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SITUAÇÃO DE CÁRCERE
Direção Editorial
Lucas Fontella Margoni
Comitê Científico
φ
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni
Arte de capa: Graça Craidy
http://www.abecbrasil.org.br
147 p.
ISBN - 978-85-5696-219-5
CDD-340
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito 340
AGRADECIMENTOS
De início, quero agradecer à minha mãe e ao meu pai pelo
cuidado, pelo amor e pela oportunidade de estudo – privilégio de
poucos na sociedade brasileira, já que uma ínfima parcela da
população consegue acessar e concluir o ensino superior. Agradeço
por estarem presentes nos bons, mas, principalmente, nos maus
momentos, quando tanto precisei. Obrigada pelos abraços, pelo
apoio e pelo carinho imensurável. Nesse sentido, expresso eterna
gratidão à minha madrinha-tia-mãe-irmã e amiga, Ângela, e aos
meus tios-irmãos, Ana e Paulo.
O curso de graduação em direito propicia, a meu ver, duas
possibilidades: a de se enclausurar entre papéis e reproduzir um
sistema falho de justiça, ou a de compreender que justiça é, na
realidade, um sofisma, que necessita de resistência e envolvimento
dos/as profissionais na sociedade, nos movimentos e na cidade, a
fim de encontrar resoluções coletivas. Assim, obrigada às
professoras e aos professores que, no decorrer de suas vidas de
ensino, apresentaram incansavelmente seus conhecimentos. Em
especial às/aos que permitiram diálogos, mudanças e divergências;
agradeço às/aos que amam ensinar e o fazem nunca de maneira
neutra. Betânia de Moraes Alfonsin, Daniela Pires, Raquel Lopes
Sparemberger, Renata Dotta e Thais Rodrigues: agradeço à
Fundação Escola do Ministério Público e a cada uma em especial,
por ensinarem a refletir sobre a sociedade e a aplicar o direito
como método de transformação social. Ainda, à Thais e à Raquel
como incentivadoras deste trabalho.
Ao Coletivo de Mulheres Maria Lacerda, que luta por uma
sociedade equitativa, por ensinar outra face da amizade entre
mulheres através de laços fortes e (des)construtivos. Dafne
Nogueira e Sophie Dall’Olmo: registro a minha admiração, minha
sororidade e meu orgulho por todas vocês.
Às minhas amigas e colegas de graduação, por todo apoio e
cumplicidade, pelos estudos, pelo incentivo. À Ana Julia Saraiva e à
Caroline Rocha de Abreu: muito obrigada, nada termina aqui.
Às amigas e aos amigos, pelas aventuras em Direito
Internacional, cujos aprendizados permitem uma outra forma de
perceber e trabalhar o direito e os direitos humanos. Em nome da
amiga Marina Rosa, pela sensibilidade e certeza de que nuestro
norte es el sur, toda minha admiração por vocês.
Às amigas e aos amigos de longa data, que desde muito
anos estão presentes na minha vida e, consequentemente, na
minha graduação, dando seus conselhos, compartindo experiências
e, principalmente, compartilhando dos mais sinceros abraços.
Ao Tiago, companheiro, por todo amor, cuidado e respeito.
Acredite sempre na minha admiração pela pessoa que és.
Às colegas de trabalho, por todos os ensinamentos e pela
paciência, pelo ambiente compreensivo. Que venha mais um ano
juntas e com novos projetos.
Por fim, dedico este trabalho às mulheres da minha vida,
em especial à minha querida avó materna, que há pouco nos
deixou e dividiu comigo tantas histórias e tantos momentos felizes,
e que sempre questionou sua condição de ser mulher, em silêncio.
“Nunca se esqueça de que basta uma crise política,
econômica ou religiosa para que os direitos das
mulheres sejam questionados. Esses direitos não são
permanentes. Você terá que manter-se vigilante
durante toda a sua vida. ”
Simone de Beauvoir
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 13
CAPÍTULO I: .................................................................................... 21
O OUTRO: O QUE SIGNIFICA SER MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL?
CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 53
UM OLHAR FEMINISTA À CRIMINOLOGIA
CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 99
EL EXTREMO DEL ENCIERRO CAUTIVO
1
O termo patriarcado vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem e
comando), raiz de duplo sentido também explícita em acarco e monarquia. Para o grego antigo, a
primazia no tempo e a autoridade são uma só e a mesma coisa (HIRATA, 2009).
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2
O feminismo identifica a obra de Mary Wollstonecraft, publicada em 1792 e intitulada “A
Vindication of the Rights of Woman”, como percussora da defesa das mulheres. Segundo a autora, as
mulheres deveriam ser tratadas de forma racional como eram tratados os homens.
3
Dialética é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento
da humanidade; é tese e antítese, cuja modalidade original é o diálogo. Inicia com os pensamentos de
Heráclito no século VII e, posteriormente, no século XIX, Hegel afirma um terceiro tempo da
dialética, a síntese, com o pensamento de que não se poderia restringir a dialética entre
afirmação/negação; para ele, a dialética é consenso, integração do que há de bom na tese e na
antítese, o que deu origem à dialética moderna, seguida por Marx, Gramsci, Sartre, entre outros
(SOUZA, 2003).
4
“Androcentrismo é a visão do mundo que situa o homem como centro de todas as coisas. Parte da
ideia de que uma visão masculina é a única possível e, portanto, universal para toda a humanidade, o
que conduz a uma invisibilidade das mulheres, inclusive na ciência.” (HIRATA, 2009, p.58).
5
“(…) distante de conformarem um corpo de leis e um modelo fechado e acabado, a antropologia da
mulher é uma perspectiva filosófica que tem incorporado conhecimentos da economia, biologia,
sociologia, psicanálise e qualquer outra disciplina.” (LAGARDE, 2005, p 60).
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6
“Porque o uso exclusivo de ‘patriarcado’ parece conter já, de uma só vez, todo conjunto de relações:
como são e porque são. Trata-se de um sistema ou forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já
(tudo) explica: a desigualdade de gênero.” (MACHADO, 2000, p.3).
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16
Tradução: Todas as mulheres estão cativas de seu corpo-para-outros, procriador e erótico, e de seu
ser para os outros, vivido como necessidade de estabelecer relações de dependência vital e de
submissão ao poder e aos outros. Todas as mulheres, bem ou mal, definidas por normas, são
politicamente inferiores aos homens e entre elas. Por seu ser-de e para-outros, se definem
filosoficamente como entes incompletos, como territórios, dispostas a ser ocupadas e dominadas por
outros no mundo patriarcal. Os graus e as formas concretas em que isso ocorre variam de acordo
com a situação das mulheres, com os espaços sociais e culturais em que se desenvolvem, com a
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maior ou a menor quantidade e qualidade de bens reais e simbólicos que possuem, e com sua
capacidade criadora para elaborar sua vida e sobreviver ao cativeiro.
