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SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS - SBEM - RS

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
EM REVISTA – RS

Ano 10 - 2009 - n.10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS
SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS – SBEM-RS
ISSN 1518 – 8221
DIRETORIA SBEM – RS – 2009–2012
Diretora – Claudia Lisete Groenwald SUPLENTES – 2009–2012
1ª Secretária – Cátia Maria Nehring Ednei Luis Becher
2º Secretário – Maurício Rosa Roberto Luis Tavares Bittencourt
1ª Tesoureira – Tânia Elisa Seibert Luciana Muller Somavilla
2ª Tesoureira – Carmen Mathias Sonia Beatriz Teles Drews
Márcia Jussara Hepp Rehfeldt
CONSELHO FISCAL – 2009–2012
Maria Cristina Kessler CONSELHO EDITORIAL – 2009–2012
Tânia Michel Pereira Dr. José Carlos Pinto Leivas
Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes Dr. Maurício Rosa – edição on-line

CONSELHO CONSULTIVO
Dr. Airton Carrião Machado – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Dra. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Dra. Arlete de Jesus Brito – UNESP – Rio Claro
Dr. Arthur B. Powel – Rutgers University – USA
Dra. Carmen Teresa Kaiber – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
Dra. Cátia Maria Nehring – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)
Dra. Claudia Lisete Oliveira Groenwald – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
Dra. Eleni Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)
Dra. Eliana Maria do Sacramento Soares – Universidade de Caxias do Sul (UCS)
Dr. Idemar Vizolli – Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Dra. Irene Mauricio Cazorla – Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Dra. Helena Noronha Cury – Universidade Franciscana (UNIFRA)
Dr. José Carlos Pinto Leivas – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
Dra. Maria Cecília Bueno Fischer – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
Dra. Maria Cristina da Cunha Santos Loureiro – Escola Superior de Educação de Lisboa – Portugal
Dra. Maria Cristina Kessler – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
Dra. Maria Tereza Carneiro Soares – Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Dra. Marilena Bittar – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Dr. Maurício Rosa – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
Dra. Neiva Ignes Grando – Universidade de Passo Fundo (UPF)
Dra. Nilce Scheffer – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (URI)
Dr. Pedro Borges – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)
Dr. Rômulo Marinho do Rêgo – Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB)
Dra. Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Dra. Silvia Dias Alcântara Machado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
Dra. Tânia Cristina Baptista Cabral – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Dra. Vanilde Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)

EDITOR: José Carlos Pinto Leivas


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA DO RS É UMA PUBLICAÇÃO SOB A
RESPONSABILIDADE DA SBEM - RS

E24 Educação matemática em revista / Sociedade Brasileira de Educação Mate-


mática do Rio Grande do Sul (SBEM-RS). – vol. 1, n. 1 (1999) – Canoas: Ed.
ULBRA, 1999-.

Anual
ISSN 1518-8221

1. Educação matemática - periódico. 2. Matemática – ensino - periódico. I.


Sociedade Brasileira de Educação Matemática do Rio Grande do Sul

CDU 372.851
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Educação Matemática em Revista – RS é uma publicação semestral da Regional do Rio Grande do


Sul da Sociedade Brasileira de Educação Matemática e tem por objetivo divulgar trabalhos científicos
constituídos de relatos de experiências de professores e pesquisadores em Educação Matemática da
região, do país e do exterior, bem como de pesquisas relativas ao ensino e à aprendizagem na área.
As avaliações dos artigos submetidos são feitas por dois membros do Conselho Consultivo e, em caso
de discordância, é indicado um terceiro, sem que os autores sejam identificados.

INDEXADOR

Sumarios.org (Sumários de Revistas Brasileiras) – Código 005.085.582

ÚLTIMA TIRAGEM: 1.000 exemplares

Dezembro de 2009
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

4 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

SUMÁRIO

EDITORIAL........................................................................................................................................... 7
Claudia Lisete Oliveira Groenwald
A ESCRITA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA E
ESTATÍSTICA COM FORMANDAS DO CURSO DE PEDAGOGIA: ANALISANDO A
PRODUÇÃO ESCRITA DE LAURA
The Writing as Pedagogical Strategy in the Mathematics Teaching and Statistic with the Last
Year Students of Pedagogy Course: Analysing Laura’s Writing Production...................................... 9
Willian Beline, Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino
A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ESTUDO DE CASO NA CIDADE DO RECIFE
Mathematics in Children Education: Case Study in Recife City..................................................... 19
Juceli Bengert Lima, Aldenize Ferreira de Lima
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO DA
METODOLOGIA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Construction of the Concept of Function in Primary Education through the
Methodology of Resolution Problems................................................................................ 27
Alex Sandro Gomes Leão, Vanilde Bisognin
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FUNÇÃO
The Historical Construction of the Function Concept...................................................... 37
Rafael Winicius da Silva Bueno, Lori Viali
O QUE PESQUISAS TÊM EVIDENCIADO SOBRE O USO DA CALCULADORA NA SALA DE
AULA DOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO?
What Has Research Shown about the Use of the Calculator in Primary School Classrooms? . 49
Rute Elizabete de Souza Rosa Borba, Ana Coelho Vieira Selva
TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: EXEMPLOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Didactic Transposition: Examples in Mathematics Education......................................... 65
José Carlos Pinto Leivas, Helena Noronha Cury
A GEOMETRIA QUE EXISTE ALÉM DO OLHAR: LEVANDO A GEOMETRIA DA NATUREZA
PARA DENTRO DA ESCOLA
Geometry beyond the View: Taking Nature Geometry into the School............................ 75
Karin Ritter Jelinek, Adriana Justin Cerveira Kampff

SESSÃO ESPECIAL

TRABALHO COM PROJETOS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE ESTATÍSTICA:


BENEFÍCIOS, PROBLEMAS, LIMITAÇÕES
Working with Projects in Statistics Teaching and Learning: Benefits, Problems,
Limitations........................................................................................................................... 83
Dione Lucchesi de Carvalho

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 5


TRABALHANDO VOLUME DE CILINDROS ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS
Working on Cylinder Volume Through Problem Solving................................................................ 95
Lourdes de la Rosa Onuchic, Norma Suely Gomes Allevato

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO....................................................................................................... 105


EDITORIAL

Educação Matemática em Revista – RS é sadora Juceli Lima, em conjunto com Aldenize


uma publicação da Regional Sul da Sociedade Lima, abordando as condições de trabalho que
Brasileira de Educação Matemática, cuja dis- são oferecidas e os materiais didáticos disponibi-
tribuição é feita aos associados do Rio Grande lizados como suporte pedagógico ao professores
do Sul, de forma gratuita, bem como a outros nas escolas e creches, a fim de que atinjam os
que manifestarem interesse e a solicitarem. Seu objetivos apresentados nas Diretrizes Curricula-
objetivo principal é chegar ao professor em sala res Nacionais para a Educação Infantil, dirigida
de aula, quer com contribuições práticas, por ao ensino e à aprendizagem de Matemática. No
meio de relatos de experiência ou trabalhos que terceiro artigo, Alex Sandro e Vanilde Bisognin
possam ser aplicados, quer por meio de fun- abordam o assunto função e os resultados de
damentação teórica a partir de publicações de uma pesquisa voltada ao tema no ensino funda-
pesquisas realizadas no Brasil e no exterior. mental, por meio da metodologia de resolução
A partir da edição 2009, a revista é editada de problema, seguindo a Teoria de Conceito
em dois volumes por ano e, também, no formato Imagem e Conceito Definição, de Tall e Vinner.
on-line, sob a responsabilidade do professor Dr. O quarto traz uma construção histórica sobre o
Maurício Rosa, a fim de divulgar os trabalhos conceito de função, por Rafael Bueno e Lori Viali,
nela inseridos de uma forma mais ampla, in- identificando as principais etapas do processo
clusive a pesquisadores da área. Ressaltamos, evolutivo desse conceito e diversas formas de
também, que a revista encontra-se indexada. representação semiótica em tal evolução. Rute
No último Encontro Gaúcho de Educação Borba e Ana Selva, no quinto artigo, apresentam
Matemática (EGEM), em junho, na UNIJUÍ, em Ijuí, resultados de pesquisa com o uso de calculadoras
foi eleita uma nova diretoria, que conduzirá a regio- em sala de aula com professores dos anos iniciais
nal no período 2009–2012, sendo mantido o editor da cidade de Recife, com sugestões de atividades
da revista, o professor Dr. José Carlos Pinto Leivas, realizadas, enquanto que José Carlos Pinto Leivas
e ampliando-se o corpo de revisores, agora com e Helena Cury fazem considerações a respeito da
representantes da maioria dos estados brasileiros. Transposição Didática de Chevallard, por meio
Constam nesta revista sete artigos oriun- de dois exemplos, o de distância e o do grande
dos de diversas instituições e estados brasileiros. seno e grande cosseno, no sexto artigo. Para con-
No primeiro artigo, Willian Beline e Márcia Cyri- cluir, Karin Jelinek e Adriana Kampff apresentam
no analisam as implicações sobre a utilização da um relato de experiência em sala de aula da es-
escrita discursiva na Matemática e na Estatística cola básica, utilizando o software Imagine, para
em um curso de Licenciatura em Pedagogia. No abordar tópicos de Geometria Fractal.
segundo artigo, um resultado de pesquisa oriun- Também temos dois artigos de autores
do da cidade de Recife é apresentado pela pesqui- convidados. No primeiro, Dione Lucchesi de
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Carvalho brinda nossos leitores com o Trabalho resolução de problemas, voltado à metodologia
com projetos no ensino e na aprendizagem de de resolução de problema e que pode ser aplica-
estatística: benefícios, problemas, limitações..., do diretamente na escola básica, tão carente de
que faz uma análise de pesquisas de mestrado inovações curriculares no ensino e na Educação
sobre Educação Estatística, as quais mostram Matemática.
benefícios no tipo de trabalho para o desenvolvi-
mento profissional dos professores. No segundo, Desejo uma boa leitura a todos!
Lourdes de La Rosa Onuchic e Norma Suely Al-
levato presenteiam nossos leitores com o artigo Claudia Lisete Oliveira Groenwald
Trabalhando volume de cilindros através da Diretora da SBEM/RS

8 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

A ESCRITA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA E


ESTATÍSTICA COM FORMANDAS DO CURSO DE PEDAGOGIA:
ANALISANDO A PRODUÇÃO ESCRITA DE LAURA

The Writing as Pedagogical Strategy in the Mathematics Teaching and Statistic with
the Last Year Students of Pedagogy Course: Analysing Laura’s Writing Production

Willian Beline
Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino

Resumo era solicitado na tarefa, ela se sobressaía, sempre


questionando o que era apresentado em sala de
O objetivo desta investigação foi analisar as aula como também sua própria produção escrita.
implicações quanto à utilização da escrita
discursiva na disciplina de Matemática e Estatística, Palavras-chave: Educação Matemática. Formação
ministrada para acadêmicas do 4º ano do curso de inicial de professores em Matemática. Escrita
Licenciatura em Pedagogia diurno, da FECILCAM1, matemática. Escrita expressiva e transacional.
como meio de captar, examinar e reagir ao
pensamento matemático (POWELL, 2001) dessas Abstract
futuras pedagogas. Para isso, utilizamos uma tarefa
intitulada Bilhete de fim de aula, que consistiu The goal of this investigation was to analyze the
na resposta, em todas as aulas de 2008, a duas implications as the use of the discursive writing
questões: (i) Qual o conceito mais importante in the mathematics discipline and Statistics given
desta aula? Comente, justifique; (ii) Qual a minha for the fourth year academics of the Pedagogy
principal dúvida nesta aula? Por quê?. Baseados em course in daily Graduation from FECILCAM2, as
Powell (2001) e Powell e Bairral (2006), analisamos the way of capturing, examining and reacting to
a produção escrita da acadêmica de pseudônimo the mathematical thought (POWELL, 2001) of
Laura na busca de identificar em que ponto, em these future Pedagogy educators. For this we used
seus textos, houve mudança em sua forma de a task entitled Note of the End of the Class that
escrever, partindo de uma escrita mais expressiva consisted in the answer, in all the 2008 classes,
(descritiva) para uma escrita mais transacional to two questions: (i) which is the most important
(argumentativa). Concluímos que a utilização de concept of this class? Comment on, justify; (II)
tarefas escritas nessa turma, especialmente em which is my main doubt in this class? Why? Based
Laura, possibilitou uma busca da compreensão on Powell (2001) and Powell and Bairral (2006),
dos conteúdos da disciplina por parte da estudante we have analyzed the writing production of the
e instrumentalização do professor para o (re) academic with pseudonym Laura, trying to identify
planejamento das aulas, na medida em que Laura, in what point, in her texts, she presented changes
aos poucos, apresentou mudança em sua forma in her way of writing, starting of a more expressive
de escrever, envolvendo-se cada vez mais com writing (descriptive) to a more transactional
o conteúdo e com as aulas. Diversos foram os (argumentative). We concluded that the use of
momentos em que, além de responder ao que the  tasks written in this group, especially with

1
Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. 2
State College of Science and Letters of Campo Mourão.
Paraná. Brasil. Site <http://www.fecilcam.br>. Paraná. Brazil. Site <http://www.fecilcam.br>.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 9 a 17 9


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Laura, made possible a search of understanding que as alunas sentiam das tarefas que envolviam
of the contents of the discipline on the student’s representação e pensamento matemático.
part, and the teacher’s instrumentalisation for Diante disso, preparamos um instrumento
the classes (re)planning, as Laura, little by little, que possibilitasse essa escrita discursiva inti-
presented changes in her way of writing, becoming tulado Bilhete de fim de aula (SANTOS, 2005,
more and more involved with the contents and
p.130). Todas as acadêmicas, durante o ano letivo
with the classes. Several were the moments that,
besides answering to what were requested in the de 2008, deveriam, em todas as aulas, responder
task, she went beyond, always questioning what às questões: (i) Qual o conceito mais importante
was presented in classroom, as well as her writing desta aula? Comente, justifique; (ii) Qual a minha
production. principal dúvida nesta aula? Por quê?
No final do ano letivo, solicitamos que as
Keywords: Mathematics education. Pre-service acadêmicas respondessem a algumas questões4
Mathematics teachers. Writing mathematics. relacionadas ao Bilhete de fim de aula, com o
Expressive and transactional writing. objetivo de desencadear nelas uma avaliação
reflexiva, bem como avaliar o instrumento uti-
Introdução lizado.
Neste texto, apresentamos uma análise da
Processos de escrita em aulas de Matemá- produção escrita da acadêmica de pseudônimo
tica têm sido o foco de interesse para diversos Laura. A escolha dessa estudante deve-se ao fato
pesquisadores, dada a importância desse tema no de ela ter revelado, no decorrer do ano, diversas
ensino, assim como na formação de professores dúvidas e dificuldades quanto ao conteúdo trata-
em Matemática. do em sala de aula. Isso nos motivou a investigar
Ao discutir a importância da escrita em aulas sua produção escrita e algumas implicações des-
de Matemática, Powell (2001) afirma que “além de se desenvolvimento para os processos de ensino
possibilitar a captação do pensar matemático”, ela e de aprendizagem. De partida, descrevemos os
também pode “servir como um veículo de aprendi- fundamentos teóricos que subsidiaram a inves-
zagem” (p.73, grifo nosso) em Matemática. tigação e o modo como essa tarefa de escrita foi
Para esse mesmo autor, quando nossos desenvolvida em sala de aula.
alunos colocam no papel seus sentimentos e
pensamentos sobre ideias matemáticas espe- A escrita em aulas de Matemática
cíficas, podemos captá-las na medida em que
esse processo constitui-se em “um veículo eficaz Não é raro, em diálogos entre professores
para que nós e eles possamos examinar, refletir que atuam na educação básica no Brasil, ouvir
profundamente e reagir ao seu pensamento ma- as seguintes afirmações:
temático” (p.73). Professor que ensina Matemática: “Meus
Interessados em investigar implicações da alunos não sabem ler e interpretar um problema
produção escrita na formação de professores, em em Matemática. Isso é culpa do professor de Por-
2008, enquanto o primeiro autor deste artigo mi- tuguês, que deveria ensiná-los a ler e interpretar
nistrava a disciplina “Matemática e Estatística”3 textos...”
para acadêmicas do 4º ano de Pedagogia diurno, Professor que ensina Língua Portuguesa:
da FECILCAM, decidimos introduzir a escrita “Como vou ensinar seus alunos a lerem em
discursiva como uma das atividades da dis-
ciplina. Nosso objetivo foi o de constituir um
espaço de comunicação que contribuísse para 4
Questões: (i) Já havia utilizado o recurso de escrita discursiva em
aulas de Matemática? O que pensou quando foi solicitada essa
compreensão e apropriação dos assuntos abor-
atividade?; (ii) Descreva como tem sido escrever nas aulas de
dados em sala de aula, e para minimizar o medo Matemática.; (iii) Comparando sua primeira narrativa no início
do ano com os textos mais recentes, você considera que o modo
de se expressar matematicamente por meio da escrita discursiva
3
Nessa disciplina, ministrada nas turmas de 4º ano de mudou?; (iv) A escrita em aulas de Matemática tem contribuído
Pedagogia na FECILCAM, devem ser tratados os seguintes para sua aprendizagem? Como? Cite um episódio que ilustre isso.
conteúdos: revisão de matemática elementar e introdução à (v) Você tem tido dificuldades em escrever nas aulas de Matemá-
estatística aplicada à Educação. É uma disciplina anual, com tica? Por quê?; (vi) De que modo essa atividade poderia contribuir
duas horas/aula/semana, totalizando 72h/a ao final. ainda mais para o seu aprendizado em matemática?

10 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Matemática, se não tenho formação específica nos procedimentos e significados que permeiam
nessa área?”. o tema em questão” (p.131). Os estudantes
Embora essa discussão traga à tona uma te- investigados pela autora têm revelado que me-
mática importante, esse tipo de diálogo, que bus- lhoraram seu modo de “traduzir”, compreender
ca identificar culpados, pouco tem contribuído informações consideradas, a princípio, como
para um efetivo enfrentamento do problema. estritamente técnicas e inacessíveis.
Arthur Powell há muito tempo tem trabalha-
Em geral, nós, os professores que do com a escrita como veículo de aprendizagem da
ensinamos Matemática, dizemos “os Matemática. Powell e López (1995), ao relatarem a
alunos não sabem interpretar o que
o problema pede” e vislumbramos, utilização da escrita em aulas de Matemática, em
como alternativa para a solução da um curso de Cálculo, combatem um modelo de
dificuldade, pedir ao professor ou ensino de Matemática apelidado de “giz e fala”.
professora de Língua Portuguesa Segundo esses autores, nesse modelo de ensino
que realize e/ou reforce atividades de
interpretação de textos com nossos
[...] encontram-se poucas, se é que
alunos. A sugestão dos professores de
existem, situações em que se pede
Matemática aos colegas professores
explicitamente que os estudantes
de Língua Portuguesa, embora
reflitam sobre a matemática que
possa contribuir para a leitura de
estejam a “fazer”, sobre o que pensam
uma maneira geral, não ataca a
da Matemática ou mesmo sobre eles
questão fundamental da dificuldade
próprios em relação à disciplina. Pelo
específica com os problemas e
contrário, os resultados das reflexões
com outros textos matemáticos
de outras pessoas são narrados
(FONSECA; CARDOSO, 2005, p.64,
aos estudantes a quem se pede
grifos nossos).
simplesmente para memorizá-los.
(POWELL; LÓPEZ, 1995, p.9-10)
O trabalho com recurso da escrita discur-
siva em aulas de Matemática, na formação inicial A Matemática é apresentada de uma forma
de professores que irão ensinar Matemática, preconcebida, atomizada, com predomínio de
tem se apresentado como uma alternativa para regras, e a sua aprendizagem ocorre pela simples
instrumentalizar o futuro professor a lidar com transposição de uma “experiência” para outra,
compreensão de textos matemáticos. assumindo uma espécie de “cadeia sucessiva de
Santos (2005), ao relatar algumas experi- experiências” (POWEL; LÓPEZ, 1995).
ências com a escrita em suas aulas, afirma que a Esses mesmos autores defendem que a re-
linguagem escrita em aulas de Matemática “atua alidade objetiva dos processos de aprendizagem
como mediadora, integrando as experiências gera a necessidade de “um modelo mais complexo
individuais e coletivas na busca da construção e dinâmico e que tome em consideração as interli-
e apropriação dos conceitos abstratos estuda- gações entre a experiência e a reflexão” (p.10).
dos”, e A utilização da escrita nas aulas de Ma-
temática configura-se como uma alternativa
[...] cria oportunidades para o resgate
da autoestima para alunos, professores
pedagógica para o ensino de Matemática em sala
e para as interações de sala de aula. de aula, uma vez que podemos vislumbrar uma
Esse processo favorece a transparência maior participação dos estudantes, de modo
de emoções e afetividade, não só de que se tornem sujeitos ativos em seu processo
aspectos negativos, como o medo, a de aprendizagem de Matemática. “A escrita é
frustração e a tristeza, mas também
da coragem, do sucesso, da alegria um instrumento poderoso com o qual se reflete
e do humor. (SANTOS, 2005, p.129, sobre a experiência e, tal como a Matemática, é
grifos nossos) um importante instrumento para o pensamento”
(POWELL; LÓPEZ, 1995, p.11). A escrita deve ser
Segundo essa autora, os estudantes, “ao “usada principalmente como meio de aprendiza-
converterem para a escrita em prosa a simbologia gem da Matemática e de conhecimento da própria
usual em Matemática, tantas vezes permeada pessoa que escreve e não somente para medir a
de hieróglifos e abreviações, (...) aprofundam-se quantidade de informação adquirida” (p.13).

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 11


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Segundo Powell e López (1995), o desen- Escrever [...] favorece a compreensão


volvimento do processo de escrita nas aulas pode de conceitos e procedimentos
matemáticos [...] (CÂNDIDO, 2001,
evoluir de narrativas simples e rotineiras para
p.24, grifos nossos)
algo mais elaborado, reflexivo.
Pareteli et al. (2006) consideram que “ape-
sar da escrita do aluno ser uma estratégia pouco Powell e Bairral (2006), ao tratarem das
utilizada nas aulas de Matemática e termos ainda interações e potencialidades dos processos de
uma bibliografia bastante restrita sobre o assun- escrita no desenvolvimento do pensamento
to, as nossas experiências iniciais apontam para matemático, afirmam que a utilização da escrita
as potencialidades educativas dessa estratégia” favorece a compreensão dos conceitos matemá-
(p.40). “[...] a escrita pode levar o aluno a sentir- ticos tratados em sala de aula, e o estudante tem
se responsável por sua aprendizagem” (p.41). a oportunidade de enriquecer seu vocabulário
Consideramos importante que os profes- mediante os momentos de escrita.
sores fomentem o trabalho de escrita matemática
de seus alunos em todos os níveis de ensino. A As lentes pelas quais analisamos os
valorização dos diferentes modos de expressão, registros escritos de Laura
do espírito questionador e crítico pode colaborar
para que esses alunos aprendam a se comunicar Segundo Powell (2001), o caminhar de
matematicamente. uma escrita mais expressiva (descritiva) para
A escrita é um instrumento que permite aos outra intitulada transacional (argumentativa)
alunos expressar suas ideias e pode auxiliar no representa um forte indício de considerá-la como
um veículo de aprendizagem. Ao relatar uma de
[...] resgate da memória, uma suas investigações, o autor argumenta que
vez que muitas discussões orais
poderiam ficar perdidas sem o Depois de estabelecer um grau de
resgate em forma de texto; confiança nas ideias de alguém, parece
[...] (e na) possibilidade de quase natural a mudança da prosa
comunicação a distância no espaço expressiva para a prosa transacional.
e no tempo e, assim, de troca de Essa mudança ocorreu com o aluno
informações e descobertas com enquanto ele lutou com suas ideias
pessoas que, muitas vezes, nem de como determinar o MMC de
conhecemos. (CÂNDIDO, 2001, p.23, um grupo de inteiros. Ele construiu
grifo nosso) e reconstruiu o significado. Ele
escreveu e revisou suas reflexões, um
processo mediado por comentários
O silêncio predominante nas aulas de externos. À medida que ele começou
Matemática, segundo a autora, é causado pelo a expressar suas ideias com maior
excesso de cálculos mecânicos, que prejudica, clareza e confiança e selecionar uma
assim como torna inexistente, o momento de linguagem que descrevesse mais
precisamente suas ações e percepções,
comunicação em tal contexto. sua escrita mudou de expressiva para
Ao relatar a utilização da escrita em sua transacional. (POWELL, 2001, p.77-8,
prática pedagógica, afirma que: grifos nossos)

[...] escrever em matemática ajuda a


aprendizagem dos alunos de muitas
Powell e Bairral (2006) afirmam que “di-
maneiras, encorajando a reflexão, ferentes abordagens da escrita requerem que os
clareando as ideias e agindo como produtos dos aprendizes assumam funções dis-
um catalisador para as discussões tintas. Essas variam entre a função transacional
em grupo. Também ajuda o aluno a e a expressiva” (p.51, grifos dos autores).
aprender o que está estudando.
Ao definirem esses termos, relatam que a
[...] a escrita permite um contexto
natural para envolver os alunos escrita expressiva apresenta-se como algo mais des-
no estabelecimento de conexões critivo. Seria como “pensar alto no papel” (p.51).
entre diferentes noções, entre suas Para Britton et al. (1975), a escrita expressiva
concepções espontâneas e novas tem a função de “revelar o falante, verbalizando a
aprendizagens [...].

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

sua consciência, submetendo-se ao fluir de ideias e Estatística”. No início, elas foram informadas
e sentimentos” (apud POWELL; BAIRRAL, 2006, de nossas intenções com a tarefa de produção
p.51-2). Esse tipo de escrita proporciona pontos de escrita denominada “Bilhete de fim de aula”. Foi
partida para a aprendizagem dos indivíduos. combinado que, no decorrer do ano letivo, elas
deveriam responder, em seus caderninhos5, às
Por meio da escrita expressiva os seguintes questões:
aprendizes articulam suas crenças (i) Qual o conceito mais importante desta
sobre a natureza do conhecimento
matemático, bem como suas respostas aula? Comente, justifique;
afetivas a questões matemáticas em (ii) Qual a minha principal dúvida nesta
que estejam a debruçar-se. Constroem aula? Por quê?
e negociam significados, bem como No decorrer de cada aula, foram recolhidos de
monitoram sua aprendizagem e sua
afetividade e refletem sobre elas.
dois a quatro caderninhos de modo que o professor
(POWELL; BAIRRAL, 2006, p.52) pudesse ler os escritos das estudantes, referentes à
aula anterior. Em seguida, eram esclarecidos alguns
conceitos apresentados por elas de forma incorreta
A escrita transacional tem um caráter mais
ou incompleta, e trabalhadas as dúvidas suscitadas.
argumentativo de cunho crítico e reflexivo. Powell
Essas leituras colaboravam para o (re)planejar das
e Bairral (2006) afirmam que, ao contrário da es-
aulas, no decorrer de todo o ano letivo.
crita expressiva, na escrita transacional traços de
No final de cada bimestre, no dia da prova,
feedback e revisão são fundamentais, pois é por
todos os caderninhos eram recolhidos para que
meio de um processo contínuo de idas e vindas
pudéssemos fazer uma análise mais detalhada e
que os estudantes são capazes de refletir e produ-
registrar alguns comentários sobre a produção
zir significados para os objetos matemáticos.
escrita das estudantes.
Para que isto venha a acontecer, estes auto-
Apresentamos, a seguir, alguns comen-
res sugerem que ao lermos as escritas de nossos
tários sobre a estudante Laura, sua produção
alunos, coloquemos questões que os ajudem a
escrita registrada em seu caderninho, bem como
refletir sobre o que escreveram, assim como a
alguns de seus relatos quanto à utilização da
transitarem de uma escrita mais descritiva para
escrita discursiva nas aulas da disciplina “Ma-
outra mais argumentativa.
temática e Estatística”.
[...] a cognição matemática deve ser Laura foi uma estudante muito espontânea.
inserida num contexto de produção Falava de tudo em sala de aula. Quando tinha dúvi-
que vá além da expressividade, ou das, não perdia a oportunidade de nos questionar,
seja, que envolva reflexão crítica e quer seja pela fala ou por sua expressão facial. Não
preconize processos colaborativos
de diferentes dimensões e de tomada foram poucas as vezes que fora questionada: “Lau-
de consciência sobre as experiências ra, conheço esta cara... Qual é a sua dúvida?”.
individuais ou coletivas. (POWELL; Iniciou de maneira bem tímida suas pri-
BAIRRAL, 2006, p.53) meiras escritas em sala de aula. Durante o mês
de março de 2008, apresentou textos soltos, sem
Se, enquanto professores, conseguirmos sentido em alguns momentos, que mais pareciam
detectar/incentivar/proporcionar esse caminhar uma relação dos tópicos abordados em sala de
da escrita expressiva para escrita transacional, aula, naquele dia.
acreditamos que a escrita deverá se apresentar, No decorrer do trabalho com o tema Esta-
sim, como um veículo muito importante para a tística, altura em que foram tratados termos como
aprendizagem de Matemática. população, amostra, variável qualitativa e quan-
titativa, ela fez o seguinte relato ao apresentar o
Descrição e análise da produção escrita conceito mais importante da aula (Figura 1):
de Laura

O trabalho com as futuras pedagogas foi


5
Foi solicitado às acadêmicas que adquirissem um caderno
pequeno, com 50 folhas, para realizarem a tarefa proposta. No
desenvolvido pelo primeiro autor desse artigo decorrer do ano, o material foi apelidado, pelas acadêmicas,
enquanto ministrava a disciplina “Matemática de caderninho.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 13


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Somente a partir do início do 2º bimestre,


enquanto era trabalhado o tema Séries Estatísti-
cas7, que suas escritas se apresentaram de forma
mais argumentativa (Figura 5).

Figura 1
Fonte: RE-L6, 31/03, p.3

Percebemos nesse trecho registrado por


Laura, um texto pouco fluido, pois sua escrita
pautou-se na descrição dos tópicos tratados em
sala de aula. Esse tipo de escrita foi recorrente
durante o mês de março de 2008. Percebemos
uma primeira mudança a partir do mês de abril,
como pode ser observado na Figura 2. Figura 5
Fonte: RE-L, 12/05, p.9

Nessa altura, as dúvidas de Laura são


apresentadas de forma mais explícita. Estas aca-
bam por se constituir como um desafio para ela
mesma, no momento em que as justifica. Quando
ela escreve: “Entender que as tabelas e gráficos
Figura 2 nos permite (sic) ter uma visão geral é compreen-
Fonte: RE-L, 07/04, p.4
sivo [...]”, parece querer dizer: Professor, isso eu
Caracterizamos as escritas das Figuras 1 e entendi... Não estou entendendo aquilo...
2 como escritas expressivas (POWELL; BAIRRAL, Laura, às vezes, vai além de apresentar o que
2006). No entanto, na segunda quinzena de abril, avaliou ser importante. Apresenta-nos, em suas jus-
Laura muda a forma de escrever, construindo um tificativas, elementos que revelam a importância de
texto um pouco mais argumentativo (Figura 3). se trabalhar em grupo, em sala de aula (Figura 6).

Figura 3
Fonte: RE-L, 07/04, p.4

Quanto às respostas para a segunda per-


gunta da tarefa (Qual a minha principal dúvida?
Por quê?), Laura demora um pouco mais para
construir textos mais argumentativos (Figura 4).
Figura 6
Fonte: RE-L, 19/05, p.10

Ao enunciar o conceito que considerava


mais importante da aula em que foi trabalhado
Figura 4
Fonte: RE-L, 07/04, p.4 7
“É chamada de série estatística toda tabela que apresenta
um conjunto de dados estatísticos distribuídos em função da
6
Com RE-L, queremos dizer Relato Escrito de Laura, que virá época, do local e da espécie” (TIBONI, 2003, p.32). As tabelas
acompanhado da data e página do relato no caderninho de podem ser: temporais (o tempo varia), geográficas (o local
Laura (RE-L, 31/03, p.3). varia) e específicas (o fato varia).

14 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

o tema proporcionalidade, Laura dá explicações, importante na aula, dando explicações sobre este
cita exemplos e, no início de seu texto, contex- conteúdo, ela passa, dentro de suas explicações,
tualiza o conteúdo (Figura 7). a elaborar questionamentos sobre o conteúdo.
Laura inicia seu relato revelando o que en-
tendeu por Gráfico em Setores (pizza), bem como
os cálculos necessários para se obter, em graus, a
abertura de cada raio no gráfico. Para isso, utiliza
como exemplo o número de mulheres casadas
(15) e solteiras (8) da sala de aula (Figura 9).

Figura 7
Fonte: RE-L, 09/06, p.14

Neste mesmo relato, Laura explica o que


entendeu por dados relativos e absolutos, assim
como a transformação de um valor decimal em
porcentagem (Figura 8). Figura 9
Fonte: RE-L, 01/09, p.22

A seguir, justifica o arredondamento fei-


to em seus cálculos, de 234,78 para 235 graus
(Figura 10).

Figura 10
Fonte: RE-L, 01/09, p.22

Ao final de sua explicação, justificou como


construir um gráfico de setores, o significado do
Figura 8 raio nesse gráfico e um questionamento sobre o
Fonte: RE-L, 09/06, p.14-15 número de raios que ele pode ter (Figura 11).
Ao analisarmos os dois últimos registros,
percebemos que ela compreende o significado
de porcentagem, assim como nos explica como
e onde o algoritmo da regra de três deve ser
utilizado.
Os comentários feitos pelo professor, no
decorrer do ano letivo, sempre tiveram a intenção
de que as estudantes pudessem caminhar rumo
a uma escrita transacional.
Foram muitos os relatos escritos até o final
do ano, mas o que apresentaremos a seguir nos
mostra uma nova faceta dos textos de Laura. Figura 11
Além de apresentar o que considerou de mais Fonte: RE-L, 01/09, p.22

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 15


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Assim, de estudante extremamente in- começa a aparecer no segundo semestre de 2008,


comodada com as aulas de Matemática, pois em seus registros. Diversos foram os momen-
sempre argumentava sobre suas dificuldades tos em que, além de responder ao que as duas
com essa disciplina e as situações negativas questões da tarefa pediam, Laura se sobressaia
que havia passado no seu processo de formação, questionando o que era apresentado em sala de
Laura passa a ser uma estudante que começa a aula e o que ela mesma escrevia.
elaborar seus primeiros questionamentos sobre Foi possível verificar que os conteúdos de
o que está sendo estudado. Matemática e Estatística presentes nos Bilhetes
Ao final do ano letivo de 2008, foi pos- de fim de aula não refletiam apenas o que a
sível observar na produção escrita de Laura estudante estava aprendendo na escola, mas
que ela argumenta sobre o conteúdo, pergunta, também refletiam noções de fora da escola, e
questiona-se quanto ao que escreve. conceitos que ela estava construindo por meio
A utilização da escrita discursiva propor- das interações com as colegas, com o professor
cionou a Laura não apenas um novo pensar sobre e com a sua própria escrita.
a Matemática, mas uma nova postura diante da Os Bilhetes fomentaram a comunicação es-
Matemática e das tarefas propostas nas aulas e crita em Matemática e também o desenvolvimen-
em seu dia a dia. to de atitudes matemáticas, autoconfiança, habi-
No 4º bimestre de 2008, foram propostas lidades para resolver problemas de matemática e
algumas questões sobre a dinâmica utilizada com estatística e habilidade para argumentação.
sua turma no decorrer do ano letivo, nas aulas de O desenvolvimento desse projeto permitiu
“Matemática e Estatística”. Quando foi questiona- que o professor conhecesse mais suas estudantes
da se a escrita teria contribuído para sua aprendi- por meio da escrita, pois elas colocaram nos seus
zagem, e se ela nos poderia citar algum episódio registros detalhes que raramente foram enuncia-
que ilustrasse isso, Laura afirma (Figura 12): dos por meio da fala em sala de aula.
Também foi possível ao professor, por meio
da escrita, aproximar-se um pouco mais do pen-
samento matemático das acadêmicas. Ele pôde
contestar e complementar algumas das noções
preconcebidas sobre conceitos de matemática e de
estatística, bem como sobre processos de ensino e
de aprendizagem desses conceitos, explicitados pe-
las futuras pedagogas. Os desafios encaminhados
pelo professor, a partir dos relatos das estudantes,
proporcionaram bons momentos de discussão.

