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Às crianças do Glicério, que nos receberam

de coração e braços abertos...

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Abraços apertados de agradecimento
Às crianças do Glicério por encantar a alma das ruas com a sua presença alegre e
por participarem das oficinas do projeto nos ensinando sobre o Glicério;

Às famílias da Rua Sinimbu e da Rua do Glicério por todo carinho;

À comunidade do Glicério por receber de braços abertos o Projeto Criança Fala;

À Igreja da Paz que abriu suas portas para realizarmos as oficinas lúdicas de escuta
com as crianças para construção do mapa afetivo;

Ao Rodrigo de Moura por conduzir com leveza as oficinas de construção do mapa


afetivo com as crianças e a elaboração da publicação do mapa afetivo;

À equipe Criança Fala: Estefânia, Beto, Cris, Simpla, Aeros Contabilidade, Sérgio
Mello por acreditarem neste sonho e fazerem ele se tornar real!

À Juliana Rosa pelas lindezas de fotos!

À São Paulo Carinhosa pela atuação integrada e intersetorial das secretarias


municipais no território do Glicério;

Ao Red Bull Amaphiko pelo apoio de mentoria com Ricardo Mello.

Ao Instituto C&A, ao Aldeias Infantis SOS Brasil e ao UNICEF por viabilizarem a


impressão desta publicação.

À Fundação Bernard Van Leer por acreditar no projeto e viabilizá-lo com todo seu
apoio ao projeto;

Nayana Brettas
Fundadora da CriaCidade e coordenadora do
Projeto Criança Fala na Comunidade – Escuta Glicério

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Olhares e Vozes das Crianças
Sobre e na Cidade
Nos meus trajetos pela cidade, percorridos nos diferentes meios de locomoção
– a pé, de ônibus, de trem, de metrô, de carro –, meus olhos buscam ver o
encantamento, a alegria, o brincar das crianças; meus ouvidos buscam ouvir
seus risos, suas vozes e conversas; meu corpo busca o encontro inesperado
com o corpo de uma criança que vem correndo, e me tromba ou me abraça;
busco sentir os sonhos, os olhares, as vozes das crianças pela cidade. Mas
o que vejo é uma cidade silenciada de vozes de crianças e esvaziada de
sua presença. O intervalo entre o verde-amarelo-vermelho do semáforo é o
tempo que as crianças têm para ver e sentir a cidade até que tudo volte a se
movimentar, e elas voltem a ver uma “cidade passante”.
Mesmo não sendo convidadas a pensar e a criar a cidade, as crianças tentam
(re)criá-la à sua maneira, por meio do brincar. No brincar com a cidade,
convidam a si mesmas a participar, atribuindo outras formas e funções aos
espaços, objetos e equipamentos da cidade. Um banco transforma-se em um
barco; o poste de iluminação, em um divertido brinquedo de escalada; a água Nayana Brettas
Fundadora da
da fonte, em caneta que desenha no chão transformado em papel. Assim, as CriaCidade e do Projeto
Criança Fala
crianças vãonos mostrando outras cidades possíveis, por meio de inúmeras
Coordenadora do
possibilidades de (re)construí-la e (re)inventá-la. Projeto Criança Fala

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“V
am
os
na
coxi
nha
a g en
te perg
unta a r ecei ta!”. (Maria)

É com o objetivo de fazer da cidade o palco protagonizado também por


outros atores além dos adultos – as crianças – que o Projeto Criança Fala na
Comunidade vem escutando as crianças, para incluir seus olhares e suas vozes
nas transformações dos espaços públicos e privados.
É preciso estar presente na cidade para senti-la, é preciso vivê-la para
estabelecer vínculos afetivos, para que se possa criar uma relação de
pertencimento, de apropriação, de identidade com o espaço.
Esta publicação dos mapas afetivos do Glicério faz parte do Projeto Criança
Fala na Comunidade – Escuta Glicério, e tem como objetivo mostrar locais
afetivamente importantes para as crianças moradoras da Baixada do Glicério.
Convidamos todos a sentir o Glicério pelos olhares e pelas vozes das crianças!
Embarquem com a gente neste caminhar afetivo pelo Glicério!

b ich in ho? Eu vou levar ele com


e
m é ess or que é do seu filho! - Graça
que o p
De do carinh
to
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Com quantas crianças se faz uma
Cidade Educadora?
A CRIANÇA É FEITA DE CEM
Loris Malaguzzi

A criança é feita de cem.