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“A força da ordem masculina dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e
não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem social funciona
como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se
alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada
um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o
lugar de assembleia ou de mercado, reservado aos homens, à casa, reservada às mulheres; ou, no
próprio lar, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os
vegetais; é a estrutura do tempo, as atividades do dia, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com
momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos” (BOURDIEU, 2016, p.
18).
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18
Tem-se androcentrismo quando um estudo, análise ou investigação tem como enfoque
preponderante a perspectiva masculina, apresentando-a como central para a experiência humana de
maneira que o estudo da população feminina, quando existente, se dá unicamente em relação às
necessidades, experiências e preocupações dos homens. O androcentrismo pode se manifestar de
duas formas, que são a misoginia e a ginopia. A misoginia consiste no repúdio ao feminino e ginopia
na impossibilidade de ver o feminino ou na invisibilidade da experiência feminina. Estamos
acostumados/as a ler e escutar explicações do humano que deixam as mulheres de fora, entretanto,
nos sentimos incomodados/as quando se esquece do homem (FACIO, 1991).
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O primeiro a afirmar que o desenvolvimento de uma sociedade se mede pela condição da mulher
foi o socialista utópico Charles Fourier, encapado posteriormente por Marx e, sobretudo, por Engels.
25
“Não se pode assegurar a verdadeira liberdade, não se pode edificar a democracia – sem falar de
socialismo – se não chamamos as mulheres ao serviço cívico, na milícia, na vida política, se não a
tirarmos da atmosfera brutal do lar e da cozinha” (MARX, ENGELS, LENIN, 1979, p.12).
26
“Vimos o quanto Bachofen tinha razão ao considerar o progresso constituído pela passagem do
casamento por grupos ao casamento tribal como obra da mulher; somente a passagem do último a
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monogamia pode ser posto em conta do homem; sua única razão na história foi tornar pior a
situação das mulheres e facilitar a infidelidade dos homens” (ENGELS, 2012, p. 61 a 63).
27
Tanto Engels como Bachofen afirmam que o patriarcado surgiu ligado à passagem de uma vida
sexual comunitária para a adoção de certas formas de associação sexual, primeiramente com a
família sindiásmica (o homem pode ter outras ligações, mas a mulher não; ainda, o casamento pode
ser dissolvido por divórcio), e depois com o casamento monogâmico. As duas últimas formas
asseguram ao marido a posse sexual exclusiva da mulher. “[...] as suposições dos autores, segundo
as quais o patriarcado tem origem unicamente, ou em grande parte, na adoção de certas formas de
associação sexual são insustentáveis; outras modificações de ordem social, ideológica, tecnológica e
econômica parecem mais plausíveis. Em contrapartida, a afirmação de Engels de as mulheres
constituírem a primeira propriedade é verdadeira. Mas quando ele sustenta que as mulheres são
reduzidas à condição de objeto pelo casamento, que dá ao homem a posse sexual exclusiva (posse
não recíproca), isto pressupõe já condições patriarcais. ” (MILLETT, 1970, p.80).
28
“[...] a fundação da Psicanálise por Freud, no final do século XIX, que vai fazer a diferença dos
sexos o motivo central da reflexão. Aqui, pode-se também observar oscilações complexas entre a
afirmação de um e dos dois sexos, o horizonte do mais e do menos: a centralidade do falo força
ambos os sexos à experiência de castração, mas de maneira mais difícil para as mulheres devido, por
um lado, à sua primeira relação desejante da mãe que, em seguida, deve ser voltar para um homem,
e, por outro lado, à falta de pênis traduzida como ‘inveja do pênis’. ” (HIRATA, 2015, p.61).
29
Compreende-se por epistemologia toda a noção ou ideia, refletida ou não, sobre as condições vitais
para a constituição do conhecimento válido. É por via deste conhecimento válido que uma dada
experiência social se torna intencional ou inteligível (SOUZA, 2013).
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“Ao considerar as teorias de Freud sobre as mulheres, devemos atentar não só para as conclusões
que tirou dos fatos que dispunha como também para as hipóteses sobre as quais se baseou. Para
Freud, os sintomas das suas pacientes não traduziam uma insatisfação justificada perante a situação
restritiva que lhes impunha a sociedade, mas uma tendência independente e universal do caráter
feminino. Batizou esta tendência de ‘inveja ao pênis’, descobriu as origens na experiência de infância,
e sobre ela fundou a psicologia da mulher, organizando o que considerava como os três corolários da
psicologia feminina- passividade, masoquismo, narcisismo-, de forma que cada um destes aspectos
dependia de ou estava em relação com a inveja do pênis.” (MILLETT, 1970, p. 177).
31
A antropóloga, em 1975, afirmou que o sistema sexo/gênero consiste numa gramática, segundo a
qual a sexualidade biológica é transformada pela atividade humana, tornando disponíveis os
mecanismos de satisfação das necessidades sexuais transformadoras. Sua principal obra é
“Deviations: A Gayle Rubin Reader”, publicada em 2011.
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32
Ao contrário do sentido adotado por este trabalho para sexo e gênero, podemos citar, a nível de
informação, os estudos de Judith Butler, a partir dos quais o sexo passa a ser visto como
culturalmente construído e gênero como meio de discurso para a construção do sexo.
33
Uma de suas principais obras foi publicada em 1974, intitulada Is female to male as nature is to
culture?.
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“[...] o pai pode omitir-se em tudo, mas resguarda sua autoridade. Mesmo quando cabe à mulher
total responsabilidade pela educação dos filhos, é ela mesma que, diante de uma traquinagem dele,
ao invés de aplicar-lhe o castigo devido, omite-se, ameaçando-o com o famoso ‘contarei tudo a seu
pai quando ele chegar’. A autoridade, assim, permanece nas mãos daquele que não educa. A
responsabilidade cabe àquela que não detém autoridade. Desta forma, fica extremamente difícil,
senão impossível, mostrar às crianças os limites de atuação, os limites do permissível. ” (SAFFIOTI,
1987, p.37).
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35
Stanton, ativista feminista e abolicionista, dedicou-se aos direitos políticos das mulheres,
abordando questões para além do sufrágio feminino. Suas principais obras são History of Woman
Suffrage, publicada em 1881, e The Woman’s Bible, publicada em 1972.
