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A FOTOGRAFIA HUMANISTA DE SEBASTIÃO

SALGADO:
Os MIGRANTES e os SEM-TERRA no ensaio TERRA
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO

A FOTOGRAFIA HUMANISTA DE SEBASTIÃO SALGADO:


Os MIGRANTES e os SEM-TERRA no ensaio TERRA

JOÃO PESSOA
2015
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO

A FOTOGRAFIA HUMANISTA DE SEBASTIÃO SALGADO:


Os MIGRANTES e os SEM-TERRA no ensaio TERRA

Trabalho apresentado à Universidade Federal da


Paraíba, em cumprimento parcial às exigências para
obtenção do título de Bacharela em Comunicação
Social, habilitação em Jornalismo.

Orientador: Prof. PhD Pedro Nunes Filho

JOÃO PESSOA
2015
KEICY HELLEN VICTO DA CUNHA RÊGO

A Fotografia Humanista de Sebastião Salgado: Os Migrantes e os Sem-Terra no ensaio Terra

O presente trabalho foi submetido à avaliação da


banca examinadora, em cumprimento às exigências
da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, como
requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel
em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo,
na Universidade Federal da Paraíba.

Aprovado em ____/____/_____

Banca examinadora

____________________________________
Professor Doutor Pedro Nunes Filho
Orientador – UFPB

____________________________________
Professora Doutora Glória Rabay
Examinadora – UFPB

____________________________________
Professor Doutor Bertrand Lira
Examinador – UFPB
DEDICATÓRIA
A todos os brasileiros que lutam pelo combate às injustiças
sociais. Aos meus pais, Fátima Victor e Edvandro Rêgo, por
serem tão dedicados, e se sacrificarem para que eu tenha
uma educação de qualidade. Às minhas tias Bernardina,
Luciene, Terezinha e Célia, por serem meus maiores
exemplos de generosidade.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por ser minha fonte de otimismo e determinação.


À minha mãe Fátima, meu grande exemplo de mulher e ser humano, independente, forte,
bondosa e preocupada com as injustiças da nossa sociedade.
Ao meu pai Edvandro, por ser tão cuidadoso e carinhoso comigo, sempre me apoiando e
acreditando nos meus sonhos.
Às minhas tias Bernardina, Luciene, Terezinha e Célia, meus maiores exemplos de
generosidade. Em especial à Bernardina, por ser uma segunda mãe para mim.
À toda a minha família, a base do meu equilíbrio.
Às minhas avós, Felícia e Jesus, duas guerreiras, que me proporcionarem crescer em uma
família tão unida e amorosa.
Aos meus irmãos Cauê e Eduardo, que me motivam a sempre melhorar e ser um bom exemplo.
Aos meus primos, em especial a Ramon, por ser como um irmão, me levar ao meu primeiro
curso de fotografia, e comprar a minha primeira câmera profissional.
A Pedro Nunes, pelas generosas orientações, e por ser um professor exemplar.
À toda a equipe do NIPAM, onde fiz grandes amigas/os, que muito me ensinaram, e
contribuíram para a formação da minha identidade feminista. Em especial às professoras Glória
Rabay e Maria Eulina Carvalho, por me darem inúmeras oportunidades de enriquecer a minha
graduação.
Aos fotógrafos e professores Cacio Murilo, Manu Leite, René Dsousa e Paulo Rossi, por
fazerem de mim uma fotógrafa.
À equipe da TV UFPB, pela oportunidade de vivenciar a prática da comunicação social.
Aos meus amigos Norma, Ana Beatriz, Nathália, Cinthia, Érica, Lucas, Matheus, Heron,
Larissa, e Adenilda, por compartilharem os momentos de diversão e me apoiarem nos
momentos difíceis.
À toda a minha turma de jornalismo, em especial à Jude, Bárbara, Kelly e Poliana, que me
ajudaram nas dificuldades e dúvidas ao longo deste trabalho.
A Sebastião Salgado, por renovar a minha esperança de ser uma profissional que colabora com
a luta por um mundo mais justo.
"Você não fotografa com sua máquina. Você
fotografa com toda sua cultura.”

Sebastião Salgado
RESUMO

RÊGO, Keicy Hellen Victo da Cunha. A Fotografia Humanista de Sebastião Salgado: Os


Migrantes e os Sem-Terra no Ensaio Terra. UFPB. Monografia apresentada no Curso de
Comunicação Social, Jornalismo, 2015. 119 p.

Este trabalho toma por objeto de estudo o ensaio fotográfico Terra, de autoria de Sebastião
Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de fotodocumentação,
memória, ética e crítica social presentes na obra. Desta forma, discutiu-se sobre a construção
de uma nova realidade visual, a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural, e a utilização da
fotografia como forma de intervir socialmente. A pesquisa se justifica no reconhecimento do
trabalho de Salgado, na identificação da fotografia como forma de documentação, fonte
histórica e instrumento de crítica social. Utilizou-se a metodologia de Stumpf (2005) para
realizar a pesquisa bibliográfica, e Kossoy (2012), para a obtenção de análise das imagens.
Kossoy propõe uma dupla linha de investigação das imagens que alia uma análise iconográfica
a uma interpretação iconológica, abordando assim, as duas realidades da fotografia. Além dos
aportes teóricos de Kossoy (2007; 2009; 2012), utilizou-se Sousa (2004), Boni (2008), e
Salgado e Francq (2014), para discorrer sobre: os fundamentos teóricos da fotografia, o
documento fotográfico, o fotojornalismo, o fotodocumentarismo de crítica social, a fotografia
humanista, a trajetória profissional e pessoal de Sebastião Salgado e sobre o Livro Terra. Ao
fim das análises, observamos que as fotografias de Salgado, além de muito técnicas e artísticas,
são ricas fontes históricas, com mensagens carregadas de críticas sociais.

Palavras-chaves: Fotografia. Fotodocumentação. Memória. Humanismo. Crítica Social.


Sebastião Salgado. Fontes de Informação. Fotojornalismo.
ABSTRACT

RÊGO, Keicy Hellen Victo da Cunha. Sebastião Salgado's humanistic photography: Migrants
and landless people in “Terra” essay. UFPB. Monograph presented in Social Media Major,
Journalism, 2015. 119 p.

This work takes as object of study the photographic essay Terra, by Sebastião Salgado. It
enhances, in eight preselected photos, the characteristics of photo documentation, memory,
ethics and social criticism present in his work. Thus, this work considers the construction of a
new visual reality, the photographer’s role as a cultural filter, and the uses of photography as a
way of social intervention. The research is justified in acknowledgment of Salgado’s work; in
the recognition of photography as a form of documentation, a historical source and as an
instrument of social criticism. It was utilized the methodology of Stumpf (2005) to perform the
bibliographic research, and Kossoy (2012) to obtain the images analysis. Kossoy proposes a
double line of image investigation which combines an iconographic analysis to an iconological
interpretation, in a way that comprehends the two realities of photography. Besides the
theoretical contributions of Kossoy (2007; 2009; 2012), this work also utilizes Sousa (2004),
Boni (2008), and Salgado and Francq (2014) to discuss: the theoretical foundations of
photography, photographic paper, photojournalism, photodocumentarism of social criticism,
humanistic photography, Sebastião Salgado’s professional and personal trajectory and his Livro
Terra. At the end of the analysis, we observed that Salgado’s photographs, besides very
technical and artistic, are rich historical sources, filled with messages of social criticism.

Keywords: Photography. Photo Documentation. Memory. Humanism. Photodocumentarism.


Social Criticism. Sebastião Salgado. Information Sources. Photojornalism.
LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – Representação da dupla linha de investigação...................................................... 15


Figura 2– Modelo metodológico de investigação iconográfica.............................................. 17
Figura 3 – Modelo metodológico de ficha para análise iconográfica e interpretação
iconológica.............................................................................................................................. 18
Figura 4 – Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson................. 34
Figura 5 – Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson................. 34
Figura 6 – Imigrantes retratados por Jacob Riis..................................................................... 35
Figura 7 – Imigrantes retratados por Jacob Riis..................................................................... 36
Figura 8 – Imigrantes retratados por Jacob Riis..................................................................... 37
Figura 9 – Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine................................................... 39
Figura 10 – Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine................................................. 39
Figura 11 – Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine................................................ 40
Figura 12 – Capa do catálogo da exposição The Family of Man........................................... 42
Figura 13 – Capa do DVD do documentário O Sal da Terra: Uma viagem com Sebastião
Salgado.................................................................................................................................... 44
Figura 14 – Fotografia de Juliano Ribeiro Salgado, Sebastião Salgado e Wim Wenders...... 45
Figura 15 – Capa do livro Da minha terra à Terra................................................................ 46
Figura 16 – Lélia e Sebastião em 1970.................................................................................. 50
Figura 17 – Casamento de Lélia e Salgado............................................................................ 51
Figura 18 – Imagem que compõe o ensaio Êxodos, produzida Etiópia, em 1985................. 59
Figura 19 – Instituto Terra antes e depois do reflorestamento............................................... 62
Figura 20 – Lélia e Salgado no Instituto Terra....................................................................... 63
Figura 21 – Capa do livro Terra de Sebastião Salgado......................................................... 66
Figura 22 –Imagem que inspirou José Saramago a fazer o prefácio do livro Terra.............. 69
Figura 23 – Jovem trabalhadora da região do sisal, no Norte da Bahia................................ 113
Figura 24 – Idosa da cidade de Parambu, Sertão do Ceará.................................................. 114
Figura 25 – Trabalhador Baiano.......................................................................................... 115
Figura 26 – Meninos em prédica de frei Damião, Pernambuco........................................... 116
Figura 27 – Pés de trabalhadores que construíam um açude no sertão do Ceará................. 116
Figura 28 – Família baiana migrando para a cidade............................................................ 117
Figura 29 – Criança sofrendo com a seca no Ceará............................................................. 117
Figura 30 – 33º delegacia de polícia de Itaquera, São Paulo............................................... 118
Figura 31 – Trabalhador rural, Ceará................................................................................... 119
Figura 32 – Manifestação de camponeses acampados na fazenda Cuiabá, Sergipe............ 119
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA REALIDADE VISUAL ........................................ 19
1.1 Fundamentos teóricos da fotografia ............................................................................ 19
1.2 O documento fotográfico .............................................................................................. 21
1.3 Fotojornalismo .............................................................................................................. 23
1.3.1 A construção do Realismo ....................................................................................... 24
1.3.2 O Reino do Credível ................................................................................................. 27
2 FOTODOCUMENTARISMO, CRÍTICA SOCIAL E HUMANISMO ......................... 29
2.1 Fotodocumentarismo de crítica social ......................................................................... 30
2.2 O surgimento do fotodocumentarismo de crítica social ............................................ 32
2.3 Fotografia Humanista................................................................................................... 41
3 ANALISANDO O ENSAIO TERRA ................................................................................. 44
3.1 Sebastião Salgado .......................................................................................................... 44
3.1.1 O brasileiro “Tião” Salgado ..................................................................................... 46
3.1.2 Entre a França, a África e a Fotografia .................................................................... 52
3.1.3 O fotógrafo Sebastião Salgado ................................................................................. 54
3.1.4 O Instituto Terra e o Projeto Gênesis ....................................................................... 59
3.2 O Ensaio Terra .............................................................................................................. 64
3.3 A fotografia humanista em Sebastião Salgado ........................................................... 70
3.3.1 Os primeiros donos das terras .................................................................................. 70
3.3.2 A exploração dos Trabalhadores Rurais................................................................... 75
3.3.3 O Sonho do Ouro...................................................................................................... 79
3.3.4 A Seca ...................................................................................................................... 84
3.3.5 As coisas da Morte e da Vida ................................................................................... 88
3.3.6 O Caminho do Céu ................................................................................................... 92
3.3.7 A Família Migrante .................................................................................................. 96
3.3.8 A luta de todos........................................................................................................ 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 106
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110
ANEXOS............................................................................................................................... 113
Outras imagens do Ensaio Terra.................................................................................... 113
13

INTRODUÇÃO

No ano de 1996, o fotógrafo Sebastião Salgado recebeu a proposta de lançar um livro


em comemoração aos dez anos da editora Companhia das Letras. A partir deste convite, ele
pôde contar uma história montada ao longo de dezesseis anos de reportagens. Diferente dos
seus outros projetos, o ensaio Terra não foi idealizado antes da criação de suas imagens.
Salgado só percebeu a conexão entre as narrativas após se integrar às comunidades e presenciar
as injustiças sociais. O livro Terra, publicado 1997, retrata a luta pela terra no Brasil, mostrando
desde os índios, primeiros donos da terra, até os trabalhadores rurais explorados, migrantes, e
integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)1.
São fortes os argumentos de Salgado ao defender a luta do MST. O fotógrafo mostra as
difíceis condições em que viviam os camponeses brasileiros, lidando com trabalhos quase
escravos, fome, seca e o alto índice de mortalidade. Dentre eles, os que decidem lutar passam
a viver em assentamentos, que, segundo o brasileiro, em alguns aspectos, são piores que os
campos de refugiando em que ele esteve na África. Os que desistem, migram para as cidades,
onde muitas vezes continuam a viver em condições precárias, desestruturando as famílias e
aumentando a criminalidade. Salgado sabia que o Brasil é um país de proporções continentais,
com inúmeros latifúndios e terras em desuso, e que uma reforma agrária coerente poderia
melhorar a vida de cinco milhões de famílias.
De acordo com Salgado e Francq (2013), acompanhar os sem-terra foi a maneira que
ele encontrou de participar do movimento. Assim como o trabalho do fotógrafo, este projeto
também se justifica na contribuição à luta do MST, e no reconhecimento da intervenção social
através da fotografia. Além disso, é de grande importância que sejam feitas mais pesquisas
identificando a fotografia como um documento eficaz, e uma valiosa fonte histórica. Outra
grande motivação foi a exploração e divulgação do trabalho de Sebastião Salgado, que além de
ser um fotógrafo internacionalmente conhecido, também é um brasileiro engajado no combate
às injustiças sociais e à degradação da natureza.
Ao longo do curso de jornalismo, procurei complementar a minha graduação com cursos
paralelos de fotografia, estudando desde o processo de produção à pós-produção das imagens.
O curso de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), oferece apenas duas disciplinas relacionadas à fotografia, Fotojornalismo e
Tópicos em Fotografia, e na cidade de João Pessoa são oferecidos poucos cursos, básicos, na

1
Um dos mais populares movimentos sociais do Brasil, tendo como principal objetivo a luta pela reforma agrária.
14

maioria, e nenhum superior. Graças aos avanços tecnológicos, pude assistir cursos online e
comprar livros em sebos de todo o país. A realização deste trabalho também foi uma maneira
de me aprofundar nos estudos da fotografia, sem deixar de lado a minha paixão pela postura
crítica do jornalismo.
Este trabalho tem como objetivo analisar o ensaio fotográfico Terra de autoria de
Sebastião Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de
fotodocumentação, memória, ética e crítica social presentes na obra. Para tanto, refletimos
acerca da natureza da fotografia enquanto documento, fotodocumentação, memória, ética e
construção de uma nova realidade visual. Também destacamos os aspectos formais da
fotografia em termos de linguagem, técnica e estética, aplicados à fotografia humanista de
Sebastião Salgado. Por fim, examinamos o livro Terra, de Sebastião Salgado, publicado no ano
1997, destacando as principais características do referido ensaio de fotodocumentação.
Para realizar a nossa pesquisa bibliográfica utilizamos a metodologia de Ida Regina C.
Stumpf (2005 p. 54), que sugere os seguintes passos: “definir o tema de estudo com precisão,
dividir o tema principal em subtemas, começar a pesquisar fontes, delimitar o tema no tempo e
espaço, escolher o objeto de estudo, encontrar material pertinente, e por fim, acrescentar
inovações à temática”. Apesar do destaque internacional de Salgado, são poucos os estudos que
analisam o seu trabalho, assim como também são poucos os estudos referentes ao
fotodocumentarismo em geral.
Como o propósito de fundamentar a nossa análise, utilizamos os aportes teóricos de
Boris Kossoy (2007; 2009; 2012), Jorge Pedro Sousa (2004) e Paulo César Boni (2008).
Discorremos sobre os fundamentos teóricos da fotografia, o documento fotográfico, o
fotojornalismo, o fotodocumentarismo, o a fotografia documental de crítica social e a fotografia
humanista. Em seguida, recorremos à biografia de Salgado (2014), Da minha terra à Terra,
escrita por ele em parceria com a jornalista Isabelle Francq, e ao documentário O Sal da Terra:
Uma viagem com Sebastião Salgado, uma coprodução do alemão, Wim Wenders, e o filho do
protagonista, Juliano Ribeiro Salgado, para realizarmos nossa pesquisa sobre o fotógrafo/autor
e o livro Terra, nosso objeto de estudo.
Para elaborar as análises nos apropriamos da metodologia de pesquisa de Kossoy
(2012), que propõe uma dupla linha de investigação. Procurando atingir tanto a primeira, como
a segunda realidade da fotografia, o autor sugere uma análise iconográfica, aliada a uma
interpretação iconológica. Segundo Kossoy (2012, p. 107), a análise iconográfica é responsável
por abordar a segunda realidade, a exterior, detalhando sistematicamente “o conteúdo da
15

imagem em seus elementos icônicos formativos”. Seria, então, uma descrição dos aspectos
explícitos na fotografia.
Ainda de acordo com o teórico Kossoy (2012, p. 108), para aprofundar a análise das
imagens, a discussão passa para um plano pós-iconográfico, onde “descrever e constatar não é
suficiente”. É quando entra a interpretação iconológica, responsável pela primeira realidade, a
interior, o instante que ficou no passado. Esta fase da análise é “o momento de uma incursão
em profundidade na cena representada, que só será possível se o fragmento visual for
compreendido em sua interioridade”. O autor explica que para conseguir realizar uma
interpretação iconológica é preciso acumular conhecimentos sobre o momento retratado. Para
elucidar a proposta da dupla linha de investigação, Kossoy (2012, p. 108), apresenta o seguinte
desenho:

Figura 1 – Representação da dupla linha de investigação.

Fonte: Kossoy (2012, p. 108).

A maior dificuldade de realizar a análise está no processo de interpretação iconológica,


pois é preciso ter conhecimento sobre a realidade retratada, e sobre os filtros culturais utilizados
para produzir a imagem. Como foi dito anteriormente, o fotógrafo usa seus filtros culturais para
criar a fotografia e o receptor também os utiliza para interpretá-la. Por isso podem ser feitas
diferentes leituras de uma imagem. Sobre as múltiplas interpretações que podem ser feitas pelo
receptor, e a necessidade de um bom repertório para se conseguir realizar uma leitura plural,
Kossoy (2012, p. 129), explica: “Uma fotografia vale mil palavras. Sim, e acrescenta o
16

romancista americano William Saroyan, ‘somente se você olha a imagem e diz ou pensa mil
palavras’”.
As imagens são ambíguas, elas iludem e confundem. Para realizar uma leitura coerente
é preciso interpretá-la com malícia, investigando a cena retratada, o período histórico, os filtros
culturais e tecnológicos. Segundo Kossoy (2012, p. 128), é necessário usar a mesma estratégia
utilizada para os textos. Ter um olhar crítico, ler nas entrelinhas! De acordo com Weinstein e
Booth (apud KOSSOY, 2012, p. 128): “No que uma boa fotografia desvenda para o olho e a
mente compreensiva, ela falhará em desvendar para o olhar apressado”. Ou seja, nem sempre a
mensagem será compreendida. Mesmo ciente da grande possibilidade de ser feita uma leitura
tortuosa, Kossoy (Ibid.), aconselha: “Não deixar de ousar na interpretação: esta é a tarefa”.
Com a intenção de organizar a análise, criamos um modelo de ficha baseado no modelo
de investigação iconográfica de Kossoy (2012, p. 103). Acrescentamos ao modelo um espaço
para a análise iconológica e retiramos o espaço de “REF”, que não foi explicado pelo autor.
Ainda segundo Kossoy (2012), a análise iconográfica pode ser dividida em dois níveis:

Dois níveis de referência – ID E ICON – nos trazem informações concretas


acerca do documento. O primeiro (ID) estabelece a identidade do documento
(número de tombo, coleção, procedência e demais referências quanto à sua
identificação) a suas características individuais (estado de conservação, e
outras referências específicas quanto à sua existência; o segundo (ICON) se
refere ao registro fotográfico propriamente dito, que se apresenta basicamente
segundo duas modalidades documentais: artefato /ou reprodução. (KOSSOY,
2012, p. 101).

Em nossas fichas mantivemos essa divisão em dois níveis, ID E ICON, e optamos pela
modalidade documental de reprodução impressa. Ainda de acordo com Kossoy (2012, p. 98), a
modalidade artefato de época trata a “fotografia tal como nos veio do passado do ponto de vista
material”. Já a modalidade reprodução impressa, mantém o foco no conteúdo da imagem, o que
a torna mais adequada a este projeto. O autor acrescenta:

No caso da reprodução impressa (em livros, periódicos, cartazes, materiais


impressos em geral), uma vez recuperados os dados acerca da publicação que
a contém (veículo, data de publicação, autor da matéria etc.), nossa pesquisa
deverá ser centrada na imagem e nas informações que a cercam: títulos,
legendas, e textos que a ela se referem na publicação. Essas informações uma
vez sistematizadas nos trarão elementos para uma análise consistente dos
referidos conteúdos iconográficos. (KOSSOY, 2012, p. 99).

A escolha de uma modalidade não interfere na intepretação iconológica, tanto a divisão


por níveis, como a escolha da modalidade reprodução impressa, só interferiram na análise
iconográfica. As imagens a seguir representam, respectivamente, o modelo metodológico de
17

investigação iconográfica de Kossoy (2012, p. 103) e a ficha utilizada em nossa análise, uma
vez que a comparação entre as duas facilita a compreensão de nossas escolhas e adaptações.

Figura 2 – Modelo metodológico de investigação iconográfica.

Fonte: Boris Kossoy (2012, p. 103)


18

Figura 3–Modelo metodológico de ficha de análise iconográfica e interpretação iconológica.

(IMAGEM)

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
ID

ICON
(REPRODUÇÃO
IMPRESSA)

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA

Fonte: A autora.
19

1 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA REALIDADE VISUAL

1.1 Fundamentos teóricos da fotografia

As fotografias são fruto da ação da luz sobre uma superfície quimicamente sensível.
Antes do surgimento dessa técnica de fixação, já era possível projetar as imagens utilizando a
câmera obscura. Se no começo os artistas favoreciam-se da câmera obscura para delinear as
projeções, criando apenas um esboço da sua obra, atualmente, o seu trabalho vem antes de a luz
passar pela câmera. O artista seleciona um fragmento da realidade, e gerencia a tecnologia
utilizada para que o resultado fique de acordo com o seu objetivo. Ou seja, antes de acionar a
câmera, a imagem já foi idealizada pelo fotógrafo. É o que explica Boris Kossoy (2012), em
Fotografia e História, primeiro livro de sua trilogia teórica. Para ele, “Toda fotografia tem sua
origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um
aspecto dado do real, em determinado lugar e época” (KOSSOY, 2012, p. 38). Isto é, a
motivação do fotógrafo é responsável pela criação da imagem e por suas características.
Ainda segundo o autor, se toda fotografia é uma reprodução de um fragmento da
realidade, criada através da ação da luz que entra na câmera e desenha a imagem em uma
superfície sensível, regida por um indivíduo, então, conclui-se que existem três elementos
fundamentais para a criação de uma fotografia: “o assunto, o fotógrafo e a tecnologia”
(KOSSOY, 2012, p. 39). Esses três elementos são chamados por ele de “elementos
constitutivos”. São eles que geram um processo de produção que é finalizado no momento em
que a imagem é cristalizada. É nesse instante que são definidos “espaço e tempo”, o que teórico
chama de coordenadas de situação. Em síntese:

O produto final, a fotografia, é, portanto, resultante da ação do homem, o


fotógrafo, que em determinado espaço e tempo optou por um assunto em
especial e que, para seu devido registro, empregou os recursos oferecidos pela
tecnologia. (KOSSOY, 2012, p. 39).

