba-
lham, e as vendem!" Fez uma nova pausa, e Celia achou que sua irmã ia
"Sim, querida, vou ficar com estas," Dorothea falou com decisão.
Pegou seu lápis sem retirar as jóias, e ainda olhando para elas. Pen-
sava em tê-las com freqüência a seu lado, para alimentar a visão com
"Talvez," disse ela arrogantemente. "Não sei dizer até que nível sou
capaz de baixar."
Celia corou e se sentiu infeliz; viu que tinha ofendido sua irmã e
jóias, que ela pôs de novo no estojo e levou dali. Dorothea sentia-se
repetia ainda agora que Dorothea era incoerente: ou bem deveria ter
MIDDLEMARCH 25
ficado com toda sua parte das jóias, ou bem, depois do que havia dito,
uso de um colar não vai interferir com minhas orações. E não vejo por
é claro, tenha de ser submetida por elas. Mas Dorothea nem sempre é
coerente."
"Venha ver, Kitty, olhe só minha planta; se eu não tiver posto larei-
ras e escadas incompatíveis, vou achar que sou uma grande arquiteta."
Dorothea viu que tinha errado, e Celia a perdoou. Desde que as duas se
CAPÍTULO II
que trae sobre la cabeza una cosa que relumbra." "Pues ese
- CERVANTES.
como o meu, que traz sobre a cabeça uma coisa que reluz."
- CERVANTES.
"Sllt HUMPHltY DAvY?" disse Mr. Brooke durante a sopa, com aquele seu
que ele estava estudando a Química Agrícola de Davy." "Ah, sim, Sir
Humphry Davy: pois anos atrás jantei com ele no Cartwright, e sabem
são mesmo estranhas. Mas então lá estava o Davy, que também era poeta.
Ou, como posso dizer, Wordsworth era o poeta número um, Davy, o poe-
ta número dois. Isto era verdade em todos os sentidos, sabem?"
MIDDLEMARCH
nada, a tez pálida dos estudiosos; tão diferente quanto possível do exu-
representava.
que vou pegar em mãos uma das fazendas, e ver se não se pode fazer
alguma coisa para criar entre meus rendeiros um bom padrão de agricultu-
terras e esse tipo de coisa, e transformar seu curral numa sala de visitas.
Não vai dar certo. Eu mesmo já recorri bastante à ciência em certa épo-
ca; mas vi que não adiantaria. Ela leva a tudo; e nada você pode deixar
em paz. Não, não - cuide de que os rendeiros não vendam seus tarecos,
Mas essa fazenda dos seus sonhos não dará certo - por mais caro que
você possa pagar para realizar o capricho: mais vale manter uns cães de
caça."
tenta a todos, do que para manter cães de caça e cavalos só para galopar.
de todos."
Ela falou com uma energia que não seria de esperar-se em dama
assim ainda tão jovem, mas Sir James a havia interessado. Ele já estava
acostumado com isso, e elajá muitas vezes pensara que poderia incentivá-
ângulo novo.
quando estávamos todos lendo Adam Smith. Agora sim havia um livro.
na, essas coisas. Mas há quem diga que a história se move em círculos; e
GEORGE EIOT
28
isto pode ser muito bem demonstrado; eu mesmo, aliás, já o fiz. O fato
mas eu vi que não era por ali. Detive-me a tempo. Mas não de brusco.
senão, atiram-nos de volta à idade das trevas. Por falar em livros, aliás,
Conhece Southey?"
pouco tempo para este tipo de literatura agora. Ultimamente ando gas-
leitor para minhas noites; mas sou muito exigente no tocante às vozes
to à minha vista."
Era a primeira vez que Mr. Casaubon falava assim por mais tem-
era o homem mais interessante que ela já tinha visto, não excetuan-
forma, uma ajuda, mesmo que fosse somente segurando a luz! Tal
por ter visto ironizada sua ignorância em economia política, esta ci-
ência que, embora nunca explicada, erz lançada sobre todas as suas
Southey ( 1774-
Seita do século XII que rejeitava a autoridade do papa e que, no século XVI,
aderiu aos
protestantes.
MIDDLEMARCH 29
"Pois então gosta de montar, não é, Miss Brooke?," Sir James en-
experimentar. Foi treinado para uma dama. Pude vê-la no sábado, galo-
pando pelo morro num cavalo que era indigno de quem o montava. Meu
tir de montar. Sim, não vou mais montar," disse Dorothea, impelida
a tão brusca resolução pelo pequeno incômodo que Sir James lhe cau-
sava solicitando sua atenção, quando ela queria dá-la toda a Mr.
Casaubon.
"Não, isto é um exagero," disse Sir James num tom de reprovação que
é?" prosseguiu virando-se para Celia, que estava do seu lado direito.
`Elcho que é," disse Celia, temerosa de falar alguma coisa que desa-
"Se isto fosse verdade, Celia, minha mania de desistir seria auto-
Mr. Brooke estava falando ao mesmo tempo, mas era evidente que
supremo deleite. Neste momento ela sentia raiva do perverso Sir James.
Por que não dava ele atenção a Celia, não a deixava livre para ouvir Mr.
invés de se permitir ser o alvo das falas de seu tio! Mr. Brooke, justa-
ou não, que ele mesmo era um protestante convicto, mas que o catoli-
cismo era um fato; e, quanto à recusa de um acre de suas terras, por
Vida Futura.
"Fiz certa vez um longo estudo da teologia," disse Mr. Brooke, como
GEORGE ELIOT
30
conhece Wilberforce?"
à filantropia."
"Sim," disse Mr. Brooke com um leve sorriso, "mas eu tenho docu-
ço algo assustado.
disse Dorothea. "Eu marcaria todos eles com letras, e depois faria uma
Brooke: "O senhor, como vê, tem à mão uma excelente secretária."
"Não, não," disse Mr. Brooke balançando a cabeça. "Não posso dei-
xar que as senhoritas se metam com os meus documentos, porque elas
Celia disse:
incrível como se parece com o retrato de Locke. Seus olhos têm as mes-
MIDDLEMARCH 31
"Creio que sim, quando pessoas de um certo tipo olhavam para ele!"
"Por que iria eu fazê-la, antes que a ocasião surgisse? É uma compa-
Celia pensou.
nos como se eles fossem apenas animais sob uma toalete, e nunca vê a
"Mr. Casaubon tem uma grande alma?" Não faltava a Celia um to-
"Sim, creio que tem," disse Dorothea com a própria voz da deci-
são. "Tudo que vejo nele corresponde ao seu panfleto sobre Cosmologia
Bíblica."
Chettam; não creio que ela o aceitasse." A seu ver, era uma pena. Ela
vezes refletira, com efeito, que Dodo talvez nunca fizesse um marido
sua irmã era religiosa demais para o conforto familiar. As noções e escrú-
Quando Miss Brooke estava à mesa do chá, Sir James veio sentar-
como ela lhe respondera. Por que deveria? Julgou provável que Miss
Brooke gostasse dele, e os modos, com efeito, devem ser bem observa-
dos antes que parem de ser interpretados por concepções prévias, quer
32 GEORGE ELIOT
claro está que ele teorizou um pouco sobre a ligação que almejava.
fazer?" sobre isto ou aquilo; a qual ajudasse com razões seu marido,
excessiva religiosidade alegada contra Miss Brooke, ele tinha uma no-
cia que, afinal de contas, um homem sempre podia pôr por terra, quan-
do o desejasse. Sir James não tinha a menor idéia se algum dia quere-
ria pôr por terra a predominãoncia desta moça tão linda, com cuja viva-
até mesmo sua ignorância é de superior qualidade. Sir James pode não
em forma de tradição.
"Sei disto," disse Dorothea com bastante frieza. "Acho que faria bem
rubada."
"Uma razão a mais para praticar. Todas as damas devem ser perfei-
que não devo ser uma perfeita amazona, e assim nunca corresponderia a
seu modelo de dama." Dorothea olhou reto para a frente e falou com fria
brusquidez, e com muito do ar de um rapaz bonito, em divertido con-
"Gostaria de conhecer suas razões para esta resolução tão cruel. Não
"Oh, por quê?" disse Sir James num tom mais brando de protesto.
MIDDLEMARCH 33
ouvindo.
interpôs ele a seu modo ponderado. "Miss Brooke sabe que é comum,
um homem cuja erudição já era quase uma prova de tudo aquilo em que
ele acreditava!
"Certamente," disse o bom Sir James. "Miss Brooke não será insta-
Dorothea havia olhado para Mr. Casaubon: nunca lhe ocorrera que uma
de certa distinção.
Celia, e com ela se entreteve sobre sua irmâ; falou de uma casa na
irmã, Celia se exprimiu à vontade, e Sir James se disse que esta segun-
da Miss Brooke era decerto muito agradável, além de ser bem bonita,
que a irmã mais velha. Ele achava que havia escolhido a que, sob todos
frente para ter o melhor. O homem solteiro que fingisse não levar isto
Bickerstaffe.
CAPÍTULO III
Eve
O arcanjo afável...
Eva
uma esposa adequada para ele, as razões que poderiam induzi-la a aceitá-
haviam dado botões e florido. Pois os dois tinham, pela manhã, tido
havia revelado bons trechos de sua experiência pessoal, assim cono delc
MIDDLEMARCH 35
extensão labiríntica. Pois ele fora tão instrutivo quanto o "arcanjo afá-
vel" de Milton; e com algo das maneiras angelicais lhe dissera como se
nava-se inteligível, quando não iluminado pela luz refletida das corres-
era trabalho leve nem rápido. Suas notas já se alongavam por uma res-
de dois estilos de falar: é verdade que, quando usou uma frase em grego
ou latim, deu sempre com escrupulosa atenção a tradução em inglês, o
literatura da escola feminina: aqui estava um Bossuet vivo, cuja obra re-
Dorothea, ao ser impelida a abrir seu espírito sobre certos temas dos
quais não poderia falar com ninguém que já tivesse visto em Tipton,
nos melhores livros cristãos das eras mais recuadas, encontrou em Mr.
GEORGE ELIOT
36
"Ele pensa como eu," disse Dorothea consigo mesma, "ou melhor,
gios daquela hesitação tão comum às jovens de sua idade. Os signos são
pequenas coisas mensuráveis, mas suas interpretações são ilimitáveis, c
nas moças de natureza doce, ardente, todo signo tende a conjurar prodí
gios, crença, esperança, vasto como o céu e tingido por um bocado difusc
maneira grosseira; pois o próprio Sinbad pode ter dado, por sorte, corr
para ver tais documentos numa pilha, enquanto seu anfitrião pegava or
por lavrad
a ação
romance.
MIDDLEMARCH
37
foi favorecida também pela reflexão de que Mr. Brooke era o tio de
Dorothea?
Cada vez mais, sem dúvida, ele parecia inclinado a puxar conversa
para ela, era como um pálido raio de sol de inverno que um sorriso não
enquanto dava uma agradável volta com Miss Brooke pelo terreiro de
quilômetros de Tipton; e
g 9
eito pela
w o eição ue dantes
nossos contemporâneos pe
o E
38 GEORGE EI.IOT
uma forma obsoleta de cesta) caiu um pouco para trás. Não sería ta(vez
caracterizá-la bem, caso omitíssemos que usava seu cabelo castanho bem
puxado e amarrado para trás com uma fita, de modo a expor-lhe o con-
tado de espírito a solene glória da tarde com suas longas faixas de luz
às outras.
pequeno drama do qual nossos pais nunca se cansaram, e que foi intro-
Mr. Casaubo
romance.
ro
MIDDLEMARCH
39
desejo que nutria de tornar sua própria vida grandemente eficaz. Que
poderia, que deveria ela fazer? - ela, que mal passava de uma mulher
cessidade mental, incapaz de ser satisfeita por uma instrução para mo-
cuidados de sua alma com seus bordados em seu próprio boudoir - ten-
sidade de sua inclinação religiosa, e a coerção que sobre toda sua vida
za, que se debatia nas faixas de um ensino estreito, encurralada por uma
vida social que nada mais parecia a não ser um labirinto de corridas
exagero e incoerência. A
Aí então eu aprend
Chettam
a. a o gradaria.
a em parte.
GEORGE ELIOT
40
estou certa de agora estar fazendo o bem de algum modo: tudo parece
ser como partir em missão junto a um povo cuja língua eu não sei; - a
não ser que esta missão fosse a construção de casas populares condignas
- sobre o que não pode haver dúvidas. Oh, eu desejaria ser capaz de
podiam deixar dúvidas de que o cavaleiro era Sir James Chettam. Ele viu
seu cavalariço, avançou para ela com uma coisa branca num braço, para
péu e pondo à mostra seu cabelo louro levemente ondeado. "Um encon-
mento muito bom com você, e concordando até mesmo quando você o
gens a ela mesma não poderia tomar forma: toda a atividade mental de
gratificante para si mesmo, pensou que nunca tinha visto Miss Brooke
o para ver se ele será aprovado antes de sua postulação ser feita." F
mostrou a coisa branca que tinha embaixo do braço, que era um mimosc
"Dói-me ver estas criaturas que são criadas apenas como animais de
"Oh, por quê?" disse Sir James, nisto que eles andavam à frente.
MIDDLEMARCH 41
"Creio que a estima dada a eles nunca os torna felizes. São seres
santes. Inclino-me a pensar que os animais que nos rodeiam têm almas
"Fico muito contente em saber que não lhe agradam," disse o bom Sir
gostam destes cachorrinhos malteses. Ei, John, aqui, leve o cachorro, sim?"
expressivos, foi posto pois fora de cena, havendo Miss Brooke decidido
que era melhor ele nem ter vindo ao mundo. Mas ela achou que era
preciso explicar.
que ela aprecia estes bichinhos. Certa vez teve um minúsculo terrier do
qual gostava muito. A mim ele fazia sofrer, pois eu tinha medo de esmagá-
"Tem sua própria opinião sobre tudo, Miss Brooke, e é sempre uma
boa opinião."
"Seu poder de formar uma opinião. Sou capaz de formar uma opi-
nião sobre as pessoas. Sei quando eu gosto das pessoas. Mas sobre ou-
a sensatez e um disparate."
da discriminação."
"Pelo contrário, muitas vezes sou incapaz de decidir. Mas isto por
42 GEORGE ELIOT
que usou. E ele disse ser de seu desejo que Mr. Brooke construísse um
novo conjunto de casas, embora parecesse achar pouco provável que seu
tio concordasse com isto. Sabe que é uma das coisas que eu gostaria de
dar dinheiro; e é por isto que lhe fazem objeções. Os trabalhadores nun-
a pena fazer."
"Vale a pena sim! vale a pena mesmo," disse Dorothea com energia,
mos ser expulsos a chicotadas de nossas belas casas - todos nós que
volta. A vida em casas populares poderia ser mais feliz que a nossa, se
elas fossem casas de verdade, adequadas a seres humanos dos quais
"Sim, certamente. Ouso dizer que tem muitas falhas. Mas eu exami-
criar o modelo por aqui! Penso que, ao invés de Lázaro no portão, deve-
Dorothea agora estava no auge da alegria. Sir James, como seu cunha-
Sir James viu todas as plantas e levou uma consigo, para conversar a
que Miss Brooke o tínha. O cachorrinho maltês não foi of"erecido a Celia;
James. Mas af nal era um alívio que não houvesse cachorrinhos para
pisar-se em cima.
servou a ilusão de Sir James. "Ele pensa que Dodo liga para ele, e ela sé
rurais.
sua dedicação
aos pobres.
MIDDLEMARCH 43
liga para suas plantas. No entanto, não estou certa de que ela o recusas-
se, se pensasse que ele a deixaria cuidar de tudo e pôr suas idéias todas
essas idéias."
ousava confessar à irmã por uma declaração direta, pois isto seria o mes-
que as pessoas só estavam olhando, e não ouvindo. Celia não era impul-
siva: o que tinha a dizer sempre podia esperar, e sempre provinha dela
visita matinal, durante a qual foi convidado de novo para jantar e pas-
sar a noite, na semana seguinte. Dorothea teve assim mais três conver-
corretas. Ele era tudo o que de início ela o imaginara ser: qualquer
óbvio que as visitas que ele fazia eram por causa dela. Este homem
conversar com ela, não com absurdos cumprimentos, mas sim apelos à
posto acima dela, tinha o mesmo reverente respeito que por sua erudi-
GEORGE EI.IOT
44
dela, e em geral com uma citação adequada; permitiu-se até dizer que
nhecida crueldade dos déspotas pagãos. Não convinha instar com Mr.
Casaubon sobre tais argumentos, quando ele viesse outra vez? Refle-
tindo melhor ela se disse que era muita pretensão querer pedir-lhe
atenção para esse assunto; ele não se oporia a que ela se ocupasse
tais especulações. Mas seu tio havia sido convidado para ir a Lowick e
lá passar uns dias: seria razoável supor que Mr. Casaubon apreciasse a
jadas melhorias, ele passou a vir com muito mais freqüência que Mr.
tadoramente dócil. Ela propôs construir duas casas para as quais trans-
novas. Sir James disse: "Exatamente," uma observação que ela rece-
neas poderiam ser membros muito úteis da sociedade sob uma boa
vesse em questão em relação à sua pessoa. Mas sua vida estava agora
MIDDLEMARCH
45
CAPÍTULO IV
"Ist Gent. Our deeds are fetters that we forge ourselves,
"SIR JAMES PARECE decidido a fazer tudo o que você quiser," disse Celia,
Dorothea irrefletidamente.
tos."
veis," disse Celia, com sua gabarolice costumeira. "Deve ser terrível vi
osa - com tudo para ser doravante um querubim eterno e, se não foss
do que um esquilo. "É claro que ninguém precisa estar falando bem
própria Geort
Eliot.
MIDDLEMARCH
47
"Sem dúvida. Ele pensa em mim como uma futura irmã - e é tudo."
Dorothea nunca havia insinuado isto antes, esperando, por certa timi-
dez em tais casos que era comum às duas irmãs, que o assunto viesse a
ser suscitado por algum fato decisivo. Celia corou, mas disse logo:
"Por favor, não cometa mais este erro, Dodo. Outro dia a Tantripp
quando estava escovando meu cabelo, disse que o cavalariço de Sir James
tinha sabido pela criada de Mrs. Cadwallader que Sir James ia-se casar
Celia?" disse Dorothea, indignada, e com mais raiva ainda porque deta-
degradante!"
comigo. É melhor ouvir o que as pessoas dizem. Você bem sabe os erros
que comete por se agarrar às idéias. Estou certa de que Sir James preten-
mente porque em relação aos seus planos você já se mostrou tão satis-
feita com ele. E o titio também - sei que ele está contando com isto.
Todo mundo pode ver que Sir James está muito enamorado de você."
são de Sir James julgando que ela o reconhecia como seu pretendente.
"Como ele pôde pensar nisto?" explodiu ela, a seu modo mais im-
petuoso. "Nunca me pus de acordo quanto a nada com ele, a não ser as
"É, mas tem estado tão contente com ele, desde então, que ele pas-
sou a se sentir muito seguro de que você está apaixonada por ele."
`llto lá, Dorothea, suponho que o certo seja você estar apaixonada
48 GEORGE EL.IOT
"É uma ofensa à minha pessoa dizer que Sir James pudesse pensar
que eu estava apaixonada por ele. Além disso, não é a expressão correta
"Bem, sinto muito, por causa de Sir James. Achei que era bom dizer-
lhe isto, porque você já ia indo como sempre vai, nunca olhando muito
bem onde está, e pisando no lugar errado. Você sempre vê o que nin-
É o seu jeito de ser, Dodo." Algo decerto dava a Celia inusual coragem;
pois ela não poupava a irmâ, à qual ocasionalmente temià. Quem pode
dizer que justas críticas Murr, o gato, talvez esteja fazendo sobre nós,
dedicar-me às casas. É preciso que eu seja descortês com ele. Devo di-
zer-lhe que não terei mais nada a ver com elas. Dói muito mesmo." Seus
"Espere um pouco. Pense nisto. Como você sabe, ele vai-se afastar
por um ou dois dias para ir visitar a irmâ dele. Não haverá mais ninguém
Dodo," prosseguiu num amistoso staccato. "É um duro golpe: sua distra-
so, sim, cometer erros. Como será alguém capaz dejamais fazer alguma
fúteis?"
Nada mais foi dito: Dorothea estava muito descontrolada para. recu-
perar a calma e mostrar por seu comportamento que admitia algum errc
fé era possível quando todo o efeito das ações de uma pessoa podia se
mou porque Celia, por achar-se ao lado dela com ar tão belo e faceirc
MIDDLEMARCH 49
havia retornado de uma ida à cidade para cuidar de uma petição para o
indulto a um criminoso.
estive fora."
"Não, meu tio," disse Celia, "apenas fomos a Freshitt dar uma olha-
"Passei por Lowick para almoçar - ah, é, vocês não sabiam que eu
Celia, rumou direto à biblioteca. Celia foi para cima. Um recado ainda
fogo, onde uns tições que haviam desabado esparramavam-se por entre
ele tivesse a dizer. Dorothea fechou seu panfleto, tão logo se deu conta
"Eu voltei por Lowick, sabe," disse Mr. Brooke, não como se tivesse
de sua costumeira tendência a dizer o que havia dito antes. Este princí-
coisa. Vem vindo aí um vento forte. Não quer sentar-se, querida? Você
50 GEORGE ELIOT
rar as coisas até que acalmava um pouco. Ela tirou o xale e o chapéu e se
sentou diante dele, feliz com o fogo, mas erguendo à guisa de tela suas
mãos tão bonitas, para proteger-se do brilho. Não eram finas, suas mãos,
saber e pensar, que nos meios inóspitos de Tipton e Freshitt tinha re-
Dorothea.
não é?"
ao desânimo; meu destino foi sempre rodar por toda parte e provar de
"Seria uma grande honra para qualquer uma ser sua companheira "
"Você gosta dele, não é?" disse Mr. Brooke, sem demonstrar surpre-
anos, desde que ele veio para Lowick. Mas nunca consegui extrair-lhe
ainda pode ser bispo - esse tipo de coisa, sabe, se Peel continuar nc
cargo. E ele pensa muito bem de você, querida."
"Sír Samuel Romílly (1757-l818), polítíco ínglës que se empenhou pela reforma da
legíslação
criminal.
MIDDLEMARCH S1
menoridade, e eu, em suma, prometi que ia falar com você, se bem lhe
dissesse que a meu ver não havia muitas chances. Fui obrigado a dizer-
lhe isto. Disse, minha sobrinha é muito jovem, e esse tipo de coisa. Mas
conversa, o fato é que ele me pediu permissão para fazer a você uma
seu meneio explanatório de cabeça. "Achei que era melhor lhe dizer,
minha querida."
Brooke, mas realmente ele queria saber alguma coisa do que a sobrinha
como magistrado que absorvera tantas idéias, ele podia dar espaço. Não
tendo Dorothea falado logo, Mr. Brooke repetiu: `Achei que era melhor
"Muito obrigada, meu tio", disse Dorothea, num tom claro e sem
Mr. Brooke fez uma ligeira pausa, antes de dizer em voz baixa, alon-
casamento, e esse tipo de coisa - mas até um certo ponto, não é mes-
mo? Eu sempre disse isto, até um certo ponto. Quero é que você se case
bem; e tenho boas razões para crer que Chettam quer-se casar com você.
grande erro."
`Aí é que está. A gente sempre se engana. A meu modo de ver Chettam
"Peço não mencioná-lo de novo sob este prisma, meu tio," disse
Mr. Brooke, surpreso, sentiu por sua vez que as mulheres eram um
tema inesgotável de estudo, já que nem ele mesmo, em sua idade, acha-
52 GEoRcE ELtoT
pressa. Cada ano há de pesar mais um pouco sobre ele, não é? Como
você sabe, ele já passa dos quarenta e cinco. Eu diria que é bem uns
vinte e sete anos mais velho do que você. Sem dúvida, - se você gosta
situação financeira dele é boa - ele tem uma bela propriedade indepen-
dente da Igreja - tem uma boa renda. Só que não é mais jovem e, não
convém que eu o oculte de você, querida, penso que a saúde dele não é
de julgamento."
Mr. Brooke repetiu seu controlado "f1h? - Eu pensava que você
tivesse mais opiniões próprias do que a maioria das moças. Pensava que
você prezasse mais suas próprias opiniões - que tivesse mais apreço
taria de ter boas razões para tê-las, e um homem sábio poderia ajudar-
"É verdade. Você não poderia colocar melhor a questão - não po-
nesta ocasíão. "E1 vida não está vazada num molde - não se traça por
Iinhas, nem por normas, e esse tipo de coisa. Eu mesmo nunca me casei,
e isto será até melhor para você e seu futuro marido. O fato é que eu
nunca amei ninguém bastante para me pôr, por sua causa, neste laço.
"Sei que devo contar com desafos, meu tio. O casamento impõe
"Bem, você não é dada à ostentação, não liga para bailes, jantares,
uma casa suntuosa, esse tipo de coisa. Vejo que o modo de vida de
Casaubon talvez combine mais com você que o de Chettam. Decida pois
fui logo dizendo isto; pois nunca se sabe como as coisas vão acabar. Você
intelectual - que pode até vir a ser bispo - esse tipo de coisa - talve
MIDDLEMARCH 53
combine mais com você. Chettam é um bom sujeito, tem um bom cora-
ção, como você sabe; mas não é muito chegado às idéias. Eu, quando
tinha a idade dele, era. Agora a vista de Casaubon, não sei não. Acho
"Eu ficaria ainda mais feliz, tio, quanto mais razões houvesse para
"Você já tem sua decisão tomada, pelo que estou vendo. Bem, que-
rida, o fato é que eu tenho uma carta para você aqui no bolso." Mr.
