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falar com
os homens?
Uma jornada pela igualdade de gênero.
1
A ONU Mulheres e o portal PapodeHomem, com viabilização do Grupo
Boticário, realizaram uma pesquisa nacional - desenvolvida pela Questto|Nó
Research em parceria com a Zomma e a consultoria de gênero de Gustavo
Venturi – cujo objetivo é entender como os homens podem participar do
diálogo pela igualdade de gênero.
Este trabalho faz parte da campanha mundial ElesPorElas, lançada pela ONU
Mulheres em 2014 por meio de um vídeo de grande popularidade protagonizado
pela atriz Emma Watson.
A ONU Mulheres é a nova liderança global em prol de mulheres e meninas. A
sua criação, em 2010, foi aplaudida no mundo todo e proporciona a oportunidade
histórica de um rápido progresso para as mulheres e as sociedades. Na visão
da ONU Mulheres, as mulheres e meninas de todos os países têm o direito a
uma vida livre de discriminação, violência e pobreza e a igualdade de gênero
é um requisito central para se alcançar o desenvolvimento.
A ElesPorElas é uma campanha para a igualdade de gênero e o empoderamento
das mulheres, cujo objetivo é engajar homens e meninos para novas relações
de gênero, sem atitudes e comportamentos machistas.
2
Este estudo tem o objetivo de criar um material que aproxime homens e
mulheres da discussão sobre equidade de gêneros.
Para tal, foi adotada uma linguagem mais acessível na forma de dissertação
sobre os principais conceitos do tema, conceitos que, em sua maioria, envolvem
um vocabulário acadêmico e intricado para o público geral.
Na etapa inicial, uma pesquisa bibliográfica foi realizada com o intuito de
alcançar uma visão holística e abrangente sobre o universo estudado, além
disso uma pesquisa qualitativa ouviu por meio de entrevistas em profundidade
estudiosos e a outros profissionais relacionados ao tema, bem como mais de
150 pessoas abordadas nas ruas de três capitais brasileiras (São Paulo, Rio de
Janeiro e Recife).
Em um segundo momento, foi realizada e ntre os meses de fevereiro e
abril de 2016 u
ma extensa pesquisa quantitativa online, com mais de 20.800
respondentes de todos os estados do país. Tal estudo contou com a participação
proporcional de mulheres e homens, considerando-se tanto o sexo biológico
como o gênero.
Ainda em relação à pesquisa quantitativa, aqueles e aquelas que
responderam ao questionário têm idade média de 28 anos (foram ouvidas
pessoas com idade entre 16 e 60 anos). Além disso, pouco mais da metade
é solteira, enquanto um em cada quatro é casado/casada ou mora com sua
parceira ou parceiro. Já a escolaridade mostrou-se acima da média nacional:
cerca de uma em cada duas pessoas possuem curso superior completo ou em
andamento, e quase três a cada dez, algum tipo de pós-graduação.
Ao longo do trabalho, a equipe de realização da pesquisa e do relatório
contou com a consultoria e o suporte de Gustavo Venturi, professor de
sociologia da Universidade de São Paulo, pesquisador da questão de gênero
e outros marcadores sociais da diferença, coordenador da pesquisa e
organizador do livro "Mulheres e Gênero nos Espaços Público e Privado" (Ed.
Sesc/FPA, 2013). Fica aqui um profundo agradecimento por sua dedicação e
ensinamentos.
3
Vivemos em uma cultura e sociedade com valores que seguem construindo
contextos de desigualdades, sejam elas econômicas, raciais e de gênero, entre
outras.
Este material parte dos argumentos de que a cultura brasileira
contemporânea é uma cultura machista. Nosso objetivo é mostrar como
o machismo surge, quais as suas consequências para homens e mulheres e
possíveis caminhos para a construção de outras narrativas sobre os papéis de
gênero em nossa sociedade.
4
ÍNDICE
1
Desigualdade de gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 15
O patriarcado e suas construções simbólicas.
2
Os estereótipos de gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06
Homem e mulher em suas piores faces:
a armadura do herói e o vestido de princesa
3
Desconstrução de papéis.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 47
A caminhada das mulheres e a
desvalorização do capital viril
4
Caminhos de desconstrução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Conscientização e outras narrativas
INTRODUÇÃO
6
2.Diferenças biológicas e o viés da
cultura
Homens e mulheres são diferentes. Têm hormônios, órgãos sexuais e
atributos biológicos distintos – as mulheres podem gestar filhos, os homens
não. Os homens produzem mais testosterona e, em geral, são fisicamente mais
fortes que as mulheres.
A composição biológica é relevante. Contudo, a biologia é atravessada pela
cultura. A narrativa cultural vigente se utiliza, muitas vezes, de diferenças
biológicas para justificar expectativas de comportamentos e atribuir uma
aparente naturalidade a eles, visando estabelecer ou manter a ordem desejada.
Existem diversas visões quem apontam o que é instinto, o que é uma
construção histórica, onde termina um e começa o outro, mas os limites ainda
não estão estabelecidos nem constituem uma unanimidade. Este trabalho
reconhece tal questão e por isso busca se concentrar nos aspectos mais
contundentes da cultura em suas consequências para mulheres e homens.
7
capítulo 01
Desigualdade
de gênero
O patriarcado e suas
construções simbólicas
8
A sociedade vive sob um sistema de
regras de comportamento e valores.
9
O sistema vigente há aproximadamente cinco mil anos é o chamado:
PATRIARCADO
10
PATRIARCADO
MACHISMO.
O machismo é a ideia de que existe um sistema hierárquico de gênero no
qual o que é masculino ocupa sempre uma posição superior ao que é feminino.
Ou seja, o machismo é a concepção errônea de que os homens são “superiores”
às mulheres.
O machismo está presente no nosso cotidiano, nas ruas, no trabalho, na mídia,
na publicidade e em casa. Basta observar o contexto social e os acontecimentos
para perceber suas manifestações, que acarretam desigualdades e atraso
no desenvolvimento sócioeconômico. No entanto, muitas vezes o machismo
não é identificado enquanto tal ou é classificado como exagero. Aprendemos
a conviver com ele, naturalizando-o, e dificilmente questionamos suas
expressões.
