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21-Jan-2014
FGV
Por André Barcaui, professor e coordenador de MBAs da FGV*
Atualmente, muito se fala sobre gerência de projetos, tanto no meio acadêmico quanto no
profissional. Mas, até que ponto a atividade de gerenciar um time em direção a um objetivo
específico com prazo determinado pode ser considerada uma disciplina?
E, se assim não for, como almejar ensiná-la através de cursos de aperfeiçoamento para gerentes
ou certificações? Que variável acaba sendo mais importante na condução de um projeto: o
conhecimento técnico e metodológico ou as chamadas habilidades interpessoais de quem o
conduz?
Em outras palavras, é preferível um gerente com profundos conhecimentos técnicos, mas com
pouca experiência e vivência na gerência de pessoas? Ou seria melhor considerar um gerente com
pouco ou até nenhum conhecimento técnico, mas que dominasse como ninguém o lado
interpessoal e de relacionamento de equipes? Ou talvez devesse existir um meio termo, como um
gerente atuante em todas as dimensões. Mas se assim for, qual a composição ideal de cada
competência? Deveria esta composição variar com o tipo de projeto que estaria sendo gerenciado?
Projetos X Pessoas
Independente do segmento de indústria ou ramo de negócio, a atividade de gerenciar projetos
vem crescendo de maneira exponencial no mercado de trabalho. O interesse pela atividade
assumiu proporções significativas no mundo corporativo, principalmente para que as empresas
possam atender melhor à necessidade de se produzir cada vez melhor, mais rápido, mais barato,
com menos recursos e com a devida qualidade. Este interesse se confirma através da grande
procura pela carreira de gerência de projetos e pela quantidade de investimento em treinamentos,
consultorias e ferramentas sendo feito atualmente.
Também fica muito difícil generalizar uma opinião para todo e qualquer tipo de projeto. Em função
disso, define-se aqui uma tipologia simples, uma vez que o universo de possibilidades é muito
grande (em função da complexidade, do valor, dos riscos e de diversas outras variáveis associadas
à gerência de projetos). Se esta enorme abrangência de tipos não fosse de alguma forma
segmentada, correríamos o risco de tentar obter uma explicação única para cenários múltiplos. A
tipologia adotada segue um modelo baseado na complexidade e no tamanho de cada projeto. Por
complexidade, entende-se o grau de dificuldade técnica, de inovação, política, circunstancial, ou
uma combinação destas variáveis a que o projeto possa estar exposto. Por tamanho, pretende-se
representar variáveis mais lineares como valor, tempo de projeto e risco associado.
A vitória da disciplina
É necessário também definir o que se considera um projeto de sucesso. Estaríamos falando apenas
da definição clássica envolvendo: escopo, tempo, custo, qualidade e satisfação do cliente? Ou seria
necessário considerar também a moral da equipe e de todos os demais stakeholders? Vale
destacar que existem diversas outras definições de sucesso que também poderiam compor este
conjunto de métricas. Para alguns autores, por exemplo, o sucesso deveria ser até considerado
situacional, uma vez que dependeria também de quem analisa os resultados e de quando os
analisa.
Tomando por base a definição puramente acadêmica de sucesso, a disciplina impera sobre a “arte”
na medida em que planeja, organiza e controla em direção aos objetivos do projeto. Além disso,
em determinados ambientes e segmentos de projeto, principalmente relativos a projetos de menor
tamanho, fica quase impossível não se ter qualquer tipo de conhecimento técnico, dado que o
próprio time acaba por demandar este tipo de liderança do gerente. A linguagem, os jargões
utilizados e até mesmo as gírias muitas vezes ajudam na construção da credibilidade e da opinião
que o time tem sobre seu líder.
Apesar de difícil generalização, este tipo de constatação é válido para determinados segmentos
da indústria, para projetos com pequena duração ou em que a complexidade técnica seja acima
da média. Também varia com o tipo de negócio, grau de projetização da empresa, e
principalmente em função do nível de maturidade em gerência de projetos do departamento ou
organização sendo analisado. Existem certas situações em que o conhecimento técnico, a
metodologia e a própria formação do gerente acabam por influenciar no sucesso do projeto. Em
outras palavras, a disciplina se faz necessária pela própria natureza do projeto. Um mínimo de
conhecimento técnico é sempre desejável e, em alguns casos, imprescindível. Mas, qual seria o
percentual de tempo que um gerente de projetos deveria gastar com preocupações deste tipo, em
relação à estratégia do projeto e à gerência de stakeholders, por exemplo?