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“Sexismo e racismo são irmãos gêmeos. Na gênese do escravismo constava um tratamento distinto
dispensado a homens e a mulheres. Eis por que o racismo, base do escravismo, independente das
características físicas ou culturais do povo conquistado, nasceu no mesmo momento histórico em
que nasceu o sexismo. Quando um povo conquistava outro, submetia-o a seus desejos e a suas
necessidades. Os homens eram temidos, em virtude de representarem grande risco de revolta, já que
dispõem, em média, de mais força física que as mulheres, sendo, ainda, treinados para enfrentar
perigos. Assim, eram sumariamente eliminados, assassinados. As mulheres eram preservadas, pois
serviam a três propósitos: constituíam forca de trabalho, eram reprodutoras de força de trabalho e
prestavam (cediam) serviços sexuais aos homens do povo vitorioso. Constitui-se uma prova cabal de
que o gênero não e tão somente social, dele participando também o corpo, quer como mão de obra,
quer como objeto sexual, quer ainda como reprodutor de seres humanos, cujo destino, se fossem
homens, seria participar ativamente da produção e, quando mulheres entrar na engrenagem das
funções descritas. Convém lembrar que o patriarcado serve a interesses dos grupos/classes
dominantes e que o sexismo não é meramente um preconceito, sendo também o poder de agir de
acordo com ele. No que tange ao sexismo, o portador de preconceito está, pois, investido de poder,
ou seja, habilitado pela sociedade a tratar legitimamente as pessoas sobre quem recai o preconceito
de maneira como este as retrata. Em outras palavras, os preconceituosos – e este fenômeno não é
individual, mas social- estão autorizados a discriminar categorias sociais, marginalizando-as do
convívio social comum, só lhes permitindo uma integração subordinada, seja em certos grupos, seja
na sociedade como um todo.
O sexismo não é somente uma ideologia, reflete, também, uma estrutura de poder, cuja distribuição
é muito desigual, em detrimento das mulheres. O sexismo, contudo, trata de ocultar este fato, por
exemplo, como a suspeita de que sempre se pode imputar a esterilidade às mulheres. Tanto assim é
que, nos casais sem filhos, é sempre a mulher que se submete a exames de fertilidade. Só depois que
esta fica provada, o homem se dispõe a procurar um médico. Comprovada a esterilidade masculina,
em geral, a mulher é proibida de divulgar este resultado. A falha, no homem, deve continuar oculta.
” (SAFFIOTI, 2015, p.100-101).
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Imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado, mulheres desempenham, com maior ou
menor frequência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras
crianças ou adolescentes segundo a lei do pai. Ainda que não sejam cúmplices desses sistemas,
colaboram para alimentá-lo.
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“A categoria cativeiro foi construída como sínteses dos fatos culturais que definem o estado das
mulheres no mundo patriarcal. O cativeiro define politicamente as mulheres, se concretiza na
relação especifica das mulheres com o poder, e se caracteriza pela privação de liberdade, pela
opressão. O cativeiro caracteriza as mulheres por sua subordinação ao poder, por sua dependência
vital, o governo e a ocupação de suas vidas pelas instituições e pelos particulares (os outros), e pela
obrigação de cumprir com o dever feminino de seu grupo de sujeição, concretizado em vidas
estereotipadas, sem alternativas. ” (LAGARDE, 2005, p.36).
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“As mulheres estão submetidas à opressão porque, para estabelecer vínculos e ser aceitas, com a
nossa anuência ou contra nossa vontade, vivemos a reificação sexual de nossos corpos, pela negação
da inteligência e a inferiorização dos afetos, ou seja, a coisificação de nossa subjetividade acesa [...]
nossa cegueira se concretiza também na negação de nós mesmas, de nossas capacidades, dos saberes
críticos que podemos possuir. ” (LAGARDE, 2005, p.17).
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Tradução: “A vida da mulher está organizada ao redor da vivência de uma sexualidade destinada
para. Como cidadã ou como fiel, como filha ou como esposa, como mãe ou como prostituta, o poder
atravessa o corpo da mulher. Na linguagem laica e estatal se controla a sua fertilidade, que é um
assunto de política demográfica; na linguagem doméstica do amor e do poder se faz referência à
fidelidade, à castidade, à virgindade, ou à permanente disposição à maternidade ou ao prazer do
outro. ” (LAGARDE, 2005, p.167, tradução nossa).
49
“No seio da família, a dominação masculina pode ser observada em praticamente todas as atitudes.
Ainda que a mulher trabalhe fora de casa em troca de um salário, cabe-lhe realizar todas as tarefas
domésticas. Como, de acordo com o modelo, os afazeres domésticos são considerados "coisas de
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mulher", o homem raramente se dispõe a colaborar para tornar menos dura à vida de sua
companheira. Não raro, ainda se faz servir, julgando-se no direito de estrilar se o jantar não sai a seu
gosto ou se sua mulher não chega a tempo, trazendo-lhe os chinelos. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 50).
50
“É próprio da espécie humana elaborar socialmente fenômenos naturais. Por esta razão é tão
difícil, senão impossível, separar a natureza daquilo em que ela foi transformada pelos processos
socioculturais. A natureza traz crescentemente a marca da intervenção humana, sobretudo nas
sociedades de tecnologia altamente sofisticada. Há, portanto, ao longo da história, uma humanização
da natureza, uma domesticação da natureza por parte do ser humano. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 9-10).
51
“É de extrema importância compreender como a naturalização dos processos socioculturais de
discriminação contra a mulher e outras categorias sociais constitui o caminho mais fácil e curto para
legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos
ricos. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 11).
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52
“O direito penal, o processo penal e o sistema de justiça criminal constituem, no âmbito de um
Estado de Direito, mecanismos normativos e institucionalizados para minimizar e controlar o poder
punitivo estatal, de tal forma que o objetivo de proteção dos cidadãos contra o crime seja ponderado
com o interesse de proteção dos direitos fundamentais do acusado. ” (ANDRADE, 1995, p.30).
CAPÍTULO 2
UM OLHAR FEMINISTA À CRIMINOLOGIA
Da mulher como vítima à mulher como sujeito.
(Vera Regina Pereira de Andrade, 2005).
53
“São identificadas diversas áreas dentro do campo da criminologia, como a Criminologia Clássica,
Positivista, Garantista, entre tantas outras, que definem os conceitos de crime, criminoso, vítima,
sistema criminal ou controle, de formas diferentes, então, da criminologia a que se filia é que se pode
delimitar a compreensão sobre as funções tanto do sistema social como do sistema penal” (MENDES,
2014, p. 21). “Cabe somente precisarmos o seu conteúdo, que atualmente é o estudo da criminalidade
e do controle, considerados como um só processo social surgido dentro dos mecanismos de definição
e jurídicos de uma organização social determinada” (RAMÍREZ, 2015, p.44).
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54
Malleus Maleficarum é o título original do livro publicado em 1487 por Kraemer e Sprenger na
Alemanha, tornando-se guia dos inquisidores pelo restante do século XV e seguintes. “O conteúdo
inclui as mulheres como únicas possíveis da condição de bruxas, conectando os desvios sexuais
femininos com a bruxaria. No mesmo sentido, registra que a feiticeira era considerada uma mulher
de sexualidade desenfreada que, ao atacar as propriedades genitais do homem ao acasalar com
demônios constituíam ameaças às leis naturais da procriação. O empreendimento ideológico do texto
fez os ideais se perpetuarem até o século XIX, dada à eficácia do poder instituído na Idade Média”
(MENDES, 2014, p.28).
