Вы находитесь на странице: 1из 22
Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S, Paulo, 2(2): 165-186, 2. sem. 1990, PROJETO DE PESQUISA DISPOSITIVO DE MORALIZAGAO LAICA E SINTOMA SOCIAL DOMINANTE* (Um Estudo da Educagado Moral em Emile Durkheim) Heloisa Rodrigues Fernandes** RESUMO: Defensores da educacdo laica ¢ da educacdo religiosa tém marcado suas diferengas quanto & moralizacéo infantil através dos efeitos que atribuem aos contetidos da educacao. O dispositive de moralizacéo laica do qual o discurso durkheimiano € sintoma permite formular a hipétese de que a relagao entre os dois dispositivos pedag6gicos pode ser de complementaridade nao de oposicao. UNITERMOS: educagéo religiosa, educaco laica, Durkheim, dispositivo pedag6- ico, sintoma social, dominacéo. 1. Educagio religiosa e educacéo laica: uma luta politica Nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, 0 direito & educagao fez reacender, no Brasil, 0 antigo confronto entre laicistas ¢ religiosos pelo controle * Projeto apresentado ao CNPq (no 2° semestre de 1989, para obtencao de bolsa de pesquisa), com 0 qual reconheco uma divida que néo € apenas ect a, pois envolve, especialmente, & Tespeito ¢ incentivo intelectual que dele tenho recebido desde 1985, ** Professora do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP. 166 FERNANDES, Heloisa Rodrigues, Dispositivo de moralizaso Iaicae sintoma social dominante: um estu- do da Educagéo Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Kev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165-186, 2:sem. 1990. ™ 20" do sistema escolar. Em artigo redigido no calor dos debates, Marta Maria Chagas de Carvalho fez um balanco desse confronto desde a década de vinte até desembocar nas investidas da Igreja Catdlica em favor do ensino confessional na elaboracao da Consti- tuicdo (Carvalho, 1987). A autora adverte com perspicdcia que por sua “secular voca~ do” a Igreja Catélica lutaria para manter e ampliar seu espaco de controle. Mais ainda, estaria colhendo os fratos da sua mobilizacdo ¢ apoio as causas populares bem como da sua alianca com amplos setores de esquerda no perfodo da chamada transiyao democré- tica. De fato, coube a Confederacao Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) encaminhar a proposta de iniciativa popular que pleiteava recursos piiblicos para as escolas confes- sionais ¢ que, mais ainda, defendia o ensino religioso como indispens4vel & “educagio plena”” do individuo. Na sua conclusio, Marta Carvalho adverte que € necessério “im- pedir que 0 direito eo dever do Estado de garantir, com 0 recurso a escola publica, lei- gae gratuita, uma ordem social pluralista, seja definido na Constituicdo como dever de subsidiar a proliferacdo de crengas religiosas” (Carvalho, 1987, p. 81). Nao obstante, “‘sob a protecéo de Deus”, os representantes do povo promulgaram a Constituigéo da Repiblica Federativa do Brasil incorporando as duas principais rei- vindicagées da Igreja Catdlica. O art. 213 afirma que 0s recursos puiblicos podem ser dirigidos a “escolas comunitérias, confessionais ou filantrépicas”. E 0 art. 210 esclare- ce que 0 ensino religioso, de matricula facultativa, “‘constituiré disciplina dos horérios normais das escolas piblicas de ensino fundamental” (Constituicdo, 1988, p. 140 € 139). Assim sendo, no campo do ensino, as duas principais reivindicacées da Igreja Catdlica — acesso aos recursos piiblicos e ensino religioso nas escolas puiblicas — foram incorporadas ao texto da Constituicio. Recentemente, ao avaliar os resultados da atual Constituigao, Florestan Fernandes conclui: “Nao foi & toa que as correntes catdlicas mais tradicionalistas ou conservadoras, que se mantém em posicées andlogas as das dé- cadas de 1950 € 1960, e as entidades representativas do ensino privado comercializado empenharam-se em dificultar e impedir que déssemos, nessa érea, um salto de maior al- cance, pondo o sistema de ensino em dia com as exigéncias hist6ricas dos dias que cor- rem e da passagem para 0 século 21. Sua vit6ria € discutivel e negativa para o pais co- mo um todo. Porém, lograram frustrar 0 processo educacional permanente. Ataram-nos ao passado e a um cfrculo vicioso, com a hipocrisia de que queriam nada mais nada me- nos que proteger © espirito democratico na educagao escolarizada” (Femandes, 1989a, p.A3), Em suma, e mais uma vez, os defensores do ensino laico, ptiblico e gratuito, foram derrotados pelos defensores das posicées da Igreja Catdlica. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacio laicae sintoma social dominante: um estu- 167 do da Educacio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rey. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 165- 186, 2.sem. 1990. 2. Desdobramentos teéricos Embora do ponto de vista politico as linhas do debate estejam claramente marca- das, do ponto de vista te6rico suspeitamos que os campos néo estejam téo bem delinea- dos. Nao s6 porque os dois campos preservam 0 papel moralizador da educacao, como também porque os defensores do ensino laico tendem a questionar 0 ensino religioso enquanto produtor e controlador de sujeitos submissos !, deixando, assim, insinuado que bastaria a supressio do ensino religioso para garantir a produgao de cidadaos ativos € auténomos. Apelando a Florestan Fernandes que, sem diivida, é representante do discurso mais elaborado € corajoso em defesa do ensino laico, percebemos que esta posicdo afirma a importancia desta educacdo para o avanco da secularizac&o da cultura e da ra- cionalizacao dos modos de conceber e explicar 0 mundo (Fernandes, 1960), numa con- figuragdo onde: 1) a educagao formal é 0 fator racional de mudanca cultural espontinea, sociali- zando os individuos para as atividades sociais nucleares da civilizagdo industrial ¢ tec- nol6gica (Fernandes, 1960, p. 132); 2) © papel ativo cabe aos educadores, concebidos como intérpretes e alavancas potenciais de radicalizacéo da mudanga cultural induzida; 3) a democratizacéo do ensino € pensada, prioritariamente, como garantia da igualdade de acesso a educacao formal; 4) 0 direito & educacao formal explicita-se, fundamentalmente, como direito a0 acesso as técnicas, conhecimentos ¢ valores intelectuais da civilizagdo industrial, acesso este que produz e fortalece o “comportamento inteligente, baseado na consciéncia e na escola racionais de fins ¢ de meios”’ (Fernandes, 1960, p. 182). £m suma, no discurso dos defensores do ensino laico piiblico e gratuito, a educa- cdo € a “forca operativa de teor construtivo nas comunidades humanas modernas, pre- parando 0 horizonte cultural do homem ¢ 0 uso social da inteligéncia para as exigén- 1 Marta Carvalho transcreve vérias formulagées que vo neste sentido; uma das mais radicais é a de Nébrega Cunha, em 1932, segundo a qual o ensino religioso pretenderia “transformar 0 Brasil em imenso campo de procissio” (Carvalho, 1987, p. 76) e, para isto, “estabeleceu como ponto inicial da nossa formagéo de povo a obra da Catequese ¢ indicou a Cruz. como Ginico marco para a finalidade dos nossos destinos nacionais” (Carvalho, 1987, p. 77). 