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ETNIA INDÍGENA AVÁ-GUARANI – GUAÍRA/PARANÁ: RETERRITORIALIZAR PARA

RESISTIR E EXISTIR 1

Tiago Satim Karas


UFGD-Universidade Federal da Grande Dourados
satinkaras@gmail.com

GT-3: MOVIMENTOS SOCIAIS E CONFLITOS NA FRONTEIRA


RESUMO
O presente artigo é uma contribuição para a compreensão da situação de descriminação,
degradação dos territórios tradicionais e exclusão social que atravessa os povos indígenas Avá-
Guarani no município de Guaíra, estado do Paraná. Entendemos que para compreender tal
situação, é preciso, antes, compreender o contexto histórico da globalização da produção agrícola
e a consequente expansão de suas fronteiras sobre essa área, obrigando-os a migrar. Após
décadas de terem sido desterritorializados, como um ato de luta e resistência, os indígenas
retornaram as áreas que consideram serem suas terras tradicionais, fato que causou um completo
abandono étnico-social pelos habitantes do município de Guaíra, bem como o poder público,
dificultando, assim, ainda mais as atuais condições de reterritorialização para a sobrevivência da
etnia Avá-Guarani.

Palavras chave: Avá-Guarani, resistência, reterritorialização e exclusão social.

1. Introdução

As condições das comunidades tradicionais indígenas Avá-Guarani do município de


Guaíra/PR inseridas no processo de expansão da fronteira agrícola intensificado pela globalização
desta produção, logo sua expulsão das suas terras de origem, bem como o recente retorno ao
lugar como uma tentativa de reterritorialização; é um dos muitos exemplos do processo de
globalização da produção agrícola iniciado a partir da segunda metade do século XX, acentuando-
se na década de 1960-1970 que atingiu diversas comunidades tradicionais indígenas,
camponeses e quilombolas em todas as regiões do Brasil. O resultado desse processo de
globalização na agricultura causaram a degradação e subordinação de extensas áreas de
comunidades tradicionais no campo, seja com a monopolização/subordinação da produção,

1
Texto elaborado como parte de obtenção de créditos em pesquisa de doutoramento. Bolsista Capes∕DS.
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distribuição e comercialização da produção agrícola camponesa ao agronegócio ou mesmo em
muitos casos a expulsão e desterriorialização de comunidades tradicionais indígenas inteiras das
suas áreas tradicionais.
A globalização da produção agrícola é uma expressão do desenvolvimento capitalista no
campo e não pode ser compreendida separadamente, sua principal característica, é que o
desenvolvimento da produção agrícola local se conecta com o global. A existência dos complexos
agroindustriais e empresas multinacionais da soja, cana, milho, trigo, laranja, café, eucalipto
(celulose), entre outras, é expressão da globalização neoliberal e financeira no campo,
responsável por em alguns casos subordinar a produção camponesa, em outros casos, expulsar
ou extinguir comunidades tradicionais indígenas inteiras. Como a produção agrícola globalizada
concentra-se em um pequeno conjunto de atividades agrícolas, requerendo grandes escalas de
produção, a pequena produção local encontra sérias dificuldades de competir com o agronegócio.
Diante disso e por condição das dificuldades de competir com as grandes produções globalizadas,
as comunidades tradicionais acabam reproduzindo-se subordinados ou expulsos de suas terras.
No entanto tomamos conhecimento de casos de resistência à desterritorialização, como os
indígenas da etnia Avá-Guarani no município de Guaíra/PR.
Com isso podem ser notados ao menos dois momentos distintos; primeiramente, a
expansão da globalização da produção agrícola ocorreu sobre áreas de comunidades indígenas
tradicionais, nesse sentido, foram desterritorializados. O segundo momento, o retorno de
comunidades indígenas sobre as áreas que antes eram de seus domínios, é uma tentativa de
reterritorializar, no entanto, este último processo, o “de volta”, se dá em áreas de atuação da
globalização da produção agrícola. Nos dois momentos distintos o que se coloca em questão é o
controle sobre o espaço, ou seja, o território e por esse sentido é que se trata na visão deste
trabalho de relações de poder.
Dessa forma o objetivo principal desse trabalho é discutir sobre as consequências dessa
relação de poder do retorno das comunidades indígenas tradicionais sobre suas terras de origem.
O movimento de retorno pode indicar situações de degradação humana diferentes de quando
foram expulsos de suas terras. No primeiro momento, a expulsão foi o esgarçamento do território,
pois o processo de globalização da produção não ocorreu preservando as áreas tradicionais
indígenas; a expansão da globalização da produção difundida pelo agronegócio defende que a
área foi “limpa” ou livre da atuação indígena. Com o retorno dessas comunidades, sobre as áreas
do agronegócio, a reterrritorialização só será possível concomitante às áreas de globalização
agrícola. Ou seja, a reterritorialização de comunidades indígenas não será por todo o território do
agronegócio, mas apenas em algumas parcelas desse território, assim o retorno representa o
aguçamento entre relações de poder nos espaços agrícolas, é a representação mais clara, real e