11
Sobre a percepção da existência do machismo:
“Existe machismo
no Brasil?” 81% 95%
homens mulheres
“Quão machista
você se considera,
3% 23%
consideram consideram
pensando em suas “bastante “nada
machistas” machistas”
atitudes do
dia a dia?”
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
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E por que
isso acontece?
Falta repertório
Tem gente que não vê o machismo porque o naturaliza e não tem repertório
para reconhecê-lo. Para esses, machista, é aquele cara ultra violento e
extremamente conservador.
Falta reconhecimento
Tem gente que concorda com a teoria mas não enxerga suas atitudes, não aceita
quando comete um deslize. Dois pesos, duas medidas: machistas são os outros.
Falta acolhimento
Tem gente que sabe que existe o machismo mas acredita que é assim mesmo,
“que essa onda do politicamente correto está deixando tudo muito chato…”.
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“Há uma grande dificuldade de a pessoa se reconhecer como
machista. A primeira reação é: ‘Eu não sou machista, você está
falando com a pessoa errada’... As pessoas tem grande dificuldade
de reconhecer em si atitudes que elas recriminam. Quem é a
pessoa que vai se dizer racista? Homofóbico? Machista? Mas as
nossas instituições, a nossa cultura, se reproduzem a partir do
modelo machista, homofóbico, sexista e orientados por classes.
Portanto, não tem como você, de dentro do buraco, tentar sair.
Qual é o grande movimento? Passe a reconhecer, a ter
dúvidas, e comece a repensar suas práticas. Você vai perceber,
direta ou indiretamente, que em algum momento você assumiu
uma prática – até mesmo por defesa, por afirmação de si – que
estava baseada em um modelo que você não gostaria.”
“Desconfie sim de alguém que diz que tudo mudou, desconfie
sim de alguém que acha que os homens e as mulheres já estão
em posições de igualdade. (…) Essa ideia de diferenciação
do masculino e do feminino não nos ajuda de forma alguma.
Ela contribui para a manutenção de determinado modelo de
opressão e não garante felicidade a ninguém.”
Homem, especialista, Recife
14
A maior expressão do machismo é a:
física
VIOLÊNCIA
emocional simbólica
Pergunta
*Gênero é um conceito social e se refere aos aspectos culturais e sociais associados ao fato de se pertencer ao sexo
masculino ou feminino. As características de gênero podem variar de acordo com a sociedade.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
15
Às vezes não se nota a violência. É
difícil enxergá-la no cotidiano, mas
ela está presente nas mais diversas
modalidades de agressão: uma palavra,
um preconceito, uma piada, uma ameaça,
um apertão, um tapa.
O primeiro passo é reconhecer que o
machismo existe e que ele NATURALIZA
a violência e a desigualdade entre
homens e mulheres.
16
capítulo 02
Os estereótipos
de gênero
17
A cultura patriarcal é constituída
de estereótipos de gênero que
determinam a forma como homens
e mulheres devem se comportar
na sociedade.
A masculinidade hegemônica
Todo menino atravessa um período de aprendizagem sobre o que se espera
dele como representante do sexo masculino. A família, a comunidade, a escola,
a religião e a mídia ensinam a ele quais comportamentos são masculinos, e
ele percorre um longo caminho até tornar-se “homem”.
Os homens também são levados a seguir um modelo ocidental,
heteronormativo, branco. Neste sentido, homens negros, homossexuais e
índígenas são vistos como “de segunda categoria” na nossa sociedade.
A obtenção das atribuições consideradas masculinas costuma se
caracterizar por um processo violento (físico, emocional e simbólico), sendo
a violência uma das raízes que constituem a masculinidade.
18
HOMENS
1.
Cultura
do Herói
9. 2.
Provedor Expressão:
violência
8. 3.
Trabalho Heterossexualidade
7. 4.
Sexo Restrição
emocional
6. 5.
Pertencimento Capital
ao grupo Viril
19
1.Cultura do Herói
Por meio de histórias, vivências e ensinamentos , o menino aprende que o
mundo é violento, que existem o bem e o mal, heróis e vilões, ganhadores e
perdedores, e que é preciso saber lutar e ser valente para conquistar o que
se deseja.
A mídia e os meios de comunicação de massa têm um papel estrutural na
reprodução e reforço dessas concepções de ideal masculino. A imagem do
homem corajoso, forte e viril de um lado e da mulher sexy, delicada e doce,
de outro, é comunicada de forma constante e por meio dos estereótipos do
“Herói” e da “Princesa”.
A identificação com a figura do Herói acontece por dois motivos:
1) O homem vê no Herói a manifestação do ideal masculino: junto com a
“perfeição moral” que se deve atingir, o Herói também alcança a “perfeição
física”.
2) O herói dos filmes se apresenta como alguém real, que vive conflitos
existenciais similares aos que um homem comum pode enfrentar.
2.Expressão: violência
Meninos aprendem que homens são fortes e que mulheres são frágeis; que
homens não levam desaforo para casa; que não devem apanhar; que devem
saber se defender e reagir quando provocados ou ameaçados. A violência
masculina é um dever ensinado.
A violência pode ser entendida como uma expressão de insegurança
masculina ou como uma forma de manutenção e perpetuação do ideal
masculino hegemônico.
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3.Heterossexualidade
Meninos são ensinados que devem sentir atração apenas pelo sexo oposto.
Desse modo, a heterossexualidade passa a ser um referencial “obrigatório”
para o homem. Qualquer indivíduo que fuja da regra heterossexual pode ser
tratado com descaso, desprezo, humilhação e até violência física. A violência
também pode se manifestar como um sentimento negativo contra si mesmo
em razão de sua orientação fora da “norma sexual”.
4.Restrição emocional
Expressões populares como “para de chorar e fala que nem homem, rapaz!”,
“medo é coisa de mulherzinha” e outras criam um temor nos homens de serem
percebidos como fracos e afeminados. Com isso, o menino aprende a desprezar
as emoções e a controlar sentimentos que o tornem vulnerável ou o associem
ao feminino.
A proibição social da expressão das emoções por parte dos meninos cria
uma inabilidade em compreender a si ao outro. Consequentemente, essa
falta de sustentação emocional e de empatia leva muitos homens a assumir
comportamentos violentos.
21
5.Capital viril
Nossa sociedade incentiva os meninos a manifestarem a sua virilidade e
a provarem que são “machos”. Para se afirmarem, eles precisam competir,
vencer, derrotar, rebaixar e feminilizar outros meninos.
