Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Autoria: Valmiria Carolina Piccinini, Sidinei Rocha de Oliveira, Nilson Varella Rübenich
Resumo
1. Um Cenário de Mudanças
Até os anos 1970 grande parte das economias desenvolvidas apresentava um mercado de
trabalho bem estruturado, razoável distribuição de renda, baixo nível de desemprego e de
inflação. Esta estabilização foi rompida pelo esgotamento desse padrão de desenvolvimento e
caracterizada pela internacionalização e interpenetração dos mercados. Em decorrência desses
dois fatores, gerou-se uma instabilidade crescente no modo de produção levando as empresas
a reestruturarem-se (BOYER, 1987).
Nos anos 1990, estas transformações se consolidam e as conseqüências da
reestruturação produtiva se delineiam com mais clareza. As empresas ameaçadas procuram
adaptar-se ao aumento da concorrência implantando novas tecnologias e novos métodos
organizacionais característicos deste período de instabilidade e crise. São tomadas medidas
como: desverticalização e externalização do processo produtivo pela terceirização ou
subcontratação, contratação de mão-de-obra em tempo parcial, trabalho fora do sistema de
seguridade social e flexibilização da jornada de trabalho, enfraquecendo o controle sindical e
visando romper com os contratos formais de trabalho. Uma outra medida é a de fechar e
reinstalar as plantas produtivas em regiões onde a organização dos trabalhadores é precária ou
inexistente, com baixos níveis salariais, possibilitando novas relações de trabalho, distintas
das anteriormente vigentes (GAZIER, 1993).
A mundialização da economia reflete-se fortemente em todos os países,
independentemente do estágio de desenvolvimento em que se encontrem. A hegemonia do
capital financeiro e o acirramento da competição intra-capitalista livre da barreira antes
interposta pelo bloco socialista, entre outros, acarretam várias conseqüências, tal como uma
nova divisão internacional do trabalho.Verifica-se, assim o aumento da heterogeneidade do
mercado de trabalho, mesmo nos países desenvolvidos, devido à precarização das condições e
1
das relações de trabalhoi, polarização e informalização, bem como pela tendência à
dessindicalização e desorganização dos sindicatos (ANTUNES, 1995). Essa deterioração do
mercado de trabalho que acompanhou o processo de reestruturação produtiva foi incentivada
pelas políticas macroeconômicas nacionais de cunho neoliberal, em grande parte orientadas
pelas diretrizes do Consenso de Washingtonii. Conforme Dedecca (1994), o movimento de
flexibilização, que já era conseqüência da crise econômica, é legitimado e alimentado pelas
políticas que a maioria dos países adotou - contemplando políticas de desregulamentação e de
privatizações - visando superar esta crise. Núcleos avançados das economias nacionais
associam-se cada vez mais ao mercado mundial, organizando-se em forma de redes ou
cadeias em que empresas médias e pequenas relacionam-se transnacionalmente com grandes
empresas que assumem uma hegemonia que as beneficia (CASTELLS, 1999).
A busca de competitividade obriga as empresas a alterar rapidamente as características
de produção adaptando-se às flutuações do mercado. Para tal é demandada a flexibilização do
processo produtivo e da organização do trabalho. A flexibilização, segundo Boyer (1987) é a
aptidão de um sistema ou subsistema de reagir às perturbações no meio ambiente. Neste caso,
a flexibilização é decorrente da instabilidade econômica e social frente às diversas mudanças
no mercado e nas condições de competição. Salienta-se, sobretudo, a flexibilidade social que
atinge diretamente o trabalho por meio de suas diferentes formas de flexibilização
(PICCININI, 1998).
O modo de reação das empresas traduz-se, em cada contexto, de diversas maneiras.
Segundo Ramalho (1995), as formas de flexibilização do trabalho aumentaram o mercado
informal e o desemprego nos países subdesenvolvidos. Diante de um mercado de trabalho que
se restringe, e com grande disponibilidade de mão-de-obra, a economia de custos tem efeitos
devastadores sobre o nível de emprego. Mas flexibilização do trabalho não se confunde,
necessariamente, com desregulamentação das relações laborais ou com precarização do
trabalho, ainda que, freqüentemente, esteja acompanhada de tais características. Pode-se
considerar, ainda, flexibilização como a forma de superar situações de rigidez (na definição de
salários, no exercício de tarefas, nos contratos de trabalho), supostamente responsáveis por
dificuldades econômicas enfrentadas pelas organizações. Há, no entanto, tendência à
degradação das condições de trabalho, mesmo nos países centrais, principalmente no que diz
respeito às pequenas e médias empresas, integradas em redes.