A vitória da arte
Existe um consenso entre os profissionais da área de que, para saber até que ponto aplicar a
disciplina é preciso muita experiência, bom senso e outros componentes, compondo o que
estamos chamando aqui de “arte”. A disciplina por si só, principalmente em projetos de alta
complexidade e tamanho, não se torna obsoleta ou inútil, mas talvez menos requerida. É claro
que o conhecimento técnico e metodológico continua importante, mas o tipo de demanda que o
gerente de grandes empreendimentos tem que enfrentar normalmente engloba características
muito mais ligadas a habilidades interpessoais e estratégicas do que propriamente técnicas.
FGV
Por Carlos Eduardo Dalto, professor dos MBAs da FGV
Em um mundo onde as empresas estão a cada dia mais inseridas em um contexto global,
representado por diferentes culturas, valores e estilos de pessoas, um líder precisa conhecer as
diversas possibilidades para liderar. Saber aplicar as diferentes técnicas aos estilos particulares
de cada um de seus liderados é um fator de sobrevivência e crescimento na carreira.
Neste momento, me ocorrem algumas perguntas: será que todas as pessoas, inseridas em um
contexto organizacional, reagem a esses estímulos? As técnicas defendidas por esses modelos
são suficientes para promover o aprendizado e o crescimento das pessoas? São suficientes para
liderar? Certamente, a resposta é não!
Nesses últimos dez anos, minha experiência, enquanto professor de liderança, tem mostrado que
os líderes mais influentes são capazes de utilizar diversas abordagens junto às suas equipes.
Relacionei algumas delas, especialmente observadas e tratadas na psicologia psicanalítica, da qual
Freud e Lacan foram notórios defensores:
“Castre”
Em outra ocasião, um grupo de líderes reclamava, há tempos, da falta de proatividade de suas
equipes. Em um dos encontros, cujo tema era inovação e mudança, estimulei-os a apresentar as
sugestões que emergiram a respeito da atuação do diretor, quando ouvi: “Não adianta, ele não
nos escuta. Só faz o que quer”. Imediatamente, devolvi: “Como querem proatividade de suas
equipes se vocês mesmos não a têm?”. Um silêncio tomou conta da sala. E continuei: “Encerramos
por aqui. Voltamos após o almoço” – 40 minutos antes do combinado. Os olhos, já arregalados
com a frase incomum para quem me conhece, saltaram mais ainda. Não entenderam nada do
porquê terminara aquela parte do encontro ao meio. Mas entenderam, perfeitamente, o recado –
aquela frase soara como uma profecia. Eu já havia comentado sobre essa minha percepção em
várias ocasiões e de diversas outras formas. Mas o efeito só veio após a frase e o seu “corte”.
Transferência e contratransferência
A confiança, descrita anteriormente, favorece outro aspecto, que é a transferência nas relações.
Ao promover a função “continente”, o líder precisa entender que receberá de seu liderado uma
série de aspectos psicológicos e deverá acolhê-los (transferência do liderado para o líder),
interpretá-los e analisá-los e devolver (contratransferência), de forma que promova o crescimento
e o amadurecimento desse liderado.
Essas questões são fundamentais para auxiliar o liderado a pensar. Se estão aparecendo, é porque
são importantes e merecem uma atenção especial. Elas têm como premissa que a construção do
saber não deve ficar restrita à figura do líder; mas deve ser o resultado do trabalho de uma equipe.
Você, como líder, deve prestar atenção nos comportamentos acima descritos e analisá-los “com
carinho“. Desenvolva a habilidade de escutar o que é dito por meio de atos e não somente por
palavras.
Como se vê, a psicologia psicanalítica, aprofundada por Freud e Lacan, pode colaborar para o
desvendamento de comportamentos associados à liderança e ao trabalho em equipe, sem que
seja preciso “deitar no divã” para conhecê-los e aproveitá-los, em seu benefício, no ambiente
empresarial.
FGV
Por João Baptista Vilhena, coordenador de MBAs da FGV
Muita gente já tentou provar que liderança é um traço de personalidade; ou seja, depende
exclusivamente de características pessoais e inatas do indivíduo. Para mim, essa ideia é tão
ingênua como a que leva alguns a crer que existem vendedores natos. Afinal, ninguém nasce
vendedor ou líder.
Pensemos em alguém que, desde criança, foi estimulado a desenvolver a arte de comunicar ideias,
sempre encontrou amparo e respeito por suas propostas inovadoras e foi incentivado a se
relacionar com pessoas diferentes. Agora, compare essa pessoa à outra que passou por processo
contrário. Nunca lhe deram chance de expor o que pensava, foi duramente criticada quanto a tudo
o que propôs e jamais foi exposta a realidades culturais diversas. Quem terá mais chances de ser
um líder melhor no futuro? Aquela a quem foi dada a oportunidade ou aquela a quem a vida negou
qualquer possibilidade de desenvolver novas habilidades e competências?
Para muitos autores, a competência de liderança está intimamente relacionada com as habilidades
de comunicação e transmissão de ideias. Existem pessoas que adquirem essas habilidades ainda
muito jovens. Há aquelas que passam a vida tentando, sem jamais serem bem sucedidas.
Há outros que definem liderança pela frequência com que uma pessoa influencia ou dirige o
comportamento de outros membros do grupo. Esses afirmam que liderança “é um processo de
influência orientado para a busca de resultados que os membros do grupo julgam ser
estimulantes”. Na sua visão, o processo de liderar equivale a “pilotar” a equipe; dependendo da
capacidade do líder de prever, decidir e organizar. Essa é uma visão mais processualista, mas, não
é destituída de mérito se analisada pela ótica da prática do dia a dia.
Também existem os que afirmam que “numa sociedade cada vez mais rápida e complexa, em que
a economia condiciona a maioria das opções sociais e políticas, é importante reconhecer que fixar
de forma clara uma visão, valores e objetivos é fator decisivo para o sucesso”. Logo, o maior
desafio da liderança seria tratar de problemas e questões muito diversas, separando o essencial
do acessório, sabendo ouvir e compartilhar e tendo a coragem de tomar decisões arriscadas.
Para mim, o aumento da performance das pessoas é um dos maiores desafios do líder
contemporâneo. E não é colocando-se no papel de servidor que isso será possível. Inspiro-me nas
ideias de David Rock (palestrante e consultor bastante conhecido) e afirmo, categoricamente, que
liderar é mudar o jeito pelo qual as pessoas pensam sobre as coisas. Trocando em miúdos, o
grande segredo para liderar e conviver com pessoas é penetrar naquilo que muitos psicólogos
cognitivos chamam de “Modelo do Iceberg”.
O Modelo do Iceberg descreve como nossa performance em qualquer área é condicionada pelos
nossos hábitos. Esses hábitos são orientados pelas nossas emoções, que, por sua vez, são
dirigidas pelos nossos pensamentos. Neste modelo, a performance e alguns hábitos são visíveis,
enquanto emoções e pensamentos permanecem “abaixo da linha d’água”. Assim sendo, o que nós
fazemos no trabalho tem origem na forma que pensamos sobre as coisas. É por isso que, como
somos originados em uma cultura na qual o mais forte é sempre servido pelo mais fraco, fica
impossível defender a ideia da liderança servidora. Afinal, ninguém desejaria ser liderado por
alguém mais fraco do que si mesmo.
Estou convencido de que a maioria das organizações vive uma crise de liderança. O esforço de
encontrar talentos para preencher posições chave nas empresas tem sido cada vez maior, mas
vem produzindo resultados muito aquém dos desejados. E como fazer para desenvolver as
potenciais lideranças da nossa empresa?
Acredito que o desafio seja ensinar os líderes a desenvolver o modo de pensar dos colaboradores.
Isso implica em compreender que muitas pessoas são altamente capazes, do ponto de vista
individual, mas não percebem que essa competência é valorizada pela organização. Essas pessoas
desejam trabalhar de forma mais inteligente, querem ser mais inteligentes e estão pedindo
desesperadamente que alguém as ajude a realizar esse desejo. Mas tudo que encontram são
pessoas (equivocadamente chamadas de líderes) que só valorizam a tarefa repetitiva.
Se você quer realmente se desenvolver na arte de levar pessoas a lugares e posições que elas
nunca alcançariam sozinhas, ficam aqui três dicas do David Rock:
- O comprometimento das pessoas só é garantido quando elas são estimuladas a pensar por si
mesmas;
- As pessoas demoram um pouco a se acostumar a ter suas próprias ideias, porque isso requer
disciplina e energia;
- O prazer de se descobrir capaz de fazer mais do que se pensava motiva muito mais do que
qualquer tapinha nas costas ou bonificação salarial.
Sei que é muito complicado definir o que é liderança. Já se chegou, inclusive, a afirmar que
“existem quase tantas definições de liderança quantas são as pessoas que tentam defini-la”. Mas
eu estou convencido – por mais que James Hunter tente provar o contrário – que definitivamente
liderar não é servir. Nem tampouco é servir-se das pessoas para atingir objetivos pessoais.