A imagem do homem viril se faz justamente em oposição aos valores
femininos: o homem macho, forte e inflexível é construído socialmente em
detrimento da mulher frágil, doce e flexível.
A aproximação a valores e comportamentos femininos representa um
afrontamento à condição de macho do homem viril. Qualquer homem que se
afaste desse ideal é atacado em algum momento com palavras de violência.
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6.Pertencimento ao grupo
A entrada em um grupo é um acontecimento inevitável na passagem da
infância para o mundo adulto e um referencial significativo na construção
da identidade do homem. Para se afirmar e ser aceito nesse coletivo o jovem
desempenha papéis sociais e passa por uma série de situações cotidianas nas
quais precisará testar a sua coragem, competência sexual e lealdade.
Os grupos formados por homens jovens costumam reforçar os
estereótipos masculinos nocivos que podem ser identificados, por exemplo,
em comportamentos agressivos na rua, no uso exacerbado de drogas/bebidas
alcoólicas e na direção imprudente. Ou seja, a necessidade de demonstrar
força para a afirmação da masculinidade dentro do grupo faz com que homens
jovens se exponham deliberadamente a situações de risco.
“Quando eu tinha meus 17 anos, a gente fazia muita loucura por
aí. Tinha uma turma, vários amigos de fé, e a gente brigava na
rua, roubava o carro do pai dava carona para as meninas, bebia
até cair e achava graça.”
Homem, 35 anos, São Paulo
7.Sexo
O desempenho sexual é apresentado como uma das principais referências e
preocupações para a construção da masculinidade. Ele passa a ser percebido
como uma espécie de “novo esporte” em que se disputa a dominação da mulher;
espera-se do homem um comportamento ativo, e da mulher, um comportamento
passivo, receptivo e de objeto de desejo.
Além de pressupor que o homem sente desejo sexual constantemente, esse
ideal sugere a subjugação da mulher a partir da violência: o homem entende
que a mulher deve estar a seu dispor e que ele pode controlar a sua sexualidade.
Em sua forma mais cruel, essa hostilidade sexual compreende, entre outros,
o estupro, o incesto e o assédio, violências que expressam a dominação de
gênero.
23
8.Trabalho
O trabalho é um fator fundamental na constituição da identidade tradicional
masculina, pois comporta valores morais que qualificam os homens que
trabalham como honestos, responsáveis e dignos, e os que não trabalham,
como vagabundos, desonestos e sem valor.
O desempenho profissional é uma das principais referências para o
ideal de comportamento masculino e, quando ele é pouco satisfatório, pode
desencadear o sentimento de fracasso no indivíduo enquanto “homem”.
Em alguns casos, essa sensação de frustração e baixa autoestima pode
levá-lo a fazer uso da violência como uma alternativa de defesa contra essa
condição.
Ao mesmo tempo, a representação social dos homens no mercado de
trabalho carrega benefícios significativos quando comparados às mulheres.
Eles são maioria nos cargos de direção, são culturalmente mais aceitos na
esfera pública e política e recebem maiores salários.
“Meu marido não está trabalhando nesse momento… Ele é músico
e hoje passa o dia em casa. O novo apelido dele é Zé Bostinha
(risos).”
Mulher, 41 anos, Recife
9.Provedor
A posse de determinados bens materiais e a aquisição de poder econômico
são alguns dos atributos do ideal masculino contemporâneo. Se ser homem
está atrelado a ter poder, não ser poderoso significa simbolicamente não ser
homem. Ou seja, para ser considerado um “homem de verdade” é necessário
trabalhar, acumular bens e sustentar a família.
Quando esse padrão não se concretiza, a violência se torna um meio de
comprovar para si mesmo e para os outros a sua condição viril e, portanto,
masculina.
“Eu falo para o meu filho que ser o provedor da casa faz parte
de ser homem… Acho que o homem tem esse dever bíblico… O
homem tem de ser o provedor, ser forte, proteger… O homem que
protege é um homem bom…”
Homem, 36 anos, Rio de Janeiro
24
Estereótipo masculino: o Herói Durão
Seguir essa receita significa preencher boa parte dos requisitos de uma
lista de expectativas de como os homens devem ser, agir, sentir e falar.
Ao longo do tempo, esses padrões de crenças e comportamentos são
absorvidos enquanto verdade e, como que instintivamente o homem atinge a
vida adulta vestindo uma armadura: a Armadura do Herói.
A Caixa do Homem
Heterossexual Sexualmente impositivo
Fisicamente apto Trabalhador
Corajoso Provedor
Forte Não comete erros
No controle Não desiste
Ativo Aguenta o tranco
Sexualmente experiente Competitivo
Prontidão sexual Bem-sucedido
Fala firme Bully
Não demonstra emoções Dominante em
Sabe se defender relação à mulher
Não chora
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A Caixa representa e reforça os parâmetros do que é socialmente esperado,
ao mesmo tempo que salienta e pune os comportamentos e atitudes indesejados.
Quando meninos e homens se portam de forma que remetem ao universo
feminino, frágil ou infantil, eles escapam para “fora da caixa” e chamam
atenção pela quebra do “código de conduta” . Logo serão empurrados de volta
por meio de expressões ofensivas, que funcionam como lembretes de que
não estão se comportando conforme o esperado, ou seja, como “homens de
verdade”.
Meni
ninh a
a B ic h
Maricas Filho da
mamãe
Bebezão Nerd
Covarde Frouxo
isito Frac
o
Esqu te
26
MULHERES
Assim como os homens, as mulheres são fruto de uma sequência de
aprendizados sobre como devem se comportar.
Há uma rigidez no conjunto de características associadas ao feminino
e, em geral, os atributos mais valorizados são aqueles adotados, direta ou
indiretamente, com o intuito de beneficiar e agradar os homens.
A expressão da feminilidade é marcada pela constante validação
masculina. E reflete uma submissão: aos seus desejos, seu julgamento, seu
domínio.
1. 2.
PUREZA CUIDADO
Construção
da Identidade
Feminina
4. 3.
BELEZA FRAGILIDADE
27
1.Pureza
Desde criança, a menina é ensinada a desenvolver hábitos e comportamentos
que a associem à pureza e à castidade.