O florescimento de redes de empresas a partir da tendência atual à descentralização, à
desverticalização e à focalização/especialização da produção das grandes empresas visa
manter as suas atividades centrais mais lucrativas, transferindo as demais para firmas
pequenas e médias. Esse processo apresenta tanto formas de parcerias seletivas, com o
objetivo de garantir a qualidade do produto, o que se aproximaria do chamado modelo de
especialização flexível, quanto formas de terceirização/subcontratação em que são buscadas as
reduções dos custos, resultando, com freqüência, na precarização das condições de trabalho e
de emprego. Esta estrutura de empresas em rede constituir-se-ia numa das mais importantes
mutações do capitalismo contemporâneo possibilitada pelas novas tecnologias de informação
e pelas mudanças nas relações de trabalho (CHESNAIS, 1999; CASTELLS, 1999).
Ainda que a globalização seja abordada, genericamente, como um conceito referente ao
atual estágio do processo de integração da economia mundial, as diferenças que se apresentam
em cada contexto nacional são resultantes da articulação política dos segmentos sociais, da
representação de seus interesses no aparato do Estado e de sua capacidade de garantir sua
defesa na definição de políticas econômicas e sociais.
O papel do Estado é decisivo nas condições concretas de inserção das nações no
processo de globalização, ao definir os rumos das políticas públicas e conseqüentemente
2
interferir no mundo do trabalho. Um bom exemplo pode ser observado quanto à questão do
desemprego, às vezes atribuído, exclusivamente, à inovação tecnológica e, no caso brasileiro
à presumida rigidez das relações trabalhistas e à baixa escolaridade da mão-de-obra
(PASTORE,1994). Na verdade, este estaria mais vinculado às políticas econômicas e sociais
referentes às condições de incentivo à dinamização da economia, que foram praticamente
abandonadas nas duas últimas décadas no Brasil, tendo o controle inflacionário prioridade
sobre a questão dos níveis de emprego (LEITE, 1997).
Neste contexto, este artigo discute a reestruturação produtiva, descreve formas de
flexibilização do trabalho presentes no país e os limites entre as atividades formais e
informais, a partir da legalização de formas de trabalho flexível. Com o esboço deste quadro,
apresentam-se algumas reflexões sobre o futuro das relações de trabalho no Brasil.
3
descentralizarem, ficam menores e criam ao seu redor uma rede de pequenas e médias
empresas (PMEs) filiadas, subcontratadas, algumas vezes com posse cruzada das ações.
Assim surgem as franquias (franchising), tais como, Benetton, McDonalds e outros.
Empresas produtivas conseguem, em função do novo quadro institucional, entrar em
qualquer pais ou região sem investir quase nada, utilizando os incentivos que os governos
locais oferecem como é o caso no Brasil (FIAT em Minas Gerais, General Motors no Rio
Grande do Sul, Ford na Bahia, etc). A empresa que se estabelece nessas regiões cria todo um
cinturão de fornecedores que antes eram internos à empresa, empresa-rede, subcontratada,
parcialmente associada ou não. Quando começa a ter que devolver, através de impostos, o que
recebeu quando de sua implantação, fecha e vai para outras regiões, ou outros países, em
busca de novos incentivos.
Isto também ocorre entre as indústrias nacionais. As empresas saem do sul, do sudeste e
vão para o nordeste, muitas vezes empregando trabalhadores organizados em cooperativas de
trabalho. São oferecidos incentivos fiscais, onde os governos dos estados nordestinos
competem na oferta de mais vantagens para atrair as empresas do sudeste e sul. O custo da
mão-de-obra é muito inferior ao praticado nestas regiões mais desenvolvidas, sobretudo se
organizados em cooperativas de trabalho. Estas cooperativas surgem, muitas vezes,
estimuladas pelos sindicatos e apresentam-se como única alternativa para os trabalhadores.