55
A repressão da feitiçaria aparece como uma resposta ao medo social provocado pelo aumento da
mendicidade e da pobreza no campo, consequência do nascimento do capitalismo agrário, que
determinou a reorganização de terras incultas. As feiticeiras de Salem (1692-1693), em
Massachusetts, foram vítimas de uma violenta disputa de poder entre o grupo de agricultores-
proprietários de terras, que estavam a perder influência, e o dos mercadores do porto, cujo poder
político e econômico começava a se impor na região (MENDES, 2014).
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“Os conventos não foram somente instituições destinadas à expiação do pecado, mais que isso,
eram verdadeiros espaços de reclusão seja para o cumprimento de penas por crimes cometidos por
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mulheres contra a honra de suas famílias, seja pelo “risco” de que estas viessem a cometer crimes
como o adultério, o infanticídio ou o homicídio de seus consortes. ” (MENDES, 2014, p.8).
57
Diferentemente do racismo, a misoginia não é percebida pelos homens como um preconceito, mas
como algo quase inevitável. A misoginia tem sido parte do ‘senso comum’ da sociedade, pois foi um
preconceito demasiado óbvio para ser percebido. Em diferentes civilizações considerou-se como
perfeitamente normal, que os homens condenassem as mulheres ou expressassem diretamente
desgosto por elas, simplesmente por serem mulheres. Todas as maiores religiões do mundo e os
mais renomados filósofos mundiais olharam para as mulheres com desprezo. A misoginia é a
repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres e seu antônimo, filoginia, representa o amor, o afeto, o
apreço e o respeito pelo sexo feminino. (HIRATA, 2015).
58
“Beccaria teve como base de seu discurso a filosofia estrangeira de Montesquieu e Rousseau e,
portanto, utilizou dos princípios do contrato social, do direito natural e do Iluminismo. O
pensamento iluminista advém do reconhecimento de um estado natural ou originário, estado em
que os homens gozam de liberdade e igualdade, no entanto, perdem tais diretos com o Contrato
Social, mesmo que este possibilite a garantia da liberdade civil e do direito à propriedade. Traidor é
aquele que descumpre o compromisso da organização, produto da liberdade originária, sendo
expulso. Tal organização se converte em um Estado absoluto, um estado de coisas, centrado no
poder para acumular e concentrar riqueza, o que destrói a liberdade e igualdade natural dos homens.
Partindo da ideia do contrato social, constata como consequência necessária o princípio da legalidade
das penas. Isso significa dizer, o seu surgimento só é explicável em virtude da organização social
produzida pelo contrato. O objetivo social que surge do contrato é alcançar a felicidade dos homens,
o legislador deve tentar evitar os crimes, do que punir [...] Dava-se por ênfase a tarefa da prevenção
em lugar da repressão. Ou seja, admite-se que corrobora à prática do delito o fato de que o Estado e
a estrutura social, favorecem a um determinado grupo de homens, a uma classe, e não aos homens
como tais, e que, além disso, não se preocupa com a eliminação da ignorância entre eles. Logo,
criminoso, crime e pena são produtos da sociedade organizada, cuja legitimidade do poder punitivo,
se encontra, na essência do contrato social. Posteriormente, as correntes que deram a expressão ao
Iluminismo se separam, em decorrência do surgimento do Estado liberal de direito, no século XIX. ”
(RAMÍREZ, 2015, p.50-51).
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59
Em reação aos excessos medievais a escola se estabeleceu em três principais ideias: a razão e o
limite do poder de punir do Estado; à ferocidade das penas; a reivindicação de garantias individuais
na persecução penal e fora dela. Abandona-se a corrente realística para voltar sua atenção ao crime e
a pena como entidade jurídica abstrata, isolada do homem delinquente e do ambiente em que está
inserido. Compreendia que a conduta delituosa estava baseada no livre arbitro para a realização de
fato típica, afastando a ciência social e a investigações dos motivos que levou o agente a descumprir
determinada norma. Para os clássicos o problema criminológico surgia como uma necessidade tanto
de elevação do conformismo do ser humano, quanto de elevação do conformismo da lei, que deveria
vincular-se aos direitos naturais do homem, obviamente, que cabe alertar que a linguagem da escola
clássica não é a mesma dos direitos humanos do pós-guerra e, sim, uma linguagem do indivíduo, da
liberdade individual, dos direitos subjetivos ou das garantias individuais. (ANDRADE, 1995).
60
“Em princípio, antes do século XVII não havia uma separação entre o não criminoso e o criminoso.
Somente a partir do século XVIII, quando, pela ineficácia do modo de produção feudal e com a
comercialização do campo, os camponeses e trabalhadores foram expulsos, fato que forçou sua
chegada à cidade em época de incipiente mercantilização. No momento em que o campo deixa de
incorporar as satisfações das necessidades dos pobres, essas se inserem na dependência econômica
da comunidade, que denota uma mudança substancial, a qual se formaliza na promulgação das
primeiras leis repressivas. Nesse momento, a rejeição social se fundamenta no caráter desordenado
do pobre, do vagabundo, da prostituta, de modo que sua conduta é vista mais como falta de
socialização correta do que como uma propensão inata. ” (RAMÍREZ, 2015, p.84).
61
Nem mesmo a Declaração francesa de 1789, sobre igualdade de direitos, serviu como ponto de
partida para um pensar criminológico quanto à condição feminina. A adesão das mulheres ao
estatuto igualitário aparece por longo período de forma relativa, existindo apenas como filha, esposa
e mãe, ou seja, como figura secundária. No final do século XVIII nenhuma mulher gozava de
igualdade política, uma vez que a Revolução Francesa não trouxe significantes mudanças para as
mulheres, que logo dos primeiros momentos da revolução foram recolhidas ao espaço doméstico por
ordem do revolucionário. (ARNAUD-DUC, 1990)
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62
“A ciência positiva não é só descritiva, como também é casual-explicativa, uma vez que a lei da
causalidade resulta essencial para a explicação do mundo. Assim, a previsão baseia-se na noção de
que todos os fatos da natureza estão subordinados a leis naturais imutáveis e que é justamente a
observação que permite descobri-las. ” (RAMÍREZ, 2015, p. 55).
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63
“Ferri considera a existência de três causas ligadas à etiologia do crime, as individuais (orgânicas e
psíquicas), as físicas e as sociais, ampliando a noção lombrosiana centrada em causas de origem
biológica. Sustentava que o crime não é decorrência do livre-arbítrio, mas o resultado previsível
determinado por esta tríplice ordem de fatores que conformam a personalidade de uma minoria de
indivíduos como ‘socialmente perigosa’. Fundamental ver o crime no criminoso, um sintoma
revelador da personalidade mais ou menos perigosa de seu autor, o que leva ao surgimento da tese
fundamental de que ser criminoso constitui uma propriedade da pessoa que a distingue por
completo dos indivíduos normais” (ANDRADE, 1995, p. 25).