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objetiva da fronteira, terras tradicionais indígenas delimitadas pelas áreas da produção de
commodities agrícolas.
Todas as constatações deste trabalho decorrem das discussões da disciplina de
“Movimentos Sociais e conflitos no Campo”, ministrada pelo professor Dr. João E. Fabrini, do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados
juntamente com a realização de trabalho de campo, como parte da avaliação da disciplina. Na
ocasião do trabalho de campo, visitamos três localidades, duas delas, comunidades tradicionais
indígenas, próximas e de situações parecidas no munícipio de Guaíra, e uma terceira visita a um
assentamento da Reforma Agrária do MST no munícipio de São Miguel do Iguaçu, os três casos
no Estado do Paraná. Para a formulação deste artigo, nos baseamos nas condições de resistência
indígena que vivenciamos nas aldeias indígenas da etnia Avá-Guarani, município de Guaíra. Os
elementos que fomentam essa discussão estão embasados nas conversas com lideranças
indígenas e fotografias feitas na ocasião do trabalho de campo.
Dessa forma, além de buscar compreender a contradição do processo de globalização da
agricultura associado ao processo de expulsão das comunidades tradicionais indígenas da etnia
Avá-Guarani no município de Guaíra esse trabalho pode ser um meio de esclarecer e divulgar as
condições de degradação humana que esses povos estão submetidos no município em questão.
Entre as principais situações encontradas e relatadas pelos indígenas das aldeias; é a
descriminação exacerbada. Decorrentes dessa descriminação que os indígenas estão submetidos
podem ser destacadas o desconhecimento pela sociedade e pelas autoridades do munícipio sobre
os motivos que levaram esses indígenas retornarem às suas terras, ou seja, buscando se
reterritorializar, e a descriminação para com aqueles que estão envolvidos com a questão
indígena na região a exemplo do trabalho desenvolvido pela FUNAI e de pesquisadores e
estudantes que estão sensibilizados com a causa.

2. O espaço da agricultura no processo de globalização

Muito se discute sobre a escala temporal do processo de globalização, buscando


compreender quando, como e onde se iniciou. No entanto, a forma de compreender suas
características, em alguns casos, está associada com o que se pretende dos objetivos de estudo,
pois estudiosos admitem, por exemplo, que tenha se iniciado antes mesmo das Grandes
Navegações, ou em outros casos, que tenha se fortalecido com a Revolução industrial. O que
parece é que o processo de globalização possui características determinantes ao longo da
história, além de manter a sua singularidade de que com a globalização, os processos políticos e
econômicos assumem dimensões globais, ao mesmo tempo e contraditoriamente, apresenta