168 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacdo laica e sintoma social dominante: um estu- ‘do da Educagao Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2:2): 16S 186, 2.sem. 1990, cias da era da democracia, da ciéncia e da tecnologia cientifica” (Fernandes, 1966, p. 80). Para esta posicao, a educagao religiosa é responsavel pela reproducao das manei- ras tradicionais, retrégadas, conservadoras, irracionais autoritérias de conceber 0 mundo e a educagdo laica é a via para a produgdo e reprodugdo das formas modernas, progressistas, reformistas ou revoluciondrias, racionais e democriticas. Atraso, subde- senvolvimento ¢ autoritarismo articulam-se casualmente as ilusées imagindrias da reli- gido; modernidade, desenvolvimento e democracia articulam-se casualmente a0 saber objetivo, racional, verdadeiro da ciéncia e da técnica. Mais ainda, nos dois campos — defensores do ensino religioso e defensores do en- sino laico — 0 ceme da argumentago esté na transmissdo de contetidos. A religiao, co- mo maneira de ver, pensar e agir no mundo, é indispens4vel “educagao plena” do in- dividuo. O acesso as técnicas, conhecimentos ¢ valores intelectuais da civilizacao in- dustrial propiciado pela educaco laica € veiculo de formagao e garantia da cidadania. Nos dois campos, os dispositivos educacionais sao silenciados como irrelevantes >. Do lado dos detensores da educacao laica reencontramos os argumentos iluminis- tase humanistas que associam religido/crenca/ilusdo/ignordncia/servidao. A religiao/i- lusdo alimenta as superstic6es populares as custas da ignorncia. No polo oposto, edu- car 0 povo é, fundamentalmente, erradicar a ignordncia gracas ao acesso a racionalidade da ciéncia, desfazendo, em cadeia, os demais elos causais: ilusdo/imaginacao/supersti- c4o/atraso cultural/subdesenvolvimento econémico/formas autoritérias de convivéncia social e politica. Mas se, como pretendia Freud, 0 fundamento da ilusio for 0 desejo, fica a questo de saber se ndo € ele que fornece 0 fio que permite associar ¢ tecer, com tanta convic- cdo, 0 discurso da prépria educacio laica. “A filosofia francesa das Luzes acreditava firmemente que educando 0 povo, e dando-lhe os meios de informacao necessdrios, as bases subjetivas da ilusdo seriam arruinadas; ¢ que a luta politica que se seguiria derru- baria sua base social. Esta é sua prépria ilusdo. Ela subestima, a0 mesmo tempo, a ne- cessidade social da ilusio ¢ sua necessidade subjetiva. Em primeiro lugar, acreditando na transparéncia possivel das relac6es sociais, esperando que um dia pudessem tornar- se claras e evidentes para todos. Em segundo lugar, ao esperar do saber e do conheci- mento um perfeito dominio sobre a imaginaco” (Bertrand, 1987, p. 20-21, grifo meu). 2 A questo dos dispositivos de moralizagao ser discutida no item 4 deste projeto de pesquisa. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizagao laica e sintoma social dominante: um estu- 169 do da Educaco Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev, Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990. 3. Moral religiosa e culpabilizacao A moral religiosa — especialmente a catélica — costuma ser questionada por fun- dar-se numa avaliagéo maniquefsta dos corpos ¢ mentes que permite afirmar como su- premo bem a arte da rentincia e da repressdo as custas das severas disciplinas da mente sobre 0 corpo e da eterna vigilancia. © homem € habitado por impulsos internos malig- nos, {rato de um “pecado original”, que ele deve combater; ao mesmo tempo que se re- connece sua impoténcia para fazé-lo, daf sua culpabilidade. Maneira hist6rica de viver e€ representar pecado ¢ culpabilidade reforcadores de processos ps{quicos singularizan- tes que colaboram na elaboracdo de uma forma hist6rica de subjetividade — um sujeito que, pela mediacao do padre, esté obrigado & continua reconstruc&o de um discurso in- temo, auténomo, vigilante dos seus atos e pensamentos ~ compattvel com os processos de sociabilidade dominantes na sociedade de livres contratantes no mercado °. Compa- tibilidade que repercute politicamente j4 que a explicagéo dos males sociais ¢ das an- guistias individuais restringem-se ao horizonte do pecado e culpabilidade essencialmente individuais. Nao € casual que esta elaboracao religiosa se desdobre no procedimento re- forcador da “culpabilizaco individual”: a confissdo auricular individual. Em suma, do prisma que nos interessa, a moral catélica implica e reforca uma forma hist6rica de se viver e de se pensar como individuo: culpado, impotente, e, no limite, irresponsével +. Irresponsabilidade reforgada pela dupla dependéncia: — dependéncia ao outro (a hierarquia religiosa) que avalia as faltas ¢ propée os remédios ¢ alfvios (confissio e peniténcia); — dependéncia a0 Outro, “representacao de Deus como Pai-Juiz-Soberano de uma humanidade onde cada um s6 pode seguir os caminhos da satide segundo a Di- 3 O que néo anula a existéncia, simultane, mas em outros registros, de incompatibilidades, como foram ressaltadas, na Sociologia, especialmente por Max Weber. Pela via que selecionamos, de vemos especialmente a Michel Foucault a recuperacao das contribuicées da moral cat6lica na cla- boracéo da cultura ocidental moderna. E conhecida a tese de Foucault de que 0 homem ocidental tomou-se um animal confitente ¢ que a confisséo est4 no cerne dos procedimentos de individuali- zaco pelo poder (Foucault, 1977, p. 58-62). 4 Pela via selecionada, foros levados a silenciar que a crenca cat6lica canaliza (€ nao apenas repri- me) desejos, terrores, ansiedades ¢ impoténcias humanas (especialmente, mas ndo apenas, aquelas relacionadas representacdo da morte) para as quais providencia sentidos pacificadores, com- pensadores e justificadores do mundo, via pela qual organiza certezas e segurancas que Ihe dio forca de conviccao. 170 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispos do da Educacio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. US 186, 2.sem, 1990, vo de moralizacio laica ¢ sintoma social dominante: um estu- , S- Paulo, 212): 165- vindade porque esta quis, ao enviar e sacrificar seu Filho, salvar os homens, original- mente em falta, impotentes, miserdveis” (Casanova, 1987, p. 62) >. E por esta via que os defensores da educagao laica tendem, com razo, a questio- nar a moral cat6lica: produtora e reforcadora de individualidades culpadas, impotentes, dependentes e irresponsdveis. Construcao da identidade que, ademais, reforca uma con- cepeao fatalista do mundo e das relag6es sociais: individuos impotentes para criar transformar ndo $6 suas experiéncias pessoais mas, também, coletivas °. Fatalismo que se completa quando retoma caswalmente aos préprios individuos: os “males” ¢ “desor- dens" sociais decorrem da domindncia dos ‘‘maus” sentimentos individuais acirradores das “ disc6rdias” coletivas. Embora ainda dominante no mundo catélico, sabe-se, contudo, que esta concep¢io contrasta com uma outra, em ascensdo a partir de 1950, que, sinteticamente, reelabora a noco de pecado — “pecado estrutural”” — de tal modo que os males sociais tendem pro- gressivamente a serem localizados na ordem injusta das coisas, ou seja, nas relacdes sociais que, estas, so historicamente construidas, e, portanto, trasformAveis. “(...) € © pecado como obra coletiva, dirigida, politica, econémica e socialmente, que atinge cada individuo no cere do seu ser. Fere e mata primeiro 0 mais fraco — 0 pobre” (Mou- ra, 1988, p. 30, grifo meu). Os pecados do capital associam-se assim aos pecados capitais, substituigao que redefine a culpabilidade ao privilegiar, agora, a responsabilidade individual, ou seja, a participacdo pessoal na preservagao ou modificacdo das relagées sociais injustas ’. Do prisma que nos interessa, essa mudanca na maneira de viver e representar pe- cado e culpabilidade redefine uma secular visdo de si do catdlico como sujeito impo- tente, culpado, dependente e, no limite, irresponsdvel, pois tende a reforcar 0 sujeito 5 As colocagdes deste artigo de Casanova serviram de suporte em vérias passagens deste item do projeto. 