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Autor Michelangelo
Género Pintura
Técnica Afresco
[1]
Dimensões 4 023 × 1 340
Encomendador Júlio II
Índice
[esconder]
1Contexto e história
2Método
3Conteúdo
4Plano arquitetônico
o 4.1Real
o 4.2Simbólico
5Plano pictórico
o 5.1Nove cenas do Gênesis
5.1.1A Criação
5.1.2Adão e Eva
5.1.3História de Noé
5.1.4Escudos
o 5.2Doze figuras proféticas
5.2.1Profetas
5.2.2Sibilas
o 5.3Pendículos
o 5.4Ancestrais de Cristo
5.4.1Temática
5.4.2Abordagem
o 5.5Ignudi
6Análise estilística e legado artístico
7Restauração
8Ver também
9Notas
10Referências
o 10.1Referências bíblicas
11Bibliografia
12Ligações externas
O papa Júlio II, apelidado de "papa guerreiro", tornou-se conhecido por sua agressiva
campanha por controle político, união e conquista de poderio na Itália sob a liderança da
Igreja. Ele investia em simbolismos para demonstrar sua soberania, como por meio
de procissões e desfiles em carruagens após as vitórias militares, por exemplo. Foi Júlio,
ainda, que iniciou a reconstrução da Basílica de São Pedro, em 1506, na forma do mais
imponente símbolo de sua supremacia.[5]
No mesmo ano, o sumo pontífice concebeu um planejamento para a execução de uma
pintura no teto da Capela Sistina.[6] As paredes da construção já haviam sido decoradas
vinte anos antes, com o mais baixo dos três níveis pintado para lembrar cortinas
drapeadas, até hoje cobertas com as tapeçarias de Rafael em ocasiões especiais; o nível
médio contendo um complexo plano de afrescos que ilustram a vida de Jesus no lado
direito e a de Moisés no esquerdo; e o nível superior das paredes sendo composto, entre
as janelas, por pares de ídolos que representam os primeiros 32 papas.[7]
A decoração do espaço como um todo foi criada por muitos dos mais renomados pintores
da renascença, entre eles Botticelli, Ghirlandaio, Perugino, Pinturicchio, Luca
Signorelli e Cosimo Rosselli.[8] Um esquema de rascunho de Matteo d'Amelia indica que o
teto anterior aos famosos afrescos foi executado na tonalidade azulada característica
da Cappella degli Scrovegni, além de decorado com estrelas douradas que possivelmente
teriam como função representar as constelações zodiacais. É provável, em decorrência do
lugar ter sido o ponto de encontro regular de um corpo de elite conhecido como Capela
Papal, que Júlio II tenha intencionado a iconografia do teto enquanto dotada de múltiplas
possibilidades de sentido, para ser observada e interpretada dentro de uma grande
significância teológica e temporal.[9]
Michelangelo, por considerar-se mais um escultor que pintor, relutou em aceitar o trabalho.
Ele, ainda, mostrava-se atarefado com uma grande encomenda escultural para a tumba do
papa. Este, no entanto, foi insistente, deixando o artesão sem escolha.[10] Uma guerra com
a França, entretanto, iniciou-se, dividindo a atenção do sumo pontífice e dando
oportunidade a Michelangelo de voltar a Roma para esculpir. As esculturas de tumba,
porém, nunca foram finalizadas, em decorrência do retorno vitorioso de Júlio II, em 1508, e
seu chamamento para que o artista desse início aos trabalhos. O contrato para a feitura
dos afrescos no teto foi assinado em 10 de maio de 1508.[6]
O plano proposto pelo papa previa doze grandes representações
dos apóstolos nos pendículos.[11] Michelangelo, entretanto, negociou a feitura de um plano
maior, mais complexo, vindo posteriormente a receber autorização para, em suas próprias
palavras, "fazer como eu gostaria".[12] A esquemática pretendida pelo artista chegou
eventualmente a ser composta por cerca de trezentas figuras e levou quatro anos para ser
executada, com término em 1512.[6][10] Muito se questiona entre historiadores da arte
acerca da possibilidade da obra ter sido, de fato, em conteúdo, fruto do planejamento e da
vontade de Michelangelo.[11] Egídio de Viterbo foi o suposto responsável pela consultoria
em relação aos conhecimentos de teologia necessários para a criação da obra.[13] Muitos
escritores, todavia, descrevem Michelangelo como tendo o intelecto, o conhecimento
bíblico e o poder inventivo para ter idealizado o plano sozinho. Essa ideia é apoiada pela
afirmação de Ascanio Condivi de que Michelangelo leu e releu o Velho Testamento no
período de pintura o teto, buscando inspiração nas palavras das escrituras, em vez deixar-
se influenciar pelas tradições da arte sacra.[14] Em totalidade, a obra é composta por 343
figuras.[15]
A localização do andaime é evidente neste recorte de luneta, no canto inferior direito, onde há um trecho de
textura bruta e sem pintura.