O recato sexual é uma aura construída junto a outros códigos de conduta,
como a suavidade em suas maneiras e o resguardo de seus hábitos (não beber,
não se exaltar, não usar roupas ou linguagem extravagantes).
É alimentada a concepção de que essa mulher sensível e casta é “para casar”
e naturalmente se comportará melhor diante das obrigações e vontades de
seu marido.
2.Cuidado
De geração para geração, a responsabilidade do cuidado com crianças e
idosos, além das tarefas domésticas, é atribuída à mulher. Esse ensinamento
é transmitido, como uma aptidão e recebido como um dom.
A mulher se mantém confinada ao ambiente doméstico e realiza tarefas
que não são valorizadas: todo o trabalho ordinário (invisível, sem destaque
social), em contraponto ao homem, detentor do trabalho extraordinário
(visível e com potencial de destaque social).
Tal restrição e orientação constante em direção ao outro exigem da mulher
uma postura ideal de respeito e devoção, limitando assim sua autoestima,
autonomia e independência.
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3.Fragilidade
Ao mesmo tempo que cuida, a mulher, para reafirmar sua pureza, deve
precisar ser cuidada. A fragilidade se torna um componente da sua identidade
e se expressa na aproximação da mulher à imagem de uma criança, alguém
dependente de outro ser.
Tal dualidade – no ambiente doméstico ela é cuidadora, mas no espaço
público tem de ser frágil – é constituída por meio de comportamentos e
atitudes: a mulher deve ser calada, pouco expressiva, passiva e emotiva.
4.Beleza
O potencial de atração da mulher é condicionado à sua aparência física.
Os atestados de beleza são características que representam visualmente a
pureza, a fragilidade e a aura de alguém que sabe cuidar tanto dos outros
quanto de si.
O ideal de beleza feminino é muito restrito, evocando traços infantis e
específicos – corpo magro, pele perfeita, cabelos lisos, higiene excessiva,
feições angelicais. Forma-se um ciclo no qual as características físicas
representam e, ao mesmo tempo, produzem a fragilidade idealizada para a
figura feminina.
29
Estereótipo feminino:
O Vestido de Princesa
Adequar-se ao modelo de feminilidade da sociedade significa dedicar-
se à adaptação e lapidação constantes com o objetivo de ser atraente para
os desejos e julgamentos do homem. Para corresponder a esse conjunto de
expectativas, só há um caminho: trajar o Vestido de Princesa.
O homem está no centro da construção da identidade da mulher. Se ele
é o herói, ela é sua conquista. O feminino em sua plenitude é visto como a
mãe, uma mulher servil e polida, aquela que nutre e obedece ao homem. Sua
atuação é sempre circunscrita e limitada. Ela deve ser sexy, mas não tão
sexy. Inteligente, mas não tão inteligente. Qualquer desvio desse padrão ou
exacerbação de uma característica configuram inadequação e são punidos
com violência por parte da sociedade como um todo e, principalmente, do homem.
1. 2.
PUREZA CUIDADO
Construção
da Identidade
Feminina
4. 3.
BELEZA FRAGILIDADE
30
O machismo é o conjunto
de crenças que perpetua os
estereótipos de gêneros.
A cultura patriarcal
Estereótipo é constituída de Estereótipo
masculino: estereótipos de gênero feminino:
que determinam a forma
Armadura como homens e mulheres Vestido de
do Herói devem se portar na Princesa
sociedade.
1. Privilégios masculinos
3. Tensões do homem
31
1.Privilégios masculinos
Atitudes, potencialidades e liberdades muitas vezes vistas como
cotidianas, comuns ou naturais deixam claras a diferença e desigualdade
entre os gêneros.
“O masculino é menos
perceptível que o feminino na
medida em que o primeiro pode
mais facilmente disfarçar-se de
interesse geral: os conteúdos
culturais completamente
neutros em aparência mascaram
a essência masculina.”
Georg Simmel
HOMENS:
• Estão na maioria das posições de poder no mundo;
• Ocupam o espaço público com segurança e sem medo;
• Não se preocupam com assédio sexual;
• Podem andar sozinhos pela rua sem serem considerados “objetos”;
• São os protagonistas da maioria dos filmes e livros da nossa cultura de
massa;
• Podem andar pela rua sem ter o corpo avaliado pelos outros;
• Podem ter uma vida sexual ativa e intensa sem serem julgados por isso;
• Têm mais liberdade para envelhecer, mantendo-se sexualmente desejáveis;
• Não precisam ter filhos para serem considerados completos.
32
“Eu não aprendi a arrumar a cama, a lavar a louça, a comprar
coisas para a casa. Eu usufruía da casa. Quando eu era criança,
quem fazia era minha mãe, minhas irmãs. Aí, quando a gente
fica mais velho, quem faz é a mulher ou alguém que a gente
contrata para isso, que é outra mulher.”
Homem, 55 anos, São Paulo
33
2.Controle sobre quem a mulher deve
ser
Diferentes manifestações do machismo visam controlar o comportamento
da mulher. Essa forma violenta de domínio vai muito além do abuso físico e
do estupro. Trata-se de uma maneira de diminuir a liberdade e o campo de
ação da mulher dentro dos ambientes doméstico e público.
34
2a.Expectativas e sugestões de comportamento
35
RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA
Grau de concordância em relação às frases abaixo:
Homens e mulheres
deveriam dividir 3,31% 4,53% 7,48% 12,14% 72,55%
por igual o trabalho
doméstico.
A responsabilidade
de evitar a gravidez 71,61% 14,22% 4,07% 7,69% 2,41%
é principalmente da
mulher.
Mulheres deveriam
decidir se a prioridade 55,44% 11,02% 9,53% 7,69% 16,32%
na vida delas é a
carreira ou os filhos.
Mulheres devem
tomar cuidado com
a roupa que vestem 58,26% 16,48% 6,49% 13,51% 5,27%
para não serem muito
provocativas.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
36
2b.Micromachismos*
1. Micromachismo coercitivo
Configura-se quando o homem usa sua força moral, psicológica ou econômica
para tentar subjugar a mulher e convencê-la de que ela não tem razão. Inclui
exemplos como:
Intimidação: dar a entender por meio de um comportamento assustador
(olhar, tom de voz) que, se a mulher não obedecer, algo negativo ocorrerá.
Insistência abusiva: obter o que se deseja por meio do esgotamento da
mulher, que acaba por ceder em troca da paz.