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particularidades locais, dada a sua não-homogeneização.
Não confere aos objetivos deste trabalho estudar essa evolução da compreensão do
processo de globalização, no entanto, após a segunda metade do século XX, existem questões
importantes para pensar sobre as consequências da globalização nas atividades agrícolas. Como,
por exemplo, as mudanças técnicas e científicas, especialmente as que impactam diretamente no
campo a partir da denominada Revolução Verde. Partimos da compreensão de que essas
mudanças na base produtiva agrícola provocaram mudanças espaço-temporais decisivas que
resultou na submissão e⁄ou expulsão de comunidades indígenas de suas terras tradicionais.
Um dos pressupostos para o entendimento dessas consequências pode ser encontrado na
relação da produção agrícola do espaço camponês versus espaço do agronegócio. Para
compreensão dessas diferenças nos recorremos ao que segundo Santos e Silveira (2008, p. 118)
defende como uma das consequências da modernização do campo; o domínio das inovações
técnicas que são responsáveis por reorganizar a agricultura, no sentido de “criar um novo uso do
tempo e um novo uso do espaço”. O novo uso do espaço e do tempo que os autores acima se
referem, compreende as mudanças técnicas e científicas sobre o ciclo da natureza, intensificação
da produção em grandes escalas, agroquímicos, a modificação genética das sementes,
equipamentos e implementos agrícolas. Devido a essas transformações o “novo uso agrícola” do
espaço é parte do processo de transformação da sociedade que constitui o período “técnico-
científico-informacional”.
Essa racionalidade modernizante da globalização das atividades agrícolas provocou
mudanças substanciais com impactos espaciais multiescalares. Para compreender tal
racionalidade é preciso entender que anterior ao período de desenvolvimento “técnico-científico-
informacional” o local era o núcleo das relações econômicas e extrativistas das comunidades
tradicionais indígenas, ou ainda, o núcleo de produção e reprodução do modo de vida camponês,
assim quem detinha os mecanismos de organização das atividades dos espaços locais, eram os
sujeitos que ocupavam esses lugares. Contrariamente a capacidade singular do espaço local, o
processo de globalização da produção agrícola alterou substancialmente seu espaço e tempo, de
tal forma que o atual padrão de desenvolvimento agrícola mundial é ditado por normas e agentes
em consonância com o padrão de desenvolvimento agrícola mundial.
Por isso que diante dessas mudanças, o local, antes núcleo de produção e reprodução da
cultura, hábitos, costumes das comunidades tradicionais, passa a estar organizados por uma
racionalidade externa, no entanto essa organização precisa contar com normas que organize e
institucionalize suas ações. Assim duas características são essenciais para compreender o
processo de globalização da agricultura. Por um lado, a função de agentes externos que é
desempenhada por um reduzido número de grandes empresas ou corporação que controlam

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quase todos os seguimentos agrícolas. Por outro lado, somente o Estado tem autonomia e
capacidade para abrir o caminho de atuação dessas empresas mediante a institucionalização e
normatização dessas ações em território nacional.
Segundo Santos e Silveira (2008, p. 119) a globalização e modernização da agricultura
criaram “monofuncionalidades no uso da terra”. Trata-se de um desenvolvimento agrícola por um
lado modernizador, por outro lado criador e recriador de relações de dependência, mas funcional
ao capital. Essa racionalidade produtiva modernizante, altamente científica e tecnificada do
desenvolvimento agrícola brasileiro, nega ao espaço a possibilidade e a necessidade de um “uso
plural” e diversificado, porém é essa diversidade é o que torna o espaço singular e não o contrário.
Portanto as possibilidades de uso plural do espaço pelas comunidades tradicionais
indígenas foram capturadas ao introduzir a monofuncionalidade do monocultivo de commodities
agrícolas. Num primeiro momento, essas comunidades ao se encontrarem alijadas dos seus
territórios tradicionais, sem o espaço plural que lhes garantiam a própria reprodução, ou seja, sem
suas referências territoriais, foram expulsos e obrigados a migrarem para outras regiões. Em
Guaíra-Pr, segundo os relatos das lideranças indígenas que a partir dos anos de 2012 começaram
a se reorganizar e retornar para suas terras tradicionais, as comunidades indígenas que viviam na
região até aproximadamente as décadas de 1960 e 1970 migraram para outras regiões do Brasil
como no Estado do Mato Grosso do Sul, ou migraram para o Paraguai devido a proximidades com
suas fronteiras.