A criança tem cem mãos cem pensamentos
cem modos de pensar de jogar e falar.
Cem sempre cem modos de escutar de maravilhar e de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.Cem mundos para descobrir
Cem mundos para inventar
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois cem cemcem) mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura lhe separaram a cabeça do corpo.
Dizem-lhe: de pensar sem as mãos,de fazer sem a cabeça, de escutar e não falar
de compreender sem alegrias, de amar e de maravilhar-se só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe, e de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação
o céu e a terra, a razão e o sonho
são coisas que não estão juntas.
Dizem-lhe enfim:
que o cem não existe.

A criança diz: ao contrário, as cem existem.


Ao contrário, o Glicério existe! É o que nos dizem suas 100 crianças.
Lá vão os infantes do Criança Fala nos ensinando a ampliar nosso olhar
sobre elas e através delas, sobre São Paulo. Sim! A infância está de volta às
ruas, tornando-as mais belas. Meninos e meninas num trança-trança para cima e
para baixo pelas ruas, a elas devolvidos, ficando mais felizes, como há tempos Beatriz Goulart
Arquiteta-urbanista-
desejou Paulo Freire, contrariando os avisos de perigo. Dessa forma, este
pesquisadora-
projeto aponta para um futuro diferente e melhor, rompendo com o normal, educadora-ativista

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com o estabelecido, dando voz aos não-falantes através da experiência, da oportunidade
e do direito a experimentar e transformar a cidade. Estas novas práticas de ocupação dos
espaços urbanos pelos praticantes do Criança Fala estão operando a inversão de um registro
simbólico há tempos consolidado: este, de que a cidade é malvada e perversa, para outro,
onde a cidade pode ser também amiga, acolhedora, educadora. Ações que operam sobre o
espaço cotidiano como uma fabulosa máquina de desestabilização e negam qualquer coisa
que possa parecer com uma estruturação sólida dos lugares e das conexões entre eles. São
ações criadoras de possibilidades: não apenas por subverter os usos esperados de um espaço
regulado, - a rua proibida para as crianças - como de possibilitar que o espaço resultante
das estratégias hegemônicas seja cindido para dar origem a diferentes lugares a partir da
demarcação socioespacial da diferença e das ressignificações que esses contra-usos realizam.
Sim! Os infantes errantes estão criando mecanismos de reversão das tendências herdadas do
modo de produção precedente, produzindo novos objetos geográficos, colaborando para a
liberação das pessoas, superando a sua dominação, como professou Milton Santos. Passinhos
errantes que estabelecem uma inquietante familiaridade com a cidade, tecendo e enunciando
novos territórios. Passinhos que nos ensinam sobre o cuidado com a nossa casa comum.
Lembremos que já em 1935 o poeta Mario de Andrade havia proposto que os meninos
e meninas fossem os parâmetros para a organização dos espaços urbanos. Nosso poeta-
administrador publico que colocava a criança no coração da reconfiguração urbana, onde
espaço urbano seria um laboratório experimental da humanização da brasilidade a partir das
crianças. Sim! O Criança Fala tira as infâncias e seus territórios da invisibilidade e os colocam
no centro de nossas atenções, nos desafiando a repensar o sistema de garantia de direitos
de forma integral e generosa. Sigamos juntos cortejando a cidade que renasce educadora,
recuperando sua essência de ser pátio-escola, lugar onde foi fundada.