6 E bem conhecido, no Brasl, 0 dito popular: “o que se vai fazer, Deus quis assim”. 7 Redefinigao que, segundo Casanova, repercute em outros registros como € 0 caso da valorizaga0 dos ritos de absolvigdo coletiva. Utilizando 0 material apresentado por ocasiéo da 2* assembiéia zeral do sinodo episcopal, reunido em Roma, em outubro e novembro de 1983, 0 artigo citado de ‘Casanova interessa especialmente pela anélise das posicées dessa corrente relativamente recente no interior da Igreja Catolica, FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacio laica e sintoma social dominante: um estu- 171 do da Educasao Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, 8. Paulo, 212): 165- 186, 2.sem, 1990. como centro responsével pela gestdo ativa da sua existéncia individual e coletiva *. Por outro lado, essa mudanga no sentido do pecado e da culpabilidade inscreve-se no pro- cesso contempordneo mais amplo de reafirmagao do sujeito — auténomo, responsével ¢ criador, individual e coletivamente ~ favorecendo novas vias de confluéncia desta cor- rente catélica com varios movimentos populares, especialmente os de esquerda °. £m suma, a mudanga do sentido de “‘culpabilidade” repercute em outras significa- ges constituintes da subjetividade cat6lica: coloca em crescente erosdo a operatividade do tema do “pecado original”; tende a obscurecer a representacaio de Deus como Pai- Juiz-Soberano; desloca a secular localizagéo do “mal” do indivfduo — seus impulsos malignos — para as relacdes sociais injustas. Segundo Casanova, “o espelho interno (...) onde cada um se encontrava julgado por uma imagem de si (onde se percebia como au- t6nomo, dependente e culpado), este espelho esté em vias de se deformar, de se obscu- recer € de se transformar”” (Casanova, 1987, p. 75, grifo meu). Nao € por acaso que os movimentos de restauracdo do sentido tradicional criticam © “tratamento politico” da culpabilidade dado pela corrente inovadora e insistem que “deixar a culpabilidade prosseguir em ‘estado selvagem’ € vé-la explodir em todos os tipos de violéncia que procuram em vao restabelecer a pureza primitiva da qual a huma- nidade guarda a angustiante nostalgia” 10. Para o tema que nos interessa — educacéo laica/educacéo religiosa — importa real- car que, nas duas representagées catélicas, a culpabilidade pode ser considerada 0 cen- tro mesmo da subjetividade catdlica e a via por exceléncia do controle da Igreja sobre seus institufdos. Muitos intelectuais e militantes de esquerda tém comemorado com re- novadas esperangas ¢ expectativas libertérias esse deslocamento do circuito pecado-cul- pabilidade-confisséo-peniténcia do individuo para a estrutura social. Contudo, é impor- tante nao obscurecer que esse deslocamento permitiu realimentar as energias de uma fi- 8 Casanova menciona uma pesquisa realizada na Franga que teria constatado que a maioria dos trabalhadores catSlicos franceses jé ndo aceita que a Igreja fixe os critérios de sua vida pessoal ¢ privada (Casanova, 1987, p. 64, nota 2). Estaria ocorrendo, inclusive, uma diluicdo da repre- sentagdo tradicional da peniténcia (como privacdo, sacrificio, transformagio de si), associada & crescente conviccéo de que fazer peniténcia ¢ “ participar dos esforcos de justica e paz no mun- do” (Casanova, 1987, p. 70, nota 1). 9 Nao é casual que, no Brasil, como Marta Carvalho bem ressalta, a Igreja Catélica tenha colhido, na Assembléia Constituinte, os frutos da sua alianca com amplos setores de esquerda durante 0 perfodo chamado de transicio democratica 10 Cardeal Etchegaray. O pecado do homem e 0 pecado do mundo. La Croix, 22/10/1983, cita- do por Casanova, 1987, p. 53. 72. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizaco laica e sintoma social dominante: um estu- do da Educasio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem, 1990. liagdo em crescente desgaste e, no fundamental, preserva intocada uma visio essencial- mente maniquefsta do humano. 4. Moral laica e cidadania No Brasil, os defensores da educacao laica fendem a silenciar ou desconhecer 0 tema da moralidade. No limite, € suficiente abolit a educacdo religiosa e basta que as escolas ptiblicas cumpram sua fungéo de ministrar os conhecimentos elementares © cientiticos que constituem a sociedade industrial moderna para garantir a formacao de homens livres e democraticos. Na verdade, insiste-se também que as relacdes pedagégicas autoritdrias predomi- nantes no Brasil aproximam as escolas das “instituigées punitivas ¢ carcerérias”” (Fer- nandes, 1989 b, p. 2) e que a elaboracdo da nova lei de diretrizes e bases da educagao nacional deve rever “as préticas imperantes em nosso ensino, especialmente no primeiro € segundo graus” (idem, ib.). Para esta perspectiva, “a sala de aula fica na raiz da re- volugao social democritica: ou ela forma o homem livre ou ficaremos entregues (...) a um antigo regime” (idem, ib.). Insisténcia, porém, que tende a dirigir sua critica as pré- ticas pedagégicas de violencia fisica e a atribui-las ao universo cultural escravista “pré- burgués” ou “‘sub-burgués”. Nao se trata de menosprezar a importncia deste tipo de énfase e de critica mas de realgar que a explicagao opera, fundamentalmente, gragas ao deslocamento para as so- brevivéncias do passado e, por essa via, silencia os mecanismos de funcionamento da moralizagéo moderna. Seré que a educacéo piiblica laica esté, de fato, comprometida com a formacéo de homens livres? Seré mesmo que a educagéo religiosa e a prética pe- dagégica autoritéria !! so as tinicas envolvidas em préticas de moralizaco formadoras de subjetividades dependentes, obedientes, submissas? 