3. Reterritorializar para resistir e existir

Após várias décadas de perdas das referências territoriais, a base material e local para a
reprodução dos seus modos de vida, uma parcela de antigos indígenas, novas gerações e
lideranças se reorganizaram e retornaram às terras tradicionais para reterritorializar-se. Tal fato
demonstra o quão importante são as terras tradicionais para a cultura dos povos indígenas, a
posse dessas áreas é como uma garantia de conexão dos seus antepassados para com as
gerações futuras, como frutos da terra; nascem, crescem e morrem na/para a terra, um solo
sagrado ao modo de vida e cultura indígena. A reterritorialização dessa área pela etnia indígena
Avá-Guarani é a única forma de ainda terem uma chance de lutar pela preservação dos seus
hábitos, costumes, cultura.
Segundo Haesbaert (2010) existem muitas concepções da definição de território, mas as
principais definições podem ser divididas, por exemplo, entre; a vertente política, cultural,
econômica e naturalista. Dentro dos objetivos propostos deste trabalho a principal vertente é a
cultural, segundo Haesbaert (2010, p. 40) esta vertente do território “é visto, sobretudo, como o

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produto de apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido”. No
entanto as vertentes política e econômica também estão relacionadas com a proposta desse
trabalho, uma vez que, os principais agentes da globalização da produção agrícola são as
empresas internacionais que atuam no setor agropecuário, que por sinal, é controlado por um
pequeno grupo de empresas, como, por exemplo; segundo Oliveira (2014, p. 2092) “entre os
monopólios de capital estrangeiro que operam no setor de grãos e fibras” destaca-se as empresas
Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus, entre outras. Assim, como exposto a pouco, as vertentes
econômica e política estão inseridas na problemática da globalização da produção agrícola e a
desterritorialização dessas comunidades indígenas, por constituir de “três processos combinados
contraditoriamente, a necessidade de movimentos internacionais de capitais, a produção
capitalista internacional e a existência de ações de governos em nível internacional, estão na base
da formação do mercado mundial” (OLIVEIRA, 2014, p. 2083).
Dessa forma, os conceitos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização
explanados por Haesbaert (2010) fornecem elementos para pensar sobre como as organizações
capitalista, o Estado e os grupos humanos se relacionam, competem ou se complementam para
se organizar em certos lugares. Quem define e afeta a organização do espaço, as relações de
poder, como o próprio autor esclarece o território “pode ser concebido a partir da imbricação de
múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder
mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural”. (p. 79). Assim, estar
territorializado pressupõe que as empresas ou grupos possuem o poder de controlar a
organização do espaço, enquanto que desterritorializados é a situação encontrada quando esses
grupos humanos não possuem mais o poder de intervir na organização do seu próprio espaço.
O processo de globalização acentuou essas mudanças sobre a organização e controle dos
territórios. No campo, essas mudanças provocaram a desterritorialização de uma grande massa
humana resultando na migração das pessoas do campo para a cidade. Segundo Haesbaert (2010,
p. 175) a primeira grande desterritorialização capitalista foi a “expropriação do povo do campo de
sua “base fundiária” e sua transformação em trabalhador livre rumo ao assalariamento nas
cidades”.
Alijados do direito de reproduzirem seus modos de vidas, as pessoas desterritorializadas
foram submetidas a condições sub-humanas de exclusão social, impondo-as necessidade de
migrarem para outros lugares na tentativa de reconstruir suas vidas em outras bases materiais e
sociais. O exemplo do objeto de estudo deste trabalho, da etnia indígena Avá-Guarani é um caso
singular, pois esse grupo humano, desterritorializadas no passado e submetidas a condições de
sobrevivência sub-humanas lutam para se reterritorializar ao retornar às suas terras de origem.
Por se tratar de indígenas essa luta pelos territórios tradicionais há um componente especial de