Para entender melhor esse ciclo, é importante conceituar cada elemento constitutivo.
Kossoy (2012, p. 40) define os elementos constitutivos da seguinte forma: o termo assunto
refere-se ao “tema escolhido, o fragmento do mundo exterior”, o fotógrafo é “autor do registro,
agente e personagem do processo”, e tecnologia são os “materiais fotossensíveis, equipamentos
e técnicas empregados para a obtenção do registro, diretamente pela ação da luz”. As
coordenadas de situação, espaço e tempo, são respectivamente o “local onde se deu o registro
e o momento em que se deu o registro”. Por fim, o autor conceitua fotografia como sendo, “a
imagem, registro visual fixo de um fragmento do mundo exterior, conjunto dos elementos
20

icônicos que compõem o conteúdo; as informações de diferentes naturezas nela gravadas”. É a


influência desses componentes que torna a fotografia um material tão singular. Cada variável
acrescenta particularidades à imagem, e o instante em que a realidade foi congelada nunca
poderá ser repetido. Ele também observa que:

O ato do registro, ou processo que deu origem a uma representação


fotográfica, tem seu desenrolar em um momento histórico específico
(caracterizado por um determinado contexto econômico, social, político,
religioso, estético ect.); essa fotografia traz em si indicações acerca de sua
elaboração material (tecnologia empregada) e nos mostra um fragmento
selecionado do real (o assunto registrado). (KOSSOY 2012, p. 41).

Essas singularidades são fruto das escolhas feitas pelo fotógrafo. Ainda para o autor, a
atuação do fotógrafo funciona como um filtro cultural:

A eleição de um aspecto determinado – isto é, selecionado do real, com seu


respectivo tratamento estético -, a preocupação na organização visual dos
detalhes que compõem o assunto, bem como a exploração dos recursos
oferecidos pela tecnologia: todos são fatores que influirão decisivamente no
resultado final e configuram a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural.
(KOSSOY, 2012, p. 44).

A bagagem cultural do fotógrafo é de extrema importância para que a imagem transmita


uma mensagem relevante. A sua forma de ver a realidade, seus sentimentos, ideologias,
ambições, criatividade, sensibilidade, tudo que forma seu repertório é agregado às suas
imagens, podendo enriquecê-las ou não. Se colocarmos vários fotógrafos em um mesmo lugar,
no mesmo instante, e com o mesmo equipamento, ainda assim, serão produzidas imagens
extremamente diferentes. Porque o produto final é resultado da soma do que está à frente com
a subjetividade do fotógrafo.
O instante escolhido pelo fotógrafo para ser congelado, conceituado como elemento
constitutivo, faz com que a fotografia represente em sua essência uma ruptura no tempo. Sem
outras imagens que complementem a sua significação, essa talisca da realidade que foi
desenhada em uma superfície sensível será sempre isolada. Para Kossoy (2012, p. 46), uma
única fotografia é uma interrupção da realidade “sem antes, nem depois”. Sobre este isolamento,
ele explica que: “é este um dos aspectos mais fascinantes em termos de instante contínuo
recortado da vida que se confunde com o nascimento do descontínuo do documento.”
Ou seja, no instante em que a realidade é interrompida, criando uma imagem isolada em
forma de fotografia, surge também uma forma de documentação. Pois toda fotografia guarda
em si um trecho de uma cena do passado. Dando seguimento a esse raciocínio, Keim (apud
KOSSOY, 2012, p. 46), acrescenta: “Se é possível recuperar a vida passada, primeira realidade,
21

e se temos através da fotografia, uma nova prova de sua existência, há na imagem uma nova
realidade, passada, limitada, transposta.” Assim, entendemos que a partir de uma foto é possível
transpor a primeira realidade, já passada, criando uma segunda realidade, restrita e deslocada
da original. E é a partir dessa realidade recriada que surge a vida do documento fotográfico.

1.2 O documento fotográfico

A fotografia é uma das inúmeras invenções criadas em meio aos avanços científicos
ocorridos na Revolução Industrial. O seu surgimento trouxe a oportunidade de modernizar o
conhecimento, tornando-se base para pesquisas em diversos campos científicos. À medida que
ela se popularizava, as técnicas eram aperfeiçoadas, a indústria fotográfica cresceu, e, aos
poucos, tudo foi sendo documentado em forma de imagem.
“A expressão cultural dos povos exteriorizada através de seus costumes, habitação,
monumentos, mitos e religiões, fatos sociais, políticos passou a ser gradativamente
documentada pela câmera” (KOSSOY, 2012, p. 28). Com a fotografia, o homem passou a
conhecer melhor outras realidades, que antes só eram descritas verbalmente, por escrito, ou
através de técnicas pictóricas.
A partir do desenvolvimento da indústria gráfica, multiplicavam-se o número de fotos
impressas, o que possibilitou o surgimento de um novo processo de aprendizado do real. A
partir deste momento, pessoas de diferentes níveis sociais teriam acesso à informação visual
sobre povos distantes, como acrescenta Kossoy (2012, p. 29):

O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu, aos poucos, substituído


por sua imagem fotográfica. O mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado. A
descoberta da fotografia propiciaria, de outra parte, a inusitada possibilidade
de autoconhecimento e recordação, de criação artística, de documentação e de
denúncia graças a sua natureza testemunhal. Justamente em função deste
último aspecto ela se constituiria em arma temível, passível de toda sorte de
manipulações, na medida em que os receptores nela viam, apenas, a
“expressão da verdade”, posto que resultante da “imparcialidade” da objetiva
fotográfica. A história, contudo, ganhava um novo documento: uma
verdadeira revolução estava a caminho.

Desde 1840, inúmeras imagens têm guardado memórias visuais de diferentes lugares,
paisagens e pessoas. É por essa capacidade de reter informações e memórias, que as fotografias
são consideradas documentos históricos. Para Kossoy (2009, p. 28):

É a fotografia um intrigante documento visual cujo conteúdo é a um só tempo


revelador de informações e detonador de emoções. Segunda vida perene e
imóvel preservando a imagem-miniatura de seu referente: reflexos de
existências/ocorrências conservados congelados pelo registro fotográfico.
Conteúdos que despertam sentimentos profundos de afeto, ódio ou nostalgia
22

para uns, ou exclusivamente meios de conhecimento e informação para outros


que os observam livres de paixões, estejam eles próximos ou afastados do
lugar e da época em que aquelas imagens tiverem origem. Desaparecidos os
cenários, personagens e momentos, sobrevivem, por vezes, os documentos.

Seja como “reveladora de informações”, ou como “detonadora de emoções”, a


fotografia é uma eficiente forma de documentação, que ao recriar um fragmento da realidade,
consegue conservá-la em forma memória iconográficas. De acordo com Rouillé (apud
OSÓRIO, 2009, p. 78), a fotografia como documento apresenta cinco funções, são elas:
arquivar, ordenar, modernizar os saberes, ilustrar e informar. A primeira função, arquivar, surge
a partir da “necessidade que o homem moderno tinha em adquirir conhecimentos
pormenorizados acerca de tudo que fosse possível”, produzindo um “inventário do real na forma
de álbum ou arquivo.”
É quando surge a próxima função – ordenar. Para que os álbuns produzam sentido e
representem a realidade, é necessário organizar as fotos de uma forma coerente. Para o autor, a
função da fotografia de modernizar os saberes, se deu com uso de imagens pela ciência,
buscando um meio de reproduzir a realidade com mais fidelidade que as ilustrações artesanais
feitas sem a mediação técnica. Sobre a quarta função – ilustrar, Rouillé (2009, p. 79), afirma
que: “as funções da fotografia nunca excederam verdadeiramente a simples ilustração”. O que
menospreza o potencial artístico e documental da fotografia. Outros autores são mais coerentes
ao analisar a função documental das imagens. Segundo Kossoy (2012, p. 34), as fotografias têm
um potencial que vai além da ilustração:

São as imagens documentos insubstituíveis cujo potencial deve ser explorado.


Seus conteúdos, entretanto, jamais deverão ser entendidos como meras
“ilustrações ao texto”. As fontes fotográficas são possibilidade de
investigação e descoberta que promete frutos na medida em que se tentar
sistematizar suas informações, estabelecer metodologias adequadas de
pesquisa e análise para a decifração de seus conteúdos e, por consequência, da
realidade que os originou.

A última das cinco funções estabelecidas por Rouillé (2009, p. 79) é – informar.
Segundo Osório (2013, p. 22), “o caráter informativo da fotografia teve bastante destaque e
ganhou força durante os períodos de guerra, quando houve uma grande aliança entre a fotografia
e a imprensa, e o surgimento do fotorrepórter”. Essa união fez com que a as fotografias fossem
mais divulgadas, potencializando a sua função informativa. Mesmo exercendo as diversas
funções estabelecidas por Rouillé, e fornecendo um vasto painel de informações iconográficas,
segundo Kossoy, a fotografia ainda não atingiu integralmente o status de documento.
23

Sua importância enquanto artefatos de época, repletos de informações de arte


e técnica, ainda não foi devidamente percebida: as múltiplas informações de
seus conteúdos enquanto meios de conhecimento têm sido timidamente
empregados no trabalho histórico. Por outro lado, investigações de cunho
científico acerca da história da fotografia – inserida num contexto mais amplo
da história da cultura – são ainda raras. (KOSSOY, 2012, p. 30).

Este seria um alerta de que existe um certo preconceito em adotar a fotografia com uma
fonte histórica ou como objeto de pesquisa. Kossoy (2012, p. 30), acrescenta que dentre as
muitas razões que poderiam explicar esse preconceito, existem duas em especial. A primeira
seria que, “apesar de sermos personagens de uma civilização da imagem [...] existe um
aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do saber”. A
segunda razão seria uma consequência da anterior, os pesquisadores “resistem em aceitar,
analisar, e interpretar a informação quando esta não é transmitida segundo um sistema
codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita”.
(KOSSOY, 2012, p. 32).
É importante ressaltar que nas últimas décadas houve certo progresso com relação ao
reconhecimento da fotografia como documento. Alguns autores chegam a falar em uma
revolução documental, onde o conceito de documento passaria a englobar diversos
instrumentos novos, como os sons e as imagens. Desde os anos 1990 o interesse em estudar
documentos fotográficos vem crescendo, gerando um aumento significativo no número de
dissertações e teses na área.
Deixando claro o preconceito que as imagens sofrem e a eficiência da fotografia como
forma de documentação, a partir de agora focaremos nossos esforços em ressaltar o seu caráter
representativo. A partir da relação documento / representação da imagem fotográfica,
refletiremos sobre sua essência de “realidades e ficções”.

1.3 Fotojornalismo

O jornalismo foi uma das primeiras atividades a se beneficiar plenamente da fotografia,


incorporando-a como registro visual da verdade. Evoluções tecnológicas e estéticas fizeram
com que as representações da realidade fossem cada vez mais fieis, reforçando a ideia de que
as imagens seriam um espelhos do real. Em Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental,
Jorge Pedro Sousa (2004, p. 223), explica que, “ao funcionar como prova, beneficiando do
efeito-verdade, a fotografia credibilizaria os enunciados verbais e as apresentações da realidade
que esses enunciados criavam, acompanhados, agora, pelas fotos”. Com isso, o fotorreporter
24

era visto apenas como uma“máquina de registrar a verdade”, e seu trabalho era só capturar a
realidade.
A ideia de realismo acompanha a fotografia desde a sua criação, ligada à ideologia da
objetividade, camuflando interesses e tramas ideológicas implícitos nas imagens. No segundo
livro de sua já citada trilogia teórica, Realidades e Ficções na Trama Fotográfica, Kossoy
(2009, p. 19), afirma:

Desde o seu surgimento e ao longo de sua trajetória, até os nossos dias, a


fotografia tem sido aceita e utilizada como prova definitiva, “testemunho da
verdade” do fato ou dos fatos. Graças a sua natureza fisicoquímica – e hoje
também eletrônica – de registrar aspectos (selecionados) do real, tal como
estes de fato se parecem, a fotografia ganhou elevando status de credibilidade.
Se, por um lado, ela tem valor incontestável por proporcionar continuamente
a todos, em todo mundo, fragmentos visuais que informam das múltiplas
atividades do homem e sua ação sobre os outros homens e sobre a Natureza,
por outro ela sempre se prestou e sempre se prestará aos mais diferentes e
interesseiros usos dirigidos.

Mesmo possuindo esse status de credibilidade, inicialmente a fotografia era vista pelo
jornalismo apenas como uma ilustração do texto, e não como um complemento da narrativa.
Para Baynes (apud SOUSA, 2009, p. 18), “[...] o aparecimento do primeiro tablóide fotográfico,
em 1904, marca uma mudança conceitual: as fotografias teriam deixado de ser secundarizadas
como ilustrações do texto para serem definidas como uma outra categoria de conteúdo”. Era o
reconhecimento de que a fotografia chegou para enriquecer o jornalismo, servindo como uma
forte ferramenta de disseminação de ideias e manipulação da opinião pública.

1.3.1 A construção do realismo

Como foi dito anteriormente, a fotografia possui uma realidade recriada, a segunda
realidade. Essa realidade própria não é fundamentalmente a mesma ocorrida na cena registrada.
Retomando o raciocínio de Kossoy (2009, p. 22), entendemos que: “Trata-se da realidade do
documento: uma segunda realidade construída, sedutora em sua montagem, em sua estética, de
forma alguma ingênua, mas que é todavia, o elo material do tempo e espaço representado.”
Compreender a existência das diversas realidades que fluem na representação fotográfica é um
caminho para entender a criação e a recepção das imagens.
Buscando elucidar esse caminho, Kossoy (2009, p. 41), identifica dois processos, o
“processo de construção da representação, a produção da obra fotográfica propriamente dita,
por parte do fotógrafo”, e o “processo de construção da interpretação, a recepção da obra
fotográfica por parte dos diferentes receptores; suas diferentes leituras em precisos momentos
25

da história”. Ao isolar esses mecanismos, ou, como define o teórico, “desmontar esses
processos”, inicia-se a busca pela compreensão da relação que existe entre a realidade e a
fotografia. Descobrindo assim, “em que medida a fotografia dá margem a um processo de
construção de realidades”.
O primeiro processo, a construção da representação, é elaborado de acordo com o
propósito do seu criador. Como foi explicado no tópico sobre os fundamentos teóricos da
fotografia, existe uma ligação inseparável entre a imagem e o seu referente, a partir do qual a
fotografia foi desenhada. Mas essa conexão é intermediada por um filtro cultural, a
mundividência do fotógrafo. Para Kossoy (2009, p. 43): “A representação fotográfica é uma
recriação do mundo físico ou imaginado, tangível ou intangível; o assunto registrado é produto
de um elaborado proceso de criação por parte de seu autor.”
Isto é, o processo de construção da representação se inicia na imaginação do fotógrafo
e se desenvolve de acordo com suas motivações, técnicas, ideias etc. No momento em que é
finalizado o processo de construção da representação, surge uma nova realidade, transposta,
interpretada e idealizada. É a realidade da fotografia, da reprensentação, do índice
inconográfico, prova da existência de uma realidade passada. É essa segunda realidade que será
apreciada, analisada e decifrada pelo receptor, participando do processo de construção da
interpretação. Explica Kossoy (2009, p.44):

A recepção da imagem subentende os mecanismos internos do processo de


construção da interpretação, processo esse que se funda na evidência
fotográfica e que é elaborado no imaginário dos receptores, em conformidade
com seus repertórios pessoais culturais, seus conhecimentos, suas concepções
ideológicas/estéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus
interesses econômicos, profissionais, seus mitos.

Esse segundo processo é tão ou mais complexo que o primeiro, pois envolve a visão de
mundo de diversos personagens e suas formas de interpretação. A junção dos dois processos
pode ser vista como um confronto de experiências. O fotógrafo constroi uma mensagem de
acordo com suas convicções, e o receptor interpreta-a usando os mesmo artifícios. Se essa
interprestação gera uma crítica, esse processo pode ser visto até como um diálogo. A respeito
da leitura que fazemos das imagens, Kossoy (2009, p. 44) explica:

As imagens fotográficas, por sua natureza polissêmica, permitem sempre uma


leitura plural, dependendo de quem as aprecia. Os receptores já trazem em si
suas próprias imagens mentais preconcebidas acerca de determinados
assuntos. Estas imagens mentais funcionam como filtros: ideológicos,
culturais, morais, éticos etc. Tais Filtros, todos nós temos, sendo que para cada
receptor, individualmente, os mencionados componentes interagem entre si,
atuando com maior ou menor intensidade.
26

Ou seja, além do filtro cultural do criador da imagem, durante a interpretação,


inevitavelmente, nós também usamos os nossos próprios filtros. Possuímos repertórios culturais
distintos, por isso são construídas leituras tão variadas de uma mesma fotografia. Para Kossoy,
as imagens tem o poder provocar uma interação que recria cenas conhecidas ou nunca
vivênciadas. “Algumas imagens nos levam à rememorar, outras moldar nosso comportamento;
ou consumir algum produto ou serviço; ou formar conceitos ou reafirmar pré-conceitos que
temos sobre determinado assunto; outras despertam fantasias e desejos” (KOSSOY, 2009, p.
44).
A contemplação de uma imagem tem o poder de acionar ideias e sentimentos que já
fazem parte do receptor. Ao interpretá-las, inexoravelmente, associamos nosso próprios valores
e ideologias à construção da sua significação. Como acrescenta Kossoy (2009, p. 45):

Essas imagens, entretanto, uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de


ser estáticas; tornam-se dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos,
pensamos e fazemos. Nosso imaginário reage diante das imagens visuais de
acordo com nossas concepções de vida, situação socioeconômica, ideologia,
conceitos e pré-conceitos.

O que à primeira vista parece uma estática reprodução da realidade, na verdade é um


fonte de ambiguidades, criada e interpretada a partir de filtros culturais, que, por fim, se
misturam a nós e tornam-se ativas imagens mentais. É importante acrescentar que além da nossa
bagagem, nós também utlizamos a imaginação durante o processo de construção da
interpretação, o que colabora ainda mais para que a segunda realidade, a fotografia, exceda a
primeira, a cena reprensentada. Sobre esse complexo processo de construções de realidades,
explica o autor:

Seria esta, enfim, a realidade da fotografia: uma realidade moldável em sua


produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas,
iconográficas, sua realidade exterior) e de segredos implícitos (sua história
particular, sua realidade interior), documental porém imaginária. Tratamos,
pois, de uma expressão peculiar que, por possibilitar inúmeras
representações/interpretações, realimenta o imaginário num processo
sucessivo e interminável de construção e criação de novas realidades.
(KOSSOY, 2009, p. 47).

Tendo conhecimento da flexibilidade dessas novas realidades, e da confiança que os


leitores depositavam nas imagens, vendo nelas uma reprodução fiel da realidade passada, o
fotojornalismo começa a manipular o processo de construção das representações, na intenção
de influenciar o processo de construção das interpretações, moldando percepções e opiniões
sobre os fatos.
27

1.3.2 O Reino do Credível

De acordo com o dicionário Michaelis (2009), credível é “algo que se pode crer”, crível,
acreditável, verossímil, “que tem aparência de verdade”. Atributo poderoso quando se busca
persuadir. Sobre persuasão e verossimilhança Citelli (1994, p. 13) explica: “É possível que o
persuasor não esteja trabalhando com uma verdade, mas tão-somente com algo que se aproxime
de uma verssimilhança ou simplesmente a esteja manuseando.”
As novas realidades criadas pela fotografia são absolutamente credíveis e verossímeis,
características poderosas para o jornalismo e sua busca pela persuasão. Ainda mais quando
pode-se moldar essas realidades de acordo com suas conveniências, realçando ou escondendo
informações. Ainda segundo Citelli (1994, p. 14): “Persuadir não é apenas sinônimo de enganar,
mas também o resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para
o receptor”. A junção da imagem com o texto jornalístico colabora com esse aconselhamento,
convencimento de como se deve interpretar uma realidade que foi construída de acordo com a
organização do discurso de um fotógrafo / jornalista. Segundo Sousa (2004, p. 9):

Nascida num ambiente positivista, a fotografia já foi encarada quase


unicamente como o registro visual da verdade, tendo nessa condição sido
adotada pela imprensa. Como o passar do tempo, foram-se integrando
determinadas práticas, tendo-se rotinizado e convencionalizado o ofício, um
fenômeno agudizado pela irrupção do profissionalismo fotojornalístico.
Chegaram, então, os gêneros fotojornalísticos, nomeadamente os gêneros
realistas, e de um reino da verdade passou-se ao reinado do credível – como
muito bem se pode ler na obra Give Us a Little Smile, Baby, de Harry
Coleman, já no final do século passado manipulavam-se as imagens em função
de objetivos que em nada tinham a ver com a verdade, mas, de fato,
unicamente com o credível.

A percepção da intervenção dos filtros culturais do fotojornalista no resultado do seu


trabalho possibilitou o surgimento da ideia da fotografia de autoria, chamada por Sousa de
interpretação fotojornalística do real.

Mas esta foi também a linha de partida para a interpretação fojornalística do


real, até porque a percepções que dele se têm são dissonantes da realidade em
si e, neste sentido, são sempre uma espécie de ficção. Legitimam-se, assim, os
criadores-fotógrafos, que olham para si mesmos como participantes num jogo
que há muito deixou de ser um mero jogo de espelhos, para desembocar no
jogo bem mais elaborado e complexo dos mundos de signos e de códigos, de
linguagem e de cultura, de ideologia e de mitos, de história e tradição, de
contradições e convenções. (SOUSA, 2004, p. 10).

O reconhecimento da intervenção do fotojornalista na elaboração das imagens, criando


uma representação a partir da sua interpretação do real, foi mais um passo na busca pelo
reconhecimento da importância do trabalho dos fotojornalistas. Mudança que está diretamente
28

ligada à forma como a fotografia é encarada. Se aceitarmos que a fotografia sofre intervenções
no seu processo de produção, então, não podemos mais vê-la como um espelho do real.
Mesmo pontuando mudanças, Sousa alerta que ainda existem dúvidas de que o
fotojornalismo tenha superado esse comprometimento com a realística. O autor argumenta que
a rotina de produção do fotojornalismo da atualidade, ainda persegue o realismo e não valoriza
a criatividade:

Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o
jornalismo fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção
informativa do fotojornalismo entendendo-se aqui o conceito de informação
de uma forma ampla, no sentido de gerar conhecimento profundo,
contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora para
com o ser humano, a terra e os seus problemas. Mas, estamos convictos de
que representará uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a
atividade se abra a orientações criativas, originais, com ponto de vista, que
podem passar pela insinuação da arte na fotografia jornalística e pela fuga ao
realismo. E que devem passar pela autoria consciente e responsável, mesmo
que esta autoria encontre abrigo no realismo.(SOUSA, 2004, p. 224).