Tomada súbita de comando: cancelar ou ignorar as decisões da mulher, tomar
decisões sem consultá-la, dar opiniões sem ter sido solicitado, monopolizar as
conversas.
Gaslighting: distorcer fatos e omitir situações para deixar a mulher em
dúvida sobre sua memória e sanidade mental.
Bropriating: apropriar-se da ideia de uma mulher e levar o crédito por ela.
*Conceito popularizado pelo psicoterapeuta Luis Bonino em referência às “violências leves”, “pequenas tiranias”,
“violência cotidiana”. Fontes: Luis Bonino, Think Olga, Lugar de Mulher.
37
2. Micromachismo dissimulado
O homem esconde seu objetivo de domínio por meio de atos tão sutis que
muitas vezes passam despercebidos.
Inclui exemplos como:
Maternalização: induzir que a mulher dê prioridade ao cuidado de terceiros
(filhos, familiares), tornando-se incapaz de cuidar de si tanto pessoal quanto
profissionalmente.
Paternalismo: fazer com que a mulher se sinta como uma criança que
necessita de cuidados.
Mansplaining: explicar algo óbvio para uma mulher como se ela não tivesse
capacidade intelectual para entender.
Manterrupting: interromper a fala de uma mulher e impedi-la de concluir
sua frase.
Justificativas para o próprio comportamento prejudicial: esquivar-se da
responsabilidade por suas ações, negar ou não dar importância às reclamações
da mulher. “Eu não percebi”, “eu quero mudar, mas é difícil”, “eu não tenho tempo
para cuidar de crianças” são alguns exemplos.
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3. Micromachismo de crise
Configura-se quando o homem realiza atos para restabelecer o domínio da
relação, mantendo a desigualdade de poder. Inclui exemplos como:
Pseudoapoio nas tarefas: anunciar a participação nas tarefas realizadas
pela mulher, sem fazê-lo de fato. Evita-se um confronto direto, mas sem a
efetiva colaboração nas atividades domésticas.
Promessas superficiais: praticar atos como dar presentes, prometer e
ajudar nas tarefas, apenas com a intenção de produzir mudanças superficiais
que evitem questionamentos sobre as causas da crise (especialmente em
casos de ameaça de separação).
4. Micromachismo utilitário
Configura-se quando o homem não divide a responsabilidade dos afazeres
domésticos, deixando implícito que é a mulher quem deve cuidar da casa.
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2c. A Lei Maria da Penha define cinco formas de
violência doméstica e familiar contra as mulheres:
Violência sexual:
Forçar relações sexuais quando a mulher não quer, quando está dormindo
ou doente; forçar a prática de atos sexuais que causam desconforto ou
nojo; obrigá-la a olhar imagens pornográficas; obrigá-la a fazer sexo com
outra(s) pessoa(s); impedí-la de prevenir a gravidez, forçá-la a engravidar
ou forçar a realização do aborto.
Violência patrimonial:
Controlar, reter ou tirar dinheiro da mulher; causar danos propositais a
objetos que ela gosta; destruir ou reter objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais e outros bens e direitos.
Violência moral:
Fazer comentários ofensivos sobre a mulher diante de estranhos e/
ou conhecidos; humilhá-la publicamente; expor a vida íntima do casal,
inclusive nas redes sociais; acusá-la publicamente de cometer crimes;
inventar histórias e/ou criticá-la para terceiros com o intuito de
diminuí-la perante amigos e parentes;
Violência física:
Bater ou espancar a mulher, empurrá-la, atirar objetos contra ela,
sacudí-la, mordê-la ou puxar seus cabelos; estrangulá-la, chutá-la, torcer ou
apertar seus braços; queimá-la, cortá-la, furá-la, mutilá-la e torturá-la; usar
arma branca (faca, ferramentas de trabalho etc.) ou arma de fogo contra
ela.
40
3.Tensões do homem
O machismo é muito prejudicial às mulheres, mas também interfere
negativamente na vida dos homens. A necessidade de provar que são “homens
de verdade” ou a falta de identificação com esse modelo geram tensões
cotidianas que limitam a satisfação de desejos autênticos, restringindo a
maneira como os homens constroem a identidade e interagem socialmente.
41
Tensão 1
Provar que é heterossexual
- Carinho com amigos
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
42
Tensão 1
Provar que é heterossexual
- Vaidade
43,5% dos homens gostariam de ter mais cuidado com a aparência sem se
sentirem julgados por isso.
77% dos homens se preocupam com a aparência, mas não falam sobre isso.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
43
Tensão 2
Provar que é forte
“Esses dias discuti feio com com a minha esposa e depois ela
veio perguntar o que tava acontecendo comigo…não falei nada…a
verdade é que tava nervoso porque achava que ia ser demitido…”
Homem, 45 anos, Recife
56,5% dos homens gostariam de ter uma relação mais próxima com amigos,
expressando mais afeto e podendo falar sobre sentimentos e dúvidas.
66,5% dos homens não falam com amigos sobre medos e sentimentos.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
44
Tensão 3
Provar que é poderoso
45
Tensão 4
Provar que é responsável
54% dos homens gostariam de ter mais liberdade para explorar hobbies,
talentos ou opções de carreira pouco usuais, sem serem julgados como
frouxos ou pouco ambiciosos.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
46
Tensão 5
Provar que é provedor
“É difícil, como homem, ter uma mulher que ganha bem mais
que você…Prefiro que as pessoas não saibam.”
Homem, 34 anos, São Paulo
44% dos homens sentem pressão por serem responsáveis pelo sustento da
casa, mas não falam sobre isso.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
47
Essa masculinidade baseada no medo,
que precisa ser provada a todo momento,
estimula a violência, a homofobia, a
inabilidade emocional e a obsessão por
poder, dinheiro e sexo.
48
Nossa sociedade ainda espera e exige a reprodução das identidades de
gênero tradicionais. E isso por si é uma forma de violência.
A partir das nossas características biológicas, somos condicionados a nos
identificar e nos comportar de acordo com um determinado estereótipo. Um
processo cultural que nos molda inconscientemente desde os primeiros anos
de vida.
49
“A ideia de que o feminismo liberta os homens é muito
simples e muito bonita, muito iluminosa. Ao adotar uma
postura de igualdade, os homens podem ser mais felizes.”