64
“Para Lombroso, a mulher seria fisiologicamente inerte e passiva, sendo mais adaptável e mais
obediente à lei que o homem. Apresenta características comuns às criminosas, tais como a assimetria
cranial e facial, a mandíbula acentuada, o estrabismo, os dentes irregulares. Em relação ao estigma
prostituta, diz o autor que não seria apenas uma amostra do machismo persistente nas teorias
positivistas, mas igualmente de uma profunda preocupação com a questão que adviria do higienismo
do século XIX: a repressão da prostituição e a tarefa de evitar os contágios” (ANITUA, 2008, p.307).
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65
“A relação da criminologia com o direito penal pode ser enfocada como de dependência absoluta
ou de autonomia, em maior ou menor grau. O problema consiste em determinar qual é a natureza
da relação, já que esta resulta evidente, pois o direito penal e a criminologia aparecem assim como
duas disciplinas que tendem ao mesmo fim com meios diversos. O direito penal parte do estudo das
normas jurídico-penais. A criminologia parte do conhecimento da realidade. O direito penal não está
em condições de circunscrever o conteúdo da criminologia, que atualmente dirige um estudo crítico
ao direito penal enquanto forma de definição e controle da criminalidade [...] Contudo, o direito
penal é indispensável para a criminologia, já que surge em razão dele, através de um mecanismo
institucional e formal como é a norma penal, uma organização social determinada que fixa objetos
de proteção e com isso determina que é o delito e quem cria o delinquente e ao mesmo tempo uma
forma especial de reação social” (RAMÍREZ, 2015, p.44-45)
66
“Instaura-se, desta forma, o discurso do combate contra a criminalidade (o mal) em defesa da
sociedade (bem) respaldado pela ciência [...] uma luta científica contra a criminalidade erigindo o
criminoso em destinatário de uma política criminal. A um passado de periculosidade confere-se um
futuro: a recuperação. A sequência lógica (determinismo, criminalidade ontológica, periculosidade,
anormalidade, tratamento e ressocialização) forma um circuito fechado que constitui uma percepção
da criminalidade que se encontra, há um século, profundamente enraizada nas agências do sistema
penal e no senso comum. ” (ANDRADE, 1995, p.26).
62 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
67
Ligado ao positivismo, o funcionalismo, cujo um dos sucessores foi Durkheim, tem o mesmo
objeto que o primeiro: dar ordem ao sistema capitalista. No século XX buscava criar um sistema
próprio para as ciências sociais com caráter positivo, vendo a sociedade como um processo. A
diretriz academicista do funcionalismo provocou críticas ao sistema, que levou a crise do
funcionalismo nos anos sessenta, com o despertar das lutas jovens e raciais nos Estados Unidos e
com a força da classe média junto à da nova burguesia. Juntam-se às posições radicais o chamado
interacionismo simbólico, que concebe o indivíduo como ativo frente ao ambiente e ao mesmo tempo
compreende o ambiente moldável por ele. E vice-versa. O que importa não são os dados, senão como
o sujeito o conhece, o modo como entra em contato com os outros. Nota-se que o interacionismo
simbólico tende a desconhecer a existência de grupos sociais, de classes sociais, do processo de
produção e poder (RAMÍREZ, 2015).
68
Os autores não são unânimes quanto à nomenclatura, ou melhor, designação para a corrente de
pensamento. Podendo ser sinônimo de teoria da rotulação social, teoria do etiquetamento, teoria da
reação social ou ainda teoria interacionista. Segundo Shecaira “A Teoria do Labeling surge após a 2ª
Guerra Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial,
estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as
fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela
divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra
Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por
igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na
reivindicação pelos direitos civis (SHECAIRA, 2011, p. 370).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 63
71
“Do mesmo modo que existe uma discussão em torno do início da Sociologia, há também quanto à
criminologia e, o que põe em relevo suas estreitas conexões é, sobretudo, o caráter de ciência social
que possui a criminologia, sendo que os dois pontos de referência da controvérsia são o Iluminismo e
o positivismo. Colocar a tônica no Iluminismo ou no positivismo quanto à origem da sociologia ou da
criminologia, tem uma significação diferente. Para o Iluminismo, o problema social e o criminológico
são, antes de tudo, compreendidos como uma questão política, quer dizer, ligada à concepção de
Estado, ou ao Estado que existia. Há, portanto, uma dependência a respeito da própria estrutura do
Estado - e em especial de sua estrutura jurídico-político-institucional -, que é justamente a que
origina os problemas sociais e criminológicos. Em contraponto, para o positivismo há um grupo
social e um Estado a se consolidar. Os problemas sociais e criminológicos são consequentemente
apenas dados dentro deste contexto e simplesmente tenta-se acomodá-los, buscando a eliminação
dos fatores que o causam em cada caso [...] Trata-se da harmonização e coerência do corpo social em
sua totalidade, e não de criticar senão de organizar e, assim, de deduzir toda a análise à busca
daquilo que é útil para a consolidação do Estado, descartando, então, qualquer outra investigação ou
crítica como irreal e metafísica. Em suma, quem concebe o mundo social como dado, absoluto e
perfeito enquanto tal, em que a única coisa que cabe é somente sua organização e harmonização
reacional; quer dizer, eliminar a desordem ou as falhas que nele se produzem, as quais têm sua
origem em nossa defeituosa apreensão da realidade, colocará como origem da sociologia e da
criminologia o positivismo [...] Ao contrário, quem concebe o mundo social como algo sujeito à
transformação, em que não se trata simplesmente de corrigir as deficiências de funcionamento,
senão, de mudar e repensar suas estruturas; em outras palavras, quem assume uma postura crítica,
determinará como ponto de partida da sociologia e da criminologia o Iluminismo (RAMÍREZ, 2015,
p.31-32).
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72
Se “o crime ofende certos sentimentos coletivos e dotados de uma energia e de uma clareza
particulares, a pena é a reação coletiva que, embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na
realidade reforçar a solidariedade social entre os demais membros da sociedade e,
consequentemente, garantir a integração social. ” (DURKHEIM, 1978, p.120).
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73
“Os estudos de Thomson tiveram implicações na política criminal, já que defendia a necessidade de
trabalhar a área pré-criminosa, buscando substituir a família pelas diferentes agências estatais. Suas
alegações foram criticadas por Smart (1976), que denunciou o autoritarismo da teoria, manifestado
na necessidade de socialização na ordem existente, nas sentenças severas aos menores por atos
criminosos e na supremacia do controle estatal através da imposição de valores da moral da classe
média, calcados em preconceitos e crenças tradicionais sobre a mulher. Insuficiente para atender às
condições de vida da classe trabalhadora e por ter desconsiderado a influência do duplo standard na
moralidade, no sentido de que o valor social da mulher depende da percepção dos outros, de modo
que ela deve ser símbolo de pureza e adoração, o que decorre da presença de preconceitos e crenças
tradicionais sobre a mulher na obra do autor” (MIRALLES, 2015, p. 180-181).