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culto às terras dos quais seus ancestrais estão enterrados, como nos referimos anteriormente,
essas áreas, solos sagrados é a própria natureza indígena, como frutos da terra.
Diante de tamanha calamidade materializada nas “dificuldades cotidianas pela
sobrevivência material” muitos grupos se reorganizam para lutar e “assegurar a manutenção de
sua identidade cultural, último refúgio na luta por preservar um mínimo de dignidade”.
(HAESBAERT, 2010, p. 92). Isso é o que se acredita que tenha ocorrido com esses indígenas
numa tentativa de reterritorializarem e resistir para existir.
Devido ao tempo do qual os índios Avá-Guarani foram desterritorializados de suas terras
tradicionais há décadas, o retorno desse povo em suas áreas de origem é vista pela maioria das
pessoas, tal qual setores da sociedade municipal de Guaíra, órgãos públicos, e principalmente,
agricultores latifundiários ou mesmo camponeses, preconceituosamente, tratando-se de uma
invasão de terras particulares por índios paraguaios ou mesmo índios de modo geral. As
conversas que obtivemos com lideranças e indígenas da aldeia e as imagens feitas durante as
visitas revelam um sentimento de completo desprezo e descriminação, sentimento de que estão
completamente sozinhos nessa luta.
Passaremos a apresentar na sequência a situação e condições de vida da etnia indígena
Avá-Guarani vivenciada durante a visita a aldeia no município de Guaíra-Pr. As contribuições
apresentadas e discutidas, na sequência, como anteriormente mencionado, foram construídas
com base na interpretação dessa visita, nesta ocasião todos os alunos e o professor envolvido
com o trabalho de campo ouviram as angústias e alguns alunos fizeram algumas perguntas sobre
os mais variados temas relacionados as condições em que se encontram. Nossas interpretações
partem dessas contribuições, sejam anotações em caderno e gravações das falas ou mesmo
sobre nossa interação, recepção, rezas, danças.

4. Avá-Guarani: registros de uma resistência

A área que os índios Avá-Guarani de Guaíra no Paraná estão reivindicando para


demarcação das suas terras, passou por intensas transformações desde sua desterritorialização.
O processo de avanço e consolidação da fronteira agrícola na região Oeste do Estado do Paraná
em franca expansão na década de 1970, marcou o início do processo de substituição dessas
áreas predominantemente camponesa, estruturadas em pequenas propriedades destinadas ao
auto consumo e subsistência, para a implantação de sistemas produtivos de monoculturas
tecnificadas em extensas áreas agrícolas. O esgarçamento do espaço local, antes múltiplo e
diversificado das tribos indígenas da etnia Avá-Guarani da região de Guaíra, também foram alvos
dessa ganância capitalista, transformando a terra em objeto de exploração das commodities

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agrícolas. Com o avanço da fronteira agrícola, as comunidades tradicionais indígenas, assim
como os camponeses, foram obrigadas a deixarem suas terras, ou seja, não viram alternativas a
não ser migrar para outras regiões.
Segundo Santos e Silveira (2008) nos anos 1970 o Estado do Paraná era o local de
expansão da fronteira agrícola da soja, o que segundo Figueiredo (1985, p. 26) esta produção no
Estado, neste período, chegou a representar 23,96% da área total e 24,39% do total da produção
de soja, e que essa expansão da fronteira agrícola ocorreu, também, por substituição das áreas
de cultivos de alimentos, indubitavelmente pressupondo que isso tenha ocorrido sobre as áreas de
subsistência e reprodução do modo de vida camponês e indígena.
Os sobreviventes indígenas Avá-Guarani desse período, relatam, que os grupos indígenas
se separaram e migraram para várias regiões, os principais destinos foram; uma parte migrou
para o Paraguai, outra parte para o Mato Grosso do Sul, passando a morar nas cidades da região
e/ou em acampamentos precários de condições sub-humanas a beira das rodovias. Em muitos
casos esses indígenas foram transformados em mão-de-obra barata nas cidades e no campo;
trabalhadores extremamente precarizados e desqualificados.
Porém a partir do momento em que essas tribos tomaram conhecimento dos seus direitos
e começaram a se reorganizarem, decidiram retornarem a fim de defender e reconquistar as
terras tradicionais indígenas. Devido ao período de aproximadamente quatro décadas que
estiveram desterritorializados, ao retornarem, foram tratados como se nunca tivessem existido ou
que nunca tivesse havido tribos indígenas na região do município de Guaíra. Os primeiros indícios
desse retorno data do ano de 2012. O resultado desse esquecimento social é uma generalizada
situação de descriminação e desrespeito aos povos indígenas que se reorganizaram e retornaram
às áreas consideradas pelos Avá-Guaranis como suas terras tradicionais. Com apoio da FUNAI e
dos estudos antropológicos que tem sinalizado a favor da causa indígena e da demarcação da
área, ocuparam uma pequena área próxima ao município, porém a demarcação ainda não foi
concretizada. No entanto a presença indígena nessas áreas é o principal motivo que tem causado
medo, ameaças, perseguições e desaparecimento de índios com mortes sem que sejam dadas as
devidas explicações pelas autoridades locais.
Como parte das atividades do Programa de Pós Graduação, da disciplina de “Movimentos
Sociais e Conflitos no Campo” realizada no ano de 2015, o intuito do trabalho de campo nessas
aldeias Avá-Guarani, foi conhecer uma experiência de resistência por movimentos sociais no
campo. Neste caso, visitamos as aldeias de Tekoha Jevy e Tekoha Y’Hovy, no município de
Guaíra para conhecermos uma forma de resistência ao processo de desterritorialização indígena
causada pela expansão da globalização da produção agrícola. Na década de 1970 a expansão da
fronteira agrícola da soja foi o pivô dessa desestruturação territorial, social e cultural a esses