Referências

BRITTON, J. et al. The development of writing


abilities, ano 11, n.18, Londres: Macmillan, 1975.
Figura 12: resposta de Laura à questão 4 da
tarefa final do curso no 4º bimestre. CÂNDIDO, Patrícia T. Comunicação em Mate-
mática. In: SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria
Ignez (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas:
Tecendo algumas considerações habilidades básicas para aprender matemática.
Porto Alegre: Artmed Editora, 2001, p.15-28.
Acreditamos que essa tarefa de escrita, nas FONSECA, Maria da Conceição Ferreira da; CAR-
aulas de “Matemática e Estatística”, tornou-se um DOSO, Cleusa de Abreu. Educação Matemática
veículo para captar, examinar e reagir ao pensa- e letramento: textos para ensinar Matemática,
mento matemático de Laura, na medida em que Matemática para ler o texto. In: NACARATO,
Adair Mendes; LOPES, Celi Espasandin (orgs.).
sua escrita passa de expressiva (descritiva) para Escritas e leituras na Educação Matemática. Belo
outra mais transacional (argumentativa). Horizonte: Autêntica, 2005, p.63-76.
Na trajetória escrita de Laura, foi possível POWELL, Arthur B. Captando, examinando e
observar a riqueza de detalhes que efetivamente

16 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

reagindo ao pensamento matemático. In: Boletim cialidades. Coleção perspectivas em Educação


do GEPEM, n.39, set. 2001, p.73–84. Matemática. Campinas/SP: Papirus, 2006.
POWELL, Arthur B.; LÓPEZ, José A. A escrita SANTOS, S. A. Explorações da linguagem escrita nas
como veículo de aprendizagem da matemática: aulas de Matemática. In: NACARATO, A. M; LOPES,
estudo de um caso. In: Boletim GEPEM, Rio de C. E. (orgs.). Escrituras e leituras na Educação Mate-
Janeiro, 1995, n.33, p.9-41. mática. Autêntica: Belo Horizonte, 2005, p.127-142.
POWELL, Arthur; BAIRRAL, Marcelo. A escrita TIBONI, Conceição Gentil Rebelo. Estatística básica
e o pensamento matemático: interações e poten- para o curso de Turismo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Willian Beline – Professor do Departamento de Matemática da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão
(FECILCAM). Coordenador do Grupo de Educação Matemática e as Tecnologias de Informação e Comunicação (GEMTIC).
<http://www.gemtic.fecilcam.br>. Doutorando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). E-mail: wbeline@gmail.com
Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – Professora do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEL. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de
Professores que Ensinam Matemática (GEPEFOPEM). E-mail: marciacyrino@uel.br

Recebido em: 01/08/2009


Aprovado em: 13/9/2009

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 17


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

18 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


ESTUDO DE CASO NA CIDADE DO RECIFE1

Mathematics in Children Education: Case Study in Recife City

Juceli Bengert Lima


Aldenize Ferreira de Lima

Resumo
do professor da educação infantil e como são
elaboradas as matrizes curriculares dos cursos de
Este estudo, realizado em Recife, propõe-se a
formação desse profissional.
verificar que condições de trabalho são oferecidas,
que material didático é disponibilizado e como é
Palavras-chave: Educação infantil. Educação
o suporte pedagógico proporcionado nas escolas
Matemática. Prática docente.
e creches para que os professores desenvolvam
seu trabalho e atinjam os objetivos apresentados
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Abstract
Educação Infantil para o ensino-aprendizagem
de matemática. Além disso, pretende identificar This study conducted in Recife is supposed to
como é a prática docente e quais são as principais verify working conditions, which courseware
dificuldades encontradas pelos professores. Para is available and pedagogical support provided
tanto, foi escolhida uma amostra representativa in schools kindergartens and nurseries for
contemplando creches e escolas da rede municipal teachers to develop their work and achieve the
onde foram entrevistados os professores dos Centros goals presented in the National Curriculum
Municipais de Educação Infantil da rede pública. Guidelines for Early Childhood Education for
Percebemos que a matemática ainda é vista como the teaching and learning of mathematics. It
um conjunto de regras e procedimentos desligados, also aims to identify what the teaching practice
embora haja um esforço das professoras para obter is and what the main difficulties encountered
uma relação com o cotidiano. A linguagem foi are by the teachers. Therefore, we have chosen
apresentada como um processo, e a Matemática, a representative sample comprising public
como atividades isoladas. As professoras informaram nurseries and schools from the municipality
que sentem certa dificuldade em trabalhar com a where teachers from the public Municipal
matemática ou sua preferência em trabalhar com a Centres of Preschools were interviewed. We
linguagem. Percebemos que na área da linguagem o realize that mathematics is still seen as a set of
tempo destinado para as atividades era maior, assim unlinked rules and procedures, although there
como a utilização e disponibilidade de recursos is an effort of the teachers to connect this with
didáticos e materiais concretos, em relação à área everyday life. Language was presented as a
de matemática. Esses fatos nos levam a concluir process and mathematics as separate activities.
que, na maioria dos casos, houve um despreparo The teachers said they feel some difficulty
das professoras quanto à metodologia de ensino- in working with mathematics or they prefer
aprendizagem da matemática, e essa reflexão pode to work with language. We realize that in the
remeter-nos a outra instância, que é a formação language field the time allotted for the activities

1
Este artigo baseia-se numa comunicação oral originalmente apresentada no I Seminário de Grupos de Pesquisa sobre Crianças
e Infâncias (GRUPECI), na UFJF, em setembro de 2008.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 19 a 26 19


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

was greater than in mathematics, as well as the • e s t a b e l e c e r a p r ox i m a ç õ e s


use and availability of teaching resources and a algumas noções matemáticas
materials. These facts lead us to conclude that presentes no seu cotidiano, como
in most cases there was a lack of preparation of contagem, relações espaciais etc.
teachers on the methodology of teaching/learning • reconhecer e valorizar os números,
of mathematics and this thought can lead us to as operações numéricas, as
another instance, that is the professional training contagens orais e as noções espaciais
como ferramentas necessárias no
of teachers for early childhood education and
seu cotidiano;
how the master curricula grids are prepared for
the courses of teachers training. • comunicar idéias matemáticas,
hipóteses, processos utilizados e
resultados encontrados em situações-
Keywords: Early childhood education. Mathematics problema relativas a quantidades,
Education. Educational practice. espaço físico e medida, utilizando
a linguagem oral e a linguagem
Introdução matemática;
• ter confiança em suas próprias
estratégias e na sua capacidade para
No Brasil, a partir da década de 70, houve
lidar com situações matemáticas
uma maior valorização da educação pré-escolar: novas, utilizando seus conhecimentos
aumentaram estudos e pesquisas, novas publi- prévios. (BRASIL/SEF, 1998, p.215)
cações aconteceram, muitas escolas surgiram,
congressos e encontros de estudo foram reali- Os objetivos apresentados para a mate-
zados, governos começaram a investir verbas, mática na educação infantil são abrangentes e,
e muitos pais compreenderam que a criança quando alcançados, além do desenvolvimento
deveria estar na pré-escola não só para eles po- cognitivo da criança, proporcionariam uma base
derem ir trabalhar. para o ensino fundamental, principalmente se a
Atualmente, a pré-escola deixou de ter um criança desenvolver sua moral autônoma. Para
cunho apenas assistencial e recreativo e assumiu que isso se dê, é necessário que a criança tenha
um novo papel muito mais importante que o ante- sido capaz de construir a lógica operatória ao
rior: hoje, a pré-escola tem a função de promover nível do seu desenvolvimento intelectual.
o desenvolvimento global do indivíduo nos seus A ciência matemática está presente em
aspectos físico, afetivo, social e cognitivo. nosso dia a dia. Foi criada para atender a nossas
Para cumprir o seu propósito, é funda- necessidades e vem se desenvolvendo a partir
mental que a pré-escola tenha um currículo das mudanças que ocorrem na sociedade. A Edu-
significativo para a criança; para isso, tanto o cação Matemática é tão essencial como a leitura
planejamento como sua execução devem con- e a escrita, mesmo para os que não se querem
siderar os conhecimentos e as condições que aprofundar nos estudos dessa ciência. Seus con-
ela possui com os objetivos e a metodologia de ceitos básicos são importantes na vida diária, no
trabalho focados na criança. trabalho e para outras áreas de estudo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Entretanto a matemática, ao longo dos
Nacional (Lei 9.394/96) estabeleceu que a edu- anos, vem sendo temida por muitos estudantes.
cação infantil é a primeira etapa da educação Ela produz insegurança, causa medo e ansieda-
básica. Em 1998, o Ministério da Educação elabo- de. Existe ainda um mito de que essa matéria é
rou os Referenciais Curriculares Nacionais para destinada a pessoas com dotes especiais, sendo
a educação infantil com objetivo de nortear os inata a capacidade para a matemática. O caráter
educadores que atuam diretamente com crianças abstrato dessa ciência também justificaria a di-
de zero a seis anos. ficuldade para a sua aprendizagem.
Os Referenciais Curriculares Nacionais Machado (1990) argumenta que a dificulda-
para a Educação Infantil propõem, no que se de de aprendizagem da matemática está mais para
refere à abordagem da matemática, que esta o tipo de abordagem e linguagem formal utilizadas
deve proporcionar oportunidades para que, ao pelos docentes do que por essas características.
final da educação infantil, as crianças sejam Desde muito pequena, a criança elabora
capazes de: noções matemáticas a partir de suas atividades

20 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

cotidianas fora e/ou dentro da escola: nos deslo- anos. A professora com menor experiência tem
camentos, em coleções de objetos, na observação quatro anos de docência, e a professora com
do calendário, em jogos, na manipulação com o mais experiência havia completado 35 anos de
dinheiro, observações de gráficos e tabelas em prática. Especificamente na educação infantil,
materiais diversos, etc. Entretanto, ainda são ob- o tempo de docência variou de um ano até 33
servadas práticas docentes muito desvinculadas anos, sendo o grupo muito heterogêneo quanto
com a proposta de Educação Matemática que à experiência docente.
priorize contextos reais, as experiências e lingua- Em relação à formação no ensino médio,
gens da criança, valorize sua curiosidade. verificamos que 87,5% das entrevistadas cur-
saram o Magistério; 20% das entrevistadas cur-
Procedimentos metodológicos saram o Científico, sendo que 10% concluíram
simultaneamente o Científico e o Magistério.
O objetivo deste estudo foi investigar o Uma professora fez o curso técnico. Metade das
processo de ensino-aprendizagem da matemática professoras completou o ensino médio em esco-
nos Centros de Educação Infantil da Rede Muni- las públicas; 47,5% em escolas da rede privada
cipal do Recife. Com as questões levantadas nas e 2,6% parte na rede pública, parte na rede pri-
entrevistas, pretendeu-se: vada. A Tabela 1 ilustra esses resultados.

• conhecer as metodologias que são Tabela 1: formação das professoras no nível


utilizadas pelos professores na sua prática médio.
docente, para facilitar a apreensão do Cursos Público Privado Público e privado Total

conhecimento lógico-matemático; Científico 01 03 - 04


Magistério 17 13 01 31
• conhecer como é a avaliação do ensino-
Magistério e Científico 01 03 - 04
aprendizagem; Técnico 01 - - 01
• verificar que tipo de suporte pedagógico Total 20 19 01 40
o profissional da educação infantil recebe Fonte: Pesquisa, 2007.
dos gestores;
• elencar as dificuldades enfrentadas Em relação ao ensino superior, 85% das
para que os objetivos apresentados nas professoras entrevistadas concluíram o curso
Diretrizes Curriculares Nacionais para a de Pedagogia, 10% cursaram outra licenciatu-
Matemática sejam atingidos, na percepção ra e apenas uma professora não possui curso
dos profissionais da educação infantil. superior. A Tabela 2, a seguir, descreve esses
resultados.
As entrevistas foram realizadas em 30
Centros Municipais de Educação Infantil nos Tabela 2: formação das professoras no nível
meses de setembro, outubro e novembro de 2007. superior.
As professoras foram ouvidas individualmente
Cursos Público Privado Sem curso superior Total
e, quando autorizaram, as conversas foram Pedagogia 18 16 - 34
gravadas. As fitas foram transcritas, e os dados Licenciatura em Letras - 02 - 02
referentes ao perfil do profissional foram tabula- Educação Física 01 - - 01

dos com o uso do software estatístico Statistical Licenciatura em Química 01 - - 01


Ciências Biológicas - 01 - 01
Package for Social Sciences (SPSS).
Sem curso superior - - 01 01
Para este estudo, foram selecionadas, ale- Total 20 19 01 40
atoriamente, as entrevistas de 40 docentes cujos
Fonte: Pesquisa, 2007.
resultados estão analisados a seguir.
Um percentual de 57% das educadoras en-
Análise dos resultados trevistadas possui especialização e apenas uma
fez mestrado. Percebemos que a renda salarial
Quanto ao perfil dos professores, observa- das professoras está menos relacionada ao seu
mos que todos eram do sexo feminino. A idade nível de formação do que ao tempo de docência
das professoras entrevistadas está entre 25 e 64 que elas possuem na rede municipal de ensino

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 21


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

da cidade do Recife, mas esses dados merecem Trabalho a leitura de histórias,


ser analisados com mais cautela. contação de histórias que eles
gostam muito, a escrita dos nomes,
Os gráficos 1 e 2 sintetizam esses resulta-
que eles já estão fazendo, as vogais,
dos em que 65% dos professores recebem de 2 a 4 os números de 1 a 20 (p.11)
salários mínimos e 30% recebem de 4 a 6 salários O que eu estou trabalhando com
mínimos. Apenas duas professoras (5%) recebem eles em matemática é a questão
mais de seis salários mínimos – justamente aque- da quantidade, do espaço, direita,
las que têm maior tempo de docência. esquerda. (p.16)
A gente trabalha com jogos, com
tampinhas de garrafa pra contagem.
Com calendário para ver os dias, não
é? Utilizo tampinhas de garrafa para
Não fazer contagens, eu utilizo objetos
43%
pra fazer seriação, agrupamentos,
Sim com cores, com formas. Utilizo é...,
57%
músicas que também falam sobre
números (p.4)
Eu quero que eles reconheçam
Gráfico 1: professoras com especialização. agrupamento, maior e menor
Fonte: Pesquisa, 2007.
quantidade, muito, pouco. Eles já
têm noção de lateralidade, de espaço,
30
de direção, de quantidade, eles já
25 26
quantificam e escrevem numeral.
Eles já seguem a sequência numérica
Número de professoras

20 de 1 a 10, eu já estou puxando para


eles irem até 20, fazendo a contagem
15
em sala. Mas, eu estou exigindo
10
12 até 10. Ainda vou tentar trabalhar
daqui pra dezembro conceitos de
5 dezenas e de dúzias. Eu tenho
2
trabalhado numérica na minha
0
De 2 até 4 sm De 4 até 6 sm Acima de 6 sm
sala. Peço pra fazer agrupamento 2
Nº de salários mínimos em 2; 3 em 3, igualdade e diferença.
Ainda não vou trabalhar com eles
Gráfico 2: renda salarial individual. gráficos nem curvas aditivas. Eu
Fonte: Pesquisa, 2007.
estou trabalhando com material
A seguir, serão analisadas as questões re- concreto sem exigências porque
eu quero que eles tenham mais
lativas à prática docente, conteúdos trabalhados, domínios assim (p.3)
recursos utilizados e dificuldades encontradas. ... fazer classificação, classificação
Apesar de serem questionadas separadamente, de cores, trabalhando as cores a
as professoras já diziam como trabalhavam os gente pode classificar, que é um dos
conteúdos, quais atividades e, por vezes, quais conteúdos da matemática. A inclusão,
recursos utilizavam. a fragmentação... (p.22)
Ao serem questionadas sobre os conhe-
cimentos matemáticos que devem nortear suas Foi observada uma ênfase em apresentar
práticas na educação infantil, a ideia de número as atividades pré-numéricas como conteúdos
relacionado à quantificação e à contagem foi o trabalhados. A classificação, correspondência,
mais presente na fala das professoras. seriação, comparação, inclusão, conservação
devem ser realizadas, mas sem um esforço didá-
Particularmente a quantidade, tico. Essas atividades devem ser inseridas num
eu quero que eles aprendam contexto numérico.
quantidade (...). Agora que eles já tão
no grupo 4, estou acompanhando
Em relação às formas geométricas, gran-
essa turma, sei como eles estão, a dezas e medidas, constatou-se que esse tema foi
partir da contagem e recontagem de pouco trabalhado com as crianças. As operações
aluno. Quantos alunos têm, quantos matemáticas apenas foram comentadas por uma
alunos vieram. (p.13) educadora.

22 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Então, assim soma, subtração, mas de mesmo, papel, jogo. Às vezes a


uma forma lúdica, não aquela coisa gente confecciona, mas tem. (...)
de conta não, mais essa coisa mais Mas a gente utiliza tampinhas,
lúdica. (p.35) boliche de lata. (p.9)
...a questão da matemática a gente
trabalha muito a exploração das O entrelace da brincadeira com a ma-
características do objeto. A noção
de espaço, as noções de tamanho. temática ganha expressividade no argumento
(p.23) das professoras que fortalecem a ideia de que,
É o raciocínio lógico, o tempo, o brincando, a criança aprende.
estar nele, o tempo, o espaço é, o
espaço geográfico deles, localização, De fato, enquanto brinca, a
objetos. (p.28) criança pode ser incentivada a
Com essas crianças a gente trabalha fazer contagens, comparação
numerais, formas geométricas (p.7) de quantidades, identificar
algarismos, adicionar pontos que
fez durante a brincadeira, perceber
Quando explicaram como trabalhavam os intervalos numéricos, isto é, iniciar
conteúdos, a ênfase foi dada ao lúdico, seguido a aprendizagem de conteúdos
pela tentativa de buscar um contexto valorizando relacionados ao desenvolvimento
do pensar aritmético. (SMOLE;
a vivência das crianças. Citaram também o uso DINIZ; CÂNDIDO, 2006, p.16)
do concreto.

Tudo isso sendo aplicado a contextos Da mesma forma, atividades e brincadeiras


que eles possam utilizar e situações que envolvam movimentos, equilíbrio, ritmo,
problemas dentro da faixa etária interpretação contribuem para a formação da ima-
deles. A gente trabalha as figuras gem mental e para o desenvolvimento de noções
geométricas dentro dos desenhos
que são apresentados, eles trazem
de espaço, geometria, proximidade, lateralidade,
para realidade uma coisa que é continuidade, força, velocidade, tempo.
trabalhada de forma concreta e já Quando questionadas sobre o procedi-
parte para o abstrato. Com contagem mento de avaliação, foram unânimes ao relatar
oral, com contagem escrita, com que faziam avaliação a partir da observação e do
materiais. A gente trabalha assim. (...)
Jogos e brincadeiras que permitem registro das atividades cotidianas dos alunos.
o uso da contagem. (p.7)
Trabalho músicas que tenham Minha avaliação é através da
contação, assim que trabalha avaliação da Educação Infantil
com números e tudo. As figuras mesmo, através da observação e
geométricas eles já identificam bem registro. A gente trabalha com a
mesmo, porque têm jogos mesmo observação e registro. Acho que
lúdicos, aqueles jogos, aí fica mais avaliação é fundamental. Avaliação
fácil deles assimilarem. (p.21) não é só você avaliar em um dia,
em uma prova, mas sim o processo
de ensino aprendizagem como um
A maioria das professoras disse que utiliza todo. (p.21)
jogos de diferentes tipos (memória, dominó, boli- Eu avalio como a linguagem (...). Eu
che, jogos corporais, de encaixe, de montagem), avalio que elas desenvolvem bem.
No início do ano até o final do ano a
utiliza também objetos que estão disponíveis gente consegue atingir os objetivos.
dentro da sala (cadeiras, lápis, pincéis, bone- Tem sempre aquela criança que não
cas, revistas, emborrachados) e que estão fora atinge, mas às vezes por questões
da sala ou da escola (baldes e bancos – parque, sociológicas, econômicas, às vezes
animais – zoológico), assim como a utilização por traumas, questões psicológicas.
Mas a gente tá sempre vendo com as
de sucatas (tampinhas de garrafa, fichas, latas, mães pra ver onde está o problema e
caixas vazias, canudos). ver se o menino desenvolve. (p.38)
É observação. A gente acompanhando
Sucata, os objetos da sala, e os o tempo todo o que tá desenvolvendo,
materiais que a gente dispõe o que precisa melhorar. (p.24)

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 23


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Essa forma de avaliação é apropriada, é que você utiliza de criatividade,


uma maneira de descobrir e acompanhar o de- porque financeiramente a coisa
complica. (p.6)
senvolvimento da criança e, a partir daí, propor
atividades para que a criança avance em seu
aprendizado. Algumas consideram que a quantidade de
Em relação à gestão, todas as educadoras crianças é muito grande para se dar uma atenção
afirmam que as gestoras, mediante suas possibi- mais individualizada, e o espaço é inadequado
lidades, se empenham para disponibilizar o que para suas necessidades.
é necessário para um melhor trabalho docente
a partir de uma reflexão coletiva que reflita em Mas é muito complicado,
principalmente por causa do espaço
um melhor desempenho das crianças, como é físico. São 20 crianças, mas essa
percebido a seguir: sala não comporta. No máximo
16 crianças é o que comporta,
Sempre que chega verba ela senta estourando mesmo. (p.16)
com a gente e pergunta o que Um quantitativo grande para um
estamos precisando, estamos determinado número de pessoas.
planejando o quê e que vai ser. O Para dar um atendimento exclusivo,
que precisa ser adquirido em termos fica complicado. (p.17)
de livros, em termos de material,
material didático para que case com
o que a gente tá planejando. Então, Outra dificuldade exposta foi em relação
disso aí não tenho o que dizer, na ao contexto familiar onde as crianças vivem.
medida do possível, na medida da
verba que tem, ela procura atender Acho que a falta de apoio dos pais...
às necessidades. Vem, pergunta o os pais não trabalham junto com
que estamos planejando, focado em a gente. A gente precisaria ter o
cima de quê. (p.17) apoio deles na aprendizagem, e
a gente não tem. A escola é uma
Essa dinâmica da gestão que escuta as continuação do que a família dá. E
os pais deixam a responsabilidade
professoras possibilitando a cooperação, diálogo, muito na mão do professor. Essa é
compartilhamento de atitudes e de modos de agir a maior dificuldade que nós temos.
favorece a convivência, a aceitação de mudanças (p.21)
necessárias e o rompimento com práticas indi- Essas dificuldades com as famílias.
vidualistas. E isso permite a concretização do Crianças vivem em uma situação
projeto político pedagógico da escola. muito crítica, e por isso eu nunca
consigo atingir 100% dos meus
Quando as professoras foram questiona- objetivos com o grupo. Eles passam
das sobre as dificuldades para alcançar seus ob- por situações muito difíceis em
jetivos, diversos obstáculos foram levantados. casa. É uma história de vida muito
Um grupo significativo de professoras triste, e isso repercute na questão do
apontou que a maior dificuldade está relacionada desempenho deles. (p.7)
com a ausência e/ou a inadequação dos materiais
com a idade das crianças, como está enunciado Algumas educadoras relataram que a di-
na fala abaixo: ficuldade está justamente em como trabalhar a
matemática com as crianças.
Nós temos brinquedos que são
doados, jogos que atendem à faixa É porque eu não gosto muito de
etária deles são pouquíssimos. matemática, mas eu tenho que
Alguns que eu tenho ainda, que são passar para meus alunos. Eu fui
antigos e fui que comprei... Manda os buscar um pouco de subsídios de
brinquedos para os alunos e muitas como trabalhar. Como eu não gosto,
vezes não serve para a faixa etária. eu não queria passar isso para meus
E fica sem uso. Então, recursos, alunos (p.13)
materiais, poucos, o que se usa Eu tenho deixado a matemática um
mesmo é a criatividade. Colchões, pouco aquém. Acabo trabalhando
sucatas... valem muito esses recursos mais a linguagem porque eu acho

24 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

que é nessa área que as crianças A linguagem foi apresentada como um


são mais carentes e precisam processo, e a matemática, como atividades iso-
desenvolver bem. (p.30)
ladas. As professoras informaram que sentem
Talvez eu tenha a dificuldade de certa dificuldade em trabalhar com a matemática
trabalhar a matemática na Educação
Infantil justamente porque me falta e sua preferência em trabalhar com a linguagem.
a fundamentação. Já em linguagem Percebemos que na área da linguagem o tempo
eu tenho. Talvez até minha tendência destinado para as atividades era maior, assim
seja mais em linguagem, aí eu como a utilização e a disponibilidade de recursos
trabalho bem melhor a linguagem.
Na matemática eu estou um pouco
didáticos e materiais concretos em relação à área
presa, e também o desenvolvimento de matemática.
dos meus alunos é mais lento. Ainda Esses fatos nos levam a concluir que, além
me faltam capacitações na área de das dificuldades inerentes à disciplina, há um
matemática. (p.6) despreparo dos professores quanto aos métodos
de ensino-aprendizagem da matemática, apesar
Percebemos que, na área da linguagem, o de 87,5% das professoras que participaram da
tempo destinado para as atividades eram maiores pesquisa terem concluído o Magistério e 85% de-
e os recursos didáticos na linguagem também era las serem formadas em Pedagogia. Essa reflexão
fornecido pela rede municipal de ensino e da remete-nos a outra instância, que é a formação
própria escola, mesmo ainda com precariedade. do professor da educação infantil e como são
Isso não ficou intrínseco na fala das professoras, elaboradas as matrizes curriculares dos cursos
entretanto, como aplicamos o questionário do de formação desse profissional.
projeto maior, tivemos a oportunidade de esta-
belecer essa comparação. Referências

Considerações finais ALVES, Eva Maria Siqueira. A ludicidade e o


ensino da matemática: uma prática possível.
Campinas: Papirus, 2001.
Os Referenciais Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil propõem, no que se BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a
refere à abordagem da matemática, que esta Educação Infantil. v.3. Ministério da Educação e
do Desporto, Secretaria de Educação Fundamen-
deve proporcionar à criança oportunidades de tal. Brasília: MEC/SEF, 1998, p.205-267.
desenvolvimento cognitivo e autonomia moral,
GOULART, Íris Barbosa. Piaget: experiências
construindo uma base para o ensino fundamen- básicas para utilização pelo professor. Petrópolis:
tal. Para que isso se dê, é necessário que a criança Vozes, 1983.
seja capaz de construir a lógica operatória ao
KAMII, Constance; DEVRIES, Rheta. Trad. V. C.
nível do seu desenvolvimento intelectual. D. Carrasquiera. Jogos em grupo na educação in-
O professor é o responsável por organizar fantil: implicações da teoria de Piaget. São Paulo:
as situações de maneira a garantir que cada crian- Trajetória Cultural, 1991.
ça avance na construção de seus conhecimentos ______. Piaget para a educação pré-escolar. Trad.
e que possa acessá-los sempre que lhe for útil. Maria Alice B. Danosi. Porto Alegre: Artes Médi-
Nos Centros de Educação Infantil do Mu- cas, 1991.
nicípio do Recife, as professoras relataram dificul- ______. Reinventando a aritmética. Campinas:
dades das mais diversas ordens, desde questões Papirus, 1996.
relacionadas ao número de crianças na sala de aula KAMII, Constance. A criança e o número. São
para poucos profissionais, pouco espaço físico, falta Paulo: Papirus, 1994.
de material, falta de participação das famílias e falta KRAMER, Sônia; PEREIRA, A. B. C.; OSWALD,
de embasamento teórico da disciplina. M. L. M. B.; ASSIS, Regina. Com a pré-escola nas
Quanto ao ensino-aprendizagem, perce- mãos: uma alternativa curricular para a educação
bemos que a Matemática ainda é vista como um infantil. 14.ed. São Paulo: Ática, 2006.
conjunto de regras e procedimentos desligados, MACHADO, Nilson José. Epistemologia e didáti-
embora haja um esforço para se obter uma rela- ca: as concepções de conhecimento e inteligência e
ção com o cotidiano. a prática docente. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2000.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 25


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

______. Matemática e língua materna: análise de SMOLE, Kátia S.; DINIZ, Maria I.; CÂNDIDO,
uma impregnação mútua. São Paulo: Cortez, 1990. Patrícia. Brincadeiras infantis nas aulas de
Matemática: matemática de 0 a 6. Porto Alegre:
RANGEL, Ana Cristina S. Educação Matemática e Artmed, 2006.
a construção do número pela criança: uma expe-
riência em diferentes contextos socioeconômicos. ZUNINO, Delia Lerner. A matemática na escola: aqui
Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. e agora. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

Juceli Bengert Lima – Pesquisadora assistente da Fundação Joaquim Nabuco. Coordenação Geral de Estudos Educacionais.
Aldenize Ferreira de Lima – Estudante do curso de Pedagogia da UFPE e bolsista de Iniciação Científica CNPq/FUNDAJ.

Recebido em: 02/10/2009


Concluído em: 31/10/2009

26 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL


POR MEIO DA METODOLOGIA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Construction of the Concept of Function in Primary Education through


the Methodology of Resolution Problems

Alex Sandro Gomes Leão


Vanilde Bisognin

Resumo Resolution of Problems as teaching methodology. The


aim of the research is to analyze the contribution of
Neste trabalho, descrevem-se os resultados de this methodology for the study of functions, having
uma pesquisa realizada com alunos da oitava série as theoretical reference the theory of concept image
do ensino fundamental de uma escola pública and concept definition of Tall and Vinner (1981). It
municipal localizada no Rio Grande do Sul, was proposed situations-problem related with the
Brasil, utilizando-se a resolução de problemas activities of the daily of the students and analyzed
como metodologia de ensino. A pesquisa teve the solution strategies built by the same ones. The
como objetivo analisar a contribuição dessa data of the research were collected through the
metodologia para o estudo de funções, tendo observations of the work in the classroom and the
como referencial teórico a teoria de Conceito documents produced by the students. From analysis
Imagem e Conceito Definição de Tall e Vinner of data collected and assessments carried out, it was
(1981). Foram propostas situações-problema concluded that there were significant improvements
relacionadas com as atividades do cotidiano in relation to the learning content proposed and
dos alunos e analisadas as estratégias de solução the viability of the use of the methodology of
construídas por eles. Os dados da pesquisa foram the Resolution of Problems to the reality of the
coletados por meio das observações do trabalho classroom of students.
em sala de aula e os documentos produzidos
pelos alunos. Da análise dos dados coletados e Keywords: Teaching and learning of mathema-
das avaliações realizadas, foi possível concluir tics. Problem solving. Concept image. Concept
que houve melhorias significativas em relação definition.
à aprendizagem do conteúdo proposto por meio
da metodologia de resolução de problemas para 1 Introdução
a realidade da sala de aula dos alunos.

Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de Neste artigo, descrevemos os resultados de uma


matemática. Resolução de problemas. Conceito pesquisa envolvendo atividades de ensino e
imagem. Conceito definição. aprendizagem de funções, utilizando a resolução
de problemas, como metodologia de ensino. A
pesquisa foi realizada com alunos de uma turma
Abstract
de oitava série, do ensino fundamental, de uma
In this work it is described the results of a research escola localizada no município de Itaqui, Rio
accomplished with students of the eighth series of Grande do Sul, Brasil.
the fundamental teaching of a public municipal Nesse trabalho, adotamos a resolução de
school located in Rio Grande do Sul, Brazil, using problemas em sala de aula, para a introdução

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 27 a 35 27


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

do conceito de função, o qual, para alunos desse Tendo presente a questão de pesquisa;
nível de ensino, configura-se como um conteúdo o objetivo; o referencial teórico, com base nas
novo. ideias de Tall e Vinner (1981); e a resolução de
O conceito de função é de fundamental problemas como metodologia de ensino, tra-
importância entre os conceitos matemáticos balhamos a construção de diferentes imagens
devido a sua aplicabilidade em diferentes áreas conceituais sobre o conteúdo de funções cujos
de conhecimento, mas, segundo Tinoco (1996), resultados descrevemos a seguir.
no Brasil, seu ensino está restrito a alunos do
terceiro grau, ou seja, alunos do nível superior. 2 Imagem de conceito e definição de
Por outro lado, os Parâmetros Curriculares conceito
Nacionais (PCN), Brasil (1995), para o ensino
fundamental, estabelecem que se deve dar A teoria de imagem de conceito e definição
atenção especial ao desenvolvimento de compe- de conceito tem como precursores os pesquisado-
tências e habilidades nos alunos, entre as quais res David Tall e Shlomo Vinner (TALL; VINNER,
destacam-se: identificar e resolver um problema, 1981), os quais defendem que um determinado
compreender seu enunciado e formular questões; conceito não deve ser trabalhado a partir de sua
procurar, selecionar e interpretar informações re- definição formal, ou seja, aquela definição acei-
lativas ao problema; formular hipóteses e prever ta, em geral, pela comunidade matemática, em
resultados; relacionar estratégias de resolução um determinado momento histórico e contida
de problemas; interpretar e criticar resultados; nos livros didáticos. Para que um determinado
fazer conjecturas, discutir ideias e produzir ar- conceito seja entendido, os autores defendem a
gumentos. Assim, o conceito de função é funda- necessidade de o aluno ter uma familiaridade
mental para o desenvolvimento das habilidades anterior a sua formalização.
e competências estabelecidas nos Parâmetros De acordo com os autores, quando o sujeito
Curriculares Nacionais. Além disso, defendemos é estimulado a pensar sobre um determinado ob-
o uso da metodologia de resolução de problemas jeto, sua mente começa a trabalhar, e, assim, vão
como trabalho de sala de aula, para a introdução surgindo várias representações mentais, como:
do conceito de função, pois acreditamos que, por imagens de representações visuais, impressões,
meio de problemas relacionados com o cotidiano experiências e propriedades, as quais podem
dos alunos, é possível a construção de imagens ser elaboradas, pelos sujeitos, por intermédio de
conceituais que podem favorecer a aprendizagem processos de pensamentos sobre essas represen-
de novos conceitos, antes de sua formalização tações mentais, denominadas pelos autores como
em linguagem matemática. Conceito Imagem, o qual, segundo eles,
A pesquisa teve como questão central: de
que forma a metodologia de resolução de proble- (...) descreve toda estrutura cognitiva
mas contribui para a formação do conceito de que está associada ao conceito,
função em uma turma de oitava série do ensino inclui todas as imagens mentais e
propriedades a elas associadas e os
fundamental? Para obter respostas para a questão, processos. É desenvolvido ao longo
estabeleceu-se como objetivo a análise das possí- dos anos por meio de experiências
veis contribuições que a resolução de problemas de todos os tipos, mudando tanto
traz para a construção do conceito de função. quando o indivíduo encontra novos
Embasamos nosso trabalho na teoria estímulos, quanto quando amadurece
(TALL; VINNER, 1981, p.152).
de David Tall e Shlomo Vinner (1981) sobre a
construção de Imagem Conceitual e Definição
de Conceito. Segundo Meyer (2003, p.17), essa O conceito imagem está diretamente liga-
teoria mostra a diferença entre o processo pelo do à primeira visão ou impressão que o sujeito
qual um determinado conceito é concebido e tem de um objeto, e essa imagem pode sofrer
quando ele é formalmente definido, estabele- modificações de acordo com novas experiên-
cendo, assim, “uma distinção entre a matemática cias adquiridas pelo sujeito com o passar do
como atividade mental e a matemática como um tempo. Segundo os autores, a aprendizagem de
instrumento formal”. uma definição formal requer, antes de tudo, o

28 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

desenvolvimento de uma imagem conceitual do formado, ou pode ter sido esquecido pelo aluno.
objeto que seja de elaboração própria, incluindo Por outro lado, o conceito definição pode também
impressões, visualizações e propriedades. existir e ser inativo, e é esse o caso em que o
O Conceito Definição é formado a partir do aluno memoriza uma definição. Nesse fato, essa
Conceito Imagem e, de acordo com Tall e Vinner definição pode fazer parte de uma imagem con-
(1981), é toda forma de representar, através de ceitual muito pobre ou pode não ter existido.
palavras, o conceito imagem. O conceito defini- A definição de um conceito é pessoal e,
ção pode ser expresso como sendo: muitas vezes, pode não ser compatível com a
definição formal encontrada em muitos manuais
(...) uma reconstrução pessoal da escolares, mas pode ser rica por incluir diferentes
definição feita pelo estudante. É experiências, propriedades e impressões.
então o tipo de palavras que o
estudante usa para sua própria De acordo com Tall e Vinner (1981),
explanação de seu conceito imagem diferentes representações de um determinado
(evocado). Se os conceitos definição objeto permitem a criação de imagens concei-
lhes são dados ou construídos por tuais que podem contribuir para a formalização
si mesmo, pode variar de tempo
em tempo. Dessta maneira um
do conceito. Essas diferentes representações se
conceito definição pessoal pode ser aplicam ao ensino de funções, que tem sofrido
diferente de um conceito definição profundas mudanças, nos últimos tempos. Uma
formal, este último sendo um das tendências é relativa à utilização de diversos
conceito definição que é aceito pela modos de representação de funções com uma
comunidade matemática. (TALL;
VINNER, 1981, p.2) forte inclusão dos registros tabulares e gráficos
e uma diminuição dos registros algébricos. Neste
trabalho, utilizou-se uma multiplicidade de re-
Os autores defendem que um determinado
gistros, associada com problemas do cotidiano
conceito matemático não deve ser introduzido a
dos alunos, para a criação de imagens conceituais
partir de sua definição formal. Sugerem que, para
ricas que favoreçam o ensino e a aprendizagem
uma definição formal ser entendida pelo aluno,
do conceito e das propriedades de função.
é necessário que ele tenha tido oportunidade de
vivenciar diferentes experiências, envolvendo o
conceito em questão. As experiências que exer- 3 Metodologia de resolução de problemas
cem influência sobre a formação da imagem de
um determinado conceito podem ser não apenas Na literatura, encontramos que as primei-
de natureza matemática, mas também aquelas ras pesquisas sobre o ensino de matemática por
advindas do cotidiano dos alunos. meio da resolução de problemas iniciaram com
De acordo com Giraldo, George Polya. Em seu livro, o autor descreve a
matemática como A arte de resolver problemas
(...) A teoria de imagens de conceito (1979), cuja primeira edição surgiu em 1945,
sugere que o desenvolvimento tomada como um método para resolver proble-
cognitivo de um conceito mas, que consiste em: compreender o problema,
matemático se dá através do elaborar um plano, executar o plano, verificar e
enriquecimento de uma diversidade
de ideias associadas ao conceito, e analisar a solução do problema proposto.
que a compreensão da própria A partir das ideias de Polya (1979), a reso-
definição do conceito só é possível lução de problemas passou a ganhar espaço entre
quando a gama de ideias associadas os pesquisadores, preocupados com o ensino e a
é rica o suficiente. A aprendizagem
de matemática é favorecida pela
aprendizagem da matemática, e ampliaram-se as
multiplicidade de representações discussões sobre sua utilização nas práticas de
presente na abordagem pedagógica sala de aula.
[...] (GIRALDO, apud ANDRÉ, Sob diferentes olhares, o papel da
2008, p.7) resolução de problemas, no ensino de ma-
temática, de acordo com Schroeder e Lester
É possível que um conceito definição (1989), passou por várias concepções: ensinar
possa não existir e, para isso, ele pode não estar para a resolução de problemas; ensinar sobre

