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15/03/2017 Juremir Machado da Silva | Entrevista com Pierre Lévy

Entrevista com Pierre Lévy
Postado em 11 de julho de 2016  por Juremir Publicado em Uncategorized

A Internet ainda está na sua pré­história

Considerado um dos maiores especialistas mundiais em internet, ciberespaço, virtual e novas tecnologias de

comunicação, o filósofo francês Pierre Lévy, nascido na Tunísia, professor no Canadá, esteve em Porto

Alegre para falar no ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento e na Assembleia Legislativa do Rio Grande

do Sul. Nesta entrevista para o Caderno de Sábado, ele indica o que vem por aí e prevê o fim de muitas

profissões.

Caderno de Sábado. Por toda parte, inclusive em Porto Alegre, o Uber provoca polêmica. Trata­se de

uma grande e benéfica mudança civilizacional ou de uma vitória da desregulamentação do mercado?

Pierre Lévy – Na última vez que eu vim ao Brasil, faz uns seis meses, havia um enorme manifestação de

motoristas de táxi, que tocavam tambor, nas imediações do aeroporto de Otawa. Ao chegar ao Rio de

Janeiro, encontrei algo muito parecido. Cada um acredita que é um problema da sua cidade, mas é global. No

longo termo, Uber e outros aplicativos semelhantes vencerão, pois os clientes estão do lado deles por ser

mais simples, confortável e seguro. No curto termo, há uma injustiça, pois para quem investiu em táxi como

meio de vida, pagando taxas e licenças, enfrentando testes e revisões, submetendo­se a regulamentações,

não é aceitável ver surgir uma concorrência que, em certos aspectos, é desleal. Os taxistas convencionais
têm mais obrigações do que seus concorrentes. Será preciso encontrar meios de ser justo com os taxistas de

hoje sem impedir o novo. No futuro, os táxis convencionais vão desaparecer. É inevitável. Os hotéis também
vão passar por transformações. Sempre haverá hotéis, mas os convencionais perderão espaço. O sistema de

aluguel de quartos em residências privadas ou de apartamentos por aplicativos vai se expandir. As agências
de viagem também estão com dias contados, salvo, talvez, para viagens em grupo. Intermediários serão

eliminados. Cada um faz e fará tudo por conta própria na internet.

Caderno de Sábado – Muitas profissões vão desaparecer?

Lévy – Sim. A economia inteira está em transformação. Os corretores de imóveis, por exemplo, se não

desaparecerem, vão ter menos o que fazer. Aplicativos farão o que hoje eles possibilitam. Jornalistas sempre
existirão para apurar notícias e contar histórias, pois isso exige tempo, dinheiro e profissionalismo, mas os

jornais passarão por muitas mudanças ainda. Editores de revistas científicas desaparecerão. Cada um
publicará seu artigo científico num site pessoal ou coletivo e as avaliações serão feitas depois. Isso já existe.

O importante é a circulação de ideias, não o controle prévio da publicação. É mais democrático, aberto e é
gratuito. As bibliotecas universitárias gastam fortunas inutilmente para assinar publicações que podem e

devem estar abertas a todos. Esse é o futuro.
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15/03/2017 Juremir Machado da Silva | Entrevista com Pierre Lévy

Caderno de Sábado – Como a justiça de cada país deve se comportar em relação a aplicativos como

whatsapp, que trabalham com dados criptografados, ou redes sociais como facebook? É direito
bloquear esses serviços quando eles não aceitar colaborar com investigações?

Lévy – Não é por alguma coisa estar na internet que passa a ter o direito de escapar à justiça e às leis de um

país. As novas tecnologias da comunicação não anulam as leis votadas democraticamente nem os
procedimentos judiciais que podem servir para proteger as populações, por exemplo, de atos terroristas. Em

contrapartida, bloquear serviços que servem a todos não parece ser a maneira mais inteligente de resolver o
problema. É preciso negociar. Facebook e twitter já costumam colaborar em certas situações. Essas

empresas falam para seus clientes prometendo preservar a privacidade de cada um e dos seus dados. Mas

elas também enfrentam litígios e recorrem à justiça. Nesse sentido, precisam respeitá­la. Não podem ficar na
contradição ou na conveniência dos seus interesses.