Homem, 32 anos, São Paulo
50
“A partir do momento em que o homem
se depara com a pluralidade de papeis
e que é plenamente possível ele se
reconhecer e se afirmar em um papel
que é mais associado ao feminino,
é possível a ressignificação. Os
homens também podem se identificar
com papeis muito maiores do que até
hoje foi colocado pra eles como o
melhor a ser seguido.”
Mulher, especialista, Recife
51
capítulo 03
Desconstrução
de papéis
A caminhada das mulheres
e a desvalorização do capital viril
52
Muito ainda se tem pela frente,
mas muito já se caminhou em direção
a uma sociedade igualitária.
53
A luta das
mulheres
A emergência do movimento feminista promoveu críticas e questionamentos
ao sistema patriarcal, gerando transformações significativas no modelo
de organização tradicional familiar e no processo de emancipação sexual e
social das mulheres.
Em consequência, elas assumiram novas tarefas e responsabilidades,
repensando o lugar exclusivo do homem como provedor da família. Além disso, a
mulher deixou de ser um objeto de satisfação do marido para exigir a realização
de seus próprios desejos pessoais e profissionais.
54
1900
1ª ONDA: IGUALITARISTA
2ª ONDA: DIFERENCIALISTA
3ª ONDA: INTERSECCIONAL
4ª ONDA: ANTIESSENCIALISTA
55
Qual das frases abaixo mais se aproxima do que você pensa ser feminismo?
*Gênero Gênero
masculino feminino
Necessário para
defesa por direitos e 45,8% 71,6%
oportunidades iguais
Defende a superioridade
7,3% 2,9%
das mulheres em relação
aos homens
Gênero Gênero
masculino feminino
*Gênero é um conceito social e se refere aos aspectos culturais e sociais associados ao fato de se pertencer ao sexo
masculino ou feminino. As características de gênero podem variar de acordo com a sociedade.
Pesquisa Quantitativa ONU Mulheres, “Precisamos falar com os homens”, Eles Por Elas, Brasil. Realizada entre março e abril
de 2016. A pesquisa contemplou pessoas heterossexuais, bissexuais, homossexuais e transexuais.
56
O ativismo LGBT
O movimento LGBT também contribui significativamente para a quebra de
estereótipos de gênero. Em sua luta por direitos, reconhecimento e respeito à
sua identidade de gênero e orientação sexual, o ativismo LGBT enfrenta o ideal da
heteronormatividade e coloca em xeque expectativas e papéis de gênero baseados
em uma lógica dualista de pensamento (o que é masculino e o que é feminino).
57
A partir desses movimentos críticos que questionam o modelo
de masculinidade hegemônica e sua universalidade, “ser homem”
passa por conflitos nunca antes vivenciados.
“Hoje eu só
vejo o quão
bonito é tudo
isso de ser
quem eu sou.”
Rico Dalasam, rapper, São Paulo
58
O masculino viril e provedor já não
tem lugar como dominante na sociedade.
A modernidade chega impactando os valores de um mundo que tinha o modelo
de masculinidade hegemônica como centro: força física, vigor, coragem e
aptidão para a guerra são valores que resistem com menos intensidade, e
a habilidade de sustentar a casa deixa de ser exclusividade masculina. Ao
mesmo tempo, a emancipação feminina e os movimentos pela não dualidade
de gênero transformam a sociedade e abalam as posições de poder do homem.
59
O homem ainda não sabe lidar
com essa mudança de posição na
hierarquia social.
Para não perder seu espaço,
precisa provar constantemente
a sua masculinidade e, quanto
mais inseguro ele se sente,
mais violento fica.
60
A luta pela ressignificação do feminino
e pela desconstrução do estereótipo
do Vestido de Princesa se mostra mais
avançada e publicizada.
“Tem que assumir que é machista. Se não assumir, nunca vai
mudar. E não é assim “eu sou machista para sempre e ponto.”
Ok, eu sou machista, então como eu mudo? Quem eu escuto?
Quem eu leio? (...) O processo de se libertar do machismo é uma
desconstrução eterna, porque sempre nos empurram formas do
que você precisa fazer para ser a mulher mais desejada.”
Mulher, especialista, São Paulo
61
capítulo 04
Caminhos de
desconstrução
Conscientização
e outras narrativas
62
Como a transformação dos homens
acontece? Gatilhos e caminhos
práticos de mudança
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
Afeto Exposição ao Paternidade Espiritualidade Acesso a Exaustão e Choque:
sofrimento espaços infelicidade sofrimento
das mulheres seguros e de profissional profundo,
acolhimento rupturas e
para homens crises
63
1.
Afeto
Em uma perspectiva ampla, o ativismo compassivo e afetuoso foi observado
como uma maneira bastante eficaz de acelerar as mudanças.
É comum que homens jamais tenham tido espaço para discutir suas noções
de masculinidade e gênero. Considerando ainda o quanto são pressionados
para se mostrarem fortes e viris a todo momento, é compreensível sua
dificuldade em se abrirem e abaixar a guarda.
O afeto genuíno pode quebrar essa casca, como mostram os exemplos do
Instituto Papai, em Recife, e da organização não governamental Promundo, no
Rio de Janeiro. Cabe apontar que ter uma abordagem inicial acolhedora não
significa necessariamente apoiar as visões que o indivíduo possa ter.
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
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64
2.
Exposição ao sofrimento das mulheres
Ao colocar o homem diante do sofrimento vivenciado por pessoas
prejudicadas pelo machismo, a mudança pode ser disparada.
Muitos homens são tocados por relatos de mulheres agredidas, estupradas,
mortas ou injustiçadas de algum modo por outros homens, apenas por
serem mulheres.
Isso se dá especialmente quando se trata de uma mulher próxima a eles.
Seria excelente se qualquer relato tivesse esse efeito de sensibilização,
mas, infelizmente, nem sempre é assim. De forma inconsciente, depoimentos
legítimos podem ser interpretados como mentira ou distorção da realidade.
Além disso, é importante lembrar que mesmo em tempos de hiperconexão
digital, há sempre pessoas silenciadas. A mudança pode acontecer mesmo
quando não a vemos.
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65
3.
Paternidade
Torna-se pai, em especial de meninas, tende a fazer com que os homens
revejam as crenças e atitudes que vão transmitir a seus filhos e filhas.
