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a Perigo... Amor d vistal os inteleccuais e personalidades da época realizaram para que fosse libertado. Isto ocorre com muitos marginais cujo compor- tamento parece incoerente com sua necessidade real. Pustlos, Daluntro “Penge per A YAO ta chamin 2 gaia hawt Ob C210! Ed. Aliph, 200/ - Gn frubo CAapfruLo 6 AAS MARCAS DA VIDA? A TEORIA DOS CLUSTERS A. revisar 0 capttulo de clusters para a reedigio da verséo em portugues de Perigo... Amior @ vistal (Aleph, Sio Paulo, 1990), compreendi que era necesséria uma atualizagéo. Formulei os pri- meiros conceitos sobre a teoria dos clusters em 1990. Nestes filtimos anos, tenho tiabalhado muito sobre o tema em meu consultério também em oficinas em diferentes pafses do mun- do, o que me tem permitido ampliar e modificar m tos. Decidi entio reescrever 0 mesmo para compartilhar a visio que tenho atualmente sobre o cema. Tanto na terapia de casais como no trabalho em grupo ou individual no consuleéri cessita-se de ceferenciais clacos que permitam compreender a din&mica usual de um ser humano. As maravilhosas descrigSes clissicas se referem aos grandes quadros neuréticos, psicéticos e caracteropéticos. Mas todos nés, psicoverapeutas, sabemos que nosso trabalho transita pela dindmica de problemas relacionais que no podem ser enquadrados nas descrigées tradicionais. O que se segue é uma tentativa de cransmitir ao leitor alguns pata- metros que permitam compreender o ser humano sob uma pers- pectiva descentralizada do patolégico com todas aquelas dina- micas que se encontram nas zonas obscuras, nao caracteriziveis ‘entre os quadros classics, mas que reflitam os angulos do so- frimento humano. Isto & que nos centremos nesse equilfbrio instdvel chamado normalidade. Por isso, o nome que dou é “As Perigo... Amor 2 vistal marcas da vida" Tomo, como ponto de partida, a teoria inter pessoal de J. L. Moreno. Os CONCEITOS INICIAIS DE J. L. MorsNO E AS ELABORACOES A PARTIR DE SEUS ENSINAMENTOS Exe seu liveo Bricodrama volume 1 (Beacon House, 1977, P- 153), Moreno define o papel, entre outras consideragées, como ‘sendo a forma real e tangivel que toma o eu (elf). Entre as mal tiplas e valiosas virtudes de Moreno certamente ndo figura a de ‘ser conciso e sistemitico. Isto faz com que em sua extenss obra existam muitas contradig6es, o que pode criar confusto. Apenas mencionarei a versio mais operativa, na qual se define 0 papel como a unidade psicossocial de conduta. Todo papel possui as- pectos coletives ¢ individuais que Moreno define como “deno- minadores coletivos ¢ diferenciais individuais” (Moreno, J. L. Wo sball survive. Beacon House, 1978). © conceito de papel € 0 tixo central de sua teoria, ponto de partida para todas as suas formulagées. A partir deste conceito, desenvolve sua teoria das relagBes incerpessoais. Na pagina 175 do livro Bscodrama, jé men- cionado, lemos a + paptis nfo funcionam isolados; 20 conttfrio eles tendem 3 formar ‘dsr (cmos). His uma teanaferéncia (espontaneidade) desde paptis nfo acuados (enenaced roles) aos que sio atuados no presente. Esta influéncia chama-se efeito duster. Esta afirmagio gerou em mim uma pergunta que me condu- ziua.uma série de conclusdes. A primeira incégnita foi: poder-se- & compreender a alma humana e seus softimentos a partir do conceito de papéis nessa agrupasio especial a que Moreno chama duster (samo)? Se a experiencia do ser humano se transmite ¢ ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters impregna todos os papéis, entdo observando os papéis em inceragio (instincia interpsiquica, segundo o mesmo autor) deve ser posstvel conciliar a dintmica interna (intraps{quica, segundo Moreno). Para seguir por este caminho, vou referir-me brevemen- te 20 desenvolvimento segundo 2 teoria de Jacob Levi Moreno. A MATRIZ DE IDENTIDADE “, © ssvorse, a canto a courpertnn que me primcea fie cexemplifia arelagio da crianga com at pessoas ¢ coisas sua vole, fo a8 ‘caractertaticas de mattiz de ideatidade. Esta matviz de identidade cia 0 fandamento para as primeicas aprendizagens emocionais da crianga(J L. Moreno, Psychodrama, v1, Beacon House, 1979, pég. 61)- Até aqui a referéncia é direta 4 obra de Moreno. © que se- gue sio elaboragées minhas a partir de seus ensinamentos. Creio refletir em minhas elaborasdes 0 espfrito essencial de Moreno, sem pretender ser-lhe fiel, apenas quero fazer aquilo que ele mais me ensinoui: ser criativo. Os conceitos de Moreno que mencionei acima sio essenci- ais para a compreensio do desenvolvimento intrapsiquico. Tudo © que rodeia 0 bebe, principalmente sua mle por ser a pessoa mais préxima com que compartilha o seu mundo, é parte de si mesmo. Q que ocorre 20 redor do bebé € sentido como sendo dentro de si A carga tensional do ambiente familiar que rodeia 0 bebé serd capacidade de discriminagao entre 0 eu ¢ 0 ndo-eu. Esta discri- minagdo seré uma fungio egéica de aquisicao posterior. Esta pri- meira etapa define muito do que o bebé deseavolveré depois, como: “o mundo é ¢ eu sou: duro, tenso, receptivo, acesstvel, agressivo ete.” Cria-se uma antecipagio de como seré 0 mundo concebido por ele e vice-versa. Estas primeiras experiéncias, 20 nao serem filtradas por um mecanismo psiquico. que ainda ndo rte construtiva de seu ser, impregna-lo-4. Nao hé au Perigo... Amor a vistal ¢ incontestével. Lem- existe, tém a forga da experiéncia massi bro-me de um paciente que consultava-se por se sentir insenst- vel Aquilo que o rodeava, nada parecia alterd-lo nem para bem, nem pata mal. Investigando sua vida, 0 paciente relata que nas- ceu durante a Segunda Guerra Mundial, na Itdlia. Seu parto ocor- reu durante um bombardeio ¢ a mie estava paralisada pelo medo. Um soldado ajudou-a ¢ 0 recém-nascido foi amamentado em um efiigio anti-aéreo. Seu corpo atlético e firme recorda claramente a invulnerabilidade do refiigio. As bombas'explodem inintereup- tamente para cle. O problema reside em que 0 amor tampouco © penetrava. ‘A funcio macerna de alimentar o bebé vai gerando uma pri- meira conduta, essencialmente para a sobrevivéncia. Este € 0 pri- meico papel, nascido da relagio mae-filho da necessidade de ser provide do sustento necessirio. Moreno nos fala claramente, seguindo a seqiiéncia que nos propSe, que este € 0 primeizo papel que inicia 0 delineamento do eu, 0 que ¢ facilmente com- preendido se considerarmos a progressio evolutiva. Moreno cha- ma-os de papéis psicossométicos, jé que dependem de uma fun- «fo essencial para a sobrevivéncia € nfo sfo exercidos por desejo tenfo por necessidade bioldgica. Os chamados papéis psicossomaticos sf6, do meu ponto de vista, Fungées biologics mente determinadas, como a micgio, a respiracio, a alimentagio, a defecagéo. O bebe cumpre essas fungées auxiliado pela sua mae ou adulto que assume esta tarefa, Séo portanto funds derivadas dos paptis mie-filho, ou protepapfis. De todas 2s fungGes men onadas somence a respiragio nfo depende da presenca auxiliar ‘A aprendizagem posterior abve caminho para as fungSes auténomas, como a locomogio, o balbuciar, o falar (O eu vai se estruturando a partir da intemnalizagio das nor- mas vigentes no ambiente no qual o bebé se desenvolve, O mes- 412 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters mo é intermediado pelos pais. O bebe vai aprendendo as regras do jogo e antecipando-as. Em época nfo muito distante enrola- vva-se 0 bebé para que sua coluna permanecesse sempre.ereta, na cexenga de que esta pritica era saudével, Mais tarde este mito foi substitufdo por deixar 0 bebé o mais livre possivel, sem araduras. Os coscumes variam segundo os conhecimentos, substituem al- guns mitos por outros que se aplicam segundo os valores que vyigoram. A alimentagio.cambém segue os ditames do momento, rigorosamente a cada trés ou quatro horas, deixando o bebé cho- ar para que aprenda um ritmo “saudével”, depois passa a um ritmo que depende da fome do bebé. A aprendizagem das regras ue antecipam condutas vai estruturando a inst&ncia psfquica chamada eu. Esta estruturagio se frz através do papel de filho, aja dindmica central €a de ser alimentado ¢ 0 papel complemen tar € a mie, ainda quando as fungées de cuidados da primeira exapa possam eventualmente ser cumpridas pelo pai ou por ou cro adulco responsével. Mas para o beb@, qualquer um que preen- cha esta fungio € reconhecido como sendo uma mesma pessoa, ja que seu mecanismo perceptivo no tem macuracio biolégica suficiente para poder distinguir as diversas pessoas que possi- velmente cumpram esta fungi. Durante o crescimento o bebé vai tendo outras necessida— des. Alguém o ajuda a ficar em pé, a alcangar objetos. Fazer suas necessidades passa de um ato involuntétio para um ato volitivo. ‘A funcSo paterna & a que acompanha esta etapa do desenvelvi- mento. Sabemos também que esta € uma convengio cultural ¢ nko bioldgica, pode ser cumprida pelo pai, segundo o modelo tradicional, ou pela mie ou outro adulto de sua convivéncia. O papel continua sendo 0 de filho. Contudo, a funcio € denomi- nada de paterna, ainda quando pode ser cumprida por uma mu- Iher. Este esclarecimento nio seria objeto de atengio hé alguns anos. Porém os modelos aceitos de easal tém mudado profunda- 113 d * (trabalho ainda nfo pul Perigo... Amor a vistal mente: dois homens ou duas mulheres em convivéncia homosse- xual adotam bebés e cumprem as fung6es antigamente reservadas 2 um condicionamento biolégico. A tinica fungio que no pode ser modificada é a da gesta¢io, a qual ainda corresponde somen- te A mulher, por ora. Em um trabalho recente, chamado “O poder das Palavras: dusters e Género. Novas denominagSes pata 0 novo milénio”, as professoras Chapori, Repetto, Simonato, Soto, Temé ¢ Velez icado) discutern a denominagio de cluster, materno ou paterno. Dizem: “consideramos que a denominagio /a a ambos os sexos. Desta maneira, ‘materno ou paterno’ é rela amie acha-se exclufda das ages de auconomia e de desapego ¢ 0 pai das de contengio de apego”, Creio que esta observagio correta merece um esclarecimento, de que chamo “mie” a0 con- junto de estimulos e pessoas que executam a fungio nutritiva € .0 conjunto de estimulos e pessoas que configuram 2 fun- lo de sustento e autonomia. Pode ou nio haver mie ou pai reais como representantes da fungio exercida. (© ew entio vai acumulando as regras do jogo da sociedade em que se desenvolve. A espontaneidade, centro da funcio vital do ser humano, vai sendo “filtrada” segundo esta instancia que a direciona, constituindo a fungio egéica de adequagi, a qual Mo- reno se tefece como uma qualidade de espontaneidade. Sem este fileco que contém as regras consideradas desejaveis de uma socie~ dade a espontaneidade seria apenas espontanefsmo. Neste filero vio se inscrevendo valores ¢ ideais que contém um sinal eviden- 6, a angiistia, que nos avisa de desvios perigosos. Posteriormente aparece o terceito papel central: 0 de irmio, ao qual novamente devemos aludir como funglo, ainda aqueles {que no tenham iemios encontram em seu &tomo social primos ou amigos que cequerem novas condutas. Ao surgir este terceiro papel central, vio se somando outros papéis familiares a0 uni- 14 As mareas da vida: a teoria dos clusters verso da crianga, que jé aprendeu a diferenciar objetos de pesso- as, fantasias da realidade, o que ocorre dentro de si do que ocor- re fora. Eu e nfo-eu. Jé esté preparada para a vida adulea. (© eu entio desenvolverd outra de suas funcées centrai de selecionador de papéis. Cada momento de interagio se exerce através do papel adequado. Filho, irmfo, neto, sobrinho, amigo, aluno. Possuem denominadores comuns e caracterfsticas especi- ais para cada papel. E € 0 eu que seleciona e adequa os paptis € as respectivas condutas. através do efeito duster. A\ inecodugto que precede este tema tem como objetivo um ordenamento seqiiencial das formulagées de Moreno que nos permita compreender 0 conceito de cluster. Quando o desenvolvi- mento do sistema nervoso central progride, a capacidade de me- méria — ou seja, 0 registro ¢ o actimulo de experiéncias ~ vai-se aprofundando. Emosées, ¢ depois imagens, vio construindo a bagagem de experiéncias de um ser humano. Daniel Goleman, ‘em seu livro A Ineligencia Emocional, conduz-nos 8 compreensio descas agdes povoadas de mitos ¢ limites entre 0 psfquico ¢ 0 biolégico. Vou citar algumas passagens de sua obra. “No mundo cotidiano nenhuma inteligéncia é mais importante que a inter- pessoal”. Goleman, sem cité-lo, coincide com Moreno em seus conceitos sobre o interpsfquico, um dos pilares da Sociometria. [Uma vida sem paixio seria um aborrecide deserto, isolado e separado da riqueza da prépria vida. Mas, como disse Ariscéreles, 0 quese quer €uma emogio adequads,o sentir de mancira proporcional as circunstfincias. Novamente um conceito moreniano, adequagio, como con- digo fundamental da espontaneidade, surge na perspectiva da 11s Perigo... Amor vista! intelig@ncia emocional, lamentavelmente sem mencionat as ano- tages pioneiras de Moreno. Deixando-se de lado a omissio, Goleman realiza um sonho de Moreno: encontrar as bases biolé- gicas para os conceitos de espontaneidade. ‘Ainvestgasio de LeDoux expica come aamigdala pode exercero controle sobre o que fazemos mesmo enquanto o cérebro pensante, 0 neocéetex, est centando somar uma deco, Como veremos, 0 func amigdalse sua inceragio com o neocdreex esto no nécleo da inteligencia emocional 1ento da Mais adiante, continua esclarecendo o papel da amigdala. [Algumas reagies emocionais e memérias emocionais podem formar-se ‘ema menor participagio consciente « cognitiva. A amigdala pode hospe- da recordagbes e reper6rios de respostas que efetuamos Sem saber exa- ramente porque o fazemos, iso porque o atalho desde o tdlamo até a amigdalaeviea completamente o neocSrcex. Este desvio parece permicie que a amigdala seja um dps de imprest recordagSeremoconss (0 grifo€ meu}, dos quais nunca somos totalmente consciences. Estas afirmagées de Goleman nos revelam conceitos de Reich sobre a meméria corporal ¢ de Moreno sobre 2 esponta- neidade, desmistificando-os para integrar as descobertas da in- vestigacao pacoldgica com a investigacio biolégica. Retornando agora 20 tema dusters, quando Moreno diz. que os papéis interagem suas experiéncias, diz que esses se agrupam segundo uma certa dinfmica. Minha pergunta foi: como se agru- pam as ramificagSes? Tomando como referéncia a ordem evolutiva; podemos pensar que em cada perfodo o bebe incorpora experi- éncias que vio influir fortemente em seu futuro desenvolvimen- to. Sob esse ponto de vista podemos dividir esta aprendizagem em trés grupos: cluster um, cujo complemento € a mie ou adulto cluster dois, cujo complemento € 0 pai ou adulto substituto; eo terceiro & 0 cluster trés, cujo complemento € 0 irmio ou seus equivalences. 