74
“Para explicar a questão da criminalidade da mulher, Pollak começa precisar características
encontradas na mulher criminosa, como: 1) a capacidade de instigação, pois as mulheres são quase
sempre os cérebros organizadores do crime masculino, ou seja, realizam infrações por meio do
homem e nunca são presas ou culpadas; 2) a habilidade de falsear e mentir que derivam de um
elemento biológico, da passividade sexual, daí a atitude decorrente de estranhamento em relação “à
verdade”; e 3) o sentimento de vingança que a mulher desenvolve frente ao homem como
consequência da repressão sofrida. As afirmações do autor decorrem da construção do gênero
feminino como dócil, que necessita de proteção. Logo, compreendia que o cavalheirismo masculino
para com a mulher reafirma sua idealização em termos de doçura e pureza, vendo-a como um ser
inofensivo, porém essa atitude muda quando a mulher comete um crime. Assim, ao afirmar que os
homens não denunciam os delitos das mulheres é fortemente criticado, já que sustentava a mudança
do comportamento masculino quando presente o conhecimento de que a mulher era delituosa
(MIRALLES, 2015, p. 191).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 71
75
“Na realidade, são tipos legais pouco aplicados, ainda que criminalizem condutas amplamente
praticadas, com grande visibilidade pública, especialmente a prostituição, e sempre com grande
cumplicidade. Condutas que entram na categoria dos chamados “delitos sem vítimas”, que se
caracterizam por obter um alto nível de consenso na adaptação social, que satisfazem desejos e
72 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
interesses totalmente privados sem resultar dele qualquer vítima senão a defesa da moral social
tradicional (patriarcal), que por si mesmo não goza já de um consenso, por causa da ampla margem
outorgada à liberdade individual pelas mudanças sociais, que permitem uma maior tolerância às
questões privadas de cada indivíduo. Quanto à prostituição, observa que temos o exemplo mais
contundente da aplicação do duplo standard sexual na prática penal e legislativa, já que uma mesma
conduta ‘oferecer e solicitar relações sexuais mediante pagamento’ levou à incriminação do
oferecimento da mulher e não da solicitação do homem. ” (MIRALLES, 2015, p. 224-225).
76
“A relação entre criminologia e política criminal resulta muito simples quando se concebe a
criminologia costumeiramente como uma ciência exclusivamente empírica. No entanto, tornam-se
difíceis os termos da relação quando se compreende a criminologia como uma ciência crítica, já que
então ambas tendem a coincidir enquanto consideram a legislação do ponto de vista dos objetivos do
Estado. Ademais, haveria a crítica quanto à reforma do direito penal em geral. A diferença residiria
no fato de que a política criminal implica a estratégia adotada dentro do Estado, a respeito da
criminalidade e do controle. Nesse sentido, a criminologia converter-se-ia em face da política
criminal, em uma ciência de referência, para que esta, com base em seu material, pudesse configurar
suas estratégias de atuação.” (RAMÍREZ, 2015, p.46).
77
Para o pensamento criminológico atual, o controle social corresponde a um conjunto de recursos
concretos e simbólicos de que um grupo social dispõe para garantir a conformidade dos
comportamentos dos seus integrantes a normas e preceitos pré-determinados. O controle social
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 73
dispõe de inúmeros meios ou sistemas normativos (a religião, o costume, o direito etc.), de diversos
órgãos ou portadores (a família, a igreja, os partidos, as organizações etc.), de distintas estratégias ou
respostas (prevenção, repressão, socialização etc.), de diferentes modalidades de sanções
(MIRALLES, 1972).
74 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
78
“A criminalidade feminina é uma resposta dada pelas mulheres para um determinado número de
situações que sofreram mudanças nos últimos 40 ou 45 anos [...] a influência da emancipação da
mulher é extremamente complexa e entre outras coisas, também afeta o avanço da justiça social,
pela extensão de direitos humanos, reivindicar oportunidades sócio econômicas, de forma que as
mudanças no comportamento da mulher não podem se relacionar diretamente com o movimento
feminista, porque enquanto movimento social mostra-se coma manifestação de diversas mudanças
na ordem econômica e social.” (SMART, 1970, p. 73-74).
79
A variação da participação da mulher no mercado de trabalho está condicionada às necessidades
de produção do modelo capitalista, pois durante os períodos de crise a mulher é obrigada a voltar
para o lar, é a primeira força de trabalho que fica desempregada. A mulher opera como o exército de
reserva mais amplo do mundo capitalista. Portanto, é uma força de trabalho de segunda ordem, na
medida em que seu trabalho é visto como temporário e considerado como uma atividade não
essencial se comparada à atividade doméstica. Há uma divisão laboral em termos econômicos e
especialmente sexuais: o primeiro modo de vida do homem é o contrato laboral, e o da mulher é o
casamento como contrato matrimonial. A igualdade laboral entre os sexos é uma formalidade
constitucional, não refletida nos sindicatos, na comunidade e nas organizações sociais (SAFFIOTI,
1987). O único tipo de trabalho aceito para a mulher é o realizado pela sua dedicação aos filhos,
mesmo que eles já tenham se emancipado. Entende-se que o trabalho aceitável é aquele que cumpre
uma função terapêutica. Paralelamente, foi informado que o declínio da maternidade tem produzido
uma falta de interesse da mulher no que tange ao trabalho doméstico, deixando-a migrar para os
interesses público-sociais (SAFFIOTI, 2015).
76 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
80
A família é foco e centro de problemas mentais nas jovens, pois a dependência da mulher de afeto
da vida endógena é a característica mais marcante de seus problemas. Assim, a moça jovem se
esfacelará a qualquer momento para obter a sua independência, mesmo sem consegui-la; a mulher
recém-casada viverá a sua sexualidade como um fracasso pessoal e como algo que lhe foi roubado; a
mulher adulta, em seus quarenta anos, culpar-se-á, patologicamente, por suas fantasias amorosas,
símbolo de uma rejeição de vida; a mulher madura viverá a saída de suas crianças como um
abandono, uma mutilação em seu próprio corpo, na simbologia família-corpo (MIRALLES, 2015).
81
“O controle social penal é um subsistema dentro do sistema global do controle social, diferindo por
seus fins de prevenção ou repressão do delito, através de penas ou medidas de segurança e qual o
grau de formalização que exige” (MIRALLES, 1982, p.127).
