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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

Eduarda Gonçalves Ribeiro de Castro

A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM MODERNO EM HAMLET

São Paulo

2014
2

Eduarda Gonçalves Ribeiro de Castro

RA00077463

________________________________________________

A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM MODERNO EM HAMLET

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo , como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Miguel Wady Chaia

São Paulo
2014
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Eduarda Gonçalves Ribeiro de Castro

A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM MODERNO EM HAMLET

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo , como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Relações Internacionais.

______________________________
Miguel Wady Chaia (orientador)

São Paulo, 20 de Novembro de 2014.


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AGRADECIMENTOS

Ao pensar sobre o que gostaria de escrever, logo me veio a vontade de analisar as


relações da Arte com a Politica. Também logo me decidi pela Literatura. A escolha da obra já
foi mais desafiadora. Li alguns artigos e percebi que teria que ser Shakespeare, o criador do
Sujeito, do Homem Moderno.
Nas pesquisas iniciais me deparei com textos do Professor Miguel Chaia, a grande
referência nos estudos de Shakespeare e Maquiavel e, apesar de saber que lecionava na PUC,
jamais me ocorreu que pudesse ser meu orientador. Após quatro meses de busca por um
professor que pudesse me ajudar, com a ajuda do Professor Paulo Pereira, contatamos o Prof.
Miguel, que se dispôs de imediato a me guiar na construção desse trabalho.
Tê-lo como orientador fez toda a diferença. Seu conhecimento tornou o processo mais
didático, e criou uma ordem para a pesquisa que fez todo o sentido para mim. Por todos esses
motivos, meu primeiro agradecimento vai para ele.
Gostaria também de agradecer ao meu pai, Ricardo, por ser meu porto seguro; por
sempre apoiar todos os meus planos e sonhos e estar sempre ao meu lado. Agradeço também
à minha mãe Patrícia, e à minha avó, Ena, e também à Flavia Penteado, por toda a base de
apoio emocional e espiritual.
Por fim, não poderia deixar de agradecer àqueles que fizeram parte integral desses
anos, mesmo estando a seiscentos quilômetros de distância, nunca deixei de sentir suas
presenças no meu dia a dia; por isso, aos meus irmãos Tiago, Bárbara e Ana Carolina, o meu
muito obrigada.
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RESUMO

Esta dissertação pretende evidenciar a presença das características da Modernidade na obra


“Hamlet”, de William Shakespeare. Por meio da análise da peça, juntamente com a
explicação do contexto histórico e cultural da época, foi possível demonstrar os motivos
pelos quais o personagem do príncipe Hamlet é o mais citado da literatura Ocidental desde
1600. Sua importância reside no fato de que ele ajudou a consolidar uma imagem de um novo
Homem, não mais medieval. Um novo homem que pudesse questionar o status quo moral,
político e religioso de sua época, e que pudesse propor, ativamente, novos caminhos. Para
realizar este trabalho, oito livros das mais diferentes áreas foram utilizados, como: Literatura,
Política e Sociologia. Essa variedade de abordagens foi necessária a fim de mostrar diferentes
prismas de interpretação da obra e da sociedade inglesa daquela época, construindo uma tese
que seria completa e bem sucedida em provar que Hamlet representa, acima de tudo, a
emancipação do Homem Moderno.

Palavras-chave: Shakespeare. Hamlet. Renascimento. Emancipação. Consciência.


Questionamento. Modernidade.
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ABSTRACT

This dissertation aims to highlight the presence of the characteristics of Modernity in the play
"Hamlet", by William Shakespeare. Through analysis of the play, along with the explanation
of the historical and cultural context of the time, it was possible to demonstrate the reasons
why the character of Prince Hamlet is the most cited of Western literature since 1600. His
importance lies in the fact that he helped consolidating an image of a new man, no more
medieval. A new man that could question the moral, political and religious status quo of his
time, and that could propose actively new paths. To accomplish this work, eight books from
different areas were used, such as: Literature, Politics and Sociology. This variety of
approaches was needed to show different angles of interpretation of the play and the English
society of that time, constructing a thesis that could be complete and successful in proving
that Hamlet represents, above all, the emancipation of the Modern Man.

Keywords: Shakespeare. Hamlet. Renaissance. Emancipation. Conscience. Questioning.


Modernity.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 8
1.1Objetivo ..................................................................................................................................................... 8
1.2 Justificativa.............................................................................................................................................. 9
1.3 Metodologia ........................................................................................................................................... 10
2 DESENVOLVIMENTO ................................................................Error! Bookmark not defined.
2.1 Contexto de produção de Hamlet ..................................................................................................... 11
2.1.1 O Renascimento Cultural e o pensamento moderno ....................................................................... 11
2.1.2 A Inglaterra de Shakespeare .................................................................................................................... 14
2.1.3 Vida e obra de William Shakespeare .................................................................................................... 18
2.2 A Obra .................................................................................................................................................... 23
2.2.1 Contexto de produção e resumo da obra .................................Error! Bookmark not defined.
2.2.2 Ser ou não ser, eis a questão ................................................................................................................... 30
2.2.3 Temáticas relevantes .................................................................................................................................. 32
2.3 Diálogo da obra com seu contexto externo..................................................................................... 36
2.3.1 Arte e Política ............................................................................................................................................... 37
2.3.2 Maquiavel e Shakespeare ........................................................................................................................ 39
2.3.3 Shakespeare e a invenção do humano ................................................................................................... 42
3 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 46
REFERÊNCIAS .................................................................................Error! Bookmark not defined.
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1 INTRODUÇÃO

A relação existente entre Arte e Política, mais especificamente Literatura e Política,


vem sendo estudada ao longo dos anos e não se tem dúvidas de que uma influencia a outra
constantemente e paralelamente. O objeto de estudo da Literatura é justamente o universo do
homem, e o homem é um animal político, como já dizia Aristóteles. Assim, muito do que a
Literatura busca explorar, criticar e analisar é justamente os meios pelos quais os homens
exercem a política, o poder sobre os outros.
Do mesmo modo, a própria Literatura acaba também influenciando a política, visto
que é necessário que estadistas leiam e se informem a respeito do que pensam seus cidadãos,
de forma que suas atitudes políticas são também influenciadas imensamente pelo que
escrevem os intelectuais de cada época.
Tendo em vista então que a produção literária está intrinsecamente ligada à política, é
de suma importância destrinchar esta conexão no período do Renascimento, visto que foi
justamente nele que nasceu um Homem diferente daquele Homem medieval que vivia até
então.

1.1 Objetivo

Esta pesquisa pretende evidenciar a presença de características do Homem Moderno


renascentista na obra de Hamlet, escrita pelo dramaturgo William Shakespeare em 1601. A
relevância deste trabalho consiste justamente em fazer um movimento analítico que pretende
mostrar como Shakespeare, por intermédio do personagem Hamlet, traçava um novo padrão
de Homem, o que hoje chamamos de Homem Moderno. Paralelamente aos escritos de
Shakespeare, filósofos europeus, como René Descartes e Michel de Montaigne, faziam este
mesmo trabalho, todos eles vislumbrando já na sociedade renascentista que o modo de agir
das pessoas vinha se alterando, o modo de pensar já não era mais o mesmo. A Igreja católica
perdia sua centralidade na vida dos cidadãos, e crenças antes imutáveis começam a ser
questionadas. O homem vai deixando de ser passivo para se posicionar como Sujeito do
mundo, se emancipando de antigos dogmas e pressupostos.
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1.2 Justificativa

A importância de estudar este tema é, portanto, que este homem Moderno que
começou a ser desenhado no Renascimento foi quem construiu, tempos depois, o Estado
Moderno como conhecemos atualmente, o modelo de Estado centralizado e detentor do
monopólio legítimo do uso da violência. Este mesmo Estado foi responsável por provocar
duas guerras mundiais com outros Estados e, finalmente, por criar o diálogo entre si buscando
construir um Sistema Internacional harmônico. Desde novo Sistema nasce, também, a
disciplina das Relações Internacionais.
“Arte e política: trata-se de um paradoxal encontro, no qual as partes envolvidas
estabelecem instáveis equilíbrios, porém, sempre de fortes intensidades. Por vezes, uma
incômoda reunião, outras vezes, um surpreendente união.”(CHAIA, 2007, p.7). É no espírito
de entender a união entre Arte e Política que este trabalho se inicia. William Shakespeare é
tido como o principal dramaturgo de todos os tempos. Dentre suas inúmeras obras, estão os
consagrados clássicos Romeu e Julieta, MacBeth e o que iremos analisar nesta pesquisa,
Hamlet.
Os escritos de Shakespeare foram imensamente influenciados pelo contexto em que
vivia, o Século XVI. Tal período marcou a história como sendo um período de transição entre
o modelo de organização feudal e a organização do território em Estados centralizados. Essa
organização da vida política centralizada só foi possível graças a uma mudança na
mentalidade dos homens. Essas mudanças foram diversas. O Homem passou a questionar
premissas e dogmas antes aceitos como absolutos. A Igreja não mais seria o eixo de sua vida,
uma vez que passou a ser ativo, Sujeito de si. O Homem não queria mais aceitar que o Clero
ditasse suas formas de conduta e de pensamento. Esse é o processo denominado de
Secularização ou separação entre Igreja e Estado. Além dele, outros tiveram parte
simultaneamente, como o individualismo, a descoberta do homem como Sujeito, e o
heliocentrismo, a descoberta de que o mundo não gira ao redor da Terra e sim do Sol.
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1.3 Metodologia

Para este trabalho acadêmico, utilizaremos como fonte de pesquisa livros que tratem
dos assuntos em questão, tais como: Vida de Shakespeare, História da Inglaterra,
Renascimento, Hamlet, Relação entre Arte e Política. O trabalho se divide em três partes:
“Contexto de produção de “Hamlet””, “A Obra” e, finalmente, “Diálogo da Obra com seu
contexto externo”.
Na primeira parte do presente trabalho, buscaremos adentrar neste contexto histórico
que Shakespeare vivia quando escreveu Hamlet. Primeiramente, faremos um parâmetro geral
do contexto histórico da época de Shakespeare, o do Renascimento. Para isso, utilizaremos
como base os escritos de Alain Touraine. Já no segundo capítulo, o foco será o de evidenciar
como era a Inglaterra renascentista. Como base temos a obra de Woodward. Por fim, a fim de
analisar vida e obra de Shakespeare contaremos com os estudos de Victor Kiernan. A partir
dele, contaremos um pouco da história da vida pessoal do dramaturgo e também de sua vida
profissional, diferenciando brevemente seus três estilos de escrita: os Dramas históricos, as
Comédias e as Tragédias. Trataremos também do período Elisabetano que a Inglaterra
vivenciava, e como Shakespeare convivia neste Estado. Além disso, pontuaremos também as
principais ideias que surgiam de filósofos da época, como Montaigne e Descartes.
Já na segunda parte da pesquisa, trataremos da obra de Hamlet em si. Isto é,
buscaremos explorar como ela foi constituída, sua forma e sua linguagem peculiar. Além
disso, entraremos nas cenas mais importantes de Hamlet, como por exemplo o famoso
soliloquy “to be or not to be”. A análise dos personagens-chave também será feita, tendo
como base de estudo a própria obra de Shakespeare.
Por fim, na terceira parte, que tem como base os escritos do autor Harold Bloom e de
Miguel Chaia, faremos o paralelo entre as duas primeiras partes, isto é, buscaremos
evidências de como o contexto vivido por Shakespeare influenciou sua obra e,
principalmente, a personalidade do personagem Hamlet.
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2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Contexto de produção de Hamlet