116 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters CLUSTER UM OU MATERNO Come jé citsmos, © bebe nasce em um estado de completa dependéncia: € auxiliado ou morre. Nasce incompleto para 0 desempenho aucénomo, a0 contrario de muitas espécies que nas- cem com uma formagio suficiente para a sobrevivéncia. Nem bi- oldgica nem psicologicamente pode defender-se. Ao falar da ma- iz de idencidade total ¢ indiferenciada, dizemos que o bebé incorpora o que ocorre a0 seu redor como se fosse ele mesmo. O corpo registra as tenses ¢ as incorpora como préprias. O bebé é ‘especialmente sensfvel a angdistia das pessoas que o rodeiam. Os bragos da mée, a seguranga ou inseguranga com que 0 seguram dererminario uma antecipagio da ternura, placidez ou angtistia, ou da tensio que the é dedicada. A palavra-chave desta etapa dependincia, € 0 papel complementar € 0 de mae. Aptender a depender € essencial para o desempenho da vida adulta. Saber receber, aceitar ser cuidado, conviver saudavelmente com os momentos de vulnerabilidade, dependem das experiénci- as vividas nesta etapa. Consideremos 0 aleitamento: se a mie cumpre esta fungio de maneira positiva, na qual o desejo de ter este bebé estende-se ao prazer de cuidar dele, de compartilhar 0 seu gradual descobrimenté do mundo, fad com que esta energia converta-se em parte constitutiva do receber. Quando precisar de algo, quando se sentir carente, o bebé solicitaré atengio sem cul- pa e como algo natural. Sua espontaneidade atravessaré o filtro da experitncia incorporada, permitindo-lhe 0 acesso a condutas adequadas. O mesmo se pode dizer das outras fungSes depen- dentes, como as que correspondem aos cuidados higitnicos. E importante que se fagam de forma eficiente, mas € fundamental como se realizam. , © primeiro sentimento primério do ser humasjo esté ine~g xoravelmente ligado a sensagées ¢ em ambos temos a confluéncia 117 Perigo... Amor a vistal do que denominamos ternura, © termo vern de terno, vulnerdvel. ‘Muitas vezes esquecido em psicologia, ndo se lhe confere qual~ quer classificagio © passa tio despercebido como o da alma. Sem diivida a capacidade de sentir ¢ aceitar carinho ¢ essencial para a construgio de relagdes di idade. A relagio amorosa baseia-se ela, Permite trespassar a distincia de relagGes que requerem maior distanciamento afetivo, como as relagées de trabalho. Os bragos da mie sio iguais ao sentimento que geram, confundem-se com 0 mesmos. Nas culturas latinas, a ternura tem maior campo re- lacional para manifestar-se. N6s, latinos, tocamo-nos muito, ainda que os homens, ao se abracarem, prefiram dar um tapinha no ombro uns dos outros para no despertar suspeitas. A demons- tracio fica mais evidente quando € exercida por mulheres. O homem aceita dar ¢ receber carinho de uma mulher sem 0 temor da homofobia. Mesmo assim muitas vezes sexualiza 0 contato para poder aceité-lo: é mais fécil procurar por sexo do que por um contato afetivo. Isto é totalmente cultural, jf que homens mulheres necessitam de carinho como uma parte integrante das relagées de intimidade. Sem ele a forga converte-se em dureza. A lade a dor alheia est4 carregada de sentimentos de ternura. Aproximar-se sem sentir perigo, respeico pelo outro, idade, tém sua matriz no sentimento primério de ternu- it a ternuta pela eficiéncia dos cuidados deixa marcas indeléveis, essa pessoa tender4 a aucomatizar as relagbes afetivas. Geralmente a vernura nfo requer muitas palavras, € pré-verbal ¢ auto-explicativa, Muitas vezes, colocé-la em palaveas é tirar-the a profundidade. E bom adiantar-me, se a ternura néo é acompa~ nhada por uma aprendizagem dos limites, das regras e da auto- nomia, pode converter-se em uma prisio que gera relagdes de 1 méxima dependéncia, como os vinculos de apego, ou 20 contré- rio pode levar & sua cotal negagio para evitar que se fique A mercé de quem se ama. 118 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters Quando destaco a importancia destas experiéncias, fago-o principalmence em relagio A matriz inicial do Pa se inscreve uma ancecipagio prazerosa da alimentagio ¢ dos cuidados basicos, esse prazer antecipado permanecerf como uma tela de fundo das experiéncias posteriores, transformando-se em uma qualidade presente nos diferentes aspectos da vida, desde fazer amor até realizar um trabalho ou cumpric com uma obriga- ‘80. Pessoas com estas caracter(sticas so capazes de criar climas agradaveis, preenchem positivamente o ambiente s6 com a sua resenc2, nio necessitam dizer algo para gerar ao seu redor wma predisposigio a situagées prazerosas. A auto-estima esté em grande parte condicionada por esta terne, O olhar materno, representando 0 olhar do que esté 20 tedor do bebé, serd o olhar com que observard suas propriay A temnura ¢ a receptividade antecipam uma relagio amorosa con- igo mesmo. E por amorosa nfo quero dizer condenscendeinte ¢ disposto a justificar cudo e sim continente para aceicar especial- mente 0s erros. © temor de um julgamento interno excessiva- mente severo provoca uma fuga da autocritica saudével, Nesta altura € preciso lembrar que estas situag6es nio so deverminadas meramente pelas influ@ncias externas, mesmo que © bebé ainda nio saiba diferenciar o interno do externa. As séries complementares de Freud tém total valor e no devem ser esque- cidas a0 considerar a formagio das caractecisticas de uma pessoa. Os fatores genéticos podem influie positivamente ou no, assim como os fatores exégenos. Endo e exogenia sio fatores absolu- tamence interligados ¢ indivisiveis. Apenas os separamos para sua melhor compreensZo ou por causa de nossa eterna ineapaci- dade de ter um pensamento integrado, Moreno os descreve como fatores ligados 3 funcao de, €¢ (melo ambiente), | Perigo... Amor a vistal Asexperitnelas adquiridas em forma priméria, enquanto ainda nio formam um mecanismo psiquico mediador das mesmas, tém ‘um registro tensional massivo. A meméria corporal tio discutida ‘em seu sentido estrito, pode ser compreendida como um registro no nfvel de maior desenvolvimento do bebé: seu corpo. P: se desenvolve 0 registro tensional; segundo, 0 afetivo; eem tercei- ro, ‘olugio sequencial. A marca mpemOnica requeriria um desenvolvimento do sistema nervoso central do qual © beb@ ainda carece 20 nascer. A falta de atos a que se refere More~ no fala-nos de uma seq{igncia interrompida de ages sem registro nem finalidade, mas no qual se € capaz de perceber as tenses. As experincias negativas deste cluster podem enfraquecer muito o desenvolvimento posterior. O estado de abandono e desamparo podem gerac uma incapacidade do ser humano de passar para 0 préximo estégio de desenvolvimento com elemen- tos suficientes para a sobrevivéncia emocional. A inseguranga ontolégica bésica de que nos fala Ronald Laing (Ronald Laing, Elye dividide. Fondo de Cultura Econémica, Buenos Aires, 1974. p-35) refere-se a esta condigio. A falta de cuidados amorosos minam o desenvolvimento psiquico e fisico de um bebé, Tevan- do-0 4 morte nos casos mais graves, ou 2 psicose em outros. © bebé superprotegido também est4 aprendendo sobre = vida eo amor. As condutas de apego nascem geralmente de con- catos primérios que aprisionam, Perguntando a um paciente com estas caracterfsticas 0 que era para ele o amor, respondeu-me: “algo semelhante a um grude, um amparo, mas que 0 deixa de- pendente do ser querido”. Outro exemplo: uma paciente disse sorridente: “uma flor leve e bonita”. Indagada sobre qual seria esta flor, respondeu: “o cravo do ar”. Trata-se de uma planta electual numa ev parasita que morre 20 morrer 0 hospedeiro. ‘A ceemenda forga da aprendizagem priméria reside no fato veriéncias se inscrevem como mites, sao verdades que ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters sio o inconsciente ‘Popular. Permanecem instalados em um lugar inatingivel. Apesar do eu rudimentar, a sgesintonia indica que todos estes escimulos sio incorporados como pertencentes 4 ordem natural. Um paci- fente, a quem chamarei Ramén, relata que sew nascimenco acon- teceu apés quatco abortos involuntérios de sua mie. Desde pe- queno a angdstia da moree o persegue, sente-se sempre em perigo ¢ apesar de ser um profissional inteligente nfo consegue a © esforgo necessétio 20 exercicio de uma profissio em um pals de Terceito Mundo. Sente que tudo esté acima de suas forgas ¢ ‘com freqiiéncia repete que se sente “quebrado”. Uma tinite alér- gica denuncia a sua suscetibilidade, mas ele crt qui prova ircefutdvel de sua debilidade genética. O medo da morte cera de sua mie, porém, nesse momento do desenvolvimento, no faz diferenga alguma. © bebé aprende que 2 hostilidade e 0 desamparo ou 0 seu oposto, a superprotesio, sto as constantes, o mundo é assim, ele é assim. Aprende que a ameaga estar sempre presente ¢ teré que implementar recursos de sobrevivéncia. Nao existe ser humano ‘que no tenha que aprender a enfrentar a angiistia gerada pelas frustragdes da vida através de condutas que permitam sua sobre- vivéncia emocional. A eficécia das condutas € o maior ou menor custo pago por sua implementacZo serio um fator essencial na adaptacio positiva ou negativa 20 mundo adulto. Insisto em que todos os seres bumanos recorrem a estratégias que sio uma forma ticular de enfrentar a angiistia, quanto maior a varie; recursos, maior a versatilidade de uma pessoa. mecanismes de defisa. Claro que nada pode superar o meticuloso trabalho de Anna Freud sobre este assunto com os comentitios de Melanie Klein. A partir da neurose e psicose como centro de investigacio, esses ficam impregnados dos conceitos patolégi- cos. E mesmo explicitamente explicados pelos autores, os meca- co 6 uma 121 Perigo... Amor a vstal ismos de defesa sio vistos como pertencentes a0 campo da neurose e da psicose. Nao é absolucamente assim. A angéstia é ‘uma temida caracteristica do ser humano, comitraparte da espon- Zaneldade, de tal maneira que uma aparece apenas quando se su- rai outta, Desde 0 inicio da vida € preciso implementac estra~ tégias para assegurar a sobrevida emocional. FA dissociagio € 0 primeiro ordenador do caos para a saida desse primeiro universo. A repressio assegura a adequagio das condutas. Sem elas, segundo Jorge Luis Borges, no existiria ci- vilizagio. Vamos nos estrucurando dentro de nossas caracteristi- cas “naturais” na medida em que aprendemos a utilizar novas estratégias. A diferenca entre essa sutil margem que separa o nor- mal do patolégico consiste na duragio ¢ na proporcionalidade das condutas utilizadas. Estamos na presenga de um mecanismo de adequagio bem-sucedido quando, frente a um estfmulo nega- tivo que ameaga nosso equilfbrio, ativamos uum recurso € 0 aban- donamos pasado © perigo. Podemos classificé-lo no dom! da pacologia se ease recurso persistic apés a passagem do perigo, bem como se a proporsio entre estimulo e resposta desaparecer, Nao é a mesma coisa ficar paralisado ou fugir diante de um in- céndio ou assalto, e fugir ou ficar paralizado diante de um rato inofensivo. Este comportamento € muito conhecido ¢ talvez seja interpretado como verdade ja sabida, mas insisto que vejo estes casos freqiientemente com o mal uso destes conceitos ¢ com seus conseqiientes efeitos negatives nos pacientes. Mas, assim como o mito tem uina grande forca de impregnagio, o conheci- mento popular se apropria de um conceito ¢ 0 transforma em algo que nfo se pode conter. Os conhecimentos indivistveis de Freud tornaram-se péblicos, foram deturpados banalizados. ‘Assim classifica-se obsessivo alguém simplesmente ordeiro; his- térico, alguém que manifesta intensamente suas emog6es; fébico, aquele que tem medo ete. 122 As mareas da vida: a teoria dos clusters Em uma sessio de casal, sinto a neces ide da participa~ cdo dos filhos. Existe um filho-problema, 0 nico homem de quatro irmios. 