No entanto, lutam com dificuldades e sofrem pressões seja pela tributação imposta pelo
Ministério do Trabalho, seja pela concorrência com as cooperativas de fachada. As que
buscam respeitar os princípios do cooperativismo lutam para legitimar-se e oferecer ocupação
digna a seus associados (PICCININI, OLIVEIRA e FONTOURA, 2004).
3. O Trabalho no Brasil
O desenvolvimento industrial brasileiro no pós-guerra possibilitou ao país montar uma
estrutura produtiva moderna, em que o sistema de trabalho assalariado foi o padrão
dominante. Ele corresponde ao que se convenciona chamar de emprego formal, caracterizado
pela carteira de trabalho, principal criação da CLT. A carteira de trabalho assinada representa
a comprovação do vínculo empregatício, assegurando ao trabalhador todos os benefícios da
legislação trabalhista. Este conceito é utilizado pelo IBGE que considera trabalhador “formal”
o empregado que têm carteira assinada e informal o trabalhador sem carteira assinada e por
conta-própria. Pode-se incluir nestes casos os trabalhadores a domícilio (CATTANI, 2002).
No que tange às relações de trabalho, Dedecca (2005) explica que os direitos trabalhistas
no Brasil se desenvolveram com dificuldades e que, mesmo após a criação da CLT, os
governos – inclusive o governo Vargas - sempre coibiram os mecanismos que pudessem
tornar este sistema legítimo. O movimento sindical só adquiriu maior legitimidade no final da
década de 1970 e grande parte de suas reivindicações foram atendidas na nova constituição de
1988, onde um verdadeiro estado de proteção social foi desenhado. Entretanto, as eleições de
1989 apresentaram uma bipolarização: de um lado estavam aqueles que ajudaram a construir a
nova constituição e de outro os que refutavam parte significativa deste marco legal
recentemente aprovado, alegando que o modelo de proteção estabelecido atendeu apenas os
trabalhadores das grandes empresas públicas e privadas e do Estado. Segundo este discurso, a
regulação do mercado, que marcou o país desde a década de 1940, formou uma sociedade
marcada por privilégios para poucos e penúria para muitos. A reprodução desse discurso
ganhava força em países desenvolvidos desde o final da década de 1970, onde era defendida a
flexibilização e a desregulamentação como instrumentos decisivos para resolver problemas
econômicos e sociais. Este discurso, entretanto, não seria aplicável ao Brasil, já que aqui o
estado de proteção social nunca chegou a realmente funcionar (DEDECCA, 2005).
4
O Brasil, que sofreu um período recessivo entre 1990-1992, iniciou um período de
recuperação (1993-1996) com estabilização dos preços devido ao Plano Real de 1994. No
entanto, os impactos positivos foram escassos, embora deva ser saudada a queda da inflação,
contudo, foi acompanhada da redução do nível de emprego, sobretudo o industrial,
desestimulado devido ao incentivo dado às importações.
Estas transformações estruturais da sociedade fazem parte do processo de informalidade
observado por Cacciamali e Britto (2003). Ao se redefinirem as instituições, as relações de
produção, o processo de trabalho e as formas de inserção dos trabalhadores nesta estrutura,
resulta a precarização do trabalho, não somente no setor informal, mas para a classe
trabalhadora em geral, com inevitável reflexo sobre sua qualidade de vida.
Recentemente, com a redução do emprego industrial e ampliação das atividades de
serviços em que proliferam as atividades consideradas “atípicas”, mesmo os trabalhadores
com vínculo formal de emprego podem fazer face a diferentes formas de flexibilização.
6
demandas de produção das empresas, ficando o trabalhador dependente de um ou mais
contratantes (PICCININI, 1996).
Rede de empresas - Baseia-se na divisão do trabalho entre organizações que se
especializam em determinadas fases da cadeia produtiva. A autonomia e a capacidade
de controle dependem do porte e da posição que as empresas ocupam na cadeia
produtiva. Essa forma de arranjo empresarial constitui um espaço ampliado para a
inovação tecnológica e para a organização do trabalho com base em novos princípios,
desde que funcione com a lógica da cooperação e autonomia ligada a uma divisão
equilibrada do trabalho entre as organizações que compõem a rede. Contudo, para que
funcione bem, requer relações de confiança, interdependência, integração,
transparência de informação e institucionalização da parceria. Numa análise crítica,
Kovács (2002) destaca que tais redes de contratação podem não constituir uma ruptura
com o modelo taylorista-fordista, quando um conjunto de pequenas e médias empresas
se encontra submetido a uma empresa central ou algumas empresas centrais.