2.1.1 O Renascimento Cultural e o pensamento moderno

A História é dividida em quatro grandes períodos pelos estudiosos ocidentais. O


primeiro deles é a História Antiga, e compreende desde a invenção da escrita, em 4.000 A.C,
até a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 D.C. Inicia-se, em 476, a chamada
Idade Média, marcada pela divisão da Europa em feudos e pelas relações de suserania e
vassalagem. A decadência deste modelo de produção e de vida feudais introduz um período
transicional dos mais importantes: o Renascimento, que levaria o Ocidente para um novo
mundo: a Idade Moderna, que perduraria até a Revolução Francesa em 1789. Por fim, desde
1789 até os dias de hoje, vivemos a chamada Idade Contemporânea.
Foi no período do Renascimento que foi produzida a obra foco de nossos estudos:
Hamlet. Indubitavelmente, Shakespeare foi altamente influenciado por este novo modo de
questionamento do mundo introduzido por pensadores contemporâneos a ele e que tiveram
grande influência em suas obras, em especial em Hamlet.
Este trabalho objetiva demonstrar como o homem renascentista, caminhando para a
modernidade, está presente no personagem do príncipe da Dinamarca. Para tal, o presente
capítulo é de suma importância, uma vez que nos auxiliará a compreender quais foram as
mudanças na forma de pensar que tiveram início com o Renascimento italiano e como é este
novo Homem Moderno, o que o constitui, e, mais importante, no que ele acredita.
O Renascimento pode ser definido de forma generalizada como o período de transição
entre o Feudalismo e a Modernidade na Europa. A cronologia é única para cada Estado
europeu, mas seu início foi na Itália em meados do século XIV, chamado pelos italianos de
“trecento”. Em 1500 (“cinquecento”)o movimento torna-se tão grande que se expande para
além das fronteiras italianas, chegando, por exemplo, na Inglaterra, que veremos
detalhadamente no próximo capítulo.
O nome “Renascimento” foi dado por Giorgio Vasari, pintor e arquiteto toscano para
se referir à redescoberta dos valores culturais do Classicismo. Podemos entender a
Renascença como, primeiramente, um resgate aos ideias humanistas dos gregos e dos
romanos, ou seja, uma negação, assim, do período da Idade Média.
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Para este capítulo, utilizaremos como base a obra “Crítica da Modernidade”, de Alain
Touraine. Diversos conceitos são chave para compreendermos o que significou esta
Modernidade, atingida pelo Renascimento.
Primeiramente, a Modernidade tratou de dar maior importância à ciência, dando a ela
lugar de destaque no centro da sociedade. Ao fazer isso, acabou por retirar Deus deste posto.
Isto significou crescente importância da racionalização como meio de se conhecer o mundo.
A aceitação sem questionamentos dos dogmas religiosos perdeu espaço neste novo mundo. O
saber não mais poderia ser restrito ao Clero, mas toda a sociedade deveria ter acesso a ele.

O pensamento modernista afirma que os seres humanos pertencem a um mundo


governado por leis naturais que a razão descobre e às quais ela própria está sujeita. E
ele identifica o povo, a nação, o conjunto dos homens com um corpo social que
funciona, ele também, segundo leis naturais e que precisa livrar-se das formas de
organização de dominação irracionais que fraudulosamente procuram se legitimar
recorrendo a uma revelação ou a uma decisão supra-humana. (TOURAINE, 2008,
p.41)

Temos, no fragmento acima, o conceito de Secularização, um dos mais importantes do


Renascimento. O processo de Secularização nada mais foi do que dividir os terrenos que
ocupariam a razão e a fé. Não se trata, portanto, de negar a fé ou a existência de coisas
divinas, mas sim de afirmar o espaço da razão na organização da vida social e política dos
Estados, e não mais a vontade papal.
O grande precursor desse processo foi o alemão Martinho Lutero (1483 – 1546), que
inspirou diversos governantes a lutar contra o domínio papal a fim de separar as esferas de
influência de Igreja e Estado. Um desses governantes foi Henrique VIII da Inglaterra, que
fundou a Igreja Anglicana para romper com o papado. Veremos mais detalhadamente sua
história no capítulo seguinte.
Além da secularização, uma das características mais importantes da modernidade
trazida pelo Renascimento foi o Racionalismo. Seu grande expoente foi sem dúvida o francês
René Descartes (1596- 1650). Alain Touraine nos mostra em sua obra como o filósofo
considerava perigoso o mundo das sensações, a despeito do que os empiristas afirmavam.
Para ele, os sentidos nos são enganadores, e nos impedem de ver o mundo e sua ordem. O
homem é, na verdade, nada mais que pensamento, independente, pois, de qualquer
materialismo. Esse pensamento reside em nossa Alma, que é totalmente distinta de nosso
corpo. É nessa Alma, que é feita de pensamentos, que devemos confiar, e não no que nosso
corpo percebe a partir dos sentidos.
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Quanto a Deus, Descartes afirma sua existência, uma vez que se temos a ideia de
Deus, é Ele quem faz isso. Não é a partir de nenhum sentido que percebemos sua presença, e
sim pelo simples fato de imaginarmos sua existência. Deus não é, para o francês, um ser
histórico como é o homem. E o homem não é, como Deus, divino; estaria, assim, no meio
termo entre Deus e a natureza. Somos, ao mesmo tempo, corpo e alma.

Assim, o desprendimento da experiência imediata e das opiniões, que a razão


permite, leva simultaneamente o espírito humano a descobrir as leis da natureza,
criadas por Deus, e o homem a definir sua própria existência como a da criatura
criada por Deus à sua imagem e cujo pensamento é a marca que o artesão divino
deixou no seu trabalho.( TOURAINE, 2008, p.52)

Descartes defende, assim, que o Sujeito é aquele que controla as paixões, se baseando
na razão para obter conhecimento acerca do mundo. Das paixões não provêm conhecimento,
mas engano. É necessário, também, reconhecer o Outro como Sujeito, respeitando seu livre-
arbítrio.
A teoria do filósofo baseia-se, principalmente, no dualismo existente no homem.

“Estas duas faces do homem, a do conhecimento racional das leis criadas por Deus e
a da vontade e da liberdade, marcas de Deus no homem, não se opõe uma à outra;
elas se combinam no fato de a vontade e a generosidade serem dadas pela
razão.”(TOURAINE, p.53)

Por fim, adentrando mais especificamente no campo político, não podemos deixar de
mencionar a importância de Nicolau Maquiavel (1469- 1527) para a produção renascentista.
O cientista político realista tem grande proximidade com os escritos de Shakespeare,
conforme veremos na terceira e última parte deste trabalho.
Por ora, é relevante mencionar que Maquiavel foi por vezes interpretado como um
pessimista, quando na realidade o que o estudioso buscou fazer foi mostrar a política como ela
verdadeiramente é. Em sua obra-prima, “O Príncipe”, Maquiavel busca ensinar como
governar vitoriosamente um Estado, no caso a Itália. Seus conselhos são baseados numa
postura individualista e auto-interessada que o governante deveria adotar a fim de manter a
ordem, o que caracteriza o autor como sendo o grande expoente do realismo político, e o que
faz com que se enquadre muito bem no Renascimento, que, também por meio de outros
intelectuais, trouxe os conceitos de individualismo e racionalismo a fim de se obter a Ordem.
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2.1.2 A Inglaterra de Shakespeare

Para que possamos estudar os escritos de Shakespeare, é necessário recordar


primeiramente que “todo artista é produto de sua época”(KIERNAN, 1999, p.12). Sendo
assim, analisar o contexto político e cultural que vivia a Inglaterra no Século XVI é o
primeiro passo acerca de compreender melhor as obras e vivências do dramaturgo.
Shakespeare (1564- 1616) nasceu quando a Inglaterra vivia o governo da Dinastia
Tudor, mais especificamente da monarca Rainha Isabel I, usualmente conhecida como
Rainha Elisabete I, que governou de 1558 até 1603, ano de sua morte. No entanto, é relevante
estudarmos não apenas este período da história da Inglaterra, mas também aquele que o
precedeu. A partir dos escritos de Woodward, em sua obra “Uma história da Inglaterra” , tal
análise se torna possível.
O colapso da Idade Média e do sistema feudal iniciou um novo período na História
Ocidental: a Idade Moderna. O momento de transição entre as duas Idades é chamado de
Renascimento que, como vimos no capítulo anterior, teve sua ebulição em diferentes épocas
para cada país europeu. A seguir, adentraremos mais profundamente no processo da
Inglaterra.
As mudanças ocorridas na Baixa Idade Média que possibilitaram um novo modo de se
ver o mundo não foram pouco numerosas. Uma das primeiras percebidas por Woodward foi
uma sofisticação da população, principalmente da classe média comerciante, responsável por
agregar valor ao ambiente das cidades, em detrimento dos feudos.
O comércio crescente também garantiu poder maior ao dinheiro, que ainda não era
central na vida feudal. Este crescente protagonismo do dinheiro na vida inglesa foi o maior
responsável por fragilizar as relações feudais entre servo e senhor. Agora, era mais
interessante para os senhores cobrarem pelo uso da terra e, a partir dele, receberem dinheiro,
que lhes garantiria poder de compra nas cidades.
Os serviços laborais nunca eram econômicos; a maioria dos lordes verificou ser
mais conveniente aceitar dinheiro em vez de serviços e alugar a mão de obra ou
deixar até de cultivar os seus terrenos. (WOODWARD, 1962, p.73)

Sendo assim, a partir do século XIV na Inglaterra, passou-se a ter uma sociedade que
girava em torno do dinheiro, e na qual o trabalho escravo já não era mais central e nem
mesmo economicamente vantajoso. Os proprietários de terras alugavam seus espaços para
trabalhadores mais simples em troca de dinheiro, e contratavam seus serviços também em
troca dele. Era o embrião do Capitalismo.
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Woodward nos mostra que a Peste Negra viria como catalizadora dessas mudanças em
1348. Ao matar grande parte da população europeia, a mão de obra tornou-se escassa e, sendo
assim, mais valiosa. Criou-se uma concorrência nunca antes vista para obter os produtos e
serviços assalariados.
As mudanças trazidas pelo período do Renascimento não foram apenas de ordem
econômica. Na verdade, elas começaram na Itália como mudanças de cunho cultural. Na
Inglaterra, era possível perceber mais lentamente uma mudança de postura da população com
relação ao estudo e ao conhecimento. A educação tornou-se mais acessível ao longo do
tempo.
Assim, a introdução de novos ensinamentos e de uma nova arte foi devida, em
grande parte, a uns tantos homens ricos, mais diletantes do que eruditos, de espírito
cosmopolita.(WOODWARD, 1962, p.78)

A erudição deixa de ser exclusividade do Clero, como na Idade Média, e o número de


escolas passa a aumentar fortemente na Inglaterra do século XIV. A imprensa é criada e ,
paralelamente, a língua inglesa se dissemina tanto na arte como no comércio.
A vontade de se ter riqueza passa a orientar as relações comerciais, e não mais a
amizade. Entretanto, nem todos tinham acesso ao dinheiro. São os chamados novos ricos
aqueles que detinham o poder econômico em suas mãos. Nascia a burguesia inglesa. Com ela,
a orientação individualista se expande para além do comércio.
Mesmo com todas as mudanças mencionadas acima, ainda não havia na Inglaterra
uma centralização política efetiva, que pudesse dar conta da organização burocrática de toda
essa nova realidade. A população desejava uma ordem nacional, uma monarquia capaz de
lidar com toda essa nova complexidade econômica, cultural e social. Essa monarquia seria,
como nos mostra Woodward, a dinastia Tudor.
A Guerra das Duas Rosas marcara o seu início, com a ascensão de Henrique VII ao
trono inglês, em 1485. Fora o maior exemplo de concentração de poder já visto até então mas,
se comparados com outras dinastias europeias como França e Espanha, seu exército nacional
e burocracia estatal estavam longe de serem absolutos.