6 0 mais velho e sofre de gagueira que o incapa- para tudo, Ele se encontra em tratamento especializado, mas com pouco progresso ¢ rornou-se o receptéculo de todos os problemas da familia, é o “louquinho”. Na noite de Natal teve tuma crise que chamaram ", quando viu os fogos de artificio. Suas irmis 0 ridicularizaram e Martin, que € 0 seu nome, entrou em um mutismo prolongado. Na sesso se flan tnhe 16 anos mas pate ser mais joven Una das tends disse que Marcin era um covarde. Pego-lhes que falemos todos sobre o medo. Comeso por dividir com todos que eu pessoal- mente sempre tive muito medo de fogos de artificio e que nesses momentos aliviava-me segutar a mio de minha mae ou de meu pai. A mie disse nao ter medo, mas uma das meninas lembrou-se que sem divida havia escutado sua mie relatar que uma vez, en- quanto era crianga, teve muito medo de morrer e desde entio nto podia subir ao terrago sem companhia, Quando o pai, um ho- mem calmo ¢ muito agradével comega a contar suas experiéncias com medo, Martin vai-se aproximando ¢ o fita fixamente. Como? Papai com medo? A confissio do chefe de familia autoriza outorga dignidade 20 que era sentido como um defeito vergo- nhoso. Falamos muito sobre as estratégias que cada um utilizava diance de diversas ameagas, desde mantas escondidas até ursi- nhos de peldcia. Martin terminou a sesso rindo. Ao despatolo- gizat_o sentimento de Martin, humanizamos ¢ legitimamos 0 mesmo como tal, questionando apenas a resposta diante do sen cimento € no o sentimento em si, ‘Um paciente ‘Um pac agnosticado como esquizofrénico, que cha~ mafei de Juliém, consultou-me por ter uma vida emocional pobre ¢ uma vida profissional espléndida. Dizia que nasceu de uma relagio sem amor. Sua gestacio foi um “erro de célculo” dos pais 123 Pe Perigo... Amor vistal @ s6 nao foi abortado devido a formagio religiosa da mae. Sua concepcfo foi indesejada, seu nascimento foi realizado com efi- ciéncia, seus cuidados ficaram a cargo de uma enfermeira. Seu corpo nio registrava o prazer do contato, Era eficiente e cumpria lava sem .clusive sua sexualidade mecinica, suas obrigasoes, orgasmo. Neste momento do desenvolvimento vai se construindo a relagio com as necessidades: conviver sem angiistia com elas, assegura a possibilidade de no negé-las, jé que ndo hé ser huma~ no que possa estabelecer uma relagfo smorosa sem sentir que o ‘ser amado, além de desejado, transforma-se em alguém de quem se precisa. A dependéncia madura, necesséria para estabelecer uma relagio duradoura, transforma-se, em muitos momentos, em ne- cessidade priméria ¢ infantil. A vida, ¢ nfo estou dizendo nada de novo, no transcorre de forma linear, Nao se sente nada em plenitude durante toda uma vida. E nestes momentos de fracas- s0, de perda, de medo da vida, o desejo transforma-se em neces sidade com uma freqiiéncia imperiosa. Se alguém jf passou pela exapa correspondente 20 cluster materno de forma natural ¢ se ‘Sentia cuidado, vai poder aceitar estes momientos. Caso contré- fo, pode marcar o fim de uma relagio, pode-se chegar a odiar uma pessoa porque sente-se que ela é parte imprescindfvel da sao Nar exapa, as emogées béscas predominantes so a voracidads¢ ‘si eje. Melanie Klein (Hanna Segal, Introduccin ala obra de Melanie Klein) classifica-as como sendo as emog6es mais primérias do ser humano. Seguindo a seqiiéncia que estamos descrevendo, a exapa da matriz toral ¢ indiferenciada, a necessidade primiéria bé- sica do bebé é a da alimentacio. A insatisfagio dz mesma gera tensio ¢ angiistia, sua sobrevivencia esté ameagada. Se a privagio estiver acompanhada persistentemente pela frustracio, a voracida- de instala-se. Come-se com édio pelo alimento. Incorporar con- 124 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters verce-se em um ato perigoso e portador de angéistia. Basta a ante- cipagio da necessidade de alimento para que essa se converta numa ameaga vivida como fato global ¢ nio limitado. Pode-se di- zet que a voracidade € édio ¢ nfo fome ¢ acabaré por destruic aquilo que deveria alimenté-lo. ‘Andrea tem 28 anos, sofre de anorexia desde os 18 ¢ tem perfodos de bulimia. Depois de ter dois filhos seu estado pio- rou, a angéstia celacionada a comida torna-se insuportével. sendo medicada, com poucos resultados. Possui um irmio mais | novo que sofre-de esquizofrenia desde a adolescéncia. Em uma dramatizagio ceproduz uma cena terrivel. H4 um camundongo perdido que corre porque o queijo que ele deseja esta numa armadilha mortal. Assumindo o papel da armadilha, diz que € uma mfo gentil, mas assim que aproximar-se da presa, iré fechar~ se sobre ela. Lembra que sua mie teve durante a gravidez um lurko patolégico ocasionado pela morte de sua prépria mae, uma pia- nista famoss. Sofria de temores continuos ¢ quando tomava sua filha nos bragos, apertava-a com o pensamento de que iam lhe roubar a filha. Ac contrétio do que poderfamos imaginar, a mie tinha muito leite, que fluia sem a necessidade de sucglo. $6 0 fato de recordar esta cena faz com que Andrea vomite de forma quase incoercivel. Durante o vémito, pediu-me que Ihe trouxes- se algo doce por favor, a0 que atendi prontamente, pois sempre tenho balas na sala de espera. Ao ver as balas tranqililiza-se e no sente necessidade de comé-las. Soeri e me diz: “que alfvio, senti que tinha desaparecido toda a comida do mundo”. ‘Andrea no podia diferenciar a angiistia de desintegracio que a mie sentia ao sustenté-la e alimenté-la, da prépria destrutividade associada a necessidade de ser nutrida. Tornar-se mie atualizou o perigo da relacio. ‘Outra emogio bisica associada a esta etapa é a inveja. Trata- se sem divida de um dos principais motives de destrutividade 125 Perigo... Amor a vistal do ser humanc, merecendo por isso um capitulo 3 parte. Do ponto de vista evolutive a inveja seria um sentimento de instala~ gio posterior. Na primeira etapa de indiferenciagio, a necessida- de de ser aliméntado e a fonte de alimentagio si0 uma Gnica coisa. Portanto esta identidade protege de sentimentos de im jA que ndo se pode invejar aquilo que se possui. O amadureci mento psicofisico determina que 0 bebé comece a diferenciar 0 mundo 20 seit redor. O.outro ¢'0 eit no formam uma unidade indivistvel, portanto, inicia-se um rudimento'de consciéncia de que a fonte de prazer nio Ihe pertence. Esta angistia primévia ‘contém uma mescla indiscriminada de sucesso e fracasso. Alegria por sentir seu préprio cerritério e angdstia pela perda de nfo conter dentro de si tudo do que necessita paca subsistir. A inveja éacaiva de admitir que outra pesso: Bo Sentimento humano mais negado e projetado, sempre combatido com remédios magicos como ervas, pedras protetoras, plantas, posigdes exc. Mas a protegio solicitada é sempre para que 0 dano que os invejosos poderiam produzis, nunca para a prépria inveja. Ela é considerada o mais desagradavel dos sentimentos huma- nos. E vista como um defeito ou pecado tanto do ponto de vista joso. O fato € que a fustigada inveja é uma Ela existe em maior ou menor escala em todo moral como do r emogio iniludtvel ser humano, Apesar do que acabo de escrever as emogdes no sio . Se alguém qualifica outea pessoa como sendo muito invejosa, ou pouco inveosa, esté quantificando ¢ de certa forma julgando. A adminiseragio diferenciada da inveja, emogio bésica como outras, € 0 que gera a diferenga entre as pessoas. A negagio ¢ projegio sio as duas formas mais freqiientes de conduta diance desta temida inimiga da auito-estima. Como ambos os mecanis- mos sio formas de administragio que nunca chegam a suprimi- la as pessoas acometidas por ela vivem referindo-se 3 inveja dos mensurave outros como algo petigoso. E com razio. OQ stague invejoso € uma 126 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters das arnias mais perigosas porque tem sempre uma racionalizacio_ que justifica o ataque. Conta um paciente que, no dia em que se formara como médico, convidou virios amigos para festejar. Um deles que tinha sido seu companheiro de classe, mas que havia atrasado seus estudos devido a problemas familiares, a0 abragé- the que neste momento de tanta felicidade tinha que ser sincero ¢ dizer-lhe como tinha se sentido prejudicado e abando- nado quando seu amigo ausentou-se durante a ocasiio do pro- blema familiar que o fez abandonar temporariamente sua carreira. “Sincericfdio”. Era uma verdade e o homenageado sabia que devia a seu amigo uma desculpa por sua omissio, mas © momento escolhido foi estimulado por uma grande inveja. A vida cotidiana esté cheia de exemplos ¢ infelizmente a vida nfo tio cotidiana também o esté. Este exemplo é cotidiano, os arquétipos dos ata- (ques invejosos so 0 crime de Caim (que veremos ao tratar do cluster tr@s) ou 0 de Judas, que deser6i seu amado Ifder ou o de Yago, impulsionando pela inveja o ciumento Orelo. Mas 0 verdadeiro € maior efeito devastador é 0 do préprio invejoso. E um sentimen- To que corréi, que ndo permite a alegria com o triunfo alheio, que gera prazer diante do fracasso do invejado. O sentido corrosive do sentimento remonta 4 mesma etimologia da palavra “inveja”. Invidere, em latim, significa “olhar atravessado, de sos! explica 0 “olho gordo”. Os gregos usavam o verbo baskainein para enfeitigar com o olhar. Sécrates dizia que a inveja € “uma espécie de dor”, o invejoso ~ diz — € 0 que amarga com o éxito de seus leiro Zuenir Ventura em seu livro O Mal Seereto (Obj Janeiro, 1998), 6 comparacio etimolégica da palavra inveja, com a palavra cénces. Cancer, caranguejo, quer dizer 0 que se esconde, igual a inveja. Por acaso o cancer seria uma somatizacio da corro- siva inveja? Pode ser, se lembrarmo-nos que € uma emogio que pode encontrar a adequada informagio genética. 127 Perigo... Amora vistal Outro dado interessante, até no Olimpo havia uma divi dade que representava a inveja. Chama-se Ptono. Mas 0 curioso & que em nenhum dicionério de mitologia aparece a hist6ria de “Prono. No dicionério de Mites Grigos ¢ Romanos de Pierre Grimal (Paidés, Buenos Aires, 1999) existe um verbete que diz: “Prono € a personificagio da inveja. Como a maioria dos deménios cuja personalidade apenas se distingue de seu nome, Prono nfo pos sui lenda prépria.” A inveja atta tanto na penumbra, que néo possui sequer uma lenda publicada. “Ariel percence a um grupo terapéutico. De vez em quando pede uma sessio individual e parece tratar de suas relagBes com tuma certa distancia mas adequadamente. E dentista, trabalha bem ¢ sua relagdo de casal & satisfatéria, tendo acordo, aio ter filhos. Seu tnico problema sério é sua obesidade mérbida. Pesa cerca de 100 quilos ¢ mede 1,70 metros. No gru- po é uma pessoa querida, ajuda e permice ser ajudado. Um dia, telefonou-me em minha casa porque precisava ver-me com ur- géncia. Fazia uns trés meses que precisou comesar um regime severo porque os triglicérides haviam subido a nfveis alarmantes. Uma semana depois de comecar o regime teve uma discussio alterada no grupo. Uma companheira ficou gravida e Ariel a ata- ‘cou com veeméncia, dizendo-lhe como podia ser tio irresponsé- vel a ponto de trazer filhos ao mundo estando na situagio eco- ‘ndmica em que estava, Na sessio seguinte disse que nfo se sentia bem e pediu desculpas pelo ocorrido. Na seguinte, outro com- panbeizo anuncia que vai terminar sua faculdade na Franca com tama bolsa de estudos. Ariel manteve-se calado, estranhamente mudo, ¢ como 0 foco estava em outro ponto nio se falou mais isso, Nessa tarde Ariel me chama porque, enquanto estava no consultério, teve um ataque de angistia ¢ teve de interromper ‘seu trabalho. A sessio de urgéncia é realizada no escritério de minha casa, para agilizar 0 atendimento. Seu olhar investigador ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters sobre o meu escrit6rio foi desageadavel. Era outro Ari to 0 que Ihe acontece, ele me diz que se sente incomodado nesse lugar cheio de coisas pessoais minhas. Meu consultérie possui coisas pessoais: foros de meus filhos, minhas netas, minha fam{- lia. Muitas vezes, os pacientes perguntam-me coisas pessoais ¢ dependendo da adequaio do momento, eu respondo. Disse-me que o desculpasse mas que Ihe ocorria uma erftica feroz sobre a forma pela qual a sala estava decorada. E “pequeno burguesa”. Sua angiistia € intolerdvel e pego-lhe que estudemos o sentimen- to. Ele a representa na forma de uma adaga. Concretizando a adaga, diz que vai cortar tudo 0 que Ariel no tem porque o ama muito € nfo quer que ele sofra. A adaga se transforma em colher e Ihe d& sopa de mel. A imagem que lhe aparece é de sua mie desdenhosa. Conta-me que ela se casou grévida do chofer da casa dos pais. Descreve-2 como muito bela ¢ que detesta mau gosto. Seu pai, chofer da casa, é muito mais velho e proveniente de uma familia pobre. Ele € obrigado a se casar para que tudo passe despercebido ¢ marre quando Ariel cem trés anos. Na en- cenagio a mie Ihe diz que ele é adordvel, mas que o sangue que tem de seu pai deve ser desprezado, nfo serve. Ela se See mente, desta vez com alguém de sua classe social e tem outro filho homem. el engorda excessivamente o que Ihe permite continuar sua vida como se nada tivesse ocortido. Pego-lhe que Seja 0 sentimento que tem pelo menino. E uma dor incensa, de- sesperada, a adaga transforma-se em colher para néo destruir 0 A inveja & uma dor dilacerante, insuportivel, mas sempre elo desamparo. Muitas vezes a adaga, que costuma see a lingua viperina, dirige-se 20 ser invejado através de uma cexftica mordaz e daninha socialmente aceitével com um sorrisinho complacente. Em momentos de dificuldade socioecon6mica éomo a que atravessamos de forma crOnica na América Latina, estas 129 Perigo... Amor d vista! dissimuladas lnguas venenosas ferem os que conseguem ter su- cesso. temida porque fere, ¢ muitas vezes a reputagio de uma pessoa € manchada por comentérios maldosos. Uma vez que o boato comece a circular, nfo é possivel pard-lo ou deté-lo. ‘A admiracdé € a conteapartida da inveja, Também, a gratidéo, ‘Ambas sao incompattveis coma inveja, A admiragio muitas vezes & chamada de inveja saudével, um contrasenso total. O reconhe- cimento do bem causado pelo recebido, enaltece tanto 0 que di como 0 que recebe. Apropriar-se dos aspectos positives admica- dos, legitimamente incorporados, requer como passo prévio a gratidio. Reconhecer o recebido sem ficar em divida sustenta 0 direito de transformé-lo e de ndo ter de ser fiel a0 recebido. Nes- te exato momento, estou me apropriando ¢ transformando os conhecimentos que aprendi de Melanie Klein, a quem reconhego como minha primeira referencia em psicanélise. Reconhecer (conosco novamente) nfo €o mesmo que “dever”. O reconheci- mento liberta ¢ a divida escraviza. Reconhecer a fonte de amor, conhecimento etc, , permite-me dar-lhe minha reprodugio sem sentir que destruo a fonte de meu crescimento. Infelizmente, existem no mundo mais dividas que reconbecimento e a criatividade to necessdria € substitufda pela repeticio ritualizada. FE inceressante deter-se por um instante no significado da palavra “gratidio” em diferentes idiomas que tepresentam dife- rentes culturas. “Gracfas”, em espanhol, significa desejar & pes- soa que fez algo por nés, gracas especiais de Deus, como reco- nhecimento de sua bondade. Em portugués, ao contréri se “obrigado”, que implica estar obrigado a algo, ficar em divida. mesmo vale para “grato”. Em inglés, “thank you” apr significado em espanhol, mas também se diz “much obligs dindo a uma obrigacdo. Em francés também existem duas manei- jima-se do "alu ras de se expressar a gratidio: “merci” e “je suis obligé”. Reco- nhecimento e obrigagio confrontando-se nas diferentes culturas. 