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povos, além da produção da soja, atualmente também há presença na região extensa área de
produção da Cana, Milho e forte presença de complexos agroindustriais.
Nas duas aldeias que visitamos fomos recepcionados com dança e reza, pois
tradicionalmente, na cultura indígena, essa é a forma de dar as boas-vindas aos visitantes. As
imagens a seguir mostram um pouco dessa experiência. A figura 01 registra o momento em que
estávamos todos reunidos e conversávamos com as lideranças da aldeia, chamando a atenção a
grande presença do número de crianças.
Na aldeia há uma escola onde os próprios professores indígenas, ensinam o Guarani as
crianças, mas elas, também, estudam nas escolas públicas do município de Guaíra. Ao questionar
uma dessas crianças sobre como é estudar na cidade, ela mencionou gostar de estudar na
escola, no entanto diz que não possuía amigos na escola da cidade, possuía amigos apenas na
aldeia.

Figura 01. Aldeia indígena Tekoha Jevy.


Trabalho de campo: 12-06-2015, foto tirada pelo próprio autor.

O sentimento de descriminação sofrido pelos indígenas é inclusive visível em seus


semblantes, mas tal situação em nada interfere na forma como tratam seus visitantes, com
respeito e cordialidade, embora estejam completamente excluídos da sociedade, não são
indiferentes.
As aldeias visitadas estão completamente isoladas em meio ao agronegócio (figura 02 e
03), com o retorno a essas áreas, os indígenas depararam-se com a completa territorialização do
agronegócio, as matas foram substituídas pelas lavouras, tornando seu retorno e a
reterritorialização nas terras tradicionais indígenas uma situação dramática reforçando a situação
de miséria e exclusão social.

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Figura 02. Aldeia indígena Tekoha Jevy.
Trabalho de campo: 12-06-2015, foto tirada pelo próprio autor.

Nossa principal constatação é de que mesmo com o retorno às áreas tradicionais e a


situação de exclusão e miséria que as aldeias da etnia indígena Avá-Guarani atualmente se
encontram, não estão de fato reterritorializados, embora essa seja umas das poucas chances de
resistir e garantir suas existências (figura 03).

Figura 03. Aldeia indígena Tekoha Jevy.


Trabalho de campo: 12-06-2015, foto tirada pelo próprio autor.