Os Tudor tiveram êxito porque – de novo com exceção de Maria – possuíam as


qualidades necessárias para as funções. Estavam acima da inteligência média;
podiam ser cruéis e desapiedados, mas sabiam governar seus
súditos.(WOODWARD, 1962, p.89)

Com a morte de Henrique VII em 1509, seu filho Henrique VIII assume o trono. Fora
ele o responsável por iniciar a Secularização na Inglaterra, isto é, a separação entre Igreja e
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Estado, uma das mais importantes características da Idade Moderna que estava se
consolidando com força na Inglaterra.
Tal separação se iniciou com a vontade do monarca de se divorciar de sua esposa,
Catarina de Aragão. Ao ter seu pedido negado pelo papado, Henrique rompeu com a Igreja.
Este passo ousado contudo só fora bem sucedido graças ao apoio popular que o Rei possuía
(WOODWARD, 1962)
A Inglaterra vinha, assim, seguindo os passos da Alemanha, que havia, com o
luteranismo, inaugurado essa separação entre Igreja e Estado. Em 1533, uma nova Lei vem
reafirmar a Inglaterra como um Estado Nacional independente, concretizando por fim, o
processo de Secularização.
Com a morte de Henrique VIII, assumiu como regente seu tio Eduardo, e,
posteriormente a ele, sua meia-irmã Maria, já em 1553. Ela foi a responsável por anular
diversas leis em vigor e retornou com uma postura católica bem forte. Seu reinado fora
conturbado mas, por fim, sucedido por Elisabete, o foco deste trabalho. Fora na Era
Elisabetana que viveu e produziu William Shakespeare.
A monarca era filha do antigo rei Henrique VIII, uma das figuras mais polêmicas de
toda a história europeia, por ter sido, como vimos acima, o responsável pela criação da Igreja
Anglicana e por seus inúmeros divórcios. Isabel nasceu de um dos casamentos do Rei com
Ana Bolena, que foi executada após o nascimento da garota, logo considerada bastarda e
excluída de seus direitos reais. No decorrer de sua adolescência, no entanto, Isabel retomou o
contato com seus irmãos, e, com muito desgosto a princípio, foi readmitida na corte. Quando
sua irmã e então rainha Maria adoece, a Inglaterra se vê sem herdeiros e declara Isabel como
sua legítima sucessora.
Isabel assume a coroa com 25 anos de idade e inicia um reinado que duraria 45 anos e
que foi denominado Era Dourada inglesa, visto que fora uma época marcada pelo ápice do
Renascimento, com uma produção cultural intensa na literatura e, principalmente, no teatro,
onde nosso objeto de estudos, Hamlet, se insere.
Curiosamente, no momento em que viveu Shakespeare, apesar de o Estado inglês já
ter quase um século de formação, ainda se tinha proprietários de terras que viviam em
maneiras semifeudais, de modo que a transição para a Modernidade não era ainda dada por
completa.
Shakespeare pertenceu a um período de transição, no qual uma ordem antiga e seu
panorama de vida estavam esmorecendo ou desmoronando, e uma nova ordem ainda
estava tomando forma. Havia uma convivência entre a história e a mitologia, a
magia e a ciência, a teologia e a razão. (KIERNAN, 1999, p.23)
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Já pelo prisma religioso, a Inglaterra vivia no século 16 um aprofundamento do


calvinismo, que resultou, para uma parcela considerável da população, no puritanismo, forma
mais radical do protestantismo. Entretanto, a rainha não incentivava esse radicalismo
religioso, de modo que, mesmo com a forte presença dos puritanos, podia-se dizer que a
pressão religiosa em território inglês era menor do que em outros países europeus
(KIERNAN, 1999).
Essa relativa flexibilização religiosa foi muito importante para artistas, uma vez que
tiveram maior liberdade de expressão e de questionamento do status quo político, econômico
e social. Criava-se, assim, terreno fértil para a exposição de ideias de Shakespeare, que, por
meio do teatro, buscou durante sua vida explorar as temáticas políticas, sociais e, no caso de
Hamlet, filosóficas da vida do homem que, pouco a pouco, se emancipava de tudo aquilo que
o deixou preso por tantos séculos, desconstruindo o modus vivendi até então. Era “um tempo
em que as janelas cobertas por teias de aranha se abriam e as visões de horizontes mais
amplos já eram possíveis”(KIERNAN, 1999, p.16)
As expressões culturais na Inglaterra eram muitas, e, cada vez mais ao longo do
Renascimento cultural, a arte se profissionalizava. Se antes era feita por andarilhos humildes,
agora membros da nobreza e da classe média eram responsáveis pela produção cultural, que
tinha suas mais diversas formas. Foi, no entanto, uma dessas formas a responsável por criar
uma cultura nacional moderna.
O método que Shakespeare escolheu para exercer sua arte e expressar suas ideias não
foi obra do acaso. O teatro era o meio cultural mais difundido na Inglaterra elisabetana, e não
é possível estudar esse período sem mencionar a importância dessa expressão social e
artística.
O teatro era mais presente na forma de drama, que já era, por si só, cosmopolita e
tipicamente inglês. As interpretações ganhavam vida nos palcos por todo o país, e imbuíam os
cidadãos à tomada de consciência sejam eles, em sua maioria nobres, mas também
representantes das classes sociais menos afortunadas e da crescente burguesia. (KIERNAN,
1999)
Mesmo com a audiência sendo predominantemente composta por membros de classes
mais ricas, o teatro era o mais próximo de uma instituição democrática. “Elizabeth e seus
cortesãos apreciavam os mesmo espetáculos que seus súditos; pouquíssimas peças
representadas para eles eram escritas especialmente para esse fim.”(KIERNAN, 1999, P.54)
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Temos, assim, as evidências de que o teatro fora nesta época, não só importante
veículo de cultura, mas também de pensamentos políticos e sociais, mesmo que por muitas
vezes disfarçados em meio ao sarcasmo e sátira típicas das peças da época.
A Inglaterra elisabetana foi, em suma, muito forte, em todos os sentidos.

Elisabete, ainda mais do que Henrique VIII, foi o símbolo de um país favorecido
pela fortuna e capaz de se defender pelas suas ações. O orgulho nacional não era
injustificado. A Inglaterra salvara a si própria; havia indícios visíveis de seu bem-
estar.(WOODWARD, 1962, p.110)

Essa foi a Inglaterra em que Shakespeare nasceu, cresceu e produziu suas obras.
Foram todos os elementos mencionados neste capítulo os responsáveis por influenciar o
pensamento e o modo de expressão do dramaturgo. A partir desse contexto histórico, somos
capazes, então, de adentrar mais profundamente na vida e na obra de William Shakespeare.
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2.1.3 Vida e obra de William Shakespeare

“Podemos vê-lo muito menos como um conservador do que como um “preservador”,


um apreciador dos valores civilizados derivados de todas as classes e gerações passadas e
presentes.”(KIERNAN, 1999, p.13)
A partir dos escritos de Victor Kiernan, é possível que tenhamos uma boa
compreensão da vida e obra de Shakespeare. Utilizaremos, assim, seu livro “Shakespeare:
Poeta e Cidadão” como base neste capítulo, a fim de capturar ao máximo a essência do
dramaturgo inglês.
Nascido em Stratford-Upon-Avon em 1564, William Shakespeare foi filho do prefeito
da cidade e da filha do mais rico fazendeiro de sua região. Esse contexto familiar do
dramaturgo nos possibilita inferir que ele teve uma infância bastante privilegiada
financeiramente para os padrões da época.
Foi na adolescência, contudo, que a situação de Shakespeare foi se dificultando, na
medida em que seu pai perdeu o posto político, chegando a passar por problemas financeiros.
Estudiosos relacionam essa adolescência turbulenta com a desorientação e o radicalismo
mostrados pelo autor em algumas de suas obras. (KIERNAN, 1999)
Estima-se que o dramaturgo começou a escrever em 1590, aos 26 anos, quando se
mudou da cidadezinha de Stratford para Londres, possivelmente já encantado com a arte do
teatro. A situação da arte neste ano era favorável a Shakespeare, pois muitos escritores de
teatro famosos deixaram de produzir novas obras, o que certamente proporcionou maior
espaço e oportunidades para o nosso autor.
Motivado, seja pela crise familiar, seja pelo meio artístico, a sinceridade começa a ser
o primeiro traço marcante das obras de William Shakespeare. Além dela, o autor valoriza
bastante as relações humanas baseadas na lealdade, e usa em suas peças de muitos momentos
como despedidas e separações para enfatizar o valor de se construir relações sociais valiosas.
Em 1608 Shakespeare volta a Stratford, onde ainda escreveria mais algumas peças, e
onde por fim morre em 1616. Deixa a esposa e 2 filhas em vida, sendo que seu filho Hamnet
morrera aos 11 anos em 1596.
No que se refere à sua obra, o legado de Shakespeare é extenso. Deixou
aproximadamente 38 peças teatrais, 154 sonetos e diversos poemas. Seu estilo de escrita
variou desde comédias, tragédias e dramas históricos. A obra em análise, Hamlet, se enquadra
como uma das tragédias do dramaturgo. É importante relembrar alguns exemplos de obras
famosas de cada um dos seus estilos.
20

Como Comédia temos “Sonho de uma noite de verão” e “O mercador de Veneza”. Já


como Tragédia vale lembrar de “Romeu e Julieta”, “Macbeth” e o próprio “Hamlet”. Por fim,
como Dramas Históricos ressaltam-se “ Rei Henrique VIII” e “Rei Ricardo III”.
Começaremos a análise a partir dos Dramas Históricos, maior volume de produção do
autor. A relação íntima existente entre as obras de Shakespeare e a história da Europa é, para
Kiernan, de suma importância. Fora ele um dos responsáveis por transmitir aos seus
espectadores por meio do teatro informações sobre acontecimentos históricos da Inglaterra e
da Europa, aproximando a população desse tipo de conhecimento. Tal aproximação é mais
evidente nos seus 13 dramas históricos. “Coleridge observou que muito do conhecimento
sobre homens e eventos passados, ainda vivos na mente do público, resultou das peças de
Shakespeare”(KIERNAN, 1999, p.61)
Entretanto, o modo pelo qual o dramaturgo escolhia tratar os fatos históricos não foi
sempre o mesmo. Nos primeiros dramas históricos buscava atuar como um guardião da
história, nas palavras de Kiernan. Agia assim, como um propagador e replicador desses fatos
históricos, sem buscar alterá-los ou mesmo criticá-los.
Ao longo do tempo, Shakespeare deixou de apenas reproduzir fatos históricos em suas
peças e passou a usar a história à mercê de sua interpretação e visão do mundo. Passou, assim,
a explorar as contradições entre história e realidade, criando sempre novos questionamentos.
Dentre os dramas históricos escritos pelo inglês, alguns temas estavam sempre
presentes nas narrativas. O primeiro apontado por Kiernan é a monarquia. De acordo com o
estudioso:
A visão que Shakespeare tinha da história era pragmática, e não mística. A realeza
pode ser “divina”, mas somente enquanto for útil, embora ele esteja pronto a fazer
uso de quaisquer ideias surpreendentes que possam causar efeito dramático.
(KIERNAN, 1999, p.118)

Ao longo de seus dramas históricos, Shakespeare deixa de tratar demasiadamente dos


direitos de um monarca e passa cada vez mais a tratar dos deveres dos monarcas para com a
população. Enxerga-os cada vez menos como intocáveis ou inquestionáveis e passa a
demonstrar uma postura mais exigente, como próprio cidadão, de seus direitos. Essa é uma
das características que vemos nascer do homem moderno. Aquele que não mais aceita
passivamente as imposições de seus governantes ou de uma religião, mas que busca
explicações plausíveis acerca de praticamente tudo aquilo que o cerca. Essa postura
questionadora e ativa perceberemos mais a frente no personagem Hamlet, centro do estudo
deste trabalho.
21