Que assim seja!

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Sobre acordar sentidos e sonhos
Paulo Freire dizia que somos incompletos. Que nos perceber incompletos
é importante para seguirmos em formação permanente, a vida inteira, de
horizontes abertos para aprendermos com os outros e com o mundo. Esticando
a incompletude que Paulo Freire ressaltava nas pessoas, dá para dizer que as
cidades também são incompletas. O asfalto das ruas e as paredes nas casas não
estão fechados a novos olhares, escutas e invenções. A cidade é incompleta
por estar sempre em mutação, e aberta à recriação permanente. E o Criança
Fala é um projeto que convida a todos, tanto adultos quanto crianças, a se André Gravatá
educador, co-autor do
perceber incompletos, para ouvir mais, para preencher e recriar, com poesia e
livro Volta ao mundo
encantamento, as lacunas da cidade em que vivem. em 13 escolas, co-
fundador do movimento
Para que serve o encantamento? Qual é o impacto de um cortejo em que as
entusiasmo
crianças saem pelas ruas cantando e distribuindo poesias? Qual é a mudança e poeta

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que desencadeia uma roda de conversa, ou um mutirão para pintar as
paredes de uma escola? Ações como essas, desenvolvidas pelo Criança
Fala, resgatam o brilho na alma. Fazem reviver o entusiasmo das pessoas.
Restauram os fôlegos perdidos. Recuperam a curiosidade e a vontade de
criar. E há maior urgência no mundo do que resgatar nas pessoas a percepção
profunda e poética de que são capazes de criar a realidade com que sonham?
Recordar nossa capacidade de recriar as cidades e aprender escutando o
outro é acordar nossa sensibilidade. Que o Criança Fala siga acordando os
sentidos das pessoas e da nossa cidade – eis um ato de extrema importância.
Como diria Manoel de Barros, “a importância de uma coisa não se mede
com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros”, pois “a importância
de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em
nós”. Encantemo-nos.

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REDES AFETIVAS
Afinal, como se constrói uma cidade? Com prédios altos e casinhas... Com ruas
para passar gente e passar coisas... Com árvores frondosas entre rios e pontes...
São de concreto as cidades? São de asfalto? De tijolos, água ou ladrilhos? As
cidades são feitas de tudo isso, mas antes disso tudo, são feitas de pessoas e
dos vínculos que estabelecem entre si. A cidade nasce da necessidade de um
ser humano estar junto com outro ser humano. Nasce para o encontro. Jamais
esquecerei a lição de uma professora que muito me ensinou: a cidade nasce
para o encontro dos diversos. Para que exista a troca daquilo que nos sobra por
aquilo que nos falta, ou para multiplicar aquilo que temos em comum.
Dentro do espaço da cidade existem vínculos entre pessoas e o espaço, e delas
com outras pessoas. Esse conjunto de elos e trocas forma uma grande rede, que
molda a cidade. É por conta dessa rede de relações que o espaço se transforma,
ganha significado e passa a ser lugar. Aquele simples banco de praça passa
a ser o local onde dois amigos queridos se viram pela última vez. A vendinha
onde a pessoa comprava doce na infância é ponto de referência ao passar
pela rua onde morava. A esquina onde esbarrou com o amor da vida. A rua da
escola em que conheceu os amigos da vida... São marcas de um mapa pessoal
Rodrigo de Moura e secreto de uma cidade invisível aos olhos. Cada pessoa tem uma cidade única
Arquiteto Urbanista
dentro de si. A minha São Paulo, cidade onde nasci e cresci, não é a mesma de
e Coordenador do
Mapeamento Afetivo nenhum outro paulistano. Talvez sejam as memórias criadas na infância as mais
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significativas no processo de construção da cidade individual. Os territórios
do sonhar e do brincar são o espaço em que a pessoa pinta o que há de mais
simbólico em toda a vida. Não só a cidade do passado de nossas lembranças,
mas a cidade do presente que remonta brincadeiras, cheiros, cores e sabores.
Uma imagem não consegue transmitir toda a experiência de um lugar, mas
pode dizer muito a respeito de quem a produziu. Vivemos em tempos em que a
produção e a distribuição de imagens é fácil e abundante. Do espaço é possível
ver a terra, é possível ver lugares do mundo todo sem sair do conforto do lar.
Os mapas deixaram de ser tesouros secretamente guardados para se tornarem
ferramentas indispensáveis do dia a dia. Mas o que essas imagens nos dizem? O
que esses mapas nos dizem? Talvez seja possível ver o encontro entre a Avenida
Paulista e a Rua da Consolação como duas linhas que se cruzam e se encontram
num emaranhado de viadutos. Mas esse cruzamento de linhas não nos fala dos
amigos que ali se encontraram, dos amores que se criaram e se despediram, do
ônibus que passa ali quando as pessoas vão para o trabalho todas as manhãs...
Mapas técnicos têm uma função clara, mas não deveriam ser a única maneira de