82
O sistema penal não se reduz ao conjunto de normas penais, mas é concebido como um processo
articulado ao qual concorrem todas as agências do controle social formal, desde o Legislador, por
meio do mecanismo de produção das normas (criminalização primária), passando pela Polícia, a
Justiça e o Ministério Público, ou seja, o processo penal e os mecanismos de produção das normas
78 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
83
“As instalações físicas da prisão são deploráveis, a desorientação jurídica, o desamparo, levam a
viver em um mundo estreito, reiterativo e circular, no qual é sempre forçada a estar em um
aglomerado humano, e é impossível a intimidade. Novamente, a mulher se adapta a este mundo que
se lhe impõe; inclusive as mulheres que romperam com as pressões conformistas de seu mundo, que
são rebeldes às expectativas sociais com condutas que negaram tudo que se espera de uma mulher.
Uma vez “agarrada”, se adapta ao encarceramento com uma conduta que reencontra as bases
psicológicas negativas de sua educação, quando a mulher é considerada como um ser sem decisão,
superficial, sem responsabilidade, como uma criança que joga toda a sua vida. Parece, pois, que se
fazem patentes às pressões negativas da educação quando a mulher se encontra diante da incerteza
de uma datação física e psicológica a um mundo estranho, alheio e imposto. ” (MIRALLES, 2015, p.
260).
80 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
84
“Tomemos um exemplo de importância: a classificação do desvio da mulher no estabelecimento
clínico de Holloway em Londres (Inglaterra), a antiga maior prisão da Inglaterra para mulheres, hoje
convertida em centro clínico psiquiátrico. A instituição abrigou mulheres que eram consideradas
82 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
anormais mentalmente, implicando a imposição deste termo a desvios de tipo social e psicológico
cometidos por mulheres. O conceito de mentalmente anormal desempenhou três categorias:
diagnóstico psiquiátrico, com ênfase na esquizofrenia; amplo diagnóstico de personalidade
desordenada, e diagnóstico de psicopatia, tratado por métodos médicos psicológicos ou por terapia
social” (MIRALLES, 2015, p. 236).
85
“Cabe frisar que é na análise do método de castigo que a psicologia encontra sua própria essência,
e onde se desdobra especificamente não só sua técnica, como também o âmbito em que se situa, no
qual se caracteriza a singularidade da figura médica e o diálogo autoritário que estabelece com o
paciente. Com o método próprio da psicologia, o tratamento ganha um espaço institucional porque
há novos contatos entre o paciente e os métodos psicológicos, contatos baseados nas novas
concepções alienantes” (MIRALLES, 2015, p. 111).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 83
86
“A seleção legal de bens e comportamentos lesivos instruiria desigualdades simétricas: de um lado,
garante privilégios das classes superiores com a proteção de seus interesses e imunização de seus
comportamentos lesivos, ligados à acumulação capitalista; de outro, promove a criminalização das
classes inferiores, selecionando comportamentos próprios desses seguimentos sociais em tipos
penais” (BARATTA, 2011, p. 15).
88 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
87
“Esta crise se manifesta quando a partir da dimensão da definição, passamos a considerar a
dimensão comportamental. No primeiro caso, o objeto de seu discurso é o sistema de justiça
criminal. No rol de uma teoria e sociologia de direito penal, a criminologia concorre, na dimensão da
definição, na realização do modelo integrado de ciência jurídico-penal entendida em sua função de
controle “interno” do sistema de justiça criminal. Em sua dimensão comportamental, por outro lado,
o objeto do discurso da criminologia crítica é o referente material das definições da criminalidade,
atuais ou potenciais, mas em geral, as situações problemáticas relacionadas com o comportamento
dos sujeitos individuais” (BARATTA, 2006, p. 148).
88
“Signo que se tornou teórica e politicamente relevante desde os anos 70, quando o movimento
feminista, sob o influxo da revolução dos paradigmas sociais, estendeu seu significado original de
uma classe de algo ou de seres, para designar uma classe de seres humanos, configurando-se
atualmente como um conceito para a compreensão da identidade, dos papéis sociais e das relações
entre homens e mulheres na modernidade” (ANDRADE, 2012, p.128). “É a construção social do
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 91
gênero, e não a diferença biológica do sexo, o ponto de partida para análise crítica da divisão social
de trabalho entre homens e mulheres na sociedade moderna, vale dizer, da atribuição aos gêneros de
papéis diferenciados nas esferas de produção, da reprodução e da política, através da separação entre
o público e o privado” (BARATTA, 1999, p. 21).
92 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
89
“Discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro e
autorizado. É o discurso instituído que se confunde com a linguagem institucionalmente permitida
ou autorizada, ou seja, como um discurso no qual os interlocutores já foram previamente
reconhecidos como tendo direito de falar e ouvir. No qual os lugares e as circunstâncias já foram
predeterminados para que seja permitido falar e ouvir. E, enfim, no qual o conteúdo e a forma já
foram autorizados, segundo os cânones de sua própria competência. ” (CHAUÍ, 2007, p. 23).
96 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
das suas posições, são definidas por seus delitos. Ocorre que a
definição do delito é feita por instituições de poder (estatais e
sociais) e por indivíduos envolvidos no delito e na coerção. Enfim,
são as instituições que produzem o delito e, ao nomeá-lo, já
segregam e selecionam, para identificar e sancionar. As mulheres,
identificadas como executoras do delito ou como vítimas do delito
formam parte de uma unidade política determinada pela relação
entre gênero e delito, afastando a concepção de que existe uma
determinação entre sexo e delito, visto que o delito não deriva da
biologia e, sim, da sociedade e da cultura. Ou seja, as estatísticas de
que as mulheres delinquem menos que os homens não é um fato
relacionado especificamente à causalidade sexual, mas sim ao
modo de vida doméstico, privado90, em que as relações vitais e o
conjunto de compulsões as obrigam a ser boas e obedientes
(LAGARDE, 2005).
A subalternidade, a desigualdade, a discriminação e a
dependência das mulheres, quer dizer, sua opressão genérica,
concorrem em dois sentidos no delito, e se concretizam da seguinte
forma: pela condição genérica, as mulheres são vítimas de delitos
cometidos contra elas, seus interesses, seus bens, por homens ou
por mulheres. Já se são as mulheres as que cometem os delitos na
posição de delinquentes, passam as condições desiguais frente ao
discurso legal, por seu desconhecimento e por enfrentarem
discriminação e desigualdade nas parições de justiça sexista. Ainda,
por serem mulheres não são escutadas com serenidade, não são
aceitas suas palavras, nem serão válidas suas razões, e muito
menos suas provas são aceitas ou utilizadas a seu favor. Pela
90
“Ao contrário, a vida pública dos homens, suas relações de competição no mundo classista do
trabalho e do dinheiro, reunido a seu caráter social de provedores dos outros, e à sua necessidade de
acumular, de possuir e de apropriar-se, cerca-os ao âmbito do delito. A masculinidade patriarcal
exige deles a agressividades, a força, e a violência, e conforma um contexto que favorece a realização
do que nesta cultura se considera delito. A transgressão das normas confere aos homens um valor
genérico, um êxito, um prestígio e uma categoria: virilidade. O grau de machismo se mede, em
parte, pela capacidade de transgressão frente à norma, de tomar objetos de outros, e de vencer o
medo da sanção e do castigo. ” (LAGARDE, 2005, p.645).