Quando Dorothea o deixou, ele refletiu que sem dúvida fora muito
sensato para com os jovens, - nenhum tio, por mais que tivesse viajado
Brooke se sentisse incapaz diante dele, não podia ser menos complicado
CAPITULO V
belíeve the truth of thís, look upon great Tostatus and Tho-
MIDDLEMARCH
(vinculada, devo dizer, a uma atividade das afeições que nem mes-
nem com estes encantos do sexo dos quais se pode dizer que ao
que me oprime.
que venha a ser ao depois, não tem páginas passadas onde, caso as
55
56 GEORGE ELIOT
eventualmente causar grande desgosto ou vergonha. Aguardo a
ria à sabedoria (se ela fosse possível) distrair com um labor mais
EDWARD CASAUBON.
enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar. Rezar não podia; sob o
para o jantar.
uma declaração de amor? Toda sua alma foi possuída pelo fato de que
uma vida mais ampla estava a se abrir diante dela: era uma neófita a
ponto de ingressar num grau mais alto de iniciação. Teria de ter espaço
hábitos do mundo.
jovem ao ser escolhida pelo homem que sua própria admiração já esco-
que lutava por uma vida ideal; a radiância de sua meninice transfigurada
incidiu sobre o primeiro objeto que apareceu no mesmo nível que ela. O
ímpeto com o qual a inclinação se tornou resolução foi aumentado pelos
Depois do jantar, quando Celia estava tocando uma "ária com varia-
educação de uma moça, Dorothea subiu para o seu quarto a fim de res-
ponder a carta de Mr. Casaubon. Por que adiaria ela a resposta? Rees-
creveu-a três vezes, não porque quisesse mudar alguma palavra, mas
MIDDLEMARCH
57
a escrever de um jeito em que cada letra era distinguível sem dar mar-
ção caprichada para poupar os olhos de Mr. Casaubon. Por três vezes
escreveu:
ter amor, e por julgar-me digna de ser sua esposa. Não posso con-
DOROTHEA BROOKE.
para entregar-lhe a carta, que ele poderia enviar pela manhâ. Mr. Brooke
`Ah! - então você o aceitou? Quer dizer que Chettam não tem mais
"Não há nada de que eu goste nele," disse Dorothea com certa im-
petuosidade.
"Mas você quer um intelectual, e esse tipo de coisa, não é? Bem, isto
tem um pouco a ver com nossa família. Eu mesmo tive isto - este amor
- que me levou muito longe; se bem que esse tipo de coisa não costu-
58 GEORGE EL fOT
como os rios na Grécia, sabe, - para aparecer nos filhos. Filhos brilhan-
tes, mães brilhantes. Certa época, fui a fundo nisto. Contudo, minha
querida, eu sempre disse que todo mundo deve fazer como bem quer
nestas coisas, mas até um certo ponto. Eu jamais poderia, como seu
boa a posição dele. Temo apenas que Chettam saia magoado, e Mrs.
Nesta noite, claro está, Celia nada soube do que havia ocorrido.
que elas voltaram para casa, ao descontrole que a dominara quanto a Sir
la ainda mais: tendo dito o que queria dizer, Celia não se dispunha a
retornar a assuntos desagradáveis. Quando criança, era de sua natureza
não brigar com ninguém - apenas observar com espanto que outros
brigavam com ela, ficando então parecidos com perus briguentos; quan-
seu hábito achar algo de errado nas palavras da irmã, embora Celia se
eram, e nada mais: nunca pôs nem poderia pôr em palavras coisas saídas
de sua própria cabeça. Mas o melhor em Dodo era ela não ficar zangada
por muito tempo com a irmã. Agora, se bem quase não se tivessem fala-
outra ocupação que não suas meditações, disse, com a entonação musi-
mente comprimia seus lábios nas bochechas da irmã, uma de cada vez
"Não fique acordada, Dodo, você hoje está tão pálida: vá para ;
que patético.
ardor.
"Bem, melhor assim," pensou Celia. "Mas que estranho como Dod
MIDDLEMARCH
59
No dia seguinte, hora do almoço, o mordomo, entregando algo a Mr.
"
"Casaubon, querida: ele virá para o jantar; nem esperou para escrever
peculiar efeito da notícia sobre Dorothea. Foi como se alguma coisa se- ;
vez veio à cabeça de Celia que entre Mr Casaubon e sua irmã poderia
haver algo mais que, de parte dele, o deleite em falar de livros e, de parte
dela, o deleite em ouvir Até então ela havia classificado a admiração por
sava de ouvir o velho Monsieur Liret, quando o frio nos pés de Celia era
Mas Celia agora estava mesmo espantada com a surpresa que havia
interesse. Não que agora ela já imaginasse Mr. Casaubon como um pre-
bem que ela não aceitasse Sir James Chettam, mas que idéia se casar
assim foram ambas para o seu quarto de estar; e lá Celia observou que ,
60 GEORGE ELIO
nhum assunto.
ele estivera em casa delas pela última vez: não parecia justo deixá-la n
vou, nesta timidez, certa fraqueza sua: era-lhe sempre odioso dar-se
te momento ela estava procurando a mais alta ajuda possível para pode
"Realmente, Dodo, será que você não ouve quando ele raspa a co
lher? E ele sempre pisca antes de falar Não sei se Locke também pisca
va, mas estou certa de que lamento a sorte dos que se sentavam em fac
"Celia," disse Dorothea com enfática gravidade, "por favor, não faç
"Por que não? São pura verdade," retrucou Celia, que tinha su
pouco de medo.
"Pois então penso que as mentes mais comuns devem ser bem útei
Penso que é uma pena que a mâe de Mr. Casaubon não tivesse un
Alarmada por dentro, Celia estava pronta para correr, agora que a
MIDDLEMARCH 61
Nunca dantes Celia devia ter ficado tão pálida. Por mais um pouco o
boneco de papel que ela estava fazendo sairia com uma perna quebrada,
não fosse seu habitual cuidado com tudo o que tinha em mãos. Largou a
"Oh, Dodo, espero que você seja feliz." Seu carinho de irmã, nesta
sabe?"
Celia soluçante. Nunca teria imaginado que pudesse sentir-se num esta-
"Não tem problema, Kitty, não se torture. Não devemos admirar nun-
bém; inclino-me a falar com muito exagero dos que não me agradam."
pelo espanto refreado de Celia, quer por suas leves críticas. Naturalmen-
Dorothea não sabia de ninguém que pensasse como ela sobre a vida e
Todavia, antes de findar-se a noite ela estava muito feliz. Num tête-à-
tête de uma hora com Mr. Casaubon, conversou com ele com uma liber-
sua alegria à idéia de lhe ser devotada e de aprender como melhor com-
este irreprimido ardor pueril: e não teve surpresa (que homem enamora-
apertando nas suas a mão dela, "nunca imaginei que uma felicidade des-
nar que eu fosse alguma vez encontrar uma pessoa e uma alma tão rica
em prendas tão várias que pudesse tornar desejável o casamento. Sua
pessoa tem todas - não, mais que todas - as qualidades que sempre
62 GEORGE ELIO
solitá-
em seu peito."
um
cluir que não havia paixão por trás desses sonetos a Delia", que no
expande-se pelo que lhe pode ser enxertado, e até sua má gramática É
sublime.
cândida da amada e sentindo que o céu lhe tinha concedido uma bên
tas, quer para efeitos imediatos, quer para fins remotos. Era isto o que
tornava Dorothea tão pueril e, segundo alguns juízes, tão tola, malgrad
MIDDLEMARCH
63
laçarotes dos sapatos. Ela não estava de modo algum ensinando Mr.
Casaubon a se perguntar se ele era realmente bom para ela, mas ape -
boa para Mr. Casaubon. Antes de ele ir-se embora, no dia seguinte, foi
não? A casa de Mr. Casaubon estava pronta. Não era um mero presbi-
tério, mas uma imponente mansão, com muita terra agregada. O pres-
bitério era habitado pelo coadjutor, que fazia todo o serviço, a não ser
CAPÍTULO VI
to tivesse sido mútuo, pois Mr. Casaubon ficou olhando para a frentc
"E então, Mrs. Fitchett, suas galinhas agora como estão botando?
claramente cinzelada.
"Botando tão muito bem, madame, só que elas deram pra cumê c
MIDDLEMARCH 65
deria ao par? Galinhas de mau caráter, se o preço for alto, ninguém vai
querer comer."
Apareça lá para vê-los. São de uma raça que vocês não têm no pombal."
"Bem, madame, Mestre Fitchett então é que vai ver esses pombos,
depois do trabalho. Ele é doido por uma novidade no assunto: pra agra-
dar a senhora."
"Agradar a mim! Pois vai ser a melhor barganha que ele já fez na
jetivo "Tá certo, tá certo!" - do qual se poderia inferir que aquela re-
tivesse a língua menos solta e não fosse assim tão sovina. Com efeito, os
conversas sobre o que Mrs. Cadwallader tinha dito e feito: uma dama da
maior camaradagem, mas com um modo de falar que logo dava a saber
quem ela era. Uma dama deste feitio conferia urbanidade tanto à posi-
faltava pagar Outra personagem muito mais exemplar, com uma infusão
de dignidade azeda, teria sido menos útil à compreensão local dos Trinta
"Vejo que o nosso Cícero de Lowick esteve aqui," disse ela, sentan-
do-se à vontade, jogando para trás seu agasalho e pondo à mostra uma
figura magra, mas bem feita. "Suspeito que o senhor e ele estejam tra-
66 GFoRcE EI.roT
Vamos, confesse!"
falamos de política. Ele não se interessa muito pelo lado filantrópico das
"Meu amigo, sei até bem demais! Eu tenho ouvido falar de suas prá-
ticas. Quem foi que vendeu seu pedacinho de terra para os apistas em
"Muito bem. Eu estava preparado para ser perseguido por não per-
"Lá vai o senhor! Esta é uma boa lengalenga que já tem pronta para as
eleições. Mas não deixe que eles o aliciem para as eleições, meu caro Mr.
há desculpa senão estar do lado certo, e assim o senhor pode pedir uma
bênção até para a barulheira que faz. Mas o senhor há de perder-se, devo
"É o que espero, sabe," disse Mr. Brooke, não querendo demonstrar
quão pouco lhe agradava esta encenação profética, - "o que eu espero
Pode ir junto com eles até um certo ponto - só até um certo ponto,
"Onde fica este seu certo ponto? Não. Eu gostaria que me dissessem
como um homem pode ter um certo ponto qualquer quando ele não
pertence a partido algum - quando leva uma vida errante, sem nunca
Grã-lirecanha
a revolta de Guy Faux (ou Fawkes), em 1605, contra as leis de repressão aos
católicos.
MIDDLEMARCH 67
permitir que os amigos saibam seu endereço. `Ninguém sabe onde vai
ficar Brooke - não se pode contar com Brooke"- isto é o que andam
dizendo a seu respeito, para ser bem franca. Pois bem, torne-se respeitá-
- Mr. Brooke refletiu a tempo que ele não travara conhecimento pes-
soal com o poeta augustano - "eu ia dizer o pobre Stoddart, sabe. Foi
ele quem disse isto. Vocês mulheres estão sempre contra uma atitude
independente - enquanto um homem só se preocupa com a verdade,
preciso que alguém assuma a lïnha independente; se não for eu, quem
será?"
"Quem? Bem, qualquer arrivista que não tenha berço nem posição.
para casar sua sobrinha, que é tão boa como se fosse uma filha, com um
James: seria um golpe muito duro para ele se o senhor mudasse de posi-
Mr. Brooke outra vez estremeceu por dentro, pois ele havia pensa-
dizer: "Briga com Mrs. Cadwallader;" mas para onde irá um grão-senhor
do campo, se brigar com seus mais antigos vizinhos? Quem poderia sa-
mento dizer que não há hipótese de ele se casar com minha sobrinha "
disse Mr. Brooke, aliviado de ver pela janela que Celia vinha chegando.
sempre
e inconstante").
68
GEORGE ELIOT
"Por que não?" disse Mrs. Cadwallader, com uma nota aguda de
surpresa. "Há nem bem duas semanas o senhor e eu ainda falávamos
disto."
sabe? Não tive nada a ver com isto. De minha parte eu teria preferido
Chettam; até diria que Chettam era o homem que qualquer moça esco-
lheria. Mas não há como regular essas coisas. As mulheres são capricho-
,.
sas, não é
`:Alto lá! Com quem o senhor quer dizer que vai deixá-la se casar
p "
lar nisso, preciso ir falar com o Wright sobre os cavalos, e mais apressa-
"De que se trata, minha menina? - que história é essa de sua irmã
do, como de costume, à mais simples declaração de fato, e feliz por ter
"Oh, Mrs. Cadwallader, não penso que seja boa coisa casar com um
homem que tem uma grande alma."
"Pois então fique alerta, pois agora já conhece a cara de um; quando
"Não; um desses numa família já basta. Mas então sua irmã nunca
se interessou por Sir James Chettam? O que você diria dele, para set
cunhado?"
ue " acrescentou Celia com um ligeiro rubor (ela às vezes parecia rubo
q , , "
rizar-se até ao respirar), "não creio que ele servisse para Dorothea.
MIDDLEMARCH
69
portância ao que alguém diz. Sir James nunca pareceu agradar a ela."
"Mas deve tê-lo encorajado, estou certa. Isto não é muito bonito.
"Não se zangue, por favor, com Dodo; ela não vê as coisas direito.
vezes, foi até rude; mas ele é tão bom que nunca notou nada."
com Sir James e participar-lhe isto. A essa altura ele já terá trazido a mâe
dele de volta, e me cabe ir lá. Seu tio jamais irá contar-lhe. Estamos todos
da a obter meu carvão por estratagemas, a orar aos céus por meu óleo de
lia sejam três sables de siba e uma figura rampante. Aliás, querida, antes
que eu me vá, preciso dar uma palavrinha com Mrs. Carter sobre culinária.
Quero mandar minha moça da cozinha para aprender com ela. Como você
sabe, gente pobre como nós, e com quatro filhos, não se pode dar ao luxo
de uma boa cozinheira. Não tenho dúvida de que Mrs. Carter me fará este
Carter e se deslocado para Freshitt Hall, que não era distante de seu
Tipton um coadjutor
mo, de chicote na mão. Lady Chettam ainda não havia voltado, mas a
alarme.
70 GEORGE ELIOT
sensos de praxe."
"Bem," retomou Mrs. Cadwallader, com uma nota ainda mais agu-
de capital para se ter nas famílias; é o lado seguro por onde a loucura
eu sempre lhe disse que Miss Brooke seria um ótimo partido. Eu sabia
"Que está querendo dizer, Mrs. Cadwallader?" disse Sir James. Seu
medo de que Miss Brooke pudesse ter fugido para ingressar na Irmanda-
parou por alguns momentos, observando na face de seu amigo uma ex-
pressão muito ofendida que ele tentava disfarçar com um sorriso nervo-
so, chicoteando enquanto isso sua bota; mas ela logo acrescentou: "Pro-
metida a Casaubon."
Sir James deixou cair seu chicote e se abaixou para apanhá-lo. Nun-
ca dantes sua face tenha talvez concentrado tanto desgosto junto como
"Meu Deus! Que horror! Ele é pior do que uma múmia!" (Há que se
entender tal ponto de vista como o de um rival ardente e desapontado.)
"Diz ela que ele tem uma grande alma. - Pois sim, uma grande
MIDDLEMARCH
71
lado até ela atingir a maioridade. Ela então poderia pensar melhor Para
,.
que ele desanque Casaubon. É capaz de falar bem até do bispo, por mais
que eu lhe diga que isto não é natural num clérigo beneficiado: o que se
Mas vamos lá, anime-se! Foi bom livrar-se de Miss Brooke, moça que
poderia exigir-lhe que à luz do dia visse estrelas. Muito aqui entre nós, a
pequena Celia vale duas dela, e é bem provável que, feitas as contas,
que acho que seus amigos deveriam usar da influência que têm sobre
ela."
"Bem, Humphrey ainda não está sabendo. Mas, quando eu for dizer
a ele, pode apostar que ele vai replicar: `Mas por que não? Casaubon é
e conquistou a outra. Pelo que vejo, ela o admira tanto, ou quase, quan-
to um homem espera ser admirado. Se fosse outro que dissesse isto, não
com o casamento de Miss Brooke; e por que, quando um partido que lhe
72 GEORGE EI.fO"1
do sem dúvida que pouco nós podemos saber sobre as mulheres, quan
pois enquanto sob uma lente fraca pode parecer que nós vemos uma
uma lente mais forte nos revela certos filamentos irrisórios que se fa
zem de vórtices para essas vítimas, enquanto o engolidor aguarda pas
mais moços caíram na mais completa ruína após casarem-se com sua
as relações de escândalo - tais eram tópicos dos quais ela retinha deta
de epigramas com que ela mesma se deliciava ainda mais porque acred;
Da antiga Grécia: Bias, Quílon, Cleóbulo, Periandro, Pítaco, Sólon e Tales.
MIDDLEMARCH 73
dinheiro que eles tinham feito vinha de preços altos n varejo, e Mrs.
Cadwallader detestava os preços altos para tudo o que não fosse pago
ouvidos. Um lugar onde proliferavam tais monstros pouco mais era que
nada a ser mais dura com Mrs. Cadwallader perguntar pela abrangência
de suas opiniões tão belas, saiba sem nenhuma dúvida que elas propicia-
com a dela.
Com uma tal cabeça, ativa como o fósforo, capaz de reduzir tudo O
que tinha ao redor à forma que melhor lhe convinha, como poderia
gava um grande tolo. Desde a chegada das moças a Tipton ela pre-
que ele não fosse ocorrer, depois de ela o ter preconcebido, causava-
agora que sua opinião sobre esta moça havia sido contaminada por
ra a crer.
para seu marido, "eu desisto dela: havia uma possibilidade, caso se ca-
sasse com Sir James, de ela tornar-se uma mulher sensata e saudável.
Ele nunca iria contrariá-la, e uma mulher, quando não é contrariada, não
Sir James e, tomada sua decisão de que o melhor seria a mais jovem
Miss Brooke, não poderia haver cartada mais habilidosa para o sucesso
74 GEORGE ELI(
de seu plano que a alusão por ela feita ao baronete de que ele tinl
deixado uma impressão no coração de Celia. Pois ele não era um dess
Não tinha sonetos a escrever, e era impossível que lhe fosse agr
dável não ser um objeto de preferência para a mulher que ele hav
olhava sua futura esposa como uma presa, valiosa sobretudo pel;
excitações da caça. Nem era ele tão bem enfronhado assim nos cost
mes das raças primitivas para sentir que um combate ideal por ela, c
Assim aconteceu que, após ter cavalgado bem rápido por uma me
hora em direção contrária à de Tipton Grange, Sir James diminuiu
passo e por fim desembocou num caminho que o levaria de volta por u
podia deixar de se alegrar por não ter feito o pedido e nunca assim
sido rejeitado; a simples polidez entre amigos requeria que ele fo
visitar Dorothea para falar das casas, e agora felizmente Mrs. Cadwallac
cessiva falta de jeito. Isto porém não lhe agradava: abrir mão de Dorotl-
No original: "Smile like the knot of cowsfips on the cliff, / Not to be come
MIDDLEMARCH
75
de que Celia estaria lá, e de que agora lhe convinha dar mais atenção a
CAPÍTULO VII
"Piacer e popone
Vuol la sua stagione."
- Italian Proverb.
- Provérbio italiano.
fê-lo divisar com ainda maior ansiedade o feliz desfecho da corte que lhe
córrego incrivelmente raso ele era. Assim como nas regiões áridas o ba
tou Mr. Casaubon que um borrifo era a mais profunda abordagem para c
mergulho que lhe permitiria seu rio; e concluiu que os poetas tinhan
vou com prazer que Miss Brooke demonstrava uma afeição ardente
MIDDLEMARCH 77
moderação do seu abandono; mas não foi capaz de discernir esta defici-
mais; assim pois não havia, com clareza, uma razão à qual recorrer,
"Eu não podería preparar-me agora para ser mais útil depois?" dis-
se-lhe Dorothea certa manhã, logo no começo do namoro; "não poderia
aprender a ler latim e grego para você em voz alta, como as filhas de
"Temo que seja muito enfadonho para você," disse Mr. Casaubon
"Sim; mas por um lado eram moças vazias, porque se não se orgu-
lhariam da leitura a um tal pai; por outro, poderiam ter feito um estudo
à parte e aprender a entender o que elas liam, que neste caso seria inte-
"Espero que seja tudo o que uma jovem dama encantadora é capaz
ousaria pedir sem mais nem menos a Mr. Casaubon que lhe ensinasse as
lfnguas, antes de mais nada porque temia ser cansativa, e não útil; mas
não era simplesmente por devoção a seu futuro marido que ela queria
raízes - para chegar ao cerne das coisas e julgar com propriedade sobre
renúncia no qual se sentiria satisfeíta com ter um marido sábio; ela mes-
ma queria, pobre criança, também ser sábia. Com toda sua propalada
inteligência, Miss Brooke certamente era muito naïve. Celia, cuja mente
nunca fora instruída com muito alarde, via o vazio das pretensões alheias
com muito maís rapídez. Ter de modo geral somente um escasso sentir
78 GEORGE EI.lO"
ocasião específica.
de uma mulher.
respeito com seu vigor usual, um dia em que entrou na biblioteca nun
de poupar-me os olhos."
"Ah, bem, sem entender, sabe - isto pode não ser tão mau assim
las até um certo ponto, deveriam sim; mas de um jeito leve, sabe? Um
ouvi quase tudo - fuí á ópera em Víena: Gluck, Mozart, tudo do gênerc
trevas. Ela sorriu, olhou com uma expressão de gratidão para o noiv
Se ele sempre lhe pedisse para tocar "A Última Rosa do Verão", teria c
"Ah, nisto você está atrás de Celia, minha querida. Celia anda toca
MIDDLEMARCH
79
Casaubon não gosta, você está certa. Mas é uma pena que não se queira
Casaubon. "Uma canção muito repetida tem o efeito ridículo de fazer com
"É verdade; mas deste gênero de música bem que eu gostaria," disse
Dorothea. "Quando estávamos vindo de Lausanne para casa, meu tio nos
Casaubon, ela estará em suas mãos: convém que ensine minha sobrinha
Terminou com um sorriso, não querendo ferir sua sobrinha, mas real-
mente pensando que talvez fosse melhor para ela casar-se cedo com um
daria ouvidos.
incrível que ela tenha gostado dele. Reconheço porém que é um bom
chega a bispo. O panfleto dele sobre a Questão Católica foi mesmo muito
vando que Mr. Brooke, nesta ocasião, jamais pensou no discurso radical
nidade ideal para assinalar que seus heróis não anteviam a história do
mundo, nem mesmo suas próprias ações? - Por exemplo, esse Henrique
um rei católico; nem esse Alfredo o Grande, quando media suas noites
rações futuras mediriam com relógios seus ociosos dias. Eis aqui uma
mina de verdades que, não importa o vigor com que possa ser explora-
80
GEORGE ELIOT
Mas sobre Mr. Brooke faço ainda outra observação, talvez menos
comprovada por precedentes, - qual seja, a de que poderia não ter feito
grande diferença se ele houvesse antevisto seu discurso. Pensar com pra-
zer na hipótese de o marido de sua sobrinha ter uma grande renda ecle-
siástica era uma coisa - fazer um discurso liberal era outra; e só uma
mente muito estreita não é capaz de olhar um mesmo assunto sob vá-
CAPÍTULO VIII
mas, bom como era, deve-se reconhecer que este constrangimento era
menor do que teria sido se porventura ele tomasse o rival por um parti-
por Mr. Casaubon; alarmava-o apenas que Dorothea estivesse sob uma
deixasse comover por uma perspectiva de casamento que lhe era adequa-
Casaubon. No dia em que os viu juntos pela primeira vez, e à luz do que
82 GEORGE ELIC
guma coisa precisava ser feita, e talvez ainda agora, ao menos para adu
em seu torno, e chamou o baronete para que fosse até lá. A amizac
entre os dois era maior que entre quaisquer outros clérigos e propriet;
um doce sorriso; muito simples e rude em seu exterior, mas dotado de;
apertada. "Pena que não lhe encontrei antes. Há algum problema? Voc
"É apenas essa conduta do Brooke. Acho que alguém deveria ir fala
com ele."
seguindo com o conserto das carretilhas de pesca que ele tinha acabad
de pôr no torno. "Custo a pensar que ele queira mesmo. Mas que mal 1
"Oh, não é disto que estou falando," disse Sir James, que, após po
e a examinar a sola de sua bota com uma cara muito zangada. "Est
"Ela ainda é muito nova para saber do que gosta. É mister que s
tutor interfira. Mister que ele não perrnita que a coísa seja feita ass
MIDDLEMARCH 83
para este caso: e com um coração como o seu! Pense com seriedade no
assunto."
"Não estou brincando; estou tão sério quanto possível," disse o rei-
tor, com uma provocante risadinha para dentro. "Você é mau como Elinor
que seus próprios amigos tinham péssima opinião a meu respeito, quan-
"Mas olhe bem para Casaubon," disse Sir James, indignado. "Deve
andar pelos cinqüenta, e não creio que alguma vez tenha sido mais que
Elinor costumava dizer às irmãs dela que se casou comigo devido à mi-
prudência."
"Você? era muito fácil cue uma mulher lhe amasse. Mas no caso não
lhe desagradava.
"Por quê? que sabe que deponha contra ele?" disse o reitor, deixan-
de atenção.
Sir James fez uma pausa. Geralmente não lhe era fácil dar suas
terem ouvido, já que ele somente sentia o que era razoável. Mas por
fim disse:
"Acho que sim. Não é do tipo meloso, mas o cerne é de boa qualida-
de, pode estar certo disto. Ele é muito bom com seus parentes pobres:
Casaubon não teria tido metade do dinheiro que tem. Acredito que ele
foi pessoalmente à procura de seus primos para ver o que podia fazer
por eles. Nem todos os homens reagiriam assim tão bem, com seu pecú-
lio posto à prova. você sim, Chettam; mas nem todos os homens."
"Não sei não," disse Sir James, ruborizando. "Não me garanto tan-
to." E, após uma breve pausa, acrescentou: "Foi uma boa ação, esta do
84 GEORGE ELIOT
rnulher pode não ser feliz com ele. E penso que, quando se trata de uma
moça tão jovem, como é o caso de Miss Brooke, seus amigos devam
interferir um pouco para impedi-la de fazer alguma tolice. Você ri, por-
Mas, por minha honra, não se trata disto. Eu sentiria o mesmo se fosse
irmão ou tio de Miss Brooke."
; "Diria que o casamento não deveria ser decidido antes de ela chegar
Espero que você tenha visto as coisas como eu - pois eu gostaria que
Sir James levantou-se quando ainda acabava sua frase, pois viu que
mais nova, de uns cinco anos de idade, que imediatamente correu para o
"Ouvi o que você estava dizendo," disse a esposa. "Mas não vai
"Bem, quanto a isto há alguma coisa," disse o reitor, com seu riso
"Mas, a sério," disse Sir James, cuja irritação ainda não havia passa-
do, "a senhora não acha que o reitor poderia estar fazendo algum bem,
se falasse?"