Cooperativas de trabalho - É uma associação autônoma de pessoas que se unem,
voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e
culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e
democraticamente gerida (Organização das Cooperativas do Brasil). Foi a partir da
Constituição de 1988 que o governo fomentou o cooperativismo, garantindo a sua
autogestão. A nova Constituição acolheu parcialmente a Legislação de 1971, redigida
durante o período militar, que permitia intervenções por parte do governo, o que é
vedado na Carta Magna de 1988.
9
Jornada de trabalho flexível - Neste sistema o trabalhador cumpre um número
fixo de horas em horários determinados pela empresa e outra parcela de forma
flexível, normalmente os períodos de entrada, saída ou almoço. O trabalhador estipula
a maneira pela qual vai cumprir a sua jornada de trabalho. Este tipo de flexibilização
vai depender da tecnologia utilizada, do tipo de clientela e da capacidade de operação
da empresa (CHAHAD, 2003). É mais aplicável a atividades como criação ou
pesquisa e desenvolvimento.
Turnos de trabalho - Possibilita às empresas maior flexibilidade na produção pela
extensão do dia de trabalho e substituição periódica dos trabalhadores. Segundo
Chahad (2003), as empresas têm adotado cada vez mais os turnos de trabalho de
modo a dispor de uma força de trabalho permanente e esses de maiores períodos de
descanso.
Semana reduzida de trabalho - Forma de flexibilização que permite aos
trabalhadores condensarem um número fixo de horas em uma parte da semana,
permanecendo inativo o restante do tempo. A utilização desta prática tem sido comum
em períodos de declínio da atividade econômica (CHAHAD, 2003).
Externa Interna
Tipo de flexibilização
Terceirização, Subcontratação,
Quantitativa Trabalho de tempo compartilhado
Trabalho a domicílio, rede de
(número de (Job Sharing), Lay-off, Estágios,
empresas, Cooperativas de
trabalhadores) Trabalho temporário, Tempo parcial
trabalho
Funcional Polivalência, Multifuncionalidade
Horas extras, banco de horas,
Formas de trabalho Teletrabalho, Trabalho a domicílio,
jornada flexível, turnos, semana
(tempo/espaço) rede de empresas
reduzida de trabalho
Após esta apresentação de formas de trabalho flexível cabe questionar em que medida
estas formas de flexibilidade (algumas antigas e outras mais recentes) repercutem na
qualidade de vida dos trabalhadores inseridos em algum destes modelos e fazer algumas
projeções sobre a repercussão destes tipos de trabalho em termos de precarização das
condições de trabalho. Conseqüentemente os gestores de recursos humanos têm que conviver
ao mesmo tempo com trabalhadores “estáveis” - e que gozam de direitos amplos – e com
trabalhadores “flexibilizados” – com salários e benefícios diferenciados.
A política governamental apresentada pelo do Ministério do Trabalho nos últimos anos
tem se orientado no sentido de buscar redução do custo da mão-de-obraiv, flexibilizando cada
vez mais a legislação trabalhista. Assim, as fronteiras entre o trabalho formal e o informal são
cada vez mais tênues, sendo que este novo trabalho “flexível” ou “atípico” acaba sendo
apresentado, muitas vezes, como trabalho “informal”. Entretanto, é um tipo de trabalho
“legal”, em que se eliminam os benefícios e as garantias do vínculo celetista, tão defendido
pelo movimento sindical brasileiro.
11
ignora certas categorias, como os profissionais liberais (médicos, dentistas,...), os
empregadores e outros autônomos que contribuem para a previdência pública, que lhes
assegura benefícios como aposentadoria e licença saúde, mas não dá acesso a algumas outras
vantagens da CLT como décimo terceiro salário, férias e horas extras.