Por não seguir essa rotina de produção acelerada da fotojornalismo, o


fotodocumentarismo agrega alguns dos atributos citados pelo investigador. Ainda segundo
Sousa (2004, p. 10), mesmo seguindo a linha da não-manipulação, o nascimento do
fotodocumentarismo colaborou para o surgimento da ideia do fotógrafo autor. Os
fotodocumentários mostraram o potencial artísticos dos fotógrafos, que agregavam valores
estéticos à vontade do registro. “Chega-se então à ideia do fotógrafo autor e artista, criador,
orginal” (SOUSA, op. cit. p. 10). É a documentação imersa na beleza da arte.
29

2 FOTODOCUMENTARISMO, CRÍTICA SOCIAL E HUMANISMO

Para entedermos o fotodocumentarismo, primeiro precisamos entender a sua relação


com o fotojornalismo. Para Sousa (2004, p. 11), se simplificarmos ao máximo, fotojornalismo
pode ser o resultado de “toda atividade orientada para a produção de fotografias para a
imprensa”. Mas, devido à complexidade do assunto, o autor optou por abordar o conceito de
fotojornalismo dividindo-o em dois sentidos, lato e restrito. Ressaltando que, “em qualquer
caso, para se abordar o fotojornalismo tem-se que pensar numa combinação de palavras e
imagens: as primeiras devem contextualizar e complementar as segundas”. Sobre o conceito de
fotojornalismo em sentido lato, Sousa ( 2004, p. 12), explica:

No sentido lato, entendemos por fotojornalismo a atividade de realização de


fotografias informativas, interpretativas, documentais ou “ilustrativas” para a
imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de informação de
atualidade. Neste sentido, a atividade caracteriza-se mais pela finalidade, pela
intenção, e não tanto pelo produto; este pode estender-se das spot news
(fotografias únicas que condensam uma representação de um acontecimento e
um seu significado) às reportagens mais elaboradas e planejadas, do
fotodocumentarismo às fotos "ilustrativas" e às feature photos (fotografias de
situações peculiares encontradas pelos fotógrafos nas suas deambulações).
Assim, num sentido lato podemos usar a designação fotojornalismo para
denominar também o fotodocumentalismo e algumas foto-ilustrativas que se
publicam na imprensa.

Ou seja, em sentido amplo o fotoducumentarismo pode ser considerado uma atividade


fotojornalística, pois mesmo que o produto seja diferente, essa indentificação é feita levando
em consideração somente a finalidade do trabalho. Já em sentido restrito, Sousa (2004, p. 12),
elucida:

No sentido restrito, entendemos por fotojornalismo a atividade que pode visar


informar, contextualizar, oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar
pontos de vista ("opinar") através da fotografia de acontecimentos e da
cobertura de assuntos de interesse jornalístico. Este interesse pode variar de
um para outro órgão de comunicação social e não tem necessariamente a ver
com os critérios de noticiabilidade dominantes. Em sentido restrito, o
fotojornalismo distingue-se do fotodocumentarismo. Esta distinção reside
mais na prática e no produto do que na finalidade. Assim, o fotojornalismo
viveria das feature photos e das spot news, mas também, e talvez algo
impropriamente, das foto-ilustrações, e distinguir-se-ia do
fotodocumentarismo pelo método: enquanto o fotojornalista raramente sabe
exatamente o que vai fotografar, como o poderá fazer e as condições que vai
encontrar, o fotodocumentarista trabalha em termos de projeto: quando inicia
um trabalho, tem já um conhecimento prévio do assunto e das condições em
que pode desenvolver o plano de abordagem do tema que anteriormente
traçou. Este background possibilita-lhe pensar no equipamento requerido e
refletir sobre os diferentes estilos e pontos de vista de abordagem do assunto.
Além disto, enquanto a "fotografia de notícias" é, geralmente, de importância
30

momentânea, reportando-se à "atualidade", o fotodocumentarismo tem,


tendencialmente, uma validade quase intemporal.

Analisando-se em sentido restrito as práticas e os produtos do fotojornalismo e do


fotodocumentarismo, são destacadas as diferenças entre as duas modalidades fotográficas.
Enquanto o fotojornalismo tem um processo rápido de produção, e por consequência um
resultado menos elaborado, o fotodocumentarismo exige um planejamendo prévio, onde através
de um plano de ação será gerado um produto, geralmente, mais complexo.
Já elucidada a relação entre o fotojornalismo e o fotodocumentarismo, agora será
possível voltarmos nossos esforços para a fotografia documental. Segundo Sousa (2004, p. 12),
“o fotodocumentarismo não apresenta uma prática única: os fotógrafos podem ter métodos e
formas de abordagem fotográfica dos assuntos que os distinguem entre si”. Além das diferentes
formas de trabalhar a fotografia documental, também existem incontáveis temáticas. Para
Kossoy (2009, p. 51), mesmo a fotografia documental abrangendo diversos temas, em geral, é
escolhido um tema específico, um assunto delimitado para cada fotodocumentário. Com isso,
“surgiu o hábito de se separar ou dividir a fotodocumentação por classes ou categorias de
documentação: jornalística, antropológica, etnográfica, social, arquitetônica, urbana, geográfica
etc”.
Ainda de acordo com o teórico, essas classificações não são convincentes, pois, além
das imagens permitirem variadas leituras, dependendo dos ideais de diferentes receptores, “uma
única imagem reúne, em seu conteúdo, uma série de elementos icônicos que fornecem
informações para diferentes áreas do conhecimento: a fotografia sempre propicia análises e
interpretações multidisciplinares” (KOSSOY, 2009, p. 51).
Mesmo concordando com a multidisciplinaridade das imagens, acreditamos ser de
grande importância para esta fundamentação dialogar sobre uma das classificações da
fotografia documental. Muito citado por diversos autores, o fotodocumentarismo de crítica
social é considerado por Sousa (2004, p. 13), a “forma mais comum de fotodocumentarismo”.
Além de ser a classe mais semelhante ao nosso objeto de estudo, o Ensaio Terra, de Sebastião
Salgado.

2.1 Fotodocumentarismo de crítica social

A mais popular corrente do fotodocumentarismo ocidental é chamada por Sousa (2004,


p. 13) de documentarismo social ou fotografia documental de compromisso social. Para o autor,
esse seguimento da fotografia documental “[...] procura abordar quer temas estritamente
31

humanos quer o significado que qualquer acontecimento possa ter para a vida humana ou ainda
as situações que se desenvolvem à superfície da Terra e afetam a mundivivência do homem”.
Ao comparar o documentarismo social ao fotojornalismo, Sousa (2004, p. 13), ressalta
a instantaneidade do fotojornalismo, com o que ele chama de discurso do instante,
diferenciando-o do documentarismo social:

Enquanto o fotojornalismo tem por ambição mais tradicional “mostrar o que


acontece no momento”, tendendo a basear a sua produção no que poderíamos
designar por um “discurso do instante” ou uma “linguagem do instante”, o
documentarismo social procura documentar (e, por vezes, influenciar) as
condições sociais e o seu desenvolvimento. Mesmo que parta de um
acontecimento circunscrito temporalmente, o documentarismo social tende a
centrar-se na forma como esse acontecimento afeta as condições de vida das
pessoas envolvidas.

Isto é, mesmo que o ponto de partida seja um mesmo acontecimento, a forma de abordá-
lo será diferente. Enquanto o jornalismo se satisfaz em noticiar o ocorrido no momento, o
documentarismo social relaciona o fato com às condições sociais dos participantes.
Voltando as definições dessa classe da fotografia documental, temos a descrição de Boni
(2008, p. 2), que nomeia a corrente como fotodocumentarismo de denúncia social.

O fotodocumentarismo de denúncia social retrata temas relacionados com o


ser humano e seu ambiente, aponta e denuncia problemas de origem social.
Normalmente explora mazelas que afetam a sociedade, como fome, conflitos
étnicos e religiosos, desigualdade social e guerras. Ao propiciar que o mundo
tome conhecimento dessas distorções, contribui para que pessoas possam agir
e modificar fatos e realidade.

Boni é mais incisivo em sua definição, colocando o documentarismo social como uma
forma de denúncia, de intervenção social. Enquanto Sousa ressalta o comprometimento dos
fotodocumentaristas sociais com a mundivivência dos seres humanos, Boni trata o gênero como
um veículo de crítica social. Tendo assim, intenções que vão além da documentação do real.
Para o autor, a fotografia de documentação social, além de documentar, tem o poder de intervir
e modificar a realidade. Sobre a relevância dessa corrente fotográfica, Boni (2008, p. 3), alerta:

A necessidade e importância dessas fotografias são indiscutíveis. É por meio


delas que pessoas adquirem conhecimento sobre episódios inaceitáveis que
ocorrem no planeta e podem se mobilizar e/ou agir para modificar a situação.
Sem elas, milhares de indivíduos, afetados por problemas sociais como
miséria, guerras, intolerância étnica e religiosa, não receberiam ajuda
humanitária. Além disso, a degradação do meio ambiente e a extinção de
animais silvestres também estariam fadados à obscuridade. A fotografia tem
a capacidade de mostrar como maior intensidade – e eternizar – as emoções
que fluíram no momento do registro. Na maioria das vezes, em razão de
veemência do imagético, ela gera maior impacto que outros meios.
32

Por consequência deste poder de intervenção do fotodocumentarismo de crítica social


existe uma grande preocupação, por parte do autor da imagem, com a mensagem que será
transmitida. De acordo com Boni (2008, p. 3), “esta seria uma atividade de fotógrafos
empenhados em modificar uma determinada realidade, procurando instigar a vergonha e o
acanhamento pelas injustiças”. Alguns desses fotodocumentaristas de compromisso social
marcaram a história da fotografia ocidental, deixando um legado de imagens que vêm
influenciando as novas gerações de profissionais.
Ainda segundo Boni (2008), a história do fotodocumentarismo pode ser dividida em três
fases. A primeira a fase refere-se ao nascimento deste gênero fotográfico, no final do século
XIX, citando a trajetória de fotógrafos como Thomson, e os pioneiros do fotodocumentarismo
de crítica social, Riss e Hine. A segunda fase, que teve início após a segunda Guerra Mundial,
em meados do século XX, é marcada por um crescimento na diversidade da produção de
fotodocumentários, e pela profissionalização definitiva dos fotógrafos. Ao contrário da primeira
fase, neste período os profissionais não têm mais o objetivo de provocar transformações sociais.
Segundo Forin Junior e Boni (2007, p. 80):

O fotodocumentarismo de denúncia social entrou numa fase de dormência.


[...] Nesse momento, esses novos profissionais estavam mais preocupados
com a produção do que com a repercussão social de seus trabalhos; em
sobreviver – ou lucrar – do que propriamente em denunciar.

A terceira fase trata-se do fotodocumentarismo contemporâneo, iniciado na última


década no século XX, quando o brasileiro Sebastião Salgado chefiou uma nova vertente do
fotodocumentarismo, recuperando a intenção da intervenção social herdada da primeira fase.
Para Forin Junior e Boni (2007, p. 81), “Salgado pode ser considerado o mais importante
fotógrafo da história recente a dar continuidade ao fotodocumentarismo de crítica social
iniciado no fim do século XIX”. Como dito anteriormente, ele é o autor do nosso objeto de
estudos, um produto do fotodocumentarismo de denúncia social. A seguir, relembraremos a
história do nascimento do fotodocumentarismo de crítica social, presente na primeira fase do
fotodocumentarismo, época em que surgiram algumas das principais influências do fotógrafo.

2.2 O surgimento do fotodocumentarismo de crítica social

Para Sousa (2004), podemos encontrar indícios do que viria a ser o fotodocumentarismo
em diversos trabalhos, inclusive nas obras dos fotógrafos da cultura social e na dos pioneiros
da fotografia humanística, como Thomson em parceria com Adolphe Smith, Riis, Atget, Zille,
Sander, Hine, Peter etc. O desejo da intervenção social foi adicionado à fotografia documental
33

a partir de trabalhos de fotógrafos como Jacob Riis e Lewis Hine. Acrescenta o autor: “A via
iniciada por Thomson e, principalmente, Riis e Hine, deixou marcas no fotojornalismo”
(SOUSA, 2004, p. 53).
Como dito no tópico anterior, a crítica social faz parte da atual fotografia documental e
carrega fortes influências de ícones da como Thomsom, Riis e Hine. Sebastião Salgado é
considerado o principal responsável por resgatar essa linha do fotodocumentarismo.
“Conforme, nos nossos dias, Salgado viria a dizer, mais do que momentos decisivos, há vidas
decisivas, com toda a sua cultura e toda a sua ideologia” (SOUSA, 2004, p. 54). Ou seja, mais
do que os instantes decisivos2 de Bresson e do fotojornalismo, existem vidas, histórias e
ideologias decisivas. Determinantes em suas realidades, essas vidas se transformam em
documentos fotográficos de grande poder interventor.
Sobre o trabalho de John Thomson, pioneiro do fotodocumentarismo de compromisso
social, Sousa (2004, p. 54), lembra que:

Thomson fotografava pessoas nos seus ambientes, tal como sucede na


moderna fotorreportagem. Cada fotografia de Street Life in London era
acompanhada de um texto sobre as condições de trabalho e de vida dos
sujeitos representados. A obra fotodocumental do escocês John Thomson
assinala o início “real” da fotografia de compromisso social, um tipo diferente
de fotodocumentarismo, uma fotografia que roça a denúncia, fruto da
atividade de fotógrafos “empenhados”. O peso de Thomson na evolução da
fotografia advém não apenas da qualidade estética e da variedade, mas
principalmente da grande difusão que, para a época, a sua obra teve, graças ao
processo de impressão do woodburytype.

Street Life in London, publicado em 1862, é a obra mais famosa de Thomson. A respeito
desse clássico da fotografia social, Sousa (2004, p. 55), relata:

Com texto de Adolphe Smith, este livro, ilustrado com gravuras de madeira
feitas por Henri Mayhew a partir dos originais fotográficos de Thomson,
tornou-se um clássico do reformismo social ilustrado, de intenção
consciencializadora e moralizadora, apegado ao que contemporaneamente se
poderia classificar, embora com reservas, como “justiça social”. Nessa obra,
John Thomson procurou retratar a vida nas ruas londrinas, os ofícios, os fait-
divers, as pessoas, sem exageros ou melodramas, em fotografias a meia-
distância, em pleno sol, com reduzida profundidade de campo. Porém, os
sujeitos provavelmente, apercebiam-se da presença do fotógrafo, até porque o
equipamento era muito difícil de esconder. Teriam, assim, posado para
Thomson, perdendo-se naturalidade, mas ganhando-se algum valor estético ao
nível compositivo. A intenção de Thomson, bem vitoriana, era a de que os
ricos protegessem os pobres, trabalhadores honestos, mas necessitados.
Todavia, as fotos de Thomson, também por aqui bem vitorianas, não mostram

2
Conceito criado por Cartier-Bresson que define o momento exato em que se deve capturar a imagem.
34

o sofrimento, a dor ou até o simples aborrecimento de quem desenvolvia por


pouca paga um trabalho quotidiano monótono.

Figura 4 - Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson.

Fonte: <http://www.theguardian.com/artanddesign/gallery>

Figura 5 - Imagem que compõe a obra Street Life in London, de John Thomson.

Fonte: <http://www.theguardian.com/artanddesign/gallery>
35

A fotografia de Thomson tinha certa sutileza em sua face denunciante, sua tendência à
crítica social não era completamente exposta. Já nos trabalhos de Riis e Hine as intenções
delatoras eram mais explícitas. Para Sousa (2004), Riis foi o primeiro jornalista a acreditar, com
seriedade, que a fotografia poderia ser usada como uma arma para mudar uma realidade
permeada pela pobreza e pelo crime. O fotógrafo impactava o público ao retratar pobres em
suas casas, abrigos e vielas.
De acordo com Boni (2008), Riis obteve sucesso em sua luta por melhores condições
de vida para a população carente de Nova Iorque.

Jacob Riis acreditava que, por meio de fotografias e entusiásticos artigos


denunciativos, poderia melhorar a situação de necessitados que habitavam as
regiões pobres de Nova Iorque. Ele chocou a sociedade ao mostrar as precárias
condições de vida dos imigrantes, especialmente os latinos, que viviam em
cortiços, sem nenhuma condição de higiene. Buscou – e conseguiu – ajudá-
los. A sociedade se mobilizou e exigiu das autoridades providências para
amenizar as dificuldades dessa população. Diversos conjuntos residenciais
foram construídos, com infraestrutura, luz e saneamento básico, além de
parques e áreas de lazer. (BONI, 2008, p. 6).

Riis é um marco na história do fotodocumentarismo social porque, além de ser um dos


primeiros a acreditar no poder da denúncia em forma de fotografia, ele também mostrou que as
imagens podem gerar melhorias para a sociedade, mobilizando a população e despertando o
sentimento de compaixão nas pessoas. Assim como muitas das pessoas fotografadas por ele,
Riis também era um imigrante. Vindo da Dinamarca, o fotógrafo chegou aos Estados Unidos
com 21 anos.
Figura 6 – Imigrantes retratados por Jacob Riis.

Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>
36

Segundo Boni, assim como muitos imigrantes, Riis passou por dificuldades, e trabalhou
em diferentes empregos. Até que, em 1877, foi contratado como repórter do New York Tribune,
sendo incumbido de acompanhar rondas policiais em tabernas e pontos de venda de ópio. “A
profissão de repórter lhe permitia um contato maior com as mazelas da sociedade. A exposição
diária à pobreza e à violência, aliada ao fato de ter sido, também, um imigrante que enfrentou
dificuldades, pode ter contribuído para a formação de seu caráter engajado” (BONI, 2008, p.
7).
Vivenciar aquela realidade – seja a princípio, quando estava diretamente inserido nela
como um imigrante em uma situação de exclusão social, ou posteriormente, quando
acompanhava em sua rotina de repórter – fez com que Jacob Riis conseguisse reproduzir com
propriedade a situação das áreas pobres de Nova Iorque. Essa proximidade entre o fotógrafo e
a realidade retratada que, por consequência, originou um grande conhecimento da temática, fez
com que o trabalho de Jacob atingisse plenamente a sua função de impactar a classe média e
mobilizar melhorias sociais.

Figura 7 – Imigrantes retratados por Jacob Riis.

Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>

A respeito da trajetória de Riis e seu envolvimento pessoal e profissional com a temática


retratada em suas fotos, Sousa (2004, p. 56), explica:
37

Com conhecimento “carnal” da pobreza, Riis marcou o desenvolvimento das


primeiras convenções e rotinas produtivas no fotojornalismo, ao fixar a
miséria como um dos temas que ainda hoje são retratados e ao servir-se da
fotografia como aquilo que classificamos como foto-opinião, uma foto com
um acentuado ponto de vista pessoal, embora, no caso de Riis, onde também
desponta uma retórica da “objetividade”, expressa na frontalidade das
abordagens. [...] No caso de Riis, a foto-opinião foi um instrumento de crítica
social e arma de denúncia, cujas balas forma, algo paradoxalmente, a
veracidade fotográfica, a verossimilitude, o análogo entre o real e a fotografia.

A verossimilhança somada à carga opinativa das fotografias de Riis chocou e persuadiu


a classe média nova-iorquina, transformando o sentido que a pobreza tinha para muitas pessoas.
A pobreza passaria assim, de uma inevitável consequência do fracasso social, para um problema
reparável. “Apelando à consciência da classe média consumidora de jornais, Riis fez com que
a representação fotográfica da pobreza e as palavras que lhe estavam associadas passassem a
ter novo sentido: ser pobre é um mal remediável através da educação, emprego, habitação, etc”
(SOUSA, 2004, p. 56).

Figura 8 – Imigrantes retratados por Jacob Riis.

Fonte: <http://karinaschroeder.com/2012/03/14/jacob-riis/>

Apesar da revolução causada por suas imagens, Riis era originalmente um escritor. A
iniciativa de fotografar veio da insatisfação com o trabalho dos fotógrafos que contratou, e da
38

necessidade de ilustrar seus artigos e livros. Segundo Boni (2008, p. 8), “Suas fotografias
pecavam na composição, apenas registravam uma descrição bruta, porém fiel da realidade”.
Devido à sua intenção de impactar o receptor, as imagens de Riis eram cruas e ríspidas, tendo
no preto e branco um potencializador da sua carga dramática.
Para Sousa (2004), o primeiro herdeiro de Thomson e Riis foi o sociólogo e
(foto)jornalista Lewis Hine. Como dito anteriormente, o trabalho de Hine é uma referência para
a fotografia de denúncia explícita. Assim como no caso de Riis, as trajetórias pessoal e
profissional de Hine estão diretamente ligadas ao seu engajamento social. Sobre a vida e
carreira de Hine, Boni (2008, p. 10), elucida:

Hine deixou a escola e começou a trabalhar ainda adolescente, aos 16 anos,


para ajudar no sustento de sua mãe, viúva, e de mais três irmãs. Trabalhou em
uma tapeçaria, foi vendedor, entregador de encomendas, lenhador e zelador.
Em 1899, conheceu Frank Manny, líder nacional do movimento progressista
pela reforma na educação, fundamental na formação do seu caráter reformista,
pois lhe introduziu ao Movimento Progressista Americano e o ajudou a
ingressar na universidade de Chicago, onde estudou filosofia, sociologia e
educação. Tornou-se membro da sociedade de filósofos, jornalistas,
assistentes sociais, escritores, professores, advogados e sociólogos que
participavam do Movimento Progressista em Chicago. Difundido por várias
cidades americanas, o movimento objetivava um esforço conjunto para
amenizar muitas das moléstias sociais que haviam se formado durante o
desenvolvimento industrial no final do século XIX.

A violência aumentava espantosamente, e os reformistas recorriam à compreensão da


população de que ajudando os menos favorecidos eles estariam se ajudando, preservando-se da
marginalização dos excluídos que eram encaminhados ao crime. Ainda segundo Boni (2008),
dentre os fatores que colaboraram para que Hine se engajasse em ajudar os mais desfavorecidos
estão o seu passado de trabalhos mal remunerados, fator decisivo para que ele entendesse a
situação dos que viviam em difíceis condições sociais, a convivência com progressistas, a
vontade de divulgar suas ideias e o interesse pela vida dos estrangeiros.
Riis e Hine também tinham em comum a preocupação com os imigrantes e suas difíceis
batalhas para serem integrados à sociedade americana. De acordo com Sousa (2004), Hine
começou a fotografar os imigrantes em 1904. Depois, entre 1908 e 1917, dedicou-se totalmente
a fotografia social mostrando crianças que trabalhavam em fábricas e minas por mais de doze
horas continuas. Trabalho que contribuiu para melhorias na legislação norte-americana sobre o
trabalho infantil. O autor acrescenta:

As suas fotos são mais artísticas e sensíveis e menos estereotipadas do que as


fotos cruas de Riis (algo a que não será alheia a sua formação superior em
39

sociologia), sem que deixem também de ser francas, mostrando que a


solidariedade e a compaixão são complementos do intelecto. (SOUSA, 2004,
p. 59).

Figura 9 – Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine.

Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>

Figura 10 – Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine.

Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>

Hine era mais sutil que Riis, suas fotografias são mais aprimoradas e delicadas, mas não
deixam de cumprir sua função crítica. Com o passar do tempo, Hine passou a se autodenominar
40

um “fotógrafo-intérprete”, não mais “fotógrafo social”, uma mudança que, para ele, seria
necessária devido à forte carga opinativa de suas fotografias. Assumindo o que Sousa (2004, p.
59) chamou de “um realismo com ponto de vista”. Segundo o autor, Hine soube utilizar muito
bem essa fotografia realista de opinião como um “veículo consciencializador”. O fotógrafo
possuía em sua essência uma soma de valores e experiências que tornou sua fotografia um
admirável instrumento provocador. De acordo com Tereza Siza e Paulo Alexandrino:

O trabalho de Hine tem uma coerência e unidade que refletem a sua crença
nas imagens como veículo privilegiado de comunicação e a sua solidariedade
para com os jovens, os pobres, os imigrantes e os proletários. Para ele, diz um
crítico da época, ser “direto” significava mais do que usar o médium
fotográfico sem “truques”. Significava também assumir a responsabilidade
ético-política de uma visão sobre o mundo que se propôs difundir. (SIZA;
ALEXANDRINHO, apud SOUSA, 2004, p. 60).

Além de um entusiasta da fotografia como veículo de melhorias sociais, Hine era um


humanitário, que com firmeza e coragem usou suas imagens para afirmar e divulgar sua visão
de mundo, assumindo as responsabilidades e modificando as realidades. Para Boni (2008, p.
15): “Além de consolidar a corrente de fotografia de denúncia social, Hine contribuiu para que
as pessoas vissem beleza e lirismo nas fotografias, sem perder a perspectiva de retratar – e tentar
melhorar – as precárias condições a que grande parcela da população estava submetida.”