130 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters Na nossa cultura a culpa ocupa um lugar constante e pos- sui sua macriz nesse estigio de evolugio. Se a dor da inveja é enorme ¢ jé implica a insuportével nogio de que alguém jue nos foi negado, a culpa costuma ocupar 0 lugar oposto, o de ssuem, A culpa € definida como um sentimento doloroso por haver cometido um ato reprovivel contra a lei ou a mors A isto podemos agregar sentimentos ou pensamentos indesejaveis ou incompativeis com os valores vi- gentes. Em seu liveo Elagio de La Culpa (Editora Planeta, Buenos Aires, 1996), Marcos Aguinis prop6e reconsiderar a culpa como algo positivo que evita os grandes massacres ¢ injusticas. Diz: “Bu sabia que a culpa ndo tem misericérdia, que muita culpa é intolervel. Mas adverti que a auséncia total de culpa leva-nos 20 nivel da vilania”. Mas ultimamente a sociedade tem encontrado formas de suprimir a culpa. Os poderosos de qualquer denomi- nacio costumam ignoré-la e ignorar 0 castigo. Rouba-se, enga- na-se com a maior tranqiilidade. © contato difrio com subor- nos, assassinatos impunes, desfalques cometidos por politicos e detentores do poder econdmico passam a ser parte do imagin4- tio popular A regea estabelecida & a de que basta ter poder de qualquer tipo para ignorar os limites. E uma questo de esperar ‘0 momento oportuno para se ignorar os limites. Mesmo assim a culpa continua sendo um corretor de abusos. Gragas 4 culpa 0 ser humano abandonou 0 canibalismo, a horda primitiva aceitou os limites que lhe garantiram a sobrevivéncia. Assim também emergem dela as proibigées as regras morais. A culpa converte-se em alarme frente A presenga de um limi- te, Assinala 2 barreira que marca 0 permitido. © problema reside no limite do territério. A repressio encontra-se a servigo da fun- Glo de demarcacio de terricérios permitidos e pr: por que se demarca o territério? Proibe-se fazer algo errado reptimesse a ago, petmanecendo umz margem para assumir 0 131 aorch Perigo... Amor d vistal desejo ou impulso e evitar realiz4-lo por consideré-lo contrério 20 que se considera desejavel. Mas 0 préprio sentimento pode ser intolerdvel, apagando a consciéncia do mesmo. Para suprimir 0 préprio impulso com a conseqiiente perda de energia, pode-se ic ainda mais longe. Toda nossa cultura judaico-cristd esté baseada muito mais ‘do que na responsabilidade, Responsabilidade quer di- sim que responda, que assuma. Ea diferenga € fundamen- tal. E como nfo cometer um crime pelo medo do castigo ao invés de renunciat a ele por causa de uma profunda convicgio de que a ago € errada, Fora do ambito social, no cotidiano, o bebé é edu- cado muito mais sobre a base da dfade culpa-castigo, do que sobre a compreensio da norma estabelecida. Nao faga isso ou aquilo porque senio 0 colocarei de castigo, ou néo vou amé-lo ‘mais, ou vou-me embora e no voltarei mais... ete. © medo do castigo e nio a compreensio da protesio da norma vio consoli- conhecido o poder de dominacio da culpa. A ane- dota da mie judia que domina seus filhos e todos ao seu redor com o softimento é uma caricatura verdadeira de cenas cotidia~ nas. © softimento encontra-se internalizado como um valor. Ha- bicando especialmente o universo feminino através de esterestipos que nos indicam que © homem faz softer ¢ 2 mulher sofre controla pelo sofrimento. A dor longe de ser evitada aparece como tum fator de poder, portanto passa a ser valorizada. Jogos gera- dos pela culpa, que perdem sentido & medida que cada um, inde- pendente do género a que pertence, tem o direito a desenvolver suas potencialidades. A reponsabilidade € muito necesséria ¢ sau~ vel, significa capacidade de resposta. Cada pessoa assume suas possibilidades denero dos limites que demarcam a coexist@ncia. © ideal do eu vai-se estruturando lentamente através de hébitos e costumes internalizados. A aprovacio ou desaprovagio 132 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters dos pais vio demarcando através dos conceitos bom ¢ mau a conduta do bebé. Um sorriso ou um gesto severo so sinais que cordenam a vida até se configurar um sistema de valores. Esta culpa ajuda a diseriminar o bem do mal. Mas pode ocorrer que na etapa de discriminagio do eu e nfo-eu a internalizagio da introdugio desses elementos seja acompanhada da sensagio de ter prejudicado alguém. Alicia € amamentada por sua mie durante quase dois anos. ‘Tem a sensagio de ser m4 somente por necessitar disso. £ culpa- da por algo inevitavel e saudavel: a fome. Quando tenta racionali- zat seus sentimentos, eles surgem com a convicgio inaltervel de sua maldade inteinseca, Alterou esta percep¢io apenas quando em uma troca de papéis com sua mie, esta se queixava constante- mente dos cuidados que sua Gnica filha requeria. ‘Teve uma he- morragia durante o parto de Alicia tendo que submeter-se a uma histerectomia. Ela havia “nascido para ter filhos”. Aprofundan- do esta afirmacio disse que na realidade sua mie se casa depois de ter tido uma grande paixo homossexual por uma prima. As duas, fugindo desta situagio, casam-se 0 mais rapidamente pos- sivel e decidem ter filhos para afastar esse fantasma. Porém con- fessa ter nojo da relagio sexual ¢ também de amamentar, mas esforga-se para demonstrar que é mulher. Sente-se culpada por algo que é, no por algo que fez. Como conseqiiéncia aprende a linguagem das pessoas dominadas : no sabe pedir com exatidio 0 que deseja. Reclama constantemente colocando sempre 6 ouvinte no lugar daquele que fez algo ruim. ‘A culpa é cambém passtvel de sex manipulada de duas ma- neiras fundamentais, ou se assume diante de uma situagio de conflito que se € culpado de algo até que se prove 0 contrétio, ou se supSe que 0 outro € 0 causador das faltas ou dificuldades. Essas expresses sio claramente reconhectveis em algumas pes- soas que se manifestam na expresso: “o que fiz?” gravada em ela cul 133 Perigo... Amor a vista! seu semblante dilinte de outros que parecem dizer constante- mente: “o que voct fez?". Os vfaculos que estabelecem os do grupo do “o que fiz?" sio, em geral, mais Ficeis, sio pessoas que permitem uma aproximagio com mais faclidade que as do grupo acusatério daqueles que tendem a colocar-se a distancia. Frente a0 imprevisto, fica clara a anulagio da opgio na qual uma pessoa seja capaz de questionar-se “o que aconteceu?” 20 invés de “o que fiz?" ou “o que voce fez?”. A vergonba € outra das ansiedades precoces. Muitas vezes é confundida com a culpa, e €a predominance da cultura japonesa, A palavra provém do latim verecundia e quer dizer: turbagio do humor que costuma provocar um rubor no rosto ocasionada por uma falta cometida ou por alguma agio desonrosa e humilhante, propria ou alheia. A origem nos diz também que é vere, verdade que se faz cundere, aparece. A vergonha é irma do pudor, virtude feminina por exceléncia em outros tempos e causa de sofrimento nos homens. O rubor & a reagio fisiolégica que se faz aparente. Ao contrério da culpa, onde se supSe que se come- teu uma falta, 2 vergonha aparece ao se revelarem os verdadeiros sentimentos de uma pessoa. Nas pessoas em que a vergonha € um sentimento predominante, a sensagio incémoda é a de ser colocado em evidéncia. Trata-se de pessoas sensiveis ou seja, os estimulos sio sentidos intensamente. O parentesco coma culpa estabelece-se na presenca de um ideal sue separa permitin- do certos sentimentos ¢ recusando outros. Lembremo-nos dos dramas roménticos nos quais a donzela ruborizava-se diante da evidence atragio pelo gala. Nao faltava um fechar de olhos pudento ou uma fuga apressada para ocultar seus verdadeicos sentimentos. Nesta versio a vergonha perdeu a sua vigéncia. A qualificagio de “desavergonhado(a)” deixava claro que a vergo- sha era considerada uma virtude, ou a cldssica frase em porcugu- és “eria vergonha na cara”, Aquele que a sofre, sabe que nio é 134, ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters uma vireude, mas um padecimento enorme. No exemplo que men- cionei no inicio, 0$ japoneses tém um profundo sentimento de vergonha ¢ © berakiri advém deste sentimento. Quando altas expectativas sobre seu desempenho nfo sio cumpridas, a humi- Ihago pode ser tio insuportével que conduz ao suicidio. Fra- asso, humilhaséo, desprezo por si mesmo sio experiéncias que acompanham a vergonha. A superprotecio materna costuma ser a matriz do senti- mento. Usha fie temerosa que cuida mais do que ensina a cui- darse produz uma sensacio de definitiva vulnerabilidade: Sé a isto se acreacentar uma atitude paterna dura e crf tum quadro no qual a vergonha encontra sua origem. Quando “posto em evidéncia”, monta-se uma equagio na qual a vergonha instala-se de forma predominante. Expor diante dos outros ama agdo incorreta gera a sensagio de humilhagio que costuma dar corigem 3 chamada timidez. Antecipa-se A situagio em que seré exposto. Este recurso é muito usado por maus professores que, expondo o erro de um diante de outros, bloqueiam progressiva~ mente a aprendizagem. £ como se temessem continuamente se~ rem “pegos em flagrante”. “Decam-se conta do que realmente 0 ¢ colocaram-me em evidéncia”. Diance deste temor, a soci- alizagio fica obstrufda, ¢ 0 retraimento € a defesa mais eficaz. A.esta altura é importante esclarecer 0 lugar do inconsciente na teoria de Moreno, Como jé disse em outros artigos, Moreno no nega a existéncia do inconsciente. Nao se pode neg: seria absurdo fazé-lo. © conceito é um dos que mais tem pregnado a cultura do século XX. O que Moreno nega do inconsciente ligado 20s instintos. Seu centro nevrilgico, a espontaneidade, configura uma visio essencial do ser humano como um génio potencial, e no como um ser dominado primari- amente por instintos de vida e de morte. Sem divida, podemos pensar que hé uma transmissio genética de caracterfsticas que idéia 135, Perigo... Amora vista! formam parte do ser humano. Neste lugar estaria 0 inconsciente coletivo, aspectos do ser humano que passam a formar parte da bagagem com que viemos a0 mundo, Podemos afirmar com cer- eza a presenga de'uma instincia psfquiea que armazena infor- magio. Os dados descartados como indteis e aqueles condena- dos a0 esquecimento por serem perturbadores permanecem nos registros, mas a0 se retirar uma representagio simbélica, néo podem ser evocados. Um paciente me dizia hd pouco em uma Sessfo de psicodrama interno, que penetrava primeiro em um quarto iluminado, tudo ali € evidente e claro, Ao fundo existe tum quarto aberto. Surpreende-lhe encontrar coisas que conside~ rava esquecidas, jogos perdidos, fotos. Depois hé um quarto trancado, a chave esté escondida € com muito esforgo acaba en- contrando-a. Dentro hé muitas coisas indecifréveis. Ele sente medo. Existem pissaros que © ameagam. Tem que avangar com muito cuidado para chegar a Gltima porta. Esta nio hé como abrir, possui, uma fechadura eletrOnica ¢ 0 cédigo foi perdido para sempre. Escuta vozes distantes e confusas. Alegra-se por fer perdido a chave e prefere no chegar perto desse lugar. E impor- tante esclarecer que o paciente é um economista que nfo possui qualquer informagio psicolégica. ‘Outra metéfora que me é «til para compreender 0 conceito de inconsciente € uma que nfo sei se € minha ou se a tomei de alguém, se 0 fiz e nfo me recordo de quem foi, agradeco pelo seu. ‘conceito claro. Ela nos diz que 0 inconsciente é como uma frase em que foram esquecidas muitas de suas palavras ¢ as que per~ maneceram esto desordenadas. Os elementos estio ali, mas para 7 Pricodrama interno: trata-se de uma téenica desenvolvida com o objetivo de ‘ceabulhar com o paciente no conterto individual. Podemos dizer que o paciente € entrar em contato com imagens internas, cenas “jogtdas” dentro de si. E um mécodo eficsz para investiga ¢ elaborar frntesias¢tensBes internas. Nada impede que possa ser utilizado, também, em trabalhos grupais. 136 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters compreendé-ta € preciso reordeni-la. Esta é a tarefa do proceso terapeutico. A capacidade ou incapacidade de atravessar por momentos de dor, tristeza ou frustagio dependem da internalizagio de sen- timentos ¢ ansiedades com seus respectivos repertérios. A mie interna cumpre a fungio que permite atravessar sem maior ruptu- ra situagGes de perda. A chamada tolerincia dor € a capacidade de claborar ¢ superar adequadamente estes momentos. E por dor refiro-me as sensagSes de culpa, de vergonha, de angéstia ou medo. Isto é, que a situagio vivida primeiramente no “inter” ten- deréa pre, modificada pela soma (estimulo ¢ resposta). As lembrancas resultam dessa amélgama ao qual 2 resposta ocupa um papel preponderante. No livro Perigo... Amor @ vistal, afirmo o eonceito de origem comum quanto aos aspectos filogenéticos ¢ ontogentticos da angtistia e da espontaneidade. Sio fases de um mesmo proceso. Hoje completo e amplio 0 conceito a que se refere as origens da agressao. Em sua origem primordial, também a agressio constitu um todo indiferenciado que se pode definir como a capacidade vital de reagio convergem. Estimulado positivamente, o bebé relaxa e surge um ‘de prazer. Se o estimulo é negativo, a reacio é de desprazer manifestada por um choro representativo do desgosto. Os estf- mulos podem ser externos ou internos, como a fome ou qual- quer situagio que altere seu estado de nirvana. Mais adiante, os gestos de resisténcia poderio ser manifestados, langando golpes sem diregio pela falta de cooredenagio motora, mas explicitos em seu objetivo, como se dissesse “assim no quero” ou “aio gosto”. E dizer que a agressio € sempre em principio uma resis- téncia, A angéstia estabelece-se ali como uma resisténcia que anuncia o perigo. A espontaneidade € a qualidade da ago (sua jetie-se no “intra”, aio de maneira pura, mas como sem- inte dos estfmulos. No infcio da vida as trés 137 Foeuns PE Apesrses Perigo... Amor vista! ocigem: interna) Gue acompanha a mesma. A adequacio é uma que vai incorporando os valores vigentes do am- A agressio € uma defesa necesséria e significa. uma reagio adaptativa diante de ataques do ambiente. Mas nio é esta a Gni- ca fonte. A resposta