6. Reflexões finais
Quando, no século XIX, a difusão da industrialização promoveu o surgimento de um
novo paradigma técnico produtivo, que necessitava expandir-se em nível internacional para
sobreviver e consolidar-se, a conseqüência foi a forte pressão internacional, inclusive no
Brasil, para que ocorresse a passagem de um sistema baseado na mão-de-obra escrava para o
de trabalho assalariado, indispensável para criar mercado consumidor para a produção feita
em massa. A história pode não repetir trajetórias, até porque, as transformações sociais não o
permitem, mas as práticas pelas quais os homens tentam manter as relações capitalistas
vigorando, estas sim podem ser comparadas, porque a essência do valor, enquanto unidade de
medida destas sociedades, continua sendo a mesma: o trabalho.
Na década de 1990, marcada pelo surgimento do conceito de “globalização”, mais uma
vez é perceptível uma força internacional agindo sobre o modo de produção brasileiro. As
transformações sócio-econômicas são repercussões do que ocorre na esfera produtiva,
comercial, financeira e de informação. O capital, ao se defrontar com um ambiente instável,
em função da mudança do paradigma produtivo da microeletrônica para altas tecnologias de
informação, encontra como meio alternativo de valorizar-se no mercado financeiro. Já o
capital que busca valorizar-se através de atividade produtiva direta vê-se obrigado a
reestruturar-se. O Brasil, em meio a essa mudança de paradigma tecnológico, sofre
duplamente, pois enfrenta também uma crise interna de caráter estrutural, devido ao abandono
de seu parque industrial nas duas décadas anteriores, sucedendo o esgotamento do padrão de
industrialização por substituição de importações das décadas anteriores.
É nessa conjuntura interna e externa desfavorável que emergem as conseqüências das
práticas de sobrevivência do capital, onde se destaca a flexibilização, a ampliação do
fenômeno da informalidade, bem como o desmantelamento da rede de proteção social ao
trabalhador e o aprofundamento da desigualdade social. Assiste-se, assim, a um processo de
desintegração vertical e espacial das empresas por via da segmentação produtiva e da
exteriorização das atividades (outsourcing, subcontratações). A lean production e a
reengenharia são manifestações desta racionalização flexível.
Pochmann (1997) observa que no caso brasileiro “assiste-se à liquidação gradual e
silenciosa do estatuto do trabalho, constituído a duras penas entre os anos 1930 e 1980. A
legislação que aprovou as cooperativas de trabalho, o abandono da política salarial e o
rebaixamento do salário mínimo, o projeto de emprego temporário com rendimentos e
encargos sociais restringidos, “a Medida Provisória (1.539/97) que aprovou a abertura do
comércio varejista aos domingos sem pagamento de horas extras, sem obrigação de
negociação ou acordo/convenção coletiva, entre outras... São questões que parecem contribuir
muito mais para provocar a precarização das condições e relações de trabalho nas ocupações
já existentes do que para geração de empregos regulares”.
As formas flexíveis de trabalho embora legais e formais, na medida em que eliminam
parte do sistema de seguridade, reduzem sensivelmente a estabilidade dos empregos e, em
alguns casos, aumentam a carga de trabalho, levam à precarização do trabalho e à redução da
qualidade de vida do trabalhador. No caso das cooperativas de trabalho, por exemplo, o
trabalho que oferecido está no limite entre a inclusão social e a inclusão excludente, pois se
por um lado são uma alternativa de ocupação e renda para seus associados, por outro, em
12
muitos casos, oferecem condições mínimas de trabalho e remuneração que garante apenas a
subsistência desses trabalhadores (PICCININI, OLIVEIRA e FONTOURA, 2004).
A informalidade pode ocorrer de forma voluntária para aquele que quer ser o “dono” do
seu próprio negócio e atua sem registro ou pode ser forçada pela reestruturação das empresas,
que buscam a flexibilização como uma alternativa frente à competitividade acentuada pelo
fenômeno da internacionalização da economia. Entretanto deve-se observar que o expressivo
crescimento do fenômeno do trabalho informal no Brasil ocorre paralelamente à
intensificação da abertura comercial. Assim, fica difícil acreditar que o fenômeno seja
impulsionado principalmente pela decisão voluntária do indivíduo, pelo seu espírito
empreendedor, uma vez que grande parte dessa ocupação informal vem acompanhada da
precarização das condições de trabalho e de vida.
