A violência de gênero surge então em decorrência do sistema de dominação
incrustado na sociedade, que utiliza desse mecanismo para manter a ordem estabelecida culturalmente, no qual coloca a mulher numa posição inferior ao homem. Esta situação representa uma violação aos direitos humanos, especialmente, ao direito à igualdade entre homens e mulheres. A mulher em situação de violência encontra-se numa relação onde prevalece a submissão ao homem, na qual há prejuízo a sua incolumidade física, psicológica e moral. Foi a partir das conferências internacionais sobre a mulher e as lutas do movimento feminista que a questão da violência de gênero deixou de ser tratada dentro de quatro paredes e passou a ser considerada como um problema social, passando a exigir da sociedade e do Estado um entendimento aprofundado acerca da complexidade da questão. Assim, diante da violência contra mulher tornaram-se necessárias políticas públicas no sentido de respeitar a igualdade nas relações de gênero e consolidar a cidadania feminina, com ações que assegurem um espaço de denúncia, proteção e apoio à mulher vítima de violência. Falar em políticas públicas relacionadas à violência de gênero requer uma abordagem multidimensional. A atuação deve ser em conjunta para o enfrentamento (prevenção, combate, assistência e garantia de direitos) do problema pelas diversos setores envolvidos, como: saúde, educação, assistência social, segurança pública, cultura, justiça, para dar conta da complexidade da violência contra as mulheres. É necessário que órgãos componentes da Rede de Atendimento operem de forma articulada, a fim de garantir a integralidade da assistência à mulher. É preciso também que os agentes que compõem essa Rede de Enfrentamento sejam devidamente capacitados na área de violência contra a mulher, principalmente nas questões de gênero, para compreender melhor o fenômeno e, assim, prestar um melhor atendimento às vítimas. ALMEIDA, J. M. Femicídio, algemas (in)visíveis do público/privado. Rio de Janeiro: Revinter, 1998. p. 176. PITANGUY, J. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 78. ALVES, F. M. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica contra a mulher. Jus Navegandi. ARANHA, M. L. A. História da educação, São Paulo: Moderna, 1989. p. 288. AZEVEDO, M. A. Mulheres espancadas: a violência denunciada. São: Cortez, 1985. p. 176. GUERRA, V. N. A. Vítimação e vitimização: questões conceituais. GUERRA, V. N. A.; OLIVEIRA, A. B. (Org.). Crianças vitimização: a síndrome do pequeno poder. 2 ed. São Paulo: Iglu, 2000, p.25-48. BARNET, O. W. Gender differente in attributions of sfel-defense and control in interpartnber aggression. Violênce Against Women, California, Oct. 1997, Vol. 3, nº 5, p. 462-481. BORIN, T. B; KODATO, S. Representações Sociais do feminino em dispositivo grupal de mulheres vitimizadas. In: Anais de Resumos do II Encontro da Spagesp – II Encontro de Saúde Mental da Região de Ribeirão Preto – VIII Jornada do Nesme, Spagesp. Ribeirão Preto, 2004, 55 p. BORIN, T. B. Violência contra a mulher: percepções sobre violência em mulheres agredidas. 2007, 146 p. Dissertação (mestrado em Ciências) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007. BRASIL, IBGE.. Disponível em: HTTP://www.ibge.gov.br. Acesso em 10 out. 20 CASIQUE, L.C.; FUREGATO, A. F. Violência contra a mulher: reflexões teóricas. Rev. Latino-Am. Enfermagem. Ribeirão Preto, v. 14, nº 6, 2006. Disponível em: . Acesso em: 08 de out. 2010. CHAUÍ, M. Participando do debate sobre mulher e violência. In: FRANCHETTO, B.; CAVALCANTI, M. L. V. C; HEILBORN, M. L. (Orgs.). Perpectivas antropológicas da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, v. 4, p. 25-62.