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 29


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

a resolução de problemas e, mais recente- O professor deve escolher ou criar


mente, ensinar via (ou através) resolução de problemas adequados à construção
de novo conhecimento sobre um
problemas.
determinado tópico do programa,
Ensinar matemática para resolução daquela determinada série; selecionar,
de problemas significa que o objetivo final entre muitas, as estratégias mais
é fazer com que os alunos sejam capazes de adequadas à resolução daquele
resolver certos problemas, ou seja, o conteúdo problema; planejar as questões chave,
para conduzir os alunos na análise dos
matemático é ensinado focalizando esse fim. resultados apresentados e chegar ao
Ensinar sobre resolução de problemas significa consenso sobre os resultados obtidos;
que o professor procura ensinar seus alunos preparar a melhor formalização dos
a resolver problemas trabalhando com eles o novos conceitos e novos conteúdos
construídos a partir do problema
processo de resolução, ou seja, suas fases e
dado. Os alunos investigam, quando
estratégias utilizadas para resolução. Ensinar buscam, usando seus conhecimentos
via (ou através de) resolução de problemas já construídos, descobrir caminhos
implica considerar o problema como um ele- a construir e decidir quais devem
mento formador de um processo de construção tomar para resolver o problema,
trabalhando cooperativamente e
do conhecimento matemático, ou seja, essa colaborativamente, relacionando
metodologia vem a contribuir na formação dos ideias e discutindo o que deve ser feito
conceitos antes mesmo de sua apresentação em para chegar à solução. (ONUCHIC,
linguagem abstrata. 2009, p.29)
De acordo com Zuffi e Onuchic (2007, p.3),
Segundo as autoras, quando se trabalha a
No cenário internacional, resolução de problemas nessa perspectiva, há uma
encontramos vários trabalhos sobre
mudança significativa no papel do professor, que
essa temática, abordada sob diversos
prismas e referenciais teóricos. passa de um transmissor ou comunicador de conhe-
Acabando a década de 1980, em que cimentos a um mediador, observador, articulador,
a ênfase em resolução de problemas organizador, instigador e incentivador da aprendi-
era colocada sobre o uso de modelos zagem. Essa metodologia traz uma nova dinâmica
e estratégias, novas discussões foram
desencadeadas. A resolução de para o trabalho da sala de aula, que afeta profunda-
problemas passa, então, a ser pensada mente o papel dos alunos, os quais passam de uma
como uma metodologia de ensino, atitude passiva para uma atitude ativa e, assim, a
ponto de partida e meio de ensinar metodologia pode trazer resultados significativos
Matemática. Sob esse enfoque,
para o ensino e a aprendizagem da matemática. O
problemas são propostos de modo
a contribuir para a construção de trabalho na sala de aula passa a estar centrado no
novos conceitos e novos conteúdos, aluno, que participa ativamente da construção do
antes mesmo de sua apresentação conhecimento, sob a supervisão do professor, e so-
em linguagem matemática formal. mente no final do processo os conceitos trabalhados
A resolução de problemas, como
metodologia de ensino, passa a ser o são formalizados na linguagem matemática.
lema das pesquisas para os anos 90. Sendo assim, para trabalhar a Matemáti-
ca em sala de aula, com vistas à construção de
imagens conceituais e definições de conceitos,
Nesse trabalho, seguimos a concepção
a partir da resolução de problemas, seguimos os
proposta por Allevato e Onuchic (2006), qual
passos propostos por Onuchic (1999):
seja: trabalhar o ensino e aprendizagem da
Matemática através da resolução de problemas.
1º) formação de grupos. Trabalhar em grupos
Onuchic (2009) argumenta que trabalhar a
proporciona a criação de um ambiente de
Matemática nessa perspectiva justifica-se pela
colaboração;
existência de uma forte atividade de investigação
2º) registro dos resultados encontrados pelos
tanto do professor quanto dos alunos. Quando
alunos;
se trabalha essa metodologia, a autora destaca o
3º) defesa, pelos grupos, de seus pontos de
papel do professor e dos alunos no processo de
vista a respeito das estratégias seguidas
resolução de problemas. Para ela,

30 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

pelos alunos. A discussão no grande veis e sua dependência; a construção de gráficos e


grupo cria um ambiente de colaboração e tabelas; a análise e interpretação de gráficos.
troca entre todos os alunos da turma. É o Como resultado, observou-se que, ao término
momento em que os alunos argumentam, das atividades, os alunos conseguiram construir
revisam seus pontos de vista, tomam diferentes imagens conceituais, e a definição do con-
conhecimento das estratégias seguidas ceito de função foi formalizada de forma natural.
por outros grupos e percebem os erros e
acertos cometidos; Problema 1
4º) análise dos resultados. Nesse estágio, os
alunos, com a ajuda do professor e do O gráfico abaixo representa as médias de
grande grupo, têm a oportunidade de chuvas em cada mês que ocorreram no município
rever seus caminhos, bem como conhecer de Itaqui , no período de 1990 a 2000.
outros já construídos pelos demais grupos,
e podem refletir sobre os erros e acertos;
5º) consenso. A partir da análise feita com
a turma, busca-se um consenso sobre as
Gráfico 1: média de chuva no período de 1990
soluções encontradas para o problema;
a 2000 no município de Itaqui/RS.
6º) formalização do conteúdo. Essa é a fase
da consolidação das imagens conceituais
e da construção dos conceitos. a) O que representam o eixo horizontal e o
eixo vertical?
b) Qual é o mês que ocorreu o maior índice
4 Construção do conceito de função de chuva? E o menor?
c) Qual foi a precipitação de chuva nestes
O trabalho na sala de aula foi planejado meses?
em forma de Unidades de Ensino, contendo
diferentes problemas relacionados com o co- Depois de entregue a atividade e no aten-
tidiano dos alunos, e envolveu as ideias bási- dimento particular aos grupos, pudemos perceber
cas para a construção do conceito de função. que os alunos conseguiram distinguir as variáveis
Muitos problemas propostos seguem algumas envolvidas. Eles conseguiram visualizar que existe
ideias extraídas de Palhares (1997 e 2004). O uma relação entre a variável independente e depen-
objetivo foi oferecer aos alunos experiências dente e, também, que, para localizar um ponto no
para que pudessem construir uma imagem gráfico, precisavam observar os dois eixos.
conceitual de função, antes da formalização O grupo B trouxe ao professor alguns
do conceito. questionamentos.
Para a realização das atividades, os alunos B1 – Professor, o maior índice de chuva é
foram divididos em grupos, e todo o trabalho aquele que tem o ponto mais alto e o menor é o
realizado na sala de aula foi registrado no Diário ponto mais baixo?
de Campo do professor responsável pela disci- P – Bem observado. Quais os meses que
plina e pela pesquisa. A análise dos resultados correspondem a esses índices?
da pesquisa teve como base os dados registrados B1 – Mas, no gráfico, observo que exis-
no Diário de Campo do pesquisador e os docu- tem dois pontos muito próximos, quase com o
mentos produzidos pelos alunos. mesmo valor.
Para a construção do conceito de função, P – Observe com cuidado que há uma
foram planejadas e aplicadas quatro Unidades pequena diferença.
de Ensino, com duração de duas horas para cada Com essas análises, a maioria dos grupos
uma. Em cada unidade, o objetivo foi explorar respondeu às questões propostas, bem como
diferentes situações e representações, envolvendo percebeu que bastava identificar um mês e fazer
o conceito de função, qual seja: gráfica, tabular e a correspondência do índice de chuva no eixo
algébrica. Essa construção foi realizada por meio vertical. Dessa forma, os alunos conseguiram
da proposição de situações-problema que tinham identificar bem as variáveis dependentes e in-
como objetivos explorar a identificação das variá- dependentes.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 31


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Uma característica observada em todos os conceitual do conceito de função por meio da


grupos foi a dificuldade de trocas de informações análise gráfica e da construção algébrica.
entre os componentes, o que evidenciou que No desenvolvimento da atividade, obser-
a prática de trabalho em grupo era pequena. vou-se uma melhor compreensão da análise de
Também o mesmo acontecia com a resolução gráficos por todos os grupos. As discussões, nos
de problemas. grupos, aconteceram de forma acalorada, pois os
alunos estavam motivados pela realização da tare-
Problema 2 fa, uma vez que esta foi extraída do seu cotidiano.
Nessa atividade, durante a plenária, os alunos
O professor Gustavo costuma ir para a escola foram capazes de estabelecer uma lei de formação,
de carro e estaciona-o em um parque onde se lê: e o professor, por meio de perguntas, fez com que
Estacione aqui: R$ 0,50 de taxa fixa + eles construíssem um primeiro conceito de fun-
R$ 0,50 por hora. ção, mesmo para esse caso particular. Assim, os
a) Qual o valor pago pelo estacionamento alunos conseguiram ter a percepção de imagens
se o carro permanecer no local por 5 conceituais no sentido gráfico e algébrico.
horas? Com o problema 3, a seguir, objetivou-se
b) O gráfico, abaixo representa a relação entre explorar o conceito de função por meio da cons-
o custo (c), em reais, do estacionamento e trução de tabela.
o tempo de permanência (t), em horas.
Problema 3

Certo dia, empolgado com as Olimpíadas,


o professor Gustavo tentou introduzir com seus
alunos novas modalidades esportivas. Acreditou
que atletismo seria uma ótima forma de iniciar
essa nova etapa. No dia combinado, compare-
ceram para o treino apenas 3 dos alunos que
5
faziam educação física.
a) Sabendo que nesse dia apenas 72 alunos
compareceram ao treino, quantos são
os alunos que fazem educação física,
Gráfico 2: relação entre o custo e o tempo
regularmente, com o professor Gustavo?
de permanência.
b) Complete a Tabela 1, abaixo, que apresenta
a relação entre a quantidade de alunos que
c) Qual é o preço a ser pago pelo estacionamento
compareceram ao treino, no dia marcado
de 2 horas? E de 3 horas?
para iniciar o atletismo e o número total
d) Justifique que, de fato, o gráfico representa
de alunos que participam da aula de
a relação entre o custo do estacionamento
educação física regularmente.
e o tempo de permanência.
e) Ao regressar da escola, o professor Gustavo
Tabela 1: quantidade de alunos e o número de alu-
pagou R$ 2,50 pelo estacionamento. Quanto
nos que participam da aula de educação física.
tempo o carro esteve estacionado?
Número de alunos que 66 69 78 84 87 90
f) É possível escrever uma relação que compareceram
ao treino, no dia marcado.
represente o custo do estacionamento, em
Número total de alunos que 100 135
função do tempo?1 participam
da aula de educação física.

O problema proposto teve como objetivo


explorar a noção de variável dependente e inde- c) Após completar a tabela, construa um gráfico
pendente e, ao mesmo tempo, criar uma imagem para representar a situação descrita.

Os grupos não conseguiram compreender


1
Modificado de Funções Polinomiais. Matemática: Cursos a situação de imediato, mas, aos poucos e com
Profissionais de Nível Secundário, p.11.

32 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

o incentivo do professor, fizeram a leitura do que essa relação é unívoca, ou seja, que a cada
problema com atenção e foram compreendendo valor da variável independente corresponde um
as diferentes estratégias elaboradas. A compre- único valor para a variável dependente.
ensão dos dados fornecidos pelo problema foi
uma construção muito lenta, porém proveitosa, Problema 4
pois gerou muitos questionamentos entre os
componentes dos grupos, os quais eram res- Com o problema a seguir, objetivou-se ler
pondidos pelos próprios colegas. A dinâmica e interpretar gráficos.
da sala de aula modificou-se totalmente, pois os Certo dia, Pedro convidou seu pai para vê-lo
alunos estavam empolgados com as discussões jogar. O pai e Pedro foram de carro até a escola. Ao
entre os elementos do grupo e entre os demais final do jogo, voltaram para casa, fazendo o mesmo
grupos. percurso de ida e no mesmo intervalo de tempo.
O contato com os grupos oportunizou Por fim, o pai de Pedro deixou o carro na garagem,
ao professor identificar as diferentes formas de exatamente onde estava antes de ir à escola.
interpretação, de planejamento e de aplicação Qual dos gráficos abaixo ilustra o trajeto
das estratégias propostas. A grande maioria dos percorrido por Pedro e seu pai, sendo que eles
grupos usou a regra de três para completar a ilustram a relação entre o tempo que durou a
tabela, porém, um grupo, identificado como E, saída dos dois e a distância que estiveram de
apresentou uma estratégia de resolução, que é casa?2
interessante descrevê-la, pois os alunos evoca-
ram o conceito definição de fração.
E1: Nós “pegamos” o 72, que é o número
de alunos que compareceram à aula de educa-
ção física, e dividimos por 3, resultando 24, que
corresponde a três partes de um inteiro.
A seguir, representaram, graficamente, a a) b)
situação do seguinte modo:

24 24 24
72
Concluíram, então, que para saber o nú-
mero total de alunos que participam da aula de
educação física bastava completar o inteiro que c)
resultou em 120 alunos. Gráfico 3: trajeto percorrido.

120 Após uma longa análise, algumas solu-


ções foram começando a aparecer, e na plenária
24 24 24 24 24 os alunos explicitaram algumas das estratégias
72 construídas. Em algumas falas, fica claro o modo
como os alunos construíram a solução. As falas
O grupo completou a tabela, usando sempre referem-se aos alunos dos grupos B e S caracte-
esse mesmo raciocínio enquanto que os demais rizados como S1, S2,...S5 e B1, B2,... B5.
grupos trabalharam com a regra de três simples. Aluno S1: É o gráfico b, porque ele sai de
A construção do gráfico foi feita; os alu- casa, vai até a escola, fica parado e, em seguida,
nos, porém, de modo geral, cometeram um erro volta para o mesmo lugar.
de proporcionalidade entre os valores marcados Aluno B2: Por que o gráfico b é o único que
nos eixos e a ligação dos pontos marcados no fica parado por algum tempo e também volta para
gráfico. o mesmo lugar que saiu.
Os alunos conseguiram perceber a relação 2
Modificado de Funções Polinomiais. Matemática: Cursos
entre as variáveis dependente e independente e Profissionais de Nível Secundário, p.6.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 33


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Pelas respostas fornecidas, pôde-se cons- Ao longo da aplicação dessa pesquisa, foi
tatar que os alunos, autores das tarefas acima possível verificar que o trabalho com resolução
apresentadas, realizaram bem a análise da de problemas favoreceu a comunicação entre os
atividade. Verificaram o enunciado e fizeram pares, estimulou a troca de informações, o conhe-
a análise gráfica percebendo que o percurso cimento, a construção de hipóteses e as explora-
de ida e o de vinda foi o mesmo. Além disso, ções mentais. De acordo com Allevato e Onuchic
levaram em consideração o tempo que o carro (2006), no trabalho em equipe, o aluno estimula
ficou parado. Esses alunos conseguiram evocar e sente-se estimulado a escrever suas conclusões,
as imagens conceituais gráficas, construídas a justificar suas hipóteses e a elaborar estratégias.
anteriormente. Dessa forma, essa metodologia mostrou-se eficaz e
proporcionou o desenvolvimento de habilidades
5 Considerações finais e competências demonstrando uma maneira de
como trabalhar de forma colaborativa, em grupo,
O conteúdo sobre funções é pouco explo- o raciocínio lógico, a expressão oral e escrita. O
rado no ensino fundamental, talvez pela dificul- momento da plenária revelou-se um passo muito
dade que ele oferece aos alunos nesse nível de especial, pois proporcionou aos alunos a compre-
ensino e também pela forma como o conceito ensão do que ainda não havia sido compreendido;
é introduzido pelos livros didáticos, centrado, permitiu-lhes questionar fatos, debater sobre os
quase sempre, na teoria de conjuntos, o que assuntos propostos, apresentar suas dúvidas e
requer habilidade de abstração. avaliar os resultados.
Na realização dessa pesquisa, nosso obje-
tivo central não foi o de definir uma função, do Referências
ponto de vista formal, mas construir diferentes
imagens conceituais de modo que os alunos ALLEVATO, N. S. G.; ONUCHIC, L. R. Ensino-
fossem familiarizando-se com o conceito. A aprendizagem – Avaliação de Matemática através
da resolução de problemas – Uma nova possibilida-
formalização do conceito, nesse nível de esco- de para o trabalho em sala de aula. In: REUNIÃO
laridade, é de difícil compreensão, pelos alunos, DE DIDÁTICA DA MATEMÁTICA DO CONE SUL,
pois exige muita habilidade de lidar com con- 7, 2006. Águas de Lindóia. Anais da VII Reunião
ceitos abstratos de matemática. De acordo com de Didática da Matemática do Cone Sul. ÁGUAS
DE LINDÓIA: PUCSP, 2006.1 CD-ROM.
Leal (1990, p.13), “a falta de uma preparação dos
alunos para a construção do conceito, ao longo ANDRÉ, S. L. C. Uma proposta para o ensino do con-
dos primeiros sete anos de escolaridade, é uma ceito de derivada no ensino médio. 2008. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ensino
das principais responsáveis pelas dificuldades de Matemática. Rio de Janeiro: IM-UFRJ, 2008.
de aprendizagem desse tópico”.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Nesse sentido, o trabalho de pesquisa cen- Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.
trado na resolução de problemas, e tendo como Brasília: MEC-SEF, 1998.
referencial teórico a teoria de conceito imagem
LEAL, L. C. Funções no terceiro ciclo do ensino
e conceito definição, oportunizou aos alunos a básico – uma possível abordagem... Educação
construção de diferentes imagens conceituais, e Matemática, v.15, p.5-15, 1990.
assim eles compreenderam o conceito de função,
MEYER, C. Derivada/reta tangente: imagem con-
mesmo sem sua formalização matemática. ceitual e definição conceitual. 2003. Dissertação
Os resultados das avaliações realizadas (Mestrado em Educação Matemática) – Programa
mostraram que os alunos, de fato, conseguiram de Pós-Graduação em Educação Matemática. Cen-
trabalhar o conceito de função em diferentes tro de Educação. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo: PUCSP, 2003.
situações-problema, principalmente naquelas
relacionadas com o seu cotidiano e também com ONUCHIC, L. de la R. Ensino-aprendizagem de
diferentes representações. Conclui-se, assim, que matemática através da resolução de problemas.
In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa em Educa-
a metodologia de resolução de problemas, tendo ção Matemática: concepções e perspectivas. São
como base teórica a teoria de Tall e Vinner (1981), Paulo: Editora UNESP, 1999, p.199-218.
contribuiu de forma positiva para que os alunos ONUCHIC, L. R. Uma conversa sobre resolução de
compreendessem o conceito de função. problemas. In: IV ENCONTRO DE EDUCAÇÃO

34 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

MATEMÁTICA DE OURO. 2009. Ouro Preto. Anais SALOMÉ, H; SILVA, L. P. Matemática: funções po-
do IV Encontro de Educação Matemática de Ouro linomiais. Lisboa: Lisboa Editora, Portugal, 2007.
Preto. OURO PRETO: UFOP, 2009, 1 CD-ROM.
SCHROEDER, T. L.; LESTER JR, F. K. Developing
PALHARES, P. Elementos de matemática: para understanding in mathematics via problem sol-
professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. ving. In: TRAFTON, P. R.; SHULTE, A. P. (eds.).
New Directions for Elementary School Mathe-
PALHARES, P. Histórias com problemas construí- matics. Reston: NCTM, 1989, p.3142-3153.
dos por futuros professores de Matemática. In: D.
FERNANDES, F. et al. Resolução de problemas na TALL, D; VINNER, S. Concept image and concept
formação inicial de professores de Matemática: definition in mathematics with particular referen-
múltiplos contextos e perspectivas. Aveiro: Grupo ce to limit and continuity. Educational studies in
de Investigação em Resolução de Problemas, 1997, mathematics. Dordrecht, v.12, 1981.
p.123-137.
TINOCO, L. A. A. (coord.). Razões e proporções.
POLYA, G. A arte de resolver problemas. Rio de Projeto Fundão, Instituto de Matemática. Rio de
Janeiro: Interciência, 1979. Janeiro: UFRJ, 1996.

Alex Sandro Gomes Leão – Mestre em Ensino de Matemática. Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de
Matemática – Unifra. E-mail: profaleao@gmail.com
Vanilde Bisognin – Doutora em Matemática e professora do curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de
Matemática – Unifra. E-mail: vanilde@unifra.br

Recebido em: 30/08/2009


Concluído em: 06/10/2009

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 35


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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FUNÇÃO

The Historical Construction of the Function Concept

Rafael Winicius da Silva Bueno


Lori Viali

Resumo Introdução

Neste artigo, é feita uma investigação acerca da No estudo dos mais diversos campos da
construção histórica do conceito de função rumo Matemática, há a necessidade de se trabalhar com
a sua definição atual, identificando as principais variadas representações, com vistas a um melhor
etapas evolutivas desse processo. O objetivo do acesso ao objeto de estudo e, consequentemente, de
trabalho é identificar o papel desempenhado e
uma comunicação mais efetiva. Essa característica
a contribuição dada pelo desenvolvimento das
diferentes formas de representação semiótica na se faz presente, de maneira muito evidente, ao se
evolução desse conceito matemático para, assim, trabalhar com funções, uma vez que podemos re-
melhor utilizar as representações no processo presentar uma função algébrica ou graficamente,
de construção do conceito de função em sala bem como através de tabelas e diagramas.
de aula. Segundo Duval (2003), diferentemente
de outras áreas, na Matemática trabalha-se com
Pa l a v r a s - c h a v e : C o n c e i t o d e f u n ç ã o . objetos abstratos e não há alternativas para se
Desenvolvimento histórico. Representação acessar esses objetos a não ser através de repre-
semiótica.
sentações. Em outros campos de conhecimento,
como botânica, geologia, astronomia e física, as
Abstract representações são imagens ou descrições de
fenômenos do mundo real, aos quais se pode ter
In this paper is made an investigation about
acesso perceptual e instrumental. Já em Matemá-
the historical concept of function, where are
identified the main steps in the development tica, esse não é o caso.
of this basic mathematical content. The major De acordo com Elia e Spyrou (2006), ao
aim of this work was identify the contribution of se trabalhar com funções, a distinção entre estas
the different ways of the semiotic representation e as representações utilizadas para descrever
of the concept in its development. From this suas leis é uma das condições essenciais para
identification it is possibly to stress each a compreensão desse conceito. Os autores tam-
representation in an appropriate way improving bém afirmam que a compreensão do conceito de
as a consequence the teaching and learning of função não é uma tarefa fácil, dada a diversidade
the concept.
de representações utilizadas e as dificuldades
Keywords: Concept of function. Historic encontradas pelos estudantes em fazer conexões
development. Semiotic representation. entre elas, seja pela deficiência na utilização de
representações distintas, causada muitas vezes

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 37 a 47 37


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

pela concentração do trabalho docente na re- a sua grande eficiência, conduziu as funções a um
presentação algébrica, seja pela inabilidade de papel central na área das ciências exatas.” (p.39).
coordenação entre representações. Entretanto, segundo o autor, em meados do
Nesse sentido, fica evidente a importância séc. XVIII, a representação de função como uma
das representações na construção do conhecimento expressão analítica provou-se insuficiente. Uma
matemático e, mais especificamente, no processo nova definição de função, que, posteriormente,
de construção do conceito de função em sala de acabou tornando-se universalmente aceita em
aula. Cabe, então, o questionamento: a construção análise matemática, foi introduzida. Já na segunda
histórica do conceito de função é ligada diretamen- metade do séc. XIX, essa definição abriu possi-
te ao desenvolvimento das representações utiliza- bilidades para o desenvolvimento da teoria de
das atualmente para sua comunicação? funções, mas acabou, também, ocasionando difi-
Para a construção do conceito de função culdades lógicas, o que, durante o séc. XX, causou
com o qual se trabalha atualmente nas escolas e o movimento para que a essência desse conceito
universidades, foram necessárias contribuições de fosse revista, assim como outros conceitos impor-
vários matemáticos durante séculos de estudos. tantes da análise matemática, chegando-se, então,
Nesse período, surgiram conceitos que alicerça- a uma definição mais geral e abstrata do conceito
ram seus pensamentos rumo à construção da de- de função. Esses períodos serão discutidos após o
finição atual de função e suas implicações. Nesse período definido como Modernidade.
artigo, é feita uma pesquisa bibliográfica buscando
reconstruir o caminho percorrido para essa cons- A Antiguidade
trução, fundamentando-se, principalmente, nos
trabalhos de Monna (1972), Yuoschkevitch (1976), Por volta do ano 2.000 a.C., de acordo com
Ponte (1992), Boyer (1996) e Eves (2004). Eves (2004), a matemática babilônica já havia evo-
luído para uma álgebra bem desenvolvida. Tábulas
Principais períodos de evolução sexagesimais eram amplamente utilizadas para
calcular valores de quadrados e cubos dos números
2 3
De acordo com Yuoschkevitch (1976), em naturais de 1 a 30 e também de valores de n + n ,
seu estudo acerca da evolução da construção do relativos a esse intervalo, com o objetivo de estudar
conceito de função ocorrida até a metade do séc. o movimento dos planetas na esfera celeste. As
XIX, os principais estágios do desenvolvimento funções empiricamente tabuladas acabaram se tor-
dessa ferramenta são a Antiguidade, a Idade nando, posteriormente, o suporte para a sequência
Média e a Modernidade. do desenvolvimento de toda a astronomia.
Na Antiguidade, o pensamento matemático Novas contribuições para a construção
não criou uma noção geral da ideia de variável ou do conceito de função surgiram na Grécia, nos
de função. Apenas casos práticos e particulares, estudos matemáticos e nas ciências naturais.
principalmente no campo da Astronomia, foram Tentativas, atribuídas aos pitagóricos, de estabe-
estudados utilizando-se métodos quantitativos e a lecer leis acústicas indicam a busca por relações
construção de tabelas que representavam funções de interdependência entre quantidades.
entendidas como relações entre conjuntos discretos Também na Grécia, já como parte do Im-
de constantes dadas. Na Idade Média, mais especifi- pério Romano, as funções relativas a problemas
camente, na ciência europeia do séc. XIV, cada caso astronômicos e matemáticos eram objeto de estu-
particular de dependência entre duas quantidades dos similares aos da análise matemática atual. De
era definido através de uma descrição verbal ou acordo com os objetivos de estudo, funções eram
gráfica, em detrimento do uso de fórmulas. tabuladas por meio do uso de interpolação linear
Na Modernidade, no final do séc. XVI e, e, em alguns casos simples, até mesmo por meio
principalmente, durante o séc. XVII, expressões de limites de proporções de duas quantidades
analíticas de funções começam a surgir. A classe infinitamente pequenas. Problemas envolvendo
analítica de funções expressas por somas de séries valores extremos e tangentes, ou, ainda, o cálculo
infinitas torna-se a mais usual. Segundo Yuoschkevi- de áreas, volumes e comprimentos, eram resolvi-
tch (1976), “foi o método analítico de introdução das dos com a aplicação de métodos semelhantes aos
funções que revolucionou a Matemática e, devido utilizados no Cálculo Integral e Diferencial.

38 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


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Entretanto, segundo Yuoschkevitch instantânea, aceleração, quantidade variável,


(1976), o simbolismo grego, até o séc. III d.C. considerada como um fluxo de qualidade. Todos
restringiu-se apenas a denotar várias quantidades esses conceitos contribuíram na síntese da cine-
por diferentes letras do alfabeto. Somente com mática e do pensamento matemático.
os trabalhos de Diofanto1 e, possivelmente, de Simultaneamente, conforme Caraça
seus predecessores mais próximos, surgem os (2005), em face das experiências e observações
primeiros sinais, como, por exemplo, um sinal realizadas, percebeu-se que muitos fenômenos
de igualdade. Contudo, com a decadência da naturais apresentavam certa regularidade que po-
sociedade antiga, suas notações acabaram não deria ser descrita através de leis quantitativas.
sendo desenvolvidas. O estudo da intensidade das formas e seu
Apesar da carência de um simbolismo aspecto mais importante, a cinemática, eram
mais sofisticado, os gregos deram importante abordados na Inglaterra em um contexto aritmé-
contribuição para o aumento do número de de- tico, enquanto que, na França, Nicole Oresme2
pendências funcionais utilizadas e dos métodos (1323–1382) desenvolveu esse estudo através
de estudá-las, mas a ideia geral do conceito de de uma abordagem geométrica, introduzindo o
função não existia. Yuoschkevitch (1976) afirma conceito de latitude das formas em meados do
que existe uma grande distância entre o instinto séc. XIV. As formas ou qualidades são fenômenos
de funcionalidade e a sua percepção e que, na como a luz, a distância, a velocidade, que pos-
antiguidade, além de o termo função não ser uti- suem vários níveis de intensidade e que mudam
lizado, não havia sequer alusões a uma ideia mais continuamente, dentro de limites dados.
geral e abstrata de relações de dependências. Segundo Yuoschkevitch (1976), essa teoria
As ideias de variação quantitativa ou de parece ser fundamentada em um uso de ideias ge-
mudança faziam-se presentes no pensamento rais sobre quantidades variáveis dependentes e,
grego. Problemas de movimento, continuidade de acordo com Boyer (1996), “os termos latitude
e infinito foram considerados. Entretanto, nem o e longitude, que Oresme usou, são equivalentes,
sentido de velocidade como razão entre o espaço num sentido amplo, à nossa ordenada e abscissa,
percorrido e o tempo, nem, obviamente, a ideia e sua representação gráfica assemelha-se com
de velocidade instantânea foram introduzidos. nossa geometria analítica.” (p.181).
Portanto, nenhum desses conceitos foi explorado Com a teoria da latitude das formas, e o
pelos estudos gregos, de forma a gerar um pen- consequente desenvolvimento do registro3 de
samento mais complexo e abstrato com relação representação gráfico, o estudo das funções do
à noção de variabilidade. tempo se desenvolveu. Considerações sobre o
infinito na resolução de problemas dessa área
A Idade Média eram comuns. Conceitos como velocidade ins-
tantânea e aceleração passaram a ser amplamente
Com a decadência da cultura antiga, as estudados, e a descoberta mais importante da
primeiras ideias relativas à noção de função de época, para a mecânica e talvez também para a
uma forma mais geral e abstrata ocorrem no séc. Matemática, foi a determinação da velocidade
XIV, nas escolas de Filosofia Natural de Oxford e média de um movimento uniformemente ace-
Paris. Conforme Yuoschkevitch (1976), “seguin- lerado.
do pensadores como Robert Grosseteste e Roger Durante os sécs. XV e XVI, a teoria da lati-
Bacon, essas duas escolas, que floresceram no tude das formas gozou de enorme prestígio e di-
séc. XIV declararam a Matemática como o prin- fundiu-se, principalmente, na Inglaterra, França,
cipal instrumento para o estudo de fenômenos Itália e Espanha, sendo exposta em universidades
naturais.” (p.45). e em livros publicados. Analisando, porém, o
Nesse período, surgiram muitos concei-
tos de grande importância para a evolução das 2
Nicole Oresme, de acordo com Eves (2004), foi o maior
ciências exatas, como, por exemplo, velocidade matemático de sua época.
3
Segundo Duval (2003, p.14), “para designar os diferentes
1
Diofanto de Alexandria viveu no século III e escreveu tipos de representações semióticas utilizados em mate-
Aritmética, obra na qual propõe uma abordagem analítica mática, falaremos, parodiando Descartes, de ‘registro’ de
da teoria algébrica. representação”.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 39


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

alcance dessa teoria e suas implicações, pode- A emergência do conceito de função como
se perceber, segundo Ponte (1992), que, apesar um objeto individualizado da Matemática co-
da grande evolução em termos de generalização meçou, segundo Ponte (1992), com o início do
e abstração e de alguns resultados particulares cálculo infinitesimal. Primeiramente, Descartes
alcançados, o estudo das funções em Matemática estabeleceu claramente que uma equação de
como um conceito e objeto individualizado ainda duas variáveis, representada geometricamente
não havia sido alcançado. por uma curva, indica a dependência entre as
variáveis. Através dos estudos de Descartes,
A Modernidade segundo Yuoschkevitch (1976),

O desenvolvimento do conceito de função [...] pela primeira vez e de forma


clara, é sustentado que uma
foi catalisado, de acordo com Yuoschkevitch equação em x e y é um meio para
(1976), pelo desenvolvimento da álgebra sim- introduzir uma dependência entre
bólica e pela extensão do conceito de número, quantidades variáveis de uma
englobando tanto o conjunto dos números reais maneira que é possível calcular a
partir do valor de uma delas o valor
quanto o número imaginário i e o conjunto dos
correspondente da outra. (p.52)
números complexos. Esses foram os conceitos
matemáticos fundamentais que proporciona-
ram a introdução do conceito de função como A introdução de funções escritas através
uma relação entre conjuntos numéricos e como de equações iniciou uma verdadeira revolução
uma expressão analítica das funções através de no estudo de matemática. O uso de expressões
fórmulas. analíticas, regidas por operações e relações
O que deve ser enfatizado, também, na específicas, introduzido, independentemente,
concepção do autor, por Pierre Fermat (1601–1665) e René Descartes,
originou características específicas do estudo do
[...] é a introdução de inúmeros tema. Proveniente da álgebra aplicada à geome-
sinais para operações e relações tria, essa nova forma de representar as funções
matemáticas (em primeiro lugar, logo se estendeu a outras áreas da Matemática e,
para adição, subtração, potência e especialmente, ao desenvolvimento do cálculo
igualdade) e, acima de tudo, sinais
para quantidades desconhecidas diferencial e integral. Para Monna (1972), “Des-
e parâmetros, que Viète em 1591 cartes, com sua aplicação de métodos algébricos
denotou por vogais A, E, I,... e à geometria, abriu o caminho para a introdução
consoantes B, G, D,... do alfabeto da noção de função que, gradualmente, se desen-
latino, respectivamente. A
importância dessa notação, que, pela
volveu até sua forma moderna” (p.58).
primeira vez, possibilitou colocar no Nesse período histórico, propaga-se, então,
papel a forma simbólica de equações a utilização da prática da conversão, caracterizada
algébricas e expressões contendo por Duval (2006) como a transformação de uma re-
quantidades desconhecidas e presentação semiótica em outra, na qual ocorre mu-
coeficientes arbitrários (uma palavra
também originada por Viète), dança de registro, mas conserva-se o mesmo objeto
dificilmente pode ser estimada. denotado. Sua importância para o desenvolvimento
(p.51) do conceito de função e do pensamento matemático
é enfatizada por D’Amore, que afirma que
Contudo, o simbolismo de François Viète
(1540-1603), que não avançou no estudo do A construção do conhecimento
matemático depende fortemente
conceito de função, e o desenvolvimento do da capacidade de utilizar vários
registro de representação algébrico, careciam de registros de representação semiótica
progressos significativos, e estes logo vieram por dos referidos conceitos: representado-
meio das contribuições de inúmeros intelectuais, os em um dado registro; tratando tais
representações no interior de um
como René Descartes (1596–1650), Isaac Newton mesmo registro; fazendo a conversão
(1642–1727), Gottfried Leibniz (1646–1716) e de um dado registro para outro. (p.62.
Leonhard Euler (1707–1793), entre outros. Grifos do autor)

40 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


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De uma forma inicial, a ideia de que uma comunicou a Barrow o seu Método das fluxões6, que,
expressão infinita era uma função não era re- apesar de escrito em 1671, foi publicado somente
cente: progressões geométricas decrescentes e em 1736. Nesse trabalho, apenas as noções básicas
infinitas já eram conhecidas há bastante tempo. foram introduzidas através da cinemática.
Entretanto, apenas na segunda metade do séc. Por outro lado, Leibniz também chegou, a
XVII, as séries de potência acabaram sendo per- partir das curvas geométricas, às noções básicas
cebidas como instrumento importante para o es- de diferenciação e integração. Entre os anos de
tudo das funções. Devido às séries de potência, o 1673 e 1676, inventou o seu Cálculo e, em 1675,
conceito de função passou a ocupar papel central utilizou, pela primeira vez, o símbolo de inte-
no estudo da análise matemática e foi o cerne das gral, um S alongado, vindo da primeira letra da
teorias de Newton e de Leibniz no desenvolvi- palavra soma7. Pouco tempo depois, já utilizava
mento do cálculo diferencial e integral. as notações de diferenciais, derivadas e integrais
como se conhece atualmente.
Isaac Newton e Gottfried Leibniz A palavra função, de acordo com Yuoschke-
vitch (1976), surgiu em 1673, pela primeira vez,
em um manuscrito de Leibniz intitulado O método
inverso das tangentes, ou sobre funções. Entre 1692
e 1694, surgiu em seus artigos a definição de função,
que foi caracterizada como qualquer parte de uma li-
nha reta, ou seja, segmentos obtidos pela construção
de infinitas linhas retas correspondentes a um ponto
fixo e a pontos de uma determinada curva. A defini-
ção de função construída, porém, não corresponde,
em nenhum aspecto, ao contexto analítico.
Figura 1 - Leibniz A relação de Leibniz com Johann Ber-
noulli (1667–1748) e suas discussões matemáti-
De acordo com Yuoschkevitch (1976), cas, principalmente entre 1694 e 1698, levaram à
Newton4, sucessor de Isaac Barrow5 (1630–1677), necessidade de um termo geral que representasse
apresentou em Cambridge, nos anos de 1664 e quantidades arbitrárias dependendo de uma
1665, uma interpretação cinemática e geométrica variável à definição do termo função no sentido
clara das concepções básicas da análise matemá- de uma expressão analítica.
tica, descrevendo concepções de tempo e movi-
mento, escolhendo o tempo como um argumento
Johann Bernoulli e Leonhard Euler
universal e interpretando as variáveis dependen-
tes como uma quantidade continuamente fluente
que possui uma velocidade de variação.
Os dois problemas principais do cálculo
infinitesimal eram expressos em termos mecânicos:
dada a lei para a distância, determinar a velocidade
do movimento (diferenciação) e, dada a velocidade
de um movimento, determinar a distância percorrida
(integração). No entanto, as concepções de Newton
sobre o tema eram mais abstratas. Em 1669, Newton
Figura 2 - Johann Bernoulli
4
Segundo Leibniz, “tomando a matemática desde o início do Bernoulli8 utilizou pela primeira vez a
mundo até o tempo de Newton, o que ele fez é de longe a palavra função, segundo Yuoschkevitch (1976),
melhor metade” (apud BOYER, 1996, p.269).
5
De acordo com Eves (2004), Isaac Barrow foi um homem
de grande destaque acadêmico, alcançando projeção em 6
Methodus fluxionum.
Matemática, Física, Astronomia e Teologia. Ao renunciar à 7
Do latim summa.
sua cátedra lucasiana em Cambridge, em 1669, indicou para 8
Conforme Eves (2004), Johann Bernoulli foi um dos pri-
substituí-lo o nome de um jovem e talentoso colega, Isaac meiros matemáticos a perceber a importância do cálculo e a
Newton. aplicá-lo na resolução de problemas.