A pretensão do governo Fernando Henrique Cardoso, responsável pelo principal plano
de estabilização econômica da década de 1990, foi de flexibilizar o trabalho e mudar a
legislação trabalhista, que em parte se encontra desatualizada, impondo mais uma vez a idéia
de liberalização ao flexibilizar o “custo” do trabalhador. No entanto, grande parte do trabalho
sempre foi flexibilizado, sobretudo nos setores que estavam fora do mercado formal de
emprego. O novo governo, aparentemente, está diminuindo a pressão neste sentido, mas não
se pode adiantar medidas especificas além do discurso dos dirigentes do Ministério do
Trabalho. De qualquer forma, dadas as políticas já em curso quando da mudança de governo
federal em 2002, permanece o risco de serem retiradas as garantias trabalhistas conquistadas
ao longo do século XX, principalmente as implantadas a partir da década de 1950.
Na tentativa do governo em incorporar os trabalhadores informais no Sistema de
Proteção Social (SPS) foi aprovada lei para que os autônomos contribuam com um percentual
diferenciado (11%) contra os 20 % pagos pelos trabalhadores regulares inseridos no mercado
de trabalho padrão. Isto serviria para encorajá-los a contribuir e participar do SPS. Em
levantamento feito pela imprensa junto a ambulantes, vendedores autônomos e outros, muitos
declararam que esta contribuição, mesmo pequena, pesaria demasiadamente no orçamento
doméstico, ainda que reconhecendo a precariedade de viver sem as garantias do emprego
formal (o que reforça o fato de grande parte da informalidade ser induzida pelo processo de
reestruração). Os jovens vêem como muito distante a aposentadoria, e a preocupação com o
futuro atinge mais os que estão em idade madura.
A delimitação do universo de trabalhadores informais tem como conseqüência que parte
dos trabalhadores assalariados sem carteira de médias e grandes empresas estão no setor
dinâmico da economia, o que significa que este tem sido incapaz de expandir empregos de
qualidade. Exemplos desse fenômeno são os funcionários em funções executivas (arquitetos,
advogados, engenheiros) que são demitidos e passam a prestar serviço terceirizado para uma
determinada organização, mas obedecendo a normas de horário e de subordinação. Enfim,
mesmo entre os trabalhadores “de colarinho branco”, o trabalho é instável e as condições de
emprego e de trabalho são impostas. Pode ter contribuído para isso o modelo de abertura
indiscriminada com juros altos e crédito concentrado, característica marcante do Plano Real,
mas também pela tentativa por parte dos empregadores e do governo de reduzir direitos
trabalhistas e de restringir o alcance da organização sindical, muitas vezes demonstrando um
exercício de fé cega nas leis que regem o livre mercado. A redução da precarização nestas
atividades depende, portanto, de uma alteração nas coordenadas do modelo econômico
vigente.
Pode-se pensar, conforme sugestão da CUT (2003) como solução alternativa em
âmbito local, nas experiências de economia solidária, desde que os autônomos, as verdadeiras
cooperativas, as microempresas e os pequenos produtores rurais no âmbito da agricultura
13
familiar possam ter acesso ao microcrédito para expandir as suas atividades. A viabilidade
destas experiências, tanto do ponto de vista econômico como também social e cultural,
depende de um estudo rigoroso do público-alvo, de uma capacitação técnica maciça dos
beneficiários, da liberação de crédito a juros baixos por meio de novos desenhos institucionais
como os bancos do povo, as incubadoras de empresas, etc., além da organização da sociedade
civil e do poder público, de forma a permitir que estas iniciativas cheguem de forma efetiva
aos excluídos do mercado de trabalho, do sistema financeiro e das políticas sociais em geral.
O diretor-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o diplomata chileno
Juan Samovía, promove contatos com governos em todo o mundo para buscar soluções para o
problema do emprego informal, com a estratégia de formalizá-lo por meio da concessão de
créditos. "Quanto mais se capacite o mundo informal, mais será possível levá-lo a se
aproximar do mundo formal”. O importante é não ver o trabalho "como mercadoria", mas
como "fonte social, de dignidade, que afeta a estabilidade das famílias, a paz nas
comunidades". Ele define os últimos anos como "a década perdida para o crescimento do
emprego" e apresenta cinco sugestões aos governos: liberar as economias, abrindo as
sociedades; adotar políticas de expansão que dêem prioridade à criação de empregos e não a
aspectos monetários; priorizar a produtividade e a qualificação educativa; reforçar as redes de
segurança social; fomentar o diálogo social.