"Oh, eu já lhe disse de antemão o que ele iria dizer," respondeu Mrs.
James.
"Mas, meu caro Chettam, por que deveria eu usar minha influência
para prejudicar Casaubon, a não ser que estivesse muito mais seguro do
que estou de que estaria agindo para favorecer Miss Brooke? Não sei de
MIDDLEMARCH 85
Questão Católïca, é verdade, foi inesperada; mas comigo ele tem sido
sempre correto, e não vejo por que devesse eu ir estragar seu brïnquedo.
Pelo que eu possa prever, Miss Brooke talvez seja mais feliz com ele do
riria jantar encostado numa cerca do que a sós com Casaubon. Vocês
"E o que isto tem a ver com o casamento de Miss Brooke com ele?
"Ele não tem nenhum vestígio de bom sangue vermelho," disse Sir
James.
"Não mesmo. Alguém pôs uma gota sob uma lente de aumento, e só
"Por que, ao invés de se casar, ele não publica seu livro?" disse Sir
se esvai de todo com elas. Dizem que, quando ainda era um garotinho,
fez um resumo de `Hop o"my Thumb,"3 e desde então vive fazendo resu-
mos. Ufa! E este é o homem com o qual Humphrey insiste em dizer que
cal que andou arengando por Middemarch disse que o letrado Ca-
minha palavra que não vejo qual de nós é melhor ou pior que o ou-
tro." O reitor concluiu pelo seu riso em silêncio. Via sempre a inten-
"Um ogre.
86 GEORGE E I.IOT
mento de Miss Brooke; e Sir James sentiu com certa tristeza que ela ia
ter perfeita liberdade parajulgar errado. Era um sinal de sua boa vonta-
sua própria dignidade, era a melhor opção: mas o orgulho apenas nos
ajuda a ser generosos, ele nunca nos faz assim, como a vaidade nunca
nos confere brilho. A essa altura ela estava bem consciente da posição
irritação para com ele, que pouco a pouco ia descobrindo o deleite exis-
um homem que não têm paixão para esconder, nem para confessar.
CAPÍTULO IX
ro. Prometida, a noiva deve ir ver sua futura casa e ordenar as eventuais
mos nosso próprio caminho pode suscitar certo espanto de que ele nos
agrade.
88 GEORGE ELIO7
por um velho e rijo carvalho, e umã alameda de tílias dando para a fa-
chada sudoeste, com uma cerca arriada entre o parque e a área de la.zer,
lho e pastos que pareciam fundir-se muitas vezes num lago sob o pôr do
sol. Este era o lado feliz da casa, pois o sul e o leste tinham um aspecto
meio melancólico até nas manhãs mais claras. Os espaços eram aqui
que precisaria ter crianças, muitas flores, janelas abertas e pequenas vis-
tas de coisas brilhantes para fazê-la parecer um lar alegre. Neste final já
"Deus meu!" disse Celia consigo rnesma. "Estou certa de que Freshitt
Hall teria sido mais agradável que isto." Pensou nas pedras de cantaria
,
que eram brancas, nos pilares do pórtico, no terraço cheio de flores e em
Sir James sorrindo acima delas como um príncipe a sair de seu encanta-
das pétalas de mais delicado odor - Sir James, que conversava de modo
tão agradável, e sempre sobre coisas em que havia bom senso, não sobre
os
Dorothea, pelo contrário, achou que a casa e seus espaços eram tudo
velho vaso por baixo, não lhe davam a menor opressão, e ela os julgav
muito tempo trouxera para casa de suas viagens - e que estavam prov
velmente entre as manias que ele pegou certa vez. Para a pobre Dorothe
MIDDLEMARCH 89
ções puritanas: nunca lhe haviam ensinado como ela poderia pô-los nal-
Dorothea andou pela casa com uma deleitosa emoção. Tudo lhe pa-
recia santificado: ali seria o lar do qual ela seria a esposa, e era com
olhos cheios de confiança que olhava para Mr. Casaubon, quando este
bia agradecida todas as deferências a seu gosto, mas nada via que mu-
dar. Nem via defeitos nos esforços de cortesia exata e solicitude formal
que ele fazia. Com perfeições não manifestadas ela preenchia todos os
nias mais altas. E há muitos claros que ficam nas semanas de namoro,
obséquio, que quarto pretende ter como seu boudoir," disse Mr. Casaubon,
"É muita bondade sua pensar nisto," disse Dorothea, "mas garanto-
lhe que prefiro ter essas questões já resolvidas para mim. Ficarei muito
feliz em ter tudo assim como está -justamente como você se acostu-
mou a ter, ou como há de preferir que seja. Não tenho motivos para
"Oh, Dodo," disse Celia, "por que não fica com aquele quarto de
das em grupo. Uma tapeçaria por cima de uma porta também mostrava
"É mesmo," disse Mr. Brooke, "com umas forrações novas, uns so-
fás, esse tipo de coisa, daria um ótimo quarto. Agora está um pouco
pelado."
,., .
90 GEORGE ELIOT
"Não, titio," disse Dorothea com ardor. "Nem fale, por favor, em
Quero que as coisas fiquem assim como estão. E você gosta delas como
estão, não é?" acrescentou, olhando para Mr. Casaubon. "Talvez este
" "E esta é sua mãe," disse Dorothea, que se virara para examinar o
"A irmã mais velha dela. Como você e sua irmã, foram os únicos
! filhos tidos pelos pais, que são estes que estão por cima."
"A írmã é boníta," disse Celia, dando a entender que era de opinião
colares.
! empoados caindo para trás. No todo, parece-me mais peculiar que boni-
to. Nem mesmo há uma parecença de família entre ela e a sua mãe."
t ..
perguntar ali mesmo por alguma informação que Mr. Casaubon se absti-
"Ah, e você gostaria de ver a igreja, sabe?" disse Mr. Brooke. "É uma
você vem a calhar, Dorothea; porque as casas dos pobres são como uns
"Sim, por favor," disse Dorothea, olhando para Mr. Casaubon, "eu gos-
taria de ver tudo isto." Nada de mais explícito já conseguira extrair dele
sobre as casas dos pobres de Lowick á não ser que elas "não eram más."
mente por entre moitas de capim e grupos de árvores, sendo este o ca
minho mais curto para a igreja, como disse Mr. Casaubon. No portãozinhe
MIDDLEMARCH
91
que dava para o pátio da igreja houve uma pausa, enquanto Casaubon ia
ao presbitério, que era quase ao lado, apanhar uma chave. Celia, que se
maliciosa:
um desses caminhos."
"Pode bem ser um jovem jardineiro - por que não?" disse Mr.
Brooke. "Eu mesmo disse ao Casaubon que ele devia mudar de jardi-
neiro."
menos por Celia. Interiormente ela se negava a crer que aqueles ca-
Mr. Tucker, que era exatamente tão velho e desenxabido quanto ela
homem que iria para o céu (pois Celia não queria abrir mão de seus
Algo desolada, Celia pensou no tempo que como dama de honor ela
princípios.
92 GEORGE ELIO"
casa, dedicavam-se aos trabalhos em palha: aqui não havia vultos, nãoc
panela, como o bom rei de França desejava que seu povo todo tivesse
í "Penso que este desejo dele era bem reles," disse Dorothea indigna
da. "Serão os reis tão monstruosos que um desejo como este deva se
"Se o que ele desejava para o povo eram galinhas magras," diss
Celia, "não seria nada bom. Mas talvez o que quisesse para todos fos
recuou um pouco, pois não podia suportar que Mr. Casaubon piscass
por não haver em Lowick nada para ela fazer; e nos poucos mínuto;
ela teria preferido, de que sua casa se achasse numa paróquia con
,;
maior parcela da miséria do mundo, para que aí ela pudesse ter obriga
convívio.
não lhe permitiria almoçar no solar; e, nisto que eles iam reingressanc
, :,
evangélicos e metodi
i
MIDDLEMARCH
93
nhecido tão poucos modos de dar utilidade à minha vida! Mas é claro
"Está bem. Agora, se não estiver cansada, vamos voltar para casa
p ,
co, desenhando a velha árvore. Mr. Brooke, que andava à frente com
cabelo caindo para trás; a boca e o queixo eram porém de aspecto mais
tação à futura prima e seus parentes lhe agradasse; assumiu, com efeito
um amuado ar de descontentamento.
bém fiz algo do gênero, sabe. Mas olhem só; eis aqui o que eu cc
94 GEORGE ELfOT
I.
i;
t.
"Não tenho como julgar tais coisas," disse Dorothea, não com frie-
serem tão admiradas. São uma linguagem que eu não entendo. Suponho
que haja alguma relação entre natureza e pintura que eu sou ignorante
demais para sentir-assim como o senhor entende uma frase grega que
para mim nada quer dizer." Dorothea ergueu os olhos para Mr. Casau bon
que inclinou a cabeça para ela, enquanto Mr. Brooke, sorrindo, dízia
despreocupadamente:
"Meu Deus, como as pessoas são diferentes! Mas então você rece-
beu uma instrução mal orientada, sabe - pois isto é justamente o ideal
sa. Espero que venha à minha casa, e eu lhe mostrarei o que fiz no
havia concluído que a moça devia ser bem desagradável, posto que se ia
confirmaria esta opinião, mesmo que ele tivesse acreditado. Com eFeito,
quando a deu. Porém que voz! Era como a voz de uma alma que tivesse
de Mr. Brooke.
nos vocé, Casaubon; você se apega aos seus estudos; mas eu, minh
melhores idéias ficam soterradas - fora de uso, sabe. Vocês, due sã
Esta palavra italiana, que quer dizer "macieza, delicadeza," esteve em voga na
crítica de arte
suavídade.
MIDDLEMARCH 95
rém vamos passar à casa, para que as moças não se cansem de estar
sempre de pé."
aumentando enquanto ele desenhava, até que explodiu num riso alto,
definição de Mr. Brooke sobre o lugar que poderia ter atingido, não fos-
escárnio.
Brooke a caminho.
novo, mas sem uma intenção definida, a não ser os vagos objetivos do
que chama de cultura, em preparo para o quê nem ele sabe. Tem declina-
"Suponho que não tenha outros meios senão os que você lhe fornece."
um Mungo Park,"" disse Mr. Brooke. "Eu mesmo já fui um pouco assim
certa vez."
"Não, ele não tem o menor pendor para explorações, nem para o
África.
GEORGE ELIOT
96
lenta. Ele está tão longe de ter algum desejo de um conhecimento mais
"Bem, não deixa de ser interessante," disse Mr. Brooke, que certa
"Temo que isto não seja nada mais que parte de sua inaptidão e
que seria um mau augúrio para ele em qualquer profissão, civil ou ecle
siástica, se porventura fosse suficientemente submisso à norma estabe
trar uma explicação favorável. "Por que o direito e a medicina devem se
"Sem dúvida; temo porém que meu jovem parente Will Ladislav
que representam a lida de anos de preparo para uma obra ainda não
realizada. Mas em vão. Aos raciocínios prudentes desta espécie ele res
Celia riu. Era uma surpresa, para ela, constatar que Mr. Casaubo
Churchill - esse tipo de coisa - não há como saber," disse Mr. Brookf
"Com que então você o manda à Itália, ou aonde mais queira ir?"
liberdade."
I
"É muita bondade sua," disse Dorothea, olhando para Mr. Casaubo
MIDDLEMARCH
97
podem ter uma vocação que a elas mesmas não se revela de todo, não é?
a pensar que ser paciente é bom," disse Celia, assim que ela e Dorothea,
"É; quando as pessoas não fazem e dizem o que você quer." Celia
passara a ter menos medo de "dizer coisas" para Dorothea desde seu
CAPÍTULO X
- FULLER.
- FULLER."
informou que o
dando a entE
tolera os grilhõ
espontaneic
mensagens do unive
apenas nw
As atitudes
sinceramente mui
não pouc
forma de êx
já se pusera doc
de m
constituição e a de De Quinc
If
inglês.
tt
"i
MIDDLEMARCH
99
de uma longa incubação não geradora de prole e, não fosse sua gratidão,
nos e fracas luzes de teoria erudita para explorar a barafunda das ruínas
Esta confiança, segundo ele, era uma marca de gênio; e certamente não
nem humildade, mas num poder de produzir ou fazer, não algo em geral,
mas alguma coisa em particular. Que ele então parta para o Continente,
sem que nos pronunciemos sobre seu futuro. Em meio a todas as formas
Se Mr. Casaubon foi para Dorothea a mera ocasião que ateou fogo ao
que ele estivesse bem representado nas mentes dos personagens menos
pois até Milton, contemplando numa colher seu retrato, teria de admitir
mente certo que nele não haja bons sentimentos, nem bons trabalhos.
capacidade e fazer: com que estorvos ele leva a cabo suas tarefas diárias
os anos demarcam dentro dele; e com que espírito ele luta contra a pres
são universal que um dia lhe há de ser por demais pesada e levará se
coração à pausa final. Sem dúvida alguma sua sorte é importante a seu
próprios olhos; a principal razão para pensarmos que insta por um (uga
muito grande em nossa consideração deve ser nossa falta de espaço par;
nem só, é tido mesmo por sublime que de lá nosso vizinho espere c
máximo, por pouco que de nós tenha podido obter. Mr. Casaubon, tam
mais diretamente que a qualquer uma das pessoas que até agora tên
meiras abóbadas sob os quais andava com sua vela na mão. Não con
todavia ter conquistado o prazer - que ete também havia visto com
objeto a encontrar por busca. É bem verdade que sabia todas as passa
por que elas deixam tão pouca força suplementar para sua aplicaçã
pessoal.
O pobre Mr. Casaubon havia imaginado que sua longa vívência de celi
MIDDLEMARCH
101
fim. E era a pior das solidäes a dele, a que tende a retrair-se ante a
simpatia. Não podia senão desejar que Dorothea o julgasse não menos
falar para ela, apresentava toda sua atuação e tenção com a segurança
levar sua própria vida e doutrina a uma estreita conexão com esse fa-
confusas concepçäes das duas coisas. Seria grande emo supor que
epíteto não a teria descrito nos círculos em cujo vocabulário mais pre-
102
GEORGE ELIOT
Mas ansiava por algo pelo qual sua vida pudesse ser preenchida de
visäes que guiavam e dos diretores espirituais, posto que a prece au-
mentava o anseio, mas não a instrução, que luz ainda havia senão a do
"Continuo a lamentar que sua irmã não nos acompanhe," disse ele
tivesse companhia."
da. Pela primeira vez ela corou de irritação ao conversar com Mr.
Casaubon.
"Você deve ter-me entendido muito mal," disse ela, "se pensa que
abriria mão, de bom grado, de qualquer coisa que lhe impedisse de usá-
" muito gentil de sua parte, minha querida Dorothea," disse Mr,
Casaubon, não percebendo nem um pouco que ela estava ofendida; "mas,
do-se para Mr. Casaubon, pôs a mão sobre a dele e acrescentou noutrc
tom: "Por favor, não se inquiete por minha causa. Terei tanto o qu(
"Yf w
MIDDLEMARCH
103
apenas para cuidar de mim. Eu não agüentaria a Celia comigo: ela ficaria
muito infeliz."
causa que nem para si mesma era capaz de definir; pois, embora ela não
sensação de dístanciamento.
ta e fraco," disse ela a si mesma. "Como posso ter um marido que está
tão acima de mim sem saber que ele precisa menos de mim que eu
dele?"
pleto como se ela fosse uma pintura de Santa Bárbara a olhar de sua
de sua fala e emoção mais notada quando algum apelo exterior a sen-
sibilizava.
Naturalmente ela foi alvo de muitas observaçäes essa noite, pois era
104
GEORGE ELIOT
nham vergonha da mobília dos seus próprios avós. Pois nesta região do
prietário, e que proferiu esta blasfêmia em voz grossa, como uma espé-
"Há certa verdade nisto," disse Mr. Standish, disposto a ser cordial.
"E, por Deus, é geralmente por aí que elas vão. Suponho que isto
corresponda a alguns sábios fins: foi a Providência que as fez assim, não
é, Bulstrode?"
disse Mr. Chichely, cujo estudo do belo sexo parecia ser feito em detri.
mento de sua teologia. "E eu gosto é das louras, com um bom passo e
meu gosto do que Miss Brooke ou Miss Celia. Se eu fosse homem por
MIDDLEMARCH
105
não ia sujeitar-se à certeza de que viria a ser aceito pela mulher que
escolhesse.
Esta Miss Vincy que tinha a honra de ser o ideal de Mr. Chichely
ir-se longe demais, não gostaria de ver suas sobrinhas travando conheci-
"Mas e o poder desses remédios, para onde então é que vai, minha
mente para Mrs. Cadwallader, assim que Mrs. Renfrew teve a atenção
chamada alhures.
bem nascida demais para não ser amadora em medicina. "Tudo depende
"Pois então ela devia tomar remédios que atenuassem - que enfra-
Por enquanto ainda não há inchação - é para dentro. Eu diria que ela
secante.PI
"Que tal ela tentar os panfletos de uma certa pessoa?" disse Mrs.
106
GEORGE ELIOT
"O noivo - Casaubon. Decerto ele está secando mais rápido depois
"Tendo a crer que está longe de ter uma boa constituição," disse
Lady Chettam, num tom de voz ainda mais baixo. E depois os estudos
" muito triste! Acho que ela é mesmo uma cabeça-dura. Mas diga-
me - você sabe tudo sobre ele - há alguma coisa realmente má? Qual
é a verdade?"
"Não podia haver nada pior do que isto," disse Lady Chettam, com
uma concepção tão vívida do tal remédio que parecia ter aprendido algo
Jarnes não dará ouvidos a nada contra Miss Brooke. Diz que ela é ainda
"Um generoso fingimento da parte dele. Pode estar certa disto, ele
gosta mais da pequena Celia, e ela bem que o aprecia. Creio que da
parece mais meiga, embora sua figura não faça tanta vista. Mas, já
tica: o que sem dúvida ele demontra na aparência - uma bela cabe-
ça, de fato."
bem."
". Diz Mr. Brooke que ele descende dos Lydgates da Northumberland,
mas conhecia minha constituição. Foi uma perda para mim que se fosse
MIDDLEMARCH
107
tão de repente. Mas, meu Deus, que conversa mais animada Miss Brooke
vai pegá-lo."
"James," disse Lady Chettam quando seu filho chegou perto, "cha-
fosse qual fosse o absurdo que lhe diziam, e seus olhos escuros, firmes,
Lady Chettam teve muita confiança nele, que lhe confirmou o ponto de
vista sobre sua própria condição como peculiar, ao admitir que todas as
talvez fosse mais peculiar do que outras. Ele não aprovava os métodos
de sua concordância, que ela formou sobre seus talentos a opinião mais
favorável.
ir-se embora.
ção e dieta, esse tipo de coisa," retomou Mr. Brooke, após ter levado à
concidadãos.
"Com a breca! acha que está mesmo correto isto? - alterar o velho
tratamento que fez dos ingleses o que eles são?" disse Mr. Standish.
108
GEORGE ELIOT
"O conhecimento médico está em maré baixa entre nós," disse Mr.
"Está tudo muito bem," replicou Mr. Standish, que não gostava de
Mr. Bulstrode; "se vocês o querem para fazer experiências com os paci-
entes do hospital, e por caridade matar algumas pessoas, não tenho ne-
nhuma objeção. Mas não sou eu que irei tirar dinheiro da algibeira para
testado."
"Sabe de uma coisa, Standisli, cada dose que a gente toma é uma
"Oh, se você fala neste sentido!" disse Mr. Standish, com tanto des-
gosto ante estas evasivas não legais quanto é capaz de deixar transparecer
cuja juventude em flor, com seu casamento à vista com aquele intelec-
" uma boa criatura - esta bela menina - mas um pouco séria
demais," pensou ele. " um problema conversar com tais mulheres. Es-
seu sentido moral para resolver as coisas de acordo com seu própric
gosto."
completo, e calculada para abalar sua confiança nas causas últimas, in.
MIDDLEMARCH
109
Mas Lydgate era menos maduro, e talvez pudesse ter experiências à frente
que viessem a modificar a opinião que ele tinha quanto às coisas funda-
Miss Brooke, entretanto, não voltou a ser vista por nenhum destes
cavalheiros com seu nome de solteira. Não muito depois desse jantar,
CAPíTULO XI
crimes."
- BEN JONSON.
- BEN JONSON. 1
arrebatadora. assim que uma mulher deve ser: deve causar o efeito de
nuar solteiro vai depender mais da resolução dela que da dele. Lydgate
achava que deveria aguardar vários anos antes de se casar: não fazê-l(
MIDDLEMARCH
111
distância da estrada larga que estava toda pronta. Miss Vincy foi vista
em seu horizonte durante tempo quase igual ao que Mr. Casaubon le-
vou para noivar e contrair matrimônio: mas este letrado cavalheiro era
mos, para adornar o quadrante restante de seu percurso e ser uma lua
era jovem, pobre, ambicioso. Tinha seu meio século à frente, não pelas
costas, e viera para Middemarch decidido a fazer muitas coisas que não
algo mais que uma questão de ornamento, por maior valor que ele dê a
mulher, o primeiro posto. Para seu gosto, orientado por uma única con-
versa, era neste ponto que Miss Brooke se revelaria deficiente, não
obstante sua inegável beleza. Ela não via as coisas pelo correto ângulo
ao sair do trabalho, você ainda ter de dar aulas para a segunda série, ao
para Lydgate do que as voltas do espírito de Miss Brooke ou, para Miss
te com o qual olhamos para o vizinho que não nos foi apresentado. Por
sutil: tinha não só suas espantosas quedas, seus jovens e brilhantes dândis
112
GEORGE ELIOT
também forasteiros, uns com uma novidade alarmante em sua arte, ou-
narrar o que havia acontecido, julgou por bem tomar por ponto de par-
que tinha excelente gosto para se vestir, com seu porte de ninfa e lourice
pura dando-lhe a mais ampla gama de escolha quanto à cor e caimento
dos panos. Coisas que constituíam porém apenas parte do seu encanto.
ção abrangia tudo o que era requerido da mulher bem formada - inclu-
Mrs. Lemon sempre havia apresentado Miss Vincy como exemplo: ne-
esta agradável visão, ou mesmo sem travar relaçäes com a família Vincy;
porque embora Mr. Peacock, para herdar cuja clientela ele pagara certa
não agradava a Mrs. Víncy), tinha muitos pacientes entre seus conheci-
"Moeda de ouro em uso até 18 13, quando foi substituída pelo soberano, moeda
de uma libra.
MIDDLEMARCH
113
fábrica que eram, mantinham há três geraçäes uma boa casa, na qual
por outro lado, Mr. Vincy havia decaído um pouco, tendo ficado com a
previsão de dinheiro; pois a irmã de Mrs. Vincy, que fora a segunda es-
posa do rico e velho Mr. Featherstone, tinha morrido anos atrás sem
sobre ele que não fosse esmiuçado em casa dos Vincys, onde as visitas
com todos que a tomar qualquer partido, mas não tinha por que precipi-
que seu pai convidasse Mr. Lydgate à casa. Estava cansada das figuras e
posição mais alta, por cujos irmãos, tinha certeza, poderia interessar-se
não se decidia a mencionar sua vontade ao pai; e ele, por sua vez, não se
quando em quando ampliar seus jantares, mas por ora já havia convida-
desjejum familiar até muito depois de Mr. Vincy ter saído com seu se-
gundo filho para o depósito, e até Miss Morgan já estar bastante adian-
tada, no quarto de estudo, com as liçäes da manhã para as meninas mais
vam, levantar-se logo. Pois foi o caso, certa manhã daquele outubro em
114
GEORGE ELIOT
continuava sentada com seu bordado mais tempo que de costume, to-
novo anunciando o relógio que estava para dar as horas, ela ergueu os
sineta.
"Bata na porta de Mr. Fred de novo, Pritchard, e diga a ele que já são
dez e meia."
rosto de Mrs. Vincy, onde quarenta e cinco anos não haviam cavado
ângulos nem paralelas; e ela, puxando para trás os cordäes da touca cor
sentir que ele coma arenque defumado. Não agüento aquele cheiro por
"Oh, minha querida, não seja tão impertinente com seus irmãos! a
única falha que eu consigo ver em você. Seu temperamento é o mais
ças, sempre que eles tenham bom coração. Uma mulher deve aprender
a não ligar para coisas de somenos. Algum dia você estará casada
têm menos contra si, apesar de ele não ter podido formar-se - por
razäes que estou certa de não captar, pois a mim parece muito inteli-
gente. Você mesma sabe que ele foi considerado igual ao que havia
que não se alegre de ter um rapaz tão cavalheiresco assim por irmão.
Fred."
MIDDLEMARCH
115
covas, sorrindo pouco por isto em sociedade. "Mas não hei de me casar
que você."
papa-fina daqui"."
"Bem, mas isto também soa comum e banal. Se eu tivesse tido tem-
po para pensar, deveria ter dito "os rapazes mais superiores." Mas você,
"O que é que a Rosy deve saber, mãe?" disse Mr. Fred, que penetra-
tinham curvadas sobre seus trabalhos, e que agora, indo até o fogo, lá se
sineta.
classe."
vem história e ensaios. E a gíria mais forte de todas é a gíria dos poe-
tas. PI
cruzador de pernas."
Claro que, se quiser, você pode dizer que isto é poesia."
"Rá-rá, Miss Rosy, vê-se que não faz distinção entre Hornero e a
116
GEORGE ELIOT
"Não tem mais nada para o meu desjejum, Pritchard?" disse Fred ao
sala, "para ter coisas quentes no café da manhã, seria bom que você
não consigo compreender por que acha tão difícil, nas outras manhãs,
sair da cama."
"Não entendo por que os irmãos têm de ser desagradáveis, mais que
as irmãs."
"Eu não sou desagradável; é você quem me vê assim. Desagradável
Olhe só minha mãe: você não a vê com objeçäes a tudo, exceto ao que
sem um dedinho do pé. o jeito dele. Ah, mas aí vem minha coste.
leta!"
"Como pôde ficar fora até tão tarde, meu filho? Você disse que só i,
MIDDLEMARCH
117
tava lá."
que é de excelente família - que seus parentes são gente bem aqui do
condado."
Rosamond, com um tom de decisão que mostrava que ela já havia pen-
sado sobre o tema. Rosamond achava que poderia ser mais feliz se não
não gostava de nada que lhe trouxesse à lembrança que o pai da mãe
por cavalheiros.