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mostrar os espaços em que vivemos. Por mais que se pareçam com a realidade,
nem de longe a representam de maneira fiel. Oscar Niemeyer já dizia: “O mais
importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto
que devemos modificar. As construções, por mais belas que sejam, são apenas
suporte para a vida, os amores e os sonhos.” Acredito que todos deveriam
desenhar o espaço em que vivem. Pois quem desenha procura entender muito
intimamente o objeto a ser reproduzido, e assim
o entende melhor. Mas deveriam começar desenhando os espaços
que lhes são mais caros e os lugares que os marcam profundamente,
e conhecer os caminhos que ligam esses lugares. Também seria importante
compartilhar esses mapas, para que um conhecesse a visão do outro.
Talvez desse modo, em vez de um grande coletivo de cidades individuais,
conseguíssemos ter a visão de uma grande cidade coletiva.
Nas páginas seguintes convidamos você a conhecer um pouco do que crianças
moradoras do Glicério têm a dizer sobre seu bairro. São muitas versões de uma
mesma história, que se somam e dançam juntas para formar uma só imagem.

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Não tão distante...
...logo ali nas imediações da Praça da Sé, mais
abaixo, existe um lugar chamado Glicério.
Espaço marginal em essência: às margens do Rio
Tamanduateí, às margens do centro financeiro, às
margens de uma sociedade que olha para o alto.
Ali se misturam cheiros, gostos, sons e cores de
todo canto, numa explosão de vitalidade. As ruas
parecem pulsar a todo momento. Em toda parte
as marcas dos tempos constroem percursos que
nos guiam pela diversidade que toma o lugar.
Terra de gente de todo tipo. Há grande riqueza
em cada história contada. Em cada tesouro trazido
de lugares distantes. Das saudades e dos amores.
Cada esquina nos revela uma nova surpresa.
Assim, faço um convite: percorrer os caminhos
que fazem deste espaço um lugar guiado pelos
seus moradores mais ilustres e curiosos: suas
crianças! Preparado? Então... vamos lá!

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PASSEIO BRINCANTE
É no brincar que a criança constrói sua visão do mundo.
Por meio dos jogos e das histórias, criam mundos, criam
sonhos e desejos. Uma cidade lúdica é também mais
inclusiva. Permite novas expressões e impressões.
Nossos percursos pelo Glicério começam por meio de
jogos e brincadeiras e, logo após, uma história. Através
do livro “Filhotes de Bolso”, de Margaret Wild e Stephen
Michael King, começamos um jogo pelo bairro. Na
história, seu Totó sai para passear com seus dois filhotes,
Bife e Bufe, um em cada um de seus bolsos. Porém,
durante um passeio, Bife cai do bolso e se perde. Nossos
bolsos aqui são bambolês nos quais as crianças devem
permanecer em duplas, para que não se percam durante
o passeio. Assim, nessa brincadeira, caminhamos pelo
território em que nossos guias nos apresentavam o que,
em sua visão, há de mais importante no Glicério. Por meio
desse jogo foi possível observar um pouco da relação das
crianças com seu espaço e com a comunidade.