Além da temática da monarquia, os dramas históricos de Shakespeare também


abordam bastante a guerra. Para Kiernan, o dramaturgo utiliza bastante imagens de guerra em
seus dramas, porém não se preocupa muito com pormenores de como acontecem as batalhas.
Para Shakespeare, a guerra é importante porque revela a alma do guerreiro no combate corpo-
a-corpo.
Com a evolução das táticas de guerra, o corpo-a-corpo que tanto emocionava o
dramaturgo vai perdendo lugar para as armas de fogo, como o canhão. Essas representam a
modernidade que chega e desconstrói o modus vivendi até então conhecido. “As armas de
fogo estavam desumanizando a guerra, anulando suas qualidades heroicas.”( KIERNAN,
1999, p.147)
Mesmo com as novas armas pouco louváveis, Shakespeare mantêm seu esforço de
tentar passar ao espectador uma imagem de guerra refinada, pouco bárbara. Entretanto, aos
poucos é possível perceber, de acordo com Kiernan, uma descrença do dramaturgo crescente
com a guerra de forma geral.
Além da guerra e da monarquia, outro tema importante dos dramas históricos é o
nacionalismo. Shakespeare fora, possivelmente, o autor inglês mais patriota de sua época.
Em seus dramas trata diversas vezes de tudo aquilo de glorioso que a Inglaterra era e podia
ser. Tal amor não vem sozinho: junto a ele caminha um sentimento de ódio pelo estrangeiro,
principalmente pela França. O dramaturgo busca mostrar repetidamente a superioridade de
seu povo sobre os franceses.
Entretanto, há algo de curioso no nacionalismo apresentado por Shakespeare. Apesar
de seus personagens amarem sua terra, não sentem o mesmo por seus conterrâneos. “Dai a
união nacional só pode ser precária. Os dramas históricos estão cheios de pressentimentos
inquietantes sobre o conflito civil, o que sempre fora considerado uma possibilidade
desagradável,”(KIERNAN, 1999, p.160)
Parece-nos que a vontade de ameaçar os conterrâneos era a mesma do que ameaçar o
estrangeiro nas obras de Shakespeare. A solução para esse sentimento seria, então, de sempre
reforçar a ideia do inimigo estrangeiro e não cessar em encontrar constantes motivos para
novos conflitos com eles, buscando, assim, manter o Estado Nacional unido. “Os triunfos no
exterior são a melhor garantia de um trono.”(KIERNAN, 1999, p.162)
Por fim, um último tema que consideramos relevante para expor é a religião. Para
Kiernan, não podemos afirmar que Shakespeare tivesse a intenção de doutrinar seus
espectadores. Ao contrário, os valores que defende são mais generalistas, como ser bom e
honesto. “Seus bons homens e mulheres são espontaneamente bons, graças a sua natureza e
22

porque se sentem suficientemente em harmonia com a vida para estarem acima de


mesquinharias e inveja.”(KIERNAN, 1999, p.165)
Não acreditamos, assim, que o dramaturgo fosse guiado em suas obras por uma crença
na Providência. De fato, em alguns momentos, é possível perceber em suas peças uma
vontade de acreditar nela, mas nada mais concreto do que essa vontade. De um modo geral, a
temática da religião nos Dramas Históricos é mais vezes relacionada à politica e ao
negativismo do que aos valores éticos e bons.
Entretanto, não apenas de Dramas Históricos é composto o portfólio de obras de
Shakespeare. As comédias também merecem um importante destaque na produção do autor. É
perceptível que o dramaturgo tinha o dom da ironia e do sarcasmo, e suas comédias não
poderiam deixar de conter esses elementos tão característicos a ele.
Kiernan afirma que as aventuras de Shakespeare na comédia fossem talvez uma fuga
aos temas sérios que tratava em diversas obras nos seus dramas históricos. O estudioso
também demonstra que o talento maior do artista não era com esse gênero. Seu maior sucesso
fora com “Sonho de uma noite de verão”, que em termos de renome fica ainda bastante
inferior aos Dramas Históricos e às Tragédias.
Nas comédias, percebe-se uma fuga dos lugares tradicionais, como Inglaterra, dando
espaço a novos ambientes, como a Itália. Além disso, suas temáticas costumam se repetir em
diversas obras. Shakespeare utilizou bastante o humor e a espirituosidade, além das relações
entre homens e mulheres, que o autor gostava de retratar como um meio-termo entre ideal e
mundano, como nos mostra Kiernan. Suas comédias eram também repletas de assuntos dos
Estados, uma vez que Shakespeare nunca deixava de ser um crítico social. Usava de suas
comédias para ironizar e repudiar comportamentos que julgasse incoerentes, como guerreiros
que fingiam ter coragem.
Adentrando, por fim, nas obras de Tragédia, chama especial atenção o fato de Hamlet,
a obra em estudo neste trabalho, se incluir nesse gênero. As tragédias de Shakespeare se
aproximam do humor de seus dramas históricos, que também tendem a ser mais pessimistas.
A primeira obra neste gênero considerada por Kiernan é “Tito Andrônico”, de 1594. Também
de acordo com o estudioso, o dramaturgo inglês preferiu se especializar nos dramas históricos
em detrimento das tragédias e dos poemas, dando a eles também uma pitada de tragédia em
suas narrativas. Entretanto, nos últimos anos de sua vida, Shakespeare mergulha no chamado
“período trágico.”
23

Para Kiernan,
Desde o início, ele tinha um impulso para o trágico; seu “período trágico” seria uma
intensificação disso, um eclipse do espírito cômico e não uma nova criação. (...)
Shakespeare aprenderia gradualmente a destilar o espírito da tragédia, na forma mais
elevada que a humanidade já conheceu. (KIERNAN, 1999, p.353)

A temática preferida para o espírito trágico de Shakespeare era o desejo e a busca


incessantes pelo poder, tornando- se, para muitos personagens, uma doença que por vezes
chegou a causar suas mortes.
É inegável a presença do pessimismo nas obras do dramaturgo. Mesmo suas comédias
e seus dramas históricos são recheados de ironias, sarcasmos e desastres. “Suas comédias
mostram o quão tolos e egoístas os seres humanos podem ser; seus dramas históricos mostram
o quão pavorosos e horrivelmente infelizes eles podem ser.”(KIERNAN, 1999, p. 358)
Ao longo de sua vida e obra, Shakespeare caminhou com estes elementos, até que, por
fim, atingiu a verdadeira e pura Tragédia, como em 1602, com Hamlet, que viria a ser uma de
suas últimas obras.
24

2.2 A Obra
2.2.1 Contexto de produção e resumo da obra

Não há consenso entre os estudiosos de Shakespeare acerca de quando precisamente a


obra foi escrita. O que se sabe, por certo, é que foi em algum momento entre 1599 e 1603.
A inspiração de Shakespeare ao escrever a obra é também objeto de debate. Alguns
apontam que Hamlet teria sido baseada na história de Amleth, de 1514. Outros afirmam que,
na realidade, se baseia em uma peça de teatro chamada Ur-Hamlet. Uma terceira vertente
ainda aponta que o dramaturgo se baseara em ambas obras.
De qualquer forma, mesmo que tenha usado o enredo como inspiração, a
complexidade e seriedade dos temas tratados é, sem dúvida, mérito de Shakespeare. Isso se
torna óbvio ao verificarmos que Hamlet se tornou a peça de teatro mais famosa da história,
com incontáveis montagens ao redor do mundo, há mais de 400 anos.
Para relembrarmos a primeira parte deste trabalho, retomaremos o contexto histórico
em que Shakespeare escreveu Hamlet. Nesta época, governava a Rainha Elisabete, isto até
1603, ano de sua morte. Assim, podemos afirmar que Hamlet foi produzida ainda durante o
governo da monarca.
O dramaturgo vivia seu auge na escrita, tendo começado sua carreira em 1585 e
terminado em 1614. Além disso, estava focado na produção de suas tragédias, como também
vimos anteriormente. Hamlet foi, sem dúvida, a obra mais importante desta fase do autor.
A peça era consideravelmente mais longa que as da época, e poderia chegar a durar
quatro horas de encenação, tão densa e complexa é sua narrativa. Outra diferença bem
importante de Hamlet é que, ao contrário das peças da época, que focavam na ação dentro do
palco, Shakespeare construiu uma longa peça baseada na inação. O foco era, então, nas
reflexões do personagem Hamlet.
Adentrando na peça em si, usaremos como base a versão publicada pela Universidade
de Cambridge em 2012, que possui o texto integral no inglês arcaico, além de uma introdução
explicativa feita pelo estudioso Philip Edwards, a qual utilizaremos em capítulos seguintes.
Por ora, ficaremos com a sinopse da narrativa.
A peça se passa na Dinamarca no período de transição entre o governo do Rei Hamlet
(que acabara de morrer) e o Rei Cláudio (seu irmão). O filho do antigo monarca, também
chamado Hamlet, é o personagem central da obra. A então rainha e mãe do jovem Hamlet,
Gertrudes, logo após a morte de seu marido, casa-se com o irmão dele, deixando seu filho
25

extremamente revoltado, como podemos ver no diálogo abaixo entre o jovem Hamlet e seu
amigo Horácio:

HORATIO: My Lord, I came to see your father’s funeral.


HAMLET: I pray thee do not mock me fellow student,
I think it was to see my mother’s wedding.
HORATIO: Indeed my Lord, it followed hard upon.
HAMLET: Thrift, thrift, Horatio. The funeral baked meats
Did coldly furnish forth the marriage tables. (SHAKESPEARE, 2012, p.103)1

Logo nas primeiras cenas já podemos perceber que a peça de fato não se encaixava
nos padrões da época. Temos a aparição do fantasma do Rei Hamlet que conta a seu filho que
sua morte não fora acidente, mas assassinato, e que “ sleeping in my orchard, a serpent stung
me. (...) The serpent that did sting thy father’s life now wears his crown.”( SHAKESPEARE,
2012, p.119)2
Ou seja, fora seu tio, agora Rei Cláudio, que assassinara o então Rei Hamlet, seu pai, e
se casara com sua mãe. O fantasma pede ao filho que vingue sua morte, mas que não faça mal
a sua mãe. Neste momento temos uma importante afirmação, a de que algo estaria podre no
reino dinamarquês. (SHAKESPEARE, 2012)
Paralelamente ao sofrimento de Hamlet pela traição de sua mãe e morte de seu pai, há
um breve romance entre o jovem e Ofélia, que é desencorajado pelo pai da jovem, Polônio,
um dos Lordes dinamarqueses. A justificativa dada pelo pai a sua filha é a de que Hamlet não
nutria sentimentos sinceros pela garota.
Logo após encontrar o fantasma do pai, Hamlet age de forma estranha com Ofélia,
proferindo frases sem sentido, o que faz Polônio concluir que ele estava louco de amor por
sua filha. O lorde segue, então, para contar essa suspeita ao Rei Cláudio.
Chegando ao castelo, Polônio explica ao Rei e à Rainha que acredita ter descoberto o
motivo pelo qual Hamlet enlouquecera. A Rainha logo afirma que sabe qual era o motivo: a
morte de seu pai e o casamento abrupto de sua mãe com seu tio. O lorde, entretanto, afirma