Rosamond.
"Ué, meu filho, os médicos têm de ter opiniäes," disse Mrs. Vincy.
"Não sei dizer realmente," disse Fred, que ao sair da mesa tinha o
"Seria ótimo se você não fosse tão vulgar, Fred. Se já acabou, por
começou Mrs. Vincy, já tendo o criado tirado a mesa. " uma pena me-
GEORGE ELIOT
donha você não ter paciência de ir visitar seu tio mais vezes, ele que
gosta tanto de você, e até quis que você morasse com ele. Não há como
calcular o que poderia ter feito por você, e também pelo Fred. Deus sabe
que eu gosto de ter vocês em casa comigo, mas para o bem dos meus
filhos eu me separo deles. E agora tudo indica que seu tio Featherstone
"Mary Garth agüenta ficar em Stone Court, porque prefere isto a ser
feriria que não me deixassem nada, se para ganhar alguma coisa eu ti-
"Ele não ficará por muito neste mundo, filha; não queira eu apres -
sar-lhe o fim, mas com aquela asma e aquelas dores por dentro, espere-
mos que um outro lhe reserve coisa melhor. Em relação a Mary Garth,
primeira esposa de Mr. Featherstone não lhe levou dinheiro algum, como
fez minha irmã. As sobrinhas e sobrinhos dela não podem pois ter o
mesmo direito que os de minha irmã. E devo dizer que Mary Garth pare-
governanta."
"Bem, querido," disse Mrs. Vincy, fazendo ágil volteio, "se ela tivesse
Mas vou deixá-lo em seus estudos, meu filho; tenho de ir fazer umas
compras."
"Bem, bem, aos pouquinhos ele irá para o seu latim e essas coisas,"
pai - sabe, Fred, meu filho - e sempre estou dizendo a ele que você vai
ser bom, que irá de novo para a escola para tirar seu diploma."
Fred puxou a mão da mãe até seus lábios, mas não disse nada.
"Se você quiser, pode ir comigo amanhã. Só que estou indo a Stone
MIDDLEMARCH
119
"Estou querendo tanto dar uma volta, que aonde vamos para mim é
"Ob, Rosy," disse Fred, nisto que ela passava para sair da sala, "se
você for para o piano, posso ir também para tocarmos umas cançäes
juntos?"
homem tocando flauta fica muito esquisito. E além do mais você toca
desafinado."
"Da próxima vez que alguém lhe fizer a corte, Miss Rosamond, direi
sua flauta, mais do que haveria eu de esperar que fosse gentil comigo,
não tocando-a?"
"E por que haveria de esperar você que eu a levasse para uma volta
a cavalo?"
Fred viu-se assim gratificado com quase uma hora de prática de "As-
CAPITULO XII
- CHAUCER.
- CHAUCER."
dos centrais, quase tudo campinas e pastagens, com sebes ainda deixa-
seu velho, velho teto de palha cheio de musgosos morros e vales com
viajamos longe para ver, e vemos maiores, porém não mais belas. São
MIDDLEMARCH
121
sólida de um fazendeiro distinto. Nem por isto ele era menos agradável
dos cabriolés amarelos, diria eu. Quando vejo Mrs. Waule nele, compre-
endo que o amarelo já possa ter sido usado como expressão de luto.
pois, que história é esta, Rosy, de Mrs. Waule andar sempre de crepe
momentânea pausa.
"Deveras, não é mesmo não! São ricos como judeus, estes Waules e
Featherstones; quero dizer, para pessoas como eles, que não querem
gastar nada. E no entanto vivem rodeando meu tio como abutres, te-
mendo que uma bagatela qualquer possa sair do seu lado da família.
A Mrs. Waule que estava tão longe de ser admirável aos olhos des-
ses parentes distantes por acaso havia dito nesta mesma manhã (e não
uma voz ouvida através de um pano de algodão) que não desejava "des-
seu irmão, e por vinte e cinco anos antes de ser Jane Waule ela havia
GEORGE EuoT
do irmão era posto em jogo por gente que a ele não tinha direito algum.
"Aonde você está querendo chegar?" disse Mr. Featherstone, que
novo, até que Mary Garth lhe tivesse administrado um pouco mais de
desgostoso para o fogo. Era um fogo forte, que todavia não fazia diferen-
neutra quanto sua voz; tendo umas simples frestas, à guisa de olhos, e
dizendo, é uma pena que a família de Mrs. Vincy não possa ser melhor
conduzida."
"Não, você não disse nada disto! Disse que alguém tinha posto o
"E não mais do que se pode provar, se é verdade o que todos dizem.
outra coisa, que o jovem Vincy é um desregrado e que desde que voltou
"Que bobagem! Que tem de mais jogar bilhar? um jogo bom, ade-
tro jogo, meu irmão, e está longe de perder centenas de libras, que, se é
verdade o que todos dizem, têm de ser encontradas noutra fonte que
não os bolsos de Mr. Vincy pai. Pois dizem que há anos ele vem perden-
como sempre e mantendo casa aberta como eles fazem. E ouvi dizer que
Mr. BuIstrode reprova Mrs. Vincy acima de tudo por ser muito volúvel, e
por estragar seus filhos tanto."
"Que tenho a ver com Bulstrode? Eu não tenho conta com ele."
"Bem, Mrs. Buistrode é irmã de Mr. Vincy, e o que se diz é que Mr.
irmão, que uma mulher de mais de quarenta, quando anda com cordäes
cor de rosa esvoaçando sempre, e tem um jeito meio fútil de sorrir para
tudo, isto não condiz mesmo não. Mas ser complacente com as crianças
MIDDLEMARCH
123
é uma coisa, e outra é encontrar o dinheiro para pagar suas dívidas. Diz-
se abertamente que o jovem Vincy levantou dinheiro com base nas ex-
pectativas que tem. Não digo que expectativas são estas. Miss Garth
"Não, muito obrigada, Mrs. Waule," disse Mary Garth. "Não gosto
bom sujeito, e com tanta energia, que o mais provável é que as tenha."
fez, sua voz parecia molhada ligeiramente de lágrimas, embora seu rosto
irmão Solomon ouvir seu nome posto em jogo, sendo sua moléstia de
tal ordem que de uma hora para outra pode levá-lo desta, e saber que há
pessoas, que não são mais Featherstones que o buflão da feira, contando
sendo sua irmã, e o Solomon, seu irmão! Se é assim que vai ser, por que
"Vamos, Jane, chega disto!" disse Mr. Featherstone, olhando para ela.
"Você quer dizer que Fred Vincy conseguiu que alguém lhe adiantasse
dinheiro com base no que ele diz saber sobre o meu testamento, não é?"
"Eu nunca disse isto, meu irmão" (A voz de Mrs. Waule tornara-se
de novo seca e firme). "Isto me foi dito por meu irmão Solomon ontem
aconselhar sobre o trigo velho, sendo eu uma viúva e meu filho John
tendo apenas vinte e três anos, embora ajuizado além da conta. E ele
inventada. Mas olhe à janela, menina; acho que eu ouvi um cavalo. Veja
"Não inventada por mim, mano, nem também por Solomon que, à
parte o que no mais possa ser - e eu não nego que ele tem suas esqui-
parentes com os quais mantém amizade; por mim, acho no entanto que
GEORGE ELIOT
há épocas em que alguns devem ser mais considerados que outros. Mas
"Pois é ainda mais tolo!" disse Mr. Featherstone, com alguma difi-
culdade; entrando num acesso tão profundo de tosse que foi preciso
Mary Garth ir ficar perto dele, de modo a não poder descobrir de quem
samente para Mrs. Waule, que disse rígida: "Como vai, senhorita?% sor-
"Ora viva, menina," disse ele por fim, "que beleza de cor a sua!
capaz de fazer alguma coisa por você. Diz Solomon que andam falando
muito bem da inteligência dele. Estou certa, desejo que você seja pou-
sobrinhas, bastando que nos mande chamar. Pode contar com a Rebecca,
- todas são morenas e feias, vão precisar de ter algum dinheiro, não é?
bém tinha dinheiro. Bom sujeito, o Waulei Ai, ai, o dinheiro é que nem
um ovo; e se você dispäe de algum para deixar para trás, ponha-o num
leira postiça, como se quisesse tampar os dois ouvidos, e sua irmã foi-se
MIDDLEMARCH
125
ciúme que ela sentia pelos Vincys e por Mary Garth, mantinha-se como
irmão Peter Featherstone nunca poderia deixar que sua principal proprie-
dade escapasse das mãos dos seus parentes de sangue: - se não, por
que teria o Todo-Poderoso levado sem filhos suas duas esposas, depois
sua graça quando ninguém esperava? - e por que havia uma igreja pa-
deles, se, no domingo seguinte à morte de seu mano Peter, todos vies-
com o Fred."
"Vamos até meu quarto, Rosamond, por pouco tempo você não se
não tivesse sido fechada. Continuava a olhar para Fred com as mesmas
alternadamente a boca; quando falou, foi num tom baixo, passível de ser
gista, mais que pelo de um idoso ofendido. Não era homem de sentir
grande indignação moral, ainda que por causa de ofensas a ele mesmo.
Era natural que outros quisessem levar vantagem sobre ele, a quem con-
"Com que então o senhor tem pagado dez por cento por dinheiro
e ido, não é? Päe minha vida a doze meses, digamos. Mas olhe que
Fred corou. Não havia pegado dinheiro deste modo, e por excelen-
tes razäes. Mas estava consciente de haver falado com alguma confiança
126
GEORGE ELIOT
atuais.
os palermas, tão bem como há vinte anos atrás. Que diacho, estou com
menos de oitenta! Digo que o senhor deve contradizer esta história."
ciência, não lembrando que seu tio não discriminava verbalmente entre
boa fonte."
" fonte boa mesmo, acho eu - um homem que sabe quase tudo o
tio, ora esta!" E um tremor interno que lhe era peculiar, e significava
"Mr. Bulstrode?"
palavras de reprovação que ele pode ter deixado escapar a meu respeito.
nheiro?"
"Se este homem existe, creia que BuIstrode o conhece. Mas, supon-
diga por escrito não acreditar que você fez promessas de pagar suas dívi-
condiçäes mentais.
127
geral, acredita numa série de coisas que não são verdade, e ele tem um
fala, embora isto talvez causasse dissabor. Difícil seria eu pedir-lhe para
escrever no que acredita ou deixa de acreditar sobre mim." Fred fez uma
pausa, depois acrescentou, num apelo político à vaidade de seu tio: "Não
o que ele é? - não tem por aqui nenhuma banda de terra de que eu
tenha ouvido falar. Um especulador, isto sim! Um dia ele pode despen-
car de repente, se o demônio não mais lhe der retaguarda. E é isto o que
absurdo! Há uma coisa que eu deixava muito claro quando ainda tinha o
Promete terra e dá terra e faz os camaradas ricos com milho e gado. Você
fogo e batendo com seu chicote na bota. "Não gosto de BuIstrode nem
tinha saída.
"Ora muito bem, você pode prescindir de mim, isto está claro," disse
"Não sou ingrato. Nunca quis demonstrar descaso por quaisquer boas
que ele não acredita que você quebrou e prometeu pagar suas dívidas
trato. E agora, dê-me seu braço. Vou tentar andar pelo quarto."
128
GEORGE ELIOT
doer-se do velho, não amado nem venerado, que, com suas pernas
o braço, pensou que não gostaria nada de ser ele mesmo um camarada
velho com a constituição aos pedaços; e esperou com toda a calma, pri-
Magazine.
estudos."
Fred lhe deu os títulos.
"Que queria a menina com mais livros? preciso você viver trazen-
do ela ficava comigo, queria ler. Mas eu pus um fim nisto. Ela já tem o
jornal para ler em voz alta, o que eu diria que, para um dia, basta. Não
agüento vê-la lendo sozinha. Peço pois que não lhe traga mais livros,
está-me ouvindo?"
ainda mais simples, plantada num ângulo entre as duas ninfas - a que
povo.
escreveram
129
do mundo era Miss Vincy, que alguns até chamavam de anjo. Mary Garth,
cabelo escuro e crespo era áspero, intratável; baixa era sua estatura; e
não seria verdade declarar, como antítese satisfatória, que ela possuía
lhe faz companhia, tende a produzir certo efeito além do senso de real
resignação tal qual se exige. Sua argúcia tinha um traço de amargor satí-
a não ser por uma forte corrente de gratidão por aqueles que, ao invés de
lhe dizerem que ela devia ficar contente, faziam alguma coisa para
pintado com prazer, fazendo decerto com seus traços grosseiros saltas-
quando estava em bom ânimo tinha humor suficiente para rir de si mes-
"A seu lado, Rosy, puxa! que mancha escura que eu sou! Você é a
"Oh não! Ninguém pensa em sua aparência, Mary, tão sensata e útil
130
GEORGE ELIOT
negativa."
lho. "Creio que minha vida é mais agradável que a de sua Miss Morgan."
za de que tudo fique mais fácil à medida que ficamos mais velhos."
Ideom você é muito diferente, Mary. Você pode ter uma proposta."
que se detestem."
ça. "Você quer saber alguma coisa sobre ele," acrescentou, disposta a
"Não se trata por ora de gostar. Meu querer bem sempre carece de
te me ver."
"Ele é assim tão altivo?" disse Rosamond, com satisfação ainda maior.
"Mary! garota mais estranha do que você não há. Mas que aparencia
tário: sobrancelhas espessas, olhos escuros, nariz reto, basto cabelo es-
finíssimo lenço de cambraia no bolso! Mas você vai vê-lo. Você sabe que
MIDDLEMARCH
131
Rosamond enrubesceu um pouco, mas com ar pensativo disse: "Eu
até que gosto de um jeito altivo. Não agüento os rapazes muito conver-
sadores."
"Eu não lhe disse que Mr. Lydgate era altivo; mas ily en a pour tous les
você, Rosy."
"Espero que ninguém tenha dito coisa pior sobre ele. Ele aliás deve-
ria ter mais cuidado. Mrs. Waule andou dizendo para o tio que o Fred é
pela palavra "desregrado", que ela esperou que Rosamond, dizendo al-
"Horrível como?"
" muito preguiçoso, deixa o meu pai furioso e diz que não acata
ordens."
"Como pode dizer que ele está muito certo, Mary? Eu julgava que
"Bem, então ele não é o que deveria ser. Conheço outras pessoas
para isto! E você já pensou, se ninguém deixar uma herança para ele?"
132
pessoa."
GEORGE ELIOT
"Sim, seria um grande hipócrita; o que por enquanto ainda não é."
"Não adianta dizer nada para você, Mary. Você sempre fica do lado
do Fred."
"E por que eu não ficaria do lado dele?" disse Mary esquentando.
do para me agradar."
como sempre.
"Se a sua mãe tem medo de que o Fred me faça uma proposta, diga
a ela que eu não me casaria com ele, se ele me pedisse. Não há porém de
fazê-lo, tenho certeza. E certamente nunca me pediu."
"Brigar? Mas que absurdo; nós não brigamos. De que vale sermos
Rosamond cantasse para ele, e ela foi tão gentil que até propôs uma
segunda canção das favoritas dele - "Flui, ó cintilante rio!" - após ter
cantado "Lar, doce lar" (que ela detestava). Este velho e obstinado
rantindo à cantora que sua voz era clara como o canto do melro, quando
ISir Giles Overreach, o vilão de A New Way to Pay Old Debts (1633), de
Philip Massinger.
MIDDLEMARCH
133
Sua morna expectativa da habitual e desagradável rotina com um
nunca lhe ocorrera que valesse a pena falar de Mary Garth nesta condi-
quão delicadamente ela pôs de lado, com uma serena gravidade, a indi-
cação que a falta de gosto do velho lhe impusera, não mostrando suas
covinhas na hora emada, mas sim logo depois, ao falar para Mary, a
quem ela se dirigiu com uma atenção de tão boa natureza que Lydgate,
após examinar Mary mais completamente do que havia feito antes, viu
uma adorável bondade nos olhos de Rosamond. Mas Mary, por alguma
"Miss Rosy andou cantando uma canção para mim - o senhor não
tem nada contra, não é, doutor?" disse Mr. Featherstone. "Gosto mais
haste branca ter sido vista à perfeição sobre o traje de montar. "Fred,
"Está bem," disse Fred, que tinha suas próprias razäes para não es-
ência de que ela estava sendo olhada. Era, por natureza, uma atriz de
seu.)
"A melhor de Middemarch, garanto," disse Mr. Featherstone, "e que
a segunda seja quem ela queira. Não é, Fred? Fale por sua irmã."
"Temo não estar num tribunal, senhor. Meu testemunho não serviria
para nada."
Rosamond, com uma linda leveza, indo para apanhar seu chicote, que jazia
a certa distância.
134
GEORGE ELIOT
rou-se para entregá-lo a ela, que se inclinou e o olhou: ele, é claro, tam-
bém olhava para ela, e seus olhos descobriram-se neste peculiar encon-
tro que nunca é atingido por esforço, mas parece uma súbita iluminação
divina do ofuscamento. Penso que Lydgate ficou mais pálido que de cos-
sabia de que tipo de tolice seu tio estava falando quando foi despedir-se
Entretanto era justamente com este resultado, que ela tomou por
ser uma impressão mútua, chamada sentir amor, que Rosamond ha-
mente, com efeito, tal construção parecia requerer que ele estivesse
que esta era a grande época de sua vida. Julgava seus próprios sinto-
mas como os do amor nascente, e soava-lhe até mais natural que Mr.
coisas aconteciam com tal freqüência nos bailes, por que não então à
Rosamond, embora não mais velha que Mary, já estava bem acostu-
mada a que se apaixonassem por ela; mas mantivera-se por seu lado
MIDDLEMARCH
135
poderia apropriar-se tão bem como ela havia na escola feito seus de-
riam vir por último. Nada havia de financeiro, e ainda menos de sór-
A mente de Fred, por outro lado, estava tomada por uma ansiedade
atendê-lo. Seu pai já estava aborrecido com ele e o ficaria ainda mais, se
BuIstrodes. E ele odiava ter de ir falar com o tio BuIstrode, e quem sabe se
após uns copos de vinho ele tivesse dito muitas tolices sobre a proprieda-
delas; além do mais, havia feito recentemente uma dívida que o atormen-
quitar. Todo o caso era terrivelmente pequeno: suas dívidas eram peque-
nas, e nem mesmo suas expectativas eram lá assim tão grandes. Fred co-
136
GEORGE ELIOT
sunto era uma ficção do velho Featherstone; nem isto teria feito diferen-
ça para a situação em que estava. Ele via com bastante clareza que o
BuIstrode. Fred supunha ver até o fundo a alma de seu tio Featherstone,
mas na realidade em metade do que via não havia mais que o reflexo das
próprios desejos.
Garth tivesse repetido para Rosamond o relato de Mrs. Waule, era cer-
to que ele alcançasse seu pai, assim como era certo que o pai o questio-
so:
mim?"
"Rosy, a Mary lhe falou de Mrs. Waule ter dito alguma coisa sobre
"Falou sim."
440 quê?"
"Que você era muito desregrado."
"Só isto?"
"A Mary não mencionou mais nada. Mas realmente, Fred, creio que
"Ora bolas, não me venha com sermäes! E o que foi que a Mary
disse?"
que a Mary diz, e comigo é tão grosseiro que nem me deixa falar."
"Claro que me importo com o que a Mary diz. Ela é a melhor garota
que eu conheço."
"Nunca eu a teria tomado por uma garota por quem cair de amor."
"Como é que você sabe por quem os homens caem de amor? Nunca
as garotas sabem."
"Pelo menos, Fred, deixe-me aconselhar que você não caia de amor
por ela, porque diz ela que não se casaria com você, caso a pedisse."
MIDDLEMARCH
137
"Nem um pouco. Ela não o teria dito, se você não a tivesse pro-
vocado."
ples possível contaria todo o caso a seu pai, que talvez pudes se tornar a
LIVRO 11
Velhos ejovens
CAPÍTULO XIII
2nd Gent. Nay, tell me how you class yotir wealth of books,
falar com Mr. BuIstrode em seu gabinete no Banco à uma e meia, quan-
do em geral ele estava livre. Outro visitante chegara porém à uma hora,
breves pausas meditativas. Não imagine que seu aspecto doentio fosse
142
GEORGi: ELIOT
do tipo que, além de amarelado, tem o cabelo preto: ele tinha a pele
pálida, mas branca, o cabelo castanho e ralo com esparsas manchas gri-
alto diziam que seu tom moderado era um subtom, dando a entender às
vezes que ele era incompatível com a sinceridade; embora não pareça
haver razão para que um homem que fale alto não seja dado ao encobri-
mento de qualquer coisa exceto sua voz, a não ser que possa ser de-
queza. Mr. BuIstrode tinha também uma atitude de se curvar para ouvir
com deferência e, nos olhos, uma aparente fixidez de atenção que leva-
discursos. Outros, que não esperavam fazer bela figura, não gostavam
nada dessa espécie de lanterna moral virada para eles. Quem não se
a atribuíam ao fato de ser ele um fariseu, outros, ao fato de ele ser evan-
saber quem tinham sido seu avô e seu pai, observando que há vinte e
demarch. Para seu atual visitante, Lydgate, o olhar perscrutador era in-
diferente: ele simplesmente formou uma opinião desfavorável sobre a
passar por aqui para me ver, Mr. Lydgate," observou o banqueiro, após
Quanto ao novo hospital, que está quase concluído, vou pensar no que
pessoal."
víncia como esta," disse Lydgate. "Um bom hospital da febre somado à
MIDDLEMARCH
143
mais pela educação médica que a disseminação de tais escolas pelo pais?
lico, bem como algumas idéias, deve fazer o que pode para resistir à
tas vezes encontrar nas províncias um campo mais livre, quando não
mais rico."
çäes dos quais ele não tinha tido experiência. Mas esta sua orgulhosa
franqueza era tornada amável por uma expressão de boa vontade não
afetada. Mr. Bultstrode talvez gostasse ainda mais dele pela diferença
começar tantas coisas com uma pessoa nova! - inclusive começar a ser
um homem melhor.
favoreça esta solução, pois já decidi que um projeto tão grandioso não
que uma bênção mais manifesta há de agora ser concedida aos meus
um reformador."
"O nível desta profissão anda baixo em Middemarch, meu caro se-
não em posição social, pois em sua maioria nossos médicos são aparenta-
dos a respeitáveis pessoas do lugar. Minha própria saúde, que não é muito
GEORGE ELIOT
homem na lua."
assunto e ingressa em terreno onde suas aptidäes possam ser mais úteis.
"Estou ciente," disse ele, "de que a competência médica tem pecu-
liar inclinação por meios materiais. Não obstante, Mr. Lydgate, espero
senhor não deverá estar ativamente envolvido, mas onde sua simpática
cooperação pode ser uma ajuda para mim. Suponho que reconheça, em
"Certamente que sim. Mas estas palavras estão sujeitas a cobrir di-
"já estive com ele. Ele me deu seu voto, devo ir visitá-lo para agra-
um naturalista."
se contemplar. Suponho que não haja neste país um clérigo que tenha
"O que eu desejo," Mr. BuIstrode continuou, ficando ainda mais sé-
"Como médico eu não poderia ter opinião sobre este ponto, a me-
MIMUMARCH
145
nos que conhecesse Mr. Tyke, e mesmo então eu pediria para conhecer
os casos a que ele estivesse dedicado." Lydgate sorriu, mas estava deci-
tos desta medida por ora. Mas" - e aqui Mr. BuIstrode começou a falar
com uma ênfase mais cinzelada - "à assunto será provavelmente leva-
frente já diviso, o senhor não será, no que lhe disser respeito, influencia-
passo que, com meus oponentes, tenho boa razão para dizer que é uma
nem por isto hei de abrir mão de um mínimo que seja de minhas convic-
eu acreditasse que nada mais estivesse aí previsto que não a cura das
"Nisto nós certamente divergimos," disse Mr. Lydgate. Mas não la-
mentou que a porta agora fosse aberta, e anunciassem Mr. Vincy. Este
de que tinha visto Rosamond. Não que, como ela, ele andasse a tecer
vai jantar onde possa vê-la de novo. Antes de ele despedir-se, Mr. Vincy
havia feito este convite pelo qual "não se apressara nada," pois Rosamond
"Não, não; não tenho opinião sobre este sistema. A vida precisa de
146
GEORGE ELIOT
um bom recheio," disse Mr. Vincy, incapaz de omitir sua teoria portátil.
toda irrelevância, "o que aqui me trouxe para conversar foi um pequeno
"Espero que não desta vez." (Mr. Vincy estava decidido a ser bem
guém andou inventando uma história, por despeito, e foi contá-la para o
vel que lhe deixe alguma coisa polpuda; de fato, chegou mesmo a dizer
ao Fred que pensa deixar suas terras para ele, e isto causa ciúme em
outras pessoas."
minha parte no tocante ao rumo que tem seguido com seu filho mais
velho. Foi por pura vaidade mundana que você o destinou à Igreja: com
uma família de três filhos e quatro filhas, não estava autorizado a consa-
grar dinheiro a uma educação dispendiosa que não deu em nada, a não
do as conseqüências."
mente se eximia, mas Mr. Vincy não estava igualmente preparado para
tem noção de sua importância num contexto de coisas que parece rele-
"Quanto a isto, Bulstrode, não adianta voltar atrás. Não sou um dos
to era inteligente. Meu pobre irmão estava na Igreja, e iria sair-se bem
essa altura poderia ser um deão. Creio estar justificado no que tentei
fazer pelo Fred. E, como você toca em religião, parece-me que um ho-
mem não deveria querer cortar de antemão seu mirrado naco de carne:
MIDDLEMARCH
147
sentimento britânico, este de fazer um esforço para tentar criar sua famí-
lia: na minha opinião, é dever de um pai dar a seus filhos uma boa opor-
tunidade."