Antes do retorno a essas áreas, muitas pessoas do município de Guaíra nem ao menos se
davam conta de que aquelas terras já tinham sido povoadas por numerosas aldeias. A
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reorganização Avá-Guarani e o retorno às terras tradicionais é um exemplo de uma corajosa luta
para existirem enquanto povos indígenas, do contrário, talvez não se soubessem sobre a história
desses povos, tal como ocorreu com muitas etnias indígenas que foram massacradas e nunca
tomaremos conhecimento da sua existência.
Tanto a reorganização e mobilização das tribos e o retorno às terras tradicionais apontam
como uma das poucas alternativas para terem chances de se reterritorializarem, no entanto não
podem fazer isso sozinho, precisam que a FUNAI conclua e apresente os estudos antropológicos,
que o poder público garanta a segurança nas aldeias e a segurança dos técnicos da FUNAI, que a
justiça e sobretudo o Estado garanta o direito às terras tradicionais pelos povos indígenas. Como
manifesta Haesbaert (2010, p. 371), para que de fato, possamos:

Construir uma sociedade onde não só esteja muito mais democratizado o acesso
a mais ampla multiterritorialidade – e a convivência de múltiplas territorialidades,
mas onde estejam sempre abertas, também, as possibilidades para a reavaliação
de nossas escolhas e a consequente criação de outras, territorialidades ainda
igualitárias e respeitadoras da diferença humana.

5. Considerações finais

Talvez a principal constatação para o enfrentamento entre choques de culturas da nossa


civilização moderna e globalizada contra as culturas tradicionais indígenas, sejam encontradas
explicações nas grandes transformações políticas, econômicas, sociais e culturais após a
segunda metade do século XX com a intensificação do processo de globalização. Primeiramente,
as civilizações modernas e globalizadas, são caracterizadas por mudanças drásticas nos hábitos,
costumes. Como um exemplo dessas mudanças tem o consumismo, mas não somente, pois se
alastra para a política, economia, valores humanos, como de conhecimento, as atuais
características neoliberais dos Estados Nacionais para a defesa dos interesses econômico
capitalista das corporações. Como resultado dessa globalização, muitos grupos humanos se
encontram completamente órfãos dos referencias territoriais e culturais. Em segundo lugar,
contrariamente as características fluídas e móveis cujo consumismo pode ser o maior exemplo, a
presença indígena nesta sociedade, ainda é um indício de luta e resistência pela defesa dos
modos de vida tradicionais, onde a desterritorialização seria o golpe fatal da existência Avá-
Guarani. Portanto, o retorno às áreas tradicionais, é um confronto direto ao modelo de
desenvolvimento moderno e globalizado e por esse motivo, a capacidade de resistir e existir
enquanto Avá-Guarani é, simbolicamente, a capacidade que falta às sociedades modernas, uma
unidade que garanta sua singularidade.
Tratando-se da problemática sobre a globalização da produção agrícola e a consequente
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desterritorialização indígena Avá-Guarani e seu recente retorno às áreas tradicionais, além da
resistência para garantir sua própria reterritorialização, representa também, uma luta e resistência
ao moderno sistema produtivo agrícola altamente científica e tecnificada. Entre as características
dessa produção agrícola moderna e globalizada, podem ser citadas resumidamente os casos de
desmatamento de extensos biomas naturais, contaminação da terra, água e ar por agrotóxicos,
perdas de diversas matrizes genéticas alimentares milenares e sobretudo a generalização da
degradação humana.

6. Bibliografia

COMISSÃO GUARANI YVYRUPA. Guaíra & Terra Roxa: relatório sobre violações de direitos
humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná. Disponível em:
<http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=9438>. Acesso em: 18 de out.
de 2017.

FIGUEIREDO, Adma Hamam de. A Distribuição do Crédito e a Mudança Tecnológica no campo: o


caso do Oeste do Paraná. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
1985.

HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios” à


multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

MAMED, D. de Ouro; CALEIRO, M. Munhoz; BERGOLD, R. Cezar (org). Os Avá Guarani no


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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Mundialização da Agricultura Brasileira. In: Congresso


Iberoamericano de Estudios Territoriales y Ambientales, 6., 2014, São Paulo. Anais do VI
Congresso Iberoamericano de Estudios Territoriales y Ambientales. São Paulo: CIETA, 2014.
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SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e sociedade no início do século XXI.
11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

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