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Caminhos Pessoais
Existe dentro de cada um de nós uma cidade única e pessoal, um modo
singular de perceber as coisas que ocorrem ao nosso redor. Os caminhos
que fazemos, nossos pontos de referência e orientação... Cada um desses
pontos carrega significados que o tornam importante. A pequena porta, o
muro verde ou o gradil extenso ganham uma nova dimensão. Mesmo que
alguns marcos sejam comuns aos habitantes de um lugar, há uma cidade
que é só nossa. Quase secreta. Invisível. Assim, perguntamos às crianças do
Glicério qual era essa cidade, em sua visão.
Por meio de uma oficina lúdica de desenho, convidamos nossos pequenos
guias a mostrar o que há de mais importante no trajeto desde suas casas,
na Rua do Glicério e na Rua Sinimbu, até a Igreja da Paz, onde a oficina
ocorreu. Os resultados dessa proposta são surpreendentes, e podem
ser vistos nos mapas a seguir e na fala de seus autores. Conseguimos
enxergar um pouco deste bairro tão singular encravado no centro de São
Paulo: surgiram labirintos, ruas cheias de vida, casas em cima do viaduto
e todos aqueles espaços onde crianças brincam. São os espaços onde
estão felizes. Espaços que guardam boas memórias. Surgem nesses traços
pequenos fragmentos de emoções e sentimentos que, assim como marcam
o papel, marcam de algum modo a alma de quem os desenha. Caminhos
individuais, mas que se encontram em um mesmo Glicério.

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Tio, minha casa é aqui e
a igreja da paz é só ir
andando...

JOÃO PEDRO, 8 anos

Tem prédio, negócio


abandonado. Do lado
abandonado tem “Salgadeira”
– pizzaria nova horizonte
que vende salgado. Tem a
pensão que moro, a mecânica
negócio de batata frita, vira,
na esquina um bar

JOÃO VITOR, 10 anos

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Aqui minha casa vai para a
oficina de carro, vem cca, vem o
o posto de gasolina, vem viaduto,
posto colocando a corda no carro.
Carros passando, depois vem a
igreja. Antes da igreja vem a
creche quintal da criança e,
depois duque de caxias

NICOLLE, 7 anos

STÉFANE, 7 anos

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BRYAN, 7 anos

Minha casa, minha rua,


postes caindo fio, viaduto
e chega a igreja.

MIKAEL, 6 anos

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Rua, carro, nuvem, geladeira,
casa, casa com janela bem
grande.

GUSTAVO, 5 anos

Eu moro aqui ó, onde está


escrito Rua Sinibúúú.
Minha casa é branca, mas
vou pintar de rosa

THALIA, 6 anos

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Casa, tem escola,
bagulho de luta,
vem a igreja

MAYCON, 11 anos

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Sai da pensão caminho para cá e
chego na Lucia, na vendinha. Sai
da Lucia desce, desce, vai para
vilinha. Tem rua lá, desce, desce
e tem o cca. Aí tem o bar da
coxinha. A gente sobe e tem
o posto. E aí to lembrando do
resto...ai tem o viaduto. Aí tem o
negócio com grade que tem botão
para abrir e fechar. Atravessa a
rua e chegou na Igreja da Paz