Figura 11– Exploração do trabalho infantil por Lewis Hine.

Fonte: <http://monovisions.com/biography-documentary-photographer-lewis-hine/>
41

O sucesso desses ícones da fotografia documental está na realização de suas intenções


transformadoras, e na concretização do desejo de criar melhores condições de vida para os mais
necessitados. A herança deixada por eles é a confiança de que a fotografia tem o poder te intervir
e modificar realidades, influência fundamental para que surjam sempre novos fotógrafos de
compromisso social, renovando a esperança de um mundo melhor.

2.3 Fotografia Humanista

Ao pesquisar a fotografia humanista encontramos diferentes versões sobre o seu


surgimento. Para Sousa (2004, p.123), a fotografia humanista é um dos três grandes
movimentos que se constituíram durante os anos cinquenta, e até hoje influenciam a fotografia.
“As tendências que atualmente são visíveis na fotografia têm origem em três grandes
movimentos que se estabeleceram durante os anos cinquenta: (1) a fotografia humanista; (2) a
fotografia de ‘livre expressão’; e (3) a fotografia como ‘verdade interior’ do fotógrafo”.
Já para Albornoz (2005, p. 95), a fotografia humanista surgiu a partir da década de
setenta, como um novo tipo de abordagem que se desprendeu da fotorreportagem. “Ela se
concentra menos no fato e mais no olhar sobre o homem como um testemunho de sua condição
em todo tipo de circunstância.” Mesmo com divergências a respeito do nascimento desta
vertente da fotografia, em uma coisa diversos autores concordam: a exposição The Family of
Man é um dos trabalhos mais representativos do humanismo.
Segundo Sousa (2004), a exposição foi organizada por Edward Steichen, em 1955, com
o objetivo de celebrar a fotografia humanista universalista dos concerned photographers, ou
fotógrafos preocupados, expressão usada para apontar fotógrafos com princípios humanitários.
Sobre o impacto causado pelas obras, o autor relata:

Tendo estado inicialmente patente no Museum of Modern Art, de Nova


Iorque, veio a percorrer “todo o Mundo”, causando um forte impacto e, em
alguns casos, críticas sobre a alegada “estreiteza’ de pontos de vista e o caráter
ideológico da exposição. Roland Barthes foi um dos que as fez. Vincou
mesmo, no seu livro Mythologies, lançado em 1957, que a exposição era, na
sua essência, um sistema de reprodução de ideias-feitas e gerais, simples e
estereotipadas, sobre a natureza humana. Em qualquer caso, The Family of
Man não deixa de corresponder à coroa de glória do fotojornalismo e do
idealismo na fotografia humanista, que, na década de cinquenta, viviam anos
de esplendor. (SOUSA, 2004, p. 145).

A exposição consistia em 503 fotografias, de 68 países, retratando as experiências do


homem em diferentes idades e áreas. Ainda segundo Sousa (2004, p. 145), a exibição era como
um álbum de família, que mostrava desde o nascimento à morte, do amor ao trabalho. “O
42

objetivo de Steichen era mostrar que, ao fim e ao cabo, todos os seres humanos são iguais e
devem auferir da mesma dignidade, que a vida era semelhante em todo a Terra e que os seres
humanos eram uma grande família”.
Para que essa mensagem fosse transmitida com clareza, ressaltando a mensagem
humanista, as 503 fotografias foram organizadas em uma ordem que reproduzia as fases da
vida. Levando o receptor a percorrer um circuito pelas etapas da vivência humana. Sousa (2004,
p. 146), explica:

As reações ao tipo de documentarismo social evidenciado em The Family of


Man levaram o fotojornalismo a abrir-se a novos temas (drogas, ambiente,
família...) e cânones estéticos mais “artísticos”. De fato, a realidade social
situa-se muito para além de um nascimento ou de uma morte geral e abstrata,
e tem a ver com a justiça e as injustiças, com a desumanidade e humanidade,
com o desenvolvimento e o subdesenvolvimento e com outros fatores
inumeráveis.

Figura 12 – Capa do catálogo da exposição The Family of Man.

Fonte: <luciaadverse.wordpress.com/tag/steichen/>
43

Como marco da fotografia humanista, The Family of Man é referência para fotógrafos
como Salgado e Richards, integrantes da nova geração dos concerned photographers. Para
Albornoz (2005, p. 96), o brasileiro Sebastião Salgado é um dos expoentes de mais destaque na
fotografia humanista:

Os olhares e a postura dos sujeitos que as suas fotografias mostram, respeitam


inteiramente a dignidade das pessoas em condições decadentes.
Principalmente, porque elas não foram feitas por um jornalista que apenas teve
tempo de disparar o obturador, foram tiradas por alguém que se interessou por
conhecer a humanidade que nessas pessoas existe.

Além de Albornoz, diversos autores fazem referência ao fotógrafo como um ícone da


fotografia humanista, evidenciando a sua preocupação e respeito pela figura humana.
Persichetti (1997, p. 78), afirma que: “Desde sua primeira experiência, Salgado teve certeza de
que voltaria seu olhar para o ser humano. Fotografar gente é sua meta. [...] Sua preocupação
sempre foi captar a humanidade que respira ao seu redor.” Sousa (2004, p. 189), também
ressalta o posicionamento humanista e respeitoso de Salgado, e lembra suas influências:

Sebastião Salgado é um autor humanista, na linha da boa consciência de


Eugene Smith e dos fotógrafos de compromisso social, sobretudo Hine. E é
também um dos nomes mais marcantes e conhecidos da fotográfica
documental na atualidade, pois, pela forma como aborda os fenômenos
sociais, as transformações históricas ou simplesmente a vida quotidiana,
obriga o observador a olhar para suas imagens. A receita de Salgado ainda
combina a intenção testemunhal e a perfeição técnica com o integral respeito
pelo tema fotografado.

O autor resume bem o trabalho de Salgado, relembrando o seu envolvimento com as


vertentes abordadas até agora: a fotografia documental, a de compromisso social e a humanista.
Vertentes essas que, se complementam perfeitamente, formando um trabalho complexo, com
técnicas apuradas, intenções e posicionamentos fortes, e uma enorme carga significativa.
44

3 ANALISANDO O ENSAIO TERRA

3.1 Sebastião Salgado

Se o fotógrafo atua como um filtro cultural, para analisarmos as fotografias de Sebastião


Salgado, interpretando a mensagem transmitida por ele, se faz necessário conhecermos a
bagagem cultural do brasileiro. Segundo Salgado, em depoimento para o documentário O Sal
da Terra, 2014, (informação verbal)3: “Se você reunir vários fotógrafos num mesmo lugar, cada
um fará fotos diferentes. Isso porque, eles vêem de locais diferentes, muito diferentes. Cada um
desenvolve a forma de ver em função de sua história”. Em concordância com o ponto de vista
de Salgado, e de autores como Kossoy (2012), traremos neste tópico um resumo sobre a
trajetória do fotógrafo.

Figura 13 – Capa do DVD do documentário O Sal da Terra: Uma viagem com Sebastião
Salgado.

Fonte: <http://imovision.com.br/index.php/filme/o-sal-da-terra/>

3
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
45

Em 2014 foram lançadas duas importantes obras sobre a vida de Salgado, fundamentais
contribuições para o enriquecimento deste trabalho. Uma delas foi o documentário O Sal da
Terra: Uma viagem com Sebastião Salgado, fruto da parceria entre o alemão Wim Wenders e
o filho do protagonista, Juliano Ribeiro Salgado. No início do documentário, Wenders
(informação verbal)4, relata suas impressões sobre Salgado: “Imaginei que a pessoa fosse
ambos, um grande fotógrafo e um aventureiro. Uma coisa percebi logo sobre Sebastião Salgado,
que ele se importa de verdade com as pessoas. Isso tem muita importância para mim”.

Figura 14 – Fotografia de Juliano Ribeiro Salgado, Sebastião Salgado e Wim Wenders.

Fonte: <http://cinema.uol.com.br>

O longa-metragem foi indicado ao Oscar 2015, na categoria de melhor documentário,


foi filme de abertura no Festival do Rio 2014, ganhou o prêmio Un Certain Regard (Um Certo
Olhar), no Festival de Cannes, e também ganhou como melhor filme eleito pelo público no
Festival de San Sebastian. A outra obra lançada em 2014 também é uma parceria, o livro Da
minha terra à Terra é assinado por Sebastião Salgado e pela jornalista Isabelle Francq. De
acordo com Isabelle Francq, nesta biografia a voz de Salgado “fala através de sua escrita”.
Lançado pela editora Paralela, o livro traz detalhes sobre a vida pessoal e profissional do
fotógrafo (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 8).
Iniciando a apresentação do livro, Isabelle Francq afirma:

Contemplar uma fotografia de Sebastião Salgado é ter uma experiência da


dignidade humana. É compreender o que significa ser uma mulher, um

4
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
46

homem, uma criança. Pois Sebastião nutre um profundo amor pelas pessoas
que fotografa. Como explicar de outro modo o fato de elas se encontrarem tão
presentes, vivas e confiantes em suas imagens? Há tempos seu trabalho me
comove. Admiro a estética barroca de suas imagens, suas luzes sempre
extraordinárias, a força que emana delas, mas também a ternura que
manifestam e que desperta o melhor de mim mesma. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 7).

Assim como Wenders, Francq ressalta o altruísmo de Salgado, todo o seu cuidado com
as pessoas fotografadas, e como essa preocupação reflete em suas posturas diante da câmera.
As pessoas retratadas passam segurança, não parecem intimidadas pelo fotógrafo. Mesmo
mostrando realidades difíceis, as figuras humanas demonstram um posicionamento firme diante
daquelas situações. Para iniciarmos nosso relato sobre a vida do fotógrafo, relembraremos sua
infância e juventude no Brasil, analisando como esta vivência influenciou seu trabalho e
pontuando episódios decisivos de sua história, como o seu encontro com Lélia Wanick.

Figura 15 – Capa do livro Da minha terra à Terra.

Fonte: <http://www.geracaoalpha.com.br/>

3.1.1 O brasileiro “Tião” Salgado

Sebastião Salgado, também chamado de Tião, nasceu em oito de fevereiro de 1944, em


uma fazenda localizada dentro do Vale do Rio Doce, no estado de Minas Gerais. De acordo
com Salgado e Francq (2014, p. 15), o Vale do Rio Doce é do tamanho de Portugal e metade
47

das suas terras já foram cobertas por Mata Atlântica. A região leva o nome do Rio que o banha,
e é conhecido por suas minas de ouro e ferro. “Quando era criança, a Mata Atlântica cobria
metade desse vale. Mas isso foi antes de o Brasil entrar numa economia de mercado e começar,
como no resto do mundo, a devastar suas florestas”.
A família de Salgado morava em uma fazenda de propriedade de seu pai, de quem
herdou o nome. Segundo o fotógrafo, na fazenda moravam aproximadamente trinta famílias:

A fazenda do meu pai era grande e autossuficiente, nela vivam cerca de trinta
famílias. [...] Era uma boa fazenda. Meu pai era o proprietário e tinha
empregados, que possuíam seus próprios animais e cultivavam um pedaço de
terra para alimentar suas famílias. Uma parte do trabalho deles ia para o meu
pai, o resto ficava com eles. Ninguém era rico, ninguém era pobre, essa forma
de exploração agrícola existia no Brasil desde o século XVI. (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 15).

A região era ligada ao resto do Brasil pela estrada de ferro da Companhia Vale do Rio
Doce, que eventualmente era interrompida por deslizamentos de terra, nos períodos de chuva.
A comunidade que morava na fazenda da família Salgado era autossuficiente e não passava por
necessidades quando ficavam totalmente isolados. Sebastião é sempre muito saudoso ao
lembrar de sua infância naquele lugar. Em suas aventuras de criança, são notáveis: o seu
entrosamento com a natureza, a liberdade de morar no campo, e a sua busca por novos
horizontes.

Tenho lembranças maravilhosas de menino. Eu brincava em grandes espaços


abertos, havia água por toda parte. Nadava nos riachos, cheios de jacarés –
que não atacam os homens, ao contrário do que se acredita. Eu tinha um
cavalo, saía com ele pela manhã e só voltava à noite. A região é cheia de vales,
eu galopava até o fim da fazenda, seu ponto mais alto, e dali, olhava para o
horizonte. Eu sonhava em ver mais longe, tentava imaginar o que haveria
depois. (SALDAGO, FRANCQ, 2014, p. 15).

A curiosidade do brasileiro, quando ainda era menino, em avistar novas paisagem e


sempre buscar novos horizontes, é uma pista do que o motivaria a realizar longas viagens em
seus futuros projetos. Quando é questionando sobre a grandiosidade de seus projetos, Salgado
justifica suas escolhas afirmando que desde jovem está habituado a longas viagens e distâncias
de grande proporção.

Os projetos fotográficos que desenvolvo, sempre ao longo de vários anos e em


diferentes locais do planeta, podem parecer de grande envergadura. Alguns
dizem: Salgado é um megalomaníaco. Mas nasci num país imenso. Com seus
8 511 965 quilômetros quadrados, a superfície do Brasil é quinze vezes maior
que a da França. Estou acostumado com grandes espaços e deslocamentos. Há
muito tempo adquiri o hábito de dormir uma noite num lugar, depois, em
outro. Quando era jovem, meus pais me deixavam visitar minhas irmãs mais
48

velhas, que já eram casadas. Eu percorria sozinho distâncias equivalentes às


de Paris – Moscou ou Paris – Lisboa. As comunicações não eram fáceis. Muito
cedo precisei aprender a viajar. (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 16).

Além das viagens para visitar suas irmãs, Salgado também acompanhava seu pai em
longas viagens para conduzir seus animais até o abatedouro. Eram cerca de 45 dias cruzando
fazendas, florestas e rios a cavalo. Ao lembrar das viagens feitas por seu pai, ele lembra que
muitas vezes fazia os trajetos a pé, ficando na estrada por mais de cinquenta dias, e relaciona a
paciência e a lentidão com que eram realizadas essas travessias com o seu trabalho fotográfico.

Os homens tinham tempo para conversar, para olhar a paisagem. Essa lentidão
é a mesma da fotografia. Pois apesar de o avião, o carro ou o trem nos levarem
rapidamente de um ponto a outro do planeta, depois disso, no local de destino,
no momento de fotografar, é preciso esperar o tempo necessário. Adaptar-se
à velocidade dos seres humanos, dos animais, da vida. Mesmo que hoje nosso
mundo seja rápido, muito rápido, a vida, por sua vez, não segue a mesma
escala. Para fazer fotos, é preciso respeitá-la. (SALGADO; FRANCQ, 2014,
p. 17).

Como dito anteriormente, a paciência, o respeito ao tempo das pessoas, e essa dedicação
a um longo projeto, são características próprias do estilo de trabalho realizado por Salgado. Ao
contrário dos fotojornalistas, os fotodocumentaristas precisam de um planejamento do projeto
que será realizado, de um longo tempo de dedicação exclusiva, e de um trabalho de
entrosamento com a cena e os personagens que farão parte do seu trabalho. Além de um
fotodocumentarista, Salgado é também um humanista. O que explica a sua constante atenção e
respeito pelas limitações da vida humana.
Outra associação feita por Salgado faz referência às luzes e belezas de sua terra natal.
“Minha terra é muito bonita. Tem montanhas não tão altas, mas magníficas. [...] Foi onde eu
aprendia ver e amar a luminosidade que me segue por toda a vida” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 17). O brasileiro talvez seja um exemplo de que, não importa onde estejam os
fotógrafos, eles tentaram reproduzir as características da luz de seu lugar de origem. Usando
como influência em seu trabalho, sua vivência e suas referências sobre o que é belo, adquiridas
desde a infância.Segundo Salgado e Francq (2014, p. 17):

Na estação das chuvas, quando tempestades fenomenais começam a se armar,


o céu fica cheio de nuvens. Nasci com imagens de céus carregados
atravessados por raios de luz. Essas Luzes entraram em minhas imagens. De
fato, vivi dentro delas antes de começar a produzi-las. Também cresci em meio
à contraluz: quando era garoto, para proteger a pele clara, sempre me
colocavam um chapéu na cabeça ou me instalavam embaixo de uma árvore.
Na época, não existia protetor solar. E eu sempre via meu pai vindo até mim
contra o sol, na contraluz. Essa luz e esses espaço, portanto, pertencem à
minha história.
49

Foi resgatando as luzes e paisagens do Vale do Rio Doce que Salgado achou explicações
para o seu estilo de fotografar. Quanto aos seus grandiosos projetos, seriam fruto da sua
vivência e trabalho no campo. Ambas as elucidações confirmam as palavras, já citadas, do
fotógrafo. “Cada um desenvolve a forma de ver em função de sua história” (informação
verbal)5.
Até os quinze anos, Sebastião estudava em Aimorés, uma pequena cidade próxima a
fazenda de onde morava. Depois foi estudar em Vitória, Capital do Espírito Santo, onde
terminou o ensino médio. Sobre sua chegada à Vitória, ele relembra: “Lá descobri outro planeta.
Por exemplo, eu não conhecia o telefone, não existia na minha cidade” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 1). Salgado faz parte da primeira geração da família a ir estudar na cidade.
Seu pai trabalhou como farmacêutico, mas abandonou a profissão de sua formação para
ser fazendeiro. Sobre a vida de seu avô, Salgado conta: “[...] meu avô, comerciante atacadista
e aventurei que adorava conhecer novos horizontes. Ele morreu de malária num lugar bem longe
de casa, a dois ou três meses de distância – naquela época” (op. cit. p. 18). Para Sebastião pai,
seu filho herdou o espírito aventurei do avô. Em um depoimento exibido no documentário
(informação verbal)6, Sebastião pai diz: “Tião muito malandro, muito viajante. Nunca vi gostar
de viajar tanto assim! Meu pai era assim, não parava em lugar nenhum, só vivia viajando.
Parecia uma lançadeira.”
Na capital, Sebastião morou com um grupo de mais cinco ou seis rapazes. Por precisar
de dinheiro, foi trabalhar como secretário na Aliança Francesa, uma tradicional escola de
francês. Depois do Ensino Médio começou a cursar Direito, como queria seu pai. Sobre o curso
de direito relata: “Gostei da parte histórica, mas o resto não me interessou” (op. cit. p. 19).
Influenciado pelas transformações do governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek,
Salgado trocou o curso de Direito por Economia. “O Direito me parecia tradicional, enquanto
a Economia representava a meus olhos o que havia de mais moderno. [...] As faculdades de
economia abriam as portas, decidi me tornar economista: queria embarcar naquela aventura
moderna” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 19).
E foi nessa aventura que Salgado fez carreira, até descobrir o prazer de fotografar. Aos
vinte anos, Sebastião conheceu um dos personagens mais importantes da sua história, a sua
parceira, no amor e no trabalho, Lélia Wanick. “Estamos no escuro sobre o que seria de
Sebastião se esta jovem não tivesse aparecido no quadro” (informação verbal)7. Lélia tinha

5
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
6
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, 2014.
7
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
50

apenas dezessete anos, terminava o Ensino Médio e já havia estudado dez anos de conservatório
de piano. Logo depois, a moça começou a dar aulas em uma escola primária e também lecionava
aulas de piano. “Ela era lindíssima. Faz mais de 45 anos que estamos casados e continuo
achando Lélia igualmente linda. Depois que nos conhecemos, passamos a compartilhar tudo”
(op. cit. p. 20).
Os amigos que moravam com Salgado eram bastante atentos à situação do país,
colaborando para que o jovem casal descobrisse a política. Foi assim que eles começaram a ter
consciência de realidades como o grande fluxo migratório do campo para cidade, e a
consequente desigualdade social que esse êxodo potencializou. Sebastião vinha de uma
realidade muito diferente da que acabara de conhecer, como ele mesmo explica:

Vimos o surgimento das desigualdades sociais: até aquele momento, eu não


tinha consciência delas. Vinha de um mundo que funcionava fora do sistema
de economia de mercado. Não havia ricos nem pobres. Na fazenda de meu
pai, todos tinham o suficiente para morar, comer, vestir-se e manter a própria
família. Com o sistema industrial, a gente do campo descobriu nas cidades
uma vida completamente diferente, e a maioria caiu na pobreza. (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 20).

Figura 16 – Lélia e Sebastião em 1970.

Fonte: <//gerryco23.wordpress.com>

Sebastião começou a ter amizades com militantes de esquerda, e logo estava aderindo a
partidos radicais. Em 15 de dezembro de 1967, recebeu seu diploma de Economia. Como havia
51

sido aprovado, com bolsa, para o mestrado na Universidade de São Paulo, teria que se mudar
rapidamente para a metrópole. No dia seguinte, 16 de dezembro, Lélia e Tião casaram-se e
mudaram-se para São Paulo.
Morando na capital paulista, eles vivenciaram a revolta da população contra o Regime
Militar e suas inúmeras violações aos Direitos Humanos. Segundo Salgado e Francq (2014), a
então situação do país causou um forte sentimento de revolta em ambos, radicalizando o
engajamento do casal. Lélia e Salgado participavam de todas as manifestações e ações de
resistência à ditadura. Mesmo com todo perigo, o casal estava determinado a lutar e defender
seus ideais. Até que o grupo do qual participavam decidiu que os mais jovens deveriam ir para
o exterior.

Nosso grupo decidiu que os mais jovens, dos quais fazíamos parte, deviam ir
para o exterior para se formar e continuar agindo de lá, enquanto os que
tivessem mais maturidade entrariam para a clandestinidade. [...] Em agosto
deixamos nosso país. Quando embarcamos no navio, sabíamos que, se
fôssemos identificados, seríamos atirados na prisão e torturados. Ainda
lembro do nosso alívio quando deixamos o último porto, e o navio se afastou
definitivamente da costa brasileira rumo à França. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 22).

A França trouxe muitas mudanças para a vida de Salgado e Lélia: amadureceram,


criaram laços de amizade e solidariedade, mudaram de carreira, formaram família etc.
Oficialmente, Salgado viajou para estudar na Escola Nacional de Estatística e Administração
Econômica. Enquanto ele começava o doutorado, Lélia resolveu cursar Arquitetura na Escola
de Belas-Artes.
Figura 17 – Imagem do casamento de Lélia e Salgado, em 1967.
52

Fonte: <http://www.50emais.com.br/>

3.1.2 Entre a França, a África e a Fotografia

Recém chegados à França, o casal, Salgado e Lélia, já possuía bastante afinidade com o
país que os acolhia. “Quando cheguei à França, sabia exatamente onde ficava o boulevard
Raspail, a rue de Rivoli e a place de la bastille. Também foi na Aliança Francesa que conheci
Lélia, que falava e escrevia perfeitamente em francês” (op. cit. p. 23). Mesmo com essas
afinidades com o local, eles passaram por difíceis fases de adaptação. Quando chegaram à Paris
estavam deslumbrados, e bastante confortáveis aproveitando os longos dias de verão. Depois
veio o outono, e o clima estranho trouxe muita saudade do Brasil. Relembra Salgado e Francq
(2014, p. 24):
Chegamos a Paris em agosto de 1969. Achamos tudo maravilhoso: os dias que
não acabavam, as manhãs que começavam muito cedo. Mas veio o outono, a
luz declinou e, em dezembro, Lélia e eu beirávamos a depressão. Sentíamos
uma falta terrível de nosso país. Sabíamos que não podíamos voltar, que
estávamos envolvidos demais nos movimentos de oposição. Éramos muito
jovens e foi muito difícil.