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em 1698, em um artigo dedicado à resolução De fato, a grande maioria das funções


de um problema proposto por seu irmão Jakob. estudadas na época de Euler era analítica e
Não há, na publicação, referência à definição enquadrava-se em sua definição, que foi aceita
do que foi chamado de função, mas, segundo o por muitos outros matemáticos do seu tempo.
autor, dificilmente poderia referir-se a algo que Entretanto, Euler sabia que funções de outros
não fosse uma expressão analítica. Em 1718, de tipos também existiam e, segundo Ponte (1992),
acordo com Ponte (1992), Bernoulli publicou um de acordo com a terminologia atual, sua defi-
artigo contendo a definição de função de uma nição incluía apenas as funções analíticas, um
variável como uma quantidade composta, de subconjunto do já pequeno conjunto das funções
alguma forma, por uma variável e constantes. contínuas. Nas principais correntes matemáticas,
No mesmo período, Leibniz introduziu entretanto, a relação da definição de função com
os termos constante, variável, coordenadas e expressões analíticas permanece estática até o
parâmetros e dividiu as funções e curvas em século XVIII.
duas classes: as algébricas, que poderiam ser
representadas por uma equação de certa ordem, A controvérsia sobre as cordas vibrantes
e as transcendentais, que poderiam também ser
objetos de estudos e cálculos de uma natureza A próxima grande discussão envolvendo a
diferente, por suas representações por equações construção do conceito de função aconteceu em
de ordem indefinida ou infinita que transcendem estudos na área da Física-Matemática, principal-
as equações algébricas. mente por meio dos trabalhos acerca do célebre
A ideia de relação funcional não é men- problema sobre vibrações infinitamente peque-
cionada, porém, até o artigo escrito por Euler, nas em cordas homogêneas, finitas e com suas
discípulo de Bernoulli, em 1744, e publicado extremidades fixas. Jean-le-Rond D’Alembert
em 1748, no qual a análise matemática é referi- (1717–1783), que, segundo Eves (2004), foi um
da como uma ciência geral de variáveis e suas dos pioneiros no estudo das equações diferen-
funções. ciais parciais, representou o problema das cordas
A primeira definição explícita de uma vibrantes por uma equação desse tipo.
função como uma expressão analítica, confor- D’Alembert restringiu a classe de cordas
me Yuoschkevitch (1976), foi publicada em um admitidas, pois, sem essas restrições, segundo
artigo de Bernoulli, no qual ele propõe a letra pensava, não seria possível construir a solução
grega ϕ como notação para a representação de do problema através da análise matemática. En-
uma função, ainda escrevendo sem o auxílio de tre essas restrições, há o fato de assumir que a
parênteses, ou seja, ϕ x. Os parênteses, assim forma inicial da corda deve ser representada em
como a letra f para designar uma função, são toda a sua extensão por apenas uma equação, o
atribuídos a Euler, que os utilizou em uma pu- que, na teoria de Euler, seria determinar que a
blicação de 1740. corda é contínua.
Euler9 também foi o responsável pelos
avanços seguintes mais significativos no desen-
volvimento do conceito de função, detalhando
o seu estudo de acordo com o padrão da análise
matemática da época. Definiu uma constante
como uma quantidade definitiva que assume
sempre um e o mesmo valor, uma variável como
um valor indeterminado ou universal que com-
preende todos os valores determinados e uma
função de uma variável como uma expressão Figura 3 - D’Alembert
analítica composta por uma quantidade variável
A terminologia de Euler, utilizada até
e números ou quantidades constantes.
meados do século XIX, segundo Yuoschkevitch
(1976), determinava que continuidade signifi-
9
Segundo Anton (2000), Euler foi, provavelmente, o mate-
mático mais prolífico que já apareceu, fazendo matemática cava invariabilidade, imutabilidade da lei de
tão facilmente quanto a maioria dos homens respira. formação da função em todo seu domínio. Já a

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descontinuidade de uma função significava a de outras quantidades de forma


mudança da lei de formação da função em dois que se essas são alteradas aquelas
passam por mudanças, então, as
ou mais intervalos do seu domínio. As funções
quantidades que sofreram mudanças
descontínuas, segundo Euler, eram compostas são chamadas de funções das outras.
de partes contínuas, sendo chamadas, por essa Essa denominação é de natureza
razão, de curvas mistas ou irregulares. ampla e abrange todos os métodos
Começa então uma longa discussão sobre através dos quais uma quantidade
pode ser determinada por outras. Se,
a natureza das funções aceitas nas condições portanto, x denotar uma quantidade
iniciais. A controvérsia continua com o ingres- variável, então todas as quantidades
so de um novo participante: Daniel Bernoulli que dependem, em qualquer forma,
(1700–1782). Bernoulli argumentou que tanto de x ou são determinadas por x, são
chamadas de funções do mesmo.
a forma arbitrária inicial da corda quanto suas
(p.70)
vibrações subsequentes podiam ser representa-
das por uma série infinita de termos, incluindo
senos e cossenos. O conceito de função proposto por Euler
A controvérsia, entretanto, não acaba. Se- influenciou positivamente todo o desenvolvi-
gundo Monna (1972), essa discussão tornou-se, mento da matemática a partir de então.
de certa forma, confusa e não se tem ainda uma Apesar da oposição de D’Alembert, que
concepção clara sobre o problema. apontava defeitos na definição de Euler, muitos
matemáticos aderiram à sua ideia, como Joseph-
Louis Lagrange (1736–1813) e Pierre-Simon
A definição de Euler
Laplace10 (1749–1827).
Era necessária, entretanto, uma separação
mais concreta entre as funções contínuas e des-
contínuas (no sentido atual das palavras). Segundo
Euler, funções determinadas por uma expressão
analítica em todo o seu domínio eram chamadas
de contínuas, e essas eram as funções genuínas. Já
as funções descontínuas ou arbitrárias (no sentido
de Euler) não eram funções genuínas.

Figura 4 - Euler O século XIX


Como, de acordo com Euler, funções des-
contínuas não são, geralmente, analiticamente
representáveis, suas definições iniciais de função
tornaram-se obsoletas. Nesse sentido, segundo
Yuoschkevitch (1976), Euler formula uma nova
definição para o conceito de função compreen-
dendo todas as classes de relações. Trata-se de
uma abordagem utilizando uma noção que esteve
sempre presente em seus textos, mesmo que
não expressa explicitamente em seus métodos Figura 5 - Dirichlet
de introduzir função: a noção geral de corres-
pondência entre pares de elementos, cada qual De acordo com Monna (1972), no século
pertencendo ao seu próprio conjunto de valores XIX houve muito progresso na construção do
de quantidades variáveis. conceito de função, com contribuições prin-
A ideia de relação foi, então, dada por cipalmente dos trabalhos de Augustin-Louis
Euler (apud YUOSCHKEVITCH, 1976) de uma
maneira universal e abstrata em sua definição 10
Devido ao lançamento dos cinco volumes do Traité de mé-
de função no prefácio de sua Institutiones calculi canique, Laplace ganhou o cognome de “Newton da França”
differentialis: (EVES, 2004).
Se algumas quantidades dependem
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Cauchy (1789–1857), Jean Baptiste Joseph Fou- passível de ser representada por uma série de
rier (1768–1830) e Johann Peter Gustav Lejeune Fourier, provando, portanto, que nem toda fun-
Dirichlet (1805–1859). ção, mesmo que contínua em um dado intervalo
A ideia de Euler das funções mistas foi pode ser determinada por sua série trigonométri-
criticada e foi provado que funções introduzidas ca, pois essa pode divergir em infinitos pontos.
por diferentes expressões analíticas em diferen- Entretanto, as séries de Fourier envolvem uma
tes intervalos do seu domínio também podem ser relação mais geral entre variáveis do que as es-
representadas por apenas uma equação. Cauchy11 tudadas até então.
faz sua crítica à definição de continuidade pro- Com a intenção de construir uma defini-
posta por Euler e prova como são inadequadas ção de função que englobasse essa forma de re-
as definições de funções contínuas e descontí- lação, Dirichlet, conforme Eves (2004) apresenta
nuas de Euler a partir de um simples exemplo: a seguinte formulação:
f ( x) = x 2 . Uma variável é um símbolo que
Na concepção de Monna (1972), a questão representa qualquer um dos
notável é que Cauchy propôs, em seu Résume elementos de um conjunto de
des leçons à l’école polytechnique sur le calcul números; se duas variáveis x e y
infinitésimal, a definição de continuidade de uma estão relacionadas de maneira que,
sempre que se atribui um valor a
função no sentido atual: x, corresponde automaticamente,
por alguma lei ou regra um valor a
Quando uma função f(x) admite um y, então se diz que y é uma função
valor único e finito para todos os (unívoca) de x. A variável x, à qual
valores de x compreendidos entre se atribuem valores à vontade, é
dois limites dados, a diferença f(x + chamada de variável independente e a
i) – f(x) sendo sempre uma quantidade variável y, cujos valores dependem
infinitamente pequena, diz-se então dos valores de x, é chamada de
que f(x) é uma função contínua de variável dependente. Os valores
variável x entre os limites dados. possíveis que x pode assumir
(CAUCHY, 1823, apud MONNA, constituem o campo de definição da
1972, p.61) função e os valores assumidos por
y constituem o campo de valores da
função. (p.661. Grifos do autor)
Fourier também prestou importante con-
tribuição para a evolução do conceito de fun-
ção. Em seus estudos da teoria da propagação Uma função torna-se então uma corres-
do calor, considerou a temperatura como uma pondência entre duas variáveis: todo valor da
função de duas variáveis: o tempo e o espaço. variável independente é associado a um e apenas
Nesses trabalhos, de acordo com Eves (2004), um valor da variável dependente. De acordo com
refutou a afirmação de Euler de que não era Boyer (1996), essa definição está próxima, do
possível representar por uma série de termos ponto de vista moderno, de uma correspondência
contendo senos e cossenos de arcos múltiplos entre dois conjuntos de números. Entretanto, os
a figura inicial de uma corda definida por duas conceitos de conjunto e de número real ainda
equações em dois diferentes intervalos do seu não haviam sido estabelecidos. Trata-se de uma
domínio. Ascende, então, a teoria geral das definição ampla e que não restringe a relação que
séries trigonométricas. há entre x e y a uma forma qualquer de expressão
Dirichlet12 posteriormente formulou as analítica, acentuando a ideia de relação entre
restrições necessárias, conhecidas como con- dois conjuntos de números.
dições de Dirichlet, para que uma função seja De acordo com Ponte (1992), com o desen-
volvimento da teoria dos conjuntos, iniciada por
11
Segundo Boyer (1996), Cauchy foi a “estrela” matemática Georg Cantor (1845–1918), a noção de função
da década de 1820. continua sua evolução. No século XX, o conceito
12
Dirichlet, que tem seu cérebro preservado atualmente na de função é estendido de maneira a incluir todas
Universidade de Göttingen, foi, conforme Eves (2004), um
eminente matemático alemão e participou da fase inicial as correspondências arbitrárias, satisfazendo a
de deslocamento do centro das atividades matemáticas da condição da unicidade, entre conjuntos numé-
França para a Alemanha. ricos e não-numéricos.

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O século XX Segundo Monna (1972), em 1939, no


primeiro livro da série de Nicolas Bourbaki,
Os anos próximos a 1900, conforme Mon- As estruturas fundamentais da análise, teoria
na (1972), são interessantes no que diz respeito à dos conjuntos, todas as questões acerca do que
evolução do conceito de função, principalmente seria uma função são encerradas. Bourbaki dá a
porque, mesmo com a definição geral de função seguinte definição:
dada por Dirichlet, matemáticos como René
Baire (1874–1932), Emile Borel (1871–1956) e Sejam E e F dois conjuntos distintos
ou não. Uma relação entre uma
Henri Leon Lebesgue (1875–1941) continuam a variável x de E e uma variável y de F
discussão acerca do tema. é dita uma relação funcional em y, ou
Segundo Monna (1972), nos trabalhos uma relação funcional de E em F, se,
desses matemáticos há discussões e polêmicas para qualquer que seja x E, existe um,
sobre o conceito de função e resquícios da an- e somente um, elemento y de F que
esteja na relação considerada com x.
tiga definição como uma expressão analítica. É
Denomina-se função a operação
importante ressaltar também que a teoria dos que associa a todo elemento de x E
conjuntos de Cantor penetrava gradualmente um elemento y F que se encontra
na Matemática. na relação com x; diz-se que y é o
Dedekind já havia trazido à Matemática valor da função para o elemento x,
uma concepção completamente geral do conceito e que a função é determinada pela
relação funcional considerada. Duas
de função. Fugindo das concepções anteriores que relações funcionais são equivalentes
se valiam apenas de funções reais, generalizou, de se determinam a mesma função.
acordo com Dieudonné (1990), da seguinte forma: (BOURBAKI, 1939, apud MONNA,
1972, p.82)
[...] sendo dados dois conjuntos
quaisquer E e F, uma aplicação O grupo Bourbaki foi criado em 14 de ja-
f de E em F é uma lei (“Gesetz”)
que faz corresponder a qualquer neiro de 1935, em Paris, França, e a composição
elemento x de E, um elemento inicial incluiu sete jovens matemáticos franceses.
bem determinado de F, o seu valor O grupo teve grande influência na matemática
em x é notado de modo geral f(x). francesa e mundial, mas a sua contribuição
Tomamos agora o hábito de escrever
para o ensino da matemática é controversa. Os
x a f ( x ) para notar uma aplicação
f, o que evita muitas vezes ter de membros fundadores foram Henri Paul Cartan
introduzir uma nova letra, quando (1904–2008), Claude Chevalley (1909–1984),
por exemplo se escreve x a x 2 para Jean Frédéric Auguste Delsarte (1903–1968),
x ∈ R ; utiliza-se também bastante Jean Alexandre Eugène Dieudonné (1906–1992),
na atual escrita das matemáticas as
noções f : E → F ou para precisar Lucien Alexandre Charles René de Possel (1905–
o conjunto E onde está definida a 1974), André Weil (1906–1998). A pretensão do
função f e o conjunto F onde esta grupo era modernizar a matemática da época.
toma seus “valores”. (p.149. Grifos Isso originou uma coleção de livros que foi
do autor)
denominada “Elementos de Matemática”, com
o último volume da coleção sendo publicado
Posteriormente, conforme Dieudonné em 1998.
(1990), Cantor introduz a noção de produto car-
tesiano ExF de dois conjuntos quaisquer. Faz-se,
então, a conexão da ideia de aplicação como um
subconjunto de ExF.
Na concepção de Eves (2004), a teoria
dos conjuntos levou à ampliação do conceito
de função, abrangendo, nesse sentido, relações
entre dois conjuntos de elementos quaisquer,
desmistificando a ideia de que esses elementos
devem ser necessariamente números. Figura 6 - Cartan

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Finalmente, o conceito de função, funda- Com os registros de representação tabular,


mental no estudo da Matemática, conforme Eves gráfico e algébrico bem desenvolvidos, há, então,
(2004), passa a ser defendido por matemáticos a partir das ideias de Descartes de aplicação da
como Félix Klein (1849–1925), desde as primei- álgebra à geometria, o componente que levou o
ras décadas do século XX, como princípio central conceito de função a se desenvolver mais rapida-
e unificador dos cursos elementares de matemá- mente e a alcançar o cerne de toda a Matemática
tica. O conceito torna-se um guia natural para a atual. A partir das ideias e inovações de Descar-
construção de textos de matemática. tes, foi possível desenvolver-se, então, o estudo
do cálculo diferencial e integral, da análise ma-
Considerações finais temática e de outros campos fundamentais para
o desenvolvimento da ciência moderna.
Investigando a evolução histórica do Analisando, cuidadosamente, a grande
conceito de função, fica evidente a importân- contribuição de Descartes, que foi fundamental
cia das representações e o papel central que para os estudos de cientistas como Newton e Lei-
desempenharam em cada passo dado rumo ao bniz, entre outros, percebe-se que nasceu, nessa
seu conceito atual. Duval (2003) afirma, inclu- inovação, a rotina de construir transformações
sive, que “é suficiente observar a história do de objetos matemáticos entre diferentes registros
desenvolvimento da matemática para ver que o de representação semiótica. As transformações
desenvolvimento das representações semióticas propostas por Descartes consistiam em conver-
foi uma condição essencial para a evolução do ter a representação de objetos matemáticos do
pensamento matemático.” (p.13). registro de representação gráfico para o registro
Por meio da recapitulação da construção de representação algébrico, assim como no sen-
histórica do conceito de função, fica claro que tido inverso. Com a ideia da geometria analítica,
o surgimento dessa ideia foi alicerçado pela surge, então, a prática da transformação denomi-
introdução, na civilização babilônica, de repre- nada atualmente por Duval de conversão.
sentações tabulares de funções elementares para Duval (2003) afirma, inclusive, que no estudo
cálculos envolvendo o movimento dos planetas da Matemática, diferentemente de outras ciências
na esfera celeste. A primeira noção evidenciada baseadas na experimentação e observação, é essen-
de função, mesmo que ainda muito rudimentar cial que o aluno aprenda a reconhecer um objeto de
e distante de um pensamento formal e abstrato, estudo através de múltiplas representações que, por
é relacionada, então, à utilização do registro de sua vez, podem ser feitas em diferentes registros de
representação semiótica tabular. representação. Segundo o autor, a utilização de ao
Novos avanços relativos às representações menos dois registros de representação simultanea-
precisaram ocorrer para elevar a matemática a um mente é a única possibilidade para não se confundir
posto de destaque entre as ciências e também para o objeto de estudo com o conteúdo de uma repre-
que a ideia de relação funcional se desenvolvesse. sentação. Ressalta, também, que o desenvolvimento
Foram necessárias, então, contribuições como as dessa habilidade é fundamental para que o aluno
de Oresme no estudo da intensidade das formas, possa, de forma independente, transferir ou modi-
desenvolvendo o registro de representação gráfico, ficar formulações e representações de informações
abordando ideias sobre quantidades variáveis durante a resolução de um problema.
dependentes, para que o conceito de função se de- Nesse sentido, evidenciando-se o papel
senvolvesse na direção de uma ideia mais geral. das representações na construção do conceito
A construção desse conceito avançou de função e a sua importância no processo de
quando houve o desenvolvimento da álgebra construção do conhecimento matemático esco-
simbólica, fundamentada em contribuições como lar, destaca-se a necessidade de se explorar cada
as de Diofanto e Viète no desenvolvimento do uma dessas representações para se alcançar uma
registro de representação algébrico. Com essa aprendizagem efetiva e para que a construção do
evolução em mais um registro de representação, conceito de função seja sólida e que, como conse-
ocorreu a introdução do conceito de função como quência, o pensamento funcional, caracterizado
uma relação entre conjuntos numéricos e como como a capacidade de pensar por intermédio de
uma expressão analítica através de fórmulas. relações, seja desenvolvido.

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Assim, nessa reconstrução do caminho ______. A cognitive analysis of problems of


percorrido para se chegar à ideia atual do con- comprehension in a learning of mathematics.
ceito de função, enfatizando o desenvolvimento Educational Studies in Mathematics, n.61, p.103-
131, 2006.
dos registros de representação semiótica, fica evi-
dente que a história pode ser um auxiliar efetivo ELIA, Ilíada; SPYROU, Panayotis. How students
conceive function: A triarchic conceptual-semiotic
para se entender a construção de um conceito e model of the understanding of a complex concept.
também as dificuldades que devem ser superadas The Montana Mathematics Enthusiast, v.3, n.2,
no seu processo de ensino-aprendizagem. p.256-272, 2006.
EVES, Howard. Introdução à História da Mate-
Referências mática. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004.
MONNA, A. F. The concept of functions in the 19th
ANTON, Howard. Cálculo, um novo horizonte. and 20th Centuries, in particular with regard to the dis-
Porto Alegre: Bookman, 2000. cussions between Baire, Borel and Lebesgue. Archive
BOYER, Carl B. História da Matemática. São for History of Exact Science, v.9, p.57-84, 1972.
Paulo: Edgard Blücher, 1996. PONTE, João Pedro. The history of the concept
CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos fundamen- of function and some educational implications.
tais da Matemática. Lisboa: Gradiva, 2005. Mathematics Educator, v.3, n.2, p.3-8, 1992.
DIEUDONNÉ, Jean. A formação da Matemática ROSSINI, Renata. Saberes docentes sobre o tema
Contemporânea. Lisboa: Dom Quixote, 1990. função: uma investigação das praxeologias. 2006.
Tese (Doutorado em Educação Matemática) –
DUVAL, Raymond. Registros de representações Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
semióticas e funcionamento cognitivo da compre- São Paulo. 2006.
ensão em Matemática. In: MACHADO, Sílvia Dias
Alcântara (org.). Aprendizagem em Matemática: YOUSCHKEVITCH, A. P. The concept of function
registros de representação semiótica. Campinas: up to the middle of the 19th Century. Archive for
Papirus, 2003. p.11-33. History of Exact Sciences, v.16, n.1, p.37-85, 1976.

Rafael Winicius da Silva Bueno – Mestre, chefe do departamento de ensino de Matemática e diretor do Instituto Padre Reus.
E-mail: rafbueno@terra.com.br. – Endereço para correspondência: Rua Ernesto Alves, 1087, 96810-912 – Santa Cruz do Sul/RS.
Fone: (51) 3711.4000.
Lori Viali – Doutor, professor titular da Faculdade de Matemática da PUCRS. Professor permanente do Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. Professor Adjunto do Instituto de Matemática da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Porto Alegre, RS. Fone:
(51) 3353.7708. E-mail: viali@pucrs.br

Recebido em: 25/08/2009


Concluído em: 31/10/2009

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O QUE PESQUISAS TÊM EVIDENCIADO SOBRE O USO DA CALCULADORA NA


SALA DE AULA DOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO?

What Has Research Shown about the Use of the Calculator in Primary
School Classrooms?

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba


Ana Coelho Vieira Selva

Resumo Abstract

Neste artigo, discutem-se resultados de uma This paper discusses findings of a survey that
sondagem realizada com professores de anos involved teachers of initial years of schooling
iniciais de escolarização e, a partir da necessidade and, based on the results obtained, suggestions
evidenciada nesse levantamento, apresentamos of activities in early schooling are presented with
sugestões de atividades com a calculadora que the use of the calculator. Twenty teachers of state
podem ser realizadas junto a estudantes nos anos supported schools and twenty of private schools
iniciais de escolarização básica. Vinte professores – of 9 and 10 year-old Primary School students
de escolas públicas e vinte da rede particular de – were surveyed concerning their conceptions
ensino do Recife – atuantes no 4º e 5º anos do ensino and their proposals of usage of the calculator
fundamental – foram sondados quanto às suas at school. In general, the teachers recognised
concepções e suas propostas de uso da calculadora the importance of the calculator as a teaching
na escola. De modo geral, os professores das duas device but admitted that rarely they used this
redes de ensino reconhecem a importância do resource because they did not know how to
trabalho com a calculadora, mas afirmam fazer do so in Primary School classrooms. Based on
pouco uso desse recurso por desconhecerem these findings, in the paper we discuss possible
formas adequadas para sua utilização nas aulas de usages of the calculator, such as exploration/
Matemática dos anos inicias do ensino fundamental. usage of the calculator’s keyboard and functions,
São apresentados, então, possíveis usos da diminishment of operation load, conferring/
calculadora em sala de aula, tais como exploração/ comparing/ confronting results obtained by
manuseio dos teclados e das funções da calculadora, means of other forms of calculation, conceptual
alívio da carga de operacionalização, conferência/ exploration and for fun purposes. In this sense, by
comparação/confronto de resultados obtidos por the presentation and the analysis of the activities
outros procedimentos de cálculo, exploração proposed, this paper aims to contribute in the
conceitual e diversão. Dessa forma, por meio das possibilities of classroom usage of the calculator
diversas atividades discutidas, espera-se, com este in Primary School as a means to promote and
trabalho, contribuir para o uso da calculadora em widen mathematical conceptual development
sala de aula de anos iniciais de escolarização como of the students.
um meio de promover e ampliar o desenvolvimento
conceitual matemático dos estudantes. Keywords: Calculator. Classroom usage. Teacher
formation. Mathematical development. Early
Palavras-chave: Calculadora. Formação de grades. Primary School.
professores. Desenvolvimento matemático. Anos
iniciais. Ensino fundamental.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 49 a 63 49


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Introdução simples substituições ou complementações de


atividades, perde-se o rico potencial que novas
Entre os educadores matemáticos – os tecnologias têm a oferecer. Esas podem promover
pesquisadores de processos de ensino e de uma reorganização da atividade em sala de aula,
aprendizagem da Matemática, os propositores atribuindo novos papéis a professores e estudan-
de políticas curriculares, os responsáveis pela tes, por possibilitarem aos discentes uma maior
produção de materiais didáticos e os professo- autonomia sobre o seu próprio aprendizado e
res que atuam nos diversos níveis de ensino –, novas organizações por parte dos docentes de
tem-se debatido o quanto recursos tecnológicos atividades que estimulem o desenvolvimento
contemporâneos, tais como computadores e conceitual e não meros exercícios de fixação.
calculadoras, podem ser meios de promoção do Nessa discussão do uso de ferramentas
desenvolvimento matemático de estudantes. Es- tecnológicas na educação, tem sido mais enfa-
ses recursos se fazem presentes no cotidiano de tizado o acesso dos estudantes a computadores,
grande parte da população, são alvo de políticas Internet, chats, etc. Entretanto, queremos, neste
governamentais para aquisição e distribuição nas artigo, chamar a atenção para a contribuição
redes públicas de ensino. Entretanto, cabe aos que um recurso simples, e até certo ponto já co-
educadores analisarem a possibilidade de uso nhecido e popularizado – como é a calculadora
desses recursos em sala de aula. –, pode trazer para o processo de aprendizagem
Documentos públicos (tais como os Pa- dos estudantes.
râmetros Curriculares Nacionais e propostas Apesar do estímulo ao uso da calculadora
curriculares estaduais e municipais) e estudos – tanto a partir de discussões teóricas quanto por
diversos (RUTHVEN, 1999; BIGODE, 1997; BOR- meio de observações empíricas – parece, ainda,
BA; PENTEADO, 2005; SELVA; BORBA, 2005; haver resistências ao uso desse recurso em sala
entre outros) defendem o uso de computadores de aula, o que pode, em parte, ser justificado
e calculadoras como ferramentas auxiliares aos devido à escassez de propostas de atividades
processos de ensino e de aprendizagem ocorridos a serem desenvolvidas junto aos estudantes.
nas salas de aula de Matemática. Esses documen- O desconhecimento de possibilidades de uso
tos e estudos têm apontado que a calculadora, em didático da calculadora inibe que esse recurso
particular, possui potencialidade para contribuir seja amplamente utilizado para fins de apren-
no desenvolvimento conceitual dos estudantes, dizado dos estudantes. Além disso, concepções
desde que sejam desenvolvidas atividades apro- negativas a respeito do uso da calculadora, que
priadas em sala de aula com esse recurso. preconizavam que o uso desse recurso iria subs-
Discussões amplas da necessidade de tituir o ensino das operações, ainda não foram
uso didático de novos recursos tecnológicos completamente superadas.
precisam ser acompanhadas de reflexões sobre A pouca vivência de atividades com a
como se efetivará esse uso em sala de aula. De- calculadora em sala de aula, bem como os tipos
fesas do uso de computadores e calculadoras só de propostas ao seu uso, também pode estar
se materializarão em ações práticas se houver atrelada às proposições efetuadas nos livros
apropriação por parte de professores quanto à didáticos. De forma indireta, os livros didáticos
importância e viabilidade do uso desses recursos determinam os conteúdos e os recursos que serão
como ferramentas propulsoras de aprendizado, utilizados na escola, pois, apesar de ser possível a
bem como se tiverem conhecimento de possíveis complementação do que é proposto no livro, em
usos didáticos desses meios tecnológicos. geral, muitos professores vivenciam as atividades
Segundo Borba (1999), a introdução de apontadas na ordem e forma propostas.
novas tecnologias na escola deve levar a reflexões O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD)
sobre mudanças curriculares, novas dinâmicas é uma política pública que tem contribuído rica-
e novos papéis – de professores e de estudan- mente para a melhoria da qualidade do material a
tes – dentro da sala de aula. Para esse autor, a ser trabalhado nas salas de aula do ensino básico.
inserção de novas tecnologias na escola não Um dos itens avaliados no PNLD é o do uso de
deve meramente substituir ou complementar as ferramentas tecnológicas – incluindo-se a calcu-
atividades já desenvolvidas em sala de aula. Com ladora – como recurso didático para a formação

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de conceitos, habilidades e atitudes. Esperava-se da, mas, por outro lado, muitos consideram que
que a melhoria da qualidade das coleções produ- sua utilização pode inibir o raciocínio dos estu-
zidas tivesse uma forte influência nas propostas dantes e gerar “preguiça mental” (MEDEIROS,
dos livros didáticos quanto ao uso amplo da cal- 2000). Esse preconceito pode ser associado ao
culadora – nas diversas séries e relacionado aos desconhecimento de usos da calculadora em sala
diferentes conceitos matemáticos. Atualmente, de aula como representação simbólica alternati-
percebe-se um avanço no número de propostas va, como instrumento de exploração conceitual
de uso de recursos tecnológicos presentes nos e de resolução de problemas, e não apenas como
livros didáticos, mas, infelizmente, tem-se, ainda, mera executora de cálculos.
uma presença muito tímida de proposições de O uso em sala de aula de diferentes formas
uso da calculadora nas coleções recomendadas, de representação simbólica tem sido amplamente
bem como de orientações ao professor sobre as defendido na Educação Matemática. Vergnaud
possibilidades de uso desse recurso. (1987) aponta que representações distintas
Possivelmente, o principal responsá- podem ser salientes ou opacas para diferentes
vel pelo uso da calculadora em sala de aula é aspectos de um mesmo conceito, ou seja, uma
o(a) professor(a), pois mesmo que propostas forma de representação pode evidenciar certas
curriculares, amparadas em pesquisas dentro propriedades de um conceito, enquanto outra
da Educação Matemática, recomendem o seu forma pode salientar outras relações associadas
uso, cabe ao(à) professor(a) a decisão final de àquele conceito. O uso de formas variadas de
elaborar, selecionar, organizar e propor aos seus representação simbólica, portanto, é recomen-
estudantes atividades com recursos variados, em dado para possibilitar que os estudantes entrem
particular com a calculadora. em contato e reflitam sobre aspectos variados
Essa questão de uso, ou não, em sala de de um mesmo conceito. Entretanto, em geral,
aula de recursos tecnológicos da atualidade, pode nas escolas algumas formas de representação
ser, em parte, consequência da formação que o(a) têm sido enfatizadas, tais como a representação
professor(a) vivenciou em sua graduação ou da escrita formal ou o uso de material manipulativo,
qual participa continuadamente. Mesmo que em detrimento de outras, como as representações
não tenha sido tópico de discussão em cursos de simbólicas espontâneas das crianças (desenhos
formação inicial, o uso de recursos contemporâ- e rabiscos) e o uso de representações por meio
neos pode ser ponto de reflexão em programas de recursos tecnológicos, tais como o computa-
de formação continuada. Além disso, o fato de a dor e a calculadora. Dessa forma, um trabalho
tecnologia estar tão presente hoje nos mais diver- com múltiplas representações de um mesmo
sos espaços, torna urgente que a escola discuta conceito tem sido, ainda, menos enfatizado em
o seu uso e se aproprie de suas possibilidades sala de aula.
para a aprendizagem dos estudantes. Educadores matemáticos (RUTHVEN,
Este artigo objetiva, dessa forma, subsidiar 1999; BIGODE, 1997; BORBA; PENTEADO,
a discussão sobre o uso de novas tecnologias, em 2005; SELVA; BORBA, 2005, entre outros) têm
particular a calculadora, a partir da análise de defendido que o uso da calculadora possibilita
atividades propostas para o ensino de Matemáti- que os estudantes – libertos da parte enfadonha,
ca nos anos iniciais de escolarização. Espera-se, repetitiva e pouco criativa dos algoritmos de cál-
assim, auxiliar professores e seus formadores no culos – centrem sua atenção nas relações entre
entendimento do valor da utilização da calcula- as variáveis dos problemas que têm pela frente.
dora como recurso didático e no conhecimento A calculadora possibilita, ainda, que estudantes
de possíveis atividades a serem desenvolvidas realizem verificações, levantem e confirmem,
junto a estudantes do ensino fundamental. ou não, hipóteses, familiarizem-se com certos
padrões e fatos, e utilizem generalizações como
O uso da calculadora no ensino e na ponto de referência para o enfrentamento de
aprendizagem de Matemática novas situações (BIGODE, 1997).
Defesas para o uso da calculadora em sala
Por um lado, a importância da calculadora de aula são amparadas por experiências empíricas
como ferramenta de cálculo é bastante reconheci- bem-sucedidas. Groves (1994) relata uma inves-

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tigação na qual comparou um grupo de crianças a calculadora e encontrarem o resultado com


de 3ª e 4ª séries que tiveram oportunidade de decimal? Ou será que o grupo que usasse pri-
usar a calculadora na resolução de problemas em meiro a calculadora seria menos beneficiado da
sala de aula (grupo experimental) com um grupo comparação com o registro do resto em inteiro,
que não teve essa mesma oportunidade (grupo pois, ao encontrar o resto em decimal, as crian-
controle). Os resultados obtidos indicam que o ças, por não conhecerem o significado daquele
uso da calculadora, a longo prazo, favoreceu sig- valor, poderiam desprezá-lo? Ou, ainda: será
nificativamente o desempenho global das crianças que o fato de ter a possibilidade de comparação
no que se refere à escolha de artifícios de cálculo do resto como inteiro e como decimal auxiliaria
para resolução de problemas e na computação de as crianças a compreenderem o significado do
questões que envolviam o conhecimento de valor resto independente da ordem de resolução dos
de lugar dos números, subtração com respostas problemas por parte das crianças?
negativas, divisão com resto, multiplicação e Essas eram questões que permeavam o es-
divisão de dinheiro. Em relação à resolução de tudo. Os resultados indicaram que o desempenho
operações de divisão, observaram-se resultados no pós-teste foi superior ao pré-teste em todos os
significativamente melhores do grupo que usou a grupos, evidenciando avanços na compreensão
calculadora em divisões que resultavam em uma das crianças quanto à divisão com resto. No 4º
resposta decimal e em outros itens que requeriam ano, o uso da calculadora foi mais efetivo após
a leitura e interpretação de decimais. Na conclu- a resolução no papel, observando-se maior refle-
são desse estudo, ficou evidente que, por meio do xão das crianças sobre o significado do decimal
uso da calculadora, é possível promoverem-se ge- quando elas já tinham discutido o resto obtido na
nuínas discussões matemáticas em sala de aula. representação escrita. Parece que, como tinham
Outro estudo que apresenta resultados que segurança no resultado encontrado, sabiam que o
demonstram que a calculadora pode exercer um valor obtido na calculadora deveria ser equivalen-
importante papel na compreensão de conceitos te ao obtido no registro escrito. Assim, buscavam
matemáticos foi realizado por Selva e Borba (2005). entender as relações entre ambas representações.
Esse estudo analisou como crianças comparavam O grupo que usava a calculadora antes do registro
os resultados de um mesmo problema de divisão escrito tendeu a confiar no resultado obtido na cal-
com resto resolvido por meio de diferentes repre- culadora, desprezando o resultado obtido através
sentações. Participaram 48 crianças do 4º e 6° anos do registro escrito. No 6º ano, não se observou di-
de uma escola pública que realizaram pré-teste, ferença no pós-teste entre G1 e G2, constatando-se
intervenção e pós-teste. As crianças foram dis- desempenhos mais baixos no grupo G3, que não
tribuídas em grupos que resolviam os problemas usou a calculadora. Esses resultados evidenciam
usando dois tipos de representação: G1 – papel e a importância do uso de diferentes representações
lápis/calculadora; G2 – calculadora/papel e lápis; na resolução de problemas e que o uso da calcu-
G3 – manipulativo/papel e lápis. Os grupos G1 e G2 ladora pode auxiliar o professor no processo de
têm em comum o fato de usarem a calculadora para gerar maior reflexão por parte das crianças sobre
resolver os problemas e discutirem o significado do números, em particular decimais resultantes de
resto obtido, o que não ocorre com o grupo G3. A divisões com resto.
diferença entre os grupos G1 e G2, usar a calcula- Apesar da defesa ampla de educadores
dora antes ou depois do registro escrito, possibilita matemáticos quanto ao uso da calculadora
um olhar mais didático sobre como trabalhar com como recurso que possibilita o desenvolvimen-
a calculadora em sala de aula. to conceitual e de evidências empíricas a esse
Será que há diferença para a aprendiza- respeito, muitos professores, pais e estudantes
gem dos estudantes se a calculadora, ou seja, a posicionam-se diferentemente quanto à validade
representação decimal do resto, é utilizada antes do uso da calculadora nas aulas de Matemática,
ou depois da reflexão sobre o registro do resto conforme apresentado no estudo de Noronha
enquanto inteiro? Desdobrando essa questão: e Sá (2002), apresentado a seguir. Por desco-
resolver o problema primeiro com o papel e o nhecimento de possíveis usos desse recurso,
lápis e discutir o significado do resto poderia muitos resistem à sua introdução em sala de
contribuir para a reflexão das crianças ao usarem aula, pois julgam que a calculadora fará todo

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o trabalho no lugar do estudante, e este, assim, as dificuldades e desvantagens de uso, os con-


não desenvolverá sua compreensão de conceitos teúdos que julgam mais apropriados para serem
matemáticos. Parece haver um esquecimento de desenvolvidos com esse recurso didático, como
que a calculadora não funciona por si mesma, lidam com as propostas apresentadas nos livros
mas que é preciso que alguém dê os comandos didáticos, as experiências dos docentes utilizan-
do que ela efetuará, ou seja, ao resolver uma si- do a calculadora em sala de aula e o quanto suas
tuação por meio da calculadora, é preciso que o formações os haviam preparado para esse uso.
usuário escolha as operações a serem efetuadas,
que as execute apropriadamente e que, depois, O perfil dos professores entrevistados
reflita sobre a validade do valor obtido, pois pode
haver erros na escolha dos procedimentos ou no Foram efetuadas entrevistas com 40 profes-
manuseio na hora de efetuar os cálculos. sores de 4o e 5o anos de escolarização básica de
Num estudo realizado por Noronha e Sá dez escolas públicas e dez particulares. O objetivo
(2002) com professores brasileiros, observou-se foi fazer um levantamento de como se sentem os
que a justificativa mais frequente para a não- professores em relação ao uso da calculadora nos
recomendação do uso da calculadora em sala de anos iniciais do ensino fundamental, se efetiva-
aula foi a de que “o estudante ficará dependente mente propõem atividades com esse recurso e
da máquina” (justificativa apresentada por 89% como são as propostas por eles elaboradas.
dos docentes desfavoráveis ao uso da calculadora). Inicialmente, foram levantados dados
Outras justificativas frequentes foram: “a máquina sobre professores tanto das escolas públicas
de calcular tira o raciocínio do estudante” (dada por quanto das particulares. Observou-se que a
84% dos docentes) e “o estudante não aprenderá experiência de ensino deles era basicamente a
as quatro operações fundamentais” (apresentada mesma, pois o tempo de ensino variou de três a
por 55% dos professores). Os professores que se 28 anos nas escolas particulares e de cinco a 26
posicionaram favoravelmente ao uso da calcula- anos nas escolas públicas, e o tempo médio de
dora em sala de aula, apenas 0,23% a mais que os ensino dos professores da rede particular era de
que afirmaram serem desfavoráveis, apresentaram 17 anos de magistério e de 14 anos na rede públi-
como justificativa mais frequente (citada por 76% ca. Em relação à formação inicial e continuada,
dos professores favoráveis): “a calculadora ajuda a observou-se que os professores das duas redes
resolver com maior rapidez as operações mais com- de ensino possuíam, em sua maioria, formação
plicadas deixando mais tempo para o raciocínio superior, sendo que 20% da rede particular e
na resolução de problemas matemáticos”. Outras 30% da rede pública tinham continuado seus
justificativas favoráveis foram que “a calculadora estudos cursando pós-graduação e todos haviam,
está presente no dia a dia, portanto seria importante de alguma forma, se envolvido em atividades de
aprender a manuseá-la” (68%) e que “as calculado- formação continuada.
ras são boas para fazer contas, principalmente as Em seguida, foram realizadas entrevistas
mais longas” (58%). Deve-se, no entanto, ressaltar individuais com os professores. Algumas das
que esse equilíbrio entre o percentual de professo- questões colocadas foram:
res que foram favoráveis ao uso da calculadora e os
que não foram demonstra um avanço no sentido
 Que recursos você costuma utilizar nas
de incluir a calculadora na escola. Entretanto, é
suas aulas de Matemática?
surpreendente e até certo ponto contraditório que
 Você acredita ser importante usar a
um recurso tão amplamente utilizado na sociedade calculadora em sala de aula? Por quê?
seja ainda pouco explorado na escola.  Te m a l g u m ( n s ) c o n t e ú d o ( s ) d a
A seguir, discutiremos um estudo por nós Matemática no(s) qual(is) você
realizado no qual obtivemos resultados seme- acredita que pode ser indicado o uso
lhantes aos obtidos por Noronha e Sá (2002). da calculadora?
Esse estudo buscou observar, além das concep-  Você realiza as atividades propostas
ções dos professores quanto ao uso didático da no livro didático com seus estudantes?
calculadora, qual a importância que eles dão a Você propõe outras atividades? Se sim,
ela e as vantagens percebidas em sua utilização, quais?