TIFFANY, 9 anos

GABRIEL, 6 anos

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Impressões Coletivas
A cidade está repleta de marcas. Em seus trajetos, cada pessoa deixa no caminho um
pedacinho de si mesma. As emoções e os pensamentos dos indivíduos
são a matéria que constitui a natureza dos espaços. São emoções e pensamentos que se
encontram, formando símbolos comuns de uma dialética do caminhar. Como se encontrar
nesse mar de cidades, tão íntimo? Mantendo a proposta brincante da oficina anterior,
convidamos novamente as crianças do Glicério a caminhar pelas ruas, mas desta vez em
silêncio. O jogo era conseguir comunicar-se, ver e sentir a cidade sem o uso de palavras.
Alguns levaram o jogo a sério, outros brincaram à sua própria maneira. Depois disso,
conversamos um pouco a respeito do que é um mapa, e para que serve. Por meio de uma
experiência lúdica de observação da cidade e da representação em desenhos, nosso
convite se estendeu para traçar um mapa com aquilo que julgavam importante em seu
bairro, que tanto poderia ser o viaduto que divide a Baixada em duas como a deliciosa
coxinha do Seu Valdomiro. Podemos dizer que não é o mapa em si o que mais diz sobre a
visão coletiva das crianças, mas sim todo o ato de construí-lo. A experiência de descobrir
a tinta e suas transformações foi mais intensa que qualquer outra coisa. No entanto, foi
possível reconhecer elementos comuns durante o desenrolar da atividade – elementos
marcantes: como a escola e o viaduto, o grande edifício na Rua Sinimbu ou as pensões
onde moram as crianças. Talvez as impressões coletivas ainda sejam um pouco dispersas,
mas o sentimento de pertencimento está presente em cada marca.

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Outras Formas de Expressão
Nessas andanças por terras desconhecidas é necessário deixar-se perder. Abrir-se para
novas experiências. Assim, pedimos a nossos guias que nos mostrassem o que queriam
do seu bairro, o que havia ali de bom ou o que poderia existir de legal. Só é possível
perguntar a respeito daquilo que pensamos existir: para o novo – novo mesmo – é
importante estarmos abertos ao inesperado. Em cada caderno levado para casa e trazido
de volta reconhecemos os espaços do brincar, do conhecer, do conviver. Esses espaços
carregam o que há de mais belo para as crianças. Um modo de conhecer o mundo.
Pouco se fala da casa, é apenas mais um elemento dentro do universo pessoal, tão
presente quanto os espaços lúdicos. Os elos humanos, e os locais onde se desenvolvem
enquanto convívio, destacam-se no espaço individual e introspectivo. Nos desenhos
apresentados a seguir é possível mergulhar nesses mundos. São histórias contadas em
poucos gestos, sensíveis e de extrema riqueza.

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Eloiza, 7 anos

Emilly, 8 anos

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Thalia, 6 anos

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Kelvin, 9 anos

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Tiffany, 9 anos

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Depois de percorrer histórias, ouvir caminhos e enxergar cada fala, conseguimos
identificar alguns elementos comuns. São os marcos que se destacam na
paisagem do Glicério. O que temos de mais significativo ali. Assim, através de
um único desenho, procura-se sintetizar os elementos simbólicos do território
que as crianças apresentaram até então. Temos os espaços de brincar bem fortes,
como o DUQUE (escola), o CCA, a VILINHA (Rua Lins), o BRINQUEDÃO
implantado durante ações do projeto. Também temos aqueles lugares que
contam histórias, como o BOXE e a COXINHA do Seu Valdomiro. Tem
a SÃO PAULO que é caminho até a BAIXADA. Árvores, casas, prédios,
pensões. Há a grande torre do PRÉDIO que é cercada por espinhos e guarda
mistérios para nossos guias. Não podemos esquecer da IGREJA DA PAZ
e seu grande espaço para correr. Por último, mas não menos importante, o
VIADUTO do Glicério, que divide o bairro em dois. O Glicério de lá, onde o
centro pulsa vibrante, e o Glicério de cá, que esconde sua beleza discreta atrás
de suas esquinas e brincadeiras de criança. Separados e unidos, poderíamos
assim dizer. Mais que uma fronteira, um grande portal que marca a entrada
daqui. Entrada de uma realidade sem igual. O mapa tenta trazer até os
personagens caninos tão queridos pelas crianças. É um convite para perder-se
pelos caminhos do Glicério, mas encontrar-se em suas sensações.