Para aqueles jovens militantes, a França representava a pátria dos Direitos Humanos e
da democracia. “Representava uma terceira opção entre o comunismo e os Estados Unidos”
(op. cit. loc. cit.). Eles conquistaram a oportunidade de estudar no país das ideias democráticas,
mas não tinham bolsa. Morando em um quarto da cidade universitária, Salgado trabalhava lá
mesmo descarregando caminhões na cooperativa, e Lélia como funcionária da biblioteca.
Ajudando os brasileiros que chegavam exilados, Salgado e Lélia fizeram grandes
amizades e formaram uma rede de solidariedade. As pessoas chegavam devastadas, algumas
haviam sido torturadas. “Foi na França que descobrimos o significado da palavra solidariedade,
depois que aprendemos, não esquecemos nunca mais” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 25).
Foi ajudando seus conterrâneos que o casal se sentiu amparado.
Hoje foi provado que Lélia e Sebastião foram espionados. Com a abertura de arquivos
brasileiros, foram encontrados documentos do Serviço Nacional de Informação sobre detalhes
da vida do casal. Por ter acompanhado de perto e sofrido com as perseguições da ditadura,
ambos consideram uma vitória a eleição de seus companheiros de esquerda.

É uma alegria poder ver, hoje, que aqueles que foram perseguidos, torturados,
espancados estão em cargos de poder no Brasil. Poder ver que a esquerda é
que possibilitou a renovação a partir do presidente Fernando Henrique
Cardoso, antecessor de Lula. Que nossos colegas de luta se tornaram
ministros. Que Lula, que participou da oposição e nunca saiu do Brasil, pois
era proletário, e que foi perseguido e preso, tornou-se o maior presidente que
53

o Brasil já teve. Foi ele que conseguiu integrar à classe média os 35 milhões
de brasileiros que viviam abaixo do limiar da pobreza. E igualmente a
presidente Dilma Rousseff. Ela também foi presa, espancada, torturada.
(SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 27).

Salgado é sempre muito coerente em seu posicionamento político. Demonstrando ser


um otimista, ele acredita que todas as ditaduras estão fadadas a cair, e que existe uma ordem
natural que leva a momentos nobres e justos. A rede solidária da qual Lélia e Sebastião faziam
parte os ajudou muito. Com a ajuda de amigos da rede, que emprestaram uma casa em
Menthonnex-sous-Clemont, Salgado pode viajar para se recuperar de uma doença chamada
febre do feno. Aproveitaram a viagem e foram de carro até Genebra, comprar os materiais
fotográficos que Lélia precisava para o curso de Arquitetura. Naquele momento a fotografia
entraria, para nunca mais sair, da vida do casal. Relembra Salgado e Francq (2014, p. 29):

Aproveitamos nossa estadia na Savoie para ir de carro a Genebra, onde


podiam ser encontrados os melhores preços da Europa para materiais
fotográficos: Lélia, na faculdade de arquitetura, precisava fotografar alguns
prédios. Ela escolheu uma Pentax Spotmatic II, com uma lente objetiva
Takumar de 50 mm, f:1,4. Não sabíamos nada de fotografia, mas logo
achamos aquilo fantástico. De volta a Manthonnex, fizemos nossas primeiras
imagens; li as instruções e, três dias depois, voltamos a Genebra para comprar
mais duas objetivas, uma de 24 mm e outra de 200 mm. Foi assim de a
fotografia entrou em minha vida.

Ao chegar em Paris, Salgado montou um modesto laboratório na cidade universitária, e


alguns meses depois já deixou seu trabalho na cooperativa para ganhar dinheiro apenas com as
revelações. Aos poucos, Salgado foi conseguindo pequenas reportagens e começou a pensar na
possibilidade de se tornar fotógrafo. O casal sonhava em comprar uma Kombi Volkswagen,
onde funcionaria um laboratório fotográfico ambulante, para que eles viajassem pela África.
Mas Salgado ainda precisava concluir o doutorado.
Em 1971, Salgado terminou a pós-graduação e conseguiu um ótimo emprego na capital
Inglesa. “Ao terminar minha pós-graduação parisiense arranjei um cargo excelente em Londres,
na Organização Internacional do Café, onde pretendia escrever minha tese de doutorado”
(SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 30). Mesmo com as melhorias financeiras que o novo
emprego proporcionou, Sebastião ainda se sentia tentando a trabalhar como fotógrafo.
Sobre a sua desistência de escrever a tese e os tempos em que esteve dividido, Salgado
e Francq (2014, p. 30) explicam: “[...] pretendia escrever minha tese de doutorado. Acabei
nunca fazendo isso, apesar de ter tentando recuperar a razão, repetindo a mim mesmo: ‘Você
precisa ser um economista sério, batalhou muito por isso, enquanto a fotografia...’” Em seu
trabalho, Salgado estava sempre viajando, ele era responsável por coordenar e subsidiar projetos
54

de desenvolvimento econômico na África, mais especificamente, em Ruanda, Burundi, Congo,


Uganda e Quênia. Foi depois de fotografar a África, em suas viagens a trabalho, que o brasileiro
teve a certeza de queria ser fotógrafo.

Durante minhas viagens a Ruanda, Burundi, Zaire, Quênia e Uganda, percebi


que as fotos que tirava me deixavam muito mais feliz do que os relatórios que
precisava escrever ao voltar. Eu os redigia com seriedade, e aquele trabalho
era sem dúvida apaixonante. Mas a fotografia... Recordo que, em Londres,
Lélia e eu alugávamos um pequeno barco, aos domingos, e íamos para o meio
do Serpentine, o pequeno lago artificial de Hyde Park. Deitávamos dentro do
barco e, ali, discutíamos por horas a fio meu desejo de trocar economia por
fotografia. Eu estava sempre me perguntando se deveria fazer aquilo. Até o
dia em que minha vontade foi mais forte. Decidi: “Vou largar a economia.”
Estávamos em 1973, eu tinha 29 anos e escolhi, de comum acordo com Lélia,
interromper minha promissora carreira para me tornar fotógrafo independente.
(op. cit. p. 33)

Quando resolveu trocar o curso de Direito por Economia, Salgado viu aquilo como uma
aventura na qual ele queria embarcar. Mal sabia ele que a sua mais ousada aventura ainda estaria
por vir. A aventura de trocar a estabilidade de economia pelo prazer da fotografia. E,
principalmente, a aventura diária de ser um fotógrafo. Sebastião voltou inúmeras vezes à África,
continente por qual tem paixão, mas agora sua intenção era unicamente fotografar. Mesmo
tendo abandonado Economia, todo o conhecimento adquirido ao longo de sua carreira
acadêmica não desapareceu. Salgado continuando sendo um Economista, o que lhe ajudou a
transformar a satisfação instantânea de fotografar em longos projetos.

3.1.3 O fotógrafo Sebastião Salgado

No começo da carreira de fotógrafo, Salgado atuou em diferentes ramos da fotografia.


Ao ser questionado sobre a sua entrada na fotografia social, ele diz não saber muito o porquê,
mas acredita que foi algo natural, já que ele sempre foi um jovem muito preocupado com
questões sociais. De acordo com Salgado e Francq (2014, p. 41): “Quando me perguntam como
cheguei à fotografia social, respondo: foi como um prolongamento de meu engajamento político
e de minhas origens.” Sebastião vivia rodeado de amigos exilados, que como ele e Lélia, fugiam
de ditaduras. “Assim, foi natural começar a fotografar os emigrados, os clandestinos” (Idem).
Desde o início, o brasileiro buscou retratar pessoas inseridas em duras realidades de
exploração, clandestinidade, mas sempre ressaltando a dignidade de cada um. Segundo Salgado
e Francq (2014, p. 42): “com o passar dos anos, trabalhei muitas vezes ao lado da Unicef, os
Médicos sem fronteiras, a Cruz Vermelha, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiado, etc. Desde então, mantenho-me ligado ao mundo humanitário.” Foi trabalhando em
55

diferentes lugares da África, pela Organização Internacional do Café, que Sebastião pôde
vivenciar diferentes formas de exploração de trabalhadores, e muitos tipos de injustiças sociais.

Lélia e eu constatamos que o mundo está dividido e duas partes: de um lado a


liberdade para aqueles que têm tudo, do outro a privação de tudo para aqueles
que não têm nada. E foi esse mundo digno e privado de quase tudo que eu
decidi retratar, por meio de minhas fotografias, e uma sociedade europeia
suficientemente alerta para ouvir um apelo. (op. cit. loc. cit.).

Quando Salgado viajava para fotografar algum país novo, sempre havia uma grande
preocupação em saber qual o contexto social em que suas fotografias estariam situadas. O
fotógrafo atribui à sua diversificada formação a facilidade em compreender o contexto histórico
e social dos locais onde trabalhava. Sobre esses cuidados e o uso das imagens como sua forma
de linguagem, relata:

Sempre fui capaz de colocar minhas imagens dentro de uma visão histórica e
sociológica. O que os escritores relatam com suas pernas, eu relatava com
minhas câmeras. A fotografia é para mim uma escrita. É uma paixão, pois amo
a luz, mas é também uma linguagem. Poderosíssima. Quando comecei, ai onde
minha curiosidade me levasse, onde a beleza me comovesse. Mas também por
todos os lugares onde houvesse injustiça social, para melhor descrevê-la. (op.
cit. p. 43).

Assim, sempre buscando ser coerente com a cultura do lugar onde trabalhava, Salgado
foi se firmando na profissão e transmitindo suas mensagens a um número cada vez maior de
receptores. Para Sousa, Salgado usa a linguagem fotográfica como um código gramatical
reconhecível, capaz de propor uma leitura de mundo, explorando a realidade como um signo.
O autor acredita que essa seja um dos motivos para que as imagens do brasileiro façam sentido
e sejam dotadas de uma força plástica extraordinária. Elucida Sousa (2004, p. 191):

Possuidoras, assim, de uma força plástica arrebatado e envolvente, simbólicas,


deixando o observador entre a serenidade e o desassossego, as imagens que
nasceram do olhar de Sebastião Salgado sobre o mundo questionam esse
mesmo mundo. Deixam o observador entre a serenidade e a inquietude,
impõem-lhe respeito pela eminente dignidade da pessoa humana, despertam a
compaixão e a boa consciência. A opção pelo preto-e-branco, usualmente
simbólica e por vezes, lírica e poética, reforçam o impacto das imagens.

Sebastião já trabalhou com fotografia colorida, mas apenas por exigência de algumas
revistas. As cores representam uma série de inconvenientes para o fotógrafo, além de serem
desinteressantes para ele. O fotógrafo explica que antes das fotos digitais, na época das
fotografias analógicas, os filmes preto e branco eram bem mais flexíveis com relação à
exposição. As fotos podiam ser feitas em superexposição e depois recuperadas na revelação,
até chegar à luz sentida no momento do clique. Técnica impossível para a fotografia colorida.
56

Na época do analógico, quando trabalhava em cores com filme Kodachrome,


eu achava os vermelhos e os azuis tão bonitos que eles se tornavam mais
importantes que todas as emoções contidas na foto. Com o preto e branco e
todas as gamas de cinza, porém, posso me concentrar na densidade das
pessoas, suas atitudes, seus olhares, sem que estes sejam parasitados pela cor.
Sei muito bem que a realidade não é assim. Mas quando contemplamos uma
imagem em preto e branco, ela penetra em nós, nós a digerimos e,
inconscientemente, a colorimos. (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 128).

Entendemos assim, que o preto e branco daria mais espaço e tranquilidade para a
interpretação do receptor. Sem se distrair com as cores fortes, voltando suas atenções para
personagens fotografados, e passando por esse processo de colorir mentalmente as imagens, o
observador usará mais a sua imaginação e formulará o colorido que mais lhe agrada, de acordo
com sua vivência. Sobre as preferências de Salgado, Sousa (2004, p. 190), analisa:

As opções estéticas de Sebastião Salgado também são mais ou menos


marginais. Usando o preto-e-branco, como é tradicional no humanismo
fotográfico, Salgado investe na qualidade dos contrastes tonais, na textura da
imagem (predomínio do grão), na utilização frequentemente de planos gerais
abertos (raros em fotojornalismo, mais polissêmicos, mais contextualizadores
e menos “agressivos”). Nestes planos ele espalha composições clássicas,
equilibradas e lumínicas (por vezes a lembrar a pintura religiosa e mística),
frequentemente horizontais. Daqui resulta não só uma certa calma, mas
também uma certa doçura no olhar, que corresponde a uma intenção
humanitária – a de intervir em prol dos sujeitos fotografados. Se a suas
intenções são informar e testemunhar, também são de fazer compreender e
consciencializar.

Como dito anteriormente, no tópico sobre a fotografia humanista, além de um autor


humanista, Sebastião é um fotodocumentarista de crítica social, preocupado em conscientizar e
mobilizar ações que transformem as injustiças sociais. Para Sousa (2004), o fotógrafo consegue
explorar a estética de suas imagens sem comprometer a sua carga informativa. O autor acredita
que como todo bom fotodocumentarista, Salgado consegue ressaltar a importância daquele
conjunto de fotos que formam um projeto, demonstrando que a complexidade dos temas
retratados dificilmente pode ser compreendida em uma só imagem.

Mesmo sendo um documentarista, Salgado afirma que os seus livros são um


subproduto, uma vez que em primeiro lugar trabalha para a edição na
imprensa. Do meu ponto de vista, Salgado tem razão. As fotos que
representam a humanidade não podem ser apenas para os livros ou para as
exposições, já que assim, não só jogam a favor da não-democratização da
cultura e do conhecimento, como também o seu impacto é menor. Elas têm de
regressar às páginas dos jornais e das revistas, têm que estar disponíveis nos
ecrãs dos computadores, seja em home pages na internet ou inseridas em
jornais eletrônicos. (SOUSA, 2004, p. 191).
57

Mesmo ressaltando a importância da veiculação de seus trabalhos na impressa, e se


preocupando com sua abrangência e repercussão humanitária, Sebastião não se considera um
fotojornalista, nem um militante. “Para alguns sou um fotojornalista. Não é verdade. Para
outros, sou um militante. Tampouco. A única verdade é que a fotografia é minha vida. Todas
as minhas fotos correspondem a momentos intensamente vividos por mim” (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 47).
Salgado atribui a realização de seus trabalhos a diversas motivações, como raiva,
curiosidade, ideologia, mas todas estão diretamente relacionadas à sua vivência, seus
sentimentos e pensamentos naquele momento. O fotógrafo confirma as palavras de Sousa, a
imprensa é seu suporte fundamental, mas afirma que fotografar vai muito além de publicar:

Todas as minhas fotos foram parar em periódicos: a imprensa é meu suporte


fundamental, minha referência. Mas fotografar, para mim, vai muito além de
publicar imagens. Num jornal trabalha-se quatro horas, cinco dias, no máximo
uma semana sobre algum assunto, principalmente nos dias de hoje. A meu ver,
minhas imagens nunca estão prontas. O que me interessa é produzir relatos
fotográficos descompostos e diferentes reportagens, distribuídas ao longo de
vários anos. Trabalhar a fundo numa questão por cinco ou seis anos, e não
borboletear de tema em tema, de um lugar a outro. A única maneira de contar
uma história é voltar ao mesmo lugar repetidas vezes; é nessa dialética que se
evolui. É assim que atuo há mais de quarenta anos. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 47).

Com mais de quarenta anos de carreira, o brasileiro já trabalhou em grandes agências


como a Sygma, Gamma e a lendária agência fundada por fotógrafos como Cartier-Bresson e
Robert Capa, a Magnum. Em 1975, depois de passar um ano na agência Sygma, Salgado entrou
para a agência Gamma, considerada por ele uma grande escola de fotojornalismo. O fotógrafo
lembra que antes de viajar para cobrir os eventos, recebia de seu redator-chefe, Floris de
Benneville, por quem tem muita gratidão, um dossiê de impressa do país ao qual iria se destinar.
Auxiliado por sua bagagem acadêmica, rapidamente Sebastião analisava o dossiê e sabia qual
enfoque daria aos acontecimentos naquele país.
Em 1979, Sebastião seguiu os passos de alguns colegas como Jean Guamy e Raymond
Depardon, e saiu da Gamma para trabalhar na Magnum. Ele afirma que, Salgado e Francq
(2014), a agência Gamma foi sua a maior escola de fotografia, mas a Magnum lhe possibilitou
um grande desenvolvimento profissional. Lélia havia concluído o mestrado em urbanismo, e
foi trabalhar produzindo exposições em uma ampliação da galeria Magnum. O tempo em que
Salgado trabalhou na mítica agência Magnum foi muito engrandecedor, mas também
turbulento. (op. cit.).
58

Fiquei quinze anos na Magnum. Foi um período enriquecedor, mas também


muito competitivo. Conheci fotógrafos magníficos, como Erich Hartmann,
Henri Cartier-Bresson, Eric Lessing e George Rodger, entre outros, que se
tornaram grandes amigos. Foi um grande prazer conviver com personalidades
fortes, mas, por outro lado, assisti a brigas homéricas. (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 60).

Em 1994, Salgado e Lélia fundaram a agência Amazonas Images, em Paris. Quando


saiu da Magnum, Sebastião já era um fotógrafo reconhecido mundialmente, havia exposto suas
fotos em museus de todo mundo e publicado diversos livros.

Eu havia assinado contratos com a Paris Match, a Life, a Stern e o El País para
lançar um novo projeto, intitulado Êxodos. Precisava de uma equipe. Como a
Magnum se recusava a criar esse tipo de entidade, nós mesmo a inventamos,
Lélia e eu. No que se refere a comercialização das imagens, buscamos agentes
em diferentes países do mundo. Vender nunca foi nosso foco, mas sabíamos
montar projetos que contavam histórias, sabíamos planejar e realizar
reportagens. Lélia tinha experiência com exposições, desde a concepção a
cenografia; ela tinha produzido vários livros. Estávamos maduros e ela estava
disposta a lançar e dirigir nossa própria estrutura. Foi assim que, em 1994,
fundamos a Amazonas Images, no canal Saint-Martin, em Paris. Contratamos
alguns funcionários e passamos a subcontratar alguns trabalhos em
laboratórios externos. (op. cit. p. 62).

Há mais de duas décadas, Lélia e Sebastião já percebiam um problema muito discutido


atualmente –o deslocamento de populações inteiras e a consequente formação de enormes
grupos de refugiados. O projeto Êxodos durou seis anos, e levou Salgado a percorrer muitos
países, dentre eles o Brasil. Tinha como objetivo narrar a história de populações forçadas a
deixar suas cidades por motivos religiosos, econômicos, políticos, etc.

Nos quatro cantos do globo, as pessoas são deslocadas essencialmente pelas


mesmas razões econômicas, que favorecem uma minoria, enquanto a maioria
se torna miserável. E em toda parte a superpopulação resultante amplia os
mesmos males: precariedade, violência, epidemias... Às vésperas do terceiro
milênio, eu quis mostrar essas pessoas em trânsito, sua coragem diante do
desenraizamento, sua incrível capacidade de adaptação a situações em geral
muito difíceis. [...] Às vésperas do século XXI, tentei mostrar a necessidade
de refundarmos a família humana sobre as bases da solidariedade e da partilha.
(op. cit. p. 78).

O livro Êxodos ganhou o prêmio Jabuti em 2001, na categoria produção editorial.


Salgado é considerado um dos maiores fotógrafos da atualidade. Seus grandiosos projetos
renderam-lhe inúmeros prémios internacionais, como o Prêmio Príncipe de Astúrias das Artes
e o World Press Photo. Tornando-o inclusive, membro honorário da Academia de Artes e
Ciências dos Estados Unidos. Dentro suas inúmeras publicações os projetos mais famosos são:
59

Trabalhadores (1993), Terra (1997), Êxodos (2000), O berço da desigualdade (2005), África
(2007) e Gênesis (2013).

Figura 18 – Imagem que compõe o ensaio Éxodos, produzida na Etiópia, em 1985.

Fonte: <http://unitmagazine.com/blog/?p=7255>

Além de muito companheiros no trabalho, Lélia e Sebastião mantêm um admirável


casamento de 47 anos. O casal teve dois filhos: Juliano, cineasta e um dos diretores do
documentário que conta a vida de seu pai – O Sal da Terra – e Rodrigo, artista plástico. Rodrigo
é portador da trissomia do cromossomo 21, a Síndrome de Down. Sobre seu filho Rodrigo,
Salgado afirma: “Ele é uma fonte de afeto e doçura. Tenho certeza de que, sem ele, minhas
fotografias teriam sido diferentes. Ele me levou a olhar para os rostos de outro modo, abordar
os seres de maneira diferente” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 59).
O casamento de Sebastião e Lélia é uma relação de múltiplas parcerias, além dos muitos
projetos fotográficos, da Amazonas Images e dos filhos, eles também criaram o Instituto Terra,
um dos maiores orgulhos do casal.

3.1.4 O Instituto Terra e o Projeto Gênesis

Apesar do sucesso dos livros Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo, publicados em


2000, Salgado não estava em uma boa fase. Sentia-se físico e psicologicamente afetado pelas
60

terríveis situações que presenciou. Explica o fotógrafo: “Até então, nunca imaginara que o
homem pudesse ser uma espécie tão cruel consigo mesma; não conseguia aceitar aquilo. Estava
deprimido, afundava no pessimismo” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 95). Além de
presenciar crueldades dos homens para com os seus semelhantes, Sebastião também observou
as atrocidades realizadas contra a natureza.
Depois de ver muitas paisagens destruídas, o fotógrafo começou a planejar um trabalho
de denúncia da destruição da natureza. O projeto não foi realizado porque na mesma época
Lélia teve a audaciosa ideia de reflorestar a terra que haviam ganhado de seus sogros, no Brasil.
Segundo Salgado e Francq (2014, p. 96):

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, no século XVI, 3500 quilômetros


de costa estavam cobertos por Mata Atlântica, até cerca de 350 quilômetros
terra adentro – o equivalente a duas vezes o tamanho da França. A terra de
meus pais pertencia a esse ecossistema. Quando Lélia e eu constatamos que
as árvores haviam sido cortadas. As famosas perobas, primas do carvalho, e
várias outras espécies, tinham sido utilizadas para mobiliar as casas das
cidades brasileiras em plena expansão e para produzir o carvão vegetal da
siderurgia. Com o desflorestamento, as águas da chuva corriam sem que nada
as detivesse. A terra fértil de meus pais, outrora coberta de pasto, arrozais e
florestas, havia se tornando uma crosta pelada. Das trinta famílias que viviam
ali quando eu era criança, restara apenas o capataz. Cada vez que voltávamos,
víamos a aceleração desse processo. Diante do desastre, Lélia um dia me disse:
“Sebastião, vamos replantar”.

O casal não tinha conhecimento sobre reflorestamento, não sabia nem quanto custaria
colocar em prática esse plano. Por isso, o primeiro passo foi busca a ajuda de um especialista,
Renato de Jesus, um engenheiro famoso por recuperar ecossistemas. “Renato estudou a situação
de nossa terra. Depois de seis meses, apresentou-nos um projeto: o plantio de 2,5 milhões de
árvores! Além disso, deveríamos atentar para a diversidade. Um mínimo de duzentas espécies”
(op. cit. loc. cit.). O próximo passo foi buscar financiamento.
Ao contatar o Banco Mundial, eles foram apresentados a uma rede ecológica brasileira.
Assim, encontraram outro grande colaborador, Célio Murilo Valle. Com a ajuda de Célio, o
casal conseguiu transformar as terras da família Salgado em uma reserva particular do
patrimônio natural, o primeiro parque nacional do Brasil. Com esse título as terras se tornaram
protegidas, e nunca mais poderão ser utilizadas como terreno agrícola. Quanto ao
financiamento, Lélia e Salgado usaram recursos próprios, mas também tiveram muitos
colaboradores. Sobre os seus parceiros, eles explicam que:

Os dirigentes da companhia mineradora local, então chamada de Vale do Rio


Doce, para a qual Renato de Jesus trabalhava, também acharam nossa ideia
maluca, mas aceitaram no ajudar. Como eles próprios possuíam um viveiro
61

para cobrir suas necessidades em reflorestamento de espécies nativas, nos


deram pequenas mudas e colocaram alguns trabalhadores à nossa disposição.
Também nos disponibilizaram recursos, no que foram seguidos pelo Fundo
Brasileiro para a Biodiversidade, que operava ao lado do Banco Mundial. A
maior parte da ajuda que tivemos veio do governo federal brasileiro, bem
como dos governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, mas muitas
empresas e fundações brasileiras nos apoiaram. Recebemos também um
auxílio enorme de empresas e fundações francesas e monegascas; do governo
das Astúrias e da Generalitat Valenciana, na Espanha; na Itália, Emília-
Romanha, da província de Roma, do Friul e da cidade de Parma. (SALGADO;
FRANCQ, 2014, p. 97).