102 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE
91
Cabe observar que a concepção patológica tem relevante peso, pois na ideologia dominante e,
consequentemente, para o senso comum, a enfermidade explica todos os fenômenos: as
transgressões, a dor e o sofrimento, as dificuldades para sobreviver e, inclusive, a agressividade e a
destruição do outro, que são interpretados não apenas como incapacidades individuais para
enfrentar a vida, mas também são interpretados e estudadas as origens e disfunções da saudade, que
infelizmente podem ser banalizadas e ignorar o delito como feito social e não individual, ou seja, que
o delito é um espaço social e culturalmente construído e não um erro (LAGARDE, 2005).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 103
94
“A prisão como controle formal continua tratando a mulher a partir das expectativas sociais sobre
seu papel tradicional e dos valores neles implícitos. Porém, ao mesmo tempo, fica claro que quando a
mulher vai para a prisão, ali a espera um regime de disciplina tão duro como do homem. Isso quer
dizer que a prisão funciona dentro do sistema ideológico que informa as demais instâncias e que, por
ser o controle mais extremo, expressa de forma mais contundente a autoridade do estado, de modo
que tanto mulheres como homens encarcerados sofrem uma mesma submissão à autoridade estatal,
perdendo-se, pois, na prisão, a singularidade de seus papéis sociais.” (MIRALLES, 2015, p. 256).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 105
95
“Dentro deste sistema misto há de se ressaltar as pressões a que está submetida a mulher. Esta
não pode pedir translado de andar, enquanto os homens podem, estando assim forçadas a conviver
em um mesmo andar, a tolerar as intromissões das demais, ainda que não queiram. ” (MIRALLES,
2015, p. 254).
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 113
Ana
Bruna
Carla
pedido foi para levar comida para o marido, que ela enviaria por
motoboy; Carla aceitou. Ocorre que, no caminho da casa da
conhecida até a casa de Carla a polícia abordou o motoboy, que
disse que a droga era da entrega e não dele e entregou os
endereços das mulheres e também foi processado, visto que o
advogado dele a procurou para que ela dissesse que a droga era
dela, tentou pressioná-la.
No sábado, Carla foi ao presídio para visitar o marido.
Fazia dez dias que estava de alta, tinha ganhado a filha de cesárea,
sentia dor, afirmou ter se arrependido de ir, já que não costumava
ir aos sábados. Na fila, com a criança no colo, foi dada voz de
prisão para ela. Assustada, deixou a filha no bar em frente ao
presídio, que é conhecido de todas as famílias que frequentam a
penitenciária para visitas. Deixou lá criança com a dona e o
número da irmã, que posteriormente foi buscá-la. Tanto Carla
como a conhecida que pediu o favor estão presas pelo mesmo
motivo. Pelas contas, ela acredita ter uns dez anos de pena, mas
que não consegue muito acesso ao processo.
Não recebe visitas. Tem os pais vivos, mas prefere que eles
não a visitem. Não fala muito da família, apenas que o ambiente da
penitenciária é horrível e com o tempo ninguém mais insistiu nas
visitas, faz tempo que não vê os filhos, sento falta e fala muito de
uma das filhas, estuprada aos treze anos pelo sobrinho do segundo
marido, em um passeio. A filha nunca superou o fato, o sobrinho
foi preso, mas ela nunca mais conseguiu levar a filha para a escola
e diz que queria muito estar perto, que foi muito triste, ela não
estava no passeio e sentia muita dor por isso.
Conta os dias para sua saída, já que está lá de forma
injusta. Diz que quer sair, voltar a trabalhar, qualquer coisa, mas
quer estar perto dos filhos. O convívio é muito difícil, cada uma
que está lá tem os seus problemas. Tem dias que nem vai ao pátio,
prefere ficar só. Está cansada e sabe que tem tempo ainda para
cumprir. Quando sair, vai correndo buscar os filhos, quer arrumar
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 125
Denise
Érica
a lida do campo. Veio para a cidade quando o filho mais velho tinha
sete anos. Atualmente, ele está com 44 anos e o segundo com 41
anos. Está condenada por tráfico de drogas e associação criminosa,
cumpre pena de 13 anos.
No bairro onde moravam tinham uma venda, uma oficina
e duas casas, uma coisa ao lado da outra, todos os imóveis eram de
propriedade deles. Érica confessa que o filho mais novo era usuário
de drogas desde os 12 anos e que nos últimos meses estava
fumando pedra. Todo o dinheiro que ganhava na venda tinha que
esconder, algumas vezes ao deitar-se escondia nas suas roupas
íntimas junto a seu corpo, com medo que o filho achasse e levasse
todo dinheiro, como já havia feito em outras ocasiões. Estava
falindo, mal conseguia manter a venda, o filho pegava o que
conseguia de dinheiro e as mercadorias. O filho mais velho a
ajudava.
O outro filho morava na casa ao lado com sua família. Tem
um neto de oito anos, trabalhavam na oficina e afirma que via os
negócios prosperarem. Érica e os filhos estão presos na mesma
penitenciária. Ela acredita que a polícia chegou aos
estabelecimentos através de denúncias devido à movimentação,
culpa do filho mais novo e usuário, que juntava muitos amigos e
ficava pela rua. Lamenta a situação á qual chegaram, diz que
acredita que as investigações começaram pelos abusos do mais
novo, foram feitas interceptações telefônicas e chegaram ao
conhecimento do que ocorria na oficina.
No dia em que a polícia foi à oficina, não acreditava no que
estava acontecendo. Relata tudo chorando, diz que está velha e
cansada, que queria estar com o neto em casa, mas que perderam
tudo. Afirma que cansou de pedir que o filho parasse de usar
drogas, que foi internado e não adiantou. Na PMEI, trabalha como
auxiliar de limpeza e não se queixa do tratamento. Também tem
como ver os filhos. Atualmente, está no módulo de apoio. Comenta
que ao chegar se deparou com mulheres conhecidas do bairro e diz
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 129
Fernanda
BECCARIA, Marquês Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
FACIO, Alda. Hacía otra teoría crítica del derecho. El Otro Derecho. Instituto
Latinoamericano de Servicios Legales Alternativos, 2007.
MELLO, Marilia Montenegro Pessoa de. Da mulher honesta à lei com nome de
mulher: o lugar do feminismo na legislação penal brasileira. Revista
Videre, Dourados/MG, ano2, n. 3, p. 137-159, jan./jun. 2010.