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 Você vê alguma vantagem em usar a pelos livros didáticos a esse recurso no tratamento
calculadora em sala de aula? E quais do eixo números e operações. Algumas coleções,
seriam as desvantagens? inclusive, trazem como recurso auxiliar apenas o
 Para você, que dificuldade(s) pode material dourado, não se preocupando em apre-
encontrar ao usar a calculadora em sala? sentar outros recursos aos estudantes.
E o que pode ser feito para superar tal(is) A calculadora foi citada espontaneamente
dificuldade(s)? por apenas três professores da rede particular,
 Você acredita que os professores estão o que possibilita pensar-se que a maioria dos
preparados para usar a calculadora em professores não percebeu que ela também pode
sala de aula? ser um recurso de ensino para o aprendizado dos
significados e representações do número natural
A sistematização das respostas obtidas e racional, bem como da operacionalização den-
será apresentada a seguir. tro desses campos numéricos.
Recursos variados foram citados – tais
Os professores não indicam a como jogos, sucata e livro didático –, o que
denota um achado positivo, que é o reconheci-
calculadora como um recurso usual em
mento dos professores quanto à necessidade de
suas práticas utilização de recursos variados em sala de aula,
tanto para o ensino de números e operações
Ao citarem os recursos utilizados em suas quanto para o estudo da geometria (quando do
práticas de sala de aula, vários materiais foram uso de figuras geométricas e do tangrama) e das
elencados, como se pode observar na Tabela 1. grandezas e medidas (como na indicação de
réguas, fitas métricas e balanças).
Tabela 1: recursos utilizados por rede de ensino. Apenas três professores da rede particular
Recursos citados pelos professores Rede particular Rede pública
dos anos iniciais, entretanto, espontaneamente re-
Material dourado 11 14
Jogos 10 04
conheceram a calculadora como uma ferramenta
Sucata 04 09 de exploração dos diferentes eixos matemáticos:
Livro didático 04 07 números e operações, grandezas e medidas, ge-
Ábaco 05 06 ometria e tratamento da informação. Esse dado
Figuras geométricas/tangrama 08 -
indica que espontaneamente a calculadora ainda
Recortes de jornais/revistas 04 03
Régua/fita métrica 02 03
não é percebida por grande parte de professores
Calculadora 03 - como um recurso a ser utilizado nas aulas de
Quadro valor de lugar - 03 Matemática, principalmente na rede pública.
Filmes - 02 Quando diretamente questionados sobre a
Balança 01 01
utilização da calculadora em suas salas de aula, to-
Tabuada - 01
dos os professores da rede particular, com exceção
de um, indicou que faz uso desse recurso em suas
O recurso mais citado pelos professores
práticas. Quanto aos da rede pública, entretanto,
das duas redes de ensino foi o material dourado.
apenas cinco professores entrevistados afirmaram
Essa indicação sugere a ênfase que é dada ao eixo
terem utilizado a calculadora com os estudantes.
números e operações, uma vez que o Material
Esses professores relataram que utilizam tal re-
Dourado é um recurso que possibilita discutir
curso na sala de aula apenas quando é solicitado
o registro numérico no sistema de numeração
em atividades do livro didático.
decimal (SND), bem como trabalhar as operações
de adição, subtração, multiplicação e divisão –
tanto com números naturais quanto com números Os professores reconhecem a
racionais. O ábaco também foi citado com certa importância do uso da calculadora em
frequência, o que reforça a hipótese da importân- sala de aula
cia que se dá ao ensino de números e operações
na sala de aula dos anos iniciais de escolarização Apesar de não utilizarem frequentemente
básica. Essa grande incidência de citações ao ma- a calculadora em suas salas de aula, os pro-
terial dourado também reforça a priorização dada fessores reconheceram-na como importante e

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apresentaram, como pode ser visto na Tabela 2, Os professores consideram adequado


aspectos diferentes de sua importância. Eles re- trabalhar com a calculadora em
conheceram a calculadora como um recurso que conteúdos referentes a números e
faz parte do cotidiano das pessoas e, portanto,
operações
deveria ser discutido o seu uso em sala de aula,
pois os estudantes não podem deixar de aprender
Como pode ser observado na Tabela 3, o
a manusear um instrumento presente no dia a
conteúdo mais frequentemente apontado pelos
dia da maioria das pessoas.
professores no qual é possível trabalhar com a
calculadora foi a resolução de problemas aditivos
Tabela 2: importância do uso da calculadora para
e multiplicativos. Apenas um professor indicou
o trabalho em Matemática por rede de ensino.
ser possível trabalhar com a calculadora no en-
Aspectos considerados pelos professores Rede particular Rede pública
Domínio de um recurso tecnológico pre- 15 10
sino da geometria.
sente no dia a dia
Rapidez na realização de cálculos 09 10
Tabela 3: conteúdos que podem ser trabalhados
Verificação de resultados 06 08
Desenvolvimento de raciocínio lógico/ 07 05
com calculadora por rede de ensino.
auxílio no cálculo mental Conteúdos mencionados pelos Rede particular Rede pública
professores
Uso após apropriação das estruturas 03 09
matemáticas Situações-problemas envolvendo 04 11
estruturas aditivas e multiplicativas
Utilização como uma estratégia na 04 04
resolução de problemas Números decimais 04 08
Exploração de conceitos matemáticos 04 01 Cálculos com números altos 07 02
Expressões numéricas 07 -

Os professores apresentaram vantagens Porcentagem 02 01


Números fracionários - 02
diferenciadas do uso da calculadora no ensino:
Noções básicas do instrumento 02 -
enquanto possibilidade de realização rápida de Cálculo de áreas de figuras geométricas 01 -
cálculos (19 professores), de verificação de resul-
tados obtidos por outros meios, como cálculos Considerando as duas redes de ensino,
escritos ou mentais (14 professores), uma forma os professores julgam que as situações aditivas
viável de se resolver problemas (oito professo- e multiplicativas são adequadas para trabalhar
res), o desenvolvimento do raciocínio lógico e com a calculadora. Observando-se os professores
de conhecimentos matemáticos (12 professores), de escolas da rede particular, há uma ênfase na
exploração de conceitos matemáticos (cinco utilidade da calculadora para tratar números
professores). altos e expressões numéricas, ou seja, situações
Os resultados até aqui apresentados in- que exijam vários cálculos ou que tragam ope-
dicam, portanto, que os professores não citam rações entre números que envolvam maiores
espontaneamente o uso da calculadora em suas dificuldades em seus procedimentos ou na carga
salas de aula, mas reconhecem a importância da memória. Na rede pública, além das situações-
do uso desse instrumento na escola por ser problemas, os números decimais foram citados
um recurso tecnológico já usado no cotidiano por oito professores como sendo adequados ao
e conhecem, de alguma forma, a possibilidade trabalho com a calculadora. De fato, esse recurso
de usos desse recurso nas aulas de Matemática, pode ser um importante instrumento para que
principalmente relacionando a calculadora à os estudantes compreendam em quais situações
rapidez de cálculo e à verificação de resultados. números decimais se fazem presentes, de como
Apenas cinco professores consideram que a cal- estes surgem por meio da subdivisão de números
culadora pode auxiliar a exploração de conceitos inteiros e como há regularidade no sistema de
matemáticos. Questionamos, então, em quais numeração decimal, de tal modo que as regras
áreas os professores consideram ser possível e os princípios aplicados a números naturais
trabalhar com a calculadora. estendem-se aos números racionais.
Evidencia-se, assim, que os professores
possuem conhecimento sobre conteúdos viá-
veis de se trabalhar com a calculadora em sala
de aula, mas restringem, em geral, esse uso ao

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trabalho com números e operações e não eviden- As dificuldades apontadas pelos


ciam reconhecer que conteúdos de outros eixos professores no uso da calculadora
matemáticos também possam ser trabalhados
com esse recurso. Pode-se observar, na Tabela 5, que as dificul-
dades apontadas pelos professores da rede particu-
Os professores usam a calculadora lar eram de natureza diferente das apontadas pelos
quando recomendado pelo livro professores da rede pública. Apesar de calculadoras
didático, mas não planejam outras simples serem oferecidas no mercado a preços bem
atividades além das recomendadas reduzidos, os professores da rede pública aponta-
ram como maior dificuldade o acesso ao recurso,
Constatou-se, conforme pode ser observado ou seja, consideraram que os estudantes não têm
na Tabela 4, que quase todos os professores da condição de adquirir esse instrumento. Mesmo que
rede particular afirmaram usar a calculadora em seja verdadeira essa pressuposição, pode-se ques-
suas salas de aula quando a atividade proposta tionar se não é possível as redes públicas de ensino
pelo livro didático adotado envolvia esse recurso. equiparem as escolas públicas com calculadoras
Cinco dos 20 professores da escola pública afirma- em quantidades suficientes para um trabalho em
ram realizar as atividades propostas pelos livros suas salas de aula. Nesse caso, não há necessidade
didáticos com a calculadora. Essas atividades, de se considerar o número total de estudantes da
além de provavelmente serem em pequena quan- escola, mas sim a quantidade de turmas e a distri-
tidade, aliam-se a outras dificuldades específicas buição do horário de uso das calculadoras pelas
dessa rede de ensino para justificar o muito baixo diferentes turmas.
uso desse recurso nas salas de aula públicas.
Tabela 5: dificuldades encontradas com o uso
Tabela 4: uso da calculadora quando solicitado de calculadoras em sala de aula por rede de
no livro didático ou em atividades extras por ensino.
Dificuldades apontadas pelos professores Rede particular Rede pública
rede de ensino.
Os estudantes não têm acesso ao recurso 01 18
Questões colocadas aos professores Rede particular Rede pública
Os pais resistem ao uso da calculadora 07 01
Quantos realizam as atividades 19 05
Há uma diversidade de máquinas 05 -
propostas no livro?
possuídas pelos estudantes e diferentes
Quantos promovem novas atividades? 09 03 manuseios destas
Nem todos os estudantes trazem a 03 01
calculadora quando esta é solicitada
Nove professores da rede particular e três
Os estudantes querem utilizar sempre a 02 -
da pública afirmaram promover outras atividades calculadora na realização de operações

com a calculadora, além das propostas pelo livro Os estudantes querem brincar com a 02 -
calculadora
didático. As atividades extras mais frequente- O(a) professor(a) não tem orientação - 01
mente listadas eram de compra e venda, em que pedagógica para o uso da calculadora em
sala de aula
se exploravam situações aditivas e multiplicati- Nenhuma dificuldade encontrada 02 -
vas. Pouca evidência há de que os professores
conhecem atividades específicas de uso da cal- De modo diferente, os professores da rede
culadora para o aprendizado matemático. particular apontaram a resistência dos pais e a
Acredita-se que o uso da calculadora em sala diversidade de máquinas de calcular, seus manu-
de aula será incrementado se os livros didáticos seios diversificados e o não trazer o instrumento
propuserem atividades diversificadas com esse re- quando solicitado, como os fatores que mais
curso e orientarem os professores sobre o propósito dificultam o uso da calculadora em sala de aula.
do uso da calculadora nessas atividades. Assim, os Nesse sentido, ações tornam-se necessárias para
manuais de professores que acompanham livros superar essas dificuldades, tais como reuniões
didáticos poderiam trazer uma discussão maior com pais para discutir usos pedagógicos das
sobre como a calculadora pode ser utilizada em máquinas de calcular, a solicitação de aquisição
sala de aula, apresentando sugestões de atividades – pelos pais ou pela escola – de modelos simila-
a serem desenvolvidas de forma complementar às res de calculadoras para facilitar a realização de
atividades propostas no livro didático. trabalhos em sala de aula e viabilizar a presença

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do recurso (seja informando aos pais os dias de Os professores não se consideram


uso da calculadora, seja providenciando-se um preparados para o uso da calculadora
espaço de armazenamento das máquinas). em sala de aula
Os professores acreditam que o uso da As respostas dadas pelos professores
calculadora em sala de aula pode levar quanto a seu preparo para o uso da calculadora
à preguiça mental, à dependência e à podem ser observadas na Tabela 7, a seguir.
acomodação dos estudantes A maioria dos professores das duas redes
de ensino afirmou que não se sente segura em
Os professores das redes particular e pública utilizar a calculadora em sala de aula, e apenas
de ensino concordam no que diz respeito à princi- dois professores se posicionaram afirmando que
pal desvantagem do uso da calculadora em sala de sua formação os havia preparado suficientemente
aula, como se pode observar na Tabela 6. Os docen- bem para esse trabalho. Alguns poucos afirmaram
tes apontam que esse uso pode levar o estudante a que o preparo havia sido mínimo ou que a escola
depender da máquina e não se esforçar em realizar na qual atuavam os havia preparado para essa prá-
corretamente cálculos necessários à resolução de tica. Dois professores julgaram que o livro didático
problemas. Os professores também apontaram adotado estava preparando-os para esse uso.
como desvantagem que o uso da calculadora pode
enfatizar apenas a resposta de problemas (três pro- Tabela 7: preparação para o uso de calculadoras
fessores da rede particular e quatro da pública) e em sala de aula por rede de ensino.
Rede particular Rede pública
não seu processo de resolução (apontado por mais Como os professores se sentem
15 18
Não se sentem seguros para usar a
um professor da rede particular). calculadora
Sentem-se seguros - 02
02 -
Tabela 6: desvantagens de usar a calculadora em Em sua formação, foram um pouco
preparados
sala de aula por rede de ensino. Sentem-se preparados pela escola 01 -
Desvantagens apontadas pelos Rede particular Rede pública onde atuam
professores Orientam-se pelo livro didático 02 -
Leva o estudante à preguiça mental, 13 15
dependência e acomodação
Há ênfase nos resultados obtidos 03 04 Pode-se inferir, dessa forma, que o pou-
O estudante não aprende outros 01 06 co uso da calculadora em sala de aula deve-se
processos de resolução
primordialmente à falta de segurança do(a)
Não são definidos critérios de uso 02 01
Não dá para analisar o processo de 01 -
professor(a) sobre essa utilização, uma vez que,
raciocínio utilizado pelo estudante em seus processos de formação, a calculadora tem
Não há desvantagens 01 -
sido uma questão pouco abordada ou ausente.
Com o objetivo de contribuir para a for-
Evidencia-se, assim, que os professores mação de professores, apresentaremos, a seguir,
não se sentem, ainda, seguros sobre formas de propostas de atividades com a calculadora que
trabalhar com a calculadora, pois se revelam podem ser vivenciadas junto a estudantes nos
receosos de que se inviabilize a aprendizagem anos iniciais de escolarização básica.
de procedimentos de cálculo por parte dos estu-
dantes. Também não se sentem seguros quanto a
Atividades que podem ser desenvolvidas
formas de acompanhar os procedimentos dos es-
tudantes no uso da calculadora. Essas inseguran- com a calculadora em sala de aula dos
ças são confirmadas através de depoimentos de anos iniciais de escolarização
professores quando mencionam suas formações
– sejam iniciais, sejam continuadas – nas quais As atividades com o uso da calculadora
o uso da calculadora não foi suficientemente que serão apresentadas a seguir visam:
abordado (por exemplo: “...não trabalho com a • à exploração/manuseio do teclado e das
calculadora porque nunca tive orientação sobre funções da calculadora;
como fazer”; “...os livros trazem a calculadora, • ao alívio de carga operacional por meio do
mas nunca foi abordado em formação”). uso da calculadora;

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• à conferência/comparação/confronto  para que serve a tecla CE?


d e r es u l t a dos obtidos por outros  como podemos checar se a calculadora
procedimentos de cálculo; está funcionando corretamente?
• à exploração de conceitos;  como se realizam as quatro operações
• à diversão. usando a calculadora?
 se desejar-se repetir uma mesma operação
Exploração/ manuseio do teclado e das por diversas vezes, como se pode fazer isso
funções da calculadora com o mínimo uso do teclado?
 como se usam as teclas de memória?
Sugere-se que, inicialmente, os estudantes  você fez alguma outra descoberta ao
manuseiem a calculadora livremente e discutam, explorar o teclado de sua calculadora?
em pares ou pequenos grupos, quais as funções
presentes no teclado. Pode-se, a seguir, explorar Alguns livros didáticos – em seus ma-
essas funções por meio de questionamentos, nuais do professor – sugerem qual deve ser
tais como: a primeira atividade com a calculadora a ser
desenvolvida com os estudantes. A figura que
 você sabe para que servem todos os segue é um exemplo dessa possibilidade de
teclados de sua calculadora? exploração inicial do teclado e das funções da
 como se liga e se desliga a calculadora? calculadora.

Figura 1: exemplo de sugestão de atividade introdutória, extraído do Manual do Professor


da Coleção Colibri, de autoria de Áurea Darin. Editora IBEP, 2001, v.1, p.71.

A partir dessa atividade, os estudantes operacionalização, não seja necessário iniciar-se


descobrirão, ou relembrarão, que a tecla ON novamente um cálculo se houve erro na digitação
liga a calculadora e a tecla OFF – quando ela apenas da última entrada.
houver – desliga. Os estudantes também poderão Os estudantes podem, então, discutir
perceber a diferenciação do uso das teclas C e formas de verificar que a calculadora está funcio-
CE, sendo que a primeira limpa o visor quando a nando adequadamente. Uma maneira é realizar
calculadora está em uso e a última apaga apenas a as operações 789 - 456 e 456 - 123, ou seja, sub-
última entrada. Dessa forma, poderá ser discutida trair do número formado pela primeira carreira
a utilidade da tecla CE, que possibilita que, na horizontal o segundo número, e do segundo

58 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

número, o terceiro número. Nos dois casos, o o número resultante de adições e subtrações à
resultado obtido – se a calculadora estiver fun- memória.
cionando corretamente – é 333. Operações cujos Essa exploração inicial do teclado e das
resultados são conhecidos pelo aluno e pelo funções da calculadora se faz necessária também
professor também podem ser realizadas como para que outros possíveis usos da calculadora em
forma de verificar o correto funcionamento da sala de aula sejam viabilizados.
máquina.
A Figura 2 é um exemplo de como os O alívio de carga operacional por meio
estudantes podem explorar a realização das ope- do uso da calculadora
rações aritméticas por meio da calculadora.
Quando se deseja que a realização de
operações aritméticas não seja um empecilho
à compreensão de outros conteúdos matemáti-
cos, a calculadora mostra-se um recurso muito
útil. Assim, pode-se garantir que os estudantes
efetuem corretamente operações por meio da
calculadora e a discussão concentre-se nos re-
sultados obtidos.
Uma possibilidade de alívio de carga
operacional é o de exploração de tabelas e gráfi-
cos – conteúdo incluído no eixo tratamento da
informação. Na Tabela 8, por exemplo, pode-se
utilizar a máquina para calcular os crescimentos
em termos absolutos de cada um dos estados
do Nordeste brasileiro e comparar esses cres-
cimentos – absolutos ou relativos (em termos
percentuais) dos estados entre si.
Figura 2: exemplo de atividade de exploração de
teclado, extraído da Coleção Colibri, de autoria Tabela 8: população do Nordeste de 2001 a 2004,
de Áurea Darin. Editora IBEP, v.1, 2001, p.227. segundo as Unidades da Federação (Dados do
IBGE).
Unidades da 2001 2002 2003 2004
Os estudantes podem, em pequenos gru- Federação
pos, perceber que se uma mesma operação deve Maranhão 5.777.948 5.858.618 5.940.079 6.021.504
ser efetuada diversas vezes, basta apertar a tecla Piauí 2.889.071 2.918.280 2.947.776 2.977.259

da igualdade seguidamente e esta operacionali- Ceará 7.617.246 7.736.257 7.856.436 7.976.563


RG Norte 2.840.124 2.880.527 2.921.326 2.962.107
zação repetida será efetuada. Se, por exemplo,
Paraíba 3.486.387 3.513.534 3.540.948 3.568.350
for teclado 3 X 2 = = = , será obtido 54, que é Pernambuco 8.056.963 8.145.381 8.234.666 8.323.911
o resultado da operacionalização repetida (X 3), Alagoas 2.876.723 2.911.232 2.946.079 2.980.910
ou seja, 3 X 2 = 6, e esse resultado multiplicado Sergipe 1.835.785 1.868.513 1.901.561 1.934.596

mais duas vezes por 3 resulta em 54 (6 X 3 = 18 Bahia 13.275.193 13.409.108 13.544.336 13.682.074

e 18 X 3 = 54).
Em anos de escolarização mais avançados, O uso da calculadora, nesse caso, aliviará
os estudantes podem explorar o uso das teclas de a carga de operacionalização, ou seja, não se terá
percentual e de raiz quadrada, para verificar os preocupação com a realização das operações,
resultados obtidos por meio de seus usos. mas concentrar-se-á a discussão em função dos
As teclas de memória são bastante úteis e, resultados obtidos, garantindo que os estudantes
a partir da sua exploração, os estudantes podem poderão efetuar a leitura e interpretação correta
descobrir que a tecla M+ serve para adicionar dos dados mostrados na tabela.
números à memória da calculadora, com a te- Um outro exemplo de possibilidade de
cla M- subtraem-se números da memória, e a uso de calculadora para alívio de carga de opera-
partir do uso da tecla MRC é mostrado no visor cionalização é apresentado a seguir. A atividade

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 59


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

busca uma articulação entre os eixos números seus significados. Se a calculadora não for utilizada,
e operações, grandezas e medidas e tratamento os estudantes poderão gastar muito tempo na rea-
da informação. Os estudantes de duas turmas – lização das operações e perderão de vista os focos
denominadas A e B – ou uma turma única sub- centrais dessa atividade: levantamento e registro de
dividida em dois grupos – também denominados dados e cálculo da média aritmética de alturas.
de A e B – efetuarão o levantamento das alturas
das meninas e dos meninos que fazem parte da(s) A conferência/comparação/confronto
turma(s). Ao serem efetuadas as medições, os de resultados obtidos por outros
resultados serão registrados numa tabela, como
procedimentos de cálculo
a Tabela 9. Em seguida, serão efetuados os cál-
culos – com uso da máquina de calcular – das
Educadores matemáticos (por exemplo,
alturas médias das meninas e dos meninos – de
VERGNAUD, 1987; NUNES; BRYANT, 1997)
cada turma e dos gêneros como um todo.
têm defendido que o uso de formas variadas
de representação simbólica (oral, desenhos,
Tabela 9: exemplo de atividade de uso da calcu-
algoritmos, entre outras formas) pode auxiliar
ladora para alívio de carga de operacionalização
os estudantes em seus desenvolvimentos mate-
que articula números e operações, grandezas e
máticos, uma vez que as diferentes formas de
medidas e tratamento da informação.
representação evidenciam aspectos distintos
Alturas das meninas Alturas dos meninos
Turma A Turma B Turma A Turma B
dos conceitos. Dessa maneira, a calculadora
pode ser utilizada para que os estudantes rea-
lizem cálculos por meio de uma representação
simbólica e que confrontem os resultados por
eles obtidos com os resultados mostrados na
... ... ... ...
Altura média Altura média Altura média Altura média
calculadora, conferindo se os mesmos resulta-
das meninas da das meninas da dos meninos da dos meninos da dos foram obtidos e discutindo diferenças que
Turma A = Turma B = Turma A = Turma B =
Altura média das meninas = Altura média dos meninos =
possam vir a aparecer.
Um exemplo de atividade dessa natureza
A partir dos resultados alcançados, os estu- mostra-se na Figura 3, a seguir. Nela, solicita-
dantes poderão discutir os significados dos números se que os estudantes realizem as operações na
obtidos, ou seja, o que representa a altura média das calculadora, mas nós sugerimos uma adaptação
meninas e dos meninos da Turma A e da Turma à atividade, ou seja, que os estudantes façam
B, bem como a altura média de todas as meninas inicialmente uma estimativa dos valores que
e todos os meninos. Esse é mais um exemplo de serão obtidos em cada um dos itens da questão
atividade na qual o uso da calculadora garante a e que, após o registro dessas estimativas, rea-
obtenção correta de resultados e alivia a realização lizem as operações na calculadora e observem
de operações por parte dos estudantes para que estes o quanto suas estimativas se aproximaram dos
concentrem suas atenções nos resultados obtidos e valores exatos.

Figura 3: exemplo de atividade de verificação de resultados extraída da Coleção Pensar e Viver,


de autoria de Ana Maria Bueno. Editora Ática, v.3, 2003, p.140.

Atividades de estimativa também podem do uso da calculadora, podem-se comparar as


ser feitas no estudo de grandezas geométricas, ou estimativas realizadas com os valores exatos
seja, dadas algumas medidas lineares, estimam- obtidos na máquina.
se os valores de áreas e de volumes e, por meio

60 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

A exploração de conceitos ção, sobre o tratamento a ser dado ao resto em


problemas de divisão e propuseram intervenções
Este é um dos usos mais importantes da cal- no sentido de superar dificuldades evidenciadas.
culadora como ferramenta de ensino. A exploração A proposta consistia basicamente em solicitar
de padrões em operações realizadas na calculadora que os estudantes comparassem os resultados
pode auxiliar os estudantes na compreensão do obtidos em operações, como as que seguem, a
sistema de numeração decimal (SND) e das opera- serem realizadas com o uso de lápis e papel e
ções aritméticas. Pode-se, por exemplo, pedir aos por meio da calculadora.
estudantes que registrem os resultados obtidos na
calculadora para as operações que seguem: 24:2 24:4 37:2 37:4 45:2 45:4

1003 + 1 1003 + 10 1003 + 100 1003 + 1000 Dessa forma, os estudantes podiam per-
2341 + 1 2341 + 10 2341 + 100 2341 + 1000 ceber como os resultados variavam em função
999 + 1 999 + 10 999 + 100 999 + 1000
de serem pares ou ímpares ou de se estar divi-
dindo por 2 ou por 4, observando como restos
A partir da observação dos padrões obti- de divisões poderiam ainda ser subdivididos,
dos nos resultados das operações realizadas na resultando em números decimais.
calculadora, os estudantes poderão refletir sobre Mais um exemplo de exploração concei-
o valor posicional dos números no nosso sistema tual no eixo números e operações, que pode ser
de numeração. A realização das operações na cal- realizada com o uso da calculadora, são os casos
culadora terá, nessa atividade, a função de garan- de ‘teclas quebradas’ nas quais se solicita que os
tir que os resultados obtidos são corretos (senão estudantes realizem operações sem usar algumas
fica impossibilitada a observação de padrões) e das teclas da máquina. Pode-se, por exemplo,
aliviará a carga da operacionalização, pois o que afirmar que os estudantes devem imaginar que a
se deseja focar são os resultados obtidos ao se adi- tecla ‘6’ da calculadora está quebrada e solicitar
cionar uma unidade, uma dezena, uma centena e que realizem as operações que seguem:
um milhar, e não, propriamente, nesse caso, se os
estudantes são capazes de realizar corretamente 36 X 298 = 5062 – 978 = 5387 + 2666 =
os procedimentos de cálculo.
Semelhantemente, a observação de pa- Diferentes formas de superar o não-uso de
drões das seguintes sequências de operações determinada tecla, nesse caso a tecla ‘6’, fazem
poderá auxiliar os estudantes na compreensão surgir diferentes procedimentos que eviden-
da extensão da regularidade do SND, quando ciam conhecimentos do sistema de numeração
se extrapola o campo dos números naturais e se decimal (quanto à composição e decomposição
trabalha com números racionais: de valores, entre outros) e das propriedades das
operações aritméticas.
35,25 + 10 35,25 + 1 35,25 + 0,1 35,25 + 0,01 Outras explorações conceituais podem
70,00 + 10 70,00 + 1 70,00 + 0,1 70,00 + 0,01 envolver outros eixos matemáticos, tais como a
observação do valor obtido a partir da adição dos
Essas explorações podem ser efetuadas valores dos ângulos internos de figuras geomé-
tanto utilizando-se números isolados, como tricas; a manutenção ou variação em valores de
descritos acima, quanto usando-se números in- perímetros e áreas de figuras; o cálculo de proba-
seridos em contextos de medidas de grandezas, bilidades em distintos espaços amostrais, etc.
como, por exemplo, 35,25 metros – nos quais se
pode explorar, junto aos estudantes, o significado
Diversão
de 0,25 metro, ou seja, um quarto de metro, ou,
ainda, 25 centímetros.
Como o ambiente escolar pode ser também
Outro exemplo de exploração conceitual
um local no qual as brincadeiras e jogos se fazem
pode ser o de atividades envolvendo a divisão
presentes, a calculadora pode ser um recurso a
com resto. Borba e Selva (2007) e Selva e Borba
partir do qual os estudantes se divertem e apren-
(2005) analisaram a compreensão de crianças de
dem por meio de atividades lúdicas.
3ª e 5ª séries, atuais 4º e 6º anos de escolariza-

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 61


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Uma das brincadeiras pode ser a de escre- Considerações finais


ver palavras colocando a calculadora de cabeça
para baixo e utilizando os algarismos invertidos O levantamento realizado, apresentado
como letras. Ao posicionar a calculadora de ca- e discutido neste artigo, reforça resultados de
beça para baixo, os estudantes poderão perceber estudos anteriores (como os de NORONHA;
semelhanças dos algarismos com letras, como as SÁ, 2002), no sentido de que há um sentimento
que seguem: conflituoso dos professores em relação ao uso
da calculadora. Os professores afirmam reco-
1=I 3=E 5=S 7=L 8=B 9=G 0=O nhecer a necessidade do uso dessa ferramenta e
apontam vantagens e desvantagens de seu uso,
A partir dessas semelhanças, podem ser mas não têm feito uso sistemático desse recurso
escritas palavras como: em suas salas de aula. Dificuldades relativas ao
BELO OLHE BOLSO OI SEI HEHEHEHE custo, à aceitação por parte dos familiares, ao
BOLO LOBO SEBO SELO GOL BOBO desestímulo ao raciocínio ainda aparecem nas
BLOG GLOBO respostas, mas não se sustentam ao se analisarem
as possibilidades de uso que podem ser feitas a
Outra brincadeira é a de desafiar os es- partir do uso da calculadora.
tudantes para verem quem consegue realizar as O que se evidencia no conjunto de análises
atividades a seguir no menor tempo possível. realizadas é que os professores reconhecem que a
calculadora não pode ser deixada de lado no pro-
 Apenas com as teclas AC, X, +, =, 2 e 3, cesso de aprendizagem matemática e estão cientes
vejam quantos minutos vocês levam para de que as atividades de uso da calculadora devem
encontrar os seguintes números: 6, 7, 8, ser bem pensadas, com objetivos claros, de modo
10, 12, 15, 20, 50. a auxiliarem nos avanços dos estudantes e não os
prejudicarem de alguma forma em seus desen-
Alguns desafios específicos podem surgir, volvimentos. Entretanto, os estudantes sentem-se
tais como: inseguros para lidar com esse recurso em sala de
Qual o mínimo de teclas a serem utilizadas aula, alegando pouco conhecimento sobre como
para se chegar a 50 apenas usando as planejar atividades envolvendo a calculadora.
teclas acima? Faz-se necessário que os cursos de forma-
ção inicial e continuada abordem os usos diversi-
Outro exemplo de desafio pode ser ficados da calculadora, levando os professores a
observado a seguir, que envolve números refletirem sobre as possibilidades didáticas dessa
maiores e também negativos: ferramenta e que os levem à experimentação de
diferentes atividades de ensino envolvendo a
 Apenas com as teclas M-, MRC, AC, X, –, =, calculadora. Essas atividades podem ser viven-
2 e 5, vejam quantos minutos vocês levam ciadas em propostas de ensino de diferentes
para encontrar os seguintes números: -3, eixos e conteúdos matemáticos, aproveitando-
-10, 1, 3, 10, 24, 32, 100 e 625. se proposições dos livros didáticos adotados
e ampliando-se o uso para outras atividades
Os desafios podem ser encarados como planejadas pelos professores – seja em propostas
momentos de lazer e divertimento, mas também a serem vivenciadas em uma sala de aula, num
proporcionam momentos de reflexão sobre como conjunto de salas da mesma série ou até mesmo
organizar operações por meio de um número res- envolvendo-se a escola como um todo.
trito de algarismos e de funções da calculadora. A segurança que a formação proporcio-
Essas atividades sugeridas podem ser nará aos professores fará com que busquem me-
adaptadas para a realidade de salas de aula de canismos de viabilização do uso da calculadora
professores(as) do 1º ao 5º ano dos anos iniciais em sala de aula. Sentir-se-ão, então, seguros na
de escolarização, de acordo com o nível dos es- argumentação junto aos pais dos estudantes
tudantes de cada ano e dos objetivos de ensino quanto à importância da calculadora e na defesa
que se desejam alcançar. da aquisição e uso dessa ferramenta. Planejarão,

62 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

assim, atividades que auxiliem os estudantes tinuada: “Aprofundando a Língua Portuguesa e


em seus desenvolvimentos matemáticos e que Matemática”. RSSSB, dez. 1997.
utilizem a calculadora, que é um recurso já BORBA, Marcelo. Tecnologias informáticas na
conhecido e presente na atualidade. Ao mesmo Educação Matemática e reorganização do pensa-
mento. In: BICUDO, M. A. V. (org.). Pesquisa em
tempo, considera-se que, na medida em que o Educação Matemática: concepções e perspectivas.
uso de tecnologias se torne mais frequente nas São Paulo: Editora UNESP, 1999.
propostas de atividades dos livros didáticos, isso
BORBA, Marcelo; PENTEADO, Miriam. Infor-
também reforçará para o professor a necessidade mática e Educação Matemática. Belo Horizonte:
de conhecer e se apropriar de tais ferramentas, Autêntica, 2005. Coleção Tendências em Educação
impulsionando a discussão sobre essa temática Matemática.
no meio acadêmico e escolar. BORBA, Rute; SELVA, Ana. Children’s difficulties
Também devemos salientar que há algum in dealing with remainders in division problems.
tempo havia uma escassa quantidade de inves- In: XII Conferencia Interamericana de Educación
tigações envolvendo o uso da calculadora em Matemática. Anais da XII Conferencia Interameri-
cana de Educación Matemática, Querétaro. 2007.
sala de aula, que poderiam servir como subsí-
dios para os professores e educadores de forma BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
geral. Assim, a pouca produção e discussão no Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática/
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
meio científico sobre as possibilidades de uso MEC-SEF, 1997.
da calculadora e sua contribuição para a com-
GROVES, Susan. The effect of calculator use on
preensão dos conceitos matemáticos também third and fourth graders’ computation and choi-
podem ter contribuído para que essa insegu- ce of calculating device. In: PME 18, v.3. Lisboa/
rança de professores não tenha sido superada. Portugal, 1994.
Contudo, pode-se afirmar que o cenário atual MEDEIROS, Kátia. A influência da calculadora
vem modificando-se. Além de educadores, de na resolução de problemas matemáticos abertos.
modo geral, reconhecerem a importância das Revista da Sociedade Brasileira de Educação
relações entre o que se ensina na escola com as Matemática. Recife; UFPE, 2000.
experiências de vida e necessidades impostas NORONHA, C.; SÁ, P. A calculadora em sala de
pela sociedade, encontra-se, hoje, no centro das aula: por que usar. In: CUNHA, E.; SÁ, P. (orgs.).
discussões de pesquisadores da área de Educação Ensino e Formação Docente. Belém, 2002.
Matemática (ver, entre outros, BRASIL, 1997; NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. Learning and
RUTHVEN, 1999; BIGODE, 1997; BORBA; PEN- teaching mathematics: an international perspec-
tive. London: Psychology Press, 1997.
TEADO, 2005; SELVA; BORBA, 2005; BORBA;
SELVA 2007), a importância de inclusão do uso RUTHVEN. R. Calculator use by upper-primary
de recursos tecnológicos na escola, ampliando o pupils tackling a realistic number problem. In:
PME 21, v.4, Finlândia, 1999.
universo escolar e garantindo uma aprendizagem
conectada às demandas do mundo atual. SELVA, Ana; BORBA, Rute. O uso de diferentes
representações na resolução de problemas de
divisão inexata: analisando a contribuição da cal-
Referências culadora. Boletim GEPEM, n.47, jul./dez. 2005.
VERGNAUD, Gérard. Conclusions. In: JANVIER,
BIGODE, Antônio José Lopes. Explorando o uso C. (ed.). Problems of representation in the teach-
da calculadora no ensino da Matemática. In: ing and learning of mathematics. Hillsdale, N. J.:
Projeto SESC Ler – Encontro de Formação Con- Lawrence Erlbaum, 1987.