A pesquisa é de abordagem quantitativa, caracterizada pelo tipo de dados coletados
e pela análise que se faz. As pesquisas quantitativas prevêem a mensuração de variáveis preestabelecidas, procuram verificar e explicar sua influência sobre outras variáveis, mediante a análise da freqüência de incidência e de correlações estatísticas. A Pesquisa foi realizada em Teresina (PI), tendo como fonte de dados as redes de atendimento a mulher. Objetivou-se caracterizar as mulheres do estudo quanto aos aspectos sociodemográficos, relacionar os tipos de violência com os tipos de agressores, identificar as causas e porque as vítimas não denunciam os agressores. Compõem a população-alvo do estudo os casos de mulheres vítimas de violência que receberam atendimento no SPS/HVG no ano de 2004. A amostra populacional foi constituída por 100 desses casos, selecionados por meio de amostragem sistemática, por cujo procedimento foram escolhidas as unidades por intervalos fixos, a partir da unidade inicial, que foi escolhida ao acaso. Desse modo, as fichas de atendimento foram ordenadas por data de atendimento e escolhidas as de número par, em seqüência (2ª, 4ª, 6ª ficha... até a última).
Na coleta de dados, os aspectos éticos e legais do estudo foram respeitados, pois
as mulheres não tiveram seus nomes revelados, e sim preservados no anonimato, embora o estudo não tenha sido submetido a COMEPE. Observou-se o que preceitua a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O acesso às fichas de atendimento se fez mediante autorização da diretoria da instituição, antes que se obtivessem os dados no Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico (SAME). Posteriormente fizeram-se uma revisão e a codificação manual dos formulários, de modo que as perguntas abertas foram codificadas de acordo com sua freqüência. A REDE DE ATENDIMENTO À MULHER EM TERESINA O advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) não apenas despertou nas mulheres a coragem para revelar a uma Autoridade Pública situações de violência que há tempos estavam encarceradas no seio familiar. Representou também meio legal de pressão ao poder público no sentido de estruturar políticas públicas e, consequentemente, instituições capazes de promover de fato um combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Uma análise mais profunda revela que recentemente a iniciativa de elaboração de programas e criação de órgãos voltados especificamente ao tema da violência doméstica e familiar contra a mulher não representou iniciativa do legislador brasileiro. Em verdade, no Brasil o ponto de partida para uma mudança de atitudes está relacionado ao cumprimento de recomendação da OEA (Organização dos Estados Americanos) a qual reconheceu o Brasil como país que violou acordos internacionais no tocante aos direitos humanos. A edição apressada da lei revelou antes a preocupação do Brasil com o resgate de sua imagem junto à comunidade internacional do que com o assunto em si. O mérito de todo esse processo de mudança adveio da persistência de uma mulher (Maria da Penha Maia Fernandes) que insatisfeita com os subterfúgios legais utilizados por seu algoz (marido) denunciou o Brasil com o apoio do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) à Organização dos Estados Americanos (OEA) Antes de representar uma apenação mais severa dos agressores a Lei Maria da Penha traz em seu bojo o esboço de um sistema articulado de serviços, metas e órgãos indispensáveis à realização dos fins a que se propõe. É o que se infere da análise do Art. 8º da já referida Lei1 A cidade de Teresina – PI nos quase dois anos de vigência da Lei Maria da Penha já estruturou uma relativa rede de órgãos, grupos e entidades que se dedicam de forma articulada ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, tanto no que tange a repressão dos atos de violência quanto no conhecimento e tratamento das causas que contribuem para as situações de violência. Os principais integrantes que compõem a rede de Atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar na cidade de Teresina-PI são o Centro de Referência à Mulher, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Conselho Estadual da Mulher, Serviço de Atendimento Médico às Mulheres Vítimas de Violência Sexual, Núcleo Especial de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência da Defensoria Pública do Estado, Casa Abrigo e outros. A articulação política atinente ao tema fica a cargo de comissões especiais da Assembleia Legislativa do Estado e da Câmara Municipal nas quais os integrantes do poder legislativo mantêm relação direta com os demais órgãos componentes da rede de atendimento facilitando, quando necessário, a legitimação por via legal de políticas públicas relacionadas ao tema. Com origem prevista na própria Lei (Art. 35, I), o Centro de Referência à Mulher instalado na Rua Oscar Clarck, s/n, Bairro Buenos Aires, antigo CSU (Centro Social