11 A maxima dos jesustas: “dé-me uma crianca dos zero aos cinco anos € depois pode ficar com ela para sempre, porque vai ser minha”, ilustra a pretensao catdlica, enquanto a pedagogia do Dr. Daniel M, Schreber, igualmente interessado em “‘converter-se no dono da crianca para sempre”, segundo a gual a “liberdade consiste em ser livre de nao ser livre ¢ em ver esta falta de hber- dade como liberdade”, ilustra a pretensio autoritéria (Landa, 1989, p. 104, para a maxima dos Jesuftas; e Schatzman, 1986, p. 34 e 28, para a pedagogia do Dr. Schreber), FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacSo Iaica e sintoma social dominante: um estu- 173, do da Educacao Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem, 1990. Retomamos, entio, & questo inicial: seré que a posicéo que permite diferenciar Wo nitidamente os nefastos efeitos da educacio religiosa frente aos libertérios efeitos da educagio laica nao se sustenta apenas na distincdo dos contetidos transmitidos, desco- nhecendo os dispositivos pedagdgicos? A partir de campos discursivos diferentes, Foucault e Lacan passaram a enfatizar a centralidade dos dispositivos em detrimento do contetido transmitido. Na via aberta por Michel Foucault trata-se de realear o funcionamento, na sociedade moderna, de uma “‘mecnica do poder” que j4 nao permite que nos surpreendamos que “‘a prisdo se pare- a com as fébricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, ¢ todos se pare- cam com as prisdes”” (Foucault, 1983, p. 199). Semelhanca do aparecer que nfo é mera analogia pois decorre do funcionamento, nestas instituicées, de uma mesma modalidade disciplinar do poder cujos dispositivos fundamentais so a organizaco do espago (visi- bilidade contfnua), do tempo (controlado de modo a garantir 0 méximo de rapidez com eficiéncia), das distribuigées (mecanismos de exame propiciando continuos processos de hierarquizaco), que produzem a individualizaco méxima ¢ autonomizada dos su- Jeitados gracas aos mecanismos de punicio que j4 no se configuram na forma da vin- ganca (priticas autoritérias) mas na forma corretiva (préticas terapéuticas) !2. Anflise que permite a Foucault concluir que o funcionamento das modernas instituicées panép- ticas, jaulas cruéis e sébias, néo produz homens livres, mas corpos obedientes ¢ efi- cientes; déceis e submissos. Numa perspectiva bastante semelhante, embora a partir de categorias que se estruturam pela existéncia do discurso analitico, Lacan procurou distinguir quatro discursos que buscam dar conta da relagéo com o outro a partir de quatro lugares: ente outro Trerlads Tprodugao onde os termos: 0 significante mestre (Sj), 0 saber (S2), 0 su- Jjeito (S ), 0 mais-do-gozo (a) apresentam-se deslocados de tal modo que 0 Discurso do Ss Mestre go ~ %2), sediferencia do Discurso da Universidade 2 “> a 1 as do Discurso da Histérica(3. _, 1.) € do Discurso do Analista 7g) (em 1982, p. 27). a 82 12 Ver Foucault, 1983, p. 191-199. O resumo, sumarfssimo, visa apenas destacar como opera uma pesquisa preocupada em realcar, néo os conteddos transmitidos na relacdo, mas a mecdnica da prépria relagao. 174 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizago laica e sintoma social dominante: um estu~ ddo da Educacéo Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990, Como para Foucault, os quatro discursos diferenciam-se pelos dispositivos que colocam em funcionamento. Para 0 que nos interessa, importa realcar que o Discurso do Mestre articula-se na suposta identidade entre o sujeito e o significante mestre de tal modo que 0 outro ao qual se dirige seré afirmado como aquele que nao sabe 0 que diz, © que fala, ou atua, No Discurso Universitério ou, na sua versio moderna, no discurso burocrético, a suposta identidade entre o saber objetivo neutro ¢ o significante mestre permitem uma relacéo em que 0 outro a0 qual se dirige € suposto como aquele que compreende bem o que diz, fala, ou atua. £ mesmo o que permite a idealizacéo do saber em suas motivagées de ter tudo sob controle, de excluir 0 acaso, de assegurar a previsio absoluta. Daf se encontrar em Lacan 0 mesmo procedimento ressaltado por Foucault: no limite, seré exigido do outro, sem paradoxo, a confissao ¢ a autocritica |. Diferentemente dos dois primeiros, 0 Discurso do Analista e 0 Discurso da Histé- rica néo colocam em funcionamento dispositivos de poder. O Discurso do Analista por- que consiste na rentincia a toda tentativa de governar ou de educar 0 outro. E 0 Discur- so da Histéria porque busca 0 outro — Mestre, Universidade ou Analista — para que Ihe dé a chave do seu desejo !4. De onde se conclui que apenas 0 Discurso do Mestre ¢ 0 Discurso da Universidade armam os dispositivos dos governantes, legisladores, educa- dores, pedagogos, curas d'almas. Nao é por acaso que Lacan retome Freud quanto as posicdes insustentdveis mas esclarecendo sua seduco: Freud “disse que havia certo miimero de posigées insustentaveis, entre as quais colocava 0 ‘governar’ — 0 que, como vocé pode ver, equivale a dizer que uma posico insustentével € aquela para a qual 1o- dos se precipitam, posto que, para governar, nunca faltam candidatos (...). Freud acres- centava: educar. Aqui, 0s candidatos faltam menos ainda (...), aqui néo s6 nao faltam os candidatos, como tampouco faltam as pessoas que (...) estéo autorizadas a educar. que néo quer dizer que tenham a menor idéia sobre o que € educar. (...) Como os go- vernantes ¢ os educadores encontram-se no estédio do despertar, isso Ihes permitiu dar- se conta de que, depois de tudo, as pessoas que governam € as pessoas que educam nao tém idéia do que fazem. O que nfo os impede de fazé-lo, e, inclusive, de 13 Zizek (1983) utiliza 0 Discurso da Universidade, tal como formulado por Lacan, na sua insti- ‘gante andlise do estalinismo, ¢ conclui que, nos processos estalinistas, este discurso permite su- por a vitima de tal modo que ela “é culpada ¢, ao mesmo tempo, capaz de atingir 0 ponto de vista universal-objetivo, de onde ela pode reconhecer sua falta”, realizar sua autocritica e con- fessar (Zizek, 1983, p. 75). 14 Bleichmar (1988, p. 189) foi utilizada para esclarecer estes dois Ultimos Discursos. FERNANDES, Heloise Rodrigues. Dispostivo de moralizacéo lacaesintoma social dominante: um estu- 175 do da Educagéo Moral em Emile Durkheim, Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990. fazé-lo no muito mal, porque no final das contas os governantes fazem falta € os go- vernantes governam, é um fato, no somente governam mas isso satisfaz a todos” '5. Mas, entdo, pela via dos Discursos, Lacan é to radical quanto Foucault, os dis- cursos que sustentam a relacio pedagégica — 0 do Mestre ¢ o da Universidade — visam 0 outro — no nosso caso, o educando — como sujeitado ao seu desejo, independentemente dos contetidos transmitidos. 5. A educacao moral no discurso sociolégico Na elaboragao positivista de timile Durkheim a educacéo moral laica é relaciona- da, em sua importancia e urgéncia, & crise social. Em outros termos, a educacao moral assume uma tematizacdo especifica da modernidade, j4 que, para Durkheim, sua “‘au- séncia” esté na raiz da “crise social”, e esta, por sua vez, é uma “‘crise moral”: “Se eu escolhi como tema do curso 0 problema da educacao moral. (...) € porque ele se coloca hoje em condigées de particular urgéncia. De fato, € nesta parte do nosso sistema peda- g6gico tradicional que a crise (...) atinge seu méximo de acuidade. E af que 0 abalo é, talvez, mais profundo, ao mesmo tempo que € 0 mais grave: pois tudo 0 que pode ter como efeito diminuir a eficdcia da educacao moral, tudo que arrisca tornar sua agdo mais incerta, ameacga a moralidade publica em sua prépria fonte. Portanto, nio h& questo que se imponha de uma maneira mais premente a atencdo do pedagogo” (Dur- Kheim, 1963, p. 2-3, grifos meus). Urgéncia que seu discurso torna tanto mais angustiante porque o sistema pedag6- gico tradicional “precisa ser reedificado pega por peca”” (Durkheim, 1963, p. 11-12), de modo a tornar a educagéo moral puramente laica: “uma educagao que se proiba qual- quer empréstimo aos principios sobre os quais repousam as religides reveladas, que se 15 Também o psicanalista, bem se vé, est numa posicdo insustentavel pois a demanda do analisan- do ser& formulada a partir de um dos trés outros registros (Lacan, 1980, p. 16-18, grifo meu). Nessa entrevista, Lacan retoma inclusive a ciéncia: “também a sua posicdo € impossivel” (p. 19), introduzindo “montées de coisas absolutamente perturbadoras na vida de cada um" (p. 22), perturbacdes as quais serd necessério dar sentido e, para segregar sentido, nada como a religiao cat6lica; ela interpretard 0 Apocalipse de Séo Jodo ¢ restabelecer4 uma “‘correspondéncia de tu- do com tudo” (p. 23), ou seja, segundo 0 dispositivo do Discurso do Mestre. 176 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositive de moralizacéo Iaica e sintoma social dominante: um estu- do da Educacéo Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990, apdie exclusivamente em idéias, sentimentos e préticas justificdveis unicamente pela razdo, em suma, uma educacdo puramente racionalista”(Durkheim, 1963, p. 3, grifos meus). Reedificagao cuidadosa pois, de fato, ela requer como procedimento prévio um re- corte discursive do objeto. Os fenémenos da vida moral, abordados agora enquanto “fendmenos naturais, isto é, racionais” (Durkheim, 1963, p. 5) pertencem ao campo da Sociologia e, por isso mesmo, a ciéncia da educacao moral s6 pode ser sociolégica. Re- corte discursivo este que admite a contribuico da Psicologia, mas como ciéncia auxiliar ¢ complementar ao trabalho do socidlogo. Isto porque a Psicologia “apoiada na biolo- gia, ampliada pela patologia, permite compreender por que a crianga tem necessidade de educago” (Faucounet, 1955, p. 10), compreens4o eminentemente parcial, contudo, pois a “educacdo fisica, moral, intelectual que uma sociedade fornece em dado mo- mento de sua hist6ria, pertence, manifestamente, ao campo da Sociologia” (Faucounet, p. 10, grifos meus), Quanto a Pedagogia, A qual cabe a direc3o da atividade do educador, deve buscar na Sociologia e, complementarmente, na Psicologia, os princfpios norteadores da sua pritica educadora. Tematizada a questio e recortado o objeto, Durkheim pode entregar-se a tarefa de elaborar a ciéncia da educacio moral, isto é, laica. Elaboracao tedrica do socidlogo condenado a encontrar seus destinatérios pela via da “seducao” dos mediadores: os pe- dagogos, os educadores. De fato, Durkheim dedicou grande parte da sua atividade do- cente & educacdo. Entre 1887 e 1902, na Faculdade de Letras de Bordéus, deu, sema- nalmente, uma hora de aula de educac&o para um piiblico constituido, na sua maioria, or professores primérios. Na Sorbonne, substituiu Fernando de Buisson na cadeira de Ciéncia da Educagéo e “A Educacéo Moral” € 0 tema do seu primeiro curso ali (1902/3), “Até & morte, reservou & pedagogia um terco pelo menos ¢, muitas vezes, dois tercos do seu ensino, em aulas aos alunos da Escola Normal Superior” (Faucounet, 1955, p. 5). Quanto ao curso “A Educaco Moral”, repetiu-o outras vezes sem qualquer modificagio. Este curso compreendia um total de 20 ligdes que Durkheim redigiu inte- gralmente. O manuscrito, compreendendo 18 destas licées, foi publicado, apés sua morte, por iniciativa de Paul Faucounet, em 1934 '¢, Em suma, o recorte discursivo ga- rantia a ciéncia da educacéo moral para o campo da Sociologia e esta, por sua vez, for- 16 Durkheim, E. L’Education morale. Paris, Librairie Felix Alcan, 1934. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizagdo laica e sintoma social dominante: um estu- 177 do da Educacio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2:2): 165- 186, 2.sem. 1990. mava 0s educadores. Informando-se na Psicologia, a Sociologia elabora a ciéncia da educacéo moral ¢ transmite este saber aos pedagogos e educadores, especialmente aos professores primérios '’. Assim sendo, a Sociologia realiza sua vocagao de moralizagao publica através da formagao dos educadores de criancas. £ importante observar que, para Durkheim, a eficécia da educagéo moral depende da sua precocidade. A atencdo dos educadores deveria fixar-se na “segunda inffncia” — momento em que a crianca sai do dominio familiar para o dominio da escola priméria. £ nesta idade que “‘o essencial deve ser feito. Portanto, € sobretudo nesta idade que convém fixar os olhos” (Durkheim, 1963, p. 16), pois “se as bases da moral nfo forem constitufdas desde entdo, jamais sero” (p. 15). Mais ainda, j4 que se trata de construir as bases da moralidade publica, é necess4- rio enfatizar a “educagéo moral da segunda infancia nas nossas escolas ptiblicas”’ (p. 16), pois “‘normalmente, as escolas piiblicas so ¢ devem ser a mola reguladora da edu- cacao nacional” (p. 16). Mesmo porque “ nas nossas escolas piiblicas que se formam a maioria das nossas criancas, séo elas que sao e devem ser as guardias por exceléncia do nosso tipo nacional (...) portanto, é delas sobretudo que vamos nos ocupar aqui, e, con- seqiientemente, da educacao moral tal como ela é e deve ser entendida e praticada ali’ (p. 3). Tematizada a questio da educacéo moral de modo a inscrevé-la no ceme do dis- curso da crise da moralidade publica; recortado o objeto, de modo a justificar 0 perten- cimento da ciéncia da educacdo moral ao campo sociol6gico; localizados seus destinat4- rios prioritérios: as criangas na idade da segunda infancia onde elas estéo em sua grande maioria, ou seja, nas escolas primérias puiblicas; garantida a formagao dos “artistas do saber-fazer” (p. 7) 8, os professores primérios, como o piiblico preferencial da ativida- de docente do socidlogo, Durkheim inicia a tarefa de “racionalizar a moral e a educa- cdo moral” reconhecendo que € “necessério proceder a uma refundicao da nossa técni- 17 Na década de 50, a Editora Melhoramentos publicou Educacdo e Sociologia, um conjunto de textos de Durkheim sobre a educacao moral. O livro foi reeditado varias vezes pois foi adotado como texto bésico da disciplina Sociologia no antigo Curso Normal. Contudo, como bem obser- va Aparecida Joly Gouveia: “No Brasil, 0 enfoque de Durkheim tornou-se conhecido no virar da década de trinta, com a divulgacéo dos trabalhos de Fernando de Azevedo (1935, 1940)”. (Gouveia, 1989, p. 72). 18 Para Durkheim, a Pedagogia € uma teoria prética pois, a ago € sua razo de ser, daf localizé-la como “algo intermedidrio entre a arte e a ciéncia” (p. 1). 178 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moraliza¢do Iaica e sintoma social dominante: um estu- {do da Educasio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2:2): 165- 186, 2.sem. 1990. ca educativa”’ (p. 12) e que, portanto, a tarefa “é bem mais complexa do que parecia & primeira vista” (p. 12). Ao contrério do que se poderia supor, nao se trata, para Durkheim, de elaborar 0 discurso das virtudes morais, nem, portanto, de apresentar um elenco de valores morais de modo a avalif-los ¢ hierarquiz4-los em escalas de priotidade e/ou preferéncia. O al- vo da elaboracéo durkheimiana € bem outro: explicitar as disposigées psiquicas, os “estados de espirito”, que estio na base da moralidade. A educacio moral laica visa formar — dar forma — & configuraco psiquica que adere a valores morais, quaisquer que eles sejam, pois, “acima de tudo precisamos fazer uma alma ¢ esta alma precisamos preparé-la na crianca” (p. 87, grifos meus). Eis porque a “ciéncia da educagéo moral” busca, em primeiro lugar, delimitar os “elementos da moralidade”: o espirito de disci plina, a vinculacdo aos grupos sociais, a autonomia da vontade. Momento que j4 pres- supée seu desdobramento necessério: como constituir na crianga os elementos da mora- lidade, atividade do educador que deve saber buscar na “‘natureza” da crianga os pontos de apoio necessérios “‘para a ago que queremos exercer” !9 sobre ela. A envergadura da tarefa explica porque a “ciéncia da educago moral” nao de- semboca na proposta da mera incluso de uma nova disciplina curricular. Ao contrério, fundamenta a proposta de reconstrucgo da escola piblica priméria de tal modo que a constituigéo dos elementos da moralidade laica torna-se 0 eixo estruturador do universo escolar: organizagio do tempo, do espaco, das penalidades, das recompensas, do curri- culo, ete. 6. Hipéteses do projeto de pesquisa ¢ desdobramentos interdisciplinares Pretendemos analisar 0 discurso da “‘ciéncia da educagéo moral” selecionando A Educagdo Moral de Emile Durkheim como texto chave. Contudo, nao se trata de consi- derar 0 contetido manifesto do texto como um tipo de saber espontineo, nem como 19 Durkheim alinha-se, portanto, a posigdo kantiana: jé ndo se trata de determinar as virtudes, os ‘objetos bons para os homens, mas de colocar regras formais, imperativos de aco. Contudo, apesar da adesio, Durkheim cuida de criticar Kant, ¢ no por acaso, exatamente no que se re- fere a “autonomia da vontade” por estar, segundo Durkheim, excessivamente centrada na pes- FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacdo laicae sintoma social dominante: um estu- 179 ‘do da Educacéo Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev, Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 165- 186, 2.sem. 1990. construgéo “ideolégica” ou “‘verdadeira’’ de um socidlogo. O texto é indicador ou sintoma, tal como os define Michéle Bertrand: conjunto de significagdes conscientes onde o sentido resulta sempre do imaginério, imaginério do sujeito e imaginério do gru- Po social a0 qual ele pertence ¢ do qual partilha os ideais, valores e crengas (Bertrand, 1987, p. 41-42). Assim sendo, estas significagées estio duplamente referidas aos votos inconscientes do sujeito. Por outro lado, nao se trata, entéo, de realizar a andlise da ideologia do discurso mas de ressaltar seu valor pelo que ele faz ao dizer (Bertrand, 1987, p. 42), ou seja, neste caso, enquanto ele tem eficdcia na construcéo do universo escolar das sociedades modernas. Neste sentido, considerado como sintoma, o discurso da educacéo moral de Durkheim é exemplificagdo de uma estrutura que possui valor antecipatério de praticas efetivas. Cabe esclarecer que, se 0 discurso “faz ao dizer’, 0s votos inconscientes nao es- téo alojados para além das suas “aparéncias”, em algum ponto escondido em profunde- zas a serem descobertas ou desveladas por um olhar perspicaz, 0 que implicaria retormar a0s pressupostos da andlise ideolégica. O sintoma nao é substituto do inconsciente mas exemplificacéo da sua estrutura; nao é patriménio individual, mas € transubjetivo: esté na linguagem € nao sob ela. Posicao que, ademais, tem a vantagem de descartar hipéte- ses conspirativas. Nao foi necessério ter lido Durkheim para reconstruir as escolas pui- blicas primérias segundo uma fundamentac4o que, no essencial, obedece as suas diretri- zes. Sem diivida, a divulgacdo do seu trabalho € momento de circulacdo e difuséo im- portante das suas concepg6es, mas a prépria divulgacdo est4 suportada neste campo transubjetivo. Campo este do qual, precisamente, o discurso durkheimiano é sintoma 20. No interior desta delimitacao é, ento, possivel formular a hipétese de que A Edu- cacao Moral, de Emile Durkheim, representa uma das elaboracGes mais acabadas dos dispositivos disciplinares que a andlise de Foucault ressalta no seu funcionamento, mas nao na sua fundamentagao tedrica. Hipétese cuja confirmacao depende da anélise cui- dadora dos recortes discursivos durkheimianos, especialmente a construgdo, sempre 20 E a posigao lacaniana que permite formular 0 conceito de sintoma social dominante em relacao a0 qual se organizaram os destinos individuais por estarem referidos a ele, ou na sua contramao. O conceito de sintoma social dominante e a explicitacdo dos percursos individuais a ele referidos foram desenvolvidos pelo psicanalista Contardo Calligaris num ciclo de palestras que proferiu, 1no Instituto de Psicologia da Universidade de Sa Paulo em agosto de 1988. Portanto, ao incor- porar esta elaboracdo, assumi a tese de que 0 discurso durkheimiano da educagao moral laica est4 inscrito no sintoma social dominante, tal como formulado acima. (Ver Calligaris, 1989, p. 125-26). 180 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizagéo laica e sintoma social dominante: um estu~ ‘do da Educacio Moral em Emile Durkheim. ‘Tempo Social; Rev. Sociol, USP, S. Paulo, 22): 165~ 186, 2.sem. 1990. analégica, das posigées de sujeito 2! do adulto normal e da crianga € que constitui 0 fundamento mesmo do dispositive da moralizaco laica sob controle ativo do educador. ‘A segunda hipétese é de que o discurso durkheimiano representa um momento privilegiado da formacio, nas escolas primArias piblicas, do dispositive que Lacan dife- renciou como Discurso da Universidade, discurso univoco no qual 0 lugar terceiro jus- tificador e centralizador dos ideais é ocupado por um saber sem sujeito (saber da cién- cia e, no limite, da burocracia) 22. ‘As duas hipéteses questionariam a tese dos defensores da educacao laica como se ela, puramente racional, e exatamente por isso, estivesse desvinculada dos processos de formacao de crencas tais como se verificariam apenas na educacéo religiosa. Cabe mesmo problematizar se, quanto aos efeitos visados, os dispositivos da moralizacao lai- ca so mesmo essencialmente diversos dos dispositivos da moralizacao religiosa, tal como foram apresentados no item 3 deste projeto: identificagdo com a norma e submis: sdo pela via do circuito proibicdo/transgressio/culpabilizagdo/peniténcia. Considerando especificamente 0 dispositive da moralizagao laica do qual 0 discurso durkheimiano sintoma, € possivel formular a hipdtese de que a relagéo entre os dois dispositivos pode ser de complementariedade € nao de oposicéo. A hipétese limite é a de que a demanda de crenca pode estar sendo preservada e/ou suscitada pelo proprio dispositivo da moralizacdo laica. Neste caso, néo bastaria questionar a presenca optativa da educaco religiosa nas escolas puiblicas pois pouco importaria que a demanda suscitada na escola seja respondida na prépria escola ou fora dela. 21 Laclau introduz a nocio de posicdo de sujeito para realgar a remogao da centralidade do sujeito nas Ciéncias Sociais contemporaneas. “(...) devemos abordar o agente social como uma plurali- dade, dependente das vérias posigées de sujeito, através das quais 0 individuo é constitufdo, no Ambito de varias formacées discursivas” (Laclau, 1986, p. 43). A noc foi incorporada aqui para realcar que 0 discurso da educaco moral de Durkheim sustenta-se na elaboracao de di- versas posicdes de sujeito das quais as mais relevantes so as do adulto normal e a da crianca. 22 “Penso que um dos ensinamentos fundamentais da estrutura lacaniana dos quatro discursos & que, para dar conta do dominio enquanto laco social, Lacan néo precisou recorrer a classificaca0, da Clinica freudiana (neurose, psicose e perversdo) mas situou-se sem dificuldade num outro nf- vel teérico a partir de um principio muito simples: quatro termos, quatro lugares. Lacan insti- tuiu, portanto, um afastamento em relagdo a clinica que interdiz. uma leitura desenfreada dos tracos clinicos. (...) Mais ainda, é a partir deste dispositivo lacaniano muito simples que a leitura dos tragos clinicos toma-se possivel e encontra sua coeréncia” (Dolar, 1983, p. 51). FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizagéo laica e sintoma social dominante: um estu- 181 {do da Educacao Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 242): 165- 186, 2.sem. 1990. Em suma, para avancar no debate educagdo laica/educacdo religiosa na diregao de propostas inovadoras seria necessério enfrentar aquilo que os educadores tendem a si lenciar: como funciona 0 dispositivo da moralizacdo laica e qual sua eficdcia. Questo tanto mais premente porque, no Brasil, afirma-se crescentemente a tendéncia de propor solugdes meramente formais como é 0 caso dos movimentos pela incluso de novas dis- ciplinas nos curriculos escolares: Filosofia, Psicologia, Sociologia, etc. °. Movimentos incentivados pelas corporagées académicas e fundamentado em votos humanistas ¢ ilu- ministas que, ademais, é acompanhado por wn outro processo, este bem mais silencio- so, de regressdo as posigées disciplinares mais conservadoras. Regressao esta justifica- da pelo pais dos educandos em nome da eficécia do ensino e, pelos educadores porque “as grandes civilizagdes nunca foram complacentes com as criangas. Em Atenas, em Roma, nos colégios jesuitas, nas public schools, a crianca era mais vigiada, mais cons- trangida do que seu colega ind{gena ou afticano (...)” 24, Pela via da “grandeza da ci- vilizagdo” retorna, portanto, a tese da educacéo para a disciplina como requisito para a producao do tipo de homem que a civilizacdo necessita, argumento que, aligs, encon- tramos no préprio Emile Durkheim 25, A anélise da construgao do dispositivo da moralizacao laica em Durkheim neces- sita ser complementada pela andlise do recorte discursivo. Isto porque 0 dispositivo vai 23. Apesar do seu belo estilo humanista e, talvez, por isto mesmo & exemplar a proposta de Sérgio Paulo Rouanet (1987), tanto mais sedutora porque os defensores da educagdo laica acostuma- ram-se a tornar inquestiondvel os efeitos libertadores dos contetidos das disciplinas das humani- dades, independentemente dos dispositivos pedagégicos. 24 Besancon, 1987, p. 6, grifos meus. Neste livro, as autoras afirmam estar ocorrendo, hoje, na Franca, 0 despertar brutal para a verdadeira catéstrofe que vinha ocorrendo hé anos no sistema de ensino francés gracas as reformas ut6picas € niilistas (formadoras de “bérbaros”) ¢ come- moram a luz no fim do ténel: “Os professores, (...) 08 pais (...) acreditam, enfim, sentir sob os és um solo mais firme. Por toda parte, esforco e disciplina, lousas, aventais negros, leitura, es- crita, célculo, histéria, geografia, cadernos bem conservados, sapatos engraxados” (p. 7-8), © tudo nesta ordem... 25 Esquece-se a adverténcia de Adorno de que a civilizacio engendra a anticivilizagio, que a bar- bdrie estd instalada no princfpio mesmo de civilizaco € que uma das suas vias ¢ exatamente 0 ideal do rigor da educagao tradicional (Adorno, 1986). 182 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacao laicae sintoma social dominante: um estu- {do da Educagao Moral em Emile Durkheim. ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 165- 186, 2.sem. 1990, sendo construido & medida que Durkheim recorta a “‘ciéncia da moral” como campo so- ciolégico. E 0 recorte que permite legitimar o dispositivo, em nome da verdade, em no- me da razio, como “‘ciéncia da moral”, Neste recorte, Durkheim recorre a dois proce- dimentos principais: a oposi¢do a um conjunto de campos e a invocacdo do apoio a um outro conjunto. Quanto ao procedimento por oposigéo, assume modalidades diversas que a pesquisa procuraré especificar. Assim é que a ‘‘ciéncia da moral” recortada: — em oposicao por substituigdo a religido (especialmente a crista); — em oposicao por desvalorizagdéo ao saber dos “moralistas” (Kant, Rousseau, ‘Tolstoi, Spencer); — em oposigao por denegacdo & produgao artistica (o prazer em oposicéo a razo). Mas 0 recorte da ‘‘ciéncia da moral” em oposigao aos saberes religiosos, moralis- tas, artisticos € complementado pelo procedimento de invocacdo do apoio ao saber da Biologia e, especialmente, da Psicologia. Em outros termos, a “ciéncia da moral” consir6i-se, em parte, gragas incorporago destes campos do saber tais como tormula- dos especiticamente por dois contempordneos seus que Durkheim considera psicdlogos: Sully (Etudes sur ’'enfance e The Teacher Handbook of Psychology) ¢ Guyau (Educa- tion et Heredité) 6. Note-se que o recorte da “‘ciéncia da moral" como campo discursivo da Sociolo- gia ocorre simultaneamente & construcao do dispositivo da moralizagao escolar. Daf a necessidade da observacao cuidadosa dos dois momentos, procurando explicitar quando Durkheim procede por invocacéo aos campos complementares ¢ quando procede por oposicao, nas suas diversas modalidades. Quanto a0 dispositivo da moralizacao escolar, € necessério acompanhar a constru- cdo de varias posicées de sujeito: 0 adulto normal, 0 mestre, a crianca, e os procedi- 26 Os textos de Sully estdo indicados por Durkheim em L’Education Morale. Quanto a Guyau, cuja tese da aco do educador como acao hipn6tica é de fundamental importdncia para a construga0 do dispositivo de moralizagéo escolar em Durkheim, ndo ha nenhuma indicagao bibliogréfica. Em “A educagéo, sua natureza e funcao”, (Educacdo e Sociologia), Durkheim volta a anco- rar-se em Guyau’e, novamente, sem indicacdo bibliogréfica. O prof. Lourenco Filho, tradutor deste texto para o portugués, indica em nota de rodapé a bibliografia usada ¢ afirma que Jean Marie Guyau (1854-1888) era fildsofo, ¢ ndo psicélogo, como pretende Durkheim (p. 41). Ob- viamente, nio se trata de um erro de Durkheim. Em nome da validagao cientifica, a tese de Gu- yyau, para’ Durkheim, teria que ser psicol6gica, ¢ nao filosGfica. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositive de moralizagao laica e sintoma social dominante: um estu- 183 ‘do da Educacéo Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 165- 186, 2.sem, 1990, mentos de normalizacao escolar (desde o sistema de penalidades até o curriculo esco- jar). Este projeto de pesquisa foi formulado de modo a permitir 0 desdobramento do te~ ma das minhas pesquisas anteriores que privilegiaram a questo da obediéncia e da submissdo. Na formulacdo durkheimiana, o dispositive de moralizacdo escolar — assen- tado na obediéncia & autoridade e na disciplina — nao é essencialmente diverso de ou- tros dispositivos de moralizago institucional. Por outro lado, como este projeto de pesquisa suscita a andlise dos processos de interdicdo, de identificagéo com a norma, de idealizagao, de culpabilizacao, de inferio- rizacéo, etc. 27. a interpretagéo néo necesita obedecer a linhas rigidas de fronteiras en- tre a Sociologia e a Psicandlise. Mesmo porque, no campo da educacdo, hé uma forte tendéncia, na Sociologia, a preservar interpretagées derivadas daquela inaugurada por Marcuse e que terminam sustentando a tese da distincdo entre um minimo de repressdo necesséria & sociabilidade e a repressdo excedente, gracas ao sistema de dominaco de exploracao. Como bem adverte Laplanche, a partir do campo da psicandlise, a dis- tingdo marcuseana supée que o recalque (psiquico) seja integralmente deduzido da re~ pressao (social), isto é, que 0 recalque no individuo é mera repressao social interioriza- da (Laplanche, 1989, p. 142-3): ‘com um Marcuse, e com outras tentativas de estabele- cimento desse tipo de distingdo entre boa mé represso, chegamos talvez. aos impasses de toda a pedagogia — mesmo que seja psicanalitica -, a qual pretende esquecer que 0 pai, ou o pedagogo, € ele mesmo um ser desejoso e que a relacdo pedagdgica é necessa- riamente uma relacio em que intervém, como intrusa, eu direi em intrusio, e, evidente- mente, em sedugao, a sexualidade do adulto” (Laplanche, 1989, p. 143). Aliés, € porque nao ignoram 0 pedagogo como desejante que muitos psicanalistas ém formulado criticas bastante duras ao dispositivo da moralizagao laica: desde a pre- senga de um 6dio mascarado a infincia que estaria na base de grande parte da conduta “pedagégica’”” (Mannoni, 1986, p. 47), até a enfética afirmacao de que a “‘adaptacio es- 27 Bleichmat (1982) estabelece uma diferenciagéo entre sentimento de culpa (e seus desdobramen- tos) relacionado a norma, & violacao, ao ideal do eu, € sentimento de inferioridade (e seus desdo- bramentos) relacionado ao eu ideal ¢ ao narcisismo. E posstvel que esta distingo possa ser in- corporada a andlise do dispositive de moralizacdo durkheimiano de modo a configurar novos temas interdisciplinares. 184 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacio laica e sintoma social dominante: um estu- ‘do da Educaso Moral em Emile Durkheim. ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990, colar é, agora, & parte rarfssimas excecGes, cumpre dizé-lo, um sintoma maior de neuro- se” (Dolto, 1986, p. 24). De onde é possivel concluir que, embora 0 recalque (ps{quico) no seja, pura e simplesmente, deduzido da repressio (social), isso no impede que se possa questionar, a partir da psicandlise, a repressao social, lembrando nao ser necessdrio que “‘o preco da civilizagdo seja a existéncia das psicoses e neuroses devastadoras cada vez mais pre- coces" (Dolto, 1986, p. 29) gracas, também, as instituigdes escolares. Recebido para publicagéo em abril/1990 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Device of laic moralization and dominant social symptom. A study ‘of moral education by Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 165- 186, 2.sem, 1990. ABSTRACT: Defenders of both laic and of confessional education have marked there differences with regard to child moralization by means of the effects they attribute to educational contents. Device of laic moralization — a symptom of which is to be found in the Durkheimian discourse ~ allows for the hypothesis that the two pedagogical devices may stend in a relation of complementarity rather than in one of opposition. UNITERMS: laic pedagogy, confessional pedagogy, Durkheim, morality, pedago- gical device, social symptom, domination. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ADORNO, T.W. Educagéo apés Auschwitz. In: COHN, G. (org.) Theodor W. Adorno. Séo Paulo, Atica, 1986. p. 33-45. BERTRAND, M, L’homme clivé, la croyance et limaginaire. In: BERTRAND, M. et alii. Je, sur Pindividualié, approches pratiques, ouvertures marxistes. Paris, Ed. Sociales, 1987. p. 17-48. BESAGON, A. Prefécio a STAL, 1. & THOM, F. A escola dos barbaros. Sao Paulo, T.A. Queiroz/EDUSP, 1987. FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizacdo laica e sintoma social dominante: um estu- 185 do da Educasio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.sem. 1990 BLEICHMAR, E.D. 0 feminismo espontaneo da histeria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1988. Depressao, um estudo psicanalitico. Porto Alegre, Artes Médicas, 1982. CALLIGARIS, C. Introducdo a uma clinica diferencial das psicoses. Porto Alegre, Artes Médi- cas, 1989. CARVALHO, M.M.C. Pelo ensino ptiblico, leigo ¢ gratuito. Revista da Universidade de Sdo Paido. Sao Paulo, 6: 71-83, jul/set. 1987. CASANOVA, A. Evolution du peché, individualité et crise de civilization, 1950-1985. In: BERTRAD, M. et alii, Je, sur Cindividualité, approches pratiques, ouvertures marsistes. Pax ris, Ed, Sociales, 1987. p. 49-75. Constiwicdo. Repiiblica Federativa do Brasl. Brastlia, Centro Gréfico do Senado, 1988. DOLAR, M. Prolégoménes a une théorie du discours fasciste. Perspectives psychanalytiques sur (a politique. Analytica, Paris Navarin Editeurs, vol. 33, 1983. p. 39-54, DOLTO, F. Preffcio a MANNONI, M. A primeira entrevista em psicandlise. Rio de Janeiro, Ed. Campos, 1986, p. 9-30. DURKHEIM, E. L’éducation morale. Paris, P.U.F., 1963. FAUCONNET, P. A obra pedagégica de Durkheim, In: DURKHEIM, . Educagao e sociolo- gia. Sao Paulo, Ed. Melhoramentos, 1955. p. 9-31. FERNANDES, F. A ciéncia aplicada ¢ a educacdo como fatores de mudanga cultural provocada. In: ——.. Ensaios de sociologia geral e aplicada. Sio Paulo, Ed. Pioneira, 1960. p. 160-219. A escola e a ordem social. Paulo, Dominus Ed., 1966. p. 69-73, -. Educacéo e sociedade no Brasil. S80 . Diretrizes e bases. Folha de S. Paulo, Sao Paulo, 12/3/1989. p. 3. - Acscolaca sala de aula. Jornal de Brasilia. Brasilia, 23/3/1989. p. 2. FOUCAULT, M. Historia da sexualidade: J. A vontade de saber. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 197. Vigiar e punir. Petr6polis, Vozes, 1983. GOUVEIA, A.J. As ciéncias sociais e a pesquisa sobre educagio. Tempo Social. Revista de So- ciologia da USP. S80 Paulo, (1): 71-79, 1° sem. 1989. LACAN, J. O semindrio. Mais ainda. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1982. 186 FERNANDES, Heloisa Rodrigues. Dispositivo de moralizagéo laica sintoma social dominante: um estu~ do da Educagio Moral em Emile Durkheim. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 165- 186, 2.8m. 1990, LACAN, J. Entrevista a imprensa, 29/10/1974. Actas de la Escuela Freudiana de Paris. Bar- celona, Ed. Petrel, 1980. LACLAU, E. Os novos movimentos sociais ¢ a pluralidade do social. Revista Brasileira de Cién- cias Sociais. Anpocs, S40 Paulo, 1(2): 41-47, out, 1986. LANDA, F, Neurose e repeticfo. In: FERNANDES, H.R. (org.) Tempo do desejo. Séo Paulo, Brasiliense, 1989. p. 97-107. LAPLANCHE, J. A sublimacdo. Sao Paulo, Martins Fontes, 1989. MANNONI, M. La educacién imposible. México, Siglo Veintiuno, 1986. MOURA, J.C. Pecados do capital: pecados capitais. In: MOURA, J.C. (org,) Hélio Pellegrino A- Deus. PetrOpolis, Vozes, 1988. p. 27-51 ROUANI Reinventando as humanidades. In: As razées do Iluminismo. Sio Paulo, Companhia das Letras, 1987. p. 304-330. SCHATZMAN, M. El asesinato del alma, la persecucién del nifio en la familia autoritaria. Ma- drid, Siglo Veintiuno, 1986. ZIZEK, S. Le stalinisme: un savoir décapitonné. Perspectives psychanalytiques sur la politique. Analytica, Paris, Navarin Editeur, vol. 33, 1983. p. 55-83.

Вам также может понравиться