"Não desejo agir a não ser como o seu melhor amigo, Vincy, quando
eu digo que tudo isto que você manifesta agora é uma só massa de
"Muito bem," disse Mr. Vincy, numa forte emoção, a despeito das
que é mais, não vejo ninguém que não seja mundano. Suponho que
voce não faça seus negócios com base no que chama de princípios não
que, acabado seu sanduíche, jogara-se outra vez em sua cadeira, a prote-
mencionando você como fonte, que o Fred pegou ou vem tentando pe-
gar dinheiro emprestado por conta das terras dele. claro que você nun -
ca disse um tal absurdo. Mas o velho insiste que o Fred lhe leve um
dizendo que você não acredita numa palavra desta bobagem, nem que
ele pegou nem que tenha tentado pegar desta maneira, como um bobo.
perspectivas futuras, ou mesmo de que alguém não possa ter sido sufici-
loucuras no mundo."
tio. Ele não mente. Não que eu o queira fazer melhor do que é. já o
espremi bastante - ninguém pode dizer que eu feche os olhos para suas
a dizer, pondo uma pedra em seu caminho, que não acredita em tal
desmando dele, posto que não tenha uma boa razão para acreditar."
148
GEORGE ELIOT
"Não estou de todo certo de que eu deva apoiar seu filho aplainan-
do-lhe o caminho para a futura posse da propriedade de Featherstone.
Não posso olhar a riqueza como uma bênção para aqueles que a usam
simplesmente como colheita para este mundo. Sei que não gosta de
ouvir essas coisas, Vincy, mas nesta ocasião sinto-me obrigado a dizer-
lhe que não tenho motivos para favorecer uma disposição da proprieda-
de como esta a que você se refere. Não me furto a afirmar que ela não vai
servir ao bem-estar eterno de seu filho nem à glória de Deus. Por que
então você espera que eu redija esta espécie de testemunho, que não
legado?"
"Se você quer impedir todo mundo de ter dinheiro, a não ser os
nada mais tenho a dizerf explodiu Mr. Vincy, com muita aspereza. "Pode
verde que lhe são fornecidos pela manufatura de Brassing; corantes que
estragam a seda, por tudo que eu sei. Se outras pessoas soubessem tão
bem assim que o lucro vai para a glória de Deus, talvez pudessem ficar
muito falando desta maneira, Vincy. Não espero que compreenda meus
em mente, por favor, que estendi minha tolerância a você como irmão de
minha esposa, e que pouco lhe convém queixar-se de mim por recusar
ajuda material para garantir a posição social de sua família. Devo lembrá-
lo que não foi sua prudência nem seu discernimento que o capacitou a
"Bem provável que não; mas você por enquanto nada perdeu com
meu negócio," disse Mr. Vincy, profundamente irritado (um efeito que
se casou com Harriet, não vejo como pudesse esperar que nossas famí-
social, é melhor que o diga. Eu por mim nunca mudei: sou hoje um
MIDDLEMARCH
149
mais. Estou contente de não ser pior que os vizinhos. Mas diga-me, se
você quer mesmo que nós caiamos na escala. Eu saberei melhor o que
fazer então."
"Não faz sentido esta conversa. Vocês vão descer na escala social se
sua parte a recusa. Tais coisas podem ser alinhadas com a religião, mas
que não originou a calúnia. E esse tipo de coisa - esse espírito tirânico,
mente doloroso para Harriet e para mim também," disse Mr. BuIstrode,
- que nós sejamos amigos. Não lhe tenho rancor; não penso mal de
diante, como você, acredita em sua religião seja o que for que aconteça:
nada lhe impediria de girar seu capital com a mesma rapidez blasfeman-
então não ficará satisfeito. Mas você é o marido de minha irmã, e nós
do-se a prestar ao Fred uma boa ajuda. E não posso dizer que eu tam-
com firmeza para seu cunhado, querendo demonstrar que aguardava uma
resposta definitiva.
Não era a primeira vez que Mr. BuIstrode começava por admoestar
da cena. Mas uma fonte bem provida há de ser generosa com suas águas
até mesmo na chuva, quando as águas são mais que inúteis; de igual
150
GEORGE EIAOT
"Vou refletir um pouco, Vincy. Vou conversar sobre este assunto com
Harriet. Provavelmente mando para você uma carta."
"Está bem. O mais rápido que puder, por favor. Espero que tudo
CAPITULO XIV
jado, pois cedo na manhã seguinte veio uma carta que Fred poderia
como Mary Garth não pudesse ser vista na sala em baixo, Fred foi logo
do numa guarda do leito, era tão capaz como sempre de deleitar-se com
152
GEORGE ELIOT
frustrá-la. Ele pôs os óculos para ler a carta, franzindo os lábios e esti-
que belas palavras o homem usa! tão bom como um leiloeiro! - de que
seu filho Frederic não obteve nenhum adiantamento em dinheiro por conta de
disse que eu prometi algum dia? não prometi nada - e farei codicilos
pudesse tentar - ah, mas o cavalheiro não diz que você é um rapaz sensato
nunca
fiz declaração alguma alegando que seu filho houvesse obtido empréstimos por
conta de quaisquer bens que lhe venham a caber em direito por legado de Mr.
advogado Standish não é ninguém perto dele. Não poderia falar melhor,
por cima dos óculos para Fred, enquanto lhe devolvia a carta com um
gesto desdenhoso, "você não pensa que eu acredite numa linha que seja,
muito provável que a negativa de Mr. BuIstrode seja tão boa quanto a
não dar vazão à irritação que sentia. "Vim trazer-lhe a carta. Se me per-
"Não, não, ainda não. Toque a sineta; quero que a menina suba."
"Que negócio foi este de ela ter de sair?" Quando Mary chegou, ele
"Será que não podia ficar sentada quieta aqui até eu mandar você
embora? Vamos, quero meu colete. Eu sempre lhe disse para deixá-lo na
cama."
chorado. Nesta manhã, estava claro que Mr. Featherstone se achava num
MIDDLEMARCH
153
teria preferido ser livre para atirar-se sobre o velho tirano e dizer-lhe
que
Mary Garth era boa demais para ficar à sua mercê. Fred se levantou
quando ela entrou no quarto, no entanto ela mal o havia notado, pois se
que palavras. Nisto que ela ia apanhar num cabide o tal colete, Fred
acrescentou quando o colete já estava posto a seu lado. Era comum que
molho de chaves e lentamente fez surgir uma caixinha que estava em-
"Está esperando que eu lhe dê uma pequena fortuna, não é?" disse
ele, olhando bem por cima dos óculos e, no ato de abrir a tampa, paran-
do um pouco.
"De modo algum. O senhor já foi muito bom quando outro dia falou
vel que uma coisa ou outra - não era obrigatório que ele soubesse o
com um macinho de notas; Fred pôde ver nitidamente que eram apenas
154
GEORGE ELIOT
ção. Mas talvez cada uma, quem sabe, fosse de cinqüenta libras. Pegou-
as, dizendo:
temente pensar em seu valor. Mas isto não agradou a Mr. Featherstone,
"Não acha que vale a pena contá-las? Você pega dinheiro como um
Fred porém não ficou lá tão feliz, depois que as contou de fato. Pois na
lhando isto, o absurdo e o ateísmo o ameaçam por trás. Foi grave o golpe
para Fred, quando ele descobriu não ter mais que cinco notas de vinte, e sua
parte da educação superior deste país não parecia ajudá-lo. Não obstante
"Creio que sim," disse Mr. Featherstone, trancando seu cofre, pondo-o
outra vez onde estava, depois então tirando os óculos, de um modo bem
"Manco-lhe senhor, que estou muito gratof disse Fred, que já ti-
"Como aliás devia estar. Você pretende fazer boa figura no mundo, e
nele, e de que este rapaz esperto, por fazê-lo, na verdade era um tolo.
Poucos homens têm sido mais tolhidos que eu," disse Fred, com certa
com que era tratado. "Realmente não é nada agradável ter de ir à caça
num cavalo sem fôlego, e ver homens, que não sabem sequer pela meta-
dejul ar tão bem como a evente canazes de Jogar dinheiro fora compran-
libras dão para isto, creio - e assim ainda lhe sobram vinte para você se
MIDDLEMARCH
155
"Ah, talvez melhor como tio que o seu bom tio BuIstrode, de cujas
especulaçäes, penso, você não vai tirar muito. Aliás, pelo que ouvi dizer,
ele amarrou seu pai pelo pé, e com corda forte, não foi?"
brem, sem que ele fale. Ele nunca terá muito o que lhe deixar: tudo indi-
ca que há de morrer sem testamento - é o tipo do homem para tanto -
por mais que eles o queiram fazer prefeito de Middemarch. Você porém
não ganhará grande coisa se ele morrer sem testamento, apesar de ser o
Fred pensou que Mr. Featherstone nunca havia sido tão desagradá-
vel antes. Em verdade, nunca antes ele lhe havia dado, de uma só vez,
tanto dinheiro.
"O senhor acha que eu devo destruir esta carta de Mr. BuIstrode;`
"Ah, sim, não a quero mesmo! Para mim não vale dinheiro algum."
satisfação. Estava doído para sair dali, mas sentia-se um pouco envergo-
nhado, quer perante seu ser interior, quer perante o tio, de se afastar do
e Fred, para seu indizível alívio, foi dispensado com a injunção de apare-
Doido por ver-se livre do tio, ele também o havia estado para encon-
trar Mary Garth. Ela agora se achava em seu lugar costumeiro perto da
" para eu subir?" disse ela, que já se erguia quando Fred entrou.
va tratando com mais indiferença que de costume: ela não sabia o quan-
tão grave quanto Mr. John Waule, que esteve aqui ontem, e sentou-se
156
GEORGE EnOT
"Pois eu não sabia. E para mim é uma das coisas mais odiosas na
vida de uma moça, que sempre tenha de haver alguma suposição sobre a
existência de amor entre ela e qualquer homem que é gentil com ela, e a
quem ela é grata. Agradar-me-ia pensar que eu, ao menos, pudesse ficar
"Que diabos o levem, este John Waule! Eu não queria. deixar você
zangada. Nem sabia que tivesse razäes para lhe ser grata. Esquecia-me
de que grande serviço pensa que é, se é alguém acende para você uma
vela." Fred também tinha o seu orgulho, e não ia demonstrar que sabia
"Oh, não estou zangada, a não ser com as maneiras em voga. Gosto que
se dirijam a mim como se eu tivesse bom senso. Realmente sinto com fre-
qüência que eu poderia entender um pouco mais do que sempre ouço até
"Não me importo que esta manhã você ainda ria à minha custa," disse
Fred, "achei que parecia tão triste quando esteve lá em cima. uma ver-
gonha que você tenha de ficar aqui para ser maltratada desse modo."
mas não dou para isto: tenho a mente por demais afeiçoada a vagar a seu
fazer aquilo por que nos pagam, nunca realmente o fazendo. Aqui posso
desincumbir-me de tudo tão bem como qualquer outra; talvez até melhor
do que algumas - Rosy, por exemplo. Muito embora ela seja justamente
esse tipo de bela criatura que, nos contos de fadas, é aprisionada com
ogres."
"Ora esta, Fred!" disse Mary enfaticamente; "você não tem o direito
"Oh, que eu sou ocioso e extravagante! Bem, eu não dou para ser
"Teria feito o seu dever nesta condição de vida à qual não aprouve a
"Bem, eu não poderia fazer o meu dever como clérigo, como você
não faria o seu como governanta. Nisto você devia ter um pouco de
MIDDLEMARCH
157
"Eu nunca disse que você devia ser clérigo. Há outros tipos de traba-
lho. O que a mim parece horrível é não se decidir por um rumo e agir de
se contra a lareira.
.Não disse isto. Você está querendo brigar comigo. uma lástima
"Como posso querer brigar com você! Eu deveria estar brigando é com
meus livros novos," disse Mary, erguendo o volume que estava na mesa.
"Você, por pior que tenha sido para outras pessoas, para mim é born."
"Porque eu gosto mais de você que qualquer outro. Sei porém que
me despreza."
nação de cabeça.
"Suponho que uma mulher nunca sinta amor por alguém que ela
"U
tas vezes sente. E sempre algum sujeito novo que impressiona uma moça."
parece um exemplo do que você diz. Mas também Ofélia, que provavel-
cia Mordaunt Merton desde que os dois eram crianças; mas no mais
tendo ele sido, ao que parece, um estimável rapaz; já Minna estava ain-
uma novidade para Flora Maclvor; mas nem por isto ela se apaixonou
dizer que elas caíram de amor por homens novos .2 Minha experiência,
de The Pirate
(1814), também
de Scott.
Oliver GoIdsmith;
158
GEORGE ELIOT
Foi com certa malícia que Mary olhou para Fred, e este olhar tão
dela, para ele era muito caro, embora os olhos nada fossem além de
claras janelas onde a observação se punha aos risos. Ele decerto era um
o amor que ele sentia pela antiga amiguinha, não obstante aquela parte
classe a exacerbarem-se.
"Quando um homem não é amado, de nada lhe adianta dizer que ele
podia ser uma pessoa melhor - que podia fazer fosse o que fosse - se
"Nada de menos útil no mundo, para ele, do que dizer que podia ser
"Não vejo como um homem possa ser bom de fato, a menos que
"Pois eu creio que a bondade deveria vir antes de ele esperar por
isto."
"E você ainda sabe mais, Mary. Não é pela bondade dos homens que
"Talvez não. Mas, se acaso os amam, nunca pensam que eles são
maus."
condiçäes de casar."
"Se eu lhe amasse, não iria querer casar com você: certamente não
"Você quer dizer, assim como eu sou, sem meios de manter uma
"Neste último ponto você há de alterar-se. Mas não estou assim tão
segura de qualquer outra alteração. Diz meu pai que um homem ocioso
"Não; pensando bem, creio que faria melhor se passasse em seus exa-
qw
MIDDLEMARCH
159
", é tudo ótimo. Qualquer coisa para ele é fácil. E não que a inteli-
gência tenha alguma coisa a ver com isto. Sou dez vezes mais inteligente
por dez, e o quociente - meu Deus! - fica apto a colar grau. Mas
isto na verdade só mostra que você é dez vezes mais vadio que os
outros."
"Não é esta a questão - o que eu quero que você faça. Você tem sua
própria consciência, suponho eu. Mas olhe lá! lá vem Mr. Lydgate. Te-
"Mary," disse Fred, pegando sua mão enquanto ela se levantava; "se
você não me der algum estímulo, ao invés de melhor hei de ficar pior."
seus amigos nem os meus gostariam. Meu pai consideraria uma desgra-
quisesse trabalhar!"
porta, mas ai se virou e disse: "Fred, você foi sempre tão bom, tão
generoso para mim. Não sou uma ingrata. Mas nunca me fale deste
modo de novo."
"Está bem," disse Fred amuado, pegando seu chapéu e o chicote. Sua
tinha dinheiro! Mas, contando com as terras de Mr. Featherstone por trás,
Ao chegar em casa, deu à sua mãe quatro das notas de vinte, pé-
dindo-lhe que as guardasse para ele. "Não quero gastar este dinheiro,
mãe. Quero-o para pagar uma dívida. Ponha-o pois a salvo dos meus
dedos."
mente seu filho mais velho e a filhinha mais nova (uma menina de seis
anos), que outros consideravam seus dois piores rebentos. Nem sem-
pode julgar melhor, dentre suas crianças, qual a mais terna e de cora-
ção mais filial. Certamente Fred adorava sua mãe. E talvez fosse sua
160
GEORGE ELIOT
mente ansioso para obter alguma segurança contra sua própria tendên-
cia a esbanjar as cem libras. Pois o credor a quem ele devia cento e
CAPITULO XV
Guide me to my treasure:
Many-namŠd NatureP"
Na perecível beleza,
162
GEORGE ELIOT
mente dos capítulos iniciais dos sucessivos livros de sua história, onde
dias eram mais longos (pois o tempo, como o dinheiro, é medido por
humanos e vendo como eles foram tecidos e entretecidos, que toda a luz
que posso conduzir deve estar concentrada nesta trama específica, e não
universo.
melhor conhecido por quem nele tinha interesse do que talvez ele pudes-
se ser mesmo por aqueles que o viram com maior freqüência desde o
ca, dava a entender que grandes coisas se esperavam dele. Pois o dou-
tes, e inatacável por qualquer objeção, a não ser que às intuiçäes das
clientes opunham-se outras igualmente fortes; pois cada uma das se-
MIDDLEMARCH
163
nome de insurreição, não devesse abrir fogo com cartuchos sem bala,
lidade é tudo o quanto pode ser dito sobre quaisquer talentos vivos.
Mr. Lydgate poderia ter conhecido até mesmo o Dr. Sprague e o Dr.
que muitos homens não são muito comuns - em que esperam realizar
militar, fizera pouca provisão para três filhos, e quando o jovem Tertius
pediu para estudar medicina, seus tutores julgaram mais fácil atender
foi um desses raros adolescentes que bem cedo seguem uma inclinação
eles gostariam de fazer por amor, e não porque seus pais a fizeram. Qua-
tos nos sentávamos para ouvir a nova conversa ou, pela própria falta de
livros, começávamos a ouvir vozes interiores, o primeiro começo
adquirida, e que a
personifica.
164
GEORGE ELIOT
guma coisa ele tinha de ler, quando não estava montando o pônei, nem
isto com ele, em seus dez anos de vida, era verdade; já havia lido a essa
era leite de infantes, nem uma branquicenta mistura prevista para passar
por leite, e já lhe havia ocorrido que os livros eram uma boa droga, e a
vida era uma bobagem. Seus estudos na escola não modificaram muito
esta opinião, pois, embora ele tivesse Mado" matemática e.os clássicos,
em nenhuma das duas áreas foi preeminente. Dele era dito que Lydgate
poderia fazer qualquer coisa que quisesse, mas que certamente ele não
tinha ainda querido fazer alguma coisa notável. Era um animal vigoroso
que o necessário para a vida de adulto. bem provável que este não
fosse um produto raro da educação dispendiosa nesse período de casa-
cos curtos na cintura e outras modas que ainda não voltaram. Mas, nu-
procurar mais uma vez algum livro que pudesse ter novo interesse para
ele: em vão! a não ser, de fato, que ele apanhasse uma série de volumes
prateleira mais alta, e ele subiu numa cadeira para alcançá-los. Abriu
ler numa atitude improvisada, justamente onde talvez não pareça con-
Não tinha muita intimidade com válvulas de nenhum tipo, mas sabia
que valvae eram portas de dois batentes, e por esta greta veio uma súbita
luz que lhe imprimiu sua primeira vívida noção do mecanismo perfeita-
(1726), de jonathan
Chartes Johnston,
"N
MIDDLEMARCH
165
modo que por tudo quanto sabia seu cérebro ficava em pequenas bolsas
nas têmporas, e ele não tinha mais idéia de como representar para si
por aquela ignorância palavrosa que ele havia suposto ser conhecimen-
to. A partir desta hora Lydgate sentiu o crescimento de uma paixão inte-
lectual.
co; pois talvez seu ardor na lida generosa e não paga tenha esfriado tão
um dia seu mais primevo ser entrou como um fantasma na antiga casa e
rança para ele, porque seu interesse científico logo tomou a forma de um
"1
166
GEORGE ELIOT
tudar em Paris com a determinação de que ao voltar para casa iria esta-
seu trabalho. Pois deve ser lembrado que este era um período de trevas;
rante a opinião pública pelo Colégio de Facultativos, que dava sua san-
que poderia talvez ter mais melhoras com mais drogas ainda, desde que
vacinas, a que
MIDDLEMARCH
167
mudanças, pareceu a Lydgate que uma mudança nas unidades era o
modo mais direto de mudar os números. Pretendia ele ser uma unida-
as, e que teria enquanto isso o prazer de fazer vantajosa diferença para
as vísceras dos seus pacientes. Mas ele não visava somente a um tipo
descobertas.
com efeito, pouco sabe dos grandes originadores até que eles tenham sido
não tocou ele num órgão de igreja de província, e não deu aulas de música
Sumidades tinha de se mover pela Terra entre vizinhos que talvez pensas-
sem muito mais no seu jeito de andar e suas roupas do que em qualquer
outra coisa que estivesse para intitulá-la à duradoura fama: cada um deles
sórdidos cuidados, que fazia a fricção de retardo no seu trajeto para atin-
gir a companhia final dos imortais. Lydgate não era cego aos perigos desta
possível: estando com vinte e sete anos, sentia-se experiente. E não iria
exibidos na capital, mas sim viver entre pessoas que não poderiam rivali-
zar com essa realização de uma grande idéia que seria um objetivo parale-
quisas. Não era esta a típica superioridade de sua profissão? Ele seria um
pista de amplas investigaçäes. Num ponto ele já podia muito bem preten-
der aprovação nesta etapa particular de sua carreira; não queria imitar o
68
GEORGE ELIOT
ou que são sócios de um antro de jogatina a fim de terem tempo livre para
uma concepção anatämica. Uma destas reformas era agir em estrita obe-
diência a uma recente decisão legal, apenas receitando mas não preparan-
víncia, isto era uma inovação, e seria sentido como crítica ofensiva por
bastante sensato para ver que sua maior garantia de uma prática honesta
contrário.
à parte e, depois, por assim dizer, em estado federativo; mas devem ser
mäes etc., - assim como as várias partes de uma casa são construídas
MIDDLEMARCH
169
partes - o que são suas fraquezas e o que seus reparos, sem conhecer a
rua escura iluminada a óleo, revelando novas ligaçäes e fatos até então
tava a fazer todo um trabalho científico que poderia ser encarado como
outra mente dissesse: não têm tais estruturas alguma base comum da
to do homem. Trabalho que ainda não fora feito, mas somente prepara-
do para aqueles que soubessem como usar a preparação. Qual foi o teci-
anos, sem nenhum vício arraigado, com uma resolução generosa de que
sua ação fosse beneficente, e com idéias na cabeça que tornavam a vida
sua clientela. Ele estava naquele ponto de partida que faz de muitas car-
70
GEORGE UM
não perca seu interesse por ele, espero, em razão dos defeitos! Em meio
Todas estas coisas podem ser alegadas contra Lydgate, mas considere-se
que elas são as perífrases de um pregador polido, que fala de Adão, mas
por seus bancos na igreja. Os defeitos particulares dos quais são destila-
das estas generalidades diáfanas têm fisionomia, dicção e trejeitos
sentindo-se bem certo de que não conseguiriam ter poder sobre ele: tinha
que tinha uma bela voz de barítono, cujas roupas caíam bem e que mes-
tão bem nascido, tão ambicioso de distinção social, tão generoso e incornum
assunto que não domina, ou como um homem que, como tantos, tem a
MIDDLEMARCH
171
maior boa vontade para apressar o milênio social pode ser mal inspirado
niência de ser sabido (sem que ele mesmo contasse) que era mais bem
nascido que outros cirurgiäes da província. Não pretendia, por ora, pensar
cabeça, por impetuosa loucura que esperava fosse a última, posto que o
so. Para quem queira conhecer Lydgate será bom saber que caso de lou-
cura impetuosa foi este, pois o mesmo pode ficar como exemplo de uma
inconstância na direção das paixäes a que ele estava sujeito, junto com a
sitava, ele deixou seus sapos e coelhos repousando um pouco dos testes
que já tinha visto várias vezes; não atraído pelo engenhoso trabalho dos
co-autores da peça, mas por uma atriz cujo papel era esfaquear seu aman-
mulher à qual jamais espera falar. Era uma Provençale, de olhos negros,
perfil grego, formas roliças e majestosas, tendo esse tipo de beleza que
mulher. como se sob a brisa do ameno sul ele se jogasse por um momen-
172
GEORGE ELIOT
retornaria em seguida. Mas esta noite o velho drama teve uma nova
seu marido, que tombou como mandava a morte. Um grito feroz atra-
pedidos na peça, mas desta vez a perda dos sentidos fora real também.
De um salto Lydgate subiu, e nem bem soube como, para o palco, e foi
com a história desta morte: - foi crime? Alguns dos mais calorosos
ainda mais por isto (tal era o gosto da época); mas Lydgate não era um
xão impessoal que antes sentira pela sua beleza transformara-se agora
jovem casal se amava muito; e não era coisa sem precedentes que um
altura Lydgate havia tido várias entrevistas com ela, e achado-a cada vez
mais adorável. Ela falava pouco; o que era um charme adicional. Andava
onde teria sido ainda mais popular pelo fatal episódio, ela deixou Paris
guém talvez a procurou muito longe, a não ser Lydgate, que sentia toda
golpeada por uma dor sempre emática, e ela mesma em emanças, sem
que encontrasse um fiel consolador. Atrizes ocultas, todavia, não são tão
muito tempo antes de Lydgate juntar indicaçäes de que Laure tinha to-
que nunca como uma mulher abandonada que levava o filho nos braços.
Falou com ela depois da peça, foi recebido com a quietude usual, que
lhe parecia tão bela quanto o fundo da água clara, e obteve permissão
MIDDLEMARCH
173
adorava e a pedir que ela se casasse com ele. Bem sabia que era como o
tuais fraquezas. Não importava! Era a coisa que estava resolvido a fazer.
Ele aparentemente tinha em seu íntimo dois seres, os quais deviam apren-
estranho como alguns de nós, com visão rápida e alternada, vemos além
Abordar Laure com uma proposta que não fosse de terna reverência
teria sido simplesmente uma contradição com todos os sentimentos que
para ele com olhos que pareciam espantar-se tanto como se espanta
"Vim porque não podia viver sem tentar vê-la. Você está só; amo-a;
quero que consinta em ser minha esposa: hei de esperar, mas quero que
emergir das grandes pálpebras, até ele se encher de uma arrebatada cer-
"Vou-lhe dizer uma coisa," disse ela ao seu jeito de arrulhos, man-
mais a você."
Laure fez uma pausa e disse então bem devagar: "Eufiz depropósito."
Lydgate, homem forte como era, ficou pálido e trêmulo: momentos pa-
"Havia então um segredo," disse por fim, não sem veemência. "Ele
"Oh, Senhor Deus!" disse Lydgate num gemido de horror. "E você
planejou assassiná-lo?"
sos broncos.
174
GEORGE ELIOT
de seu coração e a crença de que tornar a vida humana melhor era possí-
vel. Mas tinha mais razão do que nunca para confiar em seu discernimento,
veis moradores locais, com efeito, não se davam mais do que os mortais
mento muito vago do modo pelo qual a vida o estivera até então forjan-
CAPÍTULO XVI
muita luz sobre o poder exercido na cidade por Mr. BuIstrode. O ban-
ção e, mesmo dentre os que o apoiavam, alguns permitiam ver que seu
176
GEORGE ELIOT
mação de Stubb sobre o lugar onde ela estendia roupa, e até iria esmiu-
çar em pessoa uma calúnia contra Mrs. Strype. Seus pequenos emprésti-
ter deste modo, além de certo domínio sobre a esperança e o medo dos
to possível, para que ele pudesse usá-lo para a glória de Deus. Passava
determinar seus motivos e deixar para si mesmo bem claro o que a glória
de Deus queria. Mas seus motivos, como vimos, nem sempre eram de-
sas; e que tinham forte suspeita, sendo Mr. BuIstrode incapaz de gozar a
vida à mesma moda que elas, por comer e beber assim tão pouco, sem-
pre se molestando com tudo, de que ele devia dar-se a uma espécie de
BuIstrode não impediram certa liberdade ao falar, como ele pôde perce-
ber, até mesmo por parte do dono da casa, cujas razäes contra a solução
proposta giravam exclusivamente em torno de sua objeção aos sermäes
de Mr. Tyke, que eram pura doutrina, e sua preferência pelos de Mr.