Ao se verem na posição de educar e cuidar, naturalmente refletem mais
sobre o futuro de suas crianças e qual mundo vão oferecer a elas.
Homens que cuidam mais de seus filhos tendem a ser mais felizes. Esse é um
momento da vida excelente para rever antigas crenças e atitudes de gênero.
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
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66
4.
Espiritualidade
A bússola ética, altruísta e compassiva oferecida por alguns caminhos de
busca espiritual, sem entrar no mérito aqui de quais religiões se associam
a esses valores, também foi identificada como um possível gatilho de
transformações para os homens.
Ambientes masculinos tradicionais costumam passar longe de noções como
empatia e compaixão. Ao nos colocarmos no lugar do outro - exercício que
costuma ser estimulado pela espiritualidade - é natural nos tornarmos mais
sensíveis aos problemas enfrentados por outras pessoas e mais engajados em
contribuir para a mitigação de seu sofrimento.
Além disso, a compreensão ampliada sobre o próprio mundo emocional,
consequência comum da busca espiritual, também tende a facilitar processos
de mudança.
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
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67
5.
Acesso a espaços seguros e
de acolhimento para homens
Tratamos aqui de qualquer espaço no qual o homem se sinta seguro para
expor seus pensamentos e sentimentos sem ser julgado por isso, recebendo
estímulos, ao mesmo tempo, para a busca de novas masculinidades, menos
tóxicas, inseguras e violentas, mais lúcidas, conscientes e seguras. Nesse
sentido, podemos pensar em círculos e comunidades formados por homens;
espaços e vivências em organizações, institutos e coletivos; consultórios de
psicologia; encontros construtivos entre amigos, entre outros.
Nesses locais, os homens se sentem confortáveis para expressar suas
maiores dúvidas, medos e anseios. Não podemos subestimar o valor de
transformação desse processo.
Diante de um contexto favorável para que essa abertura aconteça, os homens
relaxam e naturalmente exercitam a escuta e a confiança. É uma excelente
oportunidade para diálogos e vivências mais construtivos e benéficos. Além
disso, a rede de apoio constantemente abastece os homens com os exemplos e
referenciais de outros homens, encorajando e facilitando a mudança.
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6.
Exaustão e infelicidade profissional
Uma vez que o desempenho profissional é um dos centros da identidade de muitos
homens, esse aspecto está ligado a boa parte de suas crenças, ações e escolhas.
Na exaustão com a carreira e nos tensos ambientes corporativos, muitas
vezes pautados por uma cultura de extrema inflexibilidade e pressão que
possui traços machistas, é comum observarmos homens que chegam ao limite
e decidem alterar radicalmente a maneira como vivem. Nesse momento de
ressignificação de suas escolhas e valores, há espaço para reflexões sobre
expectativas associadas à masculinidade e seu papel como homem.
Quando questionamos a necessidade de ser um homem "vencedor" na vida
profissional e quais parâmetros são usados para definir essa ideia de "sucesso",
estamos colocando em xeque todo um discurso sobre masculinidade, o que
pode levar a mudanças mais profundas nas crenças e atitudes relacionadas a
questões mais amplas de gênero.
Será que nunca posso falhar na cama? Será que devo ser o provedor do lar,
um sujeito sempre pronto para a luta? Se eu dividisse a pressão com minha
parceira, de que maneira nossas vidas seriam diferentes? O que será que ela
espera de mim como homem?
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para homens crises
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7.
Choque: sofrimento profundo, rupturas
e crises
Momentos de ruptura e de sofrimento profundo - término de relacionamento,
casos de doença, falecimento de pessoa próxima, entre outros - tendem a
facilitar e estimular a abertura do indivíduo para mudanças significativas.
No caso de um homem que agride uma mulher, por exemplo, ele pode se ver
punido social, emocional e juridicamente, o que envia a mensagem de que essa
atitude não será aceita nem por sua parceira, nem por amigos(as), nem pela
sociedade. Ao longo desse caminho de ruptura, a mudança pode acontecer,
em especial quando auxiliada por medidas como os grupos reflexivos para
autores de violência (uma determinação da Lei Maria da Penha), a orientação
de psicólogos e o diálogo com pessoas próximas.
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
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acolhimento rupturas e
para homens crises
70
Quatro níveis de
desconstrução
71
1.RÍGIDO
72
2.DOMINADOR
73
3.COMPETITIVO
74
4.VENCEDOR
75
Reconhecer, assumir, questionar e não
perpetuar: o caminho de desconstrução
da Armadura do Herói.
As novas crenças sobre o que é ser homem serão construídas ao longo das
próximas décadas, em resposta aos desafios que o modelo de masculinidade
dominante enfrenta e seguirá enfrentando.
Outra narrativa deve nascer de forma orgânica, resultado das lutas por
liberdades individuais, igualdade de gênero e justiça social.
Conscientizar os indivíduos para a desconstrução dos estereótipos de
gênero nocivos começa por meio de questionamentos e atitudes que ajudem
todos e todas a se libertarem de um modelo opressor e obsoleto para as
necessidades da atualidade.
76
10 atitudes que os homens podem
assumir para se tornarem agentes
de mudança
2
Não interrompa uma mulher enquanto ela fala e colabore para
que outras pessoas demonstrem o mesmo respeito.
5
Nunca use termos agressivos para atacar ou confrontar mulheres
que fogem dos estereótipos de gênero femininos seja em seu
comportamento, seja em sua expressão de identidade.
77
6
Nunca exponha, publique ou compartilhe fotos e vídeos íntimos
de uma mulher nas redes sociais.
8
Se conhece alguém que está sendo desrespeitoso ou violento com
a parceira ou com as mulheres em geral, converse com ele sobre
isso e ajude-o a procurar auxílio. Não finja que não é com você.
78
Apêndice
Para o homem ser um agente de mudança, a sua atuação pode e deve
combinar os gatilhos identificados com diferentes mecanismos
a seguir.
Reforçamos que de modo algum essa lista é definitiva
e esperamos conhecer mais histórias inspiradoras que nos
ajudem a enriquecê-la.
79
10 mecanismos
para envolver
os homens no
processo de
transformação
1. Educação escolar
Não tratar de gênero é tratar de gênero. Ao escolher abolir esse tema
das salas de aula, estamos enfatizando que a visão correta é a do status quo.
Ou seja, significa deixar o mundo como está: machista, sexista, homofóbico
e transfóbico.