1
Traduções da autora:
Horatio: Milorde, vim para o funeral de seu pai.
Hamlet: Espero que não esteja me zombando amigo, acredito que você veio para o casamento de minha mãe.
Horatio: De fato, milorde, um logo seguiu o outro.
Hamlet: As sobras do funeral foram reaproveitadas para este banquete de casamento.
2
Dormindo no pomar, uma serpente me picou. A serpente que tirou a vida de seu pai agora usa sua coroa.
26

que a loucura de Hamlet era o amor por sua filha, Ofélia. Para testar essa hipótese, Polônio
encontra o jovem e ele começa a falar frases desconexas, principalmente nesta importante
passagem:
“ POLONIUS: (...) what do you read, my Lord?
HAMLET: words, words, words.” (Hamlet, act 2, scene 2, p.139)3
De fato, não podemos afirmar se Hamlet realmente estava perturbado com as
revelações do fantasma de seu pai, ou se estaria fingindo a loucura. De qualquer modo, essa
passagem é suficiente para convencer sua mãe e seu tio de que o garoto realmente não estava
são.
Quando deixado sozinho, Hamlet tem um pequeno monólogo no qual sofre por se
pensar um covarde, pois ainda não começara a planejar como vingaria a morte de seu pai.
Após o sofrimento, ele se concentra e junta suas forças visando um objetivo: ter certeza de
que seu tio realmente matara o antigo rei. O jovem pensa em montar uma cena de teatro na
qual ocorresse uma morte igual a de seu pai. O Rei, ao assistir essa performance, demonstraria
ou não em sua expressão facial a sua culpa. Hamlet observaria até tirar sua conclusão, uma
vez que não era extinta a possibilidade de o fantasma não ser seu pai, mas um demônio
mentiroso.
Hamlet então pede ao Rei e a Rainha que assistam a uma peça de sua autoria, com a
ajuda de atores viajantes. Todos concordam, uma vez que poderia ajudar a curar a loucura do
jovem.
Antes da peça, Polônio e o Rei combinam de forjar um encontro entre Hamlet e
Ofélia, para tentar descobrir se a causa da loucura do jovem era o afeto pela moça. Hamlet
entra em uma sala sozinho enquanto Ofélia, seu pai e o Rei aguardam escondidos, e profere
seu mais importante monólogo, e um dos que ficariam marcados para sempre na história da
humanidade: o soliloquy “ser ou não ser”.
Esse monólogo, por sua importância, terá um capítulo a ele dedicado mais adiante
neste trabalho. Por ora, basta dizer que se trata de uma reflexão sobre a vida, a morte e o
destino afetando nossas existências.
Logo Ofélia entra e Hamlet nega que a ama, e ainda afirma que a jovem nunca deveria
ter acreditado em suas palavras, uma vez que ele, assim como todos os humanos, por mais
que tentem ser virtuosos, não o são. Hamlet completa seu discurso sugerindo que Ofélia vá
para um convento, visto que lá ainda teria uma chance mínima de ser virtuosa.

3
POLÔNIO: O que você está lendo, milorde?
HAMLET: palavras, palavras, palavras.
27

O Rei, diante do presenciado, afirma que Hamlet não ama Ofélia, e que não está
louco, mas sim muito triste e revoltado com algo, e que isto pode ser perigoso. Para evitar o
perigo, decide enviá-lo à Inglaterra para que pudesse respirar novos ares, mas fica de
combinar isso com sua mãe.
Chega, finalmente, o momento da peça de Hamlet. Todos se sentam para assistir e
Hamlet profere para Ofélia um discurso recheado de ironia a respeito de como sua mãe estava
tão feliz logo após a morte de seu pai.
Os atores performam, então, a cena de envenenamento que o fantasma descrevera a
Hamlet, e, imediatamente após o fim da cena, o Rei Cláudio se levanta passando mal. Hamlet
e Horácio logo concluem que ele foi, de fato, o assassino do Rei Hamlet.
O Rei Cláudio planeja enviar Hamlet à Inglaterra por considerá-lo fora de controle.
Polônio promete que, antes, tentaria ouvir a conversa de Hamlet com sua mãe para garantir
que ela não enfraqueça sua atitude. Em seguida, temos o marcante diálogo entre mãe e filho,
marcado por rancor e mágoa:

GERTRUDE: Have you forgot me?


HAMLET: No by the rood, not so. You are the queen, your husband’s brother’s
wife, and, would it were not so, you are my mother. (SHAKESPEARE, 2012,
p.187)4

A rainha grita por socorro, assustada com a agressividade das palavras de seu filho, e
Polônio, escondido na cortina, grita também. Hamlet pergunta se ouvira um rato, vai até a
cortina e mata Polônio.
A rainha, apavorada, questiona seu filho, que resolve contar toda a verdade a ela,
causando, no entanto, bastante sofrimento por suas palavras duras. De repente, o fantasma do
Rei Hamlet reaparece e pede ao filho que ajude a fraca mãe e se vingue apenas em seu tio. A
rainha não vê o fantasma e Hamlet sai de cena.
Gertrudes conta ao Rei que Hamlet matara Polônio e que estava completamente louco.
O Rei, pensando politicamente, entende que prender Hamlet seria ruim para a imagem de seu
governo, visto que o jovem príncipe era muito querido por todos. Decide então, enviá-lo para
a Inglaterra e acobertar o assassinato de seu amigo. Planeja, além disso, pedir ao Rei da
Inglaterra que mate o jovem enquanto lá estiver.

4
Tradução da autora:
GERTRUDES: Você me esqueceu?
HAMLET: Não, não esqueci. Você é a Rainha, a esposa do irmão de seu marido e, embora eu quisesse que não
fosse, você é minha mãe.
28

Enquanto Hamlet se dirige para a Inglaterra, sofre novamente com sua inação, que
vemos durante boa parte da peça. Seu desejo de vingança não era ainda suficiente para fazê-lo
agir, e ele se pune se chamando de covarde, mas promete que efetivará sua vingança.
Paralelamente, na corte dinamarquesa, Ofélia enlouquece após a morte de seu pai, e
promete contar a seu irmão Laertes o ocorrido. O Rei teme vingança por parte do jovem. Um
mensageiro anuncia que, de fato, o irmão e Ofélia pretendem tomar o reino da Dinamarca
para si e que o povo os estaria apoiando.
Laertes entra de supetão no salão real e promete ao Rei vingar a morte de seu pai. O
monarca jura ao jovem que não foi ele quem matou Polônio, e conta que fora, na verdade, o
jovem Hamlet, e que estaria planejando algo para vingar a morte do pai de Laertes. Logo em
seguida, o príncipe Hamlet anuncia por carta que está voltando à Dinamarca.
Subitamente, surge mais uma morte: Ofélia havia se matado, afogada num rio.
Todos seguem para o cemitério, no qual um interessante diálogo entre dois coveiros
acontece. Um deles questiona se a jovem receberia um funeral cristão mesmo tendo cometido
suicídio. O amigo afirma que sim, por ordem do juiz e pelo fato de ela ser rica.

OTHER: Will you ha’ the truth on’t? If this had not been a gentlewoman, she should
have been buried out o’ Christian burial.
CLOWN: Why, there thou sayst – and the more pity that great folk should have
countenance in this world to drown or hang themselves more than their even-
Christen. (SHAKESPEARE, 2012, p.226)5

Apesar de os coveiros serem descritos como palhaços, fazem uma denúncia muito
grave na passagem acima. Podemos supor que Shakespeare escolheu retratá-los como bobos
justamente para disfarçar a gravidade daquilo que estavam dizendo, como que para amenizar,
ou mesmo anular, a crítica dura à aplicabilidade da moral e das leis de forma desigual para
classes sociais diferentes.
Em sequência, temos outra cena importantíssima: Hamlet, já de volta à Dinamarca,
reflete sobre a vida ao segurar um crânio humano. Fica perplexo ao pensar que aquilo que
tinha em suas mãos pode ter sido a cabeça de qualquer pessoa, de um político, de um
assassino, de um cidadão comum, e que, agora, pertencia às minhocas.

5
Tradução da autora:
OUTRO PALHAÇO: Você quer saber a verdade? Se ela não fosse rica, não teria um enterro cristão.
PALHAÇO: Agora você disse. É uma pena que os ricos tenham neste mundo mais liberdade para se afogarem
ou se enforcarem do que os pobres igualmente cristãos.
29

O príncipe caminha pelo cemitério, conversando com os coveiros e com seu grande
amigo Horácio e perplexo com todos aqueles restos mortais, que, uma vez que a vida os
deixou, não possuem mais valor algum.
O enterro de Ofélia se inicia e o padre mostra extrema relutância em enterrá-la com
todos os rituais cristãos, e afirma que só o está fazendo por ordens do Rei. Laertes e Hamlet
pulam na cova e começam a brigar.
Hamlet conta a seu amigo Horácio que descobrira, no caminho para a Inglaterra, que
havia uma ordem do Rei Cláudio para matá-lo, e como ele trocara a carta com a ordem por
outra. Horácio concorda que o príncipe deve matar o Rei imediatamente.
A conversa dos amigos é interrompida por um mensageiro que informa a Hamlet que
Laertes o está desafiando para um duelo de esgrima. O príncipe aceita imediatamente e se
dirige ao local da disputa. Pede desculpas a Laertes e diz que sua loucura foi responsável pelo
assassinato de Polônio. A luta, assim, se inicia.
Hamlet começa ganhando, e a Rainha bebe, por engano, uma taça de vinho - que havia
sido envenenada pelo Rei para dar a Hamlet- e cai morta. Hamlet troca de florete com seu
oponente no corpo a corpo, e o acerta. Laertes cai, morto pelo veneno de seu próprio florete.
Hamlet ataca o Rei com o florete envenenado e o obriga a beber também do vinho. O Rei
morre. Hamlet, que também havia sido envenenado pelo florete de Laertes, e, já sabendo que
morreria, ordena que se fechem as portas.
O príncipe, por fim, se despede do amigo Horácio e pede que ele conte a todos tudo
aquilo que acabara de acontecer.
Do lado de fora da sala, Fortinbrás chega e anuncia que tomara a Dinamarca para si.
A peça termina da seguinte forma:
FORTINBRAS: Bear Hamlet like a soldier to the stage, for he was likely, had he
been put on, to have proved most royal; and for his passage, the soldier’s music and
the rite of war speak loudly for him. (SHAKESPEARE, 2012, p.254)6

6
Tradução da autora:
FORTIMBRÁS: Tenham Hamlet como um verdadeiro soldado, pois ele teria provado, se tivesse tido a
oportunidade, muito mais realeza; e, para sua passagem, as musicas militares e seus rituais serão apropriados.
30

2.2.2 Ser ou não ser, eis a questão

A expressão “ser ou não ser, eis a questão” é tão famosa que se aproxima de um ditado
popular. A maioria das pessoas nem imagina, no entanto, que essa curiosa frase, quase
humorística, é parte de um dos discursos mais densos e complexos da história da literatura
ocidental.
Chama-se de soliloquy uma reflexão feita por um personagem apenas a si mesmo e à
plateia por meio da qual são expressos sentimentos e questionamentos. É geralmente utilizado
em obras de Tragédia.
Shakespeare, em Hamlet, escreveu seis soliloquies, sendo o mais importante deles,
sem dúvida, o “to be or not to be. Não há um consenso a respeito da interpretação dessa
passagem, as análises são muitas e diversas. Para o presente trabalho, seguiremos a análise
feita por Philip Edwards na edição de Hamlet da Universidade de Cambridge.
To be, or not to be: that is the question:
Whether 'tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them? To die: to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, 'tis a consummation
Devoutly to be wish'd. To die, to sleep;
To sleep: perchance to dream: ay, there's the rub;
For in that sleep of death what dreams may come
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause: there's the respect
That makes calamity of so long life;
For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor's wrong, the proud man's contumely,
The pangs of despised love, the law's delay,
The insolence of office and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,
The undiscover'd country from whose bourn
No traveller returns, puzzles the will
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all;
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o'er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pith and moment
With this regard their currents turn awry,
And lose the name of action. (SHAKESPEARE, 2012, p.158)7

7
Tradução da autora:
Ser ou não ser: eis a questão.
Será mais nobre sofrer
pedradas e flechadas de um destino ultrajante
31