"Mas então que posição você vai assumir?" disse Mr. Chichely, o
"Oh, ainda bem que eu não sou mais Diretor! Vou votar para que o
MIDDLEMARCH
177
cidade, e depois para Lydgate, que se sentava do outro lado. "Os senho-
çäes, de modo geral, costumam muito ser feitas por uma questão de
uma reforma, constata-se que o único jeito seria aposentar as boas pes-
despiu de toda expressão seu rosto grande, pesado, e olhou para o seu
copo de vinho enquanto Lydgate falava. Algo mais, além do que havia
mente mal recebido por um médico cuja reputação se firmara trinta anos
bem de espécie não taxada que não e nada agradável ver depreciado.
do grupo. Mr. Vincy disse que, se pudesse resolver à sua maneira, não
"· breca com essas suas reformas!" disse Mr. Chichely. "Não há maior
uma manobra para encaixar outros homens. Espero que o senhor não
muito
lido por George Eliot como fonte para o preparo destes capítulos.
178
GEORGE ELIOT
ria mencionar um ou dois pontos nos quais Wakley está com toda a
razão."
"Oh, está bem" disse Mr. Chichely, "não acuso ninguém por querer
do formação jurídica."
torna
de outro tipo. As pessoas falam de depoimentos como se essas " coisas real-
mente pudessem ser pesadas na balança por uma justiça cega. Não há ho-
mem capaz de julgar o que seja um bom depoimento sobre qualquer assun-
não é nada melhor do que uma velha senhora para um exame post-mortem.
Como pode ele saber a ação de um veneno? Seria o mesmo que dizer que
"O senhor está ciente, suponho, de que a tarefa do perito legista não
"A qual muitas vezes é quase tão ignorante quanto o próprio legista,"
venha a perder os serviços do meu amigo Chichely, ainda que possa ter
sempre se fica mais seguro. Ninguém pode saber tudo. E quase tudo é
preciso é que se conheça a lei. Mas, venham cá, que tal se nos fôssemos
juntar às damas?"
MIDDLEMARCH
179
nada, mas sua intenção não fora ser pessoal. Esta era uma das dificulda-
vez que a própria Mrs. Vincy presidia a mesa de chá. Nunca ela renuncia-
família, bondoso e viçoso, com seus cordäes cor de rosa flutuando muito
nos lábios e pálpebras. Rosamond podia dizer a coisa certa; pois era
todos os tons. Felizmente nunca tentava fazer graça, e esta era talvez a
A conversa entre ela e Lydgate fluiu logo. Lamentou este que a não
tivesse ouvido cantar no outro dia em Stone Court. Ir ouvir música era
o único prazer que ele se permitia durante a última parte de sua estada
em Paris.
melodias; mas a música que ignoro de todo de que não tenho a menor
bons músicos por aqui. Conheço apenas dois senhores que cantam ra-
zoavelmente."
raros sorrisos. "Mas nós estamos falando muito mal dos vizinhos."
180
GEORGE ELIOT
Já quase Lydgate se esquecia de que era preciso sustentar a conver-
sa, pensando quão adorável era a criatura ela mesma, dir-se-ia que ves-
encanto maduro de quem era senhora de si. Desde que vivera sua me-
cio dos olhos muito grandes: não mais o atraía a vaca divina, tipo do
nossa igreja de St. Peter é um bom músico, e continuo a estudar com ele."
"Muito pouco." (Uma garota mais ingênua teria dito: "Oh, tudo!"
um pouco o pescoço e ergueu a mão para tocar nas suas tranças fantás-
ticas - gesto que lhe era tão habitual e gracioso como qualquer movi-
mento de uma gatinha com a pata. Não que Rosamond fosse uma gata;
lo, se não vai-lhe fazer mal aos nervos," disse Rosamond e moveu-se
para o outro lado da sala, onde Fred, tendo aberto o piano a pedido do
MIDDLEMARCH
181
zes, desses que passam nos exames, às vezes fazem tais coisas, não meno
"Por favor, Fred, adie para amanhã seu exercício; você vai deixar M
"Agora sim, Rosy!" disse Fred, que pulou fora do banco e girou-o
para ficar mais alto para ela, em calorosa expectativa de fruição. "Primei
de assustar, ouvido pela primeira vez. Uma alma oculta parecia emanar
nas. Lydgate, totalmente tomado, começou por sua vez a tomá-la por
algo muito incomum. Afinal de contas, pensava, não há por que sur-
olhar para ela, ficara pois ali sentado, e nem sequer se levantou para
lhe fazer elogios: deixou a tarefa para outros, agora que sua admiração
se aprofundara de todo.
por Aí;" pois os mortais têm de partilhar modas de sua época, e nin-
guém, a não ser os próprios antigos, pode o tempo todo ser clássico.
Mas Rosamond poderia cantar "Susan de Olhos Negros," sem fazer feio,
olhos pela sala. A mãe, sentada com a filha mais nova no colo, como
182
GEORGE ELIOT
quinhão feliz, que tornavam excepeional uma casa na maioria das cida-
uíste, e ainda agora as mesas de jogo estavam postas, fazendo com que
quarenta anos, cujo hábito negro estava muito surrado: todo seu bri-
interessarrio-nos por todo novo conhecido até que ele tenha visto tudo
e dizendo: "Bem, vamos então passar ao sério! Mr. Lydgate? não joga?
Ah, o senhor ainda é muito jovem e ágil para esse tipo de coisa."
culto o clérigo cuja capacidade causava tanta aflição a Mr. BuIstrode pa-
recia ter encontrado um lugar que era compatível com ele. E em parte
entendia isto: o bom humor, a boa aparência dos idosos e jovens, as mil
Tudo ali parecia alegre e viçoso, exceto Miss Morgan, que era more-
na, insípida, resignada e, no todo, como dizia muitas vezes Mrs. Vincy, o
tipo de pessoa para ser governanta. Lydgate não tencionava fazer muitas
MIDDLEMARCH
183
disse Lydgate. "Mas já notei que cada qual sempre acha que não existe
cidade mais ignorante que a sua. Quanto a mim, decidi aceitar Midde-
mesmo modo. Aqui sem dúvida já encontrei alguns encantos que são
"Dançar por acaso lhe desperta algum interesse? Não sei ao certo se os
sorriso. "Eu ia apenas dizer que às vezes organizamos uns bailes e que-
ria saber se se sentiria ofendido, caso fosse convidado a um deles."
que era o de um ás, e também seu rosto, que era uma mistura chocante
tanto quis um copo d"água somente. Ele estava ganhando, mas nada
direção à torre de St. Botolph, a igreja de Mr. Farebrother, que à luz das
resumia-me a quatrocentas libras por ano. Era o que Lydgate tinha ouvi-
teria importância para Mr. Farebrother; pensava: "Ele parece uma pes-
soa muito agradável, mas BuIstrode pode ter lá suas razäes." Muitas
coisas ficariam mais fáceis para Lydgate se Mr. BuIstrode lhe acabasse
184
GEORGE Ei,,iOT
que houvesse irrompido em sua vida alguma nova corrente. Por ora ele
não podia casar-se; por muitos anos não queria casar-se; não estava por
que admirou por acaso. Era enorme a admiração que sentia por
Rosamond; mas aquela loucura que por causa de Laure se apossara dele,
tempos atrás, não deveria voltar a ocorrer a seu ver em relação a nenhu-
fazê-lo por uma criatura assim como Miss Vincy, que possuía justamente
vida e abrigada num corpo que exprimia isto com uma força de demons-
certo de que, se jamais se casasse, sua esposa teria esse fulgor de mu-
lher, essa feminilidade distintiva que deve ser classificada com as flores e
a música, essa espécie de beleza que por sua própria natureza era virtuosa,
Mas - como ele não pretendia casar-se nos próximos cinco anos
- sua obrigação mais premente era dar uma olhada no novo livro de
tifo e a febre tifóide. Foi para casa e leu até o raiar da aurora, abordan-
detalhes bem mais profunda do que jamais ele julgara necessário apli-
Louis.
MIDDLEMARCH
185
o, esta sim, a própria árdua invenção que é o modo de ver que a pesquisa
infeliz.
de costas após um nado exaustivo, por assim dizer, para boiar no repou-
estudos, e algo assim como pena dos homens de menor sorte que não
"Se eu não tives se tornado este destino quando ainda era garoto,"
nada para isto como a medicina: pode-se ter a vida científica exclusiva
186
GEORGE ELIOT
gens da noite. Imagens que lhe flutuavam na mente de modo bem agra-
absorvia no amor por seu trabalho e na ambição de tornar sua vida reco-
nhecida como um fator de progresso para a vida de toda a humanidade
cada um no seu mundo, do qual nada sabia o outro. Não havia ocorri-
nem dispunha de razäes para encarar seu casamento tão-só como pers-
ses e olhares que são parte ponderável na vida de quase todas as mo-
ças. Ele não tinha pretendido olhar para ela, nem falar-lhe, com mais
mundo: sem dúvida ele tinha uma profissão e era inteligente, bem como
MIDDLEMARCH
187
pedir-lhe-ei que use com um pouco mais de rigor seu poder de compa-
tido alguma vez influência análoga. Nossas paixäes não vivem em com-
pas de idéias, trazem suas provisäes para uma mesa comum e comem
respectivo apetite.
com Tertius Lydgate como ele era em si mesmo, mas em sua relação
para com ela; e era perdoável, numa garota acostumada a ouvir que
seria exceção. Seus olhares e palavras significavam mais para ela que
os de outros homens, porque ela lhes dava mais atenção: neles pensa-
amigos, praticando sua música e da manhã à noite sendo ela mesma seu
não eram tão bons, e sabia de cor muitos poemas. Seu favorito era "Lalla
Rookh."I
"A melhor garota do mundo! Feliz será o homem que a tiver!" era o
romance.
188
GEORGE ELIOT
extremos de ridículo, pois de que serviriam tantos dons que seriam pos-
tos de lado tão logo ela estivesse casada? Já sua tia BuIstrode, que era de
uma lealdade fraterna com a família do irmão, tinha dois sinceros dese-
jos para Rosamond - que ela viesse a mostrar um espírito com inclina-
CAPÍTULO XVII
do; e havia, nos panos das paredes, velhos espelhos para refleti-los, bem
lo havia três senhoras que eram também de outra época e de uma res-
setenta anos; Miss Noble, a irmã dela, uma velhinha minúscula de apa-
ft
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GEORGE ELIOT
mulheres solteiras costumam ser quando passam suas vidas em inin-
tão singular: sabendo apenas que Mr. Farebrother era solteiro, tinha
peça. Não era este o caso com Mr. Farebrother: ele apenas se mostrava
um pouco mais silencioso e dócil, sendo sua mãe quem mais falava, e
sunto algum bem seguro sem ela estar ao comando. Sobrava-lhe tem-
po para preencher tal função por ter todas suas pequenas necessidades
atendidas por Miss Winifred. A minúscula Miss Noble, por seu turno,
que ela primeiro havia posto, como que por distração, em seu pires; e
Mas não pense mal de Miss Noble, por favor! A cesta só continha uns
amigos pobres em meio aos quais ela perambulava nas manhãs de bom
um tão espontâneo prazer que ela chegava até a vê-lo como um vício
ser tentada a roubar dos que tinham muito para poder dar aos que
lidade e precisão. Informava-o agora não ser muito freqüente, nesta casa,
que precisassem de ajuda médica. Pela criação, ela mesma havia acostu-
mado seus filhos a usar flanela e a não comer demais, hábito este, o
mães tinham comido demais, mas Mrs. Farebrother tomou por perigoso
este seu modo de ver: a Natureza era mais justa; seria fácil para qualquer
condenado dizer que seus ancestrais é que deveriam ter sido mandados
em seu lugar à forca. Se os que tiveram maus pais e mães foram maus
1 MIDDLEMARCH
191
"Minha mãe é como o velho Jorge III," disse o Pastor, "faz objeçäes
à metafísica."
"Não, não, Carnden, você não deve induzir Mr. Lydgate a um erro
sobre mim. Nunca demonstrarei tal desrespeito para com meus pais, re-
nunciando ao que eles me ensinaram. Qualquer um pode ver no que vão
dar as mudanças. Se você muda uma vez, por que não vinte?"
"Um homem pode ter bons argumentos para mudar uma vez, sem
to. Meu pai nunca mudou e pregava sermäes de moral simples, sem
dar apoio."
eu venha a seguir novas idéias, das quais aliás estamos cheios, tanto
aqui como alhures. E, como eu digo, elas vieram junto com esses tecidos
mesclados, que não são bons para usar nem de lavar. Nos meus tempos
um pastor, pode ter plena certeza, era, quando não mais, um cavalheiro.
Mas hoje em dia pode estar reduzido a ser tão-só um Dissidente e, sob
pretexto de doutrina, querer pôr o meu filho de banda. Seja quem for
192
GEORGE ELIOT
não falar desta cidade, cujo padrão é muito baixo para servir de parâmetro;
pelo menos é assim que eu penso, eu que nasci e fui criada em Exeter."
"As mães nunca são parciais," disse Mr. Farebrother sorrindo. "O
"Ah, pobre criatura! mas o que é?" disse Mrs. Farebrother, sua
mentos maternos. "A si mesma ela sempre diz a verdade, não duvide."
"Oh, não é nada mau," disse Mr. Farebrother. "Ele é um sujeito de-
sua esposa me contaram que Mr. Tyke disse que eles não iriam mais ter
Mrs. Farebrother interrompeu seu tricô, que ela havia retomado após
a módica porção de chá com torradas, e olhou para o seu filho como se
quisesse dizer: "Ouviu só?" Miss Noble exclamou: "Oh, coitados! coita-
" só porque não são meus paroquianos. E não creio que meus ser-
"Mr. Lydgate," disse Mrs. Farebrother, que não podia deixar a opor-
tunidade escapar, "o senhor não conhece meu filho: ele sempre se subes-
tima. E sempre lhe digo que está subestimando Deus, que o fez, e que o
" bem provável, mãe, que isto seja uma insinuação para que eu
saia com Mr. Lydgate para o meu gabinete," disse, gracejando, o Pastor.
As damas, todas três, protestaram. Mr. Lydgate. não deveria ser afas-
tado assim às carreiras, sem nem poder aceitar uma outra xícara de chá:
Lydgate, por sinal, desculpasse! Seria muito melhor jogar uma partida
pelas mulheres de sua família como o rei dos homens e dos pregadores,
MIDDLEMARCH
193
trolado mais.
"Minha mãe não está habituada a que eu receba visitas que possam
porta de seu gabinete, que era de fato tão desprovido de luxúrias para o
mento contra mim, por BuIstrode e Companhia. Eles não sabem como o
nhas forças."
"E a todas deve querer para o seu trabalho, pois não? Eu, que sou
uns dez ou doze anos mais velho que o senhor, já cheguei a um compro-
misso. Alimento uma ou duas fraquezas para que elas não se tornem
- Ah! mas o senhor já pegou aí este frasco - e o olha mais do que nas
nos calcanhares para começar a encher seu cachimbo. "Não conhece esta
194
GEORGE ELIOT
com seu sentido latente - qual seja, que o Pastor não se sentia de todo
pensar novamente nos ganhos com o baralho e sua destinação. Mas ele
possível. Ao que tudo indicava, não lhe faltava uma noção de que esta sua
disse:
"Eu ainda não lhe disse, Mr. Lydgate, que tenho a vantagem de
correspondia com ele, que muito me falou a seu respeito. Não tinha
certeza, quando o senhor apareceu por aqui, que fosse a mesma pessoa.
Mas fiquei muito contente ao descobrir que era. Só não esqueço é que
entendesse em parte. "Por falar nisso," disse, "o que foi feito do Trawley?
mas sociais franceses, e falava de ir para o mato para fundar uma espécie
própria conversa - pode estar certo de que todo o bom senso se achava
do meu lado."
MIDDLEMARCH
195
doze ou treze anos a mais do que o senhor por meu conhecimento das
este frasco. Quer fazer uma troca? Pois não há de consegui-lo sem uma
boa barganha."
tenha."
preço mais alto. Que tal se eu lhe propusesse dar uma olhada nas gave-
comprazer-se com as tolices alheias, até que sejam desprezados por aque-
subscritos numa letra impecável. "O melhor caminho é tornar seu valor
"De bom grado o admito. Mas é preciso estar seguro sobre o próprio
são capazes disto. Ou bem a gente cai fora do serviço de vez, e se torna
Lydgate afinal teve de dar um pouco de atenção a cada uma das gave-
1858), um dos
196
GEORGE ELIOT
depois que eles já estavam sentados, "faz um bom tempo que decidi
esquivar-me deles ao máximo. Foi por isto que em Londres eu não quis
tentar nada, ao menos por uns bons anos. Não me agradou o que vi
engana quanto a isto e se arrepende mais tarde. Mas não esteja assim
"Não propriamente. claro que eles tornam muitas coisas mais difí-
ceis. Mas uma boa esposa - uma boa mulher nada mundana - pode
quiano meu - uma ótima pessoa, mas que dificilmente teria aberto seu
caminho, como ele fez, sem sua esposa. O senhor conhece os Garths?
Lowick."
"Não entendo," disse Lydgate; dificilmente ele poderia dizer: " claro."
"Oh, não há quem lhe escape ao crivo. Preparei-a para sua confirma-
Pastor largou seu cachimbo, esticou bem as pernas e virou para Lydgate
"Não vejo por que eu me preocupar com estas coisas," disse Lydgate,
MIDDLEMARCH
197
com uma ponta de arrogância; "mas sobre hospitais ele parece ter boas
sem nenhuma afetação. "Não coloco como obrigação dos outros cuidar
tes que mais fazem para causar desconforto a seus vizinhos do que para
uma coisa ruim; quanto a ele querer tirar-me do velho - bem, ele ape-
mera nutrição de sua patologia moral e terapêutica. Não disse pois se-
caso. Mas vamos deixar isto de lado. Eu somente lhe queria dizer que,
se o senhor der seu voto para o seu homem do arsênico, não estará por
CAPITULO XVIII
razão, ele adiou a decisão para saber a qual dos lados deveria dar seu
Mas sua simpatia pelo Pastor de St. Botolph aumentara com o co-
MIMUMARCH
199
filialmente cavalheirescos como ele era com sua mãe, tia e irmã, cuja
mesmo, não eram lá muito cômodos; poucos homens que sentem a pres-
para lhes justificar as açäes. E depois, sua pregação era tão engenhosa e
jança e seus sermäes ele os proferia sem livro. Gente que não pertencia
à sua paróquia ia ouvi-lo; e, uma vez que encher a igreja de gente era
sempre a parte mais difícil das funçäes de um clérigo, aqui estava outra
conversa que fazem da metade de nós, para os nossos amigos, uma afli-
que poderia contar com Lydgate, de modo geral, como um auxiliar seu,
assunto banal de Middemarch. Não havia como ele não ouvir em seu
ministro e, o caso Tyke, uma questão de poder ou não poder; e ele não
GEORGE ELIOT
barba, quando começou a sentir que lhe urgia realmente reunir sobre o
por dinheiro, gostando do jogo sim, mas sem sombra de dúvida também
gostando dos fins a que seus ganhos serviam. Mr. Farebrother " sustenta-
certo de que ele jogaria bem menos, não fosse o dinheiro. Havia um
de que algumas vezes ele andara por lá à luz do dia e teria ganho dinhei-
não ser por causa das quarenta libras. Lydgate não era um puritano, mas
o jogo não lhe apetecia, e o dinheiro que nele se ganhava sempre lhe
soara como desprezível; além disso, tinha um ideal de vida que tornava
odiosa para ele. Até então em sua vida as necessidades haviam sido
so era sempre ser liberal com suas meias-coroas, bagatelas sem nenhu-
Donde não ser propenso a conceber desculpas para essa caça deliberada
aos pequenos ganhos. Era-lhe ela totalmente repulsiva, a ele que nunca
pulsivo depunha contra Mr. Farebrother ainda com mais força que antes,
A gente saberia bem melhor o que fazer se o caráter dos homens fosse
MIDDLEMARCH
201
incluía em seus planos. Por outro lado, havia Tyke, homem que se dava
de todo à função clerical, que era apenas coadjutor numa capela da paró-
tinha nada o que dizer contra Mr. Tyke, a não ser que agüentá-lo era
Fosse qual fosse o lado para o qual pendia Lydgate, havia porém
ele estaria votando no partido que obviamente mais lhe convinha. Mas
sua própria conveniência haveria de ser de fato o fim? Não faltaria quem
dissesse que sim, alegando que ele procurava cair nas boas graças de
impunha que ele preferisse por desígnio ter um bom hospital, onde pu-
término deste debate em seu íntimo, quando ele saiu para o hospital,
algum modo dar à questão novo aspecto, fazendo com que a oscilação
- num sentimento que em caloroso fluir tomasse mais fácil sua decisão,
se como fosse, não se disse com clareza de que lado iria votar; e o tempo
202
GEORGE ELIOT
lógica que ele, com suas isentas resoluções de independência e sua in-
bem distinto que, em seu quarto dos tempos de estudante, ele havia
por Tyke não estava tão garantida como em geral se havia suposto.
não ter religião, mas Middemarch dava um jeito de tolerar esta sua
lha quanto o mundo, era ainda bem forte até nas mentes das clientes
ras uma devoção ativa, haveria uma presunção comum contra sua
capacidade médica.
MIDDLEMARCH
203
rista fazia algum gracejo sobre o Credo Atanasiano,1 o Dr. Minchin cita-
ele tinha certo grau de parentesco com um bispo e que às vezes, em suas
Mãos finas, tez pálida e arredondado nas formas, o Dr. Minchin não
mostravam parte exagerada das botas, num tempo em que suas botas de
previsível seria que a detectasse na espreita, para então vencer pela as-
túcia. Ambos desfrutavam era doses mais ou menos iguais do misterioso
lidade aberta com ele, nem nunca divergisse dele sem uma elaborada
tes por contrato, era não obstante uma ofensa às narinas de profissio-
reafirmava a
204
GEORGE ELIOT
jovem prático, que chegara à cidade após a aposentadoria de Mr. Peacock
to que depunha por uma sólida formação profissional, o fato de ele apa-
Claro estava que Lydgate, não dando remédios, pretendia lançar impu-
observação, de fato, poderia ser muita, mas era sempre algo suspeita.
nido: "Eu estou com Farebrother. Um salário, sim, de muito bom grado.
Mas por que tirá-lo do Pastor? quase nada o que a ele toca - ele que
tem de garantir sua vida, além de manter a casa e cumprir com suas
caridades. Ponham-lhe quarenta libras no bolso que não lhe estarão fa-
zendo mal. um bom sujeito, o Farebrother, e que aliás não tem muito
"Os adversários de Mr. Tyke não pediram que ninguém votasse con-
tra a própria consciência, creio eu," disse Mr. Hackbutt, um rico dono de
am-se com certa severidade para o inocente Mr. Powderell. "Mas a meu
modo de ver compete a nós, Diretores, saber se iremos julgar que todo o
MIMUMARCH
205
as funções de capelão, se esta idéia não lhe fosse sugerida por outros,
guém por seus motivos: estes, que fiquem entre a própria pessoa e um
Poder mais alto; digo porém que há influências em jogo, as quais são
mente honrar. De minha parte, sou um leigo, mas não é pouca a atenção
"Não temos nada aqui a ver com elas. Farebrother vinha fazendo o tra-
"Penso eu que a cavalheiros ficaria muito bem não dar às suas obser-
vações uma entonaçao pessoal," disse Mr. Plymdale. "Vou votar pela
nomeação de Mr. Tyke, mas jamais teria sabido, não fosse a insinuação
dizendo -"
"Ah, cá está o Minchin!" disse Mr. Frank Hawley; ao que todos des-
beça e trocando aqui e ali algum aperto de mãos. "Custe o que custar
Mr. Tyke um homem exemplar - não mais nem menos - e acredito que
o nome dele é proposto por motivos não discutíveis. Bem que eu gosta-
ria de lhe poder dar meu voto. Mas sou forçado a um exame do caso que
206
GEORGE ELIOT
há mais tempo."
que acabara de chegar. "Não tenho nenhuma má vontade para com ele,
car nada em particular contra ele; mas qualquer servicinho aqui ele há de
de religião faz mal ao ânimo - faz mal por dentro, não é?" acrescentou,
estavam juntos.
Eram eles o Reverendo Edward Thesiger, Reitor de St. Peter, Mr. BuIstrode
dado em ser feito membro da diretoria, mas que nunca assistira a uma
que, oficiando numa capela secundária, não era um cura de almas sobre-
ções. Seria desejável que as capelanias desse tipo fossem assumidas com
que os que a ela se opunham não puderam senão guardar silêncio, fre-
mentes de indignação.
MIDDLEMARCH
207
interesse público, sabem," repetiu Mr. Brooke, com seu meneio de cabe-
bem, - é uma coisa muito boa, e estou feliz de poder estar aqui e votar
um lado da questão, Mr. Brooke," disse Mr. Frank Hawley, que não tinha
"Parece até que o senhor não sabe que um dos homens mais dignos que nós
"Não vejo por quê," disse Mr. Hawley. "Acho que todos nós já sabe-
mos em quem vamos votar. Ninguém que queira fazer justiça espera até
o último minuto para ouvir os dois lados da questão. Eu, que não tenho
Lydgate entrar.