Caderno de Sábado – Internet e os aplicativos ajudam a criar uma utopia de liberdade e de
inteligência coletiva ou o triunfo de um ultraliberalismo com a desregulamentação das leis
trabalhistas?

Lévy – A tendência à desregulamentação não começou com a internet. O liberalismo data do século XVIII. Há
fases mais protecionistas e outras menos. São ciclos políticos e econômicos. Internet não é responsável por
tudo, mas é verdade que ela tende para o liberalismo, para a desregulamentação. É possível estabelecer

fronteiras para bens materiais, mas não para ideias e informações, que possuem enorme valor econômico.
Existem espaços cooperativos de produção de softwares: todo mundo participa, cada um dá uma contribuição
e todos ganham. Nada se perde e todos avançam. Esse é ganho irreversível. Não há fronteiras. A circulação
é livre. Os marxistas acham que é uma vitória do neoliberalismo. Podemos ver tudo isso como vitória da

inteligência coletiva. Depende da grade de leitura de cada um. A realidade é que a informação não respeita
fronteiras. Tudo circula.

CS – No começo, sobre internet, o senhor era acusado de ser muito otimista. Passados tantos anos,

qual o seu balanço? Há quem sustente que as redes sociais, por exemplo, são a ditadura da
estupidez.

Lévy – A ditadura da estupidez começou antes da internet. A democracia, para os seus opositores, é a
ditadura da estupidez e da asneira, pois dá direito de voto a todo mundo. Para quem não aprova isso, só
deveriam votar aqueles que têm curso superior, algo assim. A espécie humana é assim. Certas pessoas são
imbecis em certos momentos e inteligente em outros. A vida da espécie humana melhorou. Na Idade Média, a

expectativa de vida era de 35 anos, a cada dez anos uma epidemia dizimava multidões, havia servidão, no
Brasil, a escravidão durou até o final do século XIX… Preciso contradizer quem diz que os ricos estão cada
vez mais ricos e os pobres, mais pobres. Não, os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres, menos pobres.
Quando eu era jovem, havia muita gente que passava fome. Hoje, não. Só uma minoria. O problema é a
obesidade. A realidade contraria o discurso catastrófico da mídia. As manchetes só falam do que não

funciona.
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15/03/2017 Juremir Machado da Silva | Entrevista com Pierre Lévy

CS – Internet vai dar um salto de qualidade nos próximos anos?

Lévy – A internet ainda está na sua pré­história. Hoje, 50% das pessoas estão conectadas. Em 2000, era 1%.
Rapidamente atingiremos 80 ou 90% de conectados. Então, a internet passará por inovações de qualidade:
tradução automática, inteligência artificial, inteligência coletiva, reflexiva. Eu trabalho nisso. Vou lançar, em
2017, um aplicativo, que se chamará Intelect, de gestão coletiva de dados. Vai permitir a troca de informações
sobre um assunto específico de maneira a ampliar o uso. Vamos pegar hastags, transformá­las em linguagem

IML e calcular as proximidades semânticas. A internet do futuro será mais sofisticada e menos atrelada aos
meios convencionais. Ainda não usamos todas as possibilidade da internet. Caminharemos para uma nova
forma de escrita, mais ideográfica, uma escrita linguagem de programação, mais potente e de comando.

CS – Vivemos numa nova civilização?

Lévy – Cada vez mais. Essa nova civilização se baseará nessa nova forma de escrita, concebida para os
meios feitos de algoritmos e dados. Isso vai possibilitar novas formas de educação e até de organização
política. Assim como existiram os grandes Estados baseados no alfabeto e no impresso, teremos o que
chamo de Estado­enxame, como de abelhas, feito de colaboração densa. O território será apenas a base de

operação dos enxames. A democracia representativa continuará, mas terá menos importância. As grandes
cidades serão mais importantes, com decisões coletivas. Não falo em democracia direta porque existe o
problema das reações emocionais.

CS – Como no caso do Brexit?

Lévy – Não quero tomar partido. Não é o papel de um filósofo. Mas os ingleses não mediram as
consequências. É um tiro no pé. Foi um voto afetivo. A inteligência coletiva é a decisão com base em dados,
cálculos, consequências, projeções, simulações e racionalidade. Penso que teremos uma democracia
esclarecida. Não supriremos os representantes eleitos, mas a burocracia que os acompanha.

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