Enfim, fica clara a necessidade de algum tipo de intervenção de uma “mão visível”
que assegure, no mínimo, o direito ao trabalho para os seres humanos, pois este direito de
maneira alguma pode ser retirado por um sistema que apresenta tamanha suscetibilidade às
crises.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho: ensaios sobre a metamorfose e a centralidade do mundo
do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. 155p.
ATKINSON, J. The Flexible Firm. Canadian Business Review, 1988.
BOYER, R. Des Flexibilités Défensives ... ou Offensives? In: BOYER, R. (org.) La
Flexibilité du Travail en Europe. Paris: La Découverte, 1987.
BOYER, R. Flexibilité du travail: des formes contrastées des effets mal connus. Les Cahiers
Économiques de Bruxelles, n. 113, p. 207-245, 1º trimestre 1987.
BRASIL. Consolidação das Leis de Trabalho. Disponível em http://www.trt4.gov.br .
CACCIAMALI, Maria Cristina; BRITTO,André; A Flexibilização Restrita e Descentralizada
das Relações de Trabalho no Brasil. In: Mercado de Trabalho no Brasil: novas práticas
trabalhistas, negociações coletivas e direitos fundamentais no trabalho, Cap.4, pp.125-155,ed.
LTr, São Paulo, 2003.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CATTANI, Antonio David. Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 2002.
CHAHAD, José Paulo Z.; As Modalidades Especiais de Contrato de Trabalho na CLT e a
Flexibilidade do Mercado de Trabalho Brasileiro. In: Mercado de Trabalho no Brasil: novas
práticas trabalhistas, negociações coletivas e direitos fundamentais no trabalho, Cap.1, pp.41-
77,ed. LTr, São Paulo, 2003.
14
CHESNAIS, François. Um Programa de Ruptura com o Neoliberalismo. In: HELLER, Agnes
et al. A crise dos paradigmas em Ciências Sociais e os desafios para o século XXI. RJ:
Contraponto – Coven,1999.
DEDECCA, Cláudio Salvadori. Notas sobre a Evolução do Mercado de Trabalho no Brasil.
Revista de Economia Política. São Paulo, v. 25, nº 1, jan-mar, 2005.
DEDECCA, Cláudio. As mudanças no sistema das relações de trabalho. In: Le Monde
Diplomatique: globalização e mundo do trabalho. N. 1 set. 2000.
DEDECCA, C S. Reestruturação produtiva e novos padrões nas relações capital-trabalho.
Cadernos de Pesquisa CEBRAP 25 anos, n.1, p. 61, jun. 1994.
GADREY, J. La Notion de Flexibilité. In: La Gestion des Ressources Humaines dans les
Services et le Commerce. Paris: L’Harmattan, 1991, p. 9-33.
GAZIER, B. Les stratégies des ressources humaines. Paris: La Découverte, 1993.
GERCHMANN, LÉO. OIT busca solução para trabalho informal. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u28879.shl
KOVÁCS, Ilona. As metamorfoses do emprego: ilusões e problemas da sociedade da
informação. Oeiras: Celta, 2002
LEITE, M. P. (org.) O Trabalho em Movimento: reestruturação produtiva e sindicatos no
Brasil. Campinas: Papirus, 1997. 255 p.
LESSA, Ana Cristina de Monteiro. Flexibilidade do trabalho e políticas de
qualificação/treinamento e remuneração : estudo de casos em indústrias metal-mecânicas de
Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre. 2001
MATTOSO, J. O Brasil desempregado: como foram destruídos mais de 3 milhões de
empregos nos anos 90. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
MICHON, François. Flexibilité et marché du travail. Les Cahiers Français. nº. 231, maio-jun,
1987.
NORONHA, Eduardo G.. Informal, Ilegal, Injusto : percepções de trabalho no Brasil. in
Revista Brasileira de Ciências Sociais. N 53, outubro/2003.
O Trabalho Informal no Brasil. Disponível em: http://www.cut.org.br/a50110.htm.
PASTORE, J. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva. São Paulo,
LTr. Editora, 1994.