208
GEORGE ELIOT
"Pode ser ofensiva para outros. Mas nem por isto eu desistiria de
poderia um homem sentir-se satisfeito com uma decisão entre tais alter-
tisfeito com o seu chapéu, escolhido por ele entre os modelos que os
que era por demais igual aos outros homens, tomara-se extraordinaria-
mente diferente por isto - por ser capaz de perdoar os outros, quando
"O mundo para mim foi muito forte, sei disso," disse ele um dia a
VI,
MIDDLEMARCH
209
história diz que ele acabou por manejar a roca, e finalmente vestiu a
nosso próprio fracasso. Lydgate pensou que havia uma lamentável do-
Tródico, sofista grego do século V a.C., é célebre por seu mito de Hércules
(Héracles) a
sangue deste
CAPÍTULO XIX
- Purgatório, vii.
mundo em geral era mais ignorante sobre o bem e o mal, por quarenta
anos, do que hoje em dia. Nem sempre os viajantes levavam plena informa-
ção, fosse na cabeça ou no bolso, sobre a arte cristã; e até mesmo o mais
amor, ainda não havia misturado seu fermento na época, e assim se tornado
coroação da Virgern%
ingleses da
MIDDLEMARCH
211
longo, mas sim abundante e cacheado, e que no mais, por sua indumentária,
era bem inglês, tinha acabado de dar as costas para o Torso do Belvedere,
disse com um forte sotaque: "Warnos, rápido! se não ela terá mudado de
pose."
rosto uma espécie de halo. Não só ela não olhava a escultura, como
como que a fim de contemplar a Cleópatra, e sem olhar para eles vi-
respira, com a consciência dos séculos cristãos em seu âmago. Ela porém
deveria estar vestida de freira; acho-a bem parecida com o que vocês
casada; vi a aliança que tem na mão esquerda, tão linda, e teria até
pensado, não fosse isto, que o lívido Geisdicherl era o pai. Vi-o quando
212
GEORGE EiAOT
fantástica. Quem sabe ele é rico, imagine só, e queira que pintem o re-
trato dela? Ah! não adianta mais procurar - lá se vai ela! Vamos segui-
Ia até em casa!"
"Você é estranho, Ladislaw. Parece que ficou abalado. Por acaso sabe
quem é ela?"
"Sei que é casada com meu primo," disse Will Ladislaw, caminhan-
"Pois não é meu tio. Ele é meu primo em segundo grau," disse
da Inglaterra. Eles ainda não estavam casados. Nem eu sabia que acaba-
estão -já que sabe o nome. Que tal se formos ao correio? E você pode-
"Não me amole, Naumann! Não sei o que eu vou fazer. Não sou tão
"Sim, e que a razão central da existência dela era ser pintada por
MIDDLEMARCH
213
incomodado com a inexplicável nota de mau humor em seu tom. "Veja
tura por meio desse determinado gancho ou garra que cresceu em forma
ensolarado.
"Vamos lá, amigo - será que você me ajuda?" disse Naumann, num
tom esperançoso.
você quer exprimir. Faria apenas um retrato, que poderia sair melhor ou
pior, com um fundo que por diferentes razões agradaria ou não aos en-
", para quem não sabe pintar," disse Naumann. "Nisto você tem
escutado:
mais vaga. Afinal, a visão verdadeira está por dentro; e a pintura o que
to a voz dela é mais divina, muito mais, que tudo o que você pôde ver."
214
GEORGE ELIOT
presumir-se capaz de pintar o seu ideal. sério, amigo! Sua tia-avó! "Der
"Mrs. Casaubon."
criação. Por que fazia ele tanta confusão acerca de Mrs. Casaubon? Sen-
tros em dramas que ninguém está preparado para representar com eles.
inocentemente tranqüilos.
"Em alemão no original: "O Sobrinho como Tio... monstruoso."
"1
CAPÍTULO XX
DUAS HORAS MAIS tarde, Dorothea estava sentada na elegante sala íntí-
que Mr. Casaubon, tendo a mente tão acima da sua, muitas vezes teria
de ser solicitado por estudos que ela não poderia partilhar totalmente;
216
GEORGE ELIOT
Tantripp e seu tarimbado guia. Tinha sido levada aos melhores museus,
conduzida para apreciar as mais belas vistas, para ver as grandes ruínas
sair para uma volta na Campagna, onde podia se sentir sozinha com a
costumes.
ções suprimidas que unem todos os contrastes, Roma ainda pode ser o
vazava suas ações, e cujas emoções muito intensas davam às coisas mais
tumultuosa com sua sorte, O peso da ininteligível Roma bem que podia
repousar com leveza sobre essas ninfas vivazes que a tomavam por um
mas Dorothea não tinha tal defesa contra impressões profundas. Ruínas
MIDDLEMARCH
217
trico, precipitando-se a seguir sobre ela com essa dor intrinseca a uma
listas nos mosaicos acima e os panos vermelhos que estavam sendo pen-
durados para o Natal a desdobrarem-se por toda parte como uma doen-
ça da retina.
Não que este pasmo no íntimo de Dorothea fosse coisa das mais
vão-se ocupar dos seus negócios. Tampouco posso eu supor que, quan-
que há no outro lado do silêncio. Tal como é, o mais rápido de nós vai a
causa, quando muito poderia fazê-lo com palavras tão vagas como as
empreender uma história que narrasse luzes e sombras; pois este futuro
sua relação conjugal, agora que era a esposa dele, mudavam gradual-
218
GEORGE ELIOT
do-se do que haviam sido no seu sonho de moça. Ainda era muito
ça, e ainda mais para que tivesse recomposto aquele devotamento, uma
parte tão necessária de sua vida mental que era quase certo que ela
desordem de uma vida sem uma resolução de amor reverente, não lhe
era possível; mas ela agora estava num intervalo em que a própria for-
no regozijo da paz.
Mas não era Mr. Casaubon tão erudito como antes? Tinham suas
capacidade de expor não só uma teoria, mas também os nomes dos que
quem tem de realizá-las? - E ainda estava mais claro do que antes que
Todas estas perguntas machucam muito; mas, seja o que for que
permanece o mesmo, a luz mudou, e não se pode encontrar ao meio-dia
empenhara ativamente por criar ilusões a seu respeito. Como foi que
MIDDLEMARCH
219
vos e vastos ventos que ela sonhara encontrar na mente do marido ha-
ciam levar a parte alguma? Suponho que porque no namoro tudo é visto
viagem marital, é impossível você não perceber que nunca consegue abrir
caminho e que o mar nem mesmo está à vista - que na realidade você
cujo sentido Dorothea não alcançava; mas esta coerência imperfeita pa-
futuro em comum, ela havia escutado com paciência férvida uma recita-
mente nova que Mr. Casaubon tinha do deus filisteu Dagon e outros
deuses-peixes, pensando que doravante ela deveria ver este tema, que o
nara sem dúvida tão importante para ele. Por outo lado, o tom de impo-
sição e rejeição com que ele tratava o que eram para ela os pensamentos
do. Mas agora, desde que haviam chegado a Roma, com as profundezas
um novo problema por novos elementos, cada vez mais ela passava a
perceber, não sem terror, que sua mente dava contínuas guinadas para
dão sem consolo. Até que ponto o judicioso Hooker ou qualquer outro
não tinha como saber, e ele portanto não podia ter a vantagem da com-
cie de arrepio mental: quiçá tinha ele a melhor das intenções de desem-
que era novo para ela, era, para ele, cediço; e aquela capacidade de pen-
sar e sentir, tal como outrora estimulada nele pela vida geral da humani-
GEORGF FLIOT
Dorothea.
"São tidos em alta estima, creio eu. Alguns deles representam a fá-
duto mítico autêntico. Mas, se você gosta de pinturas murais, será fácil
nós darmos uma chegada lá; e haverá de então ter visto, creio eu, as
principais obras de Rafael, qualquer uma das quais seria uma pena dei-
xar de visitar em Roma. Ele é o pintor que foi tido por combinar o mais
luz. Dificilmente pode haver contacto mais deprimente para uma criatu-
sa de antes que ainda viesse a ver aonde o seguia uma abertura ampla
qualquer. O pobre do Mr. Casaubon estava por, sua vez perdido entre
MIMUMARCH
221
mulher - se ele lhe tivesse tornado as mãos entre as dele, para ouvir
de que sua experiência era feita, e a ela dado em retribuição uma intimi-
dade da mesma espécie, para que a vida anterior de cada um pudesse ser
nutrido sua própria afeição com essas carícias pueris para que todas as
seu amor, dentro do corpo de madeira, uma alma feliz. Para isto, Dorothea
tinha sua queda. Com toda aquela ânsia de saber o que estava a grande
para o que estava perto, para beijar a manga do casaco de Mr. Casaubon,
Tendo feito sua toalete clerical com o devido cuidado pela manhã, ele só
quente da qual elas não tinham sido senão uma outra forma. Humilha-
desse saber a não ser por este meio: todo seu vigor se esvaía na agitação,
principalmente para si mesma; mas nesta manhã pela primeira vez ela
cheio de alegre atenção que voltou para o marido quando ele disse: "Minha
querida Dorothea, devemos pensar agora em tudo o que ficou por fazer,
cedo para que pudéssemos estar em Lowick para o Natal; mas minhas
222
GEORGE ELIOT
o tempo aqui passado não lhe foi desagradável. Entre as glórias da Eu-
ropa, Roma foi sempre tida como uma das mais impressionantes e, sob
com efeito que ela é uma dentre várias cidades às quais tem sido aplica-
um estado de muito enlevo, mas a idéia de poder ser outra coisa que não
jovem toda a felicidade que ela merecia, nunca lhe ocorrera também.
quero dizer, com o resultado obtido no tocante aos seus estudos," dis-
marido.
"Sim," disse Mr. Casaubon, naquele tom de voz peculiar que toma
a palavra uma meia negação. "Fui levado além do que eu havia antevis-
estudo e trabalho."
"Que alegria saber que minha presença fez diferença para você," dis-
se Dorothea, com vívida memória das noites em que ela havia suposto
que o espírito de Mr. Casaubon fora fundo demais durante o dia para ser
venha a ser mais útil para você, e capaz de participar um pouco mais dos
seus interesses."
"Sem dúvida, minha querida," disse Mr. Casaubon, com uma ligeira
curvatura. "As notas que eu tomei ainda têm de ser peneiradas, e você,
tanto deste assunto que no momento ela não tinha senão como botar
MIDDLEMARCH
223
para fora o que lhe ardia no íntimo. "Todas aquelas fileiras de volumes -
você agora não vai fazer com elas o que costumava dizer que ia? - não
vai decidir que partes há de usar, e começar a escrever o livro que tomará
seu vasto conhecimento útil para o mundo? Pois eu hei de escrever o que
você ditar, ou de extrair e copiar o que me mande fazer: não sirvo para
Casaubon muito perturbadora, mas havia outras razões para que as pa-
as que ela poderia ser compelida a empregar. Estava tão cega para os
problemas dele, de fato, como ele para os dela; ainda não tomara cons-
ciência dos conflitos internos de seu marido, que clamam por nossa com-
tões abafadas da consciência que era possivel explicar como mera fanta-
Dorothea, como igual era sua rapidez para imaginar mais que o fato. A
capacidade de adoração que ela tinha pelo objeto correto já havia sido
observada por ele, antes, com aprovação; e ele agora antevia com súbito
terror que tal capacidade poderia ser substituída pela presunção, esta
224
GEORGE ELIOT
"Meu amor," disse ele, com sua irritação sofreada pelo comedimento,
você pode confiar em mim para saber o tempo e as estações mais ade-
quados às diferentes etapas de uma obra que não é para ser medida
sempre ser saudado pelo desprezo impaciente dos gárrulos que não ten-
não estão preparados. E seria bom se todos eles pudessem ser exortados
Este discurso foi pronunciado por Mr. Casaubon com uma energia e
presteza que lhe eram bem incomuns. Com efeito, não chegava a ser um
improviso, mas tomara forma num colóquio interior, sendo expelido como
Dorothea não era somente sua esposa: era uma personificação desse
Dorothea por sua vez ficou indignada. Não havia ela reprimido tudo
pre me falou deles - sempre disse que ainda faltava digeri-los. Mas eu
nunca lhe ouvi falar da obra a ser publicada. Eis que eram fatos muito
simples, e meu julgamento jamais foi além disso. Eu apenas lhe pedi
cou, apanhando uma carta que jazia a seu lado como que para fazer uma
núpeias, cuja finalidade expressa é isolar duas pessoas com base na su-
desacordo é, para não dizer muito, algo que estultifica e confunde. Ter
só para ter pequenas explosões, para achar difícil conversar e passar sem
olhar um copo d"água, nem mesmo às mentes mais grosseiras pode pa-
MIDDLEMARCH
225
tivas; e para Mr. Casaubon foi uma nova dor, pois nunca ele havia estado
tão íntima que era uma sujeição maior do que pudera imaginar, já que
meiguice da audiência sombria, fria e sem aplausos de sua vida, não lhe
Nenhum dos dois sentia ser possível falar de novo por ora. Alterar
ela mesma já começava a se sentir culpada. Por mais justa que sua índig-
nação pudesse ser, seu ideal não era pedir justiça, mas dar carinho. Assim,
quando chegou à porta a carruagem, ela foi com Mr. Casaubon para o
Vaticario, com ele andou pelas lajotas do caminho das inscrições e, após
despedir-se dele na entrada da Biblioteca, pôs-se a vagar pelo Museu,
voltar e dar ordens de ser levada alhures. E foi quando Mr. Casaubon se
separava dela que Naumann a viu pela primeira vez, e ele havia entrado
teve então de esperar por Ladislaw, com quem iria apostar uma garrafa de
que lá estava. Examinada esta figura, andaram eles a encerrar sua disputa
para o Salão das Estátuas, onde ele viu Dorothea outra vez, e viu-a na-
realidade não via o raio de sol no piso mais do que via as estátuas: via,
olhando para dentro, a luz dos anos que estavam por vir em sua própria
não era tão claro para ela quanto havia sido. Na mente de Dorothea havia
contudo uma corrente na qual mais cedo ou mais tarde tendiam a fluir
CAPITULO
To semen wise."
- CHAUCER.
- CHAUCER.1
AsSIM FOI QUE Dorothea se entregou aos soluços, tão logo estar segura-
mente sozinha. Mas uma batida na porta tirou-a do torpor neste instan-
da. O guia lhe informara que só Mrs. Casaubon estava em casa, mas ele
Ela era aberta a tudo que lhe dava uma oportunidade de simpatia ativa,
e no momento esta visita parecia ter vindo para arrancá-la daquela ab-
rido e fazê-la sentir que ela agora tinha o direito de ser sua companheira
MIDDLEMARCH
227
passou para a outra sala, os sinais de que estivera chorando eram sufici-
entes ainda para tomar-lhe o rosto franco mais juvenil e atraente que de
hábito. E foi com um desses raros sorrisos de boa vontade a que a vaida-
era vários anos mais velho, mas pareceu neste instante bem mais moço
que ela, pois sua pele transparente avermelhou-se de súbito, e ele falou
com uma timidez que não lembrava a indiferença desenvolta com que se
"Sente-se, por favor. Ele não está, mas estou certa de que gostará de
a lareira e a luz de uma alta janela e apontando uma cadeira oposta, com
lhe escrever."
que haviam alterado o rosto dela. "Meu endereço está no meu cartão.
Mas, caso me permita, eu voltarei aqui amanhã numa hora em que haja
"Todos os dias ele vai ler na Biblioteca do Vaticano e, a não ser que
marque com ele mesmo, vai ser dificil que consiga vê-lo. Sobretudo ago-
ra, Nossa partida de Roma é para breve, e ele está muito ocupado. Ge-
ralmente fica fora do café da manhã até o jantar. Mas estou certa de que
assim tão adorável para se casar, e depois indo passar longe dela a sua
228
GEORGE ELIOT
desgosto cômico: ele estava dividido entre o impulso de dar uma garga-
traços numa contorção muito estranha, mas com um bom esforço pôde
seu rosto também. O sorriso de Will Ladislaw era um prazer, a não ser
que de antemão houvesse zanga com ele: era um jorro de luz interior
espargia por cada linha e curva, como se algum Ariel lhes infundisse
O reflexo de um tal sorriso não poderia senão conter também sua pe-
cara que eu devo ter feito na primeira vez em que a vi, quando arrasou
que tinha mais cabimento. Disse - ouso crer que não se lembre mais do
ou sorrir.
bom humor de Will. "Devo ter falado isto só porque nunca pude ver
beleza nos quadros dos quais meu tio me dizia que todos achavam mui-
devo ser obtusa. Estou vendo muita coisa de uma vez só, e não enten-
dendo a metade. Isto sempre faz com que a pessoa se sinta ignorante.
horrível ouvir dizer que uma coisa é muito boa e simplesmente não po-
der sentir que ela é boa - mais ou menos como ser cego, quando os
MIDDLEMARCH
229
por minha apreciação, veria que ela é constituída por muitos e diferentes
"Talvez então queira ser pintor?"disse Dorothea, com uma nova dire-
ção em seu interesse. "Talvez queira fazer da pintura sua profissão? Mr.
"Não, oh! não," disse Will, com alguma frieza. "Contra isto já tenho
deles. Alguns são ótimos sujeitos, às vezes até brilhantes -mas não me
de vista de um estúdio."
Roma parece haver bem mais coisas mais necessárias ao mundo do que
quadros. Mas, se tem talento para a pintura, não seria correto tomar isto
diferentes, para que assim não haja, num mesmo lugar, tantas pinturas
quase iguais."
Will para a franqueza. "Um homem tem de ter um talento muito raro
para fazer mudanças desse tipo. Temo que o meu não me conduza
sequer à altura de fazer bem o que já foi feito, pelo menos não tão bem
para que valha a pena fazê-lo. E eu nunca teria êxito em nada à força
"Ouvi Mr. Casaubon dizer que ele lamenta sua falta de paciência,"
que foi ainda mais susceptível no tocante a Mr. Casaubon por causa de
230
GEORGE ELIOT
notou que ela estava ofendida, mas isto apenas deu um impul-
marido desses: tal fraqueza numa mulher nunca agrada a homem ne-
uma pena que tudo acabe sendo posto de lado, como é freqüente com a
quanto eles constroem boas estradas. Quando estive com Mr. Casaubon,
vi que ele nem queria saber desta orientação: foi quase contra a própria
muito."
Will só tinha pensado em dar uma boa alfinetada para arrasar com a
nada versado nos autores alemães; mas muito pouca realização se re-
para indagar-se se este jovem parente que tanto lhe devia não teria feito
samento.
as plumas de um benfeitor.
pelo meu primo. Isto não significaria tanto num homem cujo talento e
"Como
MIDDLEMARCH
231
Para Will, havia uma luz nova, mas ainda assim misteriosa, nas últi-
Casaubon - que ele havia posto de lado quando a viu pela primeira
vez, dizendo-se que apesar das aparências ela devia ser bem desagradá-
vel - não podia ser respondida agora por método tão curto e fácil. Fos-
se lá o que ela fosse, desagradável não era. Nem era friamente sagaz e
to. Era um anjo iludido. Que prazer único seria se manter à espreita dos
melodiosos fragmentos em que sua alma e coração afluíam de modo tão
direto e ingênuo! A idéia da harpa eólia veio outra vez à mente dele.
seus pés! Mas ele era uma outra coisa, mais intratável ainda que um
dragão: era um benfeitor que trazia a sociedade nas costas e que estava
Casaubon tão contente como de hábito, era isto o que o tomava talvez
morfose. Quando ele virava muito depressa a cabeça, seu cabelo parecia
GEORGE ELIOT
sonhos dela. Entretanto, a presença de Will foi para ela uma fonte de
alguém com quem falar, e nunca antes tinha visto ninguém tão perspicaz
intenção dele fosse ficar na Alemanha do Sul - mas pediu-lhe que vol-
você. Eu estava errada. Temo que lhe tenha magoado e tomado seu dia
"Que bom saber que você pensa assim, querida," disse Mr. Casaubon.
Falou com calma, arriando um pouco a cabeça, mas ainda havia uma
dimento, não é do céu nem da terra:" - não creio que me julgue digno
de ser banido por esta grave sentença," disse Mr. Casaubon, empenhan-
Dorothea ficou quieta, não obstante uma lágrima, que viera com o
ria ter recebido o jovem Ladislaw em sua ausência; disto ele porém se
absteve, em parte pela impressão de que seria indelicado fazer uma nova
MIDDLEMARCH 233
sobrava para tomar outras direções. Há uma espécie de ciúme que ne-
cessita de muito pouco fogo: que, não sendo uma paixão, é uma simples
seu relógio. Ambos se levantaram, e nunca mais houve entre eles qual-
uma grande esperança morre, ou um novo motivo nasce. Hoje ela come-
çara a ver que havia estado numa ilusão desmedida, esperando que Mr.
ubre para nutrir nossos insignes seres: Dorothea começou ainda cedo a
emergir desta ignorância, apesar de lhe ter sido mais fácil conceber como
iria devotar -se a Mr. Casaubon, tomando-se ela mesma sábia e forte
com sua força e sapiência, do que imaginar com aquela nitidez que já
CAPITULO XXII
- ALFRED DE MUSSET
com deferência, como ela antes nunca observara em ninguém. Com toda
próprio Will falou bastante, mas lançava o que dizia com uma tal rapi-
era como se fosse um repique alegre e mais baixo vindo depois do sino
MIDDLEMARCH
235
principal. Se Will nem sempre era perfeito, sem dúvida estava num de
tipo muito abrangente para isto, nunca lhe permitindo talvez sentir tais
bruscos efeitos, mas quanto a si ele confessava que Roma lhe dera uma
era dito por ela, como se o que ela achasse fosse um item a ser conside-
de que após uma breve retomada ele não teria mais motivos para conti-
nuar em Roma, encorajou Will a sugerir que Mrs. Casaubon não deveria
levá-la? Esse tipo de coisa não se podia perder: era algo muito especial:
era uma forma de vida que crescia como uma vegetação pequena e viço-
sa com sua população de insetos sobre imensos fósseis. Para Will seria
exemplos.
ele agora ia ficar à sua disposição o dia todo; foi então combinado que
influenciado
236
GEORGE ELIOT
por quem até mesmo Mr. Casaubon perguntara, mas antes de o dia já
cristã, um dos que não só tinham revivido mas também expandido essa
disto.
"Tenho feito uns trabalhos a óleo orientado por ele," disse Will.
minha opinião, é uma boa interpretação míticaf Aqui Will olhou para
"Deve ser um esboço muito grande, para exprimir tanta coisa," disse
puder imaginar!"
guir decifrá-la."
Mr. Casaubon piscou furtivamente para Will. Suspeitou que estives-
sem rindo dele. Mas não era possível incluir Dorothea na suspeita.
delo; seus quadros estavam muito bem dispostos e sua própria pessoa,
na de veludo marrom, de modo que tudo era tão propício como se ele
hora.
quanto a Dorothea. Will acudia aqui e ali com ardentes palavras de lou-
MIDDLEMARCH
237
sentia que estava a adquirir noções bem novas quanto à significação das
significado natural; mas tudo indicava que este era um ramo do conheci-
"Oh, ele não leva a pintura a sério. Seu caminho deve ser as belles-
satírica. Will não gostou muito, mas deu um jeito de rir; e Mr. Casaubon,
Respeito este que não diminuiu quando Naumann, após puxar Will
lhe disser que um esboço de sua cabeça me seria valioso para o Santo
sei; mas é muito raro que eu veja justamente o que quero - o ideal na
realidade."
me-ei muito honrado. Quer dizer, desde que a operação não seja muito
fosse uma voz declarando ser Mr. Casaubon o mais sábio e o mais digno
238
GEORGE ELIOT
pos não se sentia. Todos a seu redor lhe pareceram bons, e de si para si
disse que Roma, se ela ao menos não fosse tão ignorante, se teria reve-
meia hora e depois pegar de novo - venha ver, Ladislaw - acho que até
"Ah - bem - se eu pelo menos pudesse ter tido mais - mas vocês
voltarem amanhã."
fazer hoje a não ser vagar por aí, não é?" perguntou ela, olhando
suplicantemente para Mr. Casaubon. "Seria uma pena não retratar a ca-
deste modo."
ocupação para as visitas, e por fim virou-se para Mr. Casaubon e disse:
"Quem sabe sua bela esposa, dama de tanto encanto, não se oponha
claro que não para este quadro - apenas uma coisa ligeira, um estudo à
parte."
MIDDLEMARCH
239
me devo pôr?"
siões, quando o pintor disse: "Quero que pose como Santa Clara -
ajeitando o braço dela, para o jogar no chão. Tudo aquilo era profanação
Mr. Casaubon; mas por fim não impediu que o tempo soasse longo de-
mais a este senhor, como ficou patente quando ele expressou seu temor
esposa."
mais perfeita com outra sessão de pose, a mesma foi marcada para o dia
seguinte. Dia em que a Santa Clara também foi retocada mais de uma
para ser representada, mas seguida com atenção maior ou menor pela
que sua presunção exasperasse Will: sua escolha das palavras mais ordi-
nárias era uma grosseria, e o que tinha ele de falar dos lábios dela? Não
era uma mulher de quem se falar, como outras havia. Will não conseguia
240
GEORGE ELIOT
gulho em ser ele a pessoa que podia dar a Naumann uma tal oportunida-
de de estudar a beleza dela - ou melhor, a divina perfeição, já que as
frases banais que possam ser aplicadas aos meros atrativos físicos não
beleza. Nesta parte do mundo Miss Brooke fora tida somente por "Uma
moça bonita.")
contas, não é nada má. Ouso dizer que o próprio grande escolástico
disse Will, com impetuoso ranger de dentes. Seu ouvinte não sabia das
dívidas de gratidão que ele tinha com Mr. Casaubon, mas o próprio Will
todas.
então no seu desejo de estar a sós com Dorothea. Queria apenas deixar-
lhe uma impressão mais profunda; queria apenas ficar em sua lembrança
como algo mais especial do que até então se julgava capaz de ser.
qual a alma de sua soberana o possa rejubilar, sem ela descer do pedes-
tal. Era precisamente isto o que Will queria. Mas suas fantasiosas de-
mandas estavam cheias de contradições. Era bonito ver como os olhos
Casaubon: parte de seu halo se teria perdido, caso ela não cultivasse
MEMARCH
241
e a tentação de sobre ele dizer coisas ofensivas não se tornava para Will
menor tormento devido às razões mais fortes que sentia para refreá-la.
Will não foi convidado para jantar no dia seguinte. Donde se ter
persuadido de que devia ir fazer uma visita, e de que a única hora acon-
selhável era pelo meio do dia, quando provavelmente Mr. Casaubon não
estaria em casa.