Na passagem acima temos este importante soliloquy. Para Edwards, trata-se do


momento na peça em que Hamlet faz uma reflexão mais profunda a respeito da vida, e de seu
sentido. A existência humana é retratada como sendo extremamente sofrida e dolorosa, vide
“to grunt and sweat under a weary life”. É, portanto, nesta passagem, que o pessimismo tão
característico da obra encorpa e ganha profundidade. Com essa postura pessimista em relação
ao mundo, Hamlet continua até a cena final quando, por fim, o príncipe encontra sua morte.
Neste soliloquy o jovem está claramente atormentado, e considera duas opções
possíveis para seguir em sua vida. A primeira alternativa, o “to be”, seria continuar a viver, a
resistir aos entraves postos em nossa jornada. O “not to be” seria não lidar com a vida em si,
ou seja, apelar para o suicídio. Hamlet busca compreender o motivo pelo qual as pessoas
continuam vivendo neste mundo de dificuldades, obstáculos e dor, sendo que é tão fácil
acabar com a própria vida.
Entretanto, após considerar mais a fundo a alternativa da morte, “suicide has to be
ruled out. The sleep of death becomes a nightmare, because of the dread of
damnation.” 8 (SHAKESPEARE, 2012) Ou seja temos um impedimento a essa alternativa.
Apesar de, realmente, ser a solução mais simples para nossas dores, o suicídio não pode ser
uma opção. A ameaça da danação eterna é assustadora demais ao homem para se arriscar

Ou ir à luta contra um mar de problemas


E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormer
Nada mais; E com um sono colocamos fim
Ao sofrimento e milhares de choques naturais
A que nossa carne está sujeita. É uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer, dormer
Dormir: talvez sonhar. Ai, aí está a dificuldade
Pois quando livres do tumult da existência
Devem fazer-nos parar: eis a suspeita
Que fazem nossos infortúnios tão duradouros
Pois quem suportaria as chicoteadas e escórnios da vida
O agravo do oppressor, a afronta do homem orgulhoso
A dor do amor desprezado, o atraso da Lei
A imprudência dos oficiais e os insultos
Aquele mérito paciente que recebe dos inúteis
Quando ele mesmo pode encontrar seu repouso
Com um mero punhal? Quem aguentaria fardos
Gemendo e suando sobre uma vida de servidão
Se não por temer algo terrível após a morte
O país desconhecido do qual
Nenhum viajante retorna, nos deixa em dúvida
E faz-nos suportar os males que temos
Ao invés de voar para outros que não conhecemos?
Assim, a consciência nos acovarda
E assim a cor natural da decisão
É desviada pelo pensamento doentio
E empreitadas de grande coragem e vigor
Desviam-se de seu rumo
E perdem o nome de ação.

8
Tradução da autora:
O suicídio não pode ser considerado como opção. O sono da morte se transforma em pesadelo, devido ao medo
da danação eterna.
32

neste ato. Shakespeare nos revela, então, a moral religiosa ainda presente, como impositora de
valores e medos aos humanos.
Esse soliloquy é muito importante para este trabalho pois evidencia justamente a tese
proposta, ou seja, a de que a obra representa a emancipação do Homem Moderno. Nesta
passagem, Hamlet assume uma postura questionadora, típica deste novo Homem. Age como
sujeito de sua vida, não mais aceitando de olhos fechados as imposições da religião. Ao
mesmo tempo em que o príncipe possui essa tomada de consciência nitidamente moderna, os
valores tradicionais, como o medo da danação eterna, continuam presentes em sua mente, a
ponto de impedi-lo de tirar sua própria vida. Ele estaria assim, bem na transição entre o
homem medieval e o homem moderno.
Outra análise crítica é cabível. Levando em consideração que a Rainha Elisabete
assistia às peças teatrais e aprovava sua representação ou não, a decisão do príncipe não
poderia ser a de se matar, pois isso seria ir contra o status quo moral-religioso em vigor na
Inglaterra. Era de agrado da rainha, portanto, que a escolha do personagem fosse a de resistir
ao seu destino, para que pudesse servir de lição a todos aqueles que assistissem à peça.
33

2.2.3 Temáticas relevantes

Após compreender o enredo da peça de Shakespeare, além de analisar mais


profundamente o soliloquy “to be or not to be, adentraremos nas temáticas mais presentes em
Hamlet.
Seguindo a ordem da narrativa temos, primeiramente, a aparição do fantasma, logo na
primeira cena. O então Rei morto Hamlet aparece, em forma de fantasma, durante a noite e
conversa com seu filho, também Hamlet, acusando seu tio de o haver assassinado. O uso deste
elemento por Shakespeare é audacioso. Na época ainda tínhamos um forte domínio da
religião, e a existência ou não de fantasmas era um tema no mínimo complicado de se
abordar.
Como importante trecho referente a esta temática, temos: “there are more things in
heaven and Earth, Horatio, Than are dreamt of in your philosophy.” 9 ( SHAKESPEARE,
2012, p.125)
A fala acima, proferida pelo príncipe Hamlet, fora inclusive usada como abertura do
conto “A cartomante”, escrito por Machado de Assis em 1884. Hamlet desafiava as crenças
de Horácio, seu amigo, ao mesmo tempo em que nos dava indícios de que novas reflexões,
desafiadoras do status quo religioso, estavam tomando corpo. Reflexões essas que começaram
a defender que o mundo não era apenas aquele que o Clero afirmava, e que o homem não
conheceria a totalidade do Universo. Além disso, o Universo não girava ao redor dos
humanos, como até então pensávamos. É o que estudará Galileu Galilei, contemporâneo de
Shakespeare e criador da teoria do heliocentrismo, outra importante novidade do
Renascimento Cultural.
Outra perspectiva desta temática nos é trazida pelo estudioso Alexander Welsh, em
sua obra “Hamlet in his modern guises”. Para Welsh, a dúvida que surge das aparições do
fantasma é perturbadora: “ But why in the world did not Hamlet obey the ghost at once, and
so save seven of those eight lives?”(WELSH, 2001, p.28)10
Uma resposta possível para este questionamento seria dizer que Shakespeare temia
que, caso Hamlet acreditasse facilmente no fantasma, de certo modo estaria indo contra os
preceitos morais-religiosos ainda fortes na época. Evidentemente, como já vimos

9
Tradução da autora:
Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha sua filosofia.
10
Mas por que Hamlet não obedecera o fantasma na primeira oportunidade, salvando, assim, sete daquelas oito
vidas?
34

anteriormente, a aprovação da Rainha Elisabete era necessária para que a peça prosseguisse
suas apresentações.
No entanto, Welsh acredita que a explicação não é tão simplista assim. Para ele, o
debate deve girar ao redor não do fantasma, mas sim da inação de Hamlet. Essa inação seria,
tanto para ele como para outros estudiosos como Margreta de Grazia, a temática central da
peça.
O motivo principal que justificaria essa inação quanto à vingança seria, para Welsh, a
descoberta do príncipe de que vingar a morte de seu pai não acabaria com o luto e o
sofrimento que sentia. Que, principalmente, não traria um sentimento positivo a ele, e sim, um
grande fardo: pois matar é sempre negativo, não importam as circunstâncias. Ou seja, em
última instância, a força motriz da inação do príncipe é sua moral, que impõe a ele o “não
matarás”.
It suffices that revenge calls for reprocity, and that reprocity is not finally possible.
Shakespeare’s hero realizes that revenge is incoherent unless it possesses that
recapitulative power which the passage of experience makes impossible. (WELSH,
2001, p.29)11

Welsh, na citação acima, demonstra mais claramente como a vingança não pode ser
suficiente. Pois o sentimento que motiva a vingança é o de reciprocidade. Isso significa
submeter a pessoa aos mesmos males que causara a outra, a quem queremos vingar.
Entretanto, torna-se impossível atingir a vingança perfeita, uma vez que teríamos que ser
capazes de recapitular os momentos a fim de repeti-los com outra pessoa, e o tempo é algo
que não volta atrás.
Sendo assim, um misto de moral que faz com que o príncipe reconheça que matar não
é correto, aliado a um entendimento de que, mesmo que fosse contra essa moral, ainda assim
não sentiria que a vingança fora completa, fazem com que Hamlet não execute sua vingança
até o último momento possível, quando, ao descobrir que o Rei planejava matá-lo também,
finalmente concretiza sua ação.
Dando continuidade com outros temas, vimos, no capítulo em que analisamos o
soliloquy principal, como era central tratar da existência humana. Naquela passagem, Hamlet
reflete a respeito de como melhor lidar com ela: encarando os desafios e fardos que a vida nos
propõe, ou fugindo do sofrimento, por meio do suicídio. A importância de se discutir a vida
humana era tamanha para Shakespeare que tal temática surgirá em outros momentos da peça.

11
Tradução da autora:
É suficiente dizer que a vingança clama por reciprocidade, e que a reciprocidade não é possível. O heroí de
Shakespeare percebe que a vingança é incoerente a não ser que possua o poder recapitulativo que a passagem da
experiência torna impossível.
35

Um deles é a cena do cemitério em que o príncipe caminha entre esqueletos humanos


refletindo sobre quando eles eram vivos.
“ HAMLET: There’s another. Why may not that be a skull of a lawyer? Where be his
quiddities now, his quillets, his cases, his tenures, and his tricks?”(SHAKESPEARE, 2012,
p.228)12 Nessa passagem , temos uma busca por compreender o que fica de nossa existência
terrestre, e se é que algo permanece. Hamlet nos mostra um certo desespero ao encontrar os
esqueletos, pois conclui que todos eles se tornaram a mesma coisa: comida de minhoca. Que
nosso legado que pensamos estar deixando no mundo, na verdade também se perde com
nosso corpo físico.
Outra temática bastante relevante na peça é a sucessão real inusitada. Com a morte de
um Rei, o mais esperado é que seu filho mais velho herde o trono. Entretanto, com a morte do
Rei Hamlet, seu filho não assume. No lugar, o novo marido de sua mãe toma posse. Na peça,
não há nenhuma indicação de que o ocorrido fora inconstitucional. Ao contrário, temos como
legítima a coroação de Rei Cláudio. Margreta de Grazia, em sua obra “Hamlet without
Hamlet”, nos explica que, na realidade, existia, na época, dois tipos de monarquia: a
hereditária e a eletiva.
By all legal expectation, Hamlet II, of age and fit to rule, stood to inherit Hamlet I’s
kingdom. And yet in the constitucional form the play specifically assigns to
Denmark, it is perfectly legal for the kingdom to pass to a collateral relation rather
than the lineal. In an elective monarchy, the electoral body would have had the
power to pass over the heir- apparent. (DE GRAZIA, 2007, p.87)13

Ou seja, apesar de parecer, a princípio, inconstitucional a ascensão de Cláudio como


novo Rei da Dinamarca, de fato não o é. Ao analisarmos a atitude do príncipe a respeito desse
acontecimento, não é possível perceber revolta por não ter o trono para si. O sentimento do
príncipe é o de luto por seu pai, e em momento algum da peça seus planos de vingança
buscam recuperar o trono. O problema, para o príncipe, é de cunho pessoal. O debate que
Shakespeare buscou promover em Hamlet é, assim, muito mais voltado para a moral do que
para a política.