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – Professora adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e da Pós-Graduação
em Educação Matemática e Tecnológica, Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco.
Ana Coelho Vieira Selva – Professora adjunta do Departamento de Psicologia e Orientação Educacional e da Pós-Graduação
em Educação Matemática e Tecnológica, Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco.

Recebido em: 03/09/2009


Concluído em: 27/10/2009

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 63


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

64 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


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TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: EXEMPLOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Didactic Transposition: Examples in Mathematics Education

José Carlos Pinto Leivas


Helena Noronha Cury

Resumo that one of the problems of education is the


distance between the discussed topics, the
Neste trabalho, apresentamos alguns conceitos reality in which the student lives and the source
oriundos da Didática Francesa como um campo of knowledge to teach. In the transformation
do saber e como uma área em que o principal of an object of knowledge in a teaching object,
objetivo é o ensinar. Trataremos mais diretamente emerge didactic creations, which are generated
da transposição didática definida por Chevallard, by the needs of education. In this paper, we
considerando que um dos problemas do ensino detail two examples of such creations, quoted
está no distanciamento entre os conteúdos by Chevallard. At first, we have the “great
abordados, a realidade em que vive o aluno cosine” and “great sine”, terms that were used in
e a origem do conhecimento a ensinar. Na Elementary French School and, however, have no
transformação de um objeto de saber a ensinar em parallel in Brazilian education, but whose origin
objeto de ensino, surgem as criações didáticas, as can bring a contribution to the mathematics
quais são geradas pelas necessidades do ensino, teacher education. In the second example, we
e este nosso trabalho consiste em detalhar dois detail another didactic creation, also mentioned
exemplos citados por Chevallard sobre tais by Chevallard, which is the concept of distance
criações. No primeiro, temos o “grande cosseno” between two points, and for this we use the
e o “grande seno”, os quais foram utilizados na Euclidean metric and a non euclidean one.
escola básica francesa e que, entretanto, não têm
paralelo no ensino brasileiro, mas cuja origem Keywords: Didactic transposition. Didactical
do conhecimento bruto pode trazer contribuição creations. Great cosine and great sine. Distance.
para a formação do professor de Matemática.
No segundo exemplo, detalhamos uma segunda Introdução
criação didática citada por Chevallard que é o
conceito de distância entre dois pontos, e para A Matemática, ao longo dos séculos, tem
tal utilizamos a métrica euclidiana e uma não
se defrontado com algumas tentativas de ino-
euclidiana.
vação em seu ensino, algumas das quais foram
Palavras-chave: Transposição didática. Criação bem aceitas e produziram resultados positivos
didática. Grande cosseno e grande seno. para a aprendizagem, outras, nem tanto; algumas
Distâncias. foram rejeitadas momentaneamente, e outras,
definitivamente.
Abstract Schubring (1999), ao tratar sobre reformas
curriculares, por exemplo, afirma que elas não
This paper presents some concepts from the são recentes e destaca o papel desempenhado na
French Didactic, more specifically the didactic Alemanha por Félix Klein (1849–1925), tendo
transposition, defined by Chevallard, considering esse matemático idealizado reformas a partir das

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 65 a 74 65


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

universidades, seguidas por renovações no nível efetivamente, o significado das expressões por
médio em escolas técnicas. ele criadas.
Sendo a Matemática considerada uma área Neste texto, vamos explorar a noção de
“dura” do conhecimento, as tentativas de mudan- “transposição didática” e trazer alguns exemplos
ça no seu ensino esbarram, algumas vezes, em propostos por Chevallard, detalhando os passos
oponentes às propostas, como, por exemplo, o de transformação do saber matemático.
que ocorreu a partir da década de 50 nos Estados
Unidos com o grupo School Mathematics Study Transposição didática
Group (SMSG), empenhado, em particular, na
renovação do ensino de Geometria. Nessa épo- Para falar de conceitos oriundos da chama-
ca, foi editado um texto denominado Geometry, da Didática Francesa, é necessário, primeiramen-
escrito por Edwin E. Moise e Floyd L. Downs Jr, te, conceituar esse campo do saber. De maneira
utilizando recomendações de comissões sobre geral, a Didática tem sido entendida como a
Matemática e seu ensino, o que era um dos obje- ciência e a arte de ensinar. No entanto, alguns
tivos do grupo SMSG. Essa obra, de certa forma autores especificam esse conceito amplo, como,
resultado do movimento Matemática Moderna, por exemplo, Martins (1988), que considera ser
teve seus reflexos no Brasil, na década de 70 do a Didática “a direção da aprendizagem numa
século XX. perspectiva multidimensional onde se articu-
A partir dos resultados negativos oriundos lam harmoniosamente as dimensões humana,
do movimento da Matemática Moderna surgiram técnica e político-social.” (p.63). Diferencia-se
nos Estados Unidos alguns movimentos buscan- da Metodologia do Ensino, que é “o conjunto de
do um retorno ao ensino tradicional, e outros métodos e técnicas que são utilizados a fim de
buscando métodos de ensino e de conteúdos que o processo ensino-aprendizagem se realize
alternativos. Entre as publicações americanas com êxito.” (p.184).
que têm influenciado as mudanças curriculares Já D’Amore (2007) discute várias defini-
brasileiras, estão o Curriculum and Evaluation ções de Didática, para em seguida fixar-se na
Standards, lançado originalmente em 1989. Kil- Didática da Matemática, afirmando, inicialmen-
patrick, membro atuante do National Council of te, que essa é uma disciplina autônoma, “nem
Teachers of Mathematics americano (NCTM), em Didática geral, nem Matemática” (p.29). O autor
palestra realizada em um evento realizado em considera que hoje a Didática da Matemática
Portugal, em 2008, questiona se os Standards ou pode ser vista de duas maneiras: “como divul-
normas para a Matemática escolar nos Estados gação de ideias, fixando a atenção na fase do
Unidos constituíram uma reforma ou uma nova ensino”, que ele chama de Didática A, e “como
reforma, pois as pretendidas mudanças não pesquisa empírica, fixando a atenção na fase de
ocorreram naquele país ou, pelo menos, ocor- aprendizagem”, a Didática B. (Ibid., p.37).
reram de forma diferente do que previam seus Pais (2001) preocupa-se em distinguir
promotores. Ele justifica que apenas 10% dos entre as expressões “Educação Matemática” e
professores foram envolvidos em tais reformas “Didática da Matemática”. Segundo ele, no con-
e que sempre houve muitas reações a mudanças texto brasileiro, pode-se dizer que
em seu país.
Nos anos seguintes à introdução da Mate- A didática da matemática é uma
mática Moderna na França, alguns matemáticos, das tendências da grande área de
educação matemática, cujo objeto de
psicólogos e educadores matemáticos criaram
estudo é a elaboração de conceitos e
os Instituts de Recherche sur l´Enseignement teorias que sejam compatíveis com
des Mathématiques (IREM), ou seja, Institutos a especificidade do saber escolar
de Pesquisa sobre o Ensino de Matemática. En- matemático, procurando manter
tre os mais conceituados pesquisadores desses fortes vínculos com a formação
de conceitos matemáticos, tanto
institutos está Yves Chevallard, do IREM de em nível experimental da prática
Aix-Marseille, e muitas de suas ideias e con- pedagógica, como no território
ceituações são mencionadas em livros da área teórico da pesquisa acadêmica.
de Educação Matemática sem que saibamos, (p.11)

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Entretanto, apresentando o objetivo que engloba esse sistema e do qual fazem parte
de seu livro, o autor afirma que vai analisar os pais, os matemáticos e os representantes das
a “linha francesa da didática da matemática, instâncias políticas e administrativas, debatendo
procurando destacar uma de suas características propostas. Assim, resumindo, diz o autor que
principais: a formalização conceitual de suas
constatações práticas e teóricas.” (PAIS, 2001, [...] estamos aqui na esfera onde
p.9). É nesse contexto que se situa o conceito de se pensa – segundo modalidades
talvez muito diferentes – o
“transposição didática” que vamos apresentar funcionamento didático. [...] Na
nesse texto. noosfera, pois, os representantes
Um dos problemas do ensino de conteú- do sistema de ensino, com ou sem
dos matemáticos é o distanciamento entre o con- mandato (desde o diretor até o
professor militante), se encontram,
teúdo abordado, a realidade do aluno e as origens direta ou indiretamente [...] com
do conhecimento em questão. A apresentação os representantes da sociedade.
axiomática parece simplificar o ensino, pois os (CHEVALLARD, 1985, p.23-24.
conteúdos são articulados em uma sequência Grifos do autor)
rígida, em que toda nova definição depende
das anteriores, todo teorema exige que já esteja Chevallard (1985) representa o conceito
aceito certo número de axiomas e demonstradas de noosfera por meio de um esquema, adaptado
as proposições das quais ele depende. na Figura 1, a seguir:
De certa forma, talvez por ser a axiomática
euclidiana o modelo para o ensino de Matemática
por tantos séculos, esse tipo de apresentação é
considerado pelo professor como o mais fácil,
pois lhe dá a sensação do “dever cumprido”,
tendo mostrado a construção de um determina-
do saber sábio. No entanto, muitas vezes esse
professor esquece que Euclides organizou os Figura 1: representação da noosfera1.
ensinamentos de sua época, cientificamente, e
que apresentações desse tipo sempre são feitas Para Chevallard (1985, p.39), “Todo projeto
a posteriori, depois que um determinado conhe- social de ensino e de aprendizagem se constitui
cimento já foi trabalhado sob vários enfoques e dialeticamente com a identificação e a desig-
transformou-se em um saber a ensinar. nação de conteúdos de saberes como conteúdos
Brousseau (1986) critica a apresentação a ensinar.” (Grifos do autor). E, em seguida, o
axiomática, comentando que “ela esconde com- autor acrescenta:
pletamente a história desses saberes, isto é, a
Os conteúdos de saberes
sucessão de dificuldades e questões que provoca- designados como aqueles a ensinar
ram a aparição dos conceitos fundamentais, seu (explicitamente: nos programas;
uso para colocar novos problemas, a usurpação implicitamente: pelo representante
de técnicas e de questões nascidas do progresso da tradição, evolutiva, da
interpretação dos programas), em
de outros setores.” (p.36). Esses procedimentos geral pré-existem ao movimento que
não são exclusivos da Matemática, pois, para os designa como tais. Entretanto,
qualquer saber a ser ensinado, há uma transfor- algumas vezes (e pelo menos
mação que procura adequá-lo à compreensão mais frequentemente do que se
poderia acreditar) são verdadeiras
daqueles aos quais vai ser apresentado. Esse
criações didáticas, suscitadas pela
processo tem sido denominado “transposição ‘necessidades de ensino’. (Assim
didática”, e Chevallard (1985) traz várias con- ocorreu, por exemplo, no ensino
ceituações para explicar suas ideias. secundário francês, com ´grande
Um dos principais conceitos apontados cosseno` e ´grande seno`).
(CHEVALLARD, 1985, p.39. Grifos
por Chevallard (1985) é o de “noosfera”, a que do autor)
ele chega a partir de considerações sobre o sis-
tema de ensino e sobre o ambiente mais amplo, 1
Adaptado de Chevallard (1985, p.23).

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 67


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Esses preâmbulos permitem, então, que ais. Segundo o autor, a passagem de uma para
Chevallard (1985, p.39), construa sua definição outra notação era estabelecida formalmente
de “transposição didática”: da seguinte maneira: se t é um número real
que “mede” o ângulo θ , então cos t = Cos θ e
Um conteúdo do conhecimento, sent = Senθ . (CHEVALLARD, 2004).
tendo sido designado como saber Ora, evidentemente essa criação didática
a ensinar, sofre desde então um
conjunto de transformações mais atrapalha do que auxilia a aprendizagem!
adaptativas que vão torná-lo apto Consideramos que há, efetivamente, transposi-
a tomar o seu lugar entre os objetos ções didáticas que são necessárias e que têm sido
de ensino. O ‘trabalho’ que, de usadas ao longo dos anos, em qualquer nível de
um objeto de saber a ensinar faz
ensino. No entanto, é necessário entender de
um objeto de ensino, é chamado
transposição didática. (p.39. Grifos onde vem o saber a ensinar, qual o saber sábio
do autor) que lhe deu origem, para que os conteúdos não
fiquem “picoteados” e apenas fórmulas mágicas
Pensando especificamente no trabalho do sejam oferecidas aos estudantes.
professor, Perrenoud (1993) considera que: Chevallard (1985) discute em profundi-
dade se a transposição didática é boa ou má, se
Ensinar é, antes de mais, fabricar todo objeto de saber a ensinar pode ser um objeto
artesanalmente os saberes, tornando-os de ensino, se há ou não resistência aos conceitos
ensináveis, exercitáveis e passíveis apresentados em sua visão da Didática da Mate-
de avaliação no quadro de uma
turma, de um ano, de um horário,
mática. No entanto, parece-nos que há ainda um
de um sistema de comunicação e outro ponto a mencionar: ao empregar criações
trabalho. É o que Chevallard [...] didáticas que, supostamente, auxiliam o ensino
designa por transposição didáctica. de um determinado conteúdo, as dificuldades do
(p.25. Grifos do autor) professor são minimizadas. E as dos alunos?
Talvez por trás dessa questão esteja outra de
No entanto, ao sofrer tais adaptações, o caráter mais polêmico: por que os alunos (e também
saber sábio, aquele que é produzido originalmen- o professor!) se acomodam com aquele objeto de
te pelo cientista, é “exilado” de suas origens; a ensino? Por não saber que houve uma transposição?
história de sua produção é escamoteada para os Por não ter informações anteriores sobre o saber
estudantes, e ele se apresenta como um saber sábio? Essas são questões que poderiam ser melhor
neutro, sem ligação com quaisquer necessidades aprofundadas em pesquisas sobre o tema.
humanas ou jogos de poder. Pais (2001) comenta que os conteúdos
Chevallard (1985) menciona as criações escolares são, muitas vezes, escolhidos pelos pro-
didáticas, geradas pelas necessidades do ensino, fessores a partir dos programas ou dos livros didá-
exemplificando com as expressões “grande cos- ticos. Em alguns casos, esses conteúdos são meras
seno” e “grande seno”, que não têm paralelo no criações didáticas, adequadas aos propósitos do
ensino brasileiro. Mas o que são essas expressões, processo de ensino, mas, conforme o autor,
efetivamente?
No boletim Excursus, da Universidade [...] o problema surge quando
de Provence, campus de Aix-Marseille, sob sua utilização acontece de forma
desvinculada de sua finalidade
responsabilidade de Chevallard, respondendo a principal. É o caso dos produtos
perguntas de leitores (possivelmente alunos da notáveis que, quando ensinados
instituição) esse autor explica que foi em torno sem um contexto significativo,
de 1970 (no auge da influência da Matemática passam a figurar apenas como o
Moderna) que eram usadas as notações Cos e objeto de ensino em si mesmo.
(PAIS, 2001, p.20)
Sen (com letra maiúscula, de onde, então, as
expressões “grande cosseno” e “grande seno”),
para as funções trigonométricas de um ângulo, Não poderíamos pensar, talvez, em mos-
e as notações em letra minúscula, cos e sen, trar ao professor o saber em “estado bruto” e
para as funções trigonométricas de valores re- solicitar que ele faça a transposição de acordo
com as necessidades e possibilidades de seus

68 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

alunos? Em um primeiro momento, essa pro- que a torne inconfundível de outra.” (p.614).
posta pode parecer complicada, pois há saberes Bueno (1981) considera que uma definição é uma
sábios que, se não forem transpostos para uma distinção, uma enunciação de qualidades e de
linguagem mais acessível, ficam restritos a uma características do que se está a definir.
minoria de especialistas, em geral, professores Já “conceituar”, segundo Ferreira (1999),
universitários. No entanto, talvez possamos significa: “Formar conceito acerca de; julgar, ava-
fazer com que o professor se envolva também liar.” (p.518). Assim, aqui estamos, efetivamente,
no processo de transformar o saber científico tratando de definições, e a de cosseno é baseada
no saber a ser ensinado, ainda que o objeto de na propriedade geométrica da proporcionalidade
ensino, no fim das contas, apresente-se um tratada por Tales de Mileto (LEIVAS, 2006).
pouco diferente do que os autores dos livros- Por argumentações geométricas, Tales de-
texto apresentam. duziu, considerando-se triângulos como os repre-
sentados abaixo, que: ,
Exemplos de criações e transposições
ou seja, a relação é uma constante que independe
didáticas do triângulo considerado. Depende, isto sim, do
ângulo. A relação constante é denominada cosse-
Chevallard (1985) considera que
no do ângulo em questão.
Os conteúdos de saber designados
como estando a ensinar [...] em geral
pré-existem ao movimento que os
indica como tais. Algumas vezes,
entretanto [...] são verdadeiras
criações didáticas, suscitadas pelas
´necessidades de ensino`. (Foi
o caso, por exemplo, no ensino
secundário francês, do ´grande Figura 3: triângulos retângulos com lados pro-
cosseno` e do ´grande seno`). (p.39.
porcionais.
Grifos do autor)

Há uma discussão sobre a denominação


O que seriam, então, essas criações didáti- e propriedades na definição de funções trigo-
cas? Significariam “monstros cossenos” e “mons- nométricas. A trigonometria do triângulo retân-
tros senos”? A seguir, tentamos explicitar nossa gulo tem uma deficiência que é não poder ser
compreensão do tema, a partir da explicação definida para ângulos obtusos. É preciso, assim,
encontrada em Chevallard (2004), já citada. ampliar as ideias de seno e cosseno para ângulos
Originalmente, podem-se interpretar se- quaisquer e não apenas agudos, e a partir do
nos e cossenos como relações ligadas ao triângulo triângulo retângulo. Para tal, buscam-se as pro-
retângulo, definindo-se: porções associadas ao círculo e circunferência.
Considere duas circunferências concêntricas de
raios r e r’, conforme figura 4, e nelas dois raios
formando um ângulo θ, limitado pelos arcos s
e s’, respectivamente, das circunferências de
raios r e r’.
A razão s = s' , da mesma forma que nas
r r'
relações anteriores, é um invariante que depende
Figura 2: triângulo retângulo.
exclusivamente do ângulo θ. Este invariante é o
que se denomina de “medida do ângulo” e, como
Ao falar em definir, há um questionamen-
é uma relação entre duas grandezas de mesma
to sobre a diferença entre as palavras “definir” e
dimensão, é um número adimensional. Assim, a
“conceituar”. Segundo Ferreira (1999), um dos
medida de um ângulo é um número real e recebe
significados de “definir” é: “Enunciar os atributos
o nome de radiano.
essenciais e específicos de (uma coisa), de modo

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 69


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Figura 4: radiano.
Figura 6: triângulo obtusângulo.
Em lugar de s e s’, na relação anterior,
usando, respectivamente, o comprimento da Para a Figura 6, tem-se:
a' b'
circunferência menor C e da maior C’, obtém-se: cos θ = < 0 e senθ = > 0
r r
C C' C C'
= ⇔ = = k , em que a constante k passa
r r' 2r 2r ' Na sequência elaborada, há de se discutir
a ser o número irracional π. a questão epistemológica envolvida, que é útil e
A discussão ou dificuldade didática de interessante ao professor e que, no entanto, deve
obtenção das funções trigonométricas para ân- ser analisada quanto a sua adequação para levá-la
gulos obtusos precisa ser enfrentada. Para tal, ao ambiente da escola dessa forma.
estendem-se as definições ao círculo trigono- Outra interessante relação pode ser estabele-
métrico, e uma maneira de fazer isso é utilizar cida, a partir de então, sobre cosseno de um ângulo
coordenadas cartesianas no plano, primeira- e cosseno de um número real. Nessa situação, é
mente reinterpretando-se o caso já conhecido e necessário tratar das funções trigonométricas cujas
posteriormente generalizando-se. imagens são esses números. Falar na função cosseno
Para a reinterpretação, constrói-se um tri- e na função seno só tem sentido se o valor corres-
ângulo retângulo da seguinte forma: um dos cate- pondente no domínio for um número real e não um
tos é colocado sobre o eixo horizontal, tendo uma valor dado em unidades ‘graus’. Não faz sentido,
extremidade na origem do sistema cartesiano, e nessa situação, utilizar cos1800, e sim cosπ.
correspondendo a um dos vértices associado a Observe-se ainda que, antes do advento
um dos ângulos agudos, e a outra extremidade das calculadoras e dos computadores, para o
correspondendo ao vértice associado ao ângulo cálculo de valores trigonométricos, que consti-
reto. O terceiro vértice corresponde a um ponto tuíam as tabelas trigonométricas, havia interesse
da circunferência trigonométrica determinado no desenvolvimento em séries das funções trigo-
pela extremidade do segundo cateto.
Considera-se a unidade no sistema como nométricas. Assim,
sendo o raio da circunferência construída. O x2 x4 x6
cos x = 1 − + − + ...
vértice, na circunferência, é associado ao par 2! 4! 6!
ordenado P=(a,b), e, usando a definição anterior, Por ser definida como f: R→R, tem-se x ∈
escreve-se, para a Figura 5: R, isto é, x é dado em radianos e não em graus.
Resumindo, define-se cosseno e seno de
ângulos agudos explorando o triângulo retân-
gulo, passa-se a outros ângulos obtusos e, pos-
teriormente, ao tratado com números reais. Os
matemáticos querem ir além, e por isso definem
também essas funções no campo dos números
complexos RXR = {(a,b) z=a+bi, em que
a,b∈ R e i= − 1 }. Note-se que, para b=0, tem-se
z=a ∈ R, isto é, um número real pode ser pensado
com um par (a,0).
Uma outra abordagem ou conexão que
Figura 5: triângulo acutângulo. pode ser estabelecida é a denominada fórmu-

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

la de Euler, que expressa cosseno e seno em como objeto a ensinar: continua o


termos de números complexos, fazendo uma ‘trabalho` de transposição. (p.40)
reinterpretação que necessita da construção
básica inicial. No que segue, esclarecemos um pouco
mais a respeito do conceito matemático de dis-
tância e a exemplificação da relação estabelecida
por Chevallard (1985):
Reescrevendo-se as duas igualdades acima
da seguinte maneira
(1)  objeto a ensinar (2)  objeto de ensino (3)

(1) noção de distância entre dois pontos é um


podem-se reduzir termos semelhantes e obter conceito utilizado empiricamente desde cedo nas
a expressão cos θ + isenθ = e iθ , em que, subs- atividades humanas quotidianas. Ela correspon-
tituindo valores para θ, obtém-se a igualdade de a um número real não negativo, simbolizado
que produz números que são essenciais para a por d = d(P,Q), em que P e Q são os dois pontos
matemática, a saber: quaisquer de um espaço3, ou na forma geomé-
trica e, segundo Chevallard (1985, p.46) “seu
tratamento didático varia com os anos a partir de
sua designação como objeto a ensinar: continua
o trabalho de transposição.”

O que foi mostrado antes é um exemplo


do que se considera uma criação didática, e o
trabalho de Chevallard (1985) é interessante por Figura 7: representação geométrica da distân-
apresentar exemplos, ainda que pouco explo- cia entre dois pontos em espaços euclidianos
rados. Outro exemplo abordado por ele é o das com a métrica usual.
distâncias, detalhado a seguir.
O autor considera que a transposição didática (2) o objeto a ensinar, metaforicamente é “a sopa
lato sensu pode ser representada pelo esquema “ob- em receita”. A noção empírica de distância traz
jeto de saber  objeto a ensinar  objeto de ensi- alguns itens que devem ser selecionados. Define-
no”. Para exemplificar esse movimento representado se métrica como sendo a função que associa a
pelo esquema, Chevallard (1985) considera: cada dois pontos P e Q um número real, não
negativo, denotado por d(P,Q), denominado de
- a noção de distância (entre dois distância entre os pontos P e Q, satisfazendo às
pontos) é utilizada espontaneamente
seguintes condições:
‘desde sempre’;
- o conceito matemático de distância
é introduzido em 1906 por i) d(P,Q) ≥ 0 e d(P,Q)=0 se e somente se P=Q;
Maurice Fréchet (objeto de saber
matemático); ii) d(P,Q) = d(Q,P);
- no primeiro ciclo do ensino
secundário francês, a noção iii) d(P,Q) ≤ d(P,R) +d(R,Q); ∀P, Q, R.
matemática de distância, surgida
a partir da definição de Fréchet,
aparece em 1971 no programa da Na Figura 8, pode-se visualizar a condição
classe do quarto ano 2 (objeto a iii no caso da métrica4 euclidiana.
ensinar).
- seu tratamento didático varia com 3
Que pode ser R, R2, R3 ou espaços discretos, por exemplo.
os anos a partir de sua designação 4
No que segue, definiremos duas métricas equivalentes no
plano, que têm uma interpretação geométrica que nos inte-
2
“[...] classe de quatrième”. ressa, embora exista uma terceira, que não serve aos nossos

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 71


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Figura 8: a desigualdade triangular na métrica


euclidiana.

No trocadilho feito acima, está aí a ‘receita


da sopa’.

(3) O objeto de ensino é a ‘sopa pronta’. Voltemos


ao empírico.

Os objetos matemáticos são abstratos, e


por isso esses objetos admitem reinterpretações,
o que dá riqueza ao seu conceito. As reinterpre-
tações tornam-se concretas e vão ser ensinadas,
tornando-se o objeto de ensino.
Retornando a Fréchet e à reinterpretação
que originará as criações didáticas, temos

Sendo P = (x1,y1) e Q = (x2,y2) dois pontos


quaisquer, dados por suas coordenadas no plano
cartesiano, definem-se as distância abaixo:
d(P,Q) = ( x1 − x2 ) 2 + ( y1 − y2 ) 2 , denominada dis-

tância euclididana; Figura 9: distância nas duas métricas – eucli-


diana e dos catetos.
d(P,Q) = x1-x2 + y1-y2 , denominada distância
dos catetos. Pode-se dizer que se volta ao concreto de
diversas formas. Na escola, muitas vezes, fica-
A primeira é a usualmente utilizada e des- se apenas com o concreto e não se estabelecem
creve a ‘linha reta’, dada pelo segmento de reta correlações entre os conceitos matemáticos.
entre os dois pontos considerados, conforme a Exemplificando esse fato, temos, associado aos
primeira figura abaixo. A segunda, embora não seja conceitos de funções distâncias (métricas), o de
a usualmente utilizada no percurso acadêmico, é circunferência. Lembrando o conceito de cir-
a que se usa ao descrever trajetórias numa cidade cunferência, lugar geométrico dos pontos P que
perfeitamente organizada em quadras retangulares, estão a uma mesma distância de um ponto fixo
dando inclusive origem à denominada Geometria Q , tem-se o objeto geométrico nas duas métricas
do Taxista. A figura 9, a seguir, ilustra as distâncias acima, respectivamente, da seguinte forma:
entre os pontos P e Q nas duas formas.

propósitos no momento.

72 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

(1985), exploramos as definições de seno e cosseno


e mostramos como se pode passar de um objeto de
saber a um objeto de ensino, à luz da transposição
didática conceituada por esse autor.
Com isso, foi possível discutir conceitos
matemáticos que nem sempre são estudados
pelos professores da educação básica, mas que
são necessários para aqueles que lidam com o
ensino de Trigonometria. Esperamos, assim, ter
contribuído com o professor e o futuro professor
de Matemática, especialmente no esclarecimento
de pressupostos históricos e teóricos do conheci-
mento matemático.

Referências

BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la di-


dactique des mathématiques. Recherches en Didacti-
Figura 10: circunferência nas duas métricas – que des Mathématiques, v.7, n.2, pp.33-115, 1986.
euclidiana e dos catetos. BUENO, F. da S. Dicionário escolar da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: FENAME, 1981.
Há também que se observar que essas não
CHEVALLARD, Y. La transposition didactique:
são as únicas duas maneiras de definir distâncias, du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble:
mas são as que escolhemos para ilustrar a repre- La Pensée Sauvage, 1985.
sentação geométrica. Daí se pode concluir que ______. Excursus sur l´enseignement des ma-
a circunferência é um conceito matemático que thématiques: le forum des questions. n.3, 15 juin.
se concretiza de diversas maneiras – objetos. Em 2004. Disponível em:
Leivas (2009), encontram-se os detalhes da constru- <http://www.aix-mrs.iufm.fr/formations/filieres/
ção de uma bola quadrada a partir da métrica dos mat/fdf/textes/excursus_3.doc>. Acesso em: 15
catetos, o que pode ser desenvolvido num curso de ago. 2009.
Geometria Analítica do Plano no ensino médio. D’AMORE, Bruno. Elementos de didática da Mate-
Outra questão a observar é que outros obje- mática. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2007.
tos da Geometria oriundos da noção de distância, FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio Século XXI:
como elipses e hipérboles, têm representações o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
distintas. Por fim, outro exemplo para discutir se é Nova Fronteira, 1999.
conceito ou objeto é o número π. Como ele repre- LEIVAS, J. C. P. Tales: mil e uma utilidades. Edu-
senta o quociente entre as medidas da circunferên- cação Matemática em Revista, São Paulo, v.20/21,
cia e do diâmetro, obtém-se 3,1415..., sendo assim p.69-76, 2006.
um valor circunstancial – um conceito. De outra ______. Imaginação, intuição e visualização: a
forma, ao obter a relação utilizando-se a segunda riqueza de possibilidades da abordagem geomé-
métrica, tem-se o valor quatro – um objeto. trica no currículo de cursos de licenciatura de
matemática. 2009. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Federal do Paraná, 2009.
Conclusão
MARTINS, J. do P. Didática geral: fundamentos,
planejamento, metodologia, avaliação. 2.ed. São
Modernismos e inovações no ensino são co- Paulo: Atlas, 1988.
nhecidos ao longo da história, e alguns deles acabam
PAIS, L. C. Didática da matemática: uma análise
caindo no esquecimento ou simplesmente rejeita- da influência francesa. Belo Horizonte; Autêntica,
dos. As expressões “grande seno” e “grande cosseno” 2001.
são ideias que foram esquecidas no ensino francês
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão
de Matemática. No entanto, a partir dessas ideias, e docente e formação: perspectivas sociológicas.
aproveitando a menção feita a elas por Chevallard Lisboa: Edições Dom Quixote, 1993.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 73


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

SCHUBRING, Gert. O primeiro movimento interna- pel da Alemanha: um estudo de caso na transmissão
cional de reforma curricular em matemática e o pa- de conceitos. Zetetiké, v.7, n.11, p.29-50, 1999.