Dorothea, sem saber que a acolhida que antes dera a Will já havia
ele poderia ter vindo para dizer adeus. Estava a examinar uns carnaféus
W. como se sua visita fosse uma coisa muito natural e disse sem demo-
dizer se estes aqui são realmente bonitos. Bem que eu quis tê-lo conosco
para ajudar na escolha, mas Mr. Casaubon objetou: achou que não havia
partindo. Ando muito preocupada com estes camaféus. Por favor, sente-
senhor a viu comigo em Lowick: ela é loura e muito bonita - pelo me-
nos eu acho. Nunca nos separamos antes por tanto tempo na vida. Ela é
que ela queria que eu comprasse uns carnaféus para ela, e eu só teria a
"A senhora mesma não parece ligar para camafeus," disse Will, sen-
caixinhas.
vida."
dizer, a vida de todo mundo. E todo esse dispêndio imenso da arte, que
de certa forma parece estar fora da vida e não a toma melhor para as
242
GEORGE ELIOT
pessoas, é doloroso. Meu prazer com o que eu vejo se esvai quando sou
em sua própria bondade, e por fim má, por não poder ter vantagem
sua vida um martírio." Tendo ido mais longe do que imaginava, Will
"O senhor se engana a meu respeito. Não sou uma criatura triste,
taria aqui do prazer da arte, mas há tanta coisa cuja razão me escapa -
tanta coisa que me parece mais uma consagração da feiúra que da bele-
algo que me arrebata pela sua nobreza - algo que eu possa comparar
aos Montes Albanos ou ao pôr do sol sobre o Pincio; e que grande lásti-
rente central de sua inquietude, "deve ser muito difícil mesmo, pelo que
vejo, fazer coisas de valor. Desde que estou em Roma tenho sentido que
em sua maioria nossas vidas pareceriam mais feias e mais mal acabadas
MIDDLEMARCH
243
lhe era típico. "Fala como se nunca tivesse tido mocidade. monstruoso
- como se tivesse tido na infância uma visão de Hades, tal qual o efebo
Will temeu outra vez ter ido longe demais; mas o sentido que damos
pre se dando com ardor e nunca recebendo muito dos seres vivos em
tomo, que ela teve uma nova impressão de gratidão e respondeu com
um sorriso gentil.
senhor mesmo não gostou de Lowick: tinha a alma voltada para outro
A última sentença foi dita numa cadência quase solene, e Will não
e dizer que daria a vida por ela: estava claro que o que ela pedia não
disse outro dia. Pode ter sido em parte pelo seu modo impetuoso de
"Que foi?" disse Will, observando que ela falara com uma timidez
que lhe era nova. "Eu tenho uma língua hiperbólica: que logo vai pegan-
quero dizer, para os assuntos aos quais Mr. Casaubon se dedica. Andei
pensando sobre isto; e entendi que para seus estudos Mr. Casaubon
MIDDLEMARCH
245
foi talvez um perigo para mim, e pretendo renunciar à liberdade que ela
retribuindo o tom gentil. "Mas Mr. Casaubon, estou certa, nunca pen-
sou em nada sobre o assunto que não fosse o mais propício para o seu
bem-estar."
agora que ela se casou com ele," disse Will para si mesmo. Em voz alta,
levantando-se, disse:
"Não voltarei a vê-la."
"Oh, fique até que Mr. Casaubon chegue," disse Dorothea, sincera-
lo."
"Oh, não! Minha irmã já me disse que eu sempre fico zangada quan-
do as pessoas não dizem o que eu quero ouvir. Mas espero que eu não
chegue a pensar mal delas. Geralmente no fim sou obrigada a pensar mal
"Ainda assim eu sei que não lhe agrado; tomei-me para a senhora
"De modo algum," disse Dorothea, com a mais franca simpatia. "Gos-
to muito do senhor."
Will não ficou muito contente, julgando mais provável que passasse
a ter mais importância se fosse alvo de antipatia, Não falou nada, mas
" estou muito interessada em ver o que fará," disse Dorothea ale-
fosse esta crença, suponho que eu seria uma pessoa estreita demais -
"Depende. Ser poeta é ter a alma tão rápida para discemir, que ne-
nhuma nuance de qualidade lhe escape, e tão rápida para sentir, que o
como um novo órgão daquele. Só por instantes pode alguém viver tal
estado."
246
GEORGE ELIOT
são necessários para completar o poeta. Entendo o que quer dizer sobre
produzir um poema."
alegre gratidão nos olhos. "Que coisas tão gentis o senhor me diz!"
que chama de gentil - que eu sempre lhe pudesse prestar o menor ser-
viço que fosse. Mas temo que eu jamais venha a ter a ocasião." Will
parentesco com Mr. Casaubon." Havia nos olhos dela certo brilho líqui-
e nobre.
"E há uma coisa que já pode fazer por mim agora mesmo," disse
nem, quero dizer, deste modo. Fui eu que levei a isto. Foi culpa minha.
Mas me prometa."
ele nunca dissesse uma palavra ofensiva sobre Mr. Casaubon de novo e
mais. O poeta deve saber odiar, diz Goethe; e para isto pelo menos o
talento de Will já se aprimorara. Disse ele que deveria ir-se agora sem
MIDDLEMARCH
247
Mas ao sair pela porte cochŠrel ele encontrou Mr. Casaubon, e este,
"Tenho uma coisa a lhe dizer do seu primo, Mr. Ladislaw, que acre-
no decorrer da noite. Tão logo ele chegara ela lhe havia informado que
Will tinha acabado de sair, mas Mr. Casaubon disse por sua vez: "En-
contrei-o na saída, e acho que já nos dissemos adeus," falando isto com
"O que é, meu amor?" disse Mr. Casaubon (ele sempre dizia "meu
amor," quando seu jeito era o mais frio).
em breve, e abrir seu próprio caminho. Pensei que tomaria isto por um
bom sinal," disse Dorothea, com um olhar interrogador para a face neu-
tra do marido.
dedicar-se?"
"Não. Mas disse que percebia o perigo que havia para ele em sua
Casaubon.
que você mais considerava em tudo o que fazia por ele. Lembrei da sua
"Eu tinha um dever para com ele," disse Mr. Casaubon, pousando
cia, mas com uma olhada que ele não tinha como esconder que era
íntranqüila. "Este jovem, confesso, afora isto não é para mim objeto de
interesse, nem precisamos nós, creio, discutir o futuro dele, que não é
clareza!"
LivRo 111
A Espera a Morte
CAPÍTULO XxII
E o valioso chicote,
FRED VINCY, COMO ViMOS, tinha uma dívida na cabeça e, se bem nenhum
peso assim tão incorpóreo pudesse deprimir por muitas horas seguidas
que lhe permitia o dinheiro que tinha, e Mr. Bambridge fora bastante
que o jovem Vincy tinha quem o amparasse; mas mesmo assim pedira
mostra disto, e Fred a princípio lhe dera uma promissória com sua pró-
252
GEORGE ELIOT
um cavalo de quarenta libras num outro que mais cedo ou mais tarde
(nesta época) o bolso de seu pai como um último recurso, de modo que
Fred não tinha a menor idéia: os negócios não eram sempre elásticos?
tro? Os Vincys levavam uma vida profusamente folgada, não com qual-
que o pai se quisesse poderia pagar tudo. O próprio Mr. Vincy cultivava
os hábitos dispendiosos de Middemarch - gastava muito com as caça-
das, com sua adega e para dar seus jantares, enquanto mamãe mantinha
de se poder ter tudo o que se quer sem nem pensar em pagamento. Mas
era da natureza dos pais, Fred o sabia, repreender quanto aos gastos:
ele tivesse de revelar uma dívida, e a Fred não agradava o mau tempo
em casa. Ele era muito filial para mostrar-se desrespeitoso com o pai, e
quanto elas duravam era desagradável ver sua mãe chorando, e também
ser obrigado a fazer cara de amuo, ao invés de se divertir; pois Fred tinha
Por que não? Com as garantias supérfluas da esperança sob seu coman-
MIDDLEMARCH
253
tos a crer que a ordem universal das coisas seria necessariamente agra-
clusão de que todos ficarão ansiosos para nos prestar um favor, sendo a
calor. Ainda assim, e até que outros tenham recusado, há sempre alguns
que dispensamos por não serem senão moderadamente ansiosos; e as-
sim foi que Fred eliminou seus amigos todos, à exceção de um, por jul-
falta de fundos para pequenas dividas. Deu-se pois que o amigo a quem
anças que por seus pais: crianças que tomavam chá nos aparelhos de
da breca, e Fred aos seis anos, quando a achava a menina mais bonita do
mundo, tomou-a sua esposa com um anel de latão por ele arrancado de
GEORGE EuOT
ridade social que era definida com grande precisão na prática, se bern
que de difícil expressão em termos teóricos. Mr. Garth, desde que fracas-
para pagar tudo em dia, com os juros correspondentes. Agora que con-
seus horioráveis esforços lhe haviam granjeado a devida estima; mas não
se referia a ela como uma mulher que tinha tido de trabalhar para ganhar
seu pão - querendo dizer com isto que Mrs. Garth fora professora antes
desse tipo de coisa. E, desde que Mary passara a tomar conta da casa de
prometer-se com esta menina sem nada, cujos pais "viviam tão modes-
pouco dos erros de seus vizinhos, e nunca de bom grado falava deles;
livros didá-
MIDDLEMARCH
255
não era pois de se esperar que desviasse sua atenção do melhor método
ceber tais erros. Se tivesse de censurar alguém, era preciso ele arrumar
viria em breve para não criar para ninguém uma situação embaraçosa,
Caleb puxou os óculos para cima, ouviu, fitou os olhos claros e jovens
era propícia a uma amistosa alusão à conduta, e que antes de dar seu
aval ele também devia dar uma descompostura. Por conseguinte, apa-
não dão certo, quando se tem de lidar com gente astuta. Da próxima
assinatura com o cuidado que sempre consagrava a este ritual; pois tudo
o que ele tinha de fazer, fazia bem. Contemplou as grandes letras bem
Chettam.
râncía do assunto.
alterar suas noções de distância, tendo sido a razão pela qual o presente
256
GEORGE ELIOT
imperdoável para o pai, e tinha havido em sua casa uma tormenta sem
precedentes. Mr. Vincy jurara que, se mais alguma coisa da espécie ainda
como bem pudesse; e até então ele não havia recuperado seu bom hu-
por dizer àquela altura das coisas que ele não queria ser clérigo e prefe-
ria "desistir daquilo." Fred sabia que seria tratado ainda com mais seve-
e a aparente simpatia que lhe votava, para suprir sua falta de uma con-
que seria feito por ele pelo Tio Featherstone determinavam o ângulo
sua própria consciência, o que o Tio Featherstone poderia fazer por ele
Mas o presente feito em notas, tão logo feito, foi mensurável, e contra-
va ser preenchido, quer pelo "critério" de Fred quer por outro tipo de
era um novo motivo para não ir pedir dinheiro ao pai a fim de quitar sua
verdadeira dívida. Fred era bastante esperto para antever que a raiva
embaralharia as distinções, e que uma negativa sua de ter conseguido
como falsidade. Ele já tinha ido falar com seu pai sobre um assunto
muitas vezes dava de ombros e fazia uma expressiva careta ao que ele
associar tal idéia a uma garota adorável); a sofrer uma acusação de falsi-
controle. Foi sob forte pressão interior desta espécie que Fred dera o
MIDDLEMARCH
257
sensato passo de depositar com sua mãe as oitenta libras. E pena foi que
as não tivesse entregue a Mr. Garth logo; com mais sessenta ele queria
porém fazer a soma completa, e para tanto deixara vinte libras no bolso
como uma espécie de semente que, plantada pelo bom senso e aguada
Fred não era um jogador: não tinha esta doença específica na qual o
tendência a uma forma difusa do prazer nas apostas, a qual está despro-
dinheiro e esperava ganhar. A semente das suas vinte libras tinha sido
do dia do vencimento sem outra quantia a seu dispor além das oitenta
libras que havia depositado com a mãe. O cavalo sem fôlego que ele
montava era um presente que seu tio Featherstone lhe fizera há um bom
tempo atrás: seu pai sempre lhe permitira ter um cavalo, já que os pró-
sem o qual com certeza a vida não valeria tanto a pena. Foi com uma
ponta de heroísmo que tomou tal decisão - um heroísmo que lhe im-
punham seu pavor de não manter a palavra com Mr. Garth, seu amor por
Mary e o medo dos julgamentos dela. Partiria ele para a feira de cavalos
era difícil que o cavalo desse mais de trinta libras, e não havia como
saber o que poderia acontecer: seria pura loucura descrer da sorte antes
da hora. Era probabilíssimo que uma boa chance surgisse em seu cami-
258
GEORGE EuoT
nho: quanto mais pensava nisto, menos lhe parecia possível que a não
tivesse, e menos razoável não se munir de pólvora e cartuchos para abatê-
opiniões que expressassem. Antes de partir, Fred apanhou com sua mãe
as oitenta libras.
nada grosseiro, que até olhava com desdém para as maneiras e a fala dos
estrofes tão pastoris e sem volúpia como o som da flauta em seus lábios,
sua atração por Bambridge e Horrock era um fato interessante que nem o
amor por cavalos explicaria de todo sem essa influência misteriosa dos
lha humana. Sob qualquer outro nome que não "prazer," decerto, o con-
vívio com Messieurs Bambridge e Horrock teria sido visto como monóto-
no; e chegar com eles a Houndsley na garoa da tarde, apear no Red Lion
numa rua negra de fuligem, jantar num recinto decorado por um imundo
que dava tratos à imaginação. Seu traje, já num bater de olhos, eviden-
chapéu, que subia no menor ângulo possível, apenas para escapar à sus-
peita de se dobrar para baixo), e o rosto que a natureza lhe dera, por
força dos seus olhos mongóis e de um nariz, boca e queixo que pareciam
MIDDLEMARCH
259
ções, mas que talvez nunca tenha causado tanta impressão à juventude
silêncio, com um perfil nem mais nem menos cético que anteriormente.
e ele era uma figura de proa no bar e no salão de bilhar do Green Dragon.
Sabia casos sobre os heróis do turfe, como sabia de muitos golpes esper-
do; o número de léguas que podiam cobrir em pouco tempo sem perder
jurando que jamais tinham visto nada igual. Mr. Bambridge, em suma,
Fred era sutil, e não havia falado a seus amigos que iria a Houndsley
te que verdadeira opinião eles tinham sobre seu valor, não sabendo que
260
GEORGE ELIOT
uma opinião verdadeira era a última coisa a poder ser extraída de tão
uma idéia.
"Você deu um passo errado quando resolveu fazer negócio com ou-
tro e não comigo, Vincy! Porque nunca você teve entre as pernas um
cavalo mais completo do que aquele castanho, e foi trocá-lo por este
pangaré. Este, se a gente o põe a meio galope, sai logo bufando tanto
há uns sete anos atrás ele ainda o atrelava no seu cabriolé, e bem que
quis que eu ficasse com a raridade, mas eu disse: "Não, Peg, muito obri-
disse. E a chacota correu por toda a região. Mas o cavalo, que diacho!,
"Ora esta, você acaba de dizer que o dele era pior do que o meu,"
"Nada, a não ser que o tal ruão era melhor de trote que o seu."
"Pois sei é que estou muito satisfeito com o passo dele," disse Fred,
da para suportá-lo; "ouso até dizer que seu trote é um dos mais regula-
Mr. Horrock olhou à frente com uma neutralidade tão completa como
ra; mas ao refletir ele achou que tanto a depreciação de Bambridge quanto
Bambridge, apareceu no Red Lion e logo puxou conversa sobre sua in-
MIDDLEMARCH
261
ser atrelado; pois ele estava para se casar e desistir das caçadas. O cavalo
teve de ser alcançada por uma rua nos fundos onde seria tão fácil alguém
brosa desta época alheia às condições de higiene. Fred não saíra fortale-
cido pelo conhaque contra o nojo, como seus companheiros, mas a cren-
ao mesmo tempo não quisesse comprá-lo; todos que tinham visto o ani-
fazendeiro, quando disse que cavalos piores ele já tinha visto vendidos
por oitenta libras. Claro está que se contradisse vinte vezes, mas, quan-
go curto, tinha dado para mostrar que ele o julgava digno de considera-
libras de quebra, numa troca pelo Diamond. Neste caso Fred, quando se
desfizesse do seu novo cavalo por pelo menos oitenta libras, e tendo
com tal clareza a importância de não perder esta chance rara que, se
262
GEORGE EuoT
nalguma coisa é forçoso e, seja qual for o nome que se der a esta coisa,
na posse do malhado cinza, pelo valor de seu cavalo velho mais trinta
feira ele partiu sozinho para a viagem de mais de vinte quilômetros, dis-
posto a fazê-la com toda a calma e a manter seu cavalo em boa forma.
CAPÍTULO XXIV
- SHAKESPEARE: Sonnets.
- SHAKESPEARE: Sonetos."
fundo, pior que tudo que já conhecera na vida. Não que se decepeionas-
se quanto à possível venda de seu cavalo, mas sim que, antes de ser
no qual fora investida uma esperança de oitenta libras, sem dar sinal de
por pouco tendo escapado de matar o palafreneiro para afinal ter-se gra-
já sabiam decerto antes da cerimônia. Por esta ou por aquela razão, Fred
"Soneto 34.
264
GEORGE ELIOT
Garth de perdas, Fred sabia e até muitíssimo bem que o pai se recusaria
deprimido estava ele que era incapaz de vislumbrar outra saída a não ser
quando soubesse, ficaria uma fera com aquele monstro perverso em seu
char-se com toda a sua coragem para se haver com o maior. Pegou por-
tanto o cavalo do pai, tendo decidido que, após conversar com Mr. Garth,
iria até Stone Court para confessar tudo a Mary. De fato, não fosse a
existência de Mary e o amor que ele nutria por ela, é provável que a
consciência de Fred tivesse sido muito menos ativa, tanto em ficar repi-
esquivar, como era seu hábito, pospondo sempre uma desagradável ta-
refa, mas sim a agir tão simples e diretamente quanto pudesse. Até mor-
tais muito mais fortes do que Fred Vincy mantinham sua retidão com o
pensamento voltado para o ser que eles mais amavam. "O teatro de
melhor amigo morreu; e felizes são os que têm um teatro onde a audiên-
para Fred na época se Mary Garth não dispusesse de noções bem claras
Mr. Garth não estava no escritório, e Fred foi para a residência dele,
que ficava um pouco fora da cidade - uma casa bem simples com um
sede de fazenda, mas agora estava rodeada pelas hortas particulares dos
fisionomia própria, como nossos amigos. A família Garth, que não era
nada pequena, pois Mary tinha quatro irmãos e uma irmã, adorava sua
cheiro delicioso de maçã e marmelo, e até hoje nunca fora ali sem agra-
dáveis expectativas; mas seu coração batia agora intranqüilo porque ele
talvez tivesse de fazer sua confissão diante de Mrs. Garth, que lhe inspi-
rava mais temor que o marido. Não que ela se inclinasse, como Mary, ao
mãe de família, Mrs. Garth não se permitia jamais ser afobada ao falar;
MIDDLEMARCH
265
lar. Possuía ela esse sentido raro que discerne o que é inalterável e se
ma, renunciara a toda vaidade por coisas como bules de chá ou vestidinhos
das vizinhas sobre a falta de prudência de Mr. Garth e as somas que ele
poderia ter ganho, se fosse como os outros homens. Donde as boas vizi-
quando falavam dela com seus maridos, como "a tal da Mrs. Garth."
Esta não deixava de as criticar por seu turno, tendo tido instrução mais
naturais. Mas deve-se admitir também que Mrs. Garth abusava da ênfa-
cozinha atrás dela, com seu livro ou sua lousa. Julgava bom para eles
que vissem como ela podia fazer uma excelente espuma de sabão en-
quanto corrigia seus erros "sem olhar," - como uma mulher que arrega-
çava as mangas acima dos cotovelos podia saber tudo sobre o Modo
ção" e outras boas coisas terminadas em "ção", e que mereciam ser pro-
nunciadas com ênfase, sem ser uma boneca inútil. Ao fazer observações
palavras que lhe afluíam como em cascata eram pronunciadas numa voz
de contralto, agradável e férvida. Certamente a exemplar Mrs. Garth os-
Para com Fred seus sentimentos eram matemais, e ela estava sem-
Mary caso se comprometesse com ele, estando sua filha incluída na-
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quele julgamento rigoroso que ela aplicava a seu próprio sexo. Mas já o
gradáveis do que havia esperado; pois Caleb Garth saíra cedo para visto-
riar umas obras, não muito longe. Mrs. Garth em certas horas estava
um lado do cômodo tão bem arejado, vigiando por uma porta aberta os
diante dos seus livros e lousas. No extremo oposto da cozinha, uma tina
também lavada.
esperar, vendo-se a mãe, que a filha fosse ficar que nem ela, perspectiva
avulta por detrás da filha como uma profecia maligna - "Tal como eu
"Oh - quer dizer - que a gente tem de pensar no que quer di-
que serve?"
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compreender," disse Mrs. Garth, com uma severa precisão. "Você gosta-
"Gostaria sim," disse Ben, resoluto; "é mais gozado. Quando ele diz
", mas ele diz "Tem uma velha no jardim," ao invés de "uma ove-
lha,` disse Letty, com ar de superioridade. "A gente podia achar que era
"Só não podia se voce não fosse enjoada," disse Ben. "Como que
tante da gramática," disse Mrs. Garth. "Estas cascas de maçã, Ben, são
para os porcos; se você comê-las, terei de dar para eles o seu pedaço de
torta. O Job só precisa falar das coisas simples da vida. Mas você, como
acha que vai conseguir escrever ou falar sobre assuntos mais difíceis, se
não souber mais gramática que ele? Decerto vai usar palavras erradas,
caso?"
"Eu? Darei o fora sem ligar para nada," disse Ben, convencido de
"Pelo que vejo, o cansaço já o deixou meio bobo, Ben," disse Mrs.
Cincinato."I
"Que isso, Ben, era um romano! - deixe que eu contof disse Letty,
terraf
"Sim, mas antes disto - não foi assim que começou - primeiro o
"Está bem, mas primeiro a gente tem de dizer que tipo de homem
que ele era," insistiu Ben. "Era um homem que sabia muito, como meu
pai, e por isto o povo queria seus conselhos. E era um homem valente,
chamado a Roma de
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GEORGE ELIOT
"Peraí, Ben, deixe eu logo contar a história toda, como mamãe con-
tou pra gente," disse Letty, já fazendo cara feia. "Por favor, mãe, diga ao
va da tina. "Quando seu irmão começou, você deveria ter esperado para
ver se ele seria capaz de contar a história. Que grosseira você parece que
los! Estou certa de que Cincinato lamentaria muito, se visse a filha dele
se comportar assim." (Esta frase horrorosa foi dita por Mrs. Garth com
todos uns broncos, e - não, não sei contar como você contou - mas sei
que eles queriam um homem para ser comandante e rei e tudo -"
"Que isso, Ben, você não é tão ignorante assim," disse Mrs. Garth,
com cuidado para não sair do sério. "Mas ouçam, estão batendo na por-
tinha voltado, mas a mãe estava na cozinha, Fred não teve alternativa.
por acaso ela estivesse ao trabalho. Em silêncio ele passou o braço pelos
ombros de Letty e com ela foi para a cozinha, sem seus carinhos e brin-
cadeiras de praxe.
Mrs. Garth surpreendeu-se por ver Fred àquela hora, mas a surpresa
não era um sentimento que fosse dada a expressar, e ela apenas disse,
"Você, Fred, já tão cedo assim? E está tão pálido. Aconteceu alguma
coisa?"
"Quero falar com Mr. Garth," disse Fred, ainda não preparado para
dizer mais - "e também com a senhora," acrescentou após breve pausa,
pois não tinha dúvida de que Mrs. Garth sabia tudo sobre a promissória,
que imaginou algum problema entre Fred e o pai dele. " certo que não
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feito esta manhã. Você se importa de ficar comigo, enquanto acabo aqui
meus afazares?"
"Não, agora vá para fora. Mas largue este chicote aí. Que maldade,
"Hoje não - outro dia. O cavalo com que eu estou não é meu."
"Diz a ela pra vir aqui em casa logo, pra gente brincar e fazer um
jogo de prendas."
"Chega, Ben, chega! vá dar uma volta," disse Mrs. Garth, ao ver que
"Letty e Ben são os seus únicos alunos agora, Mrs. Garth?" disse
coisa para passar o tempo. Ele não tinha ainda certeza se deveria esperar
e ir-se embora.
tenho feito muito dinheiro," disse Mrs. Garth, com um sorriso. "No to-
cante a alunos, a maré anda baixa. Mas consegui juntar minhas econo-
Não, não era uma boa introdução à notícia de que Mr. Garth estava
à beira de perder mais do que tal quantia. Fred ficou calado. "Com os
rapazes que vão para o colégio o gasto é ainda maior," prosseguiu ino-
quer dar uma boa oportunidade ao garoto. Aliás, ele está chegando! Já
posso até ouvir seus passos. Vamos lá para a sala para encontrá-lo?"
"E então, meu jovem!" disse ele num tom de leve surpresa, manten-
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"Bem, Mr. Garth, vim para lhe dizer uma coisa que eu temo venha a
levá-lo, a não pensar bem de mim. Vim dizer ao senhor e a Mrs. Garth
que eu não posso manter a minha palavra. Não consigo arranjar dinhei-
ro para liqüidar a dívida. Não tive sorte; para pagar as cento e sessenta,
"Pois é, eu não lhe havia dito nada, Susan: avalizei uma promissória
para o Fred; era de cento e sessenta libras. Ele me garantiu que ia poder
pagar."
Houve uma evidente mudança no rosto de Mrs. Garth, mas foi como
"Suponho que você tenha pedido o resto do dinheiro a seu pai, e ele
há de ter recusado!"
ainda; "mas sei que de nada adianta pedir a ele; e, mesmo que adiantas-
assunto."
"Bem, aconteceu numa hora muito imprópria," disse Caleb, com sua
hesitação costumeira, baixando os olhos para as notas e tocando nervo-
bem justas, como um alfaiate. Que podemos fazer, Susan? Vou ter de
gem do Alfred," disse Mrs. Garth, decidida e grave, embora ouvidos apu-
rados pudessem ter discernido aqui e ali nas palavras um ligeiro tremor.
"E não duvido de que a Mary, a essa altura, já conte com vinte