80
3. Advocacy em políticas públicas
A recente extensão da licença-paternidade no Brasil, de 5 para 15 dias, é
um exemplo de políticas públicas favoráveis a um mundo com mais igualdade
entre os gêneros. Afinal, se ao pai não é concedido tempo para ficar em
casa com o bebê, a mensagem é a de que cuidar dos filhos se trata de uma
responsabilidade exclusiva da mãe, e não dele.
Outro exemplo seria garantir o direito de que as escolas discutam gênero
na sala de aula.
81
6. Educação pelos pares
Por meio de conversas, apoio e exemplos positivos, homens que já possuem
um olhar mais crítico devem se tornar parceiros de crescimento para
outros homens. Com base nos laços de confiança e afeto, eles podem sensibilizar
amigos que não seriam mobilizados de outra forma.
82
8. Ativismo compassivo
Como manter a própria paz, estabilidade emocional e conexão com outro
diante de tanta injustiça e opressão? Como não enxergar inimigos nas pessoas
que, em minha opinião, deveriam se transformar? Como não ser consumido
pela raiva, frustração e indignação?
A partir de perguntas como essas surgiu a perspectiva do ativismo
compassivo. Trata-se de uma abordagem mais empática e acolhedora, tanto
com quem deseja se transformar, quanto com a própria pessoa ativista, cujo
foco é a busca por uma sociedade mais justa e equitativa.
Para saber mais, recomendamos o site Compassionate Activism, um projeto
do Everyday Feminism, liderado pela ativista Sandra Kim.
83
10. Respaldo de lideranças
organizacionais para a mudança
O respaldo declarado dos líderes é mais importante do que parece. Em
ambienetes corporativos, por exemplo, é comum que funcionários sejam mal
vistos por deixarem o expediente mais cedo para levar o filho ao médico.
Ou seja, são silenciosamente punidos por serem percebidos como menos
motivados, menos ambiciosos ou até mesmo preguiçosos, ao não priorizar
o trabalho.
Dessa forma, para deixar claro que a mudança é esperada e estimulada,
é fundamental que as lideranças organizacionais declarem abertamente seu
apoio. Caso contrário, a mensagem implícita pode ser ambígua, desencorajando
as pessoas a assumir comportamentos que fogem à regra. Exemplos positivos
seriam uma chefe elogiar publicamente o funcionário que faz uso da licença-
paternidade estendida ou um líder político que, diante da opinião pública,
valoriza os posicionamentos dos quadros femininos de seu partido.
84
REFERÊNCIAS
Livros pesquisados:
GARFIELD, Robert. Breaking the Male Code: Unlocking the Power of Friendship.
Nova York: Avery, 2015.
KIMMEL, Michael. Guyland: The Perilous World Where Boys Become Men. Nova York:
Harper, 2009.
KIMMEL, M.; ARONSON, Amy. Men and Masculinities: A Social, Cultural, and Historical
Encyclopedia. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2003.
KIVEL, Paul. Men's Work: How to Stop the Violence That Tears Our Lives Apart.
Center City: Hazelden, 1992.
MOORE, Robert; GILLETTE, Doug. King, Warrior, Magician, Lover: Rediscovering the
Archetypes of the Mature Masculine. Nova York: Harper, 2013.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
85
REFERÊNCIAS
MOSSE, George L. The Image of Man: The Creation of Modern Masculinity. Nova
York: Oxford University Press, 1998.
PRIORE, Mary Del; AMANTINO, Marcia. História dos homens no Brasil. São Paulo:
Unesp, 2013.
Artigos pesquisados:
86
REFERÊNCIAS
MELER, Irene. Amor y poder entre los géneros. Subjetividad y procesos cognitivos,
Buenos Aires, v. 14 n. 1, jan.-jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.org.ar/
pdf/spc/v14n1/v14n1a10.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2015.
Documentários pesquisados:
Entrevistados:
Adriano Araújo Irene Loewenstein Maria Guimarães
Aida Carneiro Isabella Ferreira Mariana Azevedo
Alan Bronz Isis Ramos Mariana Donatelli
Aldo Ferreira Ivan Martins Mariana Moura
Aline Alegria Jakson Lira Mariane Barbosa Cabral
Aline Ramos Joaquim Pessoa Michel Alcoforado
Anna Borges Jorge Lyra Milena do Carmo
Arthur Braga José Carlos Arcoverde Nicola Sultanum
Astrid Ferreira José Osse Paula Barcellos
Benedito Medrado Karen Rego Pedro Fonseca
Carolina Muniz Leandro Tonetto Rafael Carlucci
Caroline Bertolino Leonardo Cavalcanti Rayssa Araujo
Dra. Nadine Gasman Linda Cerdeira Renata Andrade
Entheia Machado Luiz Henrique Ribeiro Renata Gamelo
Etienne Janiake Lula Queiroga Ricardo Crestani
Fabiana Morais Marcelo Santos Rico Dalasan
Fabio Pereira Marcelo Silva Ramos Rodrigo Bordigoni
Felipe Duarte Marcia Baja Rodrigo Trevisan
Fernanda Oliveira Marcia Tiburi Sirley Vieira
Fernando Andrade Márcio Chagas Talita Silva
Fred Kiling Márcio da Paz Tatiana Moura
Gabriel Goldmeier Márcio Santos Thais Fabris
Germana da Silva Nascimento Marco Aurélio Martins Thaisa Person
Glauber Santos Marcos Nascimento Vanessa Kiling
Guilherme Pessoa Mari Messias
Helio Lima Maria Giulia Pinheiro
87
TIME DO
PROJETO
QUESTTO|NÓ RESEARCH PAPODEHOMEM
88
TIME DO
PROJETO
GRUPO BOTICÁRIO
Analista de comunicação
Ana Flávia Medina e Marquez
Andressa de Ornelas Grilo
Coordenadora de comunicação
Fernanda Krieger Bacelar Pereira
Wallace Faria
Vice-presidente de desenvolvimento
humano e organizacional
Lia Azevedo
Analista de sustentabilidade
Luana Suzina
Gerente de sustentabilidade
Malu Nunes
Gerente de comunicação
Mariana Scalzo
Coordenador de sustentabilidade
Renato Amendola
Diretora de identidade organizacional
Vanessa Machado
89
Obrigada/o