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Mapa Afetivo
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Aquilo que Fica
Um mapa é um tipo de resumo de todos os elementos simbólicos de um território. Nele
é possível identificar os elementos mais marcantes que podem guiar quem é de fora. Une
o que é essencial a ser reconhecido nuns poucos traços. Aquelas coisas
que ficam na memória e orientam o viajante. Coisas que marcam o coração
da gente, para quando voltarmos sabermos que estamos ali.
O mapeamento do Glicério por suas crianças não serve apenas para que os novos
viajantes dessa terra multicor possam transitar por suas ruas e calçadas sem se perder,
serve também como um convite a conhecer uma casa. Sim, conhecer o lugar onde
alguém mora. Onde estabelece laços, vive histórias, aprende, brinca e sonha. Serve para
que seus autores aprendam a olhar de forma diferente para aquilo que é cotidiano.
Nos mapas destacamos elementos que ficam. Mas, o que fica, se nada é para sempre?
Talvez existam muitas respostas para essa questão. Tantas que nem todos os livros do
mundo seriam capazes de respondê-la. Talvez o que devamos nos perguntar é:
o que isso deixa na gente? Quando saímos de nossas casas e
percorremos um novo caminho: o que fica? O que deixamos?
No Glicério ficam os espaços transformados em lugar em cada ato de brincar. Ficam os
sorrisos conquistados. Os abraços apertados. As cores das ruas. Fica o conhecimento dos
vizinhos. As histórias que serão contadas aos descendentes. Ficam os sonhos. Esses são
os mais importantes. Fazendo minhas as palavras de Oscar Niemeyer, mais uma vez:

A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem.

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Seguimos todos juntos
de mãos dadas fazendo
acontecer lindezas e
sonhos reais!
© Anthony Kunze

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Equipe Criança Fala
Nayana Brettas
Socióloga
Fundadora da Criacidade
Coodenadora do Projeto Criança Fala
Juliana Rosa
Arquiteta e Urbanista
Fotógrafa

Rodrigo de Moura
Arquiteto e Urbanista
Coodenador do Mapeamento Afetivo

Estefânia Nazário
Pedagoga
Educadora do Criança Fala

Beto Silva
Pedagogo e Psicopedagogo
Educador do Criança Fala

Cristiane Lima
Psicóloga
Articuladora Comunitária
do Criança fala
O GLICÉRIO POR SUAS CRIANÇAS

Organização e coordenação: Rodrigo de Moura

Coordenação Projeto Criança Fala: Nayana Brettas

Textos: Rodrigo de Moura, Nayana Brettas; Bia Goulart; André Gravatá;

Fotografia: Juliana Rosa

Ilustração da capa: Emilly, 8 anos - participante do Projeto Criança Fala

Revisão: Juliana Saul; Cristina Antunes - B&C Textos.

Projeto Gráfico: Rodrigo de Moura

Equipe Criança Fala: Beto Silva; Cristiane Lima; Estefânia Nazário;


Juliana Rosa; Nayana Brettas; Rodrigo de Moura

G559g O Glicério por suas crianças / Rodrigo de Moura ... [et al.] ;
organização e coordenação: Rodrigo de Moura ; fotografia:
Juliana Rosa. - São Paulo : Criacidade, 2015.

40 p. : il., fots. color. ; 20 cm.

1. Cartografia. 2. Criança. 3. Ecologia Humana. 4. Educação


infantil. 5. Urbanismo. I. Moura, Rodrigo de. II. Criacidade. III.
André Gravatá. IV. Goulart, Bia. V. Brettas, Nayana. VI. Título.

CDU: 316.334.56-053.2
realização

apoio

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