12
Tradução da autora:
Hamlet: Ali está outro. Poderia muito bem ser o esqueleto de um advogado, não? Onde estarão seus argumentos
agora, seu incansável jargão legal, seus casos, seus truques?
13
Tradução da autora:
Todas as expectativas legais indicavam que Hamlett II, de idade e forma adequados para governar, seria o
herdeiro do reino de Hamlet I. E, mesmo assim, na forma constitucional a peça se refere à Dinamarca, e é
perfeitamente legal para o reino passar para uma relação colateral ao invés de uma linear. Em uma monarquia
eletiva, o corpo eleitoral teria tido o poder de passar por cima do herdeiro esperado.
36

Mesmo assim, mesmo não estando no primeiro plano na narrativa, não implica que
não possamos analisar politicamente esta obra e suas ideias propostas. É o que faremos na
terceira e última parte deste trabalho.
37

2.3 Diálogo da obra com seu contexto externo


2.3.1 Arte e Política

No livro “Arte e Política”, organizado por Miguel Chaia com a contribuição de outros
onze estudiosos, é abordada a relação complexa e relevante entre arte e política. Relação esta
que é percebida desde a Grécia antiga, onde os escritores das famosas tragédias gregas se
utilizavam da vida política das polis para inspirar suas narrativas.
“A arte, assim como a sua relação com a política, constituem enigmas a serem
decifrados.” Esta parte final do trabalho busca, assim, tratar de decifrar essa bela e complexa
relação dos escritos de Shakespeare com todo o contexto político em que o autor estava
inserido e que, sem dúvida, influenciou enormemente sua obra. Foi por meio da Tragédia que
o dramaturgo, assim como outros – Maquiavel, Hobbes, Kafka- abordou o campo da política.
Hamlet é, então, como Tragédia, parte desse conjunto de obras que abordam o tema.
Tendo em vista que:
As diversidades de conceituação da política podem ser compreendidas numa larga
faixa que vai da sua imediata identificação com o social, o coletivo, o público –
conforme a tradição clássica – até as abordagens em torno da prática do sujeito, ao
se considerarem as recentes formulações da micropolítica (CHAIA, 2007, p.19)

não pretendo tratar apenas das relações de poder entre Estados e suas populações –
conceito de política clássico - pois este claramente não é um tema central em Hamlet.
Pretendo, sim, tratar das mudanças sociais e da emancipação do humano evidenciadas por
Shakespeare, mudanças essas que viriam a revolucionar completamente a estrutura política do
Ocidente. Isto é, da micropolítica, entendendo que o humano é Sujeito e que faz a política por
meio de cada ação. Ao modificarmos o homem, modificamos toda sua estrutura de
organização: modificamos os Estados, os estadistas e seu modo de se relacionar com seu
povo. Criamos o Estado laico, substituímos as monarquias absolutistas por Repúblicas
democráticas e criamos um Sistema Internacional de Estados soberanos. Todas essas
mudanças de cunho evidentemente político só foram possíveis graças a mudanças na
mentalidade europeia no Renascimento cultural. Essas mudanças sim, estão presentes em
peso na narrativa de Hamlet.
Chaia afirma que Arte e Política são dois domínios autônomos que dialogam nos
espaços de fronteira. Cabe, neste momento, uma comparação com as Relações Internacionais.
O universo que contempla os domínios da Arte e da Política pode ser visto como o Sistema
Internacional. Cada um desses domínios autônomos seria um Estado Nacional. Assim, a Arte
representaria um Estado Soberano. Já a Política representaria outro Estado Soberano, vizinho
38

do primeiro. Esses dois Estados fazem parte do Sistema Internacional e, apesar de serem
autônomos uns dos outros, não são isolados como ilhas. Existe a área de fronteira, uma área
que é comum a ambos, que ambos compartilham. Nesta área de fronteira, a separação entre
um e outro é difusa, parece que se misturam. As populações que vivem nessas fronteiras são
similares, e, não fosse aquela linha que se convencionou que divide os dois territórios, talvez
não saberíamos distingui-los. Assim também é a Arte e a Política: separados e independentes,
mas vizinhos que dialogam, ora concordando, ora discordando. Um tem uma opinião a
respeito do outro, uma interpretação. Do mesmo modo, Estados soberanos também
interpretam acontecimentos no seu vizinho, sendo favoráveis ou contrários a eles.
Ao se aprofundar na aproximação entre arte e Política, Chaia chega a quatro tipos de
situação em que isso ocorre: a “arte crítica”, a “politização da arte”, a “esterilização da
política” e a “presença política da obra”. Também enquadra Shakespeare na primeira situação,
ao afirmar que : “ Nesta primeira situação podem ser incluídos: a dramaturgia de Shakespeare
que, mesmo defendendo a legitimidade da monarquia inglesa, desnuda as relações de poder
que afetam cruelmente a vida.”(CHAIA, 2007, p.22).
A partir da passagem acima, podemos ver claramente a obra de Hamlet. Nela, como
visto anteriormente, o status quo político da Rainha Elisabete é reafirmado. Lembrando que
tal postura escolhida pelo dramaturgo pode ser apenas visando a autorização da exibição de
sua peça, visto que a monarca era muito participativa do teatro e poderia censurar narrativas
que a descreditassem.
Ao mesmo tempo, em Hamlet temos, como nunca, o destrinchar da vida humana, o
questionamento do sentido da vida, dos valores, da felicidade. Em suma, temos um homem
que é Sujeito, é ator, é protagonista.
Este tipo de arte crítica se caracteriza na medida em que o artista age de forma
política, ao invés de sua obra possuir diretamente um conteúdo político. É assim com
Shakespeare.
De maneira geral, Arte e Política se relacionam de duas formas possíveis: a Arte à
serviço do status quo e a Arte de resistência ao status quo. A primeira forma ocorre quando o
artista, seja por crença própria, seja por qualquer tipo de pressão, usa de sua obra de arte para
enaltecer o status quo político que vive, podendo ser a figura de um monarca, por exemplo.
A outra forma possível de Arte e Política dialogarem é quando a obra de arte é usada
como forma de questionamento do status quo, seja ele uma forma de governo, um governante,
o poder de determinada classe social. Seja como for, alinhada ou emancipatória, a relação
entre Arte e Política sempre esteve e sempre estará presente nas sociedades. Veremos, no
39

capítulo seguinte, como Shakespeare em seu papel de artista estava bastante alinhado com o
pensamento político de Maquiavel.
40

2.3.2 Maquiavel e Shakespeare

Seria possível relacionar a obra de Hamlet com o pensamento político da época por
meio de diversos filósofos. Na primeira parte desse trabalho, foi usada a obra de Alain
Touraine “Crítica da modernidade” para mostrar mais a fundo o contexto político no qual
Shakespeare viveu. Foi abordado Martinho Lutero e Descartes, além de Maquiavel. É do
último, entretanto, que este capítulo tratará. O motivo é simplesmente o de ser o mais focado
na Ciência Política propriamente dita, que é o principal campo das Relações Internacionais.
Nicolau Maquiavel nasceu em 1469 em Florença, Itália. Viveu o auge do
Renascimento Cultural. É importante lembrar que, como o movimento se iniciou na Itália,
ocorreu em séculos diferentes do que o resto da Europa, em especial da Inglaterra, que, como
também já vimos anteriormente, foi das últimas a receber o movimento renascentista. Quando
por fim chegou, encontrou-se com Shakespeare, entre 1500 e 1600. Podemos assim, afirmar
que Shakespeare e Maquiavel viveram o mesmo momento cultural, mesmo que em diferentes
tempos cronológicos.
De volta à Maquiavel, podemos classifica-lo como um historiador, poeta e músico.
Suas contribuições são mais expressivas, no entanto, no campo da Ciência Política, com sua
obra-prima “O príncipe”, publicada postumamente em 1532. A importância dessa obra é
tamanha que ainda hoje é o primeiro livro lido na graduação de Relações Internacionais.
Nele, Maquiavel ensina como um Príncipe deve governar a fim de manter seu poder
político dentro e fora do território. Algumas passagens da obra tornaram-se eternas, como “é
melhor ser temido que ser amado” e “os fins justificam os meios”. O livro foi dedicado a
Lorenzo de Medici. Como sabemos, os Medici foram a família mais rica e poderosa da Itália,
e muitos estudiosos afirmam que, não fosse os Medici para patrocinar os artistas, o
Renascimento Cultural jamais teria ocorrido.
Miguel Chaia, em “Arte e Política”, dirige um capítulo para o diálogo entre
Shakespeare e Maquiavel, que usaremos a seguir para aprofundar a análise. Temos, para o
estudioso, que tanto o dramaturgo como o cientista político concordam que a Política possui
um papel central na vida humana. Shakespeare mostra isso em suas peças: das 37 que
escreveu, 22 abordam diretamente assuntos políticos.(CHAIA, 2007) Já Maquiavel nos
mostra essa valorização da política por meio da quantidade de material que escreveu sobre o
assunto, em especial a obra mencionada acima, “O Príncipe”.
41

Contudo, além de simplesmente abordar a política, os dois o fazem de maneira única:


“Maquiavel e Shakespeare projetam o saber histórico e o artístico sobre o campo do
pensamento político, desorganizando- o e marcando aí o momento da instauração da
modernidade”(CHAIA, 2007, p.73)
A partir da passagem acima podemos entender que os dois escritores foram
fundamentais para a formulação de uma política nova, complexa, agitada e cheia de
possibilidades, uma política que precisou ser nova a fim de que pudesse acompanhar todas as
outras mudanças que estavam acontecendo com o homem e com a sociedade. Era necessária
uma nova política moderna para um novo tempo moderno.
O grande feito de Shakespeare e de Maquiavel foi aproximar a política do sujeito, não
mais tratar apenas de suas esferas institucionais. Isso significa dizer que, a partir do
Renascimento, a relação do homem com a política mudou, e tornou-se claro que cada
indivíduo é um agente do mundo, de sua arte, de seu destino e de suas ações. É, também, um
personagem político, influenciando e modificando a ordem vigente, o status quo. Pessoas
criam processos políticos. Basicamente, o que os dois autores fizeram foi aproximar a política
das pessoas, humanizando-a.
Uma leitura política de Shakespeare/Maquiavel abre caminhos para se recuperar ou
fortalecer uma perspectiva em que o poder possa ser discutido considerando a
condição humana, o que reduz, dessa forma, os riscos da burocratização e da
formalização da análise política.( CHAIA, 2007, p.76)

Percebemos assim, que os autores enfatizam as ações dos indivíduos como políticas.
Seja uma ação movida pelas paixões irracionais, seja uma decisão racional, ambas possuem
uma conotação política.
Uma lição comum dos dois autores é que ninguém sai incólume de uma experiência
política – nem governante, nem povo-, na medida em que a política é uma esfera em
que se defrontam natureza e qualidades humanas contra lógica e forças
políticas.(CHAIA, 2007, p.88)

Novamente, no trecho acima, temos a centralidade da Política nas obras dos dois
autores. Entretanto, ambos não a encaram da mesma maneira. Chaia nos mostra que, para
Maquiavel, “a política é, metaforicamente, uma arte de homens em liberdade” (CHAIA
(2007, p.87). Já para Shakespeare, a política que está presente no dia a dia de nossas pequenas
ações é que garantem o sentido para a Arte.
A diferença essencial dos dois, é que, embora ambos queiram mostrar a Política,
Maquiavel prefere fazer isso partindo do núcleo detentor do poder. Já Shakespeare o faz
partindo do receptor desse poder, dos cidadãos, da vida cotidiana.
42

A conclusão que fica é a de que, em se tratando de Política, Shakespeare e Maquiavel


são diferentes mas complementares. Com a leitura de apenas um, teríamos apenas um prisma
das relações de poder. Já com a união dos dois autores, temos um encaixe completo.
43

2.3.3 Shakespeare e a invenção do humano

Vimos, nos dois capítulos anteriores, o quanto Shakespeare estava envolvido no


movimento do Renascimento Cultural, em proximidade a outros tantos pensadores
contemporâneos a ele. De fato, é inegável a conexão de suas obras com as ideias que surgiram
neste período da história do Ocidente.
Além do prisma político de suas obras, mostraremos no presente capítulo um prisma
mais sociológico e cultural. Prisma este especialmente forte em Hamlet. E se trata do ponto
focal deste trabalho: a emancipação do Homem Moderno. Para a análise, utilizaremos o livro
de Michael Bloom “Shakespeare e a invenção do humano”.
O argumento central de Bloom, embora ele próprio reconheça que pode soar estranho,
é o de que Shakespeare contribuiu para nos inventar. Isso não quer dizer inventar a espécie
humana, obviamente. Na verdade, o que Bloom pretende é afirmar que o dramaturgo inglês
foi um dos responsáveis por criar o Sujeito. Os personagens de Shakespeare influenciaram a
vida das pessoas não só de sua época como de todas aquelas que vieram depois, ao mostrar
novos modos possíveis de se ver o mundo. Tal ideia se exprime na citação a seguir:

The dominant Shakespearean chracters – Falstaff, Hamlet, Rosalind, Iago, Lear,


MacBeth, Cleopatra among them- are extraordinary instances not only of how
meaning gets started, rather than repeated, but also of how new modes of
consciousness come into being.( BLOOM, 1998, p.20)14

Mais interessante ainda é a importância em especial de Hamlet. Bloom nos mostra que
o príncipe da Dinamarca criado por Shakespeare influenciou a construção da personalidade do
homem Moderno Ocidental.
He seems not to be just a literary or dramatic character. His total effect upon the
world’s culture is incalculable. After Jesus, Hamlet is the most cited figure in
Western conciousness; no one prays to him, but no one evades him for long either.
(BLOOM, 1998, p.21)15

Lembremos, também, que nem sempre as referencias feitas a Hamlet são conscientes.
A maioria das pessoas que citam falas ou reproduzem discursos da obra jamais a leu, e nem
imaginam que aquilo que reproduzem vem do ano de 1600, tamanha a atemporalidade de seus

14
Tradução da autora:
Os personagens dominantes de Shakespeare - Falstaff, Hamlet, Rosalind, Iago, Lear, MacBeth, Cleopatra entre
outros – são exemplos extraordinários de como a criação de sentido começa, ao invés de repetir-se, mas também
de como novos modos de consciência se criam.
15
Tradução da autora:
Ele parece ser não somente um personagem literário ou dramático. Seu completo efeito sob a cultura mundial é
incalculável. Depois de Jesus, Hamlet é o personagem mais presente e citado na consciência occidental; ninguém
reza para ele, mas ninguém escapa dele por muito tempo.
44

conteúdos. Mas o fazem. O fazem porque Hamlet participou da criação do Sujeito racional, de
seu modo de pensar e de enxergar o mundo. De criticar a ordem das coisas e de se questionar,
o tempo todo, se essa ordem é a mais adequada.
Bloom aborda também uma grande dúvida que nos permeia: Por que Shakespeare é
tão importante? O que o diferencia de tantos outros autores memoráveis? A resposta é a de
que foi ele quem conseguiu criar a maior quantidade de personagens distintos. Cada um de
seus personagens possui vida própria, valores próprios, identidade própria. É essa riqueza que
faz do dramaturgo o criador do Sujeito moderno, pois exemplificou em suas obras tantos tipos
humanos até chegar na concepção comum de sujeito pensante e questionador. Foi
Shakespeare, assim, o responsável por nos fazer entender a natureza humana, natureza essa
que vem da essência, bem antes de ser afetada pela cultura.
Shakespeare é tão importante porque tem uma abordagem universalista, do mesmo
modo que a Bíblia tem. Em tempos de Secularização, Bloom afirma que Shakespeare assumiu
o papel de propagar essa nova consciência universalista, que não poderia mais ser veiculada
por meio da religião.

Yet I hardly see how one can begin to consider Shakespeare without finding some
way to account for his pervasive presence in the most unlikely contexts : here, there,
and everywhere at once. He is a system of northern lights, an aurora borealis visible
where most of us will never go. Libraries and playhouses ( and cinemas) cannot
contain him, he has become a spirit or “spell of light”, almost too vast to aprehend.
(BLOOM, 1998, p. 27) 16

O fato é que Shakespeare criou personagens com os quais nos identificamos,


conseguiu capturar e reproduzir a essência humana como ninguém antes ou depois jamais
chegou próximo. Ele foi o criador da personalidade. Se hoje recorremos à Shakespeare, é
simplesmente porque não temos outro autor que se assemelhe à sua completude. E não nos
referimos apenas à cultura do Ocidente. Shakespeare se tornou uma referencia global e
universal, além de, claro, atemporal.
Muito tempo já foi gasto por filósofos e estudiosos tentando desvendar quem era a
pessoa de William Shakespeare e em que acreditava. Mas, mesmo com muito esforço por
parte dos interessados, poucas conclusões foram tomadas. Seus personagens são tão variados
que se torna praticamente impossível enxergar neles a individualidade do dramaturgo. E esse
fato talvez seja outra de suas qualidades : a de conseguir produzir conteúdo a despeito de suas

16
Tradução da autora:
Mal posso entender como alguém pode abordar a obra de Shakespeare sem levar em consideração sua presença
pervasiva nos contextos mais inesperados: aqui, lá, e em todo lugar ao mesmo tempo. Ele é um sistema de luzes
guia, uma aurora boreal visível onde a maioria de nós jamais irá. Livrarias e cinemas não são suficientes para
contê-lo, ele se tornou um espírito ou um “feitiço de luz”, quase vasto demais para entender.
45

opiniões religiosas ou políticas. Muito se questiona, inclusive, quais seriam essas opiniões, e
se é que o dramaturgo algum dia chegou a ser devoto de alguma religião. Bloom nos indica
que não : mesmo seu pai tendo sido bastante católico, não vemos indícios de que Shakespeare
teria sido ligado a qualquer doutrina.
Bloom dedica um capítulo inteiro de seu longo trabalho para tratar com exclusividade
de Hamlet. Começa por afirmar que o personagem Hamlet é complexo demais para a história
de fundo da peça. Ele é denso demais para a obra que o comporta. Ele é, sem dúvida, a obra-
prima de Shakespeare. Dotado de carisma, o príncipe da Dinamarca causa um sentimento de
identificação com todo o público. Outro traço bastante marcante do personagem é sua ironia
brilhante. Ele é a união perfeita entre essas duas características, o que o torna indestrutível.
Ele não é o herói da luta física, mas sim o herói do discurso, cuja palavra chave é, sem
dúvidas, questionamento.
Hamlet é a superação do próprio Shakespeare e, como ninguém nunca conseguiu ir
além de Shakespeare, nada conseguiu ir além de Hamlet. Para Bloom, o próprio dramaturgo
reconhecia isso, e tratava a obra de modo diferente das outras. Estima-se, por exemplo, que
Shakespeare passou cerca de 20 anos escrevendo Hamlet, passando por diversas versões,
numa obsessão pelo personagem que o fazia aprimorar constantemente a narrativa, chegando
na versão final de 1601/02 que estudamos neste trabalho.
O fato é que Hamlet foi construído por Shakespeare para, justamente, transcender a
peça, ele é a peça, a grande atração. Ele foi feito para preencher o palco com sua presença, e é
por meio de suas reflexões acerca da consciência humana, da consciência de si e da
consciência da realidade que ele constrói essa força como personagem. E é essa tomada de
consciência que o faz sujeito de si, que o faz um homem moderno. Essa consciência, embora
traga dor, envelhecimento e sofrimento, o liberta de todas as amarras da passividade. Ele é
assim, um homem mais livre que os homens que vieram antes de si. É, propriamente, a
emancipação do homem como Sujeito que causa essa liberdade, como vemos no trecho
abaixo.
Consciousness itself had aged him, the catastrophic consciousness of the
spiritual disease of his world, which he has internalized, and which he does not wish
to be called upon to remedy, if only because the true cause of his changeability is his
drive toward freedom. Critics have agreed, for centuries now, that Hamlet’s unique
appeal is that no other protagonist of high tragedy still seems paradoxically so free.
(BLOOM, 1998, p.454)17

17
Tradução da autora:
A consciência em si o envelheceu, a catastrófica consciência de que o mundo é espiritualmente doente foi
internalizada por ele, e ele não deseja remediá-la, justamente porque a grande causa de sua mutabilidade é seu
direcionamento à liberdade. Os críticos concordaram, durante séculos, que o traço único de Hamlet é que
nenhum outro personagem de uma grande tragédia parece paradoxalmente tão livre.
46

Entretanto, essa consciência, ao mesmo tempo em que o liberta, também o impede de


agir. Como na própria fala do príncipe: “Conscience doth make cowards of us
all.”(SHAKESPEARE, 2002, p.160) 18 .É a chamada inação que tratamos em capítulos
anteriores. Bloom, recorrendo também a Nietzche, trata essa característica de um modo
inovador. Para eles, Hamlet não consolidou a vingança antes por ser sábio demais, por saber
que aquilo pouco aliviaria a sua dor. “Knowledge kills action; action requires the veils of
illusion: that is the doctrine of Hamlet.”( BLOOM, 1998, p. 417)19.
Sendo assim, temos um personagem grandioso demais para sua obra e para a
humanidade. Um personagem que contribuiu imensamente na definição do que seria o
Homem Moderno, o homem pós-renascimento cultural. Bloom nos mostra que esse homem é
Hamlet, e todos nós que viemos após ele.

18
Tradução da autora:
A consciência torna todos nós covardes.
19
Tradução da autora:
O conhecimento mata a ação; a ação requer os véus da ilusão: essa é a doutrina de Hamlet.
47

3 CONCLUSÃO

Ao iniciar este trabalho, sabia que me depararia com um nível de complexidade de


análise muito alto. Não presumi que entender Shakespeare fosse simples, mas sabia que, se eu
pretendia estudar o Homem Moderno, não haveria como fugir do dramaturgo.
Apesar dos desafios iniciais, aos poucos fui percebendo uma grande conexão entre os
escritos de diversos estudiosos de suas obras. Percebi que a divergência ocorria em pequenos
detalhes, como quando Hamlet teria sido de fato escrita, mas que, no que tange suas temáticas
e significados, confesso ter me surpreendido com a similaridade das análises.
Toda a ordem dos capítulos e dos autores utilizado neste trabalho foi construída para
possuir um sentido. Foi preciso começar de onde comecei, entendendo o contexto histórico
em que Shakespeare viveu e o que os filósofos da época estavam escrevendo. Foi preciso
entender o governo da Inglaterra, e seus desdobramentos na arte do Teatro.
Foi preciso também, no momento oportuno, mergulhar na obra em si, primeiramente
entendendo o enredo, para depois tentar identificar os sinais dessa modernidade nas falas da
peça.
Por fim, foi preciso aprofundar os laços de união entre Shakespeare e a Política, além
de buscar similaridades com o funcionamento do Sistema Internacional. Afinal, este é, e
também pretende ser, um trabalho de Relações Internacionais. E Relações Internacionais é,
acima de tudo, uma disciplina multidisciplinar, que busca analisar o mundo por diversos
prismas: Político, Social, Econômico, Histórico. Uma boa tese de Relações Internacionais não
pode deixar de lado nenhum desses prismas, se pretende ser uma análise completa.
Foi com o conhecimento adquirido ao longo desses quatro anos a respeito de como
fazer uma interpretação completa e crítica que usei para esta monografia. Pretendi, assim,
analisar Hamlet por seus mais variados prismas: inicialmente, o histórico. Posteriormente, o
literário. Depois, o político. Por fim, o cultural e social.
Este trabalho foi, assim, uma construção de sentido, uma união de contextos e
conceitos a fim de evidenciar a grande tese: de que Shakespeare, por meio do personagem
Hamlet, consolidou a figura que seria a de um novo Homem: um Homem não mais passivo,
mas ativo; um Homem não mais crente, mas questionador, um Homem não mais alienado,
mas consciente. Por fim, um Homem não mais Sujeito de Deus, mas Sujeito de si.
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REFERÊNCIAS

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Riverhead Books, 1998. 745 páginas.

CHAIA, Miguel. Arte e Política. 1ª edição. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007. P 1 -41
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Press, 2007.

KIERNAN, Victor. Shakespeare: Poeta e Cidadão. Trad. Álvaro Hattnher. 1ª edição. São
Paulo: Editora Unesp, 1999. 360 páginas.

SHAKESPEARE, William. Hamlet, Prince of Denmark. Edited by Philip Edwars.13th ed.


Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Trad. Elia Ferreira Edel.10ª edição.


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WELSH, Alexander. Hamlet is his modern guises. 1st ed. Princeton: Princeton University
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WOODWARD, E.L. Uma história da Inglaterra. Trad. Zahar editores. 2ª edição. Rio de
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