José Carlos Pinto Leivas – Doutor em Educação (Matemática), professor titular aposentado da FURG e professor adjunto da
ULBRA. leivasjc@yahoo.com.br
Helena Noronha Cury – Doutora em Educação, professora do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática
da UNIFRA. curyhn@unifra.br

Recebido em: 01/08/2009


Concluído em: 06/10/2009

74 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

A GEOMETRIA QUE EXISTE ALÉM DO OLHAR:


LEVANDO A GEOMETRIA DA NATUREZA PARA DENTRO DA ESCOLA

Geometry beyond the View: Taking Nature Geometry into the School

Karin Ritter Jelinek


Adriana Justin Cerveira Kampff

Resumo provided new approaches on the world. Different


concepts of Mathematics were explored,
Este artigo relata a experiência de um grupo de such as variables, symmetry, proportionality
professores com o desenvolvimento do projeto and similarity. The new technologies offer
interdisciplinar Além do Olhar: por um mundo an important contribution to the studies in
melhor. O projeto foi realizado com alunos de Geometry. In this work, we used the software
sétima série do ensino fundamental, buscando Imagine. We present a theoretical basis that
fomentar nos alunos a construção de um novo guides our practices, including the selection of
olhar sobre o cotidiano e o mundo que os cerca. contents and the activities done.
A disciplina de Matemática utilizou-se da
Geometria Fractal para enriquecer as discussões Keywords: Mathematics Education. Fractal
e apresentar visões sobre o mundo em que Geometry. Computers in Education. Software
estamos inseridos e que, muitas vezes, não Imagine.
percebemos. Diferentes conceitos da Matemática
foram explorados, como o de variável, simetria, Contexto: Projeto Além do Olhar
proporcionalidade, semelhança, entre outros.
A associação da disciplina de Matemática O projeto interdisciplinar a ser relatado
com as novas tecnologias deu-se pela inegável
neste artigo foi batizado de Além do Olhar: por
contribuição que essa área apresenta para o
estudo da Geometria, com destaque, neste relato, um mundo melhor. O objetivo geral do projeto
para a utilização do software Imagine, ambiente foi desenvolver nos alunos da sétima série do
de programação Logo. ensino fundamental a capacidade de conhecer
um novo olhar do cotidiano e do mundo que o
Palavras-chave: Educação Matemática. cerca, através da percepção, da sensibilidade, do
Geometria Fractal. Informática na Educação. autoconhecimento e da experiência.
Software Imagine. Os professores envolvidos tinham cons-
ciência de que um novo olhar das realidades
Abstract precisava ser apontado, bem como que os alunos
precisavam ter uma visão criteriosa e crítica so-
This paper describes an interdisciplinary project bre o mundo que os cercava. Preocupados com
called “Beyond the Eyes: for a best world”. The a influência das mídias no desenvolvimento de
project involved students of the 7th grade of
seus alunos, os professores buscaram proporcio-
elementary school. The proposal was developing
in the students the ability to see, in a different nar aos seus alunos que pudessem participar de
way, the world around them. In Mathematics, the experimentações diversificadas, que transcen-
chosen topic was Fractal Geometry. This topic dessem aquelas disponíveis no seu cotidiano.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 75 a 81 75


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Segundo Fischer (2002, p.141), quando se ana- ainda hoje, perceber uma resistência por parte
lisam as influências das mídias na educação, é dos professores em trabalhar com esse assunto.
fundamental que os professores proporcionem Em contrapartida, existe uma tendência, por
momentos de reflexão com seus alunos: parte de educadores e de pesquisadores, como
por exemplo Smole (2003) e Serrazina (1999), em
[...] o mundo representado pela estabelecer uma cultura de valorização do ensino
família e pela escola, que da e da aprendizagem da Geometria, visto que estu-
mesma forma está mergulhado
nas imagens veiculadas pela mídia, dos a destacam como um campo conceitual de
mas que teria o difícil papel de fundamental importância a ser desenvolvido na
propor outros sentidos, de afirmar escola. Esse novo posicionamento também está
outras “verdades”, de convidar os presente nos Standards (1998, p.21), uma vez
jovens para outras interpretações da
chamada “realidade”.
que colocam que “além de um certo conjunto de
conceitos numéricos e operações, o currículo deve
incluir genuína exploração da geometria, medida,
O início do projeto, em 2006, contou com estatística, probabilidades, álgebra e funções”.
a participação de professores dos componentes É por meio da Geometria que se desen-
curriculares de Língua Portuguesa, Educação volvem algumas das habilidades básicas com o
Artística, Língua Inglesa, Educação para o Pen- educando. Entre elas, é possível destacar a capa-
sar, Educação Física e Educação Religiosa. No cidade de comunicação, de percepção espacial,
decorrer do próprio ano, outros componentes de análise e reflexão, bem como de abstração e
curriculares foram sendo integrandos ao projeto, generalização. Sobre isso, Fainguelernt (1995
trazendo suas contribuições. apud MURARI, 2004, p.200) coloca que:
Em 2007, o projeto teve sua arrancada com
a participação quase unânime dos professores A Geometria oferece um vasto
da sétima série, momento em que a Matemática campo de ideias e métodos de
entrou com a proposta de apresentar uma ma- muito valor quando se trata do
temática “além do olhar”. O objetivo, então, foi desenvolvimento intelectual do
aluno, do seu raciocínio lógico
apresentar um campo ainda pouco explorado no e da passagem da intuição e de
ensino fundamental, embora plenamente rico de dados concretos e experimentais
conceitos e de uma beleza contagiante: a Geome- para os processos de abstração e
tria Fractal. O presente artigo discute aspectos generalização.
importantes sobre o trabalho desenvolvido. A Geometria também ativa as
O projeto desenvolveu-se ao longo de todo o estruturas mentais possibilitando a
passagem do estágio das operações
ano letivo, e as atividades das diferentes disciplinas concretas para o das operações
foram acontecendo ora concomitantemente, ora de abstratas. É portanto tema
forma mais esparsa. O fechamento do projeto deu-se integrador entre as diversas áreas
com uma atividade de caráter prático-reflexivo, em da Matemática, bem como campo
fértil para o exercício de aprender
um ambiente de vivência, possibilitando aos alunos a fazer, e aprender a pensar.
a realização de atividades de autoconhecimento e
experimentações a partir dos cinco sentidos (visão,
audição, olfato, tato e paladar), buscando compre- A Geometria pode ser vista como uma
ender o mundo e as formas de vê-lo. habilidade básica, uma vez que ela tem impor-
tantes entrelaçamentos com outros campos da
Matemática. É um tema unificador para todo o
Considerações iniciais sobre o estudo da
currículo de Matemática e, como tal, é uma rica
Geometria fonte de visualização para conceitos aritméticos,
algébricos e estatísticos. (JELINEK, 2005).
A Geometria, área significativa da Mate- Tendo consciência da importância de uma
mática, esteve colocada em segundo plano nos sequência didática adequada para a construção do
currículos escolares, o que, de acordo com Pereira pensamento geométrico, buscamos estruturar e
(2001), foi uma consequência do movimento da reformular diferentes atividades que contemplem
Matemática Moderna no Brasil, sendo possível, esses aspectos. Acreditamos, como defende Dienes

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

(1970), que o estudo da Geometria precisa iniciar exemplo, quando as crianças estão
pela exploração dos objetos tridimensionais, uma trabalhando no computador, estão
criando alguma coisa numa tela e,
vez que são esses sólidos que estão presentes na na-
pelo fato de elas estarem fazendo
tureza e, consequentemente, com eles as crianças algo, mobiliza toda sua pessoa no
estão familiarizadas. Ressalta-se ainda, nessa fase sentido de realizar seus projetos.
inicial, a importância da Geometria na percepção
das crianças sobre os movimentos e no desen- Percebemos em nossas práticas que o
volvimento da capacidade de experimentação e uso de softwares educativos, por envolverem
estruturação de relações com objetos sólidos. os alunos na criação e na solução de desafios
Castelnuovo (1975 apud JELINEK, 2005, propostos, tem apresentado excelentes resulta-
p.29) esclarece a importância dessa Geometria in- dos no ensino e na aprendizagem da Geometria:
tuitiva e sua diferença da Geometria racional: os alunos levantam suas hipóteses, descrevem
suas soluções (por meio de comandos dados
[...] a geometria intuitiva dará as bases
para que o aluno possa construir a ao computador), executam seus programas (ou
geometria racional. Sendo os entes interagem com os objetos que criam na tela da
geométricos formados na mente máquina), podendo verificar se suas hipóteses
humana através de abstrações, a ou descrições estavam corretas, refazendo o
partir de observações de objetos reais processo sempre que necessário. Todo o processo
e de experiências sobre eles. Então,
antes de racionalizar, de formalizar, pode ser acompanhado pelo professor, que deve
é preciso fazer experiências, é preciso realizar intervenções junto aos alunos quanto
manipular os objetos, pois aí os axiomas estas forem necessárias.
encontrarão suas raízes naturais. Dessa forma, investimos na utilização de
softwares como o Imagine e o Cabri Geómètre II
Dando sequência a essa geometria intui- nas séries finais do ensino fundamental. Na 5ª
tiva que é explorada por nós nas séries iniciais, série, desenvolvemos um trabalho com o Imagine
procuramos estruturar um conjunto de ativida- buscando explorar alguns conceitos fundamentais
des que promovam uma passagem dos alunos da Geometria Plana, e na 6ª e 7ª séries utilizamos
do campo das operações concretas para o campo o Cabri Geómètre II em atividades que exploram as
das operações formais, atentando para que a propriedades dos polígonos e seus elementos.
abstração e o rigor se façam presentes num nível Cabe destacar que o foco deste trabalho
crescente de dificuldade. Buscamos, dessa forma, é a exploração de alguns aspectos da Geometria
focar o trabalho na construção dos conceitos e Fractal. Para os educandos envolvidos nesse
não na aplicação de fórmulas. projeto, foi fantástico descobrir que a matemática
Diante dessa realidade, o construcionismo também é bela! A partir de alguns estudos da
defendido por Papert vem ao encontro da nossa Geometria Fractal, podemos apresentar outros
compreensão de ensino da Geometria, pois sus- aspectos Matemática, ou seja, o da simetria es-
tenta que os indivíduos terão maior êxito desco- tética, da beleza singular dos objetos, os quais
brindo por si mesmos o conhecimento específico, até mesmo demonstram caráter e expressão. Tais
a partir da ideia de aprender fazendo. O autor estudos ainda são ricos por permitirem que se
também destaca a necessidade de um ambiente explorem conceitos diversos, como por exemplo:
realmente interessante para os educandos, que de simetria, proporcionalidade, congruência,
mobilize seus interesses e desperte o desejo de semelhança, padrão, rotação e generalização.
interagir, e, consequentemente, de aprender algo.
Refletindo sobre essas ideias de Papert, Fain- A Geometria Fractal
guelernt (1999, p.34) complementa destacando
a possibilidade do uso de computadores para o Os fractais atualmente se destacam como
estudo da Geometria: um promissor ramo da Geometria, pois suas
aplicações e beleza têm sido cada vez mais ex-
[...] a melhor maneira de construir ploradas. Inicialmente, nas décadas de 60 e 70,
o conhecimento é construir algo
palpável externamente; isso tem um quando Benoit Mandelbrot começou a explorar
significado pessoal muito forte. Por esse campo da Matemática, não encontrou

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

muitos entusiastas, assim como não houve uma aglomerações estrelares etc. eram
acolhida imediata dessas entidades geométricas, estudados buscando -se então
ligações entre diferentes tipos de
as quais chamaram de “monstros”.
irregularidades; e surpreendentes
O nome fractal deriva do latim, do adje- ordens no caos foram descobertas.
tivo fractus, cujo verbo frangere corresponde a
quebrar, fragmentar. E quando nos referimos à
A Geometria Fractal também passou a ser
Geometria Fractal, estamos falando do estudo dos
conhecida como Geometria da natureza, uma vez
fractais. Cabe destacar que essas formas possuem
que formas até então desconhecidas puderam ser
características especiais, sendo a principal delas
identificadas como um fractal. Cabe colocar que
a autossimilaridade, uma vez que constituem
a Geometria Euclidiana pode ser associada às
uma imagem de si próprias em cada uma das
construções realizadas pelo homem. Entretanto,
partes. Segundo Freitas e Santos (2005, p.2756),
as formas mais comuns na natureza nunca se
algumas outras características também são fun-
associaram com as formas até então definidas.
damentais:
Com a evolução do estudo da Geometria Fractal,
Um fractal é gerado a partir de é comum encontrarmos registros não apenas no
uma fórmula matemática, muitas campo matemático, mas também na Geografia,
vezes simples, mas que, aplicada de Geologia, Economia, Física, História e Linguísti-
forma iterativa, produz resultados ca (BARBOSA, 2005). Ressalta-se a contribuição
fascinantes e impressionantes, das novas tecnologias para o desenvolvimento
tendo como característica a
autossimilaridade, a simplicidade desse campo.
em sua lei de formação e a construção
por processos recorrentes. Imagine

Essa similaridade é observada através da O software Imagine é uma versão avança-


repetição de um dado padrão, a partir de uma da do Logo. Logo que é uma linguagem de pro-
certa ordem e regularidade. No que se refere a gramação resultante de um trabalho em equipe
essa repetição de um certo padrão ao longo da orientado por Seymour Papert, no Massachusetts
figura, podemos também notar a existência de Institute of Technology (MIT) entre as décadas de
conceitos fundamentais para diversos campos da 60 e 70. A origem da palavra Logo deriva do grego
Matemática, que são ordem, regularidade e pa- Logos, que significa razão, argumento. O Logo
drão. O desenvolvimento do estudo da Geometria destacou-se desde o princípio por designar, ao
Fractal contribuiu muito com a teoria do Caos, mesmo tempo, uma teoria de aprendizagem, uma
visto que apontou para formas de encontrarmos linguagem e um conjunto de unidades materiais
ordem em situações nas quais antes só encontrá- que permite demonstrar os processos mentais
vamos desordem. De acordo com Barbosa (2005, empregados por um indivíduo para resolver um
p.10), diferentes áreas foram enriquecidas com problema, pois ele registra todos os passos do
esse estudo: desenvolvimento da atividade, permitindo um
acompanhamento do processo realizado pelos
[...] nota-se que o Caos colocou educandos.
elos entre temas não relacionados, Kampff (2004, p.10) coloca ainda bene-
justamente pelas suas
irregularidades. Seus cientistas, de fícios que a utilização do Logo na escola pode
áreas diversas, tiveram dificuldades proporcionar:
e desânimo até mesmo para publicar,
para colocar suas ideias e resultados O Logo é um recurso flexível
de forma publicável. Temas como que permite a construção, o teste
desordem na atmosfera, turbulência de hipóteses, a manipulação
nos fluidos, variação populacional de variáveis e a reflexão sobre
de espécies, oscilações do coração os próprios processos de
e cérebro, interligação microscópica aprendizagem, centrados no aluno,
de vasos sanguíneos, ramificações no desenvolvimento de estratégias
alveolares, cotações da bolsa, de raciocínio, na conscientização do
forma das nuvens, relâmpagos, próprio processo de aprendizagem,

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

na pedagogia de projetos – leva o desenhos ou outros. Registros bastante interes-


sujeito a perceber a diferença entre santes foram executados, grande parte em meio
“saber alguma coisa” (ler) “e ser
fotográfico, conforme podemos observar nas
capaz de fazer (criar) alguma coisa”
(escrever) – e na aprendizagem Figuras 1 e 2.
cooperativa.

Assim, sendo o educando o condutor de


suas aprendizagens, quando realiza a atividade
proposta e não encontra os resultados esperados,
ele tem a oportunidade de rever suas hipóteses,
ações e processo, buscando compreender quais
as implicações de cada ação na construção do
desafio proposto. Ou seja, o educando é um
agente do início ao fim, desde a construção das
primeiras hipóteses até sua construção final. Já
os educadores podem fazer uso dessa ferramenta
não só na construção de conceitos geométricos
como também na avaliação dessas construções
e no entendimento do raciocínio do educando.
Ou seja, nesse contexto, o professor deixa de
ser o transmissor principal do conhecimento
para assumir uma postura de colaborador no
processo, fazendo intervenções e sistematizando Figura 1: exemplos de objetos da Geometria
as descobertas sempre que necessário. Euclidiana.
Diante de tantos benefícios é que esco-
lhemos o software Imagine para desenvolver o
projeto que tínhamos em mente, desenvolvendo
nos alunos de 7ª série uma autonomia bastante
desejada pelos seus professores.

Em busca dos fractais

A sequência das atividades desenvolvi-


das pela disciplina de Matemática, no contexto
do Projeto “Além do olhar”, com o estudo da
Geometria Fractal, aconteceu em três módulos,
descritos a seguir.
O primeiro módulo buscou discutir com
os alunos as formas da natureza, questionando-
os se conseguíamos representá-las a partir das
formas da Geometria Euclidiana. A partir das
reflexões realizadas, apresentaram-se aos edu-
candos a Geometria Fractal, suas características
e exemplos representativos em nosso dia a dia.
Figura 2: exemplos de fractais.
Na sequência, solicitou-se aos alunos que pro-
curassem observar o ambiente em que viviam
De forma concomitante, tivemos o cuida-
e identificar cinco objetos que poderiam ser
do de explorar, a partir de algumas situações-
modelados pela Geometria Euclidiana e outros
problema, a diferença entre incógnita e variável,
cinco que apresentassem as características de
visto que nas aulas seguintes esses conceitos
um fractal. Os alunos deveriam apresentar suas
seriam utilizados.
observações por meio de fotografias, vídeos,

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 79


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

O segundo módulo foi estruturado como aprender frac :n


exploração dos recursos do Imagine, uma vez se :n < 5 [parar]
que os alunos já haviam trabalhado com esse repetir 5[frac :n/2 pf :n gd 72] fim
software na 5ª série. Iniciamos relembrando
os principais comandos da linguagem Logo e
propondo alguns desafios, fazendo com que
os diversos recursos fossem utilizados. Nas
aulas seguintes, foram explorados os concei-
tos de programação, utilizando o comando
aprender, e a inclusão de variáveis nos parâ-
metros de medida de lado e giro realizados
para o desenho. Por fim, apresentamos aos
alunos a possibilidade de criarmos programas
recursivos e, observando as experimentações
realizadas por eles, nós os orientamos a criarem
uma condição de parada para o programa. Esse
módulo foi trabalhado ao longo de seis sema- Figura 4: experimentação realizada por um
nas, com um período semanal em laboratório aluno.
de informática.
Uma vez que os educandos já dominavam Considerações finais
os recursos de programação, iniciamos o tercei-
ro módulo, que se constituía na construção de Grandes foram os desafios superados no de-
um fractal a partir de alguns exemplos famosos, senvolvimento desse projeto, bem como grande foi
como a Curva de Koch e o Triângulo de Sier- nossa satisfação ao tê-lo concluído com êxito. Tra-
pinski. Os alunos foram incentivados a alterar balhar interdisciplinarmente acabou construindo
os parâmetros de programação, bem como os um vínculo entre todas as disciplinas envolvidas,
valores, buscando sempre observar as alterações de forma que tal integração pode ser percebida
desencadeadas. Cabe destacar que foram muitas pelos alunos e pela Escola como um todo.
as tentativas e experimentações na busca de um A disciplina de Matemática, em especial,
fractal de fato, como nos mostram as Figuras conseguiu cumprir sua meta dentro desse proje-
3 e 4. Contudo, todas as tentativas renderam to, que era de valorizar o estudo da Geometria no
exclamações de surpresa e beleza! ensino fundamental. Outro fator de destaque no
desenvolver deste trabalho foi a possibilidade de
aprender bibiana :n verificar os benefícios que as novas tecnologias
se :n < 5 [parar] da informação podem proporcionar ao ensino
repetir 8 [bibiana :n/4 pf :n gd 45] fim da Matemática.
No que se refere aos educandos, sentimos
que o projeto proporcionou experiências nem
sempre possíveis no cotidiano da sala de aula.
Eles foram incentivados a pesquisar, analisar os
resultados, reestruturar suas hipóteses, até al-
cançarem o objetivo final da disciplina, que era a
construção de um fractal. Essa dinâmica também
os conduziu à construção de conhecimentos de
forma mais autônoma, postura um tanto desejada
por todos os educadores.
Diante de um quadro de imediatismo em
que nossos educandos estão inseridos no mundo
de hoje, foi interessante percebermos a importân-
Figura 3: experimentação realizada por uma cia de oportunizar a eles momentos de reflexão,
aluna. vivências e construção de conhecimento em que

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

possam perceber aquilo que não está evidente aos SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO,
25, 2005, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo:
olhos, mas que precisa ser visto com os olhos do UNISINOS, 2005. p.2754-2762.
coração e da mente. Acreditamos que aliar os co-
nhecimentos historicamente construídos a uma JELINEK, Karin. et al. Um currículo de matemá-
tica em movimento. Porto Alegre: EDIPUCRS,
percepção de mundo elaborada pelo aluno, a 2005.
partir de experiências e situações proporcionadas
KAMPFF, Adriana Justin C., Machado, José Carlos
no âmbito escolar, pôde auxiliar esse educando a
de S., Cavedini, Patrícia. Educação Matemática e
perceber a necessidade que temos de qualificar novas tecnologias. Caderno Marista de Educação,
nossa visão sobre o mundo, sobre os outros e, v.3, n.3, p.5-26, 2004.
enfim, sobre nós mesmos. MURARI, Claudemir. Espelhos, caleidoscópios,
Por fim, cabe colocar que o projeto continua simetrias, jogos, softwares educacionais no ensi-
sendo desenvolvido na Escola, com o objetivo no e aprendizagem de geometria. In: BICUDO,
principal de promover no aluno a capacidade de Maria A., BORBA, Marcelo de C. Educação Ma-
conhecer um novo olhar do cotidiano e do mundo temática: pesquisa em movimento. São Paulo:
Cortez, 2004.
que o cerca, a partir da percepção, da sensibilida-
de, do autoconhecimento e da experiência. PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educa-
ção. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Referências PEREIRA, M. R. A geometria escolar: uma análise
dos estudos sobre o abandono de seu ensino. São
BARBOSA, Ruy Madsen. Descobrindo a Geome- Paulo: PUCSP, 2001. Dissertação (Mestrado em
tria Fractal para a sala de aula. Belo Horizonte: Educação Matemática), Pontifícia Universidade
Autêntica, 2005. Católica de São Paulo, 2001.

DIENES, Zoltan P. Aprendizado moderno de SERRAZINA, Maria de Lurdes; PONTE, João


matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. Pedro da, OLIVEIRA, Isolina. Grandes temas ma-
temáticos. In: ______. A matemática na educação
FAINGUELERNT, Estela K. Educação Matemá- básica. Lisboa: Ministério da Educação Básica,
tica: representação e construção em geometria. 1999. p.41-91.
Porto Alegre: Artmed, 1999.
SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez; CÂN-
FISCHER, Rosa M. B. Mídia, juventude e disci- DIDO, Patrícia (orgs.). Figuras e formas. Porto
plina: sobre a produção de modos de ser e estar Alegre: Artmed, 2003. 200p. (Matemática de 0 a
na cultura. In: XAVIER, Maria Luisa. (org.). Disci- 6 anos).
plina na escola: enfrentamentos e reflexões. Porto
Alegre: Mediação, 2002. STANDARDS. Normas profissionais para o en-
sino da matemática. CONSELHO NACIONAL
FREITAS, Rony C.de O.; SANTOS, Carmem F. DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA (NCTM).
Trabalhando fractais no Logo: uma experiência Traduzido por Associação de Professores de Ma-
no ensino fundamental. In: CONGRESSO DA temática. Lisboa: APM, 1998.

Karin Ritter Jelinek – Doutoranda em Educação – PPGEDU/UFRGS, professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre e
do Colégio Marista Nossa Senhora do Rosário.
Adriana Justin Cerveira Kampff – Doutoranda em Informática na Educação – PGIE/UFRGS, professora da Universidade Luterana
do Brasil (ULBRA) e do Colégio Marista Nossa Senhora do Rosário.

Recebido em: 05/09/2009


Concluído em: 30/10/2009

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

SESSÃO ESPECIAL

TRABALHO COM PROJETOS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE ESTATÍSTICA:


BENEFÍCIOS, PROBLEMAS, LIMITAÇÕES...1

Working With Projects in Statistics Teaching and Learning:


Benefits, Problems, Limitations...

Dione Lucchesi de Carvalho

Resumo Abstract

O artigo faz a análise de três pesquisas de This article has an analysis of three master
mestrado sobre Educação Estatística que dedicam degree studies on Statistics Education. Most of
a maior parte dos seus trabalhos de campo ao the time spent on field work in these studies was
desenvolvimento de projetos de ensino. Pudemos dedicated to developing teaching projects. We
perceber que há consenso, nas duas dissertações could notice that, in both defended dissertations,
defendidas, sobre os benefícios desse tipo de there is a consensus on the benefits of this kind
trabalho para o desenvolvimento profissional of work for the professional development of
dos professores que o assumem como prática the teachers who take it as a regular classroom
de sala de aula. As reflexões realizadas nos practice. Also, the reflections that were carried
levaram a concluir também que muitos dos out helped us conclude that many of the
problemas e das limitações levantados em cada problems and limitations perceived in each
uma das pesquisas foram sendo superados nas study were gradually overcome in the following
seguintes. Essa superação pode ser atribuída às studies. This overcoming may be due to each
reflexões de cada professor/mestrando sobre sua teacher/master student’s reflections on his/her
prática,considerando que foram feitas em diálogo own practice, considering that these reflections
com a bibliografia sobre Educação Matemática e happened in a relationship with the bibliography
Educação Estatística. Entretanto, temos presente on Mathematics and Statistics education. We are
que as táticas – no sentido de Certeau – que aware, however, that the tactics – in Certeau’s
buscaram o enfrentamento dos tempos escolares sense – that sought the facing of school times did
não se configuraram como possíveis estratégias, not come out to be possible strategies, as none
ou seja, cada uma não pôde dispor de base na of them could have a basis on which to estimate
qual capitalizasse seus proveitos, preparasse suas benefits, prepare for expansion and assure some
expansões e assegurasse uma independência em independence in face of the circumstances.
face das circunstâncias.
Keywords: Statistics education. Project work.
Palavras-chave: Educação Estatística. Trabalho Mathematics education. classroom research.
com Projetos. Educação Matemática. Pesquisa em
Sala de Aula.

1
Este artigo é baseado na intervenção na mesa-redonda “Educação Estatística na Sala de Aula”, ocorrida no ix Encontro Nacional
de Educação Matemática (ENEM), dia 19 de julho de 2007. O título dessa intervenção é importante, pois o artigo refere-se a três
projetos referentes ao ensino e à aprendizagem de Estatística.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 83 a 93 83


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Introdução pode limitar ou até impedir a realização dos projetos


de ensino. Para auxiliar-nos nessa delimitação temá-
Este artigo é fruto de reflexões sobre a uti- tica, trouxemos, como interlocutores, Cortesão et al.
lização do trabalho com projetos no ensino e na (2002), que ressaltam a importância de a atividade
aprendizagem da Estatística, que têm como pano fazer sentido para todos, alunos e professores, e de
de fundo nossa experiência como professora de o problema tratado ser comum a toda a comunidade
Matemática da escola básica2. Entretanto, foi a na qual e com a qual eles interagem.
produção, por orientandos nossos, de três pes-
quisas de mestrado, sendo duas já concluídas, O conceito de projecto está ainda
associado ao reconhecimento de que
que possibilitou uma sistematização das vanta- a qualidade do ensino e a capacidade
gens, dos problemas, das limitações desse tipo de corresponder aos problemas do
de proposta de ensino. Além da possibilidade de dia a dia passa pelo envolvimento das
análise crítica, essas três pesquisas nos indicam escolas e dos seus agentes em planos
pistas para a atuação em sala de aula no ensino que trabalhem esses problemas e que,
por isso, criem condições para uma
fundamental e no ensino superior. E podemos formação, com sentido, para todos.
afirmar que, em uma delas, o fato de os sujeitos [...] está associado a concepções de
não terem tido aulas de Estatística antes da gradu- formação que não se coadunam
ação também nos fornece dicas pedagógicas para com a uniformização e que não se
esgotam na instrução e acumulação
o ensino médio. Talvez possamos dizer que um é de conhecimentos (p.23).
pouco; dois é bom; com três, aprendemos!?!?
Um projecto é um estudo em
Os trabalhos referidos têm em comum profundidade, um plano de ação sobre
serem pesquisas sobre a própria prática: uma situação, sobre um problema ou
· o de Maria Auxiliadora B. A. Megid, um tema. [...] envolve uma articulação
intitulado “Professores e alunos construindo sa- entre intenções e acções, entre teoria
e prática, organizada num plano que
beres e significados em um projeto de Estatística estrutura essas acções (p.24)
para a 6a série: estudo de duas experiências em
escolas pública e particular”, defendido dia 10
de dezembro de 2002 (MEGID, 2002); O trabalho em pequenos grupos, usual no
· o de Jefferson Biajone, intitulado “Tra- desenvolvimento de projetos, como os próprios
balhos de projetos: possibilidades e desafios na autores portugueses ressaltam, implica adesão
formação estatística do pedagogo”, defendido dia individual e empenho coletivo em cada uma das
15 de março de 2006 (BIAJONE, 2006); fases. Constitui-se em um espaço e um tempo
· o de Keli Cristina Conti, cujo projeto curriculares em que alunos e professores criam
intitula-se “Projetos colaborativos entre estagiá- oportunidades para que a escola esteja refletindo
rios licenciandos em Matemática e professores sobre problemas sociais, econômicos, tecnológicos,
da Escola Básica: a Estatística na Educação de científicos, artísticos, ambientais de forma integra-
Jovens e Adultos”, em andamento desde 2006 e da. Como afirma Lopes (2003, p.25-26), esse tipo
financiado pela Fapesp3 (CONTI, 2006). de abordagem baseia-se em uma concepção de
Devido à polissemia do termo “projeto” nas que Educação é “um processo de vida e não uma
diversas áreas de atividade humana, cabe situar a preparação para a vida futura”. Essa autora é uma
que tipo de trabalho estamos nos referindo. Abor- importante interlocutora para nós neste texto, pois
daremos projetos no âmbito da Educação, mais sua dissertação de mestrado4 e sua tese de douto-
especificamente refletiremos sobre projetos de ensi- rado5 são na área da Educação Estatística.
no. Temos consciência de que os projetos de escola
têm interação dialética com os de ensino e de que a 4
LOPES, Celi Aparecida E. A probabilidade e a estatística no
cultura escolar, naqueles explicitamente manifesta, ensino fundamental: uma análise curricular. Dissertação de
Mestrado. Campinas/SP. Faculdade de Educação, Universi-
dade Estadual de Campinas – FE/Unicamp, 1998.
2
A autora trabalhou como professora de Matemática das 5
LOPES, Celi Aparecida E. O conhecimento profissional dos
séries finais do ensino fundamental e do ensino médio desde professores e suas relações com estatística e probabilidade na
a conclusão da Licenciatura em Matemática até 1998. educação infantil. Tese de Doutorado. Campinas/SP. Faculda-
3
Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, de de Educação, Universidade Estadual de Campinas – FE/
processo nº 06/59154-3. Unicamp, 2003.

84 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Vale esclarecer também a forma como con- professor, presente com maior ou menor explici-
cebemos a relação da Estatística com a Matemáti- tação nas considerações de final de dissertação
ca, numa perspectiva de ensino e aprendizagem, das duas pesquisas tomadas como referência
trazendo uma sistematização de um texto ante- (MEGID, ibidem; BIAJONE, ibidem). Esse as-
rior produzido com um orientando de doutorado pecto será pouco abordado no presente artigo,
(PAMPLONA; CARVALHO, 2006, p.7): pois tanto Megid como Biajone concordam que
o trabalho de campo que desenvolveram em
Na Matemática são ocultados os seus mestrados foi fundamental para que eles
problemas primeiros, os propósitos, transformassem suas práticas docentes. Ou seja,
as escolhas, restando um modelo que
é reduzido e distante da realidade nesse aspecto, só apresentou vantagens; não há
ou distante das práticas sociais a problemas nem limitações.
partir do qual ele foi gerado ou
ressignificado. A Estatística, apesar Com a investigação foi possível
de utilizar-se de uma linguagem perceber que [...] [é] importante
matemática, não abandona o que sejam utilizados, juntamente
contexto a partir do qual foi criada. com os conhecimentos prévios
Desse modo, Matemática e Estatística dos alunos, os conhecimentos e
tornam-se saberes complementares, as experiências pedagógicas dos
auxiliando o educando a lidar com professores. Nesta perspectiva,
a abstração e a contextualizar os possibilita-se a interação dos
fenômenos originários das questões conhecimentos dos alunos com
em estudos. as experiências pedagógicas e os
conhecimentos dos professores.
(MEGID, ibidem, p.178)
Parece que essa característica da Estatísti-
[...] o trabalho proporcionou avanços
ca de não “abandonar” os problemas primeiros na constituição da professora e da
vai ao encontro do trabalho com projetos e na pesquisadora. (MEGID, ibidem,
perspectiva com a qual temos trabalhado, pois p.179)
tais problemas são definidos conjuntamente por Te r a d q u i r i d o e i g u a l m e n t e
alunos e professor. proporcionado a consciência deste
Os benefícios do trabalho com projetos fato [da importância da cultura
escolar estabelecida] aos seus
no âmbito da Educação Matemática têm sido próprios alunos da Pedagogia
destacados por diversos autores, desde Lou- foi, sem dúvida, o ganho mais
renço Filho (por exemplo, 1978), defendendo significativo que estas mesmas
a “Escola Nova”. Não vamos nos ater a todas decepções, percalços e quebras de
expectativas puderam contemplar.
as vantagens, vamos nos apoiar na síntese de (BIAJONE, ibidem, p.210)
Biajone (idem,) que destaca que trabalhar com
Esse crescimento profissional,
projetos: porém, não se reduz ao
conhecimento estatístico. [...]
1º) permite vivenciar um processo de [O professor] desenvolveu um
investigação que integra conteúdos, trabalho de projetos que assumiu
métodos e fins (p.46); uma perspectiva de protagonismo
2º) per mite tirar partido do por parte dos alunos. (BIAJONE,
envolvimento afetivo do aluno, ibidem, p.212)
bem como torná-lo sujeito de sua
aprendizagem (p.49);
Ainda não temos o registro escrito do
3º) possibilita ao aluno aprender
possível desenvolvimento profissional de Conti,
cooperativamente, lidar com
imprevistos e se tornar consciente pois seu trabalho de campo ainda está em an-
daquilo que o rodeia (p.51); damento, mas em nossas conversas informais
4º) propicia uma postura e práticas temos percebido benefícios ainda não siste-
docentes diferenciadas (p.53) matizados, no que se refere tanto a sua prática
docente como àquela dos dois licenciandos em
Podemos constatar que o quarto benefício Matemática, atuando com ela como estagiários
diz respeito ao desenvolvimento profissional do e auxiliares de pesquisa.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 85


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Além dessa unanimidade no que se refere pela questão que motivou tal produção. De “outra
ao crescimento profissional dos professores de forma, as ferramentas usadas para responder
Matemática quando desenvolvem um trabalho questões artificiais podem parecer artificiais
de projetos, poderíamos nos perguntar o que os também” (MEGID, ibidem, p.154). Além disso,
leva a optar por essa abordagem quando decidem
ensinar Estatística. Uma comparação das fases do não há como negar que o desejo
método estatístico com as de um projeto (Quadro de conhecer mais sobre a realidade
da inclusão das crianças com
1) ajuda-nos a compreender por que eles têm necessidades educacionais especiais
recorrido a essa dinâmica. [tema do projeto] tenha sido a
mola propulsora de todo o trabalho
Fases do método estatístico Fases de um projeto realizado e, por conseguinte, do
(TOLEDO; OVALLE, 1985) (PONTE, 1990) aprendizado que eles adquiriram com
1) Definição do problema 1) Definição do tema relação ao papel, as potencialidades
2) Planejamento 2) Planejamento das ações e as possibilidades da Estatística no
3) Coleta de dados âmbito do exercício de sua profissão.
4) Apuração e organização dos
3) Realização das ações
(BIAJONE, ibidem, p.178)
dados
5) Apresentação dos dados
4) Elaboração das análises e con- Norteados por essas hipótese e concepções,
clusões
6) Análise e interpretação dos dados planejamos conjuntamente com os mestrandos
5) Divulgação e comunicação dos
resultados seu trabalho de campo e temos acompanhado
Quadro 1. de perto o desenvolvimento de suas pesquisas,
Fonte: Biajone, ibidem; p.48.
tanto na elaboração de atividades das diversas
fases do projeto quanto na busca de subsídios
Essa comparação leva-nos a inferir que os teórico-metodológicos para a temática em si e
benefícios do método estatístico são garantidos para a análise das informações produzidas. Os
com o trabalho de projetos, o que, no mínimo, trabalhos de mestrado serão apresentados na se-
garante a produção de algum conhecimento que, quência cronológica, para explicitar nossa busca
de certa forma, acontece. Mesmo considerando de resolução dos problemas que foram apare-
o cientificismo, apontado por Fiorentini e Lo- cendo e de superação de algumas das limitações
renzato (2006), que norteia a sequência de fases impostas pela prática em cada caso.
tanto em uma como em outra coluna, é inegável
a importância desse conhecimento para alunos
Um é pouco...
de todos os níveis de ensino (LOPES, 2004).
Além disso, temos sido levados a defender que,
Nas sessões de orientação com Megid, foi-
se o problema a ser tratado estatisticamente ou
se evidenciando que desejávamos um trabalho de
o tema do projeto não forem realmente do alu-
sala de aula que promovesse a aprendizagem da
no, ele estará desenvolvendo uma tarefa cujo
Estatística, ou seja, que destacasse o aspecto da
sentido é exclusivamente escolar, sem relação
incerteza, do aleatório, do não-determinismo des-
com o desejável aguçamento de olhar que o es-
sa área de conhecimento humano... Não encon-
tatisticar6 pode proporcionar-lhe (PAMPLONA;
tramos, em manuais didáticos, propostas que nos
CARVALHO, 2006). Ou seja, de acordo com nossa
satisfizessem, pois nós nos fomos convencendo
concepção de ensino e de aprendizagem, o aluno
da necessidade de o estudo ser genuinamente do
deve participar do projeto desde a definição do
aluno, referir-se a uma temática que ele desejasse
problema e/ou do tema para que compreenda
investigar, que se lhe constituísse em um problema.
realmente o que é utilizar o método estatístico.
Desenvolver um projeto com a participação dos
Se construir tabelas e elaborar gráficos são habi-
alunos desde a primeira fase – definição do tema
lidades importantes, sua leitura é condicionada
– pareceu-nos uma alternativa que contemplaria
6
Tivemos contato com o termo “estatisticar” na palestra de
nossas inquietações e lançamo-nos a ela. E parece
Régnier (2006) no Simpósio Internacional de Pesquisa em que os alunos aderiram à nossa empreitada, pois
Educação Matemática (SIPEMAT) ocorrido em Recife, em o “fato de os alunos escolherem o tema da pes-
julho de 2006. Vamos desenvolver um pouco mais em que quisa foi um dos principais fatores motivadores
sentido nós o estamos utilizando neste artigo um pouco
mais adiante. do trabalho” (MEGID, ibidem, p.154).