saudavel adaptativa pode também respon- der a estfmulos internos, como a inveja ou os citimes. Se a frus- tagdo é sustentada nas primeiras etapas do desenvolvimento, ela é incorporada como parte constitutiva do eu. A tensio bus- card sua descarga como uma maneira de restabelecer 0 equilibrio interno. A’harmonia entre impulso ¢ norma € uma luca fanda~ mental para o ser humano. A presenca de impulsos agressivos sem filtro constitu a psicopatia, enquanto a sua total repressio configura a depressio, sendo esses os pélos opostos da trans- missio da agressio. E importante diferenciar a fonte da agressio, da inveja, dos ciémes, da sivalidade, da forma na qual se evidencia. Cada cluster re de diferencié-la. No dusterum, passivo, dependente, incorporativo, a agressio tende 2 manifes- tar-se em forma de abandono, deixando 0 outro softer a caréncia de afeto, de solidariedade. Faco voc? sentir que precisa de mim e deixo-o sozinho. Minha auséncia é como’a falta de alimento: vai deixé-lo sem forgas ou, 20 contrério, deixarei que sinta que sem mim nio pode viver ¢ assim ficard sem poder se libertar. Garras. Outras formas de manifestar a agressio € através da mordacida- de. A lingua viperina, a erftica, a queixa. O agressor deste est nunca parece ser responsivel pelo dano que causa, nunca tem a intengio de feris, mas o que sente suas alfinetadas percebe-o claramente. Nunca sio dicetos e fazem uso de mil racionaliza- ‘ges para justificarem sua conduta. Na tealidade, isto nfo passa de um véu que cobre a forga da agressio. Pessoas senstveis po- dem rapidamence serem convertidas em suscetiveis. Como 0 ou- 138 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters rigo-do-mar que parece inofensivo, mas que diante de um possf- vel agressor solca suas peconhentas agulhas. Outra imagem que surge com freqiiéncia em sessdes de psicodrama interno é a do polvo. Se alguém aproxima-se muito, pode ficar enroscado em seus tentéculos. A ternura e a benevoléncia convertem-se em at- mas poderosas. ‘Outra modalidade de conduta daqueles que pertencem a este grupo € de serem pessoas que se sentem com direitos que 08 outros no tém. O interlocutor € colocado no lugar do que tem a obrigacio de atender sempre suas necessidades perempt6- rias, porém nunca parecem ter recebido o suficiente. Sao insacid- veis. O mundo parece ser seu eteriio devedor, ou em sua tradu- fo reativa, mostram sempre que nunca pedem nada. Lembremos que pedir sempre abre a possibilidade adulta de responder ou no ao pedido e aquele que aparentemente nio pede esti exigin- do, O interlocutor deve, dentro do possivel, antecipar-se a seus desejos sob a pena de ser visto como egofsta. Q outro aspecto a levar em conta é a tolerancia para aceitar a agressio do outro, seja do companheito. (casal) ou do interlo- cutor em geral. E claro que em toda relaggo hd um momento de frustragio, Poder tolerar estas situacées é fundamental para no ficar impedido nesses momentos, configurando-se um conflito. A capacidade de digerir a agressio do interlocutor sem respostas catastr6ficas é fundamental para constituir um vinculo adulto, ainda mesmo quando a agressio for injustificada. Mas a super- protesio gera a sensagio de serem pessoas que nfo toleram que sse thes diga algo violento, duro. Nao aprenderam a se defender e se deprimem diante de alguém que nfo age como uma mie, que se transforma em uma espécie de escudo diante dos perigos da vida. Em uma sessio de casal surge um desacordo profundo so- bre um plano de construir uma casa ou comprar um apartamen- to. Ele luca intensamente por seu projeto e ela se deprime. Se ele 139 Perigo... Amor a vista! no estd de acofdo com ela “quer dizer que nfo a ama”. Aparece a possibilidade de investigar o mito que cada um tem de como se sente amado(a). A cena dela é a de seu pai castigando-a como reprimenda de uma cravessura. Ele bate nela quase suavemente, sua mie avanga sobre o marido ¢ coloca-se entre ele ¢ a filha, iria separar-se dele. O soliléquio da cena nesta situagio €: “devo ser muito frégil e meu pai no me ama, por isso fez isso. Minha mae me ama, por isso me defende”, O mito se insere no nivel mais primério, tal como jf comentamos. E seu mito irrefucével é 0 de que sé sente que alguém a ama se a preserva da luta pela vida. Continuando a cena ¢ jd em seu papel, retirando sua mie que se interpunha entre seu paie ela, resolve a situagio dizendo ao pai: “Assim nao se apren- de nada, porque a dor e a humilhacio do tapa s6 deixam raiva e medo, se quer me cortigir, deve fazé-lo de outra forma”. A des- agio € lenta, gradual e produto de um trabalho sustenta- do, mas comeca por introduzir a possibilidade de sentir que seu interlocutor pode sustentar seu ponto de vista sem que se esta- belega a sensagio de desamor. Em cada duster icemos considerando as diferentes modali- dades de manifestacio de agressio. omens € mulheres passam por esta etapa sentindo jé 0 precondicionamento social. A menina tem permissio para per- manecer nesta etapa por mais tempo e de maneira mais aceitivel. AA fragilidade € ainda uma condicio aceitével na mulher. © ho- mem carrega sobre si o mito da forga, € aquele de que necessitam, nunca o que necesita. Sua auto-estima depende de uma imagem de provedor, parece dizer 20 mundo: tenho o necessério para suprir as necessidades de todos, especialmente das mulheres. Muitas vezes as necessidade de contato, denegrida como tal, fica disfargada em sexualidade, é admissfvel para a auto-estima mas- culina desejar cer relagées sexuais, quanto mais as deseja, mais dizendo-lhe que se tornasse a fazer a 140 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters sobe © seu prestigio social. Mas o mesmo no ocorre com as necessidades de contengio e ternura, estas so qualificadas como atribucos femininos. Outrossim, a mulher pode confessar seus desejos de carinho, afeto ¢ companhia, mas deve aproximar-se com cuidado de seus desejos sexuais com o perigo de ser criticada, As necessidades em si sio as mesmas para homens ¢ mulheres, mas a relagio com elas depende de um condicionamento sécio- familiar que nfo mudou tio radicalmente como se poderia pen- sar num primeizo exame. Em uma oportunidade pude observar tum fato interessante: uma senhora tinha gémeos, um menino € ‘uma menina, Tratava os dois amorosamente, mas até seu tom de voz mudava quando falava com 0 menino ou com a menina. Para a menina usava adjetivos no diminutivo, como “preciosinha, primorzinho", ou “docinho”, jf para o menino, ditigia-se cor voz mais firme, dizendo-Ihe coisas como “minha luz”, “meu so “meu doce” ete. No menino elogia sua forca, sua musculatura, seu apetite. O “no seja arrogante” era dito com um sorriso que abria a porta da transgressio como algo aceitével, Exaltava na menina sua dogura, delicadeza, “vejam como é bonita” marcava 0 ideal feminino que se projeta muito cedo nos bebés. Quanto ao papel do terapeuta na dinSmica do cluster um, pode- mos dizer que todo o proceso terapéutico se dé numa sucessio de diferentes momentos. Quando um paciente encontra-se feri- do, machucado profundamente ou elaborando situagées, para jes que se sencem vulnerveis, 0 terapeuta é solicitado na Fangio raterna. K dor s6 € ulerapassada depois de ser contida. Isto significa que a principal dinamica terap@utica est relacionada ing. Controlar compreensivamente € 0 centro, inde- pendentemente das operagées que se possam realizar tanto ver- bal como dramaticamente. Nesta situagio chegou a um grupo Antonio, ele nfo podia articular uma palavra e pediu que Ihe fosse dado algum tempo para recompor-se. Chorava compulsiva~ 141 Metis, wocsae Perigo... Amora vistal mente. © grupo foi se aproximando dele suavemente e rodeou-o afetuosamente. Ele se recostou primeiro, era um homem muito grande, aceitou 0 contato corporal exercido pelo grupo, clara~ ‘mente no cluster um. Quando péde contou-nos que sua mulher acabara de receber um diagnéstico de cdncer terminal. Tendo con- trolado suas emogées para apoiar a mulher, chegou a0 grupo ‘sem poder falar para ser apoiado por.nés. A fala somente retornou depois de ter sentido a contengio amorosa do grupo. Interpretar ou tratar de operar de outra maneira um profundo momento de dor seria uma falta de compreensio total e grave desta fungio. O medo, também requer uma primeira etapa de contengio, até que se erie um campo de elaboracio. CLUSTER DOIS Loencamente o bebe amaducece, tanto psiquica como biologica- mente. Senta-se, sente a forga de suas pernas, suas mios alcan- gam os objetos. A apreensio Ihe concede 0 dominio sobre os objetos inanimados, dos quais aprende a diferenciar-se. O poder (verbo) comega a manifestar-se, “eu 19889”, 20 mesmo tempo que um novo personagem diferencia-se de sua mie: 0 pai ou aquele que vai exercer a fungi paterna. (© papel de bebe passa da fungio de ser alimentado, nucrido ¢ cuidado (papel de filho-mie), como eixo central e Gnico, para acrescentar a ele o da conquista gradual da aytonomia, necessi- tando de um eu-auxiliar que 0 ensine a ficar sobre seus préprios pés (grounding). A equacio complementar é, agora, filbo-pai. "Tanto com a ago aparecem normas que orientam e condu- zem_o movimento. Toda norma representa um limite 3 agio e ‘uma capacidade de direcionalidade. Aparece no bebé a nogio ru- dimentar do aprovado e do desaprovado. "Nao mexa na tomada, pode fazer um carinho em sua mle mas nio pode bacer nela”. As 142 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters normas aprendidas neste momento, como jé mencionei, tém a forca do mito iecefutdvel, j6 que o bebé carece de um mecanismo pslquico desenvolvido que contenha a capacidade critica de fil- tear as mensagens. A passagem do cluster um para o dois gradual e progressiva. Esta transic&o é essencial para a maturagao do bebé. Se a primeira etapa de seu desenvolvimento se deu sem grandes angtistias e se foi respeitado o seu ritmo de desenvolvimento sem retardé-lo ou accleré-lo, a passagem do estado de dependéncia méxima para a gradual conquista da autonomia seré natural e vivida com espon- taneidade. Quando 0 processo natural é perturbado, a angdstia evidencia a ruptura e 0 bebé terd seu desenvolvimento retardado. Esta etapa de cransigio coincide com o comeso da discriminagio sss0as, fantasia e realidade e eu € ndo- 4, Se no cluster um uma pessoa aprende a aceitar suas necessida- des, a passagem para o cuter dois vai-se realizar através da capaci- dade de aprender a reconhecé-las, nomeé-las ¢ administré-las. Surge entZo um conceito central da teoria sociométrica, 0 da relagio por eritries. Em sociomettia, 0 etitério sociométtico € 3 razio para as escolhas. Elege-se alguém para algo especifico. Nos primeiros momentos da vida, o bebé elege a mie para todos os crivérios, j4 que se encontra confundido com ela. Todas as necessidades esto dirigidas a uma dnica pessoa. Mas o cresci~ mento gradual permite a discriminacio das diferentes necessida- des que admitem uma alternativa. O pai a primeira alternativa, bé possibilidade de eolba. Assim constr6i-se a capacidade de relaciona- ‘mento com diferentes pessoas, obedecendo diferentes critérios. Moreno nos diz. que esta diversidade de critérios € uma medida saudivel. Ter a capacidade de ter amigos com diferentes afinida- des confere aos vinculos um grau de liberdade muito amplo. Porém lealizacio de encontrar uma Gnica pessoa para preencher to- dos os critérios transforma-se em uma fantasia tio desejada quan- 143 Perigo... Amor a viseal to temida. Os cadais absorventes culpam um ao outro por qual- quer desejo de vinculagio fora da relagio. “Com seu amigo vocé se sente mais a vontade do que comigo”, acusava uma belissima bailarina, 0 seu marido economista e jogader de rugby. Ela odi va o esporte ¢ ele dormia nas apresentag6es de ballet que assi apenas para contentar sua mulher. E era verdade, para certos cri- térios ele se sentia mais 4 vontade com seus amigos. O que no quer dizer que desejava formar um casal com eles. Mas 0 mito chegou a ser to poderoso que fez com que ela se separasse porque queria rer 0 direito de procurar por. “sua alma gémea”. Buscava uma unicidade perdida que considerava como a nica forma de amor que a faria feliz, Voltemos a0 caso que mencionei acima, Julfan. Sua passa- gem pelas primeicas experiéncias foram condicionando um discanciamento afetivo, seu corpo no conhecia o prazer do con- tato. Mas a auséncia de amor no tinico cédigo compreenstvel nes~ se momento, o corporal, no € um vazio, é hostilidade que se incorpora de maneita ¢gesintinice. Apesar dos elementos rudimen- tares que constituem 0 eu nesse momento do desenvolvimento, 0 registro se produz e gera dados constitutivos da identidade de tum ser humano. A hostilidade de Julién era palpavel para codos menos para ele. Dizia com orgulho que andou sozinho aos seis meses, 0 que Ihe custou danos permanentes em sua coluna. © que obrigava Julién a forgar e aleerar a ordem natural de seu crescimen- co? A coluna vertebral no esté preparada para sustentar o peso do corpo. Julidn foi sempre mais alto em relagio ao padrio médio. Isso piorava as coisas. Em uma dramatizacio em que tentévamos responder essa pergunta, Julidn traz 4 lembranga sua mie lendo enquanto ele observava um passarinho engaiolado que a mie co- locava sempre por perto para entreté-lo. Em uma troca de papéis ‘com o péssaro aprisionado, Julisn disse: “me tens para olhar-me, meu nome € Mirame e no me toque, porque se me tocarem, eu 144 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters morro”. Julién, neste papel, disse que, algum dia ia ser uma éguia, nada iria alcangé-lo. Cumpre a promessa. Terminou o segundo grau em tempo recorde, sem amigos nem relagées afetivas signifi- cativas. Seu sonho transforma-se em projeto de vida, para poder superat a solido delineia como objetivo unt lugar onde no pre- cise de nada. O pai normativo e distante transmite-Lhe apenas as regras totalmente desprovidas de afeto, que ee visualiza como uni gesso que o sustenta mas també: obiliza. O luster dois é acele~ rado diante da angdstia da auséncia do cluster um. Sua autonomia € vivida como um fracasso € no como uma vitéria, cada éxito pessoal é vivido com desdém, aborrece-o que elogiem seus suces- 80s, irrita-se. Chega a compreender a icritagio quando digo em uma sessio que eu 0 felicito por ter sido premiado internacional- mente e que seré realizada uma ceriménia apenas para entregar-Ihe ‘© prémio. No dia da ceriménia pediu-me uma troca de sessio para poder assistic a “uma cerim6nia”. Na sesso seguinte perguntei- Ihe sobre esta cerimOnia e me contou que the entregaram 0 prémio em um lugar de grande prest{gio. Felicitei-o, mesmo quando era evidente que ele ficava incomodado com o tema. Indaguei-lhe o motivo de seu ineSmodo e ele disse que “essas coisas” Ihe pareci- am bobas ¢ superficiais. A cena que associou foi clara, Julidn vai comprar 0 jornal, caminhando ao lado do pai. Torce o pé ¢ pede 20 pai que 0 carregue. Tem trés anos, Em vez de carregi-lo, 0 pai enfaixa 0 pé com um lengo e Ihe diz que continue caminhando. ‘Quando faz © papel do pai enfaixando o pé, vai dizendo lenta e sentenciosamente: “tem de acostumar-se a superar as dificuldades por si mesmo”. Os éxitos so para Julin sinais de orfandade, no basta estar alfm da auto-sufici€neia, mas em veg de. Tanco o dluster um como o dois sio compostos los assindirics. Tanto mfe-filho como pai-filho esto moldados por dois papéis sem paridade, a responsal ¢ indicam dependéncia de um dos papéis, o que deixa um subor- r vincu- idade no & a mesma 145 Perigo... Amord vistal dinado a0 outro. Tanto a mie como o pai tém um papel ativo, respondem a necessidades biologicamente condicionadas ¢ no existe possibilidade de escolha: decide-se por ele ¢ no hi alter rnativa. Nos mais afortunados a chegada 20 mundo ocorre den- tro de uma unio de duas pessoas que se escolhem que dese~ jam ter um filho como parte de uma realizagio pessoal ede projeto de casal. Escardo dadas as condigées para um crescimento har- ménico e satisfatério que instrumentario o bebé em sua luca pela vida. O “ja rosseguir sozinho” ser o sinal de um triunfo da vida ¢ nio do abandono. Tnfelizmente uma grande quantidade de seres humanos nio tém as condig6es necessdrias para transitar por estas etapas de ‘vel: milhares de bebés so abandonados, malnutri- dos ¢ negligenciados. As condigées precirias de seguranga que oferece 0 nosso Terceiro Mundo faz com que uma grande quan- tidade de bebés fique na indigéncia. Se Julidn teve o afeto mutila- do para nfo sofrer o sentimento da falta de amor, imaginemos os milhares de Juligns que nem sequer tém as necessidades primé- rias satisfeitas. A hostilidade caracterizada leva a deduzir: “a vida € assim e eu sou assim”, transforma-se em Sdio que s6 quer des- teuir para ndo ser destruido. As criangas que andam pelas ruas mendigando, roubando o que podem ou simplesmeate riscando jum automével apenas para agredir aquele que tem o que a vida Ihes negou, so a vergonha ignominiosa da caréncia ¢ do desam- paro daqueles que possum condigSes bisicas de sobrevivéncia ¢ que castigam, aqueles que foram menos afortunados, A indife- renga defensiva com a qual sobrepujamos 0 desamparo gera uma grande mie de abandono social. O desamparo nfo € apenas uma atitude individual, mas € mais cruel quando trata-se de um fato massivo e social. Quando incorporam “a vida é cruel e indiferen- te” néo € uma interpretagio subjetiva: é assim. Por isso é que a capacidade de secuperagio de alguém submerido a este abandono 146 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters é dificil e improvivel. A capacidade de eriar ¢ sonhar com algo melhor depende da po: lidade da inscrigio de alguma instan- cia de referencia. A luta por algo desejado é substicuida pela guer- wisfvel que Ihes negou o direito primério ao amparo. Apesar 1 existem aqueles que sobreviver emocionalmente gragas a uma posstvel informagio genética que lhes permice lutar em vez de destruir a sociedade que os agrediu. Esta diferenciagio pude testemunhar de forma patente em um caso recente. Consultou-me um médico de 30 anos, homos- sexual. Seu nome é Rati. Abandonado junto com seu imo mais velho em sua terra natal —a Bolivia ~, foi eriado por uma senhora que os deixava dormir em um celeiro préximo ¢ os alimentava quando podia. Aos cinco anos seu irmio mais velho decide que devem ir para a Argentina. Vive da caridade das pessoas e comega 2 fazer “bicos” para 0s moradores de Salta, até que uma senhora solteira e sem filhos os leva para morar em sua casa, que embora simples € um lugar seguro. Enquanto seu irmio abandona a es- cola no quarto ano, Rail prossegue trabalhando no que podia, custeia seu ensino secundétio e depois vai A Cérdoba, onde se forma em Medicina. Jé formado vai a Buenos Aires. Sua sexuali- dade manifesta-se aos 14 anos quando tem uma relagio com um homem muito mais velho que de cerca mancira faz 0 papel de pai. Fica com ele durante oito anos. Sua capacidade de sobreviver revela-se a0 conseguir um trabalho em um hospital que the per- mite fazer residéncia e no qual passa logo a fazer parte do qua- dro de funcionarios contratados como médico de plantio. Tem um apartamento e faz amigos na comunidade gay de Buenos Aires. Quando me consulta, faz com um objetivo claro: saber quem Passou anos sobrevivendo, agora quer aprender a viver. Eu dei uma palestra no hospital onde Ratil trabalhava e falei sobre as feridas da alma. Ble anotou o meu nome e anos depois buscou- me para se trata. De onde Raiil retirou sua forca vital? Seu iemio 147 Perigo... Amor & vista! empregou-se em uma empresa ¢, passado um tempo, retornou 2 Bolivia. Constituiu uma familia numerosa e morreu de cincer 208 30 anos. Podemos especular, com uma boa margem de razio, que a “genetitalizagio” da necessidade de contato com um homem direcionou sua busca. Tanto que lhe permiciu ir reparando a fal- ta, Esta é a génese de sua homossexualidade? E provavel. Foi um mecanismo substituto mais exitoso do que a de seu irmo, que desenvolveu um cincet. A informagio genética est4 sendo pes 5, em um Futu- quisada muito profundamente e poderé nos rev ro préximo, as causas destas tendéncias ¢ escolhas primér Nido para negar as compreensGes psicolégicas, mas para ampl las ¢ complementé-las. Podemos supor que além destes dados, as experiéncias de Ratil e seu irmio nio foram as mesmas. mais velho sentit: de maneita mais trégica o abandono contrério, Radi nasce com um referente: seu irmio, Genét cexperiéncias infantis em uma clara intefagZo que é dificil de en- tender com nosso poder do de compreensio global. Jé que os dois primeiros clusters definem-se pela assimetria, ‘0 que indica responsabilidade de uma pessoa sobre o desemparado, nio hf nenhuma pessoa em nosso Terceiro Mundo que fique margem da profunda injustiga social em que vivemos, mesmo quan- do nos aspectos individuais tenhamos sido favorecidos por uma situagio de classe social, que nos preserva desta desigualdade ‘que nos rodeia e nos inclui. A culpa social daquele que tem fren- te ao que no tem nada é parte constitutiva da subjetividade. As diferencas esto no que decidimos fazer com ela. Podemos negar as agGes ¢ submergicmos na indiferenga ou acalmé-la com doa- Ses ou esmolas, ou canali doa os pecados, ou finalmente assumit a responsabilidade de ser ‘mos pais responsiveis que buscario lutar com os recursos com que cada um conta pata incluir em nosso meio tantos filhos pétias que povoam nosso castigado Terceiro Mundo. la através da religifo que nos per- 148 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters Q exerefcio da eutoridade tio necessirio em nossa fustigada sociedade, depende do que foi aprendido no cluster paterno. As respostas a esta autoridade podem levar a um exercicio saudével do papel de autoridade, ou ao contrério a sua negagio ou exeref- cio distoreido. No liveo Liberdade, ensaios, do qual sou co-autor (Aleph, Sao Paulo, 1992), relato 0 caso de Adolf Hitles. Para- digma do mais cruel aut ro Mein Kampf, tuma cena na qual encontrava-se desenhando, sentado no chio, sentindo grande prazer e sonhando em ser arquiteto ou pintor. ‘Tinha 5 ou 6 anos. © pai aparece na sala ¢ o menino conta-the seu sonho. A resposta foi: “Sobre 0 meu cadaver”. Podemos ima- ginar 0 sonho congelado, mutilado. © cadéver mul em vitimas tio inocentes como foi.a crianga. Os Videlas, Galtieris, Pinochets etc. podem ter tido experiéncias similares. wrismo, conta em set No outro extremo encontra-se a total auséncia de autori- dade. Nao falamos da autoridade politica, condutora. Esta é fundamental, assim como 0 é a capacidade de identificar-se ¢ apoiar em quem a exerce. Mas existe outra autoridade que é necesséria para tomar decisées cotidianas durante uma vida. Sa- ber o que se quer, poder interpretar suas necessidades e, de acor- do com clas, ir em busca do que queremos, tora indispensdvel nosso poder de exercer autoridade. As pessoas inseguras, que parecem andar pela vida sem rumo, respondem a este padrio de conduta. Alicia, de 33 anos, € uma pessoa muito inteligente, muito mais que 0 norinal. Sempre foi vista como uma “menina boa, 0 xod6 do papai”. A forma de amor que o pai lhe concedia era propiciando-Ihe tudo para que nio fizesse esforso algum. O mito da fragilidade continuou por toda a vida e jamais aceitou corter riscos. A Ginica vez em que se apaixonou, seu noiva teve de optar por sair do pats. Ela néo péde tomar a decisto de acompa- ‘minha vida acabou na porta do acroporto”. Perigo... Amora vistal Outro aspecto que esté relacionado com o duster dois € 0 desenvolvimento do papel Iider. © que faz com que uma pessoa twansforme-se em Ider? Teed, em inglés, quer dizer guiar, aque- le que indica o caminho. Isto requer iniciativa, capacidade de gerar confianga. A passagem benéfica pelo cluster um permite que uma pessoa centha confianga em sua capacidade de ser querido, amado, Essa pessoa sabe e antecipa que gostario dele ou dela, ‘Como mencionamos anteriormente, esta autoconfianga irradia esse magnetismo chamado carisma. Sea esta condigfo adicionar- ‘mos 0 acompanhamiento de um guia (pai) e posteriormente, de- pois de té-lo feito, através da troca de papéis, uma identificagio positiva com ele, poderd ser um bom guia para outros. Mas pode haver outro caminho que conduza A lideranca: a forma reativa. Um paciente, a quem chamaremos Carlos, desempenha um papel importante em uma multinacional. E um homem 4spero, com capacidade de condugio, mas no € querido por seus subordina- dos, os quais, sem divide, o obedecem. Em uma reestruturacio da companhia foi colocado um supervisor num cargo superior a0 dele. Nio tolerou a situasio ¢ entrou em um estado depressive que requer medicagfo. Inicia um processo terapéutico. Buscando ela- borar a crise, focamos a cena que ocorre quando aparece 0 supervisor, 0 que se apresenta muito adequadamente colocando- se a sua disposigio. E um homem mais velho ¢ nada de estranho ocorre na cena, Em um solilSquio, Carlos diz que sente um édio intenso, mas que mais do que isso, tem um sentimento intolerével de inseguranga. Investigando este sentimento, associa uma cena em que esté almocando na casa de seus pais. Carlos é filho nico ¢ a familia em uma precétia situagio socioeconémica. Carlos tem cinco anos ¢ tinha visto um amigo brincando com um patinete. De maneira caprichosa Carlos pede um, chorosamente, como anteci- pando uma negativa. © pai rie lhe diz que est4 bem, que vai-lhe dar tum patinete. Pega-o pela mio ¢ o leva 20 bar préximo em que 150 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters reunia-se com os amigos. Diante deles, graceja do filho abertamen- te, submerendo-o 20 ridfculo. Carlos congela seu choro e sua sur- presa-e diz “jamais irei atrés de nada”. Ser lider depois de ser lide- rado concede-the uma qualidade de lideranga totalmente diferente. Seas ansiedades bésicas predominantes no dluster um eram a inveja ¢ a voracidade, o cluster dois caracteriza-se pela apacicao dos cities. Definido como inquietude mental produzida pela suspeita ou receio de rivalidade no amor ou outra aspiragio (Di- cionério da Lingua Portuguese. Melhoramentos/Folha da ‘Tarde, Sio Paulo), novamente nos confronta com a ambigitidade da lingua- gem. As palavras zélo e citime derivam do latim zlus, que si ca cuidar ou proteger o que lhe pertence. Une-se a0 conceito de posse € a0 amor. Talvez por isso 0 admitamos muito mais natu- ralmente que a injuriada inveja. Nao quero destruir 0 que nfo tenho, quero-o para mim, diz o ciumento. Voltemos 20 nosso amigo Otelo. Guerreiro, lider, iovejado por sua forca ¢ valot, cai vitima da inveja de Yago. Claro que sente cigmes pelo amor que lhe gera a inefivel Desdémona. © momen- to em que a inseguranga de sua ‘posse se converte em fiiria assas- idade de incluir a vulnerabilidade como parte integrance do valoroso guerreiro. Sua amada deve ser eterna mente dele, ainda que seja preciso que ela morra. © ato herdico € assassino € preferfvel ao mero pénsamento de sta vulnerabilidade. Novamente é importante insistir em que no se trata da dimensio dos citimes, mas de como se comporta uma pessoa 20 senti-los. Podemos sintetizar estas duas dinamicas dizendo que quan- do 0 cluster um predomina ¢ hé uma auséncia do cluster dois, uma pessoa chora ao invés de lutar, e quando sucede o contrério, ¢ hi © predom{nio do cluster dois sobre o cluster um, uma pessoa luta em vez de chorar. Nem 0 pranto substitui a luta, nem vice-versa, so condutas que emergem, uma da dor e da tristeza, ¢ a outra, da forga ¢ da necessidade de conquista. Vincularmente apenas sina marea a impo: 151 Avsisoness Prsias Perigo... Amor vistal criam desencohtros, jé que € tertivel encontrar uma oposigio quando se necessita de consolo ¢ vice-versa. ‘Vejamos agora a administragéo da agréssio no cluster dois. Sendo © campo definido pela autonomia, este estilo de agressio carac- lo controle, pelo dominio e pela tendéncia a estabele- cer vinculos de submetimento. A violéncia é uma possibilidade sempre presente. O ataque fisico, 0 abuso sexual, 0 crime violento sio formas da agressio manifestada no cluster paterno. Em sua forma mais atenuada apre- senta-se nas pessoas que ditam regras de condutas, normas. “O