Urbano), disponibiliza serviços de orientação e encaminhamento das mulheres aos demais órgãos integrantes da rede de atendimento. Oferece ainda serviços de atendimento psicológico, social e jurídico às mulheres em situação de risco familiar. Teresina conta com duas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, denominadas de Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher Centro(DEAM/CENTRO) e Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher Centro Norte (DEAM/NORTE) que apesar da denominação específica para regiões (centro e norte) englobam como circunscrição toda a cidade de Teresina-PI, inclusive trechos rurais do município. A principal função das DEAM’s é o registro e apuração policial das condutas criminosas contra a mulher com vistas a subsidiar os procedimentos acusatórios e julgamentos à cargo do Poder Judiciário. No exercício de sua competência constitucional de Polícia Judiciária, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ainda prestam auxilio ao Judiciário cumprindo suas determinações e garantindo efetivamente suas decisões. O Conselho Estadual da Mulher, localizado na Rua Nogueira Tapety, 138, Bairro dos Noivos, em Teresina – PI é órgão colegiado vinculado ao governo do estado, composto por representantes de diversos órgãos públicos e entidades diretamente associados à construção de políticas públicas visando à promoção da igualdade de gênero. Tem por finalidade formular e propor diretrizes em todas as esferas da administração do Estado, sob a ótica de gênero, destinadas a garantir a igualdade de oportunidade e de direitos entre homens e mulheres. O Serviço de Atendimento Médico às Mulheres Vítimas de Violência Sexual – SAMVVIS representa o colaborador no tocante a saúde. Representou importante conquista para as mulheres vítimas de violência que antes precisavam se submeter a exames médico periciais no Instituto Médico Legal sem qualquer tratamento diferenciado em relação aos demais pacientes, o que acabava representando extremo constrangimento às mulheres, notadamente às vítimas de violência sexual. O SAMVVIS é composto de peritas do Instituto Medico Legal que exercem sua função em um espaço especial da Maternidade Evangelina Rosa, localizada na Rua Higino Cunha, s/n, Bairro Cristo Rei, em Teresina-PI. A aproximação com uma Unidade de Saúde permite às vítimas além do Exame médico pericial, necessário para instrução dos procedimentos policiais, os atendimentos básicos de saúde visando prevenir o contágio de doenças sexualmente transmissíveis, bem como o atendimento psicológico e social. De nada bastaria promover a apuração policial dos fatos com sua posterior remessa ao Poder Judiciário se a vítima não dispusesse de acompanhamento jurídico por profissionais conscientes de todas as circunstâncias que envolvem o fato. Nesse aspecto as vítimas de violência doméstica e familiar em Teresina - PI contam com um Núcleo Especial de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência da Defensoria Pública do Estado, composto por duas defensoras públicas que além de promover o acompanhamento jurídico de ações criminais das vítimas que não têm condições financeiras de contratar um advogado, também realizam um trabalho de orientação jurídica e de promoção das ações cíveis correlatas ao fato. Complementando os serviços diretos de atendimento às mulheres vítimas deviolência, Teresina- PI dispõe ainda de uma “Casa Abrigo” que tem como principal finalidade receber e dar suporte de segurança às mulheres que precisam ser afastadas do lar familiar para sua segurança e de sua família enquanto as demais ações de segurança são implementadas. É importante destacar que os órgãos já descritos representam apenas parte de uma variedade de outras instituições que compõem a grande teia de atendimento às mulheres vítimas de violência em Teresina – PI. Mais importante ainda é reconhecer que o trabalho de um só órgão ou entidade nada representa senão em sintonia com os demais. resumo Esta pesquisa aborda a violência doméstica contra a mulher e políticas públicas, definindo a violência como uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a uma pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. O efeito é, sobretudo, social, pois afeta o bem-estar, a segurança, as possibilidades de educação e desenvolvimento pessoal e a autoestima das mulheres. Historicamente, à violência doméstica e sexual somam-se outras formas de violação dos direitos das mulheres: da diferença de remuneração em relação aos homens à injusta distribuição de renda; do tratamento desumano que recebem nos serviços de saúde ao assédio sexual no local de trabalho. Essas discriminações e sua invisibilidade agravam os efeitos da violência física, sexual e psicológica contra a mulher. A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países- membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecida também como um grave problema de saúde pública.