86 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Inicialmente, Megid iria trabalhar somente mencionados muito superficialmente, como a


com uma classe de 6a série de uma escola pública ideia de amostra; seria “necessário um trabalho
sob responsabilidade de uma outra professora mais detalhado para se alcançar a aprendizagem
de Matemática, sua amiga pessoal. Durante a de todos os aspectos da Estatística” (MEGID, ibi-
elaboração do projeto, ela foi se entusiasmando dem, p.153). Um segundo problema, relativo à
e resolveu levá-lo às aulas de Matemática sob sua relação entre o conteúdo matemático e as ideias
responsabilidade na 6a série da escola particular estatísticas, é o trabalho com porcentagem. A ex-
na qual lecionava7. periência anterior dos alunos da escola particular
Além daqueles benefícios relativos ao seu com o tema mostrou-se importante, mas não os
desenvolvimento profissional já mencionados, impediu de ter dificuldades; parece que “o cem
Megid (ibidem) destaca sete vantagens para a por cento, que seria o todo teórico, não se consti-
formação dos alunos. Um benefício, ocorrido tuía ainda um instrumento internalizado” (ME-
nas duas escolas, foi terem os alunos – mesmo GID, ibidem, p.156, grifos da autora). Ou seja, os
os que afirmaram nunca terem ouvido falar antes conhecimentos prévios dos alunos, matemáticos
sobre essa área de conhecimento – constituído e ou estatísticos, têm que ser mobilizados de forma
ampliado concepções sobre a Estatística e sobre adequada pelo professor; o trabalho de projetos,
os instrumentos de organização de informações. por si só, não garante essa mobilização.
Outra vantagem foi essa aprendizagem ter-se es- Uma outra dificuldade com o trabalho de
tendido a todos os alunos: aos “que nunca haviam projetos foi que, apesar do envolvimento dos
tido contato com essa linguagem [a estatística], alunos, nem sempre as tarefas foram concluídas
abria-se um caminho; aos outros, ampliavam-se a contento, como nos relata a própria Megid
as possibilidades de compreensão” (MEGID, (ibidem, p.155).
ibidem, p.152). Também no que se refere à cons-
tituição dos conteúdos matemáticos, os alunos A contagem das respostas foi difícil
apresentaram avanços. Para citar só três temas, nas duas escolas, sendo que na
Escola A [pública] não conseguimos
temos a contagem de grandes quantidades; os terminar de forma satisfatória, ou
cálculos para completar tabelas e para produzir seja, as quantidades de respostas
gráficos; e o tratamento de porcentagem que contadas não coincidiam com o total
“levava a vantagem de estar conectado com algo de questionários. Embora tivéssemos
ficado com os totais relatados pelos
que apresentava sentido para os alunos naquele alunos na classe, na confecção
momento” (MEGID, ibidem, p.156); sem falar na das tabelas apontei a eles que a
manipulação dos instrumentos de desenho. discordância entre estas somas seria
Uma quarta vantagem foi o aprendizado prejudicial numa pesquisa estatística.
do trabalho em grupo: os alunos manifestaram ter Mas chegamos a um acordo de que,
para uma tarefa escolar, e por se tratar
percebido que dependia de cada um, de sua for- de uma primeira vez que estavam
ma de participação em cada fase, o desenrolar das realizando um trabalho como aquele,
aulas e da aprendizagem. Saber trabalhar dessa poderíamos aceitar estas diferenças.
maneira é um conhecimento importante, que
não se restringe ao âmbito da instituição escola, Além disso, se todos os alunos foram, de
pois envolve a constituição do saber participar alguma forma, beneficiados em sua formação
de atividades coletivas, ouvir o outro, expor e estatística, três dos sete grupos da escola públi-
acatar opiniões, produzindo assim novos conhe- ca não conseguiram registrar suas opiniões em
cimentos. A mesma amplitude tem o registro de momentos do trabalho. Provavelmente, esse fato
discussões e conclusões, seja via apresentações deve-se a sua pouca– ou inexistente – experiência
orais, seja via relatórios escritos: sua ação excede anterior em trabalhar em grupo.
os limites dos bancos escolares.
Mas temos problemas e limitações... Uma Dois é bom...
delas foi que alguns temas estatísticos foram
Apesar de termos consciência das quatro
7
Na escola pública, os alunos escolheram pesquisar “O que
limitações – ou seriam problemas? – que emer-
os alunos desta escola pensam do futuro?”, e, na escola par-
ticular, “Racionamento de energia” (MEGID, 2002). giram no trabalho com projetos desenvolvido

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 87


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

por Megid (ibidem), na pesquisa de Biajone como defende o próprio Skovsmose (2001), ins-
resolvemos correr o risco novamente. Avaliamos pirado em Paulo Freire, que a adesão ao trabalho
que, se não fosse possível tratar adequadamente de projetos fosse uma alternativa para a consti-
todos os temas estatísticos previstos na discipli- tuição de um conhecimento matemático crítico,
na “Estatística Aplicada à Educação”, os alunos opondo-se à “ideologia da certeza em Matemáti-
compensariam esse fato com a constituição de ca”. Imaginamos que esse trabalho possibilitaria
um conhecimento mais significativo. Essa signi- aos futuros pedagogos aquela aprendizagem da
ficação maior, de certa forma, favoreceria a mobi- Estatística na qual está presente o aspecto da
lização de conhecimentos prévios escolares, ou incerteza, do aleatório, do não-determinismo.
não, tanto os matemáticos como os estatísticos. Quanto à atitude negativa com relação à
Supúnhamos também que, em se tratando do Estatística, originada na aversão à Matemática,
ensino superior, o envolvimento dos estudantes parece que houve um avanço importante, como
com as tarefas seria mais eficiente em relação ao menciona Biajone (ibidem, p.151), que destaca “o
sucesso destas. Além disso, por ser um curso de nível de (re)significação da postura dos alunos da
Pedagogia, fomos levados a supor que o trabalho Pedagogia em relação ao saber estatístico como
em grupo fosse mais familiar àqueles alunos. uma resultante do prazer e da necessidade de
Biajone era recém-licenciado quando ini- aprender Estatística que o trabalho de projetos
ciou o mestrado. Tinha pouca experiência como realizado possibilitou despertar nestes alunos”.
professor de Matemática; podemos considerá-lo Uma outra vantagem, a de aprender a traba-
um professor iniciante (HUBERMAN, 1997). Em lhar em grupos, que avaliamos não haveria naquele
suas reflexões, ao cursar a disciplina “Prática de curso, foi revelada nas entrevistas dos participan-
Ensino de Matemática e Estágio Supervisiona- tes. Os alunos perceberam a importância de seu
do”, havia expressado – por escrito, nas mono- protagonismo nas aulas de Estatística no que se
grafias e resenhas, e oralmente, nos seminários refere, tanto à produção de saberes quanto ao seu
apresentados8 – sua insatisfação com as aulas envolvimento com essa área de conhecimento.
ditas “tradicionais” e seu encantamento por di-
nâmicas alternativas. Nas reuniões de orientação, Um primeiro destes benefícios residiu
fomos percebendo que desejávamos abandonar no fato de que ao se trabalhar em grupo,
os alunos participantes são estimulados
o que Alrø e Skovsmose (2006, p.25) chamam de a discutirem diferentes soluções e
absolutismo burocrático, advindo do absolutismo estratégias para um problema, bem
filosófico e que “vem à tona [em sala de aula] como aprender a debater, ponderar e
quando os erros (dos alunos) são tratados como acatar opiniões e contribuições alheias.
Pelos relatos obtidos, percebe-se que
absolutos. [...] Os alunos não são apresentados a este benefício foi vivenciado com
uma argumentação, mas a uma autoridade apa- a realização do projeto estatístico
rentemente uniforme e consistente [o professor], (BIAJONE, ibidem, p.155)
muito embora os reais motivos para as correções
possam ser bem outros”. Alguns benefícios ocorridos no trabalho
Além disso, sua experiência, embora pe- de Megid (ibidem) foram usufruídos também pe-
quena, como professor de “Estatística Aplicada à los alunos de Biajone (ibidem), como: constituir
Educação”, em cursos de Pedagogia, indicava-lhe e ampliar concepções sobre a Estatística e sobre
que a atitude negativa dos alunos com relação os instrumentos de organização e tratamento
à Matemática, transferida para a Estatística, não de informações, destacando-se a produção e a
era revertida com a abordagem tradicional com leitura de tabelas e gráficos – nesse aspecto o
a qual vinha trabalhando. Desejávamos estabe- uso do computador foi também um aprendizado
lecer uma dinâmica de cooperação investigativa importante –, além do cálculo de porcentagens.
(ALRØ; SKOVSMOSE, ibidem)9. Esperávamos, Além disso, o “zero” foi (re)significado, pois
não era considerado como número e, tampouco,
8
Esses comentários estão registrados no caderno de anota- como frequência, pelos estudantes.
ções da autora deste texto, que era a professora responsável
pela disciplina.
9
Para aprofundamento desta ideia, vide Alrø e Skovsmose estabeleça uma dinâmica de cooperação investigativa em
(2006), que indicam as características do diálogo para que se aulas de Matemática.

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Provavelmente devido à maior escola- se como o outro a que Certeau (idem) se refere.
rização, os alunos de Biajone (ibidem, p.182) Tanto alunos como professor concordavam que
perceberam quanto eles se aprofundaram no a avaliação baseada em provas não reflete a
tema que resolveram investigar10 previamente à aprendizagem ocorrida e nem o ensino minis-
saída a campo: “nota-se pelo posterior registro trado. Entretanto, as providências para prevenir
em seus cadernos que aquela importância havia o fracasso com relação a elas são conhecidas, já
sido, de fato, reconhecida por eles, o que impli- tinham se constituído em táticas:
cou, inclusive, a ampliação e consolidação do
entendimento que os grupos passaram a ter do - aos alunos cabe “mecanizar/decorar” os
tema do projeto”. procedimentos de resolução de exercícios; e
Um quinto benefício do qual os alunos - ao professor, elaborar provas com exercícios
tomaram consciência e registraram em suas avalia- bem semelhantes aos resolvidos em aula
ções do curso foi a produção de novas informações e considerar, na correção, qualquer traço
a partir da leitura e da interpretação dos dados. de resolução apresentado.
Especificamente na formação do pedagogo, temos
outras duas vantagens destacadas por Biajone A avaliação de um tipo de trabalho no qual
(ibidem): “ser capaz de formular boas questões” a presença e as reflexões de aula são insubstituí-
(p.182); e elaborar “um instrumento de levanta- veis e não há como “copiar” a matéria do colega,
mento de dados” (p.183). Cada grupo “teve a chan- parecia àqueles estudantes impossível de ser
ce de contribuir para a construção do questionário realizada sem “grandes injustiças”. As outras dis-
a partir das questões que formulou, percebendo, ciplinas que avaliavam através de provas foram
neste processo, as demandas que um instrumento ocupando os espaços da Estatística Aplicada à
de levantamento de dados estatísticos poderia Educação e as tarefas foram delegadas aos colegas
exigir antes de sair a campo” (p.183-184). de grupo presentes às aulas e/ou ao professor,
Mas... que precisava que o projeto terminasse e seus
Apesar de, realmente, o envolvimento dos resultados fossem divulgados e comunicados.
alunos ter garantido maior eficiência das tarefas A nota requerida pela secretaria da escola seria
relativas ao projeto, Biajone (ibidem) destaca o fatalmente “injusta”, pois não havia como orde-
problema do necessário enfrentamento do que nar as produções que vinham realizando. Biajone
denominamos a cultura escolar estabelecida, o teve que recorrer a um sistema de “atribuição de
que ocorreu sob dois aspectos: um deles foi o sis- pontos” que lhe custou o aderir a um aspecto
tema de avaliação da aprendizagem com o qual da cultura escolar estabelecida que esperava
os estudantes e o professor estavam acostumados combater.
e tinham táticas para enfrentar. Referimo-nos à Outra decorrência do enfrentamento da
tática, como concebido por Certeau (1994, p.46), cultura escolar estabelecida que se constituiu
ou seja, esta é: como uma limitação do trabalho com projetos
foi o desempenho dos grupos: somente quatro
um cálculo das relações de forças dos sete grupos terminaram o curso com algu-
que se torna possível a partir do ma coesão. Os componentes mais frequentes
momento em que um sujeito de
querer e poder é isolável de um
às aulas dos outros três grupos manifestaram,
“ambiente”. A tática só tem por seis meses depois do final do curso, seu des-
lugar o do outro. Ela se insinua, conforto em ter de assumir as tarefas sozinhos.
fragmentariamente, sem apreendê- Há dois pontos que, de certa forma, nos pare-
lo por inteiro, sem poder retê-lo à cem paradoxais: nenhum aluno participante
distância. Ela não dispõe de base
onde capitalizar os seus proveitos, da pesquisa manifestou discordância quanto
preparar suas expansões e assegurar à importância daquele tipo de trabalho em
uma independência em face das aulas de Estatística, e durante o desenvolvi-
circunstâncias. mento do projeto nenhum aluno manifestou
A cultura escolar estabelecida constitui- esse desconforto, mesmo tendo um caderno
no qual poderia fazer observações desse tipo.
Esse último ponto, provavelmente, deve-se a
10
Crianças com necessidades educacionais especiais.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 89


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

uma concepção de coleguismo equivocada, O objetivo desse projeto é investigar o en-


segundo a qual não é importante a produção sino e a aprendizagem de Estatística em classes
de conhecimento, e sim a nota do colega, que do segundo segmento do ensino fundamental da
pode ser prejudicada. Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nos encon-
Outra fonte de expectativa foi o (re)signi- tros de orientação destinados a aprimorar o projeto
ficar dos saberes estatísticos por aqueles alunos, para submetê-lo à Fapesp (CONTI, ibidem, p.11),
o que parece não ter ocorrido a ponto de tais consideramos que o trabalho com projetos aten-
saberes serem transformados em instrumentos deria aos objetivos da pesquisa que desejávamos
explícitos de produção de novos conhecimentos. desenvolver e propiciaria a produção de material
Não houve “um trabalho mais apurado de análise de análise para abordar a questão: “Quais as
e interpretação [...] respaldado com o tratamento possibilidades e os limites das aulas exploratório-
das medidas estatísticas descritivas previstas investigativas no ensino da Estatística, em aulas
pela disciplina” (BIAJONE, ibidem, p.187). Con- de Matemática, no segundo segmento do ensino
sideramos, portanto, que essa falha permaneceu fundamental da EJA?”. Esse trabalho vem sendo
na formação daquelas pessoas como pedagogos, desenvolvido, desde março de 2007, em uma 7a sé-
como administradores escolares. rie do ensino fundamental da EJA11 de uma escola
pública paulista. A pesquisadora foi auxiliada por
Com três, aprendemos!?!? dois estagiários, licenciandos em Matemática, que
a acompanharam no trabalho de campo.
Enfrentar problemas emergentes da prática Consideramos que o diálogo com Rég-
pedagógica e superar limitações impostas pelas nier (2006) deveria dar-nos pistas para incluir a
circunstâncias do cotidiano escolar constituem, habilidade de estatisticar entre aquelas a serem
na concepção com a qual temos trabalhado, desenvolvidas na escola básica, assim como as de
objetivos principais da pesquisa em Educação ler, escrever e contar. Assumir o estatisticar como
Matemática. Sendo assim, avaliamos que, no básico para o letramento do aluno tem-nos indica-
desenvolvimento da pesquisa de mestrado de do uma perspectiva de ensino que visa superar as
Conti, poderíamos fazer um trabalho de projetos limitações que tínhamos enfrentado no trabalho
na Educação Estatística que enfrentasse os desa- de campo de Megid (ibidem) e Biajone (ibidem).
fios que nos tinham sido apontados por Megid Aproximamos o estatisticar da literacia estatística
(ibidem) e por Biajone (ibidem). A enunciação explicitada por Lopes (2004, p.188) como:
das soluções propostas às questões decorrentes
A aquisição de habilidades relativas
dos projetos desenvolvidos nas duas 6as séries e à literacia estatística requer o
na disciplina Estatística Aplicada à Educação se- desenvolvimento do pensamento
rão inseridas na narrativa do trabalho de campo estatístico, o qual permite que a pessoa
da mestranda, ainda em andamento. seja capaz de utilizar ideias estatísticas
e atribuir um significado à informação
No projeto apresentado por Conti para se-
estatística. Por outras palavras, ser capaz
leção do mestrado já se manifestava seu desejo de de fazer interpretações a partir de um
trabalhar com aulas exploratório-investigativas conjunto de dados, de representações
que podemos, sem perda de conteúdo pedagó- de dados ou de um resumo de dados.
gico, indicar como um modelo de cooperação O pensamento estatístico consiste
em uma combinação de ideias sobre
investigativa. Como explicita Fiorentini, (2006, dados e incerteza, que conduzem
p.29, grifo do autor): uma pessoa a fazer inferências para
interpretá-los e, ao mesmo tempo,
As aulas exploratório-investigativas apropriar-se de conceitos e ideias
são aquelas que mobilizam e estatísticas como a distribuição de
desencadeiam, em sala de aula, frequências, medidas de posição e
tarefas e atividades abertas, dispersão, incerteza, acaso e amostra.
exploratórias e não -diretivas
do pensamento do aluno e que
apresentam múltiplas possibilidades 11
As quatro últimas séries do ensino fundamental de cursos
de alternativa de tratamento e presenciais destinados à EJA das escolas públicas estaduais
significação. paulistas desenvolvem-se em dois anos, cada uma delas
correspondendo a um semestre letivo.

90 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Os alunos das duas 6as séries e os do curso contemplaria mais os instrumentos estatísticos, o
de Pedagogia haviam feito as inferências mais que realmente ocorreu. Um dos grupos, inclusive,
simples, mas tínhamos dúvidas sobre a consti- considerou que, por haver uma grande concentra-
tuição de um conhecimento estatístico que se ção de alunos na primeira faixa etária13, a tabela de
transformasse em instrumento de análise, que idades dos alunos informaria mais que o gráfico.
aguçasse o olhar dos alunos para a produção de Assim, colocaram-na em seu pôster.
informação possível a partir dessa aprendiza- Quanto ao trabalho em grupo, parece que
gem. Ou seja, parecia-nos fundamental superar a hipótese levantada em texto anterior (LIBE-
a limitação do trabalho com projetos referente RATO; CARVALHO, 2006, p.5) confirmou-se no
à aprendizagem da Estatística: tínhamos que desenvolvimento do projeto de Conti: “os alunos
estabelecer ideias que seriam abordadas de [de EJA] consideram que existe uma cooperação
forma a poder constar em um rol programático entre colegas de diferentes faixas etárias”. Sendo
de temas que os alunos tivessem consciência de assim, os grupos vêm trabalhando colaborativa-
ter estudado conosco. Sendo assim, incluímos, mente e apresentando até aqui uma produção
no apertado cronograma de Conti, a elaboração que pode ser considerada de boa qualidade para
de uma síntese das ideias estatísticas – registra- uma 7a série do ensino fundamental: as sínteses
da pelos alunos nos portfolios individuais que elaboradas foram anotadas nos portfolios indi-
produziram. viduais, e as conclusões de cada grupo estão
No que se refere à contagem das respostas presentes nos pôsteres.
dadas às questões dos questionários, não apa- Quanto ao enfrentamento da cultura
receram às questões que Megid (ibidem) relata. escolar estabelecida, a “autonomia” que os
Podemos supor que o ocorrido deva-se ao fato professores paulistas têm tido na avaliação da
de Conti ter elaborado instrumentos de confe- aprendizagem de seus alunos e a valorização
rência mais eficientes. Entretanto, levantamos do projeto pela direção da escola, permitindo a
outras duas hipóteses sobre esse sucesso dos divulgação à comunidade, têm mantido os alu-
alunos de EJA, confirmadas por passagens nos nos envolvidos, mesmo considerando não serem
diários de campo dos licenciandos e por remi- mais alunos de Conti14 e já estarem cursando
niscências da autora12. Uma primeira suposição a 8a série no semestre em que este artigo está
é que esses estudantes valorizam mais essa tarefa sendo escrito.
mecânica de contagem, pois têm mais consciên-
cia da importância das tabelas que estão sendo O tempo para a superação
construídas como instrumento de, pelo menos,
organização dos dados. Podemos supor, também, Durante o desenvolvimento dos projetos
que eles têm mais paciência com as limitações de ensino de Estatística, nossa sensação é de que
humanas em tarefas desse tipo, talvez com base estamos elaborando estratégias para enfrentar a
em experiências não-escolares. Resta-nos a ques- cultura escolar, mas temos receio que estejamos
tão: este trabalho necessitaria de alunos mais criando apenas táticas com relação ao tempo,
velhos? Perguntamo-nos também se os recursos pois, como postula Certeau (ibidem, p.47), como
de informática não resolveriam esse problema sujeitos de querer e poder, não somos isoláveis de
sem aprisionar os adolescentes. um ambiente a ponto de o nosso próprio tempo
Outro problema encontrado por Biajone vencer o “tempo escolar”; além disso, “pelo fato
(ibidem) que procuramos superar diz respeito à úl- do seu não-lugar, a tática depende do tempo,
tima fase do projeto: a divulgação e comunicação vigiando para ‘captar no voo’ possibilidades de
dos resultados. Desejávamos que ela fosse a sexta ganho”. Temos constantemente que jogar com os
fase do método estatístico: a análise e interpreta-
ção dos dados baseadas nas tabelas e nos gráficos 13
Os alunos que responderam aos questionários eram, em sua
construídos. Conti então avaliou que um pôster, maioria, de classes regulares, e não da EJA, daí a concentração
na faixa etária de 14 a 18 anos.
que privilegia mais os aspectos de ilustração, 14 Por determinação de seu contrato com a agência financia-
dora, Conti teve de se exonerar de seu cargo de professora
12
Durante nove anos de trabalho como professora de Mate- efetiva do Estado de São Paulo para receber a bolsa. A pessoa
mática de EJA, a autora teve oportunidade de desenvolver que a substituiu aceitou que ela continuasse a desenvolver seu
vários projetos com seus alunos. trabalho de campo na classe na qual já havia começado.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 91


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

tempos escolares e transformar os acontecimen- das faltas generalizadas e, sobretudo,


tos em ocasiões, e nossa “síntese intelectual tem do desengajamento por parte de
alguns deles que ocorreu ao longo
por forma não um discurso, mas a própria deci-
do semestre. Consequentemente, se
são, ato e maneira de aproveitar a ‘ocasião’”. não fosse pelo comprometimento dos
Assim, para Megid (ibidem), as restri- demais grupos e a minha participação
ções relativas ao tempo ocorreram na escola nas próprias atividades para assegurar
pública e, na sua opinião, quase não compro- a realização do projeto, acredito que
este não teria sido concluído a tempo.
meteram o trabalho: uma faixa e um painel (p.167, grifo nosso)
destinados à divulgação dos resultados não [...] há circunstâncias operacionais
foram expostos em uma feira ocorrida na es- inerentes tanto da instituição na qual
cola, conforme estava programado. Podemos este trabalho está se desenvolvendo,
perceber que ela aproveitou a ocasião de uma como do currículo no qual ele
colega, com a qual mantinha relações pessoais se encontra inserido que podem
comprometer o seu sucesso.
de amizade, dar-lhe espaço para o trabalho de
A questão da presença e
campo de sua pesquisa e desenvolveu junto participação discentes, bem como
com os alunos o projeto “O que os jovens desta dos procedimentos de avaliação
escola pensam do futuro?”. Não temos notícias foram os exemplos mais marcantes
sobre o quanto seu mestrado transformou o destas circunstâncias, além do que
a complexidade do próprio trabalho
projeto daquelas escolas – inclusive da escola
de projeto demonstrou necessitar
particular – e, além disso, temos poucas razões de mais encontros para garantir
para ser otimistas... a sistematização dos conceitos e
Biajone (ibidem), em diversos pontos da conteúdos estatísticos previstos
sua dissertação, destaca o quanto os tempos naquela disciplina, ou seja, de um
calendário escolar mais flexível.
escolares eram do outro, no sentido de Certeau (p.203, grifos nossos)
(ibidem). Destacamos alguns trechos que con-
cretizam nossa afirmação:
À questão da cultura escolar, soma-
se o fato de que os imprevistos e
[...] mas a exiguidade do número de problemas gerados pela própria
encontros disponíveis impossibilitou instituição contribuíram da sua
com que o trabalho mais apurado de maneira, reduzindo o número de
análise e interpretação dos enfoques encontros disponíveis e quebrando
pudesse ser realizado e respaldado a continuidade do projeto (p.206,
com o tratamento aprofundado das grifo nosso)
medidas estatísticas das medidas
estatísticas descritivas previstas pela
disciplina. Parece que criar estratégias no ensino
Em função da necessidade de concluir superior enfrenta maiores resistências. Cada
o projeto a tempo, o prof. Jefferson tática elaborada parece não dispor de base na
teve de agir na urgência e decidir na
qual capitalize seus proveitos, prepare suas ex-
incerteza, pois só seria possível fazer
uso de uma destas medidas15 se o pansões e assegure uma independência em face
intuito era o de fornecer aos alunos das circunstâncias; não se liberta dos tempos,
uma ferramenta a mais na execução de principalmente os escolares. E, por mais que
suas análises. (p.187, grifos nossos) busquemos estratégias, acabamos recorrendo
a táticas – é ao que temos acesso. Parece que a
O único porém é que esta organização do tempo na escola é um algoz do
contribuição [ser protagonista da qual não conseguimos nos desvencilhar.
sua aprendizagem] não foi forte o
bastante para suportar o impacto Não desistimos!!! Um dos estagiários que
das dificuldades concretas da trabalharam com Conti no primeiro semestre de
vida dos alunos da turma, dos 2007, Gilberto da Silva Liberato, resolveu – en-
imprevistos, das aulas suspensas, frentando a questão do tempo – desenvolver o
trabalho de campo da sua iniciação científica16,
15
Ele optou por abordar média de freqüência, e a moda foi
abordada implicitamente. 16
Financiado pela Fapesp, processo nº 05/50265-4.

92 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

dando continuidade ao projeto de ensino de LIBERATO, Gilberto S.; CARVALHO, Dione L. de. A
Estatística. Quais avanços conseguiremos no relação entre adolescentes e adultos nas aulas de Ma-
trabalho de Conti e de Liberato? temática de EJA (Educação de Jovens e Adultos). In:
Anais... VIII EPEM – Encontro Paulista de Educação
Matemática, São Paulo, 24 a 26 ago. 2006, CD-ROM.
Referências LOPES, Celi Aparecida E. (org.). Matemática em
projetos: uma possibilidade! Campinas/SP: FE/
ALRØ, Helle; SKOVSMOSE, Ole. Diálogo e Unicamp; Cempem, 2003.
aprendizagem em Educação Matemática. Tra-
dução de Orlando Figueiredo. Belo Horizonte: LOPES, Celi Aparecida E. Literacia estatística e o
Autêntica, 2006. INAF 2002. In: FONSECA, Maria da Conceição F.
R. (org.). Letramento no Brasil: habilidades ma-
BIAJONE, Jefferson. Trabalhos de projetos: pos- temáticas: reflexões a partir do INAF 2002 – São
sibilidades e desafios na formação estatística do Paulo: Global: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa
pedagogo. Campinas/SP. Dissertação de Mestrado e Informação. Instituto Paulo Montenegro, 2004,
em Educação, FE/Unicamp, 2006. p.187-197.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: MEGID, Maria Auxiliadora B. A. Professores e
1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim F. Alves. alunos construindo saberes e significados em
Petrópolis/RJ: Vozes, 1994 (publicado em francês um projeto de Estatística para a 6a série: estudo
em 1990). de duas experiências em escolas pública e parti-
CONTI, Keli Cristina. Projetos colaborativos entre cular. Campinas/SP. Dissertação de Mestrado em
estagiários licenciandos em Matemática e profes- Educação, FE/Unicamp, 2002.
sores da escola básica: a Estatística na Educação de PAMPLONA, Admur Severino; CARVALHO,
Jovens e Adultos. Submetido à Fapesp (Fundação Dione L. de. Ensino de Estatística e práticas pe-
de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) em dagógicas. In: Anais... SIPEMAT – Simpósio In-
2006, aprovado em 2007, processo nº 06/59154-3. ternacional de Pesquisa em Educação Matemática,
CORTESÃO, Luiza; LEITE, Carlinda; PACHECO Recife, 10 a 14 jul. 2006, CD-ROM.
José Augusto. Trabalhar com projetos em Edu- RÉGNIER, Jean-Claude. Formação do espírito
cação. Uma inovação interessante? Porto: Porto estatístico e cidadania: instrumentos matemáticos
Editora, 2002. para a leitura do mundo. In: Anais ... SIPEMAT,
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profis- Recife, 10 a 14 jul. 2006, CD-ROM.
sional dos professores. In: NÓVOA, A. SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática crítica:
( o r g . ) . V i d a s d e p r o f e s s o r e s . Po r - a questão da democracia. Tradução de Abgail
t o : Po r t o E d i t o r a , C o l e ç ã o C i ê n c i a s d a Lins e Jussara de Loiola Araújo. Campinas/SP:
Educação, n.4, 1997. Papirus, 2001.

Dione Lucchesi de Carvalho – Prapem – Prática Pedagógica em Matemática – FE/Unicamp – dione_paulo@uol.com.br

Artigo encomendado.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 93


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

94 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

TRABALHANDO VOLUME DE CILINDROS ATRAVÉS DA


RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Working on Cylinder Volume Through Problem Solving

Lourdes de la Rosa Onuchic


Norma Suely Gomes Allevato

Resumo In it we analyzed an experience done with pre-


service and in-service teachers, where the worked
O objetivo do presente artigo é apresentar a topic was Geometry, and specifically the cylinder’s
metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação volume calculation. A course was furnished to
de Matemática através da Resolução de Problemas, the teachers who did activities in the same way
como metodologia para o trabalho em sala de it would be treated in that learning methodology
aula. Analisamos uma experiência realizada com which would be implemented by them, with their
professores em formação inicial e em exercício, learners during the math lessons. The idea was
em que o tópico matemático era a Geometria, to solve a problem proposed to the participants
especificamente o cálculo do volume de cilindros. under the guide of the authors of this article, going
Um minicurso foi ministrado aos professores, from the confirmation acquired from a concrete
que realizaram atividades do mesmo modo que experienced manipulation, promoting reflections
consideramos que a metodologia de ensino and a real discussion about new contents. Only
deveria ser implementada por eles, com seus at the work end, the authors could go to a correct
alunos, em aulas de Matemática. A ideia era a mathematical formalization of the constructed new
de resolver um problema que foi proposto aos math. Then, we believe, the participant teachers
participantes pelas autoras deste artigo, partindo could live that kind of teaching work, where the
da constatação, a partir da manipulação de uma problems are the start point for the introduction
experiência concreta, para, em seguida, promover of new concepts and new mathematical contents
uma discussão e reflexões sobre o conteúdo e, in their classrooms.
somente ao final do trabalho, chegar à formalização
da nova matemática construída. Os professores Keywords: High School. Problem Solving.
participantes puderam vivenciar essa forma de Teaching-Learning-Assessment Methodology.
trabalho docente, em que os problemas são ponto Geometry.
de partida para a introdução de novos conceitos e
novos conteúdos matemáticos em aula. Introdução

Palavras-chave: Ensino médio. Resolução de Este artigo relata o sucedido durante um


problemas. Metodologia de ensino. Geometria. minicurso oferecido para professores e futuros
professores que buscavam recursos para uma
Abstract nova forma de trabalhar matemática em suas
salas de aula. Fazendo uso da metodologia de
The objective of this article is to present the ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática
“Teaching-Learning-Assessment Methodology através da Resolução de Problemas, um problema
of Mathematics through Solving Problems” as a
envolvendo o cálculo do volume de cilindros
work methodology proposed for the classroom.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 - pp. 95 a 103 95


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

permitiu rever e construir novos conhecimentos Para Van de Walle (2001), a resolução de pro-
de Matemática com compreensão e significado. blemas deve ser vista como a principal estratégia de
ensino, e ele chama a atenção para que o trabalho
A resolução de problemas como de ensinar comece sempre onde estão os alunos, ao
metodologia de ensino contrário da forma usual em que o ensino começa
onde estão os professores, ignorando-se o que os
Para Van de Walle (2001), muitas vezes se alunos trazem consigo para a sala de aula. Diz ainda
fala em trabalhar com problemas para ensinar que o valor de se ensinar com problemas é muito
matemática sem se ter uma ideia clara do que é grande e que, apesar de ser difícil, há boas razões
um problema. Há muitas diferentes concepções de para empreender esse esforço.
problema. Para nós, é tudo aquilo que não sabe- O ensino-aprendizagem de um tópico
mos fazer, mas que estamos interessados em fazer. matemático deve sempre começar com uma
Para ele, um problema é definido como qualquer situação-problema que expressa aspectos-chave
tarefa ou atividade para a qual os estudantes não desse tópico, e técnicas matemáticas devem ser
têm métodos ou regras prescritas ou memorizadas desenvolvidas na busca de respostas razoáveis
e nem a percepção de que haja um método espe- à situação-problema dada. O aprendizado, des-
cífico para chegar à solução correta. se modo, pode ser visto como um movimento
Assim é importante reconhecer que a ma- do concreto (um problema do mundo real que
temática deve ser trabalhada através da resolução serve como exemplo do conceito ou da técnica
de problemas, ou seja, que tarefas envolvendo operatória) para o abstrato (uma representação
problemas ou atividades sejam um veículo pelo simbólica de uma classe de problemas e técnicas
qual um currículo pode ser desenvolvido. A para operar com esses símbolos).
aprendizagem será uma consequência do pro- Sem dúvida, ensinar matemática através
cesso de resolução de problemas. da resolução de problemas é uma abordagem
Vale relembrar que, em 1989, a publicação consistente com as recomendações do NCTM3
Curriculum and Evaluation Standards1 (NCTM, e dos PCN4 (BRASIL, 1997, 1998, 1999), pois
1989) dizia que a resolução de problemas deveria conceitos e habilidades matemáticos são apren-
ser o objetivo principal de todo o ensino de mate- didos no contexto da resolução de problemas. O
mática e uma parte integrante de toda a atividade desenvolvimento de processos de pensamento de
matemática, e que os alunos deveriam fazer uso alto nível deve ser promovido através de experi-
de abordagens em resolução de problemas para ências em resolução de problemas, e o trabalho
investigar e compreender os conteúdos matemá- de ensino de matemática deve acontecer num
ticos. Durante dez anos permaneceu evidente ambiente de investigação orientada em resolução
a ideia de que resolução de problemas era um de problemas.
veículo forte e eficiente para a aprendizagem ma- Em nossa visão, a compreensão de mate-
temática. Os Standards2 (NCTM, 2000) afirmam, mática, por parte dos alunos, envolve a ideia de
de uma maneira convincente, que resolução de que compreender é essencialmente relacionar.
problemas não é só um objetivo da aprendizagem Essa posição baseia-se na observação de que a
matemática, mas, também, um meio importante compreensão aumenta quando o aluno é capaz
para se fazer matemática. Essa visão, mesmo de: relacionar uma determinada ideia matemá-
hoje, está longe de ser alcançada. Entretanto, na tica a um grande número ou a uma variedade de
sala de aula, onde os professores têm adotado contextos, relacionar um dado problema às mui-
essa abordagem, o entusiasmo de professor e tas ideias matemáticas implícitas nele e construir
alunos é alto e ninguém quer voltar a trabalhar relações entre essas várias ideias matemáticas.
com a forma de ensino tradicional. Ressalte-se que as indicações de que um estudan-
te entende, interpreta mal ou não entende ideias
matemáticas específicas surgem, com frequência,
1
Curriculum and Evaluation Standards for School Mathema-
tics – Padrões Curriculares e de Avaliação para a Matemática
quando ele resolve um problema.
Escolar (EUA).
2
Standards 2000 – Principles and Standards for School Ma- 3
National Council of Teachers of Mathematics – Conselho
thematics – Princípios e Padrões para a Matemática Escolar Nacional de Professores de Matemática (EUA).
(EUA). 4
Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil).

96 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Acreditamos que, ao trabalhar com re- O ensino-aprendizagem-avaliação de


solução de problemas, deveríamos fazer da Matemática através da Resolução de Problemas
compreensão seu foco central e seu objetivo. O é diferente daquele trabalho em que regras de
papel da resolução de problemas no currículo “como fazer” são privilegiadas. Trata-se de um
passaria, desse modo, de uma atividade limitada trabalho onde um problema é ponto de partida e
para engajar os alunos, depois da aquisição de orientação para a aprendizagem, e a construção
certos conceitos e determinadas técnicas, para do conhecimento far-se-á através de sua reso-
ser tanto um meio de adquirir novo conhecimen- lução. Professor e alunos, juntos, desenvolvem
to como um processo no qual pode ser aplicado esse trabalho, e a aprendizagem realiza-se de
aquilo que previamente havia sido construído modo cooperativo e colaborativo em sala de
(ONUCHIC, 1999). aula (AllevatO; ONUCHIC, 2007; ONUCHIC;
Van de Walle (2001) sugere que uma aula, ALLEVATO, 2005, 2009).
através da resolução de um problema, deve ser Não há formas rígidas para colocar em
estruturada em três partes: antes, durante e prática essa metodologia. Uma nossa proposta
depois. Para a primeira parte, o professor deve consiste em organizar as atividades seguindo as
garantir que os alunos estejam mentalmente seguintes etapas a seguir.
prontos para receber a tarefa, isto é, o professor
deve saber que um conhecimento prévio deve 1) Preparação do problema – Selecionar
ser do domínio do aluno para a construção um problema visando à construção de um
dessa nova matemática que ele quer construir. novo conceito, princípio ou procedimento.
Na fase “durante”, os alunos trabalham e o Esse problema será chamado problema
professor observa e avalia esse trabalho. Nessa gerador. É bom ressaltar que o conteúdo
fase, o professor deve fornecer pistas, mas não matemático necessário para a resolução do
soluções; estimular os estudantes a explicarem e problema não tenha ainda sido trabalhado
testarem suas próprias ideias; ouvir atentamente em sala de aula
enquanto, em grupos, os alunos estão em busca 2) Leitura individual – Entregar uma cópia
da solução do problema. Na terceira, “depois”, do problema para cada aluno e solicitar que
o professor aceita as soluções dos alunos sem seja feita sua leitura.
avaliá-las e coloca a classe toda em discussão, 3) Leitura em conjunto – Formar grupos e
numa plenária, enquanto os alunos justificam solicitar nova leitura do problema, agora nos
e avaliam seus resultados e métodos. Então, o grupos.
professor formaliza os novos conceitos e novos  Se houver dificuldade na leitura do texto,
conteúdos construídos. o próprio professor pode auxiliar os alunos,
lendo-lhes o problema.
 Se houver, no texto do problema,
A metodologia de ensino-aprendizagem-
palavras desconhecidas para os alunos, surge
avaliação de Matemática através da um problema secundário. Busca-se uma
resolução de problemas forma de poder esclarecer as dúvidas e, se
necessário, pode-se, com os alunos, consultar
A opção de utilizar a palavra composta um dicionário.
ensino-aprendizagem-avaliação tem o objetivo 4) Resolução do problema – De posse do
de expressar uma concepção em que ensino e problema, sem dúvidas quanto ao enunciado,
aprendizagem devem ocorrer simultaneamente os alunos, em seus grupos, num trabalho
durante a construção do conhecimento, tendo o cooperativo e colaborativo, buscam resolvê-lo.
professor como guia e os alunos como co-cons- Considerando os alunos como co-construtores
trutores desse conhecimento. Além disso, essa da “matemática nova” que se quer abordar, o
metodologia integra uma concepção mais atual problema gerador é aquele que, ao longo
sobre avaliação. Ela é construída durante a reso- de sua resolução, conduzirá os alunos para
lução do problema, integrando-se ao ensino com a construção do conteúdo planejado pelo
vistas a acompanhar o crescimento dos alunos, professor para aquela aula.
aumentando a aprendizagem e reorientando as 5) Observar e incentivar – Enquanto os
práticas de sala de aula, quando necessário. alunos, em grupo, buscam resolver o

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 97


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

problema, o professor observa, analisa o operatórias e as demonstrações das propriedades


comportamento dos alunos e estimula o qualificadas sobre o assunto.
trabalho colaborativo. Ainda, o professor, não Reitere-se que, nessa metodologia, os pro-
mais como transmissor do conhecimento, blemas são propostos aos alunos antes de lhes
mas como mediador, leva os alunos a pensar, ