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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME FURB

ISSN 1809-0354 v. 7, n. 2, p. 404-422, mai./ago. 2012

#HUNDERTWASSERCORPOIMENSOEDUCADOR

#HUNDERTWASSERIMMENSEBODYEDUCATOR

OLIVEIRA, Marcio Romeu Ribas de


Universidade Federal do Amapá
marcioromeu72@unifap.br

RESUMO O texto procura investigar o pensamento do pintor austríaco Friedereisch


Hundertwasser, e para tal empreendimento faz um percurso pela passagem do pintor no
Brasil, em seguida dialoga com suas ideias e conceitos sobre o ser humano como uma
espiral de cinco peles, articulando essas emergências do pensamento vibrante do pintor ao
campo da educação e do corpo na contemporaneidade.
Palavras-chave: Hundertwasser. Corpo. Educação.

ABSTRACT The article investigates the work of the Austrian painter Friedereisch
Hundertwasser, and for such a venture draws a course through the passage of the painter in
Brazil, then argues with his ideas and concepts about the human being as a spiral of five
skins, articulating these surges of vibrant thoughts of the painter with the field of education
and the body in contemporary society.
Keywords: Hundertwasser, body, education.

1 #HUNDERTWASSERBRASIL

Hundertwasser é como conhecemos Friedrich Stowasser, nascido em 1929,


mas em 1949 recria seu nome para Hundertwasser, com essa alteração indica que
seria um homem das cem águas, um turbilhão constante e potente como a chuva na
região Amazônida - em seu período de inverno intenso, a chuva, para ele, era um
vício. Hundertwasser esteve no Brasil em 1977, expondo seus trabalhos no Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e no Museu de Arte de São Paulo. A
exposição no MAM foi no período de 18 de agosto a 11 de setembro, visitaram sua
exposição 7.438 pessoas, ficou hospedado no hotel Meridien e caminhava de
Botafogo, pelo Aterro do Flamengo, até o MAM.
A exposição foi a mais importante de 1977, o catálogo da exposição, não por
acaso, era um passaporte, uma entrada no mundo lúdico do “médico da arquitetura”.
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Hundertwasser colocou árvores pelo espaço da sua exposição, indicando uma


relação dos seres humanos multiepidérmicos (PERETI, 2007); com seus manifestos
- O teu direito de janela – O teu dever de árvore (1972); e ao replicar suas Árvores
locatárias (1973) nos vãos do MAM o artista problematizava a ausência das árvores
em nossas vidas e, dessa forma fornece argumentos para a oxigenização de uma
existência com dignidade, colocada em conexão com a presença das pessoas e
árvores na ambiência da performance artística, em estado de harmonia com a
natureza; pratica de forma moral e religiosa um de seus principais argumentos, a
assepsia da arquitetura em relação ao mundo da natureza, iniciada pela ideia da
linha reta funcionalista da arquitetura moderna.
“A linha reta imoral, e ímpia” (Restany, 2003, p. 18), para Hundertwasser era
“(...) a mãe de todos os males, mãe da uniformidade e da fealdade” (Idem, Ibidem, p.
18). O artista em seus manifestos e happenings foi um crítico da excessiva
racionalidade na arquitetura e seu, conseqüente, distanciamento da natureza, isso,
como comenta Restany (2003), foi considerado ingênuo e bobo pelos seus críticos,
entretanto com o passar do tempo, essas considerações foram tendo um grande
destaque e foram compreendidas como uma condição de possibilidade do ser
humano e suas conexões com o que é, o que veste, aonde mora, com quem convive
e com a sua existência terrena, residindo aí o germe desse corpo imenso
hundertwasseriano. Nesse sentido há um componente religioso e moral nas ideias e
conceitos desenvolvidos por Hundertwasser, uma relação messiânica por outra
existência possível, que, no seu cerne, é uma indicação da necessidade de
praticarmos na sua totalidade essa premissa, não havendo outra condição de
possibilidade a não ser a sua:

A fixação precoce de um estilo aliada a um gosto evidente pelo decorativo


encerrou de imediato Hundertwasser no mundo fechado do seu laboratório
mental, no labirinto da sua visão introvertida. De facto, no plano formal, há
50 anos que Hundertwasser é Hundertwasser, e, para além de algumas
inovações ou alguns aperfeiçoamentos técnicos, não se nota qualquer
evolução nesta obra fundamentalmente estática e baseada numa perfeita
autarcia imaginativa. Imperturbável e hierático, o olhar “transautomático”
que o pintor vienense lança sobre o mundo desde que adquiriu uma
consciência autónoma do mesmo, parte do seu umbigo para percorrer a
natureza ambiente e regressar de novo ao seu umbigo. (Idem, Ibidem, p.
16, grifo nosso)
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A espiral existencial hundertwasseriana é o antídoto à hegemonia da linha


reta, para o pintor a espiral aparece como um elemento essencial para seu
mecanismo criativo, à sua arquitetura, para ele a espiral é uma teia conectiva que se
espraia do ser humano para regressar ao ser humano, nessa viagem espiralada na
lógica germinativa de nossas peles corporais e metafóricas, a espiral recita a
necessidade de uma relação subjetiva e intersubjetiva com características
relacionadas à teoria do transautomatismo, a espiral cria e recria os caminhos das
pessoas, é um sentimento de totalidade entre a vida e a morte; inspirada pelas
pinturas de doentes mentais vistas no filme “Imagens da Loucura” (Rand, 2003). A
espiral é a emergência orgânica da vida, uma forma que se emancipa da
racionalidade linear colocada na linha reta, a espiral é acolhedora e criativa, apoiada
no conceito de transautomatismo.
Ao idealizar o conceito de transautomatismo acreditava que:

Su teoria Transautomática fue asimismo una crítica al analfabetismo


perceptual del público y una confirmación de que existe una participación
creativa por parte del espectador frente a la obra de arte. La idea de lo
personal, creativo, transautomático juega um papel importante en la idea
favorita de Marcel Duchamp de que los espectadores hacen la obra de arte.
(Restany, 1975, p. 32-33, citado em Hundertwasser, 1979, grifos no
original).

A proliferação epistêmica da experiência de Hundertwasser é um germe que


contamina e infesta sua lógica como pintor “a arte de pintar é a sua arte de viver”
(Restany, 2003, p. 43), a espiral de seus pensamentos irradiam e se conectam
fazendo de sua participação uma elegia da criação, não se esquecendo de acreditar
que todo esse procedimento é tecido pelo ser corpo multiepitelial, espraiado e
tocante, ambicioso exercício de ser na presença da arte, ao indicar que o corpo, em
suas cinco peles, é um protagonista ativo e inverte a ideia de uma formação finita na
representação da humanidade e projeta no corpo de cada um a ideia de relação com
as coisas, que iriam afetando, embolorando e apodrecendo cada um que se efetiva
em suas artes de viver.
O recurso ao bolor no manifesto de Seckau abre logicamente caminho para
o manifesto “O Teu Direito de Janela – O Teu Dever de Árvore” de 1972. O
bolor princípio activo da fermentação vital, atrai e prefigura a plantação de
árvores em casa; (Idem, Ibidem, 2003, p. 27).

Esse organismo vivo e vital é fruto da experiência, levada ao seu máximo pelo
próprio artista em seus manifestos, performances, casas, projetos “me gustaria, y
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logo también, muy instintivamente, vivir un ejemplo, vivir un ejemplo para la gente,
pintar para ellos un paraíso que cada uno pueda tener, lo único que necesita es
alcanzarlo”. (Hundertwasser, 1979, p. 35). Hundertwasser acreditava nessa relação
orgânica da vida e da sua intensa potência criativa desse imenso corpo produtor de
sua própria energia e de sua sustentabilidade, para ele, longe dos clichês
contemporâneos de uma “lógica verde” em projetos, casas, e da imperiosidade da
ideia de sustentabilidade, acreditava num processo harmônico de conhecimento do
corpo e suas diversas peles, somente dessa forma seria possível a felicidade e o
progresso da humanidade. Com sua putrefação epistêmica ataca o sentido do
progresso na humanidade e logicamente, por ser artista, o faz no campo da arte,
também, “paralela a esta línea principal de conducta, el antirracionalismo de
Hundertwasser también ha abordado la educación, la enseñanza y la liberdade de
expressión, la condición del artista, etc.” (Idem, Ibidem, p. 34).

O pensamento teórico de Hundertwasser impressiona pela evidência lógica


da sua progressão empírica. A reflexão sobre o bolor vai fatalmente
desembocar na conclusão do ciclo biológico da natureza. Com as retretes
de húmus (Munique, 1975, il. p.79) e o “Manifesto da Santa Merda”.
(Restany, 2003, p. 28 – 30).

Como num ciclo vital a merda seria a regeneração da humanidade verde da


casa-tipo, eco-naturista de Hundertwasser (Restany, 2003), no ciclo inventivo da
arquitetura hundertwasseriana, a merda seria o húmus que alimentaria o verde da
casa, nada seria deixado de lado, a potência da merda humana seria o combustível
de tal organismo vivo e harmônico.
Hundertwasser era um homem do mundo, um viajante que acreditava nas
possibilidades e na criatividade humana. Nas suas passagens pelo Brasil, uma na
exposição de 1977, e outra em 1978, na qual viaja de Manaus subindo pelo Rio
Negro, estão postas a dimensão do desejo, vontade e do radicalismo de seus
pensamentos, ao viajar pelos rios da Amazônia, como escreve Restany,
Hundertwasser teve “a confirmação da imanência da ordem natural” (2003, p. 82).
Além disso, “o seu pensamento desenvolve-se através do fluxo de metáforas visuais
que se exprimem tanto pela palavra e pela escrita como pelo lápis e pelo pincel.”
(Restany, 2003, p. 84).
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2 #HOMEMMULHERCINCOPELES

A metáfora do bolor [..] antecipa toda a expansão progressiva da teoria


naturista integral, a dimensão osmótica da relação do homem com a
natureza, a higiene moral da sua relação com o mundo, a sua
participação no ciclo orgânico da matéria. A metáfora do bolor torna-se
assim a imagem parabólica da espiral expansiva do indivíduo: a casa que o
homem talha segundo a sua fantasia é a extensão do vestuário que cobre
sua pele biológica (RESTANY, 2003, p. 23, grifos nossos).

As ideias polêmicas do pintor, arquiteto, naturista, trazem uma nova


possibilidade da relação do ser humano com seu corpo e os espaços e tempos que
o conectam com o mundo; projetos, casas, cores e pincéis vão dando forma e
problematizando antiformas da existência de tod@s nós, suas ideias antecipam o
sentimento de corpo e sustentabilidade, que o leva ao limite de suas experiências
artísticas, éticas e estéticas. Para ele o humano seria amplificado, plural, diverso e
irregular, sustentado num desequilíbrio dinâmico com tudo aquilo que o enreda e o
tece numa espiral projetada em várias dimensões corporais e relacionais. Nessas
redes éticas, estéticas e ecológicas haveriam outras formas de serem tecidas as
mais diversas subjetividades dessa humanidade e a possibilidade de corpos em
multiplicidades.
Uma humanidade epitelial em cinco peles, corpo em cinco peles,
homemmulher1 de cinco peles, corpo multiepidérmico, suas metáforas inauguram
condições de possibilidade de um humano múltiplo, consciente da criatividade e de
suas outras formas de pensar, diferir e do porvir existencial, processo multiplicador e
germinador de práticas e experiências impulsionadas nas ideias desse múltiplo
humano, inseridas nas formas de nos relacionarmos com a natureza e a cultura. O
humano seria uma colagem de seus encontros praticados em suas narrativas de
inventividade e na potência criativa da experiência humana, uma potência artística
da existência multiepidérmica.
Para Hundertwasser, o ser humano inicia sua existência num fluxo do seu
umbigo - noção de conexão da vida, sentido em suas múltiplas peles e consciências,
metaforizado na espiral osmótica e suas relações umbilicais. A forma da espiral é
um nível dessa consciência múltipla desse ser humano, e nesses níveis de

1
Algumas palavras são colocadas em conjunto, coladas uma a outra, a fim de ampliar seus sentidos
e significados, por vezes sedentarizados pelo uso em separado.
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consciência vão proliferando e germinando suas peles, conectadas nas mais


diversas redes desse corpo imenso. A multiplicidade dessas peles é a potência na
qual o humano significa e sente suas práticas cotidianas com a vida. Essa espiral é
a “rede de sensibilidade intuitiva dos indivíduos criativos” (Restany, 2003, p. 84).
Esses enredamentos são um diálogo entre si e para além de si mesmo, formam
suas antilinhas na cotidianidade desse ser humano.
A pele, para Hundertwasser, é física e abstrata, é fronteira que limita e
comunica, define e projeta, é o dispositivo existencial das percepções e afeições em
relação à vida. A pele é o hábito que se oferece como pele primeira, como a
materialidade das células e pêlos, envolvidos de forma mais próxima e imediata, é
orgânica e praticada. Essa rede estaria posta na relação da primeira pele, em suas
textualidades e marcas, cicatrizes de um caminho sentido pela potência da vida
vivida, nos espaçostempos marcados nas rugas da face, na elasticidade e
plasticidade produzida pelo cansaço da pele, um caminho da humanidade na vida e
da ineficiência juvenil de eternidade. A estética epitelial das marcas tatuadas
significando desejos, vontades, dispositivos de subjetivação na primeira pele,
indicam praticantes e suas mais diversas presenças, medos, desejos, conceitos.
Das diversas cores, coloridos, cheiros, que aproximam e afastam as relações
estéticas e éticas da pele primeira, nos limites de nossa última existência orgânica, a
pele é o fim e o início de tod@s nós.
A pele primeira é a ambiência do ser humano conectado com a natureza e
com o mundo orgânico, um retorno a princípios ancestrais e formadores da condição
humana, de valoração e transvaloração de nossos sentidos, sentimentos e seus
variados significados. A morada primeira da aprendizagemensino, do sentimento
terreno de um corpo integral e sustentável, potência energética e vital.
Hundertwasser e o seu ser humano multiepidérmico inauguram a espiral iniciada em
si, e ao pensar dessa maneira se inicia um sentido de relação primeira consigo e
com a dimensão terrena de nosso corpo, como um processo de descoberta de
nossos encontros orgânicos e energéticos com a dimensão terrena da natureza.
Nesse mesmo caminho, Hundertwasser aponta a vestimenta, nossas roupas
e tecidos aparecem em seu pensamento como a nossa segunda pele, um tecido
identificador, segregador, que nos define e aproxima de nossos outros. Pele que lhe
ofusca e confunde a outra e, paradoxalmente, o deixa visível ao mundo, organizando
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encontros e formas de viver nos mais diversos lugares e espaços possíveis,


condição de possibilidade de pertencer ou de ser perseguido, de também ser
marcado e perceber o percorrido na prática de viver. As linhas, cores, alinhavos,
costuras que oferecem nossa subjetividade ao mundo passam aqui a fazer parte do
próprio corpo, o qual até então somente encobria. A roupa não mais se limita a
esconder, mas sim revela as subjetividades do humano para o universo exterior, e o
oferece como canal de comunicação de nossas subjetividades.

[...] essa silhueta desengonçada, de rosto comprido e olhos em amêndoa


[...]. A singularidade das suas roupas acentuava a auréola de talento
promissor ou de génio a desabrochar. No meio da marginalidade intelectual,
a sua segunda pele serviu-lhe de passaporte social (Restany, 2003, p. 15).

Nossas roupas demonstram nossas experiências e vivências de nossas


escolhas, gostos, desejos, objetos do consumo contemporâneo do instantâneo
celebrado. Roupas que, para Hundertwasser, poderiam ser confeccionadas por nós
mesmos, e demonstram nossos sentimentos de mundo, nossas crenças, valores,
orientações e inibições corporais. Organiza nossos deslocamentos nos lugares de
encontro ao projetar um desejo e inventar a violência da ausência do objeto
desejado; recalcam nossas vontades de fazer parte, organizam tribos e
potencializam o ódio, uniformizam, mas não são uniformes, e cada praticante desse
corpo imenso ao se envolver com suas roupas elaborará outros sentidos e
significados de seus usos, prática customizada e transautomática de sua segunda
pele.
A casa, o teto, as paredes, janelas e portas, corredores, entradas e saídas,
protegem e abrigam o humano, e são entendidas e sugerem a terceira pele. O
habitat do corpo imenso constrói e carrega intensamente suas cores e formas no
abrigo da vida. Lugar de descanso e solidão, presença e ausência, de pertencimento
de classe e sonho de classe. Casa viva e sustentável como elemento de
desconstrução de uma lógica linear de progresso, casa circular, portadora de
energia própria e de sustentabilidade de seus meios. De relação orgânica com a
potência vital, de organização com a luz que participa da casa, da reutilização da
água, o lugar e o espaço da casa na dimensão terrena na cidade, na rua, nas
quadras e lotes dos bairros. Pele que protege e mata, escorrega com a chuva
intensa; polui e estraga a paisagem dos lugares, ostenta e aparta as pessoas, lugar
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de encontro e festa, sonho de ter um lugar para se morar, refúgio e prisão, casa-tipo,
eco-naturista.
A quarta pele se tece nas relações sociais percorridos na família, na amizade
com @s amig@s, nos deslocamentos de nossas identidades pelo mundo da vida,
infligindo tensão nesse ser humano multiepidérmico e suas conexões com outras
pessoas. O meio social, os grupos de amig@s, nossas “afinidades electivas”
(Restany, 2003) praticadas como o quarto círculo da espiral de seu imenso corpo “a
quarta pele não pára ao nível da família, natural ou adquirida. O meio social
estende-se ao conjunto dos grupos associativos que gerem a vida de uma
colectividade” (Restany, 2003, p. 65). Há uma identificação dessa multiplicidade
identitária, do enredamento dos diversos papéis e personagens e da fluidez de
nossas identidades encenadas em nossas vidas.
A Terra – a humanidade e a natureza – constituem a pele planetária do
humano, a sua quinta e interminável pele projetada ao infinito. Um novo corpo e um
novo humano são tecidos, imaginados e fabulados. E nessa nova elaboração
conceitual são destinados outros princípios e valores éticos e estéticos para uma
nova sociedade. Instituídos numa relação visceral com o planeta, numa grande rede
tecida no tecido de uma ética ecológica e relacional da humanidade, com novos
agenciamentos e outro devir da prática de se viver. No pensamento de
Hundertwasser estamos todos numa imensa rede de saberes e fazeres inaugurais
de outras maneiras de pensar e de se viver. Toda a complexidade da vida e o pulsar
da existência são agora a pele vital do ser humano, uma das suas múltiplas formas
de perceber-se e significar-se de forma diferente e inusitada. Na lógica
hundertwasseriana todos os praticantes passam a comungar e compartilhar de uma
mesma pele, trazendo elementos para um repensar de suas fronteiras, limites e
dimensões.
No momento em que o humano passa a compartilhar dessa prática, desse
corpo desenhado e celebrado por Hundertwasser, um gigante espiral germina e
floresce em seu interior, iniciando o seu deslizar pelo universo. O praticante sente a
potência dos sonhos de outrora que nunca se estabelece, e é arrebatado como a
gênese de uma tênue pele que o envolve e circunscreve num novo encantamento.
Um pensar de outra maneira, a humanidade e o ser humano, estão envoltos na
espiralidade que se tece como provocação ao linearismo, está posta uma eternidade
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curva e desnivelada, uma linha de fuga na linearidade de nossas práticas de vida.


Esse humano imperfeito e não-linear se contrapõe ao ser humano evolutivo e linear,
é um fluxo de peles enredadas em uma imensa espiral que não pára de conectar,
pois é teorizada no transautomatismo da vida como obra de arte.
Sua maneira de viver passa a se opor à ditadura da racionalidade e da
simetria, pois, neste instante, se agiganta disforme e irregular para todos os lados e
sentidos, seguindo o imperativo do aleatório, do fluxo, do acontecer, e da
criatividade, recriando assim o universo e o incorporando como última morada.
O ser humano percebe-se múltiplo, redefinindo suas dimensões e fronteiras.
Agora ele é mais que um e, em suas infinitas peles, encontra os outros que o
compõem, os quais passam a se agenciar em outros e outras e nas suas conexões
infinitas. Isso se espraia em diversos fios formando um corpo planetário. Um
encontro de suas alteridades intrínsecas e múltiplas, com suas práticas
contraditórias entranhadas em seu umbigo, com suas sombras e desejos
inconscientes, com seus conceitos e seus contrários e a possibilidade de outras
formas de existir, um novo roteiro na narrativa de existir. Um diálogo evidente e, por
vezes, insano se constrói nos vazios deste novo ser. Suas peles se fazem
espectadoras diante do palco das contradições afloradas por sua nova composição
e potência. A coexistência dos opostos em suas peles cria a tensão necessária para
movimentá-lo nessa grande rede.
É então que a vida o perfura, o enreda e se infiltra em seus inúmeros e
diferentes poros, invadindo e configurando esse ser humano e essa sociedade, a
utopia hundertwasseriana, em uma relação de troca constante e multidirecional entre
os praticantes da grande espiral social. Suas plurais vísceras são pintadas com o
brilho da chuva e o colorido das cores do mundo e ressaltadas com o rastro do
esverdeado bolor, esquecendo e contaminando um pouco de si em cada célula das
muitas peles deste seu novo e descomunal corpo. E do alto de sua imensidão
observa com serenidade os novos tecidos da sua existência, e, nesse reviver das
contradições e sintonias que passeiam por seu interior, poderá encontrar os
substratos que o ajudarão a redimensionar sua relação com o mundo.

3 #HOMEMMULHEREDUCADORHÚMUS
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Hundertwasser com suas pinturas, esculturas, manifestos, casas negativas,


roupas patchwork, provoca e irrompe o movimento da vida em espiral, prática que
foge ao “linearismo seguro da história, sucede o ciclo, ou a espiral, do destino”
(MAFFESOLI, 2003, p. 10). A espiral seria a vida e a morte, e está presente em toda
a natureza, a espiral salvará a humanidade.

A espiral de Hundertwasser é austríaca, Jugendstil, barroca, romana, celta,


copta, mesopotâmica, maori...religiosa: eis porque nos arrasta também
‘naturalmente’ no sentido da perspectiva infinita dos diferentes níveis do
inconsciente que ocupam a nossa mente.(RESTANY, 2003, p. 17 -18).

A espiral é um elemento recorrente em suas pinturas, para seus críticos eram


consideradas, em sua maioria, como naif. Sua pintura era uma extensão osmótica
do homem Hundertwasser, pois seus desenhos questionavam a ideia de uma linha
reta higiênica, asséptica e racional, talvez por isso suas pinturas sejam consideradas
infantis e ingênuas, por parecerem serem feitas por crianças.

Paralela a esta línea principal de conducta, el antirracionalismo de


Hundertwasser también ha abordado la educación, la enseñanza y la
libertad de expressión, la condición del artista, et. la fomosa espiral que
comenzó a trazar alrededor de las paredes de su aula de classes en la
Academia de Bellas Artes en Hamburgo, pintado por sugerencia y con la
ayuda de los poetas Herbert Schuldt y Bazon Brock, constituye (aparte del
escándalo y la renuncia) la síntesis más representativa de su proceder de
crítico: crítica a la arquitectura, a la enseñanza, y proclamácion del derecho
total a la libre expresión y a la creación casi religiosa. (RESTANY, 1975,
apud Hundertwasser, 1979, p.34).

Tendo em Hundertwasser um intercessor é possível relacionar algumas ideias


sobre a educação como dispositivo germinado em procedimentos transautomáticos -
uma lenta e vital harmonia, espirais enredadas e conectadas com o conhecimento
num movimento autônomo, prática de criação do praticante com a obra de arte
[educação transautomática] “uma afirmação da necessidade de uma participação
criativa do público perante a obra de arte”. (Restany, 2003, p. 21).
Hundertwasser manifesta suas ideias de forma escrita em manifestos e em
happenings2, temas que atualmente são de importância global, como a ideia de
desenvolvimento sustentável, natureza e humanidade, ecologia, debates frequentes
nas suas performances e em seus manifestos, nas suas propostas arquitetônicas e

2
Cf. (Restany, 1979).
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nos seus pontos de vida sobre a natureza. Nesses manifestos o autor argumenta
sobre o direito dos seres humanos terem uma janela digna em suas casas, ao poder
de decisão sobre o tamanho de suas janelas, o que corresponderia à amplitude dos
braços abertos. Seus argumentos apontam para uma elaboração arquitetônica
atenta à diversidade dos desejos e das normas da arquitetura, cada janela em um
prédio deve ser diferente da outra, cada cômodo deveria ser diferente do outro.
Cada escola e sala de aula deveriam ser diferentes uma das outras, a aprendizagem
na sala de geografia é diferente da aprendizagem na sala de artes, a indicação de
Hundertwasser aponta para a necessidade de reconhecer o espaço como uma
dimensão da aprendizagem na escola e da relação desta com o corpo das crianças
e jovens nas escolas.
Em outro aspecto ao elaborar o movimento da árvore locatária, levando
árvores a lugares desprovidos da sua presença, indica que a relação com as árvores
deveria ser de ordem religiosa e o amor as árvores como a nos mesmos, seria a
possibilidade de oxigenação e sobrevivência da humanidade; em nossas escolas
amamos nossas árvores? Fazemos de nossas árvores uma relação de
aprendizagemensino? Lutamos pela presença de árvores em nossas escolas? Ou
apenas comemoramos de forma alienada o dia da árvore?
Na contemporaneidade Hundertwasser pode ser relacionado à esterilidade da
arquitetura e o excesso da racionalidade técnica, do rendimento competitivo na alta
performance e do lucro nos projetos arquitetônicos em detrimento da vida das
pessoas. Na atualidade brasileira, principalmente pelos eventos de grande
expressão mundial, há uma discussão sobre a “arquitetura inteligente”, a construção
de edifícios “verdes”, prática cooptada pela lógica do lucro e do rendimento, na
exceção da cidade para todas as pessoas e na exclusão como procedimento
essencial na execução desses projetos “sustentáveis”.
Dessa forma, é preciso pensar na arquitetura de nossas escolas e o sentido
de sustentabilidade em seus projetos; é possível pensar numa arquitetura escolar
“inteligente”? Uma arquitetura com respeito à liberdade de movimento das crianças e
jovens praticantes desses equipamentos arquitetônicos? Como organizar a liberdade
individual de cada escola ao espaço comum da coletividade?
Se desfiarmos um fio daquilo que Hundertwasser escreve sobre a arquitetura
e o predomínio de linhas retas em suas construções, e nesse exercício de ampliação
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dessa noção estender para os discursos contemporâneos da educação, é evidente a


necessidade de estarmos desconstruindo essas teorias, que insistem em predizer o
que a escola tem e/ou deve ser. E no mínimo começar a pensar a escola
contemporânea com nossos alunos e alunas, professores, professoras, técnicos,
merendeiras, corredores, cantinas, quadras, materiais didáticos, provas, aulas,
planejamentos e políticas curriculares como uma obra de arte em transautomático.
Essas imagens do pensamento escolar são como uma linha reta, presentes em
nossas formas de pensarfazer a educação. Poderíamos indicar uma discussão da
escola vinculada com as construções dos prédios escolares, um equipamento
dedicado para o estudo e o ensino necessitaria pensar o seu tempo, o seu espaço,
as questões ambientais sobre a reutilização da água; indicar novas maneiras de
destinação dos resíduos humanos, a fim de não destruirmos, ainda mais a natureza;
experimentar outras formas de utilização de energia nos equipamentos escolares.
Isso não é um processo de utilização de conceitos como reciclar ou reutilizar, mas
de nos atermos a outra lógica de viver e conviver nas escolas brasileiras.
A escola como um lugar e espaço para a invenção de novas formas de criar,
viver e sentir carece ir além da capacidade dos edifícios de reeducarem os hábitos e
a percepção da população, instituindo novos modos de ver e viver (CONDURU,
2000, p.148). Dessa forma, talvez não resolvêssemos a problemática das
desigualdades sociais, mas poderíamos pensar de outra maneira nossas formas de
viver e morar. Além de instituir novas formas plásticas de se modificar o formalismo
dos edifícios escolares. (CONDURU, 2000).
Insisto na escola como uma condição das possibilidades de ser pensada para
o uso mais equilibrado da água, da energia, para o conhecimento fluído de forma
mais equilibrada, pensando o seu entorno como lugar e espaço do possível, da
invenção de um modo melhor de viver o cotidiano (Certeau, 1994). É claro que ao
escrever isso, a escola é imaginada como artefato cultural material e imaterial da
sociedade. Isso implica dizer que a discussão da escola não se efetiva somente no
campo da educação, isso nos empurra para o campo da arquitetura, da engenharia,
e nisso Hundertwasser parece ser imprescindível, para problematizar a construção
de nossas escolas e pensarmos a dimensão material da escola nas plantas de
nossos engenheiros, engenheiras, arquitetos e arquitetas, como praticantes da
educação escolar.
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Poderíamos pensar numa escola transautomática, um espaço com


características arteiras. Seus saberesfazeres seriam um fluxo de linhas, não em
linha reta, mas como no exercício proposto por Paul Klee, em seus estudos sobre a
linha:

Uma reflexão sobre a linha. (...) uma linha “activa” movendo-se por todo o
lado com grande liberdade. A linha surge depois acompanhada por outras
que tanto a complementam como a relativizam, em seguida volta-se sobre
si própria, e finalmente duas linhas secundárias jogam uma com a outra, de
tal forma que a linha principal, produzida através deste jogo, se torna uma
linha “imaginária” (FERRIER, 2001, p.131).

Seria possível, então, pensar a escola e sua organização curricular como uma
linha imaginária? Uma linha que se enreda e que não cessa em si, que se cria, morre,
vive, atualiza, virtualiza, se realiza, mas não é um fim, é um movimento de estarser.
Neste movimento sua organização não existiria sem a presença de alguém que o
pratique, por isso transautomática, aquilo que se realiza na sua relação com os outros.
Uma intensa tecedura de uma teia de atualizações, um movimento que irrompe e
germina e não cessa, é o gigante espiral do corpo.

Há, portanto, no afrontamento do destino, um furor de viver que não pode


senão chocar as mentes reflexivas e outros gestores do saber que, de fato,
só são capazes de identificar e analisar os pensamentos e os modos de
vida medianos. Ora, o destino recorda que o ser é acontecimento, até
mesmo advento. Para retomar a oposição modernidade/pós-modernidade,
podemos dizer que, na primeira, a história se desenrola, enquanto que na
segunda o acontecimento advém. Ele se intromete. Ele força e violenta. Daí
o aspecto brutal, inesperado, sempre surpreendente que não deixa de ter.
Aí também reencontramos a diferença de tonalidade entre o drama, ou a
dialética, que postula uma solução ou uma síntese possível, e o trágico, que
é aporético por construção. O acontecimento é singular. Mas sua
singularidade se arraiga em um substrato arcaico intemporal. Trata-se,
certamente, de “arcaísmos” repensados em função do presente, vividos de
uma maneira específica, mas que nem por isso conservam menos a
memória das origens. Acontecimento, advento, eu disse. Não há dúvida de
que o que é vivido qualitativamente, com intensidade, se dedica a fazer
ressurgir o que já está aí, no seio do próprio ser, seja individual ou coletivo
(MAFFESOLI, 2003, p.26-27).

A escola transautomática é um instante de acontecer, como algo vivido com


tanta intensidade, que em alguns momentos irrompe, não como fluxo de passado
em memória, mas sim, como sempre presente, vivido, um território solitário aparece
na imagem de nossos pensamentos, acontece e necessita da participação, um
encontro de corpos éticos e estéticos, algo vibrante que contagia a imensidão.
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Em 1955, Hundertwasser está em Milão onde expões na Galleria del


Naviglio de Carlo Cardazzo. Uma libélula vem pousar a mesa de trabalho.
Resplandece em toda a cor: é o mais belo dos modelos! Enquanto a vai
pintando, ao ritmo da sua imaginação, as esplêndidas cores do insecto
transferem-se para a aguarela. Quando a obra termina a libélula está morta,
toda cinzenta. Num comovente poema “Libellacquerellula”, Hundertwasser
descreve a fascinante passagem das cores da criatura para a criação.
(Restany, 2003, p. 15)

Esses acontecimentos desviam nossas imagens do pensamento e colocam


outros caminhos e possibilidades para pensarmos nossas escolas e os corpos das
crianças nas escolas. A escola, como a vida, é acontecimento, um manifesto atual
de virtualidades fazendo um plano de composições, um plano não planejado do que
irrompe, acontece. Essa escola é um passeio entre possibilidades de corpos e suas
imensidões, “a escola pode e deve tornar-se o espaço feliz da beleza criativa”
(Restany, 2003, p. 74)

4 #HUNDERTWASSERILÊNCIOGRÁVIDO

Nesses encontros de bando, malfeitores, caroneiros, as ideias de Friedereisch


Hundertwasser - pintor, arquiteto, naturista, médico da natureza, naif, ingênuo; suas
obras, suas cores, sua insistência em provocar as linhas retas na arquitetura, na
pintura, na natureza. Com ele, aprendi e tento entender minha prática cotidiana de
viver a vida nessas cinco peles - entendidas como superfícies sociais, nos recuos de
tecido linear da escrita, num desejo da vida como potência, como possibilidade. Uma
prática de viver e de sentir seus sentidos, das ideias, dos manifestos provocadores
na academia, na existência artística, como pintor de variados tamanhos em suas
obras, como, por exemplo, nos selos, no micro, nos detalhes do menor el sello es un
objeto importante. Aunque tiene um formato pequeño, lleva un mensaje
(HUNDERTWASSER, citado em RAND, 2003, p. 141).
Num outro caminho, entender as ideias do bolor colocadas como espaço de
putrefação, perceber a bolorização como um estado potente de mudança, de
transvaloração de pertencimento, de não identificação e tão pouco identidade de
uma proposta teórica. A podridão e o podre são essenciais para entender a
dimensão de transitoriedade do estarser. Nesse sentido o podre aparece como
espaçotempo das possibilidades de um vir a ser, de uma distorção do aparato do
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que se é de mesma maneira ao embolorar também é possível outra maneira de se


ver o mundo. O bolor é a possibilidade na qual o ser humano pode inventar a sua
presença no mundo, bolor como potência de vida e de transitoriedade e fluidez de
nossa existência, quando se deixa de ser o que quer que seja, logo se transforma na
possibilidade de ser outra coisa.
Essa questão é apontada por Hundertwasser na sua teoria do
transautomatismo, experimentado na relação do ser humano com a obra de arte.
Entretanto, poderíamos pensar na escola como uma forma transautomática, como
um espaçotempo de germinação do aprenderensinar para a humanidade. Mas é
possível, também, perceber a lógica da teoria hundertwasseriana como um princípio
orgânico da vida, organizado numa forma amorosa de relacionamento entre os seres
humanos e destes com sua quinta pele, a TERRA.
Em temposespaços de incertezas climáticas, com escorregamentos éticos e
estéticos da relação praticante e natureza, estabelecermos uma escola
transautomática com as diversas naturezas e seus enredamentos, no mínimo, é
muito necessário. Visto as práticas de subsistência entre os praticantes da vida
cotidiana, cada vez mais aceleradas e pouco dialógicas, decorrentes dos avanços
tecnológicos, do mundo do trabalho e investido nas arquiteturas das metrópoles
modernas, podem ser transvaloradas em ambientes para se pensar de outra
maneira. Esse pensar fazer de outra maneira seria o dispositivo transautomático
organizado nesses organismos escolares.
É possível pensarmos em escolas sustentáveis, não alicerçadas em projetos
rígidos de “concreto armado” e nas suas frígidas linhas retas. Em banheiros, já
pensados por Hundertwasser, não líquidos, pois fazem muito mal a terra. Se nossas
escolas estão fadadas a deteriorarem-se com o tempo, como podemos entender
esse processo como benéfico à educação e aos espaços tempos da escola? Como
pensarmos uma educação sustentável entre os praticantes dessa própria educação?
Num projeto sustentável e durável da educação?
A durabilidade das práticas educacionais se efetiva numa nova desordem
estrutural, não mais baseada em desestruturas deterioradas em suas existências,
dessa forma pensar numa educação nas redes de sensibilidade intuitivas e criativas,
é acreditar em outras formas de pensar essa durabilidade, e nesse pensar se efetiva
um transbordamento das práticas escolares, não mais em eixos disciplinares, mas
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em redes de saberes e significados orientadas em uma nova prática social, tanto em


relação às questões de ordem individual e coletiva, tendo como força maior desses
enredamentos a TERRA.
Hundertwasser ao iniciar essa discussão orgânica de uma vida mais lúcida e
enredada nas suas peles, institui uma dimensão ética em seus trabalhos artísticos e
fecunda nos praticantes da vida cotidiana, como uma possível forma de pensarmos
de outra maneira, de organizarmos nossos lares, roupas, amigos, nosso corpo de
forma a sustentar uma harmonia messiânica, um desejo universal de vivermos mais
e melhor, de sentirmos o cheiro da floresta, das matas, dos rios, de ressignificarmos
e transvalorarmos nossos sentidos e significados da vida nas cidades e na Terra.
Muito se tem falado e pensado sobre como viver, para podermos viver com
tranquilidade, fertilidade, num mundo de paz, mas nessa lógica, é necessário
transcender os “ismos”. Não é possível, não será possível, pois não é só uma
discussão econômica, é uma posição éticaestética de cada praticante da vida em
sociedade e com ele mesmo, com suas vontades, desejos, violências, calmarias,
imagens desse viver de outra maneira.

A evolução conduz o homem à sua ruína, declara Hundertwasser. Podemos


deixar-nos arrastar e constatar que caminhamos para o desastre inevitável,
ou podemos esperar pelos amanhãs que surgirão após a catástrofe. Se não
queremos ser arrastados nem queremos esperar, existe uma terceira via – a
da porta estreita - mais delicada e mais difícil, a da resistência e, na medida
do possível, da resistência não violenta. O sistema de destruição global não
está isento de erros que devem ser explorados para desacelerar a evolução
negativa e criar uma moratória para a humanidade. A ecologia se for
verdadeira, pura, naturisa e não distoricida pela demagogia diária dos
políticos verdes é um bom agente retardador. (RESTANY, 2003, p. 79-80).

Hundertwasser nos empurra no vazio, no vazio de todo dia dar a descarga em


nossos banheiros, e de não imaginarmos para onde nossa merda – potência
energética – irá ser depositada, de pensarmos em nossas roupas – para longe de
uma visão fetichista – como peles secundárias pertencentes a dimensão subjetiva
de nossas vidas, na organização de nossas casas, nas entradas e saídas, na
reutilização da água, da energia que utilizamos, nos telhados verdes, em casas
ecológicas e lugares felizes3, pois não poluem a natureza e ajudam a serestar no

3
Inspirado em Will Eisner, assistido no dia 18 de janeiro de 2010, TV Brasil, Programa Grandes
Cartunistas. Hundertwasser acredita que suas alterações arquitetônicas transformam esses lugares
em lugares felizes.
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mundo de forma solidária, sustentável e harmônica, na relação de amizade e


coletividade sentida em nossa quarta pele e por fim, na imensidão da quinta pele
planetária, a Terra.
Nessa mesma levada utópica, pensar na relação entre os praticantes da vida
cotidiana aponta para outras condições da vida afetiva, da vida na rua, nas festas,
nos bares e nas ruas, enfim, em nossas coletividades corporais, não será mais
necessário inventarmos a felicidade para além da nossa vida cotidiana. Todas as
formas de viver serão vividas, seremos seres que sustentaram suas ideias e
seremos capazes de organizar nossos discursos com ações na vida cotidiana.
Seremos capazes de contribuir e nos associarmos a essa éticaestética de
Hundertwasser, mesmo que tudo isso soe como uma mantra messiânico, não é
nada mais do que queremos viver, sentir. Não adianta reclarmarmos do lixo nas
ruas, se nossas casas poluem tanto quanto o lixo jogado, de não pensarmos na
dimensão da vida de todos nós, mas apenas em pequenos movimentos singulares e
egocêntricos, se vivemos na mesma lógica de sempre, fazemos um arremedo de
uma tomada de consciência.
Na ideia de Hundertwasser a educação terá um grande valor, não ensinar
para aprendermos, mas ensinar para vivermos nossas felicidades, das mais
variadas formas, não ensinar para reproduzir significados, mas para navegar nas
nossas possibilidades de pensar da forma que isso for possível e nas suas mais
diversas invenções possíveis, institui-se um nomadismo educacional, um passaporte
para o mundo lúdico e imaginativo de Hundertwasser.
Ensinar é possibilidade, não possibilidade dada no ato da prática de se
estudarensinaraprender, mas de ser estar no mundo, de movimento de se deixar, de
viver a vida cotidiana, de narrar outras narrativas possíveis em nossas vidas, de
fabular nossas certezas. O pensamento de Hundertwasser pode contribuir de forma
efetiva e instituir outras artes de fazer no mundo, tecidas em nossas redes éticas,
estéticas e polemológicas, como já escreveu Certeau (1994).
Mas antes de instituir e efetivar, é preciso viver essa vida, pensar nessas
práticas em nossas vidas cotidianas, entender essas contradições entre discursos e
ações efetivas, tanto em nossas práticas como pesquisadores, professores,
citadinos, artistas, praticantes da vida comum.
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Talvez aqui seja o começo de tudo...o silêncio...ler e pensar com


Hundertwasser nos deixa em profundo silêncio, pois o silêncio é música em estado
de gravidez4.

MARCIO ROMEU RIBAS DE OLIVEIRA

Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –


ProPEd/UERJ. Mestre na área de Teoria e Prática Pedagógica, no programa de pós-
graduação em Educação Física na Universidade Federal de Santa Catarina
Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Professor Adjunto I da Universidade Federal do Amapá. – UNIFAP.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

CONDURU, Roberto Luís Torres. Par ímpar. Teias. Rio de Janeiro, v. 2, p. 147- 152,
2000.

FERRIER, Jean-Louis. Paul Klee. Paris: Livros e Livros, 2001.

HUNDERTWASSER, Friedereisch. Sala de exposiciones Del Museu español de arte


contemporâneo. Catálogo. Ciudad Universitária: Madrid, Mayo/Julio, 1979.

MAFFESOLI. Michel. O instante eterno. O retorno do trágico nas sociedades pós-


modernas.1ª ed. São Paulo: Zouk, 2003.

OLIVEIRA, Marcio Romeu Ribas ; PERETI, Éden. As cinco peles do humano. In: 2º
Congresso Sulbrasileiro de ciências do esporte, 2004, UNOESC. Os movimentos
da educação física brasileira: o que eles apontam? Criciúma, 2004.

PERETI, Éden. Anatomia Altruísta. Revista Brasileira de Ciências do Esporte.


Campinas: Autores Associados, v. 28, n. 3, p. 125-139, maio 2007.

RAND, Harry. Hundertwasser. Taschen: Alemanha, 2003.

RESTANY, Pierre. O poder da arte: Hundertwasser, o pintor rei das cinco peles.
Taschen: Alemanha, 2003.

RESTANY, Pierre. Os novos realistas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.

4
COUTO, Mia. Antes do nascer do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2009, p. 13.
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TASCHEN PORTFOLIO. Hundertwasser. Colônia: Taschen, 2004.

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