Para alcançar o teto da capela, Michelangelo projetou seu próprio andaime, uma
plataforma de madeira com suportes construídos a partir de buracos nas paredes, em
áreas próximas ao topo das janelas, em vez de a partir do chão. Mancinelli especula que
isso foi feito com o objetivo de diminuir os custos do material usado.[16] De acordo com
Condivi, biógrafo e pupilo de Michelangelo, os suportes e a estrutura que apoiavam os
andares e o piso do engenho foram todos postos em seus lugares no início dos trabalhos
com uma tela leve, possivelmente de pano, suspensa por baixo deles para capturar
respingos de gesso, pó e salpicos de tinta.[17] As metades da capela foram tomadas por
andaimes uma de cada vez, com a moção da plataforma no decorrer da completude das
etapas de pintura.[16] Os locais de inserção dos suportes abaixo das lunetas ainda hoje
estão sem pintura, tendo sido utilizados novamente durante a última restauração do
afresco.[18]
Ao contrário do que diz a crença popular, Michelangelo pintou o teto em pé, e não deitado
sobre as costas. De acordo com Vasari, "o trabalho foi executado em condições
extremamente desconfortáveis, tendo o pintor que trabalhar com sua cabeça sempre
inclinada para cima".[10] Michelangelo descreveu seu desconforto físico
num soneto humorístico acompanhado por um pequeno desenho de rascunho.[19][20]
A técnica empregada foi a do afresco, na qual a pintura é aplicada com gesso úmido.
Michelangelo foi um aprendiz na oficina de Domenico Ghirlandaio, um dos mais
competentes e prolíficos artistas dessa técnica em Florença, no tempo em que este estava
a executar um trabalho na Santa Maria Novella; artista esse que já possuía trabalhos nas
paredes da Sistina.[21] No início, o gesso intonaco desenvolveu mofo por ser
exageradamente molhado. Michelangelo, então, teve que removê-lo e começar
novamente. Ele, assim, experimentou uma nova fórmula, criada por um de seus
assistentes, Jacopo l'Indaco, resistente o suficiente para não mofar, e então adentrou as
tradições italianas da construção.[17]
Evidências da inserção de gesso acumulado para um dia de trabalho podem ser vistas em volta da cabeça, das
costas e do braço deste ignudo.