que se deve fazer neste caso é...”, dizem com freqiiéncia, colo- cando-se 0 interlocutor no lugar daquele que no tem, nfo sabe, nfo pode. E enquanto 0 outro se submete ¢ aceita, por suas préprias caracterfsticas, o lugar de comandado, tudo corre bem. ‘Mas, se 0 outro aspira sair desse lugar, a bondade pode conver- ter-se em fiiria. Sao bons maridos de mulheres submissas e de- pendentes, bons, ainda que as vezes rigidos pais de filhos pe- quenos. Em uma sessio de familia o filho mais velho de 23 anos, manifesta o des de morar sozinho, Nesse momento, o pai, um professor universitério, geralmente irrepreens{vel e exi- gente, tem um acesso de Fiiria e diz a seu filho que se este é 0 seu plano, faga suas malas e parta imediatamente. A mie reforga este discurso dizendo: “Sempre € assim. Vive provocando 0 pai que jé teve dois ataques de fairia". Seu desejo de autonomi interpretado como sendo a prova ircefutdvel de sua deseruti dade. O controle cumpre uma fungio estabilizadora da agressio, mesmo quando se trata de um controle ilusério. Ana tinha que ligar para sua mac todos os dias a0 meio-dia para dizer se estava bem, Bram 20 horas ¢ nesse dia nfo havia ligado. Também néo podia sair depois das 22 horas. Ana tinha 26 anos. Em uma sessio vincular solicitada depois do episédio mencionado, Ana terizacse 152 As marcas da vida: a teorta dos clusters disse A sua mie que apesar de sua mie pensar estar controlando- a com estas regras, pensando que assim nio perderia 0 rumo, ela j& vivia com uma companheira homossexual hé mais de cinco anos ¢ que havia trés anos que tinha abandonado sua catteira de odontologisea. A mentica ¢ a ocultagio sio conseqiiéncias natti~ rais do controle excessivo. ‘Mencionei a princfpio que a violéncia fisica é natural nas pessoas cujas feridas principais encontram-se dentro do cluster dusseeés. Como fornia de educar, foi uma regra cultural aceita durante muito tempo. “A palavca com sangue entra”. O problema estava em que, 20 entrar desta forma, os contetidos ficam impregnados do sangue que se criou no canal de entrada. Nao era reprovivel, ‘mas socialmente accitavel que o pai castigasse fisicamente seus hos ¢ © professor, seus alunos. Contava-me, um paciente cujo pai batia-the com freqiiéncia: “cresci com medo, como se o peso de meu pai estivesse permanentemente sobre mim... Tive medo de qualquer figura de autoridade, especialmente dos professores. Sabia 0 suficiente para citar um dez, mas muitas vezes fui repro- vado. Sonhava em maté-lo, esperar que algum dia eu crescesse para colocé-lo em um asilo e fazé-lo sentir o mesmo que eu senti, mas tive uma crise depressiva que me permitiu tratar-me e enten. der o ressentimento profundo, porém nunca consegui amé-lo.” © império do medo e 0 abuso do poder sio formas de agressiio nas quais a identificagio fica bloqueads, pode-se obe- decer, acatas, mas a identificagio posiciva nfo. Ninguém que se sinta seguro precisa apelar para a violéncia. Um exemplo claro pode-se tet a0 observar a conduta dos cdes. Marcam o tertitério com sua urina ¢ apenas rosnam se alguém os invade, se a adver. téncia é desconsiderada, langam-se ao ataque. O que vive rosnan- do moser sua fraqueza¢ falta de seguranga. 1p Quanto ao papel de trapewia o cluster exés Corresponde 0s ‘momentos nos quais o paciente sente a necessidade de apoio ¢ 153 Perigo... Amor vistal afirmagio (grounding). Procura-se estimular a capacidade de uma pessoa para lutar por suas metas ¢ conviegSes. Os dois clusters dio origem a fungées que se transformam na vida adulta em parte constitutiva de outros papéis. Receber (cluster sum) e dar (cluster dois) so Fungées primordiais para a dintmica de um ser humano, O cluster um representa 0 sim, € 0 duster dois, a capacidade de dizer nao. Os papéis de aluno, paciente, cliente, espectador ete. so centrados na dinamica que requer saber rece- ber e sio'parte do cluster um que tem 0 papel mie-filio como matriz. © papel de professor, instrutor, médico, terapeuta, nasce na mattiz do dluster dois, cujo eixo foi o do papel pai-filho. Sea capacidade criadora, de gerar ages, idéias, est4 relacio~ nada com as experitncias maternas, a capacidade de a dar-thes forma, é fungio do cluster dois. A norma que foi como fonte de seguranga deverd gerar uma adesio. A capacidade de ordenar os pensamentos € as ages, de dar forma a conteddos & também produto deste perfodo de aprendizagem. © pai ou sua figura substituta representa a ordem ¢ o limite, portanto hé sem- pre um grau de agressio inclufdo na relagio com quem diz néo. Esta figura forte que limita a oniporéncia, tem a particularidade de direcionar a agio, que € vivenciada como uma ampliagio do mundo, ou como uma mutilagio. A norma em si mesma deve diferenciar-se do agente transmissor dela. A possibilidade de uma pessoa idencificada com a le, nasce neste contexto. A lei € formulada para a protecio da vida em comum. A vida de uma comunidade organizada depende da ca- pacidade de cumprir os pactos que representam o bem comum. © descaso da responsabilidade diante do cum gera um caos social que pode custar a sobrevivéncia de um pats. ‘© que acontece com os povos latino-americanos que sempre atentam contra a lei? O pai ordenador que media a lei para pro- tegermo-nos, nos traits ¢ nos abandonou seiteradamente. Apo- jento da I 154 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters desou-se do poder para usé-lo em seu proprio beneficio. Levou- nos a desconfiar da passividade ineficiente. Quantas vezes ouvi- mos a frase de conformismo diante do menor mal “rouba, mas pelo menos faz algo”, falsa opgio, imoral e perigosa. A subjetivi- dade vai-se formando nesses pardmetros, impregnando uma co- munidade desejosa de ages positivas que resgatem o estado de direito. A depressio social que mencionei em um artigo publica~ do recentemente (Depresin Social. Revista Momento, n. 12, Buenos Aires, 1999) alude claramente a este estado de coisas, Nesta si- tuagio social, a importancia do pai como mediador da sociedade € duplamente importante, j& que pode reforcar ou moderar a desprotegio proveniente de um meio social hostil. Hé outra instancia que deve ser lévada em conta ao consi- derar a influéncia dos pais nas primeitas etapas do desenvolvi- mento: o vinculo entre eles. Os pais formam uma unidade funcional ue € percebida separadamente a principio mas que néo esto separadas. O vinculo forma uma terceira entidade invis(vel mas fundamental. Assim como os elementos quimicos sio capazes de se combinarem dando origem a novos elementos distintos de seus componentes, os vinculos dio origem ao combinar-se entre si, a novas entidades. Hidrogtnio e cloro separados no sio a mesma coisa que &cido cloridrico, que € proveniente desta com- binagio. A esta estrutura, chamo-a de terceiro pai. Quando o vinculo parental reflete acordos e coeréncias, a crianga receberd mensagens claras que a ajudario a crescer. Quando ao contrério, © casal tiver um vinculo desarménico, a crianga softe com a anu- lagio ou contradigéo das mensagens. Tanto em terapia de casais como na de familias costumo re rer & concretizagio do vincu- lo como maneira de reconhecer “terceiro pai”. Um exemplo ilustrativo foi o de Andrés, quando tratamos sua eterna inseguranca concernente a tomada de decisdes impor- tantes. Encarnando 0 pai apareceu como um homem seteno, pro- 155 sm Perigo... Amor a vistal fissional de médio sucesso econdmico, dedicado & sua familia. Assur sua vida tanto familiar como de trabalho. Pedi-lhe que encarnasse ‘9 vinculo entre os pais. Compés um personagem estranho: 0 (Curinga, arquiinimigo de Batman ¢ Robin. Sua manifestagio bé- sica € a de no permitir que alguém seja mais poderoso do que ele. A cena que aparece associada ao terrfvel personagem é um momento em que, no aniversério de 13 anos de seu irmio se discuce se fario 0 Barmitzva. A mie, militante da esquerda, diz que se opSe totalmente. O pai diz que quer conservar a tradigio familiar. Sem levantar a voz cria-se um elima de aleissima tensio em que se manifesta a separagio. Nada muda até que Andrés tem sua primeira crise de hipoglicemia que o faz ser internado. O irmio nio realizou a esperada cerimOnia ji que ninguém lhe per- guntou nada e sempre lamentou nfo té-la feito. indo © papel da mie, retratou uma mulher satisfeita com CLusTER TRES Scguindo a seqiiéncia evolutiva, jé temos 0 bebé que aprendeu a caminhar, a buscar 0 que deseja com 6 amparo de seus eu auxiliares — mie e pai. Este amparo nos fala da assimetria prote- tora. Mas nesse momento, aparecem outros se amigos, 0s primos, outras criangas que compa forma ou de outra, seu dtomo social. Se em momentos de raiva, agredia seus pais, estes o repreendiam e ensinavam condescen- dentemente que isso nfo se faz. Mas, agora, aparecem seres que se so agri sio iguais. A simetria seré o gerador da maioria dos idos devolvem o golpe sem muitas consideracdes: is que desempenhamos na idade adulta. O par complementar si0 os iemos. Observemos que no duster um e dois néo tiahamos um nome que nomeava o vinculo, somente os papéis isolados indicavam a 156 As marcas da vida: a teoria dos clusters telagio. Sio assimétricos e devem ser nomeados separadamente. O mesmo ocorre com todos os vinculos que denotam responsa- bilidade desigual: professor-aluno, médico-paciente etc. A partir do vinculo fraterno, todos que impliquem simetria tero um nome que denominaré 0 vinculo, Amigos, irmios, esposos, companhei- ros, colegas, amantes ete. Neste cluster desenvolvem-se a maior parte dos papéis da idade adulea. E Sbvio que as duas experitncias anteriores sio bisicas para poder pasar imaduramente para o cluster fraterno. Ter sido sustentado primeiro, ganho confianga depois, habilita a cri- anga a aprender a compart trais do ser humano. Aptender a compartilhar renunciando a fantasia de que tudo meu & sempre penoso, implica uma rendncia a onipoténcia e tirania que reinam nos primeiros estgios evolutivos e esté longe de ser © mundo ideal proclamado pelos poetas. “Os irmios so unidos”, diz-nos Martin Fierro (Obra argentina do escritor José Hernandez). Mas a primeira imagem micica sobre o tema nos é mostrada na cultura judaico-cristé com o mito de Caim e Abel, no qual um destréi o outro por citimes ¢ inveja. Mas isto nao é tum sentimento primério, apenas uma representago de que assassinato tem base em uma preferéncia de Deus, como metéfo- ra do pai-mie, que elogia os presences de Abel e despreza os de Caim. Esta atitude de Deus gera o édio de Caim, que ditige sua agressio assassina para seu irmio em vez de enfcentar a injustiga de Deus. Como em todos os casos, 0s sentimentos humanos do sio quimicamente puros. A inveja esta presente em Caim, assim como os cidimes. O motivo final do crime fraterno por transpo- sigdo € 2 inveja, jf que o leva a destruir seu irmfo. A equasio da inveja € destruir aguele que tem 0 gue se deseja. A rivalidade impulsion: Bloguear 0 caminko do rival para gai 2 Primeiro Sentimenco é 157 Perigo... Amora vstal mais primétio € descrutivo em si mesmo, o segundo é destruir para ganhar. © mito de Caim e Abel possibilita a justificagio fantasiada dos prejutzos, como assinala Marcos Aguinis em seu livro Os iluminades (Atléntida, Buenos Aires, 1999) quando menciona uma teoria que diz que na verdade, Caim € filho do adultério de Eva com um dem6nio, seus descendentes sio chamados pré- adnicos, ¢ dario origem aos povos negeos, latinos, zmarelos, hispnicos € judaicos. Abel, filho legitimo de Adio ¢ Eva-di origem aos arianos puros e merecedores de hecdar a Terra. Este aparente absurdo é a base de fundamentalismos religiosos com 08 quais se justificam 0s mais horrendos crimes, como 0 massa- cre nazista. Assim matam-se varios péssaros com um 36 tiré: a mulher € a causa geradora de todos os males por causa de sua desobediéncia impureza inatas e coloca todos os nio-arianos como usurpadores do reino de Deus. Em outra versio, coloca- como sendo a mie dos impuros e demonfacos seres ndo-arianos, que usurpam o lugar leg{timo dos puros filhos de Adio e Eva. Os vinculos que sobrevém da simetcia contém trés diferen- ir. A primeira € a m: desejavel ¢ a mais diffcil de realizar na sociedade em que vive- mos. Como um onipotente fronta uns'com outros, favorecendo alguns em detrimento de outros. Ragas dominantes assassinam os desafortunados que ado possuem sequer a minima chance de sobreviver. Centros eco- ndmicos privilegiados pela vid: centes Abéis, jogam com a vida dos seres humanos, justifican- do-se através de seu préprio poder. Nesta ordem de coisas, no € fécil compartilhar, 0 que significa a construgio de um nés sem. predomfnios. xjusto Deus, nossa sociedade con- ignoram e assassinam os ino- 158 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters Compartilhar requer um desejo de doar aquilo que cada ¢ bem comum. Moreno exalta tal como sendo o desideratum da comunicagio humana e de fato converte na verce etapa da sessio de psicodrama, Ele a chama de sbaring. Nas pri- meiras publicagdes em castelhano, sobre o tema, a distorgio cha- mando a terceira etapa de comentérios ou andlises, com 0 qual se muda 0 sentido bésico da mensagem de Moreno, que sugere nes- ‘2 etapa que cada membro do grupo fale de si mesmo e nfo do protagonista, incluindo o terapeuta ou diretor, fazendo com que também ele abandone a sua posigio para compartilhar as emo- ses evocadas pela dramatizagio em posigio simétrica. Ngo era 0 cerne da mensagem de Moreno que neste momento do psicodra- ma se falasse do protagonista, nem que se analisasse sua condi ts, mas que todos pudessem compartilhar suas experiéncias construc um novo conhecimento grupal através das experiénci- 8s compartilhadas. © poder da assimetria sempre hierarquiza, tam que domina e outro que é dominado e isto como jé vimos é necessério para a sobrevivéncia. O poder é necessétio, Mas se este € mantido quando jé nao é necessério, o saudivel verbo “po- dex”, converte-se em substantive. Deseja perpetuar-se e subme- ter, €algo em si, no para algo, Pode fazé-lo criando um confron- to fratticida ou gerando uma dependéncia amorosa, que prende € controla. A opgio desaparece ¢ 0 saudével “desejo estar com voce”, transforma-se em um destrutivo “sem vocé eu no posso viver”, que acaba sendo mesmo exaltado como um ideal do amor. (O cluster tx@s nos convida a uma perigosa e responsével capacida- de de opgao permanente. Posso eleger ¢ elejo estar, € uma forma responsdvel ¢ adulta de estabelecer um vinculo. Na auséncia des- ta opgio gera-se uma relagio geradora de hostilidade encoberta ou evidente. As situagdes que se compartilha slo poucas mas todos co- nhecemos a sensagio de plenicude que produz a agio conjunta 159 Perigo... Amor 2 vistal em que cada uni coloca a sua, sem medir quanto dew cada pessoa. Na ordem social, a proposta de Fidel Castro contém este ideal, cada um dé o melhor de si para alcangar um objetivo. Mas o sex humano nfo € tdo altrufsta. Suas necessidades narcisistas sf0 S40 importantes como as de participar de um projeto comum. Os norce-americanos nos dizem, com toda a naturalidade, diante de uma proposta: “o que eu ganho com isso?” Nao nos senti- mos bem com a tringiilidade do individualismo que se contra- Se ao desprendiniento idealizado. Temos, em nosso ideal de eu, + figuea arquecipica de Crist, que no supse um papel de pai nem de mie, mas o de um irmfo que doa tudo pata seus seme- thantes. Desprendimento total, desapego de necessidades pes- soais em troca do bem comum. Anti-Caim: meu irmio em vez de mim, Seo ideal cristo que rege a maior parte do mundo ociden- tal com milhdes de seguidores em religises das mais variadas denominagées se ope 20 “e eu o que ganho com isso?”,o resul- tado € sinistro. A desejével capacidade de compartilbar encontea-se dificulta- da pela estimulagio constante de uma sociedade individualista: , quanto ganha = quanto vale. A auto-estima de um ser humano, em nosso meio, fundamenta-se em seus ganhos pessoais. Talvez no Primeiro Mundo se possa sobreviver com essas premissas, no nosso no. A competigio € estimulada desde a infincia, na esco- 1a, nos esportes etc. incorporando um valor essencial: no é im- portante ser bom em algo, usar a0 maximo o potencial, o born € ser melhor que, com o que a competicio predomina sobre o com- partilhar. Mas se o ideal social ¢ idealizado ¢ representado na Figura arquetfpica de Cristo, promovendo exatamente 0 contra rio, 9 competir sempre € acomny gulpa € necessita de uma dissociagio: vou 3 igreja aos domingos orar a Cristo, para depois fazer tudo ao contrétio, Nao hi felici- dade (em sua acepgio de estar em paz consigo mesmo) que se timento de 160 ‘As marcas da vida: a teoria dos clusters possa ganhar desta mancira. O dleool, a nicotina e as diversas dleogas sto os remédios-venenos que esta sociedade oferece como antidotos comerciais para esta forte dissociagio. Competir ¢ uma dinimica que sempre existiu, em forma cxplicita em campeonatos ¢ competicdes. As olimpfadas so prova disso. Particularmente sempre foi um componente presente na espécie humana, Atualmente o dinheizo que est4 em jogo de for- ima imoral, estimula 0 objetivo de chegar a0 topo “de qualquer maneira”. Esta premissa, “de qualquer maneisa”, introduz-nos na tex rivalidade. Se-nio se pode ganhar tratar-se-d de impedir que 0 ou- tro 0 ganhe. Impedis, obstruir 0 caminho, colocar obstécislos no rogresso do adversétio, so elementos usados perante o temor de perder, Vemos esta dinimica em um lugar paradigmdtico: as campanhas eleitorai fo est em ascensio, fala-se de seu programa, de suas condigdes para elegé-lo. Fair play. Quando 0 outro candidato se pée a par, comesa a revelar a vida privada do adversério, exaltando aqueles aspectos que po- dem denegri-lo a0s olhos dos eleitores. Em maior ou menor grau, isto sempre ocorreu. Mas, agora, observa-se tudo de forma clars: © evidence, assume-se tudo com naturalidade, Nio nos levanta- mos contra quem usa estes recursos, apenas escutamos 0 que cles tém a dizet. Aventuras adolescentes, condutas impréprias mas de cardter interno, sio reveladas e usadas como um recurso vilido. Se isto fosse somente uma agio que nio transpusesse as fronteiras da suje luta politica, passaria como um fato reprovivel e nada mais. Mas acontece que estas pessoas representam ima- gens idencificatérias: ao fazer 0 que fazem, estio legitimando que cada um 0 faga em seu Ambito privado. A insfdia, a falta de escriipulos, inserem-se no ideal do eu no lugar do permitido, em vez do lugar da transgressio. ceira dindmica do cluster tr 161 Perigo... Amor d vistal (A negociagdo € essencial nas telagées no duster és) Os pac- tos, 08 acordos nascem de uma relacdo simétrica na qual se est disposto a ceder algo para obter algo. Nas relagées de um casal, 2 paixio ¢ 0 sonho inicial geram a ilusio de ser novamente um. para sempre. Nesta etapa, no é neces- sivia a negociagio. Nao hi rivalidade nem inveja. Um ou outro configuram uma unidade. A identificagio projetante protege contra a comparagio. Mas o tempo dolorosamente separa e ani- quila esta iluso. Novamente, como na safda da matriz de iden- Cidade coral e indiferenciada, o outro separa-se ¢ se afasta levan- do consigo suas riquezas. Perda, dos, agressio, ressentimento. Para manter 0 vinculo a safda € a negociagio. Como é posstvel, 3¢ querfamos as mesmas coisas, tfnhamos os mesmos gostos? Na verdade, no era bem assim. Nao suporto futebol, prefiro 0 cinema, 0 teatro me aborrece, a televisio é para idiotas. Pactos ¢ negociag6es nas quais o eu trava uma impetuosa luta como nés. A luta pelo controle ¢ o poder pode em alguns momentos ser desgastante. (Kconsecugio do nds € a caracterletica do Anstey TE. Jé existe tum rudimento de nés no duster um, que se acentua no duster dois. Em ambos 0s casos, a assimetria da relagdo assegura que um dos papéis, mae c/ou pai, é 0 que determina as regeas. Na pOe € € bom que seja assim, j& que o bebé no tem como alteré-las. Agora a luta se estabelece e ensina a pactuas, a ceder, a avancar. A submissio assegura uma relagio que se sus~ venta apenas no domfnio. Martha tem uma icma mais velha com sindrome de Down. Em uma ocasifo, a irma a agarra fortemente e Ihe fratura um dedo. Martha reaje, empurra sua irmizinha que ao cair tem uma convulsio. Martha fica congelada 20 ver as conseqiiéncias de sua agressio, Sua forga, seu desejo de ser melhor que sua irma ad- quirem caractectsticas draméticas. Nessa cena, Martha promete a 162 ‘As mareas da vida: a teoria dos clusters i mesma que jamais voltaré a usar sua Forga. Assim passa de uma alana brilhante na érea de economia a uma profissional medfo- cre. Lutar era sin6nimo de destruis. B aprende algo que se obser- va.com muita freqiiéncia, sobretudo nas mulheres que para evicar a culpa, quando querem conseguir algo, choram ao invés de lu- tat, E ao nio ter o diteito de pedie o que necessicam, reclamam de tudo e de todos. As manifestagSes agressivas com a modalidade cluster trés costumam configurat-se em luta, enfrentamento, discussi0, “Te ho razio a qualquer prego”, parecem dizer este tipo de pessoas. Passam muito tempo desafiando oponentes imagindrios, ou cri- ando-os em suas relagSes préximas. Sempre parece ter um rival de curma, um oponente até que se demonstre o contréri + parece ser a conexio mais freqiiente. Martha (exemplo anterior) inibe sua capacidade de luta, io pode usar sua forga. Cataloga seu desejo de progresso no aspecto profissional como destrutivo. A culpa encarrega-se de regular sua suposta destrutividade ¢ termina por inibir sua fora. Num determinado momento hist6rico, a sociedade justificava ©8 pais espancadares classificando como “método educativo”. Tal procedimento na verdade, legitima e justifica a rivalidade a “qualquer prego". Ganhar € o importante, aio importa como. Magquiam grandes feitos para privilegiar 0s supostos louros. Hi alguns anos, assistimos ao caso de uma patinadora que fez com gue seus companheiros quebrassem a perna de sua‘ rival para facilicar seu camino para a vitéria. Destruir para ganhar. Mas este caso saiu nos jornais, o mesmo com 0 caso das meninas que cortaram 0 rosto de sua bela colega, ou o das terri organizadas que, em vez de dizer, amo terrivel s destruiremos”, E preocupante © clima de méxima tensio que reina nas geandes ¢ mi empre- sas. Ao menor descuido, o simpético colega com o qual se convi- 163 Perigo... Amor d vistal ve, pode-se converter num ser desprezivel, indigno de respeito, Cains e Abéis confrontados por um Deus todo-poderoso que no reparte seus favores, mas que confronta e lucra com 0 con- fronto. A agressio dentro desta modalidade € muito perigosa j& que no conta com um dos termos da relagio que assuma, pelo menos teoricamente a responsabilidade, como ocorre nos outros dois modelos. Aqui reina 0: “cada um por si”, O arrebaramento pode dar lugar ao caos. Um recurso muito usado para controlar esta desteutividade € a criagio de us igo facilmence identifi- civel. “A unido faz a forca”. Mas a unio nio é ficil diante da miséria e do desamparo em suas diferentes manifestag&es. Ento pode-se recorrer a localizagio do inimigo. Boca contra River, Palmeiras contra Corinthians, negros contra brancos, judeus con- tra cristdos. E vice-versa, claro. Sempre haverd um lugar seguro e identificdvel onde depositar o ini compreensfvel uma agressZo que reina entre os humanos como reformulagio da horda primitiva. © papel de serapeuta no cluster trés & 0 que corresponde A capa~ cidade de Gg lafes as relatadas pelo paciente, em um intercimbio experiencial adulto. Nio @adequado sempre relatar estas experiéncias para alguns pacientes, é importante conservar os depésitos mifticos ¢ isto deve ser compreendido. A transferéncia esté sempre presente € fatos compartilhados em situacSes transferenciais podem ser distorcidos gerando tensdes desnecessirias. Mas fota o fato do relato em si de experiéncias compartilhadas esté a atitude com- preensiva de adulto para adulto, que gera uma qualidade de rela- gio intensamente reparatéria. “Bu sei o que voct esté sofrendo porque jd passei por isso”. Em certos momentos é importante poder explicitar as experiéneias, lembrando sempre que ainda quando se compartilha fraternalmente, a terapia é formulada den- 164 As marcas da vida: « teoria dos clusters tro de um vinculo assimétrico. E é bom que assim sej responsabilidades de um ¢ outro sio diferentes. Se se tratando de fingir simetrias inexistentes entre paciente tera- euta, incorre-se em uma inverdade que s6 gera uma ilusio de relagio por onde nao pode circular a verdade necesséria para che- gard alma de alguém que sofre. (COMENTARIOS FINAIS Tien introdusio, minha intengio era a de trans- mitir minhas reflexes dos dilrimos dez anos de trabalho como ‘oterapeuta. Tenho tido sorte em encontrar eases favord- veis de colegas que sentem que se trata de um elemento dil de orientacio para o trabalho clinico. Partir do vinculo como énico elemento tangivel concreto a penetrar no nivel do mundo ubjetividade. Os sentimentos ¢ sensacSes 20 serem convertidos em pensamentos através da inexorivel [6gica aristotélica, vio sofrendo mutilacbes, se limitam. E isto ocorte em um alto grau quando se trata de converté-los em linguagem. escrita, Nunca € 0 que se quis dizer completamente. A cibernética criou uma nova forma de expressio. A com- putagio no apenas invadiu os mercados, mnas a conformacio da subjetividade. Observamos surpreendidos a vertiginosa mudan- s@ daqueles que trarsimos ja hé alguns anos. Os jovens incorpo- ram a mudanga ¢ os velhos, observamos dolorosamente que si0 deixados 3 margem. Como jf vimos, isto se constitu em um alimentador da invej le ser dolorosamente assumida ou convertida em inexorével critica. Desde que o mundo € mundo as geragdes que vio perdendo vigor e poder fazem prediges ticas sobre as mudangas que acontecem sem incluf-los, passar do tempo, ou nossa passagem através dele, transforma nos de procagonistas a espectadores que podem assistic 0 que Perigo... Amor avistal ocorre ou querer disputar 0 protagonismo através da critica destrutiva. Como observadores, podemos participar sempre com nossa experiéncia, desde que nos permita a arrogincia que to bem conhecemos possuis. © que nio se pode fazer € ignorar as trocas que v4o gerar novas posturas ¢ teorias porque iro mudar 2 conformagio da subjetividade, e obrigam-nos a reformular con- ceitos € crengas se desejamos continuar participando do teatro da vida. Se dissermos que Moreno predizia que no préximo mi- lenio 36 sobreviveriam aqueles que Fossem espontineos, pode- mos afirmar que jé instalados no referido milnio, s6 nossa ca- pacidade de recriar constantemente nosso universo, nos manterd em contato com o sentido profundo da vida. CapfruLo 7 ‘VINCULOS DE CASAL Co oneit 40 elementos fundamentais da teoria de Mo- reno, passemos a desenvolver as peripécias que ocorrem a0 se estabelecer uma celagio. Sustento consciente de sua conotaglo duvidosa a denominagio de patologia, a0 extrapolar um con to médico-biolégico para o campo das relagdes interpessoais. As alternativés, cais como distorg6es ou alteragées vinculares, aca- bam sendo ambiguas. E nfo concordo com as continuas mudan- sas de nomes, tio freqiientes em nosso campo de trabalho, sem que com isso se altere o significado profundo e sim um consen- 30 geral. Isto induz 2 confusdes e dificuldades de compreensio, quando 0 que mais se necessita é clareza nos conceitos. Esta loucura semntica nos isola, reduzindo a compreensio das diferentes veorias a uma seita de iniciados. Sobre este perigo nos idverte Bercole Brecht —na boca de Galileu Galilei —dizendo que éncia que tende a se encerrar nestas elucubrac6es se converte ‘em perigosa aliada das ticanias”. Martim Buber toma o vineulo como ponto de partida para a compreensio profunda do ser humano. Moreno estende esta nosio i rede vinculac: o grupo, célula ou unidade priméria, pon- to de partida para compreender o ser humano, em constante in feragio ¢ integrado a um contexto do qual é insepardvel. Todo vinculo se encontra dentro de um moto continuo, 20 qual facilmente se podem aplicar as regras do jogo do pticodra- ma, eriadas para compreender e sistematizar a ago.

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