O resultado de toda essa ajuda, somado ao enorme esforço do casal, foi o replantio de
dois milhões de árvores. Eles planejam em 2050 alcançar a meta de replantar 50 milhões de
árvores por todo o vale. Inicialmente, Salgado não teve o apoio de seu pai: “O meu pai não
acreditou muito em nosso projeto. Pensava que nossa utopia de cidadãos urbanos nos arruinaria.
Mas quando morreu já tivera tempo de ver que as árvores haviam recuperado seus direitos.”
(op. cit.).
Salgado pai não foi o único a desacreditar no sucesso dessa ideia, a própria Lélia,
idealizadora do projeto, teve seus momentos de ceticismo. Ela relata: “Lembro que no início da
plantação, às vezes, à noite, eu sonhava que tudo tinha morrido. Porque a terra era tão medonha,
tudo era tão degradado, que eu me perguntava: ‘Será que vai dar certo?’” (Informação verbal)8
Na primeira plantação, só 40% sobreviveu, na segunda, 60%, e assim foram evoluindo. Além
do reflorestamento, principal benefício à sociedade, o Instituto Terra também tem o seu próprio
viveiro, com capacidade para abrigar um milhão de plantas de mais de cem espécies, que
fornece mudas para outros programas ecológicos, e também tem um centro de formação. Sobre
o centro de formação do Instituto Terra, Salgado e Francq (2014, p. 99), explicam:

O instituto recebe guardas florestais, agricultores, prefeitos, operadores de


tratores municipais. Também acolhe as crianças das escolas da região, a fim
de sensibilizá-las desde pequenas para o problema do desmatamento, torna-
las conscientes da importância da biodiversidade e da necessidade de
reconstrução do ecossistema.

Além desses benefícios à toda a sociedade, o Instituto Terra também trouxe benefícios
diretos a Sebastião e Lélia. O projeto foi a cura para o pessimismo e a tristeza do fotógrafo. O
reflorestamento não trouxe de volta apenas as árvores, animais e fontes de água, trouxe também
a paixão de Salgado pela fotografia.

8
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
62

A terra se tornou quase mais bonita do que quando eu era menino. Diante
desse espetáculo, uma espécie de encantamento voltou a me invadir. Não
demorou muito para que Lélia e eu percebêssemos que devíamos contar uma
história fotográfica que mostrasse toda a beleza do mundo. O início de tudo,
pois ao recriar essa floresta estávamos recriando um clico de vida. Fomos nos
informar junto à maior ONG de preservação ambiental, a Conservation
International, que, de Washington, visa à proteção de tudo o que é virgem no
mundo. Graças a ela, descobrimos que aproximadamente 46% do planeta
permanecem preservados. Os seres humanos destruíram uma boa metade do
planeta – é colossal -, mas a outra metade, ou quase, continua intacta, e isso
me pareceu fantástico. (op. cit. p. 99).

Figura 19 – Instituto Terra antes e depois do reflorestamento.

Fonte: <http://www.institutoterra.org/>
63

Figura 20 – Lélia e Salgado no Instituto Terra.

Fonte: <http://www.nonada.com.br/>

Foi assim que surgiu o projeto Gênesis, um conjunto de 32 reportagens em busca das
regiões intocadas do planeta. Inspirados pelo sucesso do Instituto Terra, o casal queria um
projeto ligado ao meio ambiente. Incialmente, os dois pensaram em denúncias relacionadas ao
desmatamento de florestas, ou à poluição dos mares, mas queriam achar um diferencial. Com
as informações da ONG Conservation International, tiveram o insight de fazer uma
homenagem ao planeta. “Para nossa surpresa descobrimos que quase a metade do planeta
continua sendo ainda como no dia do gênesis” (informação verbal)9.
Salgado relata que ele e Lélia planejaram nos mínimos detalhes os oito anos que o
fotógrafo passaria viajando pelo mundo. “Depois de passar anos mostrando mulheres, homens
e crianças em seu cotidiano, eu fotografaria vulcões, dunas, geleiras, florestas, rios, cânions,
baleias, renas, leões, pelicanos, o mundo da selva, do deserto [...]” (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 102). Como de costume, algumas pessoas não aprovaram essa ideia. A mudança de
área de atuação foi vista por alguns amigos como um grande risco. “Vários amigos me disseram
para não me meter nisso. ‘É muito arriscado. Você é conhecido como fotógrafo social. Vai
entrar no campo dos fotógrafos de paisagens’ Falei: ‘Posso aprender a fotografar isso também.’”

9
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
64

(loc. cit.) Para trabalhar com outras espécies, Salgado precisou aprender a se conectar com a
natureza, demonstrando amor e respeito pela fauna e flora.

Para esse projeto que dediquei à natureza intocada, ao longo dos oito anos em
que viajei pelo mundo, precisei aprender a trabalhar com outras espécies.
Desde o primeiro dia da primeira reportagem, graças à tartaruga gigante,
compreendi que para fotografar um animal é preciso amá-lo, sentir prazer em
comtemplar sua beleza, seus contornos. É preciso respeitá-lo, preservar seu
espaço e seu conforto ao se aproximar, observá-lo e fotografá-lo. Partindo
desse princípio, pude trabalhar com os outros animais da mesma forma como
trabalho com os homens. (op. cit. p. 10).

As reportagens do projeto Gênesis proporcionaram muitas alegrias ao brasileiro, viagens


para lugares incríveis, onde encontrou paisagens belíssimas. As fotos foram apreciadas em
revistas e museus por todo o mundo, e os dois livros Gênesis, publicados em 2013, também
foram um grande sucesso. Gênesis tem o propósito de homenagear o planeta, e alertar para a
necessidade de protegê-lo, antes que seja tarde. Ele também explica, que a Terra lhes deu uma
esplêndida aula de humanidade, fazendo-o compreender que todos fazemos parte de uma
mesma unidade, o complexo sistema Terra.
Quando questionado sobre a escolha do nome Gêneses, Sebastião explica: “Ele não tem
nenhuma relação, a meu ver, com a religião. Ele designa a harmonia primordial que permitiu
toda a diversificação das espécies. O prodígio de que todos fazem parte” (op. cit. p. 104). Em
suas declarações, o fotógrafo demonstra acreditar na teoria da evolução, tenho inclusive,
seguido os passos de Darwin na primeira reportagem do projeto, quando foi a Galápagos. Em
depoimento para o documentário O Sal da Terra, o diretor Wim Wenders, afirma: “Genesis,
acabaria sendo a obra prima dele. Uma carta de amor ao planeta” (Informação verbal)10. Esse
trabalho representa um novo caminho encontrado por Salgado para sensibilizar os receptores e
tentar modificar a realidade. Mesmo sem retratar diretamente problemas sociais ou ecológicos,
Gênesis é mais uma tentativa de transformar o destino da humanidade.

3.2 O Ensaio Terra

Muito antes do projeto Gênesis, em 1979, Sebastião, Lélia e os filhos puderam voltar ao
Brasil amparados pela Leia da Anistia. Em depoimento para o documentário O Sal da Terra,
Salgado relembra, “Era 31 de dezembro e eu voltava ao Brasil. Era fantástico poder voltar à
terra natal, após 10 anos e meio fora. Foi assustador. Lélia não reconheceu a Vitória que havia
deixado. Tudo estava mudado. [...] Neste momento eu quis ver o Brasil mais profundamente”

10
Frase retirada do documentário o Sal da Terra, 2014.
65

(informação verbal)11. O fotógrafo pegou emprestado o carro da irmã e viajou por seis meses
pelo Nordeste do Brasil, foi a primeira de uma série de reportagens pelo país.

Em 1979, quando pude voltar ao Brasil, a pobreza me saltou aos olhos.


Durante a ditadura, de 1964 a 1984, grande parte dos pequenos proprietários
rurais vendeu sua terra a “preços sedutores” – por conta da hiperinflação da
época – a grandes empresas agrícolas. Era como se tivessem sido
expropriados, pois passaram a viver na precariedade. As primeiras fotos que
tirei, ao voltar, mostram a situação desses camponeses, os boias-frias, que
viviam à margem das imensas propriedades agrícolas criadas pela reunião de
suas antigas terras. Por muito tempo, somente a Teologia da Libertação agiu
naqueles locais. As comunidades de base e a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura possibilitaram que formassem um grupo de desfavorecidos.
Constituíram uma voz de protesto àquela injustiça. (SALGADO; FRANCQ,
2014, p. 57).

Como foi relatado pelo fotógrafo, quando ele começou a fotografar o Nordeste do Brasil,
ainda não existia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), mas já havia os
sem-terra, famílias que viviam à margem de grandes propriedades. De acordo com Salgado e
Francq (2014), o MST nasceu em 1984, e englobava 4,8 milhões de famílias camponesas. Ele
acompanhou as reivindicações do movimento por cerca de quinze anos. Ainda segundo o
fotógrafo:

O MST recenseou todas as terras improdutivas do país. Ocupando-as, tentava


obrigar o governo a comprar aquelas propriedades para redistribuí-las aos
camponeses desfavorecidos. Em 1996, no Paraná, vi 12 mil pessoas, ou cerca
de 3200 famílias, ocuparem uma propriedade de 83 mil hectares, dos quais
apenas 12 mil eram cultivados. O MST agia legalmente e não lesava ninguém,
ocupava apenas terras não cultivadas. A Constituição brasileira estipula a
proibição da posse de terras improdutivas. O que não impediu os grandes
proprietários de infringirem a lei: vários deles mandavam seus homens ou a
polícia expulsar as famílias que ocupavam suas terras. Mesmo assim graças
ao MST, muitas dessas terras foram finalmente redistribuídas, na época, a
cerca de 200 mil famílias. (op. cit. p. 57).

De acordo com o site oficial do MST, atualmente, o movimento é composto por cerca
de 350 mil famílias e está organizando em 24 estados do país. O site possui uma linha do tempo
onde conta a história do movimento dividida em partes. A última parte representa a atualidade
e explica:

Ao longo do último período, os Sem-Terra aprofundaram o debate em torno


da questão agrária, e a luta pela Reforma Agrária ganhou um novo adjetivo:
Popular. Popular, pois o Movimento percebeu que a Reforma Agrária não é
apenas um problema e uma necessidade dos Sem-Terra, do MST ou da Via

11
Depoimento retirado do Documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
66

Campesina. É uma necessidade de toda sociedade brasileira, em especial os


80% da população que vive de seu próprio trabalho e que precisa de um novo
modelo de organização da economia, com renda e emprego para todos. [...]
Certamente, continuaremos na luta, juntos, na construção de uma sociedade
mais justa, fraterna e igualitária, como é o sonho de todo brasileiro honesto e
trabalhador. (MST, 2014).

As imagens feitas por Sebastião ao longo dos anos em que acompanhou o MST estavam
divididas em reportagens, mas faziam parte da mesma história. Ele só começou a pensar em
agrupá-las para formar um projeto maior quando foi convidado pela Companhia das Letras para
publicar um livro que comemoraria o aniversário de uma década da editora. Em uma entrevista
para o Programa do Jô12, em 1997, Salgado (informação verbal), elucida: “Eu tive a ideia de
fazer um livro sobre a terra no Brasil. Não estava seguro de que eu teria as fotos, porque
trabalhei muitos anos, mas teria que voltar à Paris, e ver com a diretora artística, Lélia Wanick.”
Foi assim que surgiu a ideia do ensaio Terra, um conjunto de fotografias produzidas no
Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, que retratam temas relacionados à reforma agrária, ao
trabalho no campo e ao êxodo rural. A partir deste ensaio foi publicado o livro Terra, em 1997,
contendo 109 imagens em preto e branco, de onde serão retiradas as fotos que irão compor o
corpus de análise deste trabalho. A obra foi lançada em oito países (Brasil, Portugal, Espanha,
França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha), e ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura,
em 1998, na categoria reportagem.
Figura 21 – Capa do livro Terra de Sebastião Salgado.

Fonte:< http://www.verdestrigos.org/>

12
Programa de entrevistas exibido pela rede Globo.
67

Lélia colocou as imagens do livro em uma ordem cronológica e separou em cinco partes:
Gente da Terra; Trabalhadores da Terra; A Força da Vida; Migrações para as Cidades; Luta
pela Terra. Além das deslumbrantes fotografias de Salgado, a publicação também contém
textos-legendas, onde o autor apresenta dados históricos, sociais e econômicos que ampliam o
entendimento do leitor e exaltam a sua denúncia social. Segundo Salgado e Francq (2014, p.
58):

Lélia organizou então um livro, com texto de José Saramago, poemas e


canções de Chico Buarque e minhas imagens. Terra foi lançado em 1997, um
verdadeiro manifesto escrito a quatro mãos para o MST. Lélia também
realizou a mais original das exposições, no formato de 2 mil kits de cinquenta
pôsteres fáceis de instalar. O objetivo era coletar fundos, mas também divulgar
a história desses combatentes da terra.

Como explicou o fotógrafo, além das fotografias de Salgado, o livro ainda conta com a
colaboração de duas grandes personalidades: o escritor português José Saramago, que escreveu
o prefácio, e o cantor / compositor Chico Buarque, apresentando quatro letras de canções e um
disco com essas músicas, que foi vendido junto com livro. É importante ressaltar que o
Movimento dos Sem-Terra (MST), ganhou os direitos de todos os produtos: livros, CDs, kits e
pôsteres. Durante a já citada entrevista para o Programa do Jô, em 1997, Salgado, Chico e
Saramago falaram sobre parceria no livro, e deram sua opinião sobre a temática que foi
retratada. Salgado (informação verbal)13, afirmou:

O movimento dos sem-terra, para mim, é quase a última válvula de retenção


de populações no campo. Porque é um fenômeno que está existindo no mundo
hoje. E no Brasil o movimento dos sem-terra é muito original. Porque é muito
difícil conseguir aglutinar o pessoal do campo, principalmente em um país
grande como o Brasil. Onde a população é completamente disseminada. Você
conseguir uma organização que chega a coordenar uma grande parte desses
trabalhadores do campo, e lutar com eles na perspectiva de ficar no campo, de
ter a terra. Então, é um fenômeno do movimento sem-terra no Brasil. Essa
organização deles é uma característica daqui, e eu vim fazer essa história.
Porque essa história para mim era importantíssima no meu trabalho. Então eu
trabalhei com os sem-terra, trabalhei em São Paulo, e trabalhando em São
Paulo eu vi que o sem-teto em São Paulo, a criança de rua em São Paulo, é
exatamente a continuação dos sem-terra. É o sem-terra que não tentou ficar na
terra, que não lutou pela terra. Que chegou a cidade, e a cidade não assimilou.
Então, eu vi que eram parte da mesma história.

Como explicou o brasileiro, migrar para as cidades grandes não é uma solução. Por isso,
mesmo vivendo em péssimas condições nos acampamentos em beira de estrada, que Sebastião

13
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
68

afirma serem piores que os campos de refugiados na África, os sem-terra que continuam no
campo não perdem a esperança de ter a sua terra e preservar a dignidade da sua família. Salgado
ainda acrescenta (informação verbal)14:

É incrível o que eu leio na impressa brasileiro! Leio comentários na impressa


brasileira dizendo que fazer um tipo de reforma agrária onde os sem-terra vão
ter um pouco de terra, é fazer simplesmente uma divisão de terra, mas pessoa
vai viver na miséria. Não é verdade! A organização dos sem-terra é além de
uma organização social, uma organização econômica. Porque as cooperativas
dos sem-terra são quase que uma identificação econômica de produtos que são
rentáveis na agricultura.

Depois de muita convivência com MST, Salgado tem convicção do quão promissor e
justo é o movimento. Na mesma entrevista, Saramago fala sobre o convite para participar do
livro (informação verbal)15:

E então, apresentaram-se lá, mostraram umas fotos. Eu perguntei: “O que


vocês querem?” Ele disse: “Quero que você escreva umas palavras para juntar
às fotos que vou publicar”. Eu acho que essas fotos não precisam, para nada,
de nenhuma palavra. Ou melhor, eu creio que essas fotos só precisam de uma
palavra. No momento em que nós as olhemos, perguntemos: “Por que?” Não
é olhar para esse menino e dizer: “Que horror!” A única palavra necessária é
dizermos por que? E começar a encontrar não uma resposta, porque não há
uma, há várias respostas. Por que que se pode chegar a esse extremo? É
importante que o Brasil se dê conta, reconheça, e depois atue em
conformidade.

Em seguida, Chico Buarque conta que foi convidado de uma forma semelhante e sugeriu
que fosse gravado um disquinho para acompanhar o livro. Além de dar detalhes sobre o convite,
José Saramago também declara sua indignação quanto aos problemas sociais no Brasil, e conta
o que lhe inspirou a escrever o prefácio. Diz o escritor (informação verbal)16:

É porque as pessoas não querem saber, não querem ver, não querem entender.
Eu vou fazer uma declaração um pouco forte, que vai chocar alguns ouvintes
puritanos deste país, e de outros que se estivesse aqui. Que é o seguinte: não
é a pornografia que é obscena, é a fome que é obscena. E enquanto nós não
compreendermos isto, que não há o direito, não há uma razão para que um
único ser humano morra de fome. Então, todo o discurso sobre a moralidade
pública é um discurso hipócrita. Não se pode em um mundo que tem condições
para alimentar toda a gente, porque há condições para alimentar toda a gente.
Como é que não endentemos que este mundo está realmente mal. Como é que
não entendemos que um país como este, que é um continente, seja possível

14
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
15
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
16
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
69

que 5 milhões de famílias, não são 5 milhões de pessoas, são cinco milhões de
famílias, o que significa 25 milhões de pessoas, precisem de terra para viver e
não a tem. Está tudo errado! O pior de tudo não é quando não sabemos as
coisas, o pior de tudo é quando sabemos e não agimos. Isso é que é pior!
Porque o Sebastião Salgado fez esse livro, que é um documento esmagador, o
chico fez as suas canções que são extraordinárias, eu acrescentei umas
palavras, que valem o que valem, ponto.

Este texto que está como introdução do livro do Salgado provavelmente teria
sido outro, se não houvesse aí uma fotografia que tem um padre em cima de
uma cadeira, falando para um círculo de fieis ajoelhados. Então essa imagem
de um poder mais alto, no caso um poder divino, inspirou essa ideia de um
Deus supostamente criador, e defensor da vida, que depois de nos ter criado,
feito aqui, nos vira as costas e é rigorosamente indiferente. Não é Deus que lá
está, mas é que Deus continua a ocupar o nosso imaginário.

Figura 22 – Imagem que inspirou José Saramago a fazer o prefácio do livro Terra.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 22).

Mesmo não sendo necessário acrescentar palavras para que as fotos de Salgado
impressionem e cumpram o seu papel de crítica social, o texto de Saramago e as músicas de
Chico foram extremamente enriquecedoras para a obra. Como sempre, Lélia e Sebastião
conseguiram elaborar um trabalho incrível. Como disse Sousa (2004, p. 191), as fotos de
Salgado nos deixam entra a serenidade e o desassossego, questionando a realidade. E pensando
70

na única palavra necessária, segundo Saramago, “por que?” De acordo com o fotógrafo,
Salgado e Francq (2014, p. 58), seguir os sem-terra foi a sua maneira de participar do
movimento. Ele não é apenas um fotógrafo engajado, é também um brasileiro que entende a
gravidade dos problemas sociais do seu país, se sensibiliza e luta por melhorias.

3.3 A fotografia humanista em Sebastião Salgado

3.3.1 Os primeiros donos das terras

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Está localizada logo após o prefácio, nas páginas 14 e 15, sendo a
ID segunda fotografia do livro e a primeira do capítulo, “Gente da Terra”.
Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Imagem cristalizada no estado de Roraima, extremo norte do
Brasil, no ano de 1986. Retrata uma índia deitada em uma rede, com uma
71

criança deitado em sua barriga. Ela possui um semblante sereno, e está


olhando diretamente para o fotógrafo. Em seu rosto tem pinturas
irregulares, e veste apenas uma amarração abaixo da barriga, cobrindo
os órgãos genitais.
A índia está deitada de barriga para cima, o braço direito está
sobre o peito e o esquerdo segura a criança, as pernas estão esticadas e
cruzadas. A criança aparenta ter entre um e dois anos, está deitada de
bruços com o rosto virado de lado, na direção do fotógrafo. Seu olhar
não está tão direcionado como o da índia que o segura, mas também
passa a sensação de que está olhando na direção da câmera. Estão
abrigados/as em um local escuro, na sombra, com alguns buracos por
onde passam frechas de luz.
O enquadramento da imagem é horizontal, com um recorte bem
próximo aos limites do corpo da índia. A angulação é feita em plongée
(palavra francesa que significa mergulho), com o fotógrafo posicionado
ICON um pouco mais alto que a altura da rede, aparentando estar ajoelhado em
(REPRODUÇÃO frente à índia. A composição é simples, e deixa as figuras humanas
IMPRESSA) totalmente em evidência, com apenas algumas palhas e um balaio em
segundo plano. E uma escuridão que envolve toda a fotografia. A
iluminação é lateral e muito marcada na parte superior do corpo das
pessoas, dividindo a índia ao meio, e marcando as costas e a cabeça da
criança. A parte inferior está mais iluminada e sem muitas sombras
pesadas.
O fundo escuro e a forte marcação das sombras trazem certa
dramaticidade a imagem e realçam os contornos das pessoas. A
granulação da imagem também é bem forte, totalmente perceptível nos
espaços escuros de sombra. Esta granulação evidente pode dar uma
sensação de veracidade, e é uma característica do estilo de Salgado. Mas
acredito que nesta foto a granulação também pode ser atribuída às
limitações dos equipamentos nos anos 1980, somadas à pouca presença
de luz no local.
72

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Não é à toa que as três únicas fotos de índios estão no começo do livro, a intenção de
Lélia Wanick, que organizou a cronologia das imagens, foi a de retratar as primeiras pessoas
que povoaram as terras no Brasil – os indígenas. De acordo com a legenda escrita por Salgado
(1997, p. 138), esta imagem foi tirada na aldeia Yanomâni, na fronteira entre o Brasil e a
Venezuela, onde até a metade dos anos 1980, os índios tinham uma vida normal, semelhante
à vida dos seus antepassados. Eram semissedentários, permaneciam no mesmo lugar até
quando lhes fosse conveniente. “Quando o peixe e a caça se tornavam escassos e a fertilidade
do solo diminuía, os quase nômades partiam em busca de novas searas, para cumprir sua sina
de liberdade junto à natureza, naquelas terras sem cercas nem fronteiras”. (SALGADO, 1997,
p. 138).
Mesmo retratando uma cena cotidiana, que transmite serenidade e aparenta uma mãe
descansando com seu filho(a), tendo conhecimento da carreira de fotodocumentarista de
crítica social do autor, e observando a foto dentro do contexto que forma o livro, concluímos
que a imagem significa muito mais do que o que está explícito. Trata-se da morte e do
aprisionamento dos primeiros moradores dessa terra. De acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que no século XVI dois milhões de índios
povoavam o Brasil. O despovoamento foi tamanho que em 1998 a população indígena caiu
para 302.888 mil, incluindo todos os que moram em terras indígenas. Isso mesmo, os antigos
donos das terras não têm mais a liberdade de antes, suas moradias estão restritas às reservas
indígenas criadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que delimita esse território
com a intenção de “preservar o habitat e garantir a sobrevivência físico-cultural dos grupos
indígenas”. Segundo o IBGE, essas terras reservadas para os índios, atualmente, ocupam
aproximadamente 11,6% do território brasileiro.
Nosso país tem um território tão extenso que mesmo ocupando apenas 11,6% deste
espaço, as terras indígenas do Brasil ainda são maiores que alguns países. De acordo com o
IBGE: “O Brasil tem uma extensão territorial de cerca de 851 milhões de ha, ou, mais
especificamente, 8.547.403,5 km². As terras indígenas do Brasil ocupam uma área de 991.498
km² de extensão, maior do que o território da França e da Inglaterra juntos”. Além das
limitações espaciais, os índios ainda têm que lidar com os invasores. A maioria das terras
consideradas indígenas são atingidas por alguma forma de invasão. Ainda segundo o IBGE,
“Essas invasões estão relacionadas à atividade agropecuária, à exploração mineral, à extração
madeireira e à construção de rodovias e hidrelétricas”. Por comprometerem a qualidade de
73

vida nas tribos e a preservação ambiental da região, essas invasões podem afastar ou
exterminar os índios. Foi o que aconteceu com os Yanomâni. Salgado (1997, p. 138) relata
que a invasão foi fruto de um projeto de colonização de terras virgens. Em tempos de ditadura
militar e economia centralizada, grandes áreas de florestas virgens do Norte e Nordeste foram
devastadas, isolando e sedentarizando populações indígenas.
74
75

3.3.2 A exploração dos Trabalhadores Rurais

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Fotografia publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Faz parte do primeiro capítulo, “Gente da Terra”, e está localizada na
ID
página 37. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo
“Convite à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem
está intacta, e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi criada em 1983, no estado do Ceará. Produzida
em um plano fechado, a fotografia retrata um senhor apenas do peitoral
para cima. Os elementos mais impactantes são as suas mãos postas na
ICON cabeça e a sua expressão apreensiva. Somados, os gestos fazem com que
(REPRODUÇÃO os aspectos expressivos alcancem toda a imagem, demonstrando
IMPRESSA) preocupação e total indiferença com o fato de estar sendo fotografado, e
deixando no receptor a curiosidade em saber o que estaria afligindo este
senhor. As rugas profundas e o olhar distante, porém, alertam e reforçam
esse sentimento de temor.
76

Além das rugas, os cabelos, a barba e os pelos dos braços estão


todos brancos, confirmando a sua idade avançada. Sua pele do rosto é
mais escura que a dos braços, provavelmente por ter sido mais exposta
diretamente ao sol. Suas mãos são calejadas. Ele veste uma camisa de
botões e mangas compridas, aparentemente aberta, e um colar de contas,
com uma simetria na variação de tonalidades que lembra um terço.
A imagem parece ter sido tirada de uma angulação normal e
frontal. Tanto a iluminação, como o seu posicionamento, dá pistas de que
o homem estava sentado na beirada de um lugar coberto, entre a sombra
e a luz, como uma porta ou janela. A luz vem em diagonal, de cima para
baixo e de frente, como a luz natural do sol perto do meio dia. O segundo
plano está totalmente escuro, o que confirma a dedução de que ele estava
sentado em uma porta, e reforça a dramaticidade da cena. Os contornos
da figura humana estão bem destacados, como em um estúdio.

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Esta fotografia foi tirada na época em que Sebastião chegou ao Brasil, amparado pela
Lei da Anistia. Depois de morarem mais de dez anos fora do país, Salgado e Lélia se
surpreenderam com as mudanças. A cidade de Vitória estava muito diferente, os pais de
Sebastião envelheceram e as terras onde ele cresceu estavam devastadas. Foi quando o
fotógrafo sentiu a necessidade de conhecer melhor o seu país, e começou pelo Nordeste. Ele
sonhava conhecer a região, então tomou o carro da irmã emprestado e viajou por seis meses.
No documentário O Sal da Terra (2014), Salgado (informação verbal)17, lembra que
nessa viagem se deparou com muita pobreza, sofrimento e terras extremamente áridas. O
brasileiro ressalta que, apesar das condições em que vivem, e da fragilidade causada pela
falta de alimentos, as pessoas demonstravam muita força moral e física. Sebastião conseguiu
transmitir muito bem as suas impressões, a expressividade deste homem demonstra um misto
de força e fragilidade, que tira o receptor da sua zona de conforto, como diria Sousa (2004),
deixando-o entre a serenidade e o desassossego.
Após a leitura da legenda da imagem, escrita pelo próprio fotógrafo, tomamos
conhecimento de que a angústia demonstrada por este senhor não diz respeito apenas à seca

17
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
77

e à pobreza que assolam a região, mas também fala muito sobre a exploração dos
trabalhadores rurais. Esta imagem representa os trabalhadores do sertão nordestino que
vivem como servos de proprietários rurais, que em muitos casos, eles nem conhecem
pessoalmente. “Nem sempre detentores de um contrato de trabalho, que, quando existe,
também não os poupa da exploração, os lavradores são vitimados por uma contabilidade
sempre favorável aos donos da terra” (SALGADO, 1997, p. 138). Com uma remuneração
miserável, essas pessoas vivem em uma péssima situação, que em tempos de seca é ainda
pior.
Esta imagem é uma crítica social que não se esgota na representação da seca, pobreza
e exploração do trabalho rural, ela também trata de uma consequência desse quadro, a
migração para as cidades. O que parece uma solução para os que decidem partir, na verdade
é a continuidade de um problema, que, na maioria dos casos, vai gerar a desestruturação da
família, o desenraizamento dos sertanejos, e a criminalização dos antigos trabalhadores rurais
e seus filhos, dentre outros. Segundo Salgado (1997, p. 138), “Os proprietários das terras,
latifúndios em geral, ainda vivem parasitariamente em virtude da lógica trágica das capitanias
hereditárias, estabelecida pelos portugueses nos primórdios da colonização”. Ou seja, está
fixada na mentalidade das classes privilegiadas do Nordeste a associação da terra ao poder.
E foi nessa região, no Nordeste dos senhores de terras e dos trabalhadores explorados, que
nasceu o movimento dos sem-terra no Brasil.
78
79

3.3.3 O Sonho do Ouro

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras. Está
localizada no capítulo “Trabalhadores da Terra”, ocupando as páginas 48
ID
e 49. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite
à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
A fotografia foi realizada na mina de ouro de Serra Pelada, no
estado do Pará, em 1986. A imagem congela um momento de conflito
entre um policial militar e um garimpeiro, e desperta no receptor a
ICON inquietação de querer saber o que causou aquele atrito. O trabalhador
(REPRODUÇÃO segura com uma mão a arma do policial, a outra mão está posta em cima
IMPRESSA) do peito, as pernas estão abertas e flexionadas, tentando manter-se
equilibrado no terreno extremamente íngreme. Ele é jovem, negro,
estatura mediana, tem os músculos muito definidos, e veste apenas um
short curto, uma camisa rasgada presa a um dos ombros e um tênis. Seu
80

corpo está quase que totalmente virado para o lado do fotógrafo, mas o
rosto está virado em direção ao oponente.
A expressão do rosto do garimpeiro reforça toda a tensão da
imagem, os olhos apertados demonstram raiva e o movimento da boca é
congelado no instante em que ele falava. A maior parte da pressão
transmitida na fotografia vem do seu corpo, dos músculos tensionados,
da expressão de defesa por ter uma arma apontada para si e ainda ter que
se equilibrar no terreno. O policial também tem uma expressão de raiva,
mantém seu corpo totalmente virado para o oponente, com a arma
apontada na altura da barriga, aparentando que já foi abaixada devido à
força imposta pela mão do trabalhador.
O seu posicionamento é mais leve, com as pernas menos abertas,
uma esticada e a outra flexionada. É jovem, branco, de estatura média e
veste a farda. Como a imagem foi feita em um plano médio, dezenas de
outros trabalhadores aparecem como coadjuvantes na imagem, cercando
o conflito e passando a sensação de que o policial, mesmo armado, seria
encurralado. São distintas as reações dessas pessoas: um aparenta cair,
outro observa com os braços cruzados e expressão de descontentamento,
alguns parecem fugir, outros se posicionam como se fossem entrar na
briga, um rapaz chega pelas costas do policial, mas a maioria apenas
observa.
A foto foi feita com uma angulação de baixo para cima, em
contra-plongée (contra mergulho), a composição foi muito oportuna e
chega a lembrar o, já citado, instante decisivo de Cartier-Bresson. É
realmente uma imagem fruto da oportunidade de poder presenciar a cena,
estar no lugar e hora certos. A iluminação é suave, tem poucos contrastes
e realces, mostrando menos variações de tons de cinza que as imagens
anteriormente analisadas. O céu está cinzento em uma parte, uma nuvem
carregada de chuva talvez seja a explicação para a luz suave, e por
consequência, para esta suavidade de tons.

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
81

Infectados pela febre do ouro, sonhando com uma vida de posses, ou tentando fugir
da difícil vida no campo, milhares de homens foram arriscar a sorte nas minas de ouro de
Serra Pelada. A maioria era originária do Norte e Nordeste do país. De acordo com a legenda
de Salgado (1997, p. 139): “Ninguém, pois, foi levado à força, mas uma vez lá, todos se
tornaram escravos da possibilidade de fazer fortuna e da necessidade de suportar condições
inumanas de vida”. A ambição tomava conta de todos, e ninguém conseguia desistir do
sonho. Enfrentavam uma rotina de decidas extremamente íngremes, que só conseguiam ser
realizadas correndo, se tentassem parar, caiam. E subidas por escadas enormes, também
muito perigosas e cansativas. Uma aventura que era repetida dezenas de vezes por dia. Por
isso podemos notar que todos os garimpeiros da imagem são magros e têm a musculatura
definida.
Logo no começo do documentário O Sal da Terra (2004), Salgado (informação
verbal)18 relembra os dias que passou na mina de Serra Pelada: “Quando cheguei a borda
desse imenso buraco, todos os pelos do meu corpo se eriçaram. Nunca havia visto nada
parecido. Em fração de segundo, vi passar diante de mim a história da humanidade”. Salgado
lembrou das grandes construções ao longo da história, e ficou impressionando com aquela
multidão de pessoas que mais parecia um formigueiro. Ele relata: “Não havia nenhum ruído
de máquina ali dentro. O que se ouvia, apenas, era o murmúrio de 50 mil pessoas dentro de
um enorme buraco. [...] Quase conseguia escutar o murmúrio do ouro nessas almas”
(informação verbal)19.
Apesar da grande quantidade de pessoas e da competição pelo ouro, a mina
funcionava de uma forma extremamente organizada. Enquanto apresenta esta imagem que
estamos analisando, Sebastião (informação verbal)20 relata que tem a impressão de que os
trabalhadores são escravos, mas que a única escravidão presente lá, era a sede de enriquecer.
Ele explica que na mina trabalhavam pessoas de todos os tipos e graus de escolaridade,
“Todos arriscando a sorte. Porque quando se descobria um filão de ouro, todos que
participavam daquele retalho da mina tinham direito a escolher um saco. E naquele saco

18
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
19
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
20
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
82

estava a escravidão de fato. O saco podia conter nada, ou conter um quilo de ouro”
(informação verbal)21. O fotógrafo acredita que não era possível curar-se da febre do ouro,
quem entrava naquela mina era tomado pela ambição.
O conflito cristalizado nesta imagem retrata um dos momentos de ápice de um atrito
que existia permanentemente na mina. De acordo com Salgado (1997), a relação entre a
polícia militar, que fiscalizava Serra Pelada, e os garimpeiros, era tumultuada porque os
soldados recebiam menos que os trabalhadores, mas não aceitavam serem vistos como
inferiores. Os soldados sempre estavam em menor número diante daquela multidão de
trabalhadores, mas se aproveitavam do porte de armas nos momentos de conflito, atirando
contra os garimpeiros, e recebendo em troca uma chuva de pedras.

21
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
83
84

3.3.4 A Seca

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Fotografia publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
Está inserida no capítulo “Trabalhadores da Terra”, ocupando a página
ID
58. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta fotografia foi cristalizada no estado do Ceará, em 1983. Feita
ICON em um plano aberto, a imagem dá ênfase ao ambiente e deixa as figuras
(REPRODUÇÃO humanas em segundo plano, ocupando uma parte mínima da imagem.
IMPRESSA) Enquadrada verticalmente, a imagem segue a regra dos três terços, onde
85

dois terços são ocupados pelo chão rachado e uma cerca feita de galhos,
e um terço retrata um outro tipo de terreno, uma subida, de cor diferente,
com uma fileira de pessoas no topo e o céu ao fundo. O chão rachado,
que está em primeiro plano, é uma das representações mais famosas da
seca no Nordeste do Brasil, e nos dá uma pista de para onde estariam
indo aquelas pessoas.
São cerca de trinta pessoas, caminhando em fila, e ocupando
quase toda a extensão horizontal da imagem. À primeira vista,
associamos a caminhada ao chão rachado, e o que vem à cabeça é uma
fuga, aquelas pessoas estariam migrando para alguma cidade próxima.
Mas se observamos com mais atenção, iremos notar, através das roupas,
que essas pessoas parecem ser todos homens, e não famílias, e eles não
carregam nenhuma bagagem, apenas ferramentas. O que nos faz mudar
de ideia, começamos a pensar que eles estariam indo ou voltando de
algum trabalho.
Esta foto tem uma composição surpreendente e encantadora,
quando batemos o olho não conseguimos assimilar todas as informações
explícitas na imagem, é preciso passear com o olhar para ir entendendo
e somando os ícones. Provavelmente, as últimas figuras a serem
observadas são as pessoas no topo da fotografia. Mesmo estando em
segundo plano, as figuras humanas não deixando de compor a
significação da imagem, como é uma característica do trabalho
humanista de Salgado.
Ainda sobre a composição, percebemos que a imagem é cortada
por três linhas diagonais, que podem direcionar o olhar do receptor
durante o passeio pela fotografia, fazendo um zigue-zague. A primeira
linha é formada pela cerca, que corta a imagem ao meio, cruzando o
primeiro plano. A segunda linha é o pé da ladeira, e a terceira é topo, por
onde as pessoas caminham. Salgado usou uma angulação de baixo para
cima. A luz é suave e uniforme em toda a imagem. As áreas de mais
contraste estão nas brechas do chão, entre os galhos da cerca, e na
diferença entre a silhueta das pessoas e o céu.
86

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Na legenda, Salgado (1997, p. 139), responde o questionamento que fizemos ao
observar a imagem. Para onde essas pessoas estão indo? Segundo o fotógrafo, esses homens
trabalhavam na construção de um açude, que objetivava reter as águas das chuvas. Eram
pobres e o pagamento por este trabalho era apenas o básico para a alimentação. Mais um
retrato da exploração de trabalhadores rurais, agora usados na construção civil. O sertão do
Ceará passou por um forte período de seca nos anos de 1982 e 1983.
De acordo com Antunes (2014), entre os anos de 1879 e 1983, o Nordeste do Brasil
passou por uma das maiores secas do século XX. O então presidente, João Figueiredo, até
afirmou em um discurso que a única alternativa seria rezar para que chovesse. “A estiagem
deixou um rastro de miséria e fome: lavouras perdidas, animais mortos, saques à feiras e
armazéns por uma população faminta e desesperada”. A catástrofe climática agravou os
problemas sociais da região, trazendo muita pobreza e fome, e causando a morte de 3,5
milhões de pessoas.
Segundo Cardoso (2008): “A partir de 1984 começou a amenizar os efeitos da terrível
estiagem, chovendo vagarosamente, para no ano seguinte repetir-se o mesmo drama ocorrido
em épocas pretéritas, quando do final das secas”. Ainda de acordo com o autor, no ano
seguinte, 1985, o inverno foi tão rigoroso, que as cidades que antes penavam com a seca,
passaram a temer as inundações que vinham com o aumento do nível dos rios. Uma ironia
terrível para os sertanejos que já haviam sofrido tanto com a seca.
87
88

3.3.5 As coisas da Morte e da Vida

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, de autoria do fotógrafo
Sebastião Salgado, no ano de 1997, pela editora Companhia das Letras.
É a primeira fotografia do capítulo “A Força da Vida”, e ocupa a página
ID
60. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à
Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta,
e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi produzida em 1983, no estado do Piauí. A
fotografia mostra um estabelecimento comercial, como um mercado
onde se vendia quase tudo. Nele estão presentes quatro pessoas, um
ICON
senhor escorado no balcão de verduras, atrás dele tem apenas o ombro e
(REPRODUÇÃO
um braço de uma pessoa, e mais duas meninas ao lado da porta. O que
IMPRESSA)
torna essa imagem surpreendente é o fato de, dentre os diversos produtos
expostos no mercado, estarem caixões. Na prateleira ao lado dos sapatos
e acima das frutas, estão três caixões pendurados na vertical. Essa
89

mistura dos caixões aos produtos parece exótica para a maioria das
pessoas, mas para aquela população seria algo natural.
O senhor usa um chapéu e uma camisa estampada de botões, que
parece estar presa por apenas um botão, mostrando o colo e a barriga.
Ele é careca, pardo, e aparenta ter uns sessenta anos. Está de perfil em
relação ao fotógrafo e com a cabeça baixa. As meninas aparentam ter
entre dez e treze anos, uma é negra e a outra é parda, e também são
indiferentes ao fato de estarem sendo fotografadas. Estão chupando
picolé em frente à porta e cada uma olha para uma direção, mas nenhuma
para a câmera. Elas usam vestidos, um estampando e o outro liso com
listras.
O mercado é bem simples e rústico. Os caixões parecem ter sido
feitos de um material também muito simples e leve, tendo como
acabamento apenas alguns enfeites metálicos nas bordas e uma cruz no
meio da tampa. A imagem foi feita em um plano médio, enquadrando
desde o topo dos caixões até os joelhos das meninas, na outra
extremidade da foto. Salgado fotografou o lugar usando apenas a luz
natural que entre pela porta, agregando beleza e suavidade a imagem, e
reforçando a naturalidade da cena.
A luz chega de frente ao rosto do senhor, iluminando por
completo e deixando poucas sombras. As meninas são iluminadas
lateralmente e com mais intensidade. A menor, por estar mais próxima à
entrada, recebe uma alta exposição, e está com a cabeça virada olhando
em direção à luz. Esta superexposição e a luz batendo em seu vestido
trouxe um ar angelical à menina. A imagem foi criada em um ângulo
normal, e possui bastantes contrastes e realces.

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Assim como a foto analisada anteriormente, esta também foi produzida em 1983 e
também trata da pobreza, da seca, e do, até então, alto índice de mortalidade no Nordeste
brasileiro. Em sua legenda, Salgado (1997, p. 139) explica que para aquelas pessoas que já
sofriam com a alimentação restrita e as diferentes doenças, as épocas de estiagem podem ser
fatais, aumentando cruelmente a mortalidade em geral, e principalmente a infantil. Esse
90

crescimento no número de mortes traz uma naturalização do comércio de produtos, como os


caixões presentes na imagem.
Ainda segundo Salgado (1997, p. 139), por consequência desse aumento de mortes,
“o comércio das coisas da morte, tão cercado de tabu normalmente, se populariza e se mistura
com o comércio das coisas da vida”. A verdade é que o ser humano tem a capacidade de se
acostumar até com situações muito ruins, de pobreza, de guerra, de morte etc. A vivência de
uma rotina de mortes sequenciadas, a perda de vários entes queridos, toda essa repetição de
eventos tristes faz com que a pessoas percam parte de sua sensibilidade. As coisas da morte
passam a ser vistas como casuais, cotidianas, não causam mais tanto temor.
Em depoimento para o documentário O Sal da Terra (2014), Sebastião (informação
verbal)22, relata que esses caixões apresentados na foto não estavam à venda, eles eram
alugados. “Era bem mais barato alugá-los. Um mesmo caixão podia ser usado dezenas de
vezes. Aqui, dá para ver bem o serviço de aluguel de caixões”. A imagem seguinte a esta que
estamos analisando confirma o que o fotógrafo explicou. A fotografia da página 61 mostra
uma pessoa sendo enterrada sem o caixão, apenas com a vestimenta. Para aquela comunidade
era mais viável alugar, comprar seria caro.

22
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
91
92

3.3.6 O Caminho do Céu

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, em 1997, pela editora Companhia das Letras. Faz parte do
tópico “A Força da Vida”, está localizada na página 69. Quanto à sua
ID
procedência, o livro foi comprado no sebo “Convite à Leitura Web”,
através do site “Estante Virtual”. A imagem está intacta, e o livro contém
apenas um leve desgaste na capa.
Esta fotografia foi capturada no estado do Ceará, em 1983. Ela
mostra o rosto de um bebê morto, envolvido por flores, dentro de um
pequeno caixão branco. Ao lado está a mão de um adulto, com a palma
virada para cima, e um retalho engalhado em dois dedos. Provavelmente
ICON
o retalho serviria como alça para sustentar o caixão. O bebê tem um gorro
(REPRODUÇÃO
na cabeça, por cima do gorro uma coroa de cartolina com o formato de
IMPRESSA)
uma cruz no meio, e farelos brilhosos colados na superfície do papel.
Além de ser lamentável ver a imagem de uma criança sem vida,
a fotografia se torna mais chocante porque ela está de olhos abertos,
despertando uma inquietação no receptor que, à primeira vista, pode
93

achar que o bebê está vivo, mas depois de olhar a foto por inteiro percebe
que se trata de um enterro. É quando surgem os questionamentos: Por
que ninguém fechou os olhos dele? Por que não o deixaram descansar?
A imagem foi realizada em um plano fechado, o que a torna ainda
mais impactante. Olhando atentamente, é possível notar até o
ressecamento dos olhos. O ângulo foi de cima para baixo, mostrando
apenas a superfície do caixão. O enquadramento não deixa o rosto
centralizando, dando espaço para que a mão também esteja em evidência.
A luz é bem marcada no rosto e nas flores, dando um forte realce no
branco da pele e das pétalas. Há um forte contraste entre as áreas de
sombra e luz.
Por ter sido feita em um plano bem fechado, a foto passa a
impressão de que Salgado teve que se aproximar bastante do bebê para
produzir esta imagem, o que não é necessário quando se tem uma lente
teleobjetiva. Mas mesmo sabendo que essa foto pode ter sido feita a uma
certa distância, ela nos faz refletir sobre a postura invasiva do fotógrafo
nesse momento, e sobre o respeito ao sofrimento daquelas pessoas. A
imagem cumpre bem a sua função de denunciar e sensibilizar o receptor,
mas até que ponto a busca por uma boa imagem pode se sobrepor a dor
do outro?