Por se tratar de um afresco, o gesso era posto em acúmulo numa seção diferente a cada
dia, em quantidade suficiente para todo o expediente diário de trabalho, procedimento
então conhecido como giornata. Ao início de cada sessão de pintura, as bordas dos
desenhos eram raspadas e a pasta de gesso, colocada numa nova área.[16] As marcas nas
bordas entre as giornate permanecem hoje levemente visíveis, e dão indicativos de como
o trabalho progredia. Era costumeiro aos pintores de afresco desenvolver desenhos
rascunhados, detalhados e completos da obra e, a partir deles, fazer a transferência para a
outra superfície; por causa desse procedimento, muitos trabalhos do tipo guardam marcas
de pequenos buracos feitos com estilete nos contornos das figuras. No tocante a esse
aspecto, Michelangelo quebrou uma convenção; ao ficar satisfeito com um intonaco bem
aplicado, ele desenhava diretamente no teto. Seus radicais contornos podem ser vistos
raspados em algumas das superfícies,[nota 1] e outras apresentam malhas evidentes,
indicando que ele ampliou diretamente uma figura no teto a partir de um pequeno desenho
de esboço.[10][16][17][22]
Michelangelo usou o gesso úmido por meio de uma técnica de tinta lavada, aplicada em
amplas áreas coloridas. Quando tais superfícies secavam, ele as revisitava a partir de uma
abordagem de pintura mais direta, adicionando sombras e detalhes com uma variedade de
pincéis. Para algumas áreas com textura, tais quais as de pelos faciais e grãos de
madeira, ele usava um grande pincel com cerdas esparsas de forma semelhante a um
pente. Eram empregados os mais sofisticados métodos artesanais e as melhores
inovações que ele conhecia, combinando-as a uma variedade de tipos de pincelada e a
um primor de "virtuose" que em muito ultrapassava a meticulosidade de Ghirlandaio.[nota
2][10][16][17][22]
Esse trabalho foi iniciado a partir do fundo da construção, o mais afastado do altar, com as
últimas cenas narrativas, e progrediu ao caminho do altar, com os cenários
da Criação.[13] As primeiras três cenas, da história de Noé, contêm um muito maior número
de figuras menores que o restante de painéis. Isso se deve em parte por causa da
temática, que lida com o destino da humanidade, mas também em decorrência de todas as
imagens neste fim de teto, incluíndo os profetas e os ignudi, demandarem representação
em escala menor, se comparadas às das seções centrais.[23] Ao aumento da escala dos
elementos, o estilo de Michelangelo também se engrandece, com a cena narrativa final, de
Deus no ato da Criação. Tal trecho foi executado num único dia.[24]
As brilhantes cores e os amplos e claramente definidos contornos proporcionam uma visão
fácil e clara dos temas e elementos a partir do chão. Apesar da elevada altura do teto, as
proporções de A Criação de Adão são tais que, ao se posicionar logo abaixo do afresco,
“tem-se a impressão de que é possível ao espectador simplesmente elevar o dedo e
encontrar os de Deus e Adão". Segundo Vasari, o teto é "inacabado", tendo sua
inauguração acontecido antes do retrabalho com folha de ouro e lápis-lazúli, como era de
costume nos afrescos da época, no intuito de melhor combinar a arte do teto com a das
paredes, que já haviam sido anteriormente realçadas com grandes quantidades de ouro.
Essa finalização, entretanto, nunca aconteceu em parte por causa da relutância de
Michelangelo em remontar os andaimes, e também, provavelmente, pelo fato de que o
ouro e principalmente o intenso azul poderiam distrair os espectadores da concepção
pictórica do artista.[10]
Algumas áreas foram, de fato, decoradas com ouro: os escudos entre os ignudi e as
colunas entre os profetas e as sibilas. É provável que o douramento dos escudos fazia
parte do plano original de Michelangelo, uma vez que tais elementos foram pintados para
assemelharem-se a um certo tipo de escudo de desfile, uma parte dos quais ainda
existente e usada em decoração num estilo similar de dourado.[10][16][17][22]
O artista compôs um poema descrevendo as difíceis condições de trabalho durante a
pintura do teto da Sistina:[19][20]
Deus a separar a luz das trevas, cena do ato da Criação pintada num único dia. Ela reflete o próprio
Michelangelo no ato da criação do afresco.
A ilustração de Michelangelo ao poema retrata ele mesmo ao pintar Deus.
“
I'o gia facto un gozo in questo stento
chome fa l'acqua a' gacti in Lombardia
o ver d'altro paese che si sia
ch'a forza 'l ventre apicha socto 'l mento.
La barba al cielo ella memoria sento
in sullo scrignio e'l pecto fo d'arpia.
e'l pennel sopra'l uiso tuctavia
mel fa gocciando un ricco pauimento.
E' lombi entrati mi son nella peccia
e fo del cul per chontrappeso groppa
e' passi senza gli ochi muouo inuano.
Dinanzi mi s'allunga la chorteccia,
e per piegarsi indietro si ragroppa,
e tendomi com'archo soriano.