PICCININI, Valmíria Carolina; OLIVEIRA, Sidinei Rocha de; FONTOURA, Daniele dos
Santos. Participação, Inclusão Social, Flexibilidade e Precarização: Caminhos e Descaminhos
do Cooperativismo de Trabalho no Rio Grande do Sul. III ENCONTRO DE ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS - ENEO. In: Anais... 2004, Atibaia CD ROM v. 1.
PICCININI, V. C. e OLIVEIRA, S. R. Cooperativas de Trabalho: Alternativa para o
desemprego? In: VIII Encontro Nacional de Estudos do Trabalho – ABET. Reformas
Trabalhista e Previdenciária, Crescimento Econômico e Distribuição de Renda. PROLAM –
FEA – Universidade de São Paulo. São Paulo – 13 a 16 de outubro de 2003.
PICCININI, V. C. O Trabalho Flexível na Indústria Calçadista. In: CASTRO, N; DEDECCA,
C. S. A Ocupação na América Latina: tempos mais duros. São Paulo; Rio de Janeiro:
ALAST, 1998.
PICCININI, V. C. Trabalho, Qualificação Profissional e Tecnologia: um estudo comparativo.
In: Anais do 19º Encontro Nacional de Pós-Graduação em Administração. Angra dos Reis,
set. 1996. v. I, n. 9, Recursos Humanos.
15
RAMALHO, J. R. Trabalho, reestruturação produtiva e movimento sindical. In: Caderno
Técnico 22 - SESI, 1995.
RAMOS, Lauro. A evolução da Informalidade no Brasil Metropolitano: 1991-2001. Texto
para discussão: Rio de Janeiro: IPEA, v. 914, nov 2002.
SALERNO, M. S. Trabalho e Organização na empresa industrial integrada e flexível. In:
Leite, M. P. Novas Técnicas de Trabalho e Educação. Petrópolis:Vozes, 1994.
SINGER, Paul. A crise das relações de trabalho. In: NABUCO, Maria Regina;
CARVALHO NETO, Antônio (orgs) Relações de Trabalho contemporâneas. Belo Horizonte:
IRT da PUC de MG, 1999 p. 31-45.
TREMBLAY, Diane-Gabrielle ; ROLLAND, David. Gestion des Ressources Humaines.
Quebec : Télé-Université/Sainte-Foy, 1998.
i
“Precarização das condições de trabalho: o aumento do caráter precário das relações de trabalho pela ampliação
do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho independente (por conta própria). É identificado pelo aumento
do trabalho por tempo determinado, sem renda fixa e em tempo parcial. Em fim, pelo que se costuma chamar de
“bico”. Em geral é identificada pela ausência de contribuição a previdência social e, portanto, sem direito à
aposentadoria.” (MATTOSO, 1999, p. 8)
“Precarização das relações de trabalho – processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da
desregulamentação, dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos por empresa, ou
mesmo unilaterais.” (MATTOSO, 1999, p. 8)
ii
Consenso de Washington: expressão cunhada pelo economista norte-americano John Willianson, para
denominar o decálogo de medidas liberalizantes e de ajustes sugeridos para reformas nos países em
desenvolvimento, concebido no âmbito de organizações vinculadas a Washington, como o FMI (Fundo
Monetário internacional) e o Banco Mundial.
iii
Relações de Trabalho é entendida aqui como transcendendo a própria situação de trabalho, pois envolve um
conjunto de arranjos institucionais e informais que modelam e transformam as relações sociais de produção nos
locais de trabalho. Entende-se que as relações de trabalho são oriundas das relações sociais de produção entre
trabalhadores e empregadores. (Liedke 1997, Fleury e Fischer 1992). Relações Trabalhistas referem-se às
relações jurídicas de trabalho, a própria legislação.
iv
Estas novas formas de trabalho surgiram no Brasil, sobretudo, no início da década de 1990. Isto porque países
na periferia do mercado internacional, como o Brasil, acabam sofrendo conseqüências mais perversas, até por
serem o elo mais fraco das cadeias produtivas e terem como grande vantagem competitiva o baixo custo da mão-
de-obra.
v
A CISE prevê uma categoria separada para trabalhador de cooperativa, já que cada membro, sem distinção,
participa de forma igualitária na organização da produção na distribuição dos benefícios auferidos pela
organização. Nem o IBGE, nem o DIEESE incluem tal categoria em suas classificações.
16