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
A escolha desta foto para ser analisada está diretamente relacionada à história da
minha família. Minha avó materna, dona Felícia, mora no município de Borborema, no brejo
paraibano. Ela teve onze filhos, mas só cinco sobreviveram, seis morreram ainda bebês. A
cidade era muito pequena, sem assistência médica, energia e saneamento básico. Mesmo
levando as crianças doentes a pé para se consultar em outras cidades próximas, muitas vezes
não tinha como salvá-las.
Assim como outras imagens que já analisamos, esta foi tirada na primeira viagem de
Salgado pela região Nordeste, logo quando voltou ao Brasil. Em declaração para o
documentário O Sal da Terra (2014), Salgado (informação verbal)23, lembra que a

23
Depoimento retirado do documentário O Sal da Terra, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
2014.
94

mortalidade infantil era muito alta e afirma que os olhos do bebê estavam abertos porque ele
morreu antes de ser batizado. “O povo acredita que quando elas não são batizadas não têm
direito ao paraíso. Ficarão na região intermediária, chamada limbo.” As pessoas acreditavam
que se o bebê morresse de olhos fechados, é porque teria sido batizado pelo divino, caso
contrário, os olhos eram deixados abertos para que a alma pudesse encontrar o caminho do
céu.
Na legenda da foto, Salgado (1997, p. 140), explica que, segundo a crença, “com os
olhos fechados, os anjinhos errariam cegamente pelo limbo, sem nunca encontrar a morada
do senhor”. Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicado
em 1999, analisou a evolução histórica da mortalidade infantil no Brasil. De acordo com o
estudo, em 1980 o Brasil tinha uma taxa de mortalidade infantil de (82,8%o), enquanto a
Região Nordeste superava a porcentagem nacional, com (117,6%o). Nos anos seguintes a
região apresentou uma crescente queda da taxa, atingindo (93,6%o) no ano de 1985, e
chegando a (74,3%o) em 1990. Posteriormente a este estudo, o IBGE divulgou que o censo
demográfico de 2000 apontou uma taxa de mortalidade infantil de (29,6%o) em todo o Brasil
e (44,2%o) no Nordeste. O último censo demográfico, em 2010, afirma que a atual taxa de
mortalidade infantil no país é de (15,6%o) e na região Nordeste é de (18,5%o).
Com isso, notamos que da década de 1980, quando esta fotografia foi criada, até o
último censo em 2010, o Brasil teve uma queda de (67,2%o) na taxa de mortalidade infantil.
Já a região Nordeste teve um declínio de (99,1%o), um admirável avanço. Ainda de acordo
com o IBGE, essa grande diminuição da mortalidade infantil no Brasil é consequência do
aumento salarial e da criação de programa sociais que diminuíram a desigualdade social e
regional, reduzindo consequentemente a mortalidade infantil.
95
96

3.3.7 A Família Migrante

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem de autoria do fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no
livro Terra, em 1997, pela editora Companhia das Letras. É a última
fotografia do tópico “Migrações Para as Cidades”, ocupando as páginas
ID
94 e 95. Quanto à sua procedência, o livro foi comprado no sebo
“Convite à Leitura Web”, através do site “Estante Virtual”. A imagem
está intacta, e o livro contém apenas um leve desgaste na capa.
Esta imagem foi cristalizada em 1996, no Estado de São Paulo.
A fotografia retrata um pátio lotado de crianças. São cerca de trinta bebês
e três crianças maiores. A maioria está no chão coberto por lençóis,
ICON alguns estão em cestinhas quadradas, e apenas um está em uma cadeira
(REPRODUÇÃO alta de alimentação, ficando bem em evidência na foto. A maioria veste
IMPRESSA) roupas brancas ou claras.
Os bebês estão sozinhos, não há a presença de nenhum adulto na
foto. Alguns deitados, outros engatinhando, passando por cima uns dos
outros, estão em todas as posições, é como se estivem abandonados
97

naquele pátio a céu aberto. Isso é o que causa um sentimento de aflição


no receptor, bebês que precisam de tantos cuidados, tão dependentes,
estão sozinhos e em grande número. Aparentemente nenhum está
chorando, e alguns estão sorrindo. A maioria está olhando para baixo ou
para outra criança. Dentre os que estão olhando para frente,
possivelmente dois estão olhando na direção do fotógrafo, uma criança
maior ao fundo e um bebê deitado à esquerda.
As outras duas crianças que estão com os rostos voltados para o
lado da câmera, estão alinhadas, quase que no meio da imagem, mas
olham em direções opostas, um para a direita e o outro para a esquerda.
Mesmo alinhados, eles não fazem oposição somente no olhar, um está na
frente da foto e embaixo, engatinhando no chão, e o outro está atrás e em
cima, na cadeira de alimentação.
Entre o primeiro e o segundo plano existe um muro que separa os
bebês da paisagem urbana, um amontoado de prédios. A paisagem em
segundo plano dá indícios de que esses bebês podem estar em uma creche
ou orfanato de uma grande cidade. Esta é uma daquelas imagens tão
cheias de elementos diversos que, mesmo contemplando-a dezenas de
vezes, o receptor sempre acha algo novo.
Ao elaborá-la em um plano bem aberto, Salgado conseguiu
enquadrar um grande número de crianças e prédios, o que passa a
sensação demasiada e um certo espanto à primeira vista. A iluminação é
natural e aparenta que as crianças estão sob um sol forte, devido às
sombras bem marcadas. As roupas brancas realçam a luz e aparentam
superexposição. A foto apresenta uma granulação muito forte, e foi feita
em um ângulo normal.

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Essa imagem foi criada quando Salgado veio ao Brasil com o propósito de fotografar
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para compor o livro Êxodos.
Como dito anteriormente, esse ensaio tratou um tema muito pautado atualmente, o
movimento de populações, o grande número de refugiados, imigrantes, e o consequente
crescimento populacional de algumas cidades. Mas o que liga o MST ao projeto Êxodos? Em
98

entrevista para o programa do Jô, um ano depois de fazer esta fotografia, em 1997, Salgado
(informação verbal)24 explica que para ele o movimento dos sem-terra é a última válvula de
retenção de populações no campo.
Com a exploração dos trabalhadores rurais, o alto índice de mortalidade e a seca,
milhares de famílias migram para as capitais mais próximas, e depois para as metrópoles,
como São Paulo. De acordo com o fotógrafo (informação verbal)25, enquanto realizava o
projeto Êxodos, ele esteve com o MST e depois foi para São Paulo, tratar da cidade como
alvo de muitos imigrantes. A partir desta experiência ele pode perceber que o sem-teto de
São Paulo, a criança de rua da cidade, é justamente o sem-terra que migrou e desistiu de viver
no campo. “É o sem-terra que não tentou ficar na terra, que não lutou pela terra. Que chegou
à cidade e a cidade não assimilou. Então, eu vi que eram parte da mesma história.”
Foi assim que surgiu o livro Terra, que conta a história da luta pela terra no Brasil,
retratando tanto os que ainda lutam, como os que já desistiram. Mesmo tendo convivido com
os sem-terra que vivem em péssimas condições nos assentamentos de beira de estranha,
Salgado (informação verbal)26 acredita que fazer parte desse movimento de retenção é melhor
do que migrar para as cidades. “A esperança é conseguir um pedaço de terra para defender a
dignidade da família. Porque eles têm consciência de que chegando na cidade a primeira
coisa que desaparece é a célula base, a família. Então eles preferem ficar.”
É dessa desintegração familiar que esta imagem trata. De acordo com a legenda do
fotógrafo, Salgado (1997, p. 141), a foto foi tirada na Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor (FEBEM), em São Paulo. A fundação abrigava 428 crianças em um departamento
especializado em atender menores carentes com idade tenra. “Aí vivem 428 crianças, 35%
das quais foram abandonadas ainda bem pequenas nas ruas, não se sabendo, portanto, quem
são seus pais.” Um quadro que confirma a teoria de que o êxodo leva à desintegração familiar
e, consequentemente, a muitos outros problemas sociais, como o abandono de crianças e o
aumento da criminalidade.
Estando cientes do contexto em que foi criada esta imagem, conseguimos entender
porque as crianças foram fotografas sozinhas, sem nenhum adulto. Salgado queria transmitir
a mensagem do abandono, e a causa estava logo atrás, em segundo plano, na paisagem urbana

24
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
25
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
26
Depoimento retirado de entrevista ao programa do Jô, exibido pela rede Globo em 1997.
99

de uma cidade que, mesmo em constante crescimento, não consegue integrar todos que
precisam.
100
101

3.3.8 A luta de todos

ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem publicada no livro Terra, em 1997, de autoria do
fotógrafo Sebastião Salgado, pela editora Companhia das Letras. É a
última fotografia do livro, finalizando o tópico “A Luta Pela Terra”, e
ID ocupando as páginas 136 e 137. Quanto à sua procedência, o livro foi
comprado no sebo “Convite à Leitura Web”, através do site “Estante
Virtual”. A imagem está intacta, e o livro contém apenas um leve
desgaste na capa.
A imagem foi produzida em 1996, no Estado do Paraná. Esta
fotografia cristalizou um momento simbólico e carregado de
ICON
significados. É o congelamento do instante seguinte à abertura da
(REPRODUÇÃO
porteira de um latifúndio, quando um homem atravessa a entrada da
IMPRESSA)
fazenda, liderando uma marcha de milhares de sem-terra. Ele olha para
o chão e ergue uma foice, uma expressão de força e intimidação, que é
um dos símbolos mais populares da luta dos trabalhadores rurais.
102

Depois do primeiro manifestante, vem um segundo homem que


está terminando de abrir a porteira, e um terceiro que pulou a cerca ao
lado da entrada. Em seguida está uma densa quantidade de pessoas, que
ainda não cruzou a porteira, ocupando toda a estrada. Eles levantam
bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST),
foices e outros instrumentos de trabalho no campo. A estrada faz uma
curva e as pessoas estão por todo o caminho, até onde a fotografia
alcança, mas ao logo da estrada a multidão vai se dispersando. Eles
parecem trazer bagagens que ficam espalhadas pelo chão.
Para conseguir um melhor ângulo de visão, enquadrando toda a
marcha e mostrando a grande quantidade de pessoas que seguem a curva
da estrada, Salgado se posicionou à frente do primeiro manifestante a
atravessar a porteira. Ou seja, ele foi a primeiro a entrar no latifúndio. De
acordo com Martins (2008), se seguirmos o raciocínio de que esta
imagem não foi montada, concluímos que o fotógrafo rompeu o instante
decisivo daquele episódio histórico, para dar prioridade ao instante
decisivo da fotografia.
As porteiras e as cercas são normalmente uma proteção figurada.
Pela corrente fina que ficou pendurada na porteira depois da abertura,
podemos notar a fragilidade daquela entrada diante de uma multidão de
pessoas. A verdade é que a porteira é só um símbolo da resistência que
os manifestantes vão encontrar do lado de dentro. Esta imagem não
mostrar nenhuma defesa por parte do proprietário, mas sabemos que
geralmente existe uma resistência agressiva. Eles podem até conseguir
passar, mas talvez não consigam permanecer assentados, ou tomar posse
das terras.
A imagem foi produzida em um ângulo normal, com um plano
aberto. A iluminação é suave e possui uma granulação média, se
comparada a foto analisada anteriormente. Possui muitas áreas escuras e
poucas áreas de contraste. A nitidez é prejudicada por uma névoa na
parcela mais distante da estrada. Segundo Martins (2008, p. 152), à
medida que os manifestantes caminham em direção à entrada do
103

latifúndio vão tendo visibilidade. Ou seja, adquirem cor e notoriedade,


seguindo o mesmo caminho do contexto social.

INTERPRETAÇÃO ICONOLÓGICA
Ao longo do livro Terra nós somos apresentados às diferentes vertentes que compõe
a história da luta pela terra no Brasil. Não foi à toa que a organizadora do livro, Lélia Wanick,
colocou esta imagem como a última. Depois que percorremos a obra e nos apropriarmos do
contexto social das imagens, percebemos que foi uma atitude otimista finalizar o livro assim,
com uma imagem que retrata o rompimento dos limites de uma propriedade, celebrando uma
vitória dos sem-terra. Segundo Martins (2008, p. 157): “ Essa foto é a única, das que conheço,
que são as publicadas ou expostas, que proclama o triunfo da vítima. [...] Essa foto é uma
proclamação política”.
É a afirmação de que pode existir um final feliz para essas famílias tão injustiçadas
socialmente. De acordo com Martins (2008, p. 153), esses manifestantes “não estão abrindo
a porteira apenas para entrar: estão abrindo a porteira também para sair. [...] E sair para dentro
da sociedade de que se sentem excluídos. Querem nela entrar, ao mesmo tempo”. O que
alguns receptores podem ver como apenas uma invasão, uma entrada, também pode ser
interpretado como uma saída rumo à uma vida mais digna.
Em sua legenda, Salgado (1997, p. 143) afirma que essa marcha era formada por mais
de doze mil pessoas. “O exército de camponeses avançava em silêncio quase completo.
Escutava-se apenas o arfar regular de peitos acostumados a grandes esforços e o ruído surdo
dos pés que tocavam o asfalto.” A propriedade invadida era a fazenda Giacometi, um
latifúndio com 83 mil hectares. Salgado (1997, p. 143), explica que esses latifúndios são
explorados apenas com o objetivo de garantir a manutenção da fortuna de seus donos.
“Corretamente utilizados, os 83 mil hectares da Fazenda Giacometi poderiam proporcionar
uma vida digna aos 12 mil seres que marchavam naquele momento em sua direção.”
Temendo eventuais confrontos com funcionários fazenda, os manifestantes colocam
as mulheres e crianças posicionadas no fim da marcha. Sobre o encontro dos sem-terra com
a entrada no latifúndio, Salgado relembra, “[...] o rio de camponeses que correu pelo asfalto
noite adentro, ao desembocar defronte da porteira da fazenda, para e se espalha como águas
de uma barragem” (1997, p. 143). Sem sofrer resistência por parte do proprietário da fazenda,
os manifestantes entram gritando e levantando as bandeiras e foices. “[...] o grito reprimido
do povo sem-terra ecoa uníssono na claridade do novo dia: ‘REFORMA AGRÁRIA, UMA
104

LUTA DE TODOS!’” (SALGADO, 1997, p. 143). A luta dos índios que perderam suas
terras, a luta dos trabalhadores rurais explorados, a luta dos que sofrem com a seca, a luta dos
que conviveram com os altos índices de mortalidade, a luta dos que sofrem com a violência
das grandes cidades, a luta do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem-Terra, a luta de
todos!
105
106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, revelamos que uma fotografia pode guardar em seus elementos
imagéticos formais uma carga significativa de história que vai muito além do que ela apresenta
explícito em sua superfície. Com a intensão de introduzir os conceitos que seriam fundamentais
para o entendimento deste trabalho e, principalmente, para a compreensão da metodologia
utilizada, começamos nosso diálogo tratando dos fundamentos teóricos da fotografia.
Apoiando-nos na trilogia teórica de Boris Kossoy (2007; 2009; 2012), apresentamos os
elementos constitutivos da fotografia (assunto, fotógrafo e tecnologia), e as coordenadas de
situação (espaço e tempo).
Para alcançar o nosso objetivo de analisar o ensaio fotográfico Terra de autoria de
Sebastião Salgado, destacando em oito fotos pré-selecionadas as características de
fotodocumentação, ética, memória, e denúncia social presentes na obra, foi essencial
assimilarmos dois conceitos de Kossoy (2012), são eles: a compreensão da atuação do fotógrafo
como um filtro cultural, onde as suas motivações são determinantes para a construção da
imagem, e a criação de uma nova realidade a partir da fotografia. A análise foi enriquecida
quando levamos em consideração a bagagem cultural de Sebastião Salgado, fundamental para
nortear e dar coerência à interpretação, e também quando abordamos as duas realidades da
fotografia, relacionando a cena cristalizada à denúncia social que a envolve.
Seguindo com os aportes teóricos de Kossoy (2012), atribuímos o surgimento da vida
do documento fotográfico, à criação da segunda realidade fotográfica. Tratamos da eficiência
da fotografia como forma de documentação, do preconceito em adotá-la como fonte histórica e
do recente avanço com relação ao reconhecimento da imagem como documento. Através da
interpretação iconológica, confirmamos a importância da fotografia, em especial a de Salgado,
como fonte histórica. Sebastião tem consciência da sua responsabilidade ao mostrar o seu ponto
de vista sobre a realidade, e por isso tem a preocupação de sempre estar a par do contexto
histórico e cultural dos lugares onde vai trabalhar. Por isso suas fotografias são bem
contextualizadas e guardam muita informação sobre o tema abordado.
A interpretação iconológica foi o ponto mais difícil da análise, porque para desvendar a
mensagem por trás da cena, o conteúdo da primeira realidade, é preciso que o receptor também
tenha um vasto conhecimento sobre o contexto histórico retratado. Como foi dito anteriormente,
uma imagem só vale mil palavras se o receptor tiver um repertório que lhe permita pensar mil
palavras. Então, a dificuldade veio da necessidade de pesquisar sobre a história implícita em
cada fotografia. Após discorremos sobre o documento fotográfico, recorremos a Jorge Pedro
107

Sousa (2004) para relembrar o surgimento do fotojornalismo e a utilização da fotografia para


dar credibilidade ao discurso jornalístico. Mesmo estando munida de uma obra tão completa
como Uma história crítica do Fotojornalismo Ocidental, de Sousa (2004), a bibliografia sobre
a temática não correspondeu as minhas expectativas, ainda senti falta do ponto de vista de outros
autores brasileiros sobre o fotojornalismo.
Buscando desconstruir a ideia da fotografia com um espelho do real, voltamos a Kossoy
(2009) para explicar o processo de construção da representação e da interpretação da fotografia.
Ao compreender a complexidade desses dois processos, entendemos que a realidade recriada
pela fotografia é “moldável em sua produção, fluida em sua recepção”. Ou seja, é uma realidade
que é modificada pela construção do fotógrafo, e adaptada pela interpretação do receptor. No
decorrer da pesquisa bibliográfica, deparei-me com diferentes autores analisando as imagens
de Sebastião Salgado, com isso, pude confirmar a teoria de que uma imagem pode ter múltiplas
leituras, pois em vários casos a minha interpretação não era semelhante à dos outros
analisadores.
Quando o jornalismo deixa de usar a fotografia apenas como um instrumento de
comprovação dos fatos, e começa a vê-la como mais uma forma de manipular a opinião dos
leitores, surge a busca do fotojornalismo pelo credível, e não mais pelo real. Passando do
fotojornalismo para o fotodocumentarismo, mostramos a diferenças entre as duas práticas, e o
surgimento da fotografia documental. Neste tópico explicamos que o fotodocumentarismo é um
trabalho mais complexo, que exige mais tempo e planejamento, onde previamente é feita uma
investigação sobre a temática, e então é criado um plano de ação.
Ao pesquisar a carreira de Salgado, constatei que, normalmente, os seus projetos são
elaborados exatamente assim, agregando muito conhecimento sobre os temas e fazendo
planejamentos minuciosos de todas as viagens. Especificamente no livro Terra, nosso objeto
de estudo, o processo não foi esse. O ensaio foi criado a partir de fotografias de outros projetos,
que mesmo tendo uma forte conexão, não foram criadas para serem apresentadas juntas.
Ainda neste tópico, falamos sobre o surgimento da ideia do fotógrafo autor, e sobre
potencial artístico da fotografia documental, onde os fotógrafos agregam valores estéticos à
vontade do registro. Exatamente como nos trabalhos de Sebastião Salgado, mesmo que ele diga
que sua maior preocupação é com a mensagem de denúncia transmitida nas imagens, as suas
fotos demonstram o seu domínio da técnica e também uma grande preocupação com a estética.
Como se a denúncia estivesse imersa na beleza da arte. Após discutirmos sobre o
fotodocumentarismo como um todo, passamos para o fotodocumentarismo de crítica social.
108

Estilo onde melhor se encaixa o nosso objeto de estudo. Para tratar deste tema, além de Sousa
(2004), também utilizei os conhecimentos de Paulo César Boni (2008).
Assim, pude confrontar as definições dos autores sobre o fotodocumentarismo de crítica
social, percebendo que enquanto Sousa ressalta o comprometimento dos fotodocumentaristas
sociais com a vivência dos seres humanos, Boni trata o gênero como um veículo de crítica
social. Tendo assim, intenções que vão além da documentação do real. Para o autor, a fotografia
de documentação social, além de documentar, tem o poder de intervir e modificar a realidade.
Essa é uma das maiores características do trabalho de Salgado, a intenção de intervir
socialmente. Ele sem dúvidas é um fotógrafo/cidadão de compromisso social, que tanto na vida
pessoal, como na profissional, sempre está buscando trazer melhorias para a sociedade.
O mais impactante ao analisar o trabalho do brasileiro foi sentir a carga de denúncia
presente nas imagens. Conectar aquelas fotos em um ensaio, juntando todas aquelas mensagens
em uma só história, nos deu a dimensão do problema. Saber que as injustiças sociais retratadas
estavam ligadas de alguma forma, nos abriu os olhos para a complexidade daquela crítica social.
Como disse Saramago (informação verbal)27, referindo-se ao livro Terra, esta obra “é um
documento esmagador”. Finalizando o segundo capítulo, debatemos sobre uma linha onde o
brasileiro Sebastião Salgado é um dos expoentes de mais destaque – a fotografia humanista.
Antes de realizarmos as análises, foi necessário pesquisar sobre a vida de Sebastião
Salgado, para que conseguíssemos compreender as suas motivações, visões e ideologias. Em
seguida, discutimos sobre o nosso objeto de estudo, tratando do ensaio Terra como um todo,
para, só depois, analisarmos as imagens individualmente. Mesmo com a dificuldade de realizar
a análise iconológica, acredito que a metodologia de Kossoy (2012) cumpriu perfeitamente com
o meu objetivo de destacar as características de fotodocumentação, ética, memória, e denúncia
social presentes na obra. Analisando as duas realidades das imagens podemos ver com nitidez
a relação entre a cena retratada e a mensagem que Salgado tenta transmitir.
Realizar a análise das fotografias ampliou a minha compreensão do que é um
fotodocumentário de crítica social, e me mostrou que, além de ter muita sensibilidade e talento,
Salgado também é um militante. Ele deixa bem claro o seu posicionamento político ao criar
suas narrativas utilizando o suporte fotográfico. Nas imagem do livro Terra fica nítido o seu
posicionamento a favor do MST e da reforma agrária, e contra a exploração do trabalhador rural
e o êxodo para as cidades.

27
Depoimento retirado de entrevista ao Programa do Jô, em 1997.
109

Ao longo do trabalho, diversos autores ressaltam o respeito e a preocupação de Salgado


com as figuras humanas presentes em suas imagens. Mesmo acreditando na postura ética do
fotógrafo, ao analisarmos a imagem do bebê morto, que intitulamos de “O Caminho de Céu”,
surgiu um questionamento com relação a conduta invasiva de Salgado ao fotografar aquele
momento tão doloroso. A imagem é impactante, e representa o alto índice de mortalidade
infantil da época, cumprindo a sua função de denunciar um problema social e sensibilizar o
receptor. Mas até que ponto a busca por uma boa imagem pode se sobrepor à dor do outro?
Outro ponto relevante do trabalho foi tomar conhecimento das fragilidades pessoais e
profissionais do fotógrafo. Presenciar situações tão difíceis afundou Salgado em um
pessimismo que o fez perder, por um tempo, até a vontade de fotografar. Ao longo do curso de
Jornalismo, tomei conhecimento de toda a corrupção que envolve a profissão, o que é muito
desanimador. O renascimento de Salgado como fotógrafo, através do ensaio Gênesis, me
motivou a olhar para a realidade com mais esperança, e não desistir de ser uma
jornalista/fotógrafa que trabalha acreditando na possiblidade de intervir socialmente. E
imaginar que por trás das imagens de Sebastião têm muito mais informações do que eu posso
enxergar, é um incentivo para que eu busque cada vez mais conhecimento. Mais do que nunca,
agora eu sei o quanto é necessário iluminar meus pensamentos para conseguir captar a essência
da fotografia.
110

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113

ANEXOS

Outras imagens do Ensaio Terra

Figura 23 – Jovem trabalhadora da região do sisal, no Norte da Bahia.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 20).


114

Figura 24 – Idosa da cidade de Parambu, Sertão do Ceará.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 21).


115

Figura 25 – Trabalhador Baiano.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 43).


116

Figura 26 – Meninos em prédica de frei Damião, Pernambuco.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 23).

Figura 27 – Pés de trabalhadores que construíam um açude no sertão do Ceará.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 59).


117

Figura 28 – Família baiana migrando para a cidade.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 74).

Figura 29 – Criança sofrendo com a seca no Ceará.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 80).


118

Figura 30 – 33º delegacia de polícia de Itaquera, São Paulo.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 90).


119

Figura 31 – Trabalhador rural, Ceará.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 38/39).

Figura 32 – Manifestação de camponeses acampados na fazenda Cuiabá, Sergipe.

Fonte: Sebastião Salgado (1997, p. 132/133).

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