Però fallace e strano
surgie il iuditio che la mente porta
ché mal si tra' per cerboctana storta.
La mia pictura morta
difendi ormai Giovanni e'l mio onore
non sendo in loco ben né io pictore. ”
Conteúdo[editar | editar código-fonte]
A temática mais notória da pintura no teto da capela aborda a doutrina da
busca humana pela Salvação enquanto oferta de Deus por meio de Jesus, o Cristo, sendo
representada através de metáforas visuais acerca da necessidade de aliança com o
Criador. A velha aliança das tribos de Israel, por meio de Moisés, e a nova, por meio do
Cristo, já estavam representadas nas paredes da Sistina antes da criação dos afrescos de
Michelangelo.[3] Alguns especialistas, entre eles Benjamin Blech e o historiador da arte do
Vaticano Enrico Bruschini, têm destacado outras temáticas menores, descritas por eles
como "ocultas" ou "esquecidas".[25]
O pecado original e a expulsão do paraíso, retratando a perdição de Adão e Eva no Jardim do Éden.
Os componentes principais do afresco são nove cenas do livro bíblico de Gênesis, dentre
os quais cinco menores são enquadradas e apoiadas, cada uma, por quatro figuras de
jovens desnudos, também chamados de ignudi. A cada extremidade e sob cada cena,
estão as representações de doze homens e mulheres que profetizaram o nascimento de
Jesus. Nas áreas em forma de meia-lua, ou lunetas, acima de cada janela da capela,
estão placas que enumeram os ancestrais de Jesus e figuras anexas. Acima dessas
placas, nas triangulares enjuntas, mais oito grupos estão dispostos, embora não estejam
associados a personagens bíblicos específicos. O plano é completado por quatro grandes
pendículos de canto, cada um ilustrando uma história bíblica dramática.[23]
Os elementos narrativos procuram transmitir a ideia de que Deus fez o mundo como uma
criação perfeita, e nela inseriu a humanidade, que caiu em desgraça e foi punida com a
morte e com a separação do Criador. O ser humano, então, afundou ainda mais em
pecado e desonra, sendo assim castigado com o Grande Dilúvio. Através da linhagem
ancestral – de Abraão a José – Deus enviou o Salvador. A vinda do Cristo foi antecipada
por profetas de Israel e por sibilas do mundo clássico. Os vários componentes do afresco
do teto são, dessa forma, ligados, por meio de acontecimentos bíblicos, a preceitos e
convenções da doutrina cristã.[23] Tradicionalmente, o Velho Testamento era percebido
enquanto prelúdio do Novo Testamento. Muitos incidentes e personagens do primeiro
eram comumente entendidos como diretamente relacionados de forma simbólica a um
aspecto particular da vida de Jesus ou a algum elemento importante da doutrina
do cristianismo ou do sacramento, como o batismo e a eucaristia.[4]
Embora muito do simbolismo da arte do teto data do início da Igreja, o trabalho contém
também elementos que expressam o pensamento específico do Renascimento, que
buscava a reconciliação da teologia cristã com a filosofia do humanismo
renascentista.[26] Durante o século XV, na Itália, sobretudo em Florença, existia um grande
interesse pelos estudos clássicos, principalmente do pensamento de Platão, Sócrates,
entre outros intelectuais de enorme renome. Michelangelo, enquanto jovem adulto, ocupou
muito do seu tempo na academia humanista estabelecida pela casa de Médici em
Florença. Ele era familiarizado aos primeiros trabalhos esculturais de inspiração
humanista, como o Davi de bronze de Donatello, o qual deu-lhe ímpeto para a criação de
seu Davi de mármore, posto na piazza próxima ao Palazzo Vecchio, sede do conselho da
cidade.[27] A visão humanista entendia que o ser humano deveria responder ao seu igual,
às responsabilidades sociais e a Deus de forma direta, sem intermediários como a
Igreja.[28] Essa ideia não se enquadrava na perspectiva católica. Enquanto a Igreja
descrevia a humanidade enquanto essencialmente propensa ao pecado e à imperfeição, o
humanismo pregava a visão do homem como potencialmente nobre e belo.[nota 3] Essas
duas perspectivas não eram necessariamente incompatíveis aos olhos da Igreja, mas esta
entendia a si mesma enquanto única agente de Deus, provedora do caminho para a
"elevação do espírito, mente e corpo". Estar fora de sua congregação era estar fora do
domínio da Salvação. No teto da Sistina, Michelangelo concebeu elementos artísticos
inspirados em ambas as vias, a católica e a humanista, de uma forma em que elas não
entram em conflito visual. A inclusão de figuras "não-bíblicas" como as sibilas ou
os ignudi é amparada pela racionalização dos pensamentos cristão e humanista da
renascença. Tal racionalização, entretanto, viria a se tornar alvo da contrarreforma.[30]
A iconografia do teto é tida como dotada de várias possibilidades de interpretação, dentro
das quais alguns elementos têm sido contrapostos pela academia moderna[nota 4]. Outras
questões, como a da identidade das figuras das lunetas e enjuntas, continuam até hoje em
debate.[31] Acadêmicos atuais têm procurado, ainda que de forma malsucedida, determinar
uma fonte escrita do programa teológico empregado na arte do teto, questionando-se se
todo o plano foi de fato fruto da inventividade e das escolhas do artista, considerado um
ávido leitor das escrituras sagradas e até mesmo um gênio.[32] Também do interesse de
alguns estudiosos, é a investigação acerca da forma como o estado espiritual e psicológico
de Michelangelo afetou e se refletiu na iconografia e na expressão artística dos afrescos.
Dentro das indagações circundantes, problematiza-se e também especula-se sobre o
tormento de Michelangelo entre seus desejos homossexuais e sua fé passional cristã.[nota
5][33]
Deus a separar a terra da água, onde há evidente arquitetura ilusória, com elementos pintados à semelhança de
itens arquitetônicos reais. O trecho também apresenta escudos e os ignudi anexos.
Esquemática pictórica dos elementos do teto, evidenciando as representações nas cenas narrativas e as
seções temáticas.
O painel central, maior, evidencia o evento do Dilúvio.[nota 16] A Arca por meio da qual a
família de Noé escapou viva do evento flutua ao fundo do afresco enquanto o resto da
humanidade tenta freneticamente subir num ponto seguro em busca da sobrevivência. A
cena, além de possuir um maior número de figuras pintadas, é a que mais combina com o
formato dos trabalhos presentes nas paredes da capela. O último painel retrata a
embriaguez de Noé.[nota 17] Após o Grande Dilúvio, o patriarca da família cultivou o solo e
criou videiras. Este trecho da história é mostrado ao fundo do afresco. Noé, com o vinho
produzido a partir de sua plantação, embriagou-se e, assim, desnudou-se. Seu filho mais
novo, Cam, vendo-o descomposto, chamou seus dois irmãos, Sem e Jafé para observar o
pai. Os dois outros filhos de Noé, entretanto, cobriram o pai de olhos fechados. Após
recobrar a consciência, o patriarca amaldiçoou o filho mais novo e demandou que seus
descendentes vindos de Cam, a partir de Canaã, servissem aos descendentes de Sem
and Jafé. Juntos, os três afrescos procuram mostrar a longa jornada do ser humano desde
a perfeita criação de Deus. Foi por meio de Sem e das Tribos de Israel vindouras, contudo,
que a possibilidade da Salvação veio a surgir.[Src 4][Src 5][Src 6][Src 7]
Por Michelangelo ter executado as nove cenas bíblicas em ordem cronológica reversa,
alguns estudiosos analisam o conjunto de afrescos com o painel Noé embriagado como o
"início" da obra. A interpretação neoplatônica de Charles de Tolnay, por exemplo, coloca a
história de Noé no começo do conjunto e o ato da Criação na conclusão do deificatio, num
retorno da narrativa do físico ao espiritual.[47]
Escudos[editar | editar código-fonte]
Adjacentes às cenas bíblicas menores e apoiados por ignudi, estão dez escudos
circulares, por vezes descritos como pintados para lembrar bronze. Exemplares deste tipo
específico de item, contudo, são comuns nas formas lacada e dourada de
madeira,[48] decorados com figuras do Velho Testamento ou do livro
dos Macabeus em escrituras apócrifas.[6][49]
As temáticas nesses itens envolvem geralmente os mais macabros ou infames dos
episódios bíblicos, a única exceção sendo o de Elias a ascender aos Céus na Carruagem
de Fogo, deixando seu manto a cair sobre Eliseu. O vida de Elias enquanto profeta,
contudo, foi marcada por acusações e alertas para o arrependimento, e o propósito de seu
translado aos Céus é tradicionalmente interpretado como tendo objetivado sua presença
diante de Deus para que pudesse condenar Israel por seus pecados.[Src 8] Em quatro dos
mais elaborados "medalhões", o espaço é preenchido por figuras em ação violenta,
similarmente ao desenho A Batalha de Cascina.[6][49]
A aplicação de ouro nos escudos, em contraste com a falta de douramento no restante do
teto, serve, de certa forma, como ligação aos afrescos das paredes, de forma a combinar
as composições artísticas. Em alguns detalhes das pinturas murais, o folheamento a ouro
foi ricamente aplicado, notavelmente nos trabalhos de Perugino, nos quais esse
incremento serviu não só para minuciar as vestes das figuras pintadas, mas também
dobras por meio de gradações sutis de densidade de douro. Esta técnica, escolhida e
experimentada por Michelangelo, foi possivelmente inspirada pelos medalhões presentes
no arco do triunfo romano da peça Castigo dos Rebeldes, de Botticelli.[6][49]
Os medalhões, ou escudos, representam as cenas de Abraão e o sacrifício de Isaac; a
destruição da estátua de Baal; os adoradores de Baal sendo brutalmente assassinados; o
espancamento de Urias até a morte; o profeta Natã condenando o rei Davi por assassínio
e adultério; Absalão, filho traidor do rei Davi, pego pelos cabelos na árvore enquanto
tentava escapar e sua decapitação pelas tropas do rei; Joabe buscando
matar Abner; Jorão sendo lançado de uma carruagem e caindo de cabeça; Elias subindo
aos Céus; e o último dos elementos, cuja composição apagou-se ou nunca foi completada,
localizado à esquerda de Deus a separar a terra da água.[6][49]
Doze figuras proféticas[editar | editar código-fonte]
Nos cinco pendículos de cada lado da capela e em dois à entrada e ao fundo,
Michelangelo pintou as maiores figuras do teto: os doze indivíduos que profetizaram ou
revelaram algum aspecto da vinda do Messias. Destas, sete foram profetas de Israel do
sexo masculino. As restantes constituíram-se por entidades do Mundo Clássico chamadas
sibilas, do sexo feminino. Entre as de posição privilegiada, estão as do profeta Jonas,
posicionado acima do altar, e de Zacarias, na extremidade oposta. Os vates restantes
foram alternados nas laterais do edifício, todos identificados por uma inscrição em painéis
de mármore apoiados por putti. Em totalidade, as representações proféticas são
compostas por Jonas(IONAS);[nota 18] Jeremias (HIEREMIAS);[nota 19] a sibila
Pérsica (PERSICHA);[nota 20] Ezequiel (EZECHIEL);[nota 21] a sibila Eritreia (ERITHRAEA);[nota
22] Joel (IOEL);[nota 23] Zacarias(ZACHERIAS); [nota 24] a sibila Délfica (DELPHICA);[nota
25]
Isaías (ESAIAS);[nota 26] Ciméria, a Sibila de Cumas (CVMAEA);[nota 27] Daniel (DANIEL);[nota 28] e
a sibila Líbica(LIBICA).[nota 29][50]
Profetas[editar | editar código-fonte]
Os sete profetas de Israel escolhidos para a composição da pintura incluem parte dos
chamados profetas maiores, notadamente Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Dos
doze profetas menores, foram escolhidos Jonas, Joel e Zacarias. Embora estes últimos
sejam considerados "menores" em decorrência do comparativamente diminuto número de
páginas de suas profecias na Bíblia, todos eles produziram vaticínios de profunda
significância. Frequentemente citados, alguns de seus ditos serviram de inspiração para a
concepção do plano decorativo de Michelangelo, a exemplo do pensamento de Joel que
diz "Vossos filhos e filhas profetizarão, vossos idosos terão sonhos e sua juventude terá
visões"[Src 9] e se reflete no afresco, onde mulheres têm seu lugar entre os homens e um
jovem Daniel senta-se à frente de um pensativo e velho Jeremias. A posição de Zacarias,
que uma vez disse "Veja! O seu rei vem até você, humilde e montado num jumento",[Src
10][Src 11][51] é diretamente acima da porta por meio da qual o papa sai em procissão
onde passou a se dedicar ao trabalho do Senhor.[Src 12] Jonas foi, assim, visto como um
profetizador da vinda do Cristo, que viria a morrer por crucificação, jazer por cerca de três
dias numa tumba e então ressuscitar.[Src 13] Dessa forma, no teto da Sistina, Jonas, com o
"grande peixe" atrás de si e com seus olhos direcionados ao Criador,[nota 18]representaria
um "portento" da Ressurreição de Jesus.[51]
Em sua descrição acerca dos profetas e sibilas, Vasari mostra particular apreço à
representação de Isaías:[nota 26] "Qualquer um que estuda essa figura, copiada tão fielmente
da natureza, a verdadeira mãe da arte da pintura, achará um trabalho belamente composto
e capaz de ensinar em completa medida todos os preceitos a serem seguidos por um bom
pintor.”[10]
Profetas
Jonas
Jeremias
Ezequiel
Joel
Zacarias
Isaías
Daniel
Sibilas
Sibila Pérsica
Sibila Eritreia
Sibila Délfica
Sibila de Cumas
Sibila Líbica
Pendículos
A punição de Hamã
Davi e Golias
Judite e Holofernes
A Serpente de Bronze
A luneta de Jacó e seu filho, José, marido de Maria e pai de Jesus de Nazaré.[nota 35]
Entre os grandes pendículos que apoiam a abóbada, estão as janelas, seis de cada lado
da capela. Em adição, há dois pares de janelas em cada extremidade da construção, hoje
fechadas, dentre os quais o par acima do altar-mor foi coberto pelo afresco do Juízo Final.
Sobre cada uma, há uma forma arqueada, também chamada de luneta, e, acima de oito
das lunetas nas laterais, estão as enjuntas triangulares, preenchendo os espaços entre os
pendentes dos lados e a abóbada, além de mais oito lunetas, cada uma abaixo dos
pendículos dos cantos. As artes dessas estruturas formam pontes visuais entre as paredes
e o teto, com as figuras nelas pintadas posicionando-se de forma intermediária em
tamanho — de aproximadamente dois metros de altura — entre as grandes
representações dos profetas e as figuras dos papas, muito menores, que haviam sido
pintadas nos lados de cada janela ao final do século XV.[62] Nestes locais, Michelangelo
escolheu como temática os ancestrais de Jesus,[63] retratando a linhagem genealógica
física em completude à sucessão espiritual do Cristo à luz da doutrina católica, formada
pelos sumos pontífices.[64][6][16]
Posicionadas centralmente acima de cada janela, há "falsas" — ou ilusórias — placas de
mármore com molduras decorativas. Em cada uma, estão pintados os nomes da linhagem
masculina de Jesus de Nazaré através de seu pai, José, descendente de Abraão, de
acordo com o evangelho de Mateus.[nota 36] A representação da sucessão ancestral,
entretanto, é incompleta, pois as duas lunetas nas janelas da parede do altar-mor formam
destruídas por Michelangelo quando este retornou à capela, em 1537, para pintar o Juízo
Final.[65] Apenas gravuras, baseadas num desenho há muito tempo perdido, restam dessas
partes do afresco.[nota 37] A sequência de placas mostra-se errática, com uma delas a exibir
quatro nomes, a maioria com três ou dois e, em duas delas, somente um. Além disso, a
progressão move-se de um lado do edifício ao outro, de forma inconsistente, e as figuras
contidas nas lunetas não coincidem rigorosamente com os nomes listados. Três
representações sugerem vagamente formas de relação familiar; a maioria das lunetas
abriga uma ou mais crianças e muitas retratam um casal, frequentemente sentando-se de
lados opostos, com a placa no entremeio. O'Malley descreve esses elementos como
"simples figuras simbólicas, quase como monogramas".[63][6][16]
Há, ainda, uma relação indeterminada entre as imagens das enjuntas e as lunetas abaixo
delas. Em decorrência das restrições da forma triangular, as figuras foram retratadas
sentadas ao chão em cada enjunta. Em seis de oito desses elementos arquitetônicos, as
composições lembram representações tradicionais da Fuga para o Egito. Dos dois
restantes, um deles mostra uma mulher a cortar uma peça de roupa com seu filho a
observá-la,[nota 38] retratando Ana, mãe de Samuel, com uma figura masculina ao fundo a
usar um distinto chapéu, sugerindo que talvez possa ser um clérigo.[Src 17] A outra
representação humana, que difere das restantes, é de uma jovem mulher sentada,
sustentando um olhar intenso e profético. Seus olhos abertos foram repintados de forma
fechada na última restauração dos afrescos da capela.[nota 39][6][16]
Abordagem[editar | editar código-fonte]
Os ignudi[nota 43] são as vinte figuras masculinas nuas e atléticas pintadas por Michelangelo
como suportes em cada um dos cantos das cinco cenas narrativas menores que envolvem
o centro do teto. Esses elementos seguram, são cobertos ou apoiam-se numa variedade
de itens decorativos, entre fitas rosadas, almofadas verdes e enormes guirlandas de
bolotas.[nota 8][69]
Embora todos posicionem-se sentados, os ignudi são menos contidos fisicamente que as
representações dos ancestrais de Cristo. Enquanto que os pares de figuras
monocromáticas masculinas e femininas acima das enjuntas espelham-se um ao outro,
os Ignudiapresentam-se de forma diferenciada. Nas primeiras pinturas, eles são dispostos
em pares, em poses similares e variáveis. Tais variações mostram-se maiores a cada par
até as posturas dos quatro finais, que não guardam relação qualquer. Os significados
dessas figuras nunca foram claros. Elas certamente caractetizam-se de acordo a aceitação
do humanismo renascentista à visão grega clássica acerca da ideia de que "o homem é a
medida de todas as coisas".[70] Michelangelo, no entanto, era um grande estudioso da
Bíblia,[11] assim conhecendo o fato de que, embora serafins e querubins sejam descritos
como criaturas aladas, também são dotados de aparência similar à do homem.[Src 19] Ao
pintar posteriormente o muro do altar da capela, Michelangelo incluiu um grande número
de anjos, em particular medida nas lunetas, onde são representadas cenas em que tais
criaturas carregam símbolos da Paixão. Na mesma peça, outras figuras de anjos foram
dispostas soando trombetas a evocar os mortos, exibindo livros nos quais os nomes dos
salvos e condenados são escritos e lançando pecadores ao Inferno. Ao todo, o Juízo
Final contém mais de quarenta criaturas divinas aladas, todas fortemente semelhantes às
figuras masculinas e sem identidade do teto da capela. Levando isso em consideração,
O'Malley e Hersey concluem que os ignudicorresponderiam, em verdade, a anjos.[11][71]
Essas representações demonstram, mais que qualquer outro grupo de figuras do teto, a
maestria de Michelangelo no retratar da anatomia humana, sua habilidade de escorço e
seu enorme poder inventivo.[10] Sendo um reflexo da antiguidade clássica,
os ignudi ressoam as aspirações do papa Júlio II pela liderança da Itália rumo a uma nova
"era dourada"; ao mesmo tempo, eles delimitam a pretensão de grandeza de
Michelangelo.[72] Alguns críticos, no entanto, manifestaram reprovação à presença de
nudez, entre eles o papa Adriano VI, o qual desejou que o teto fosse descascado.[73]
A deposição, por Pontormo. Um demonstrativo do estilo maneirista desenvolvido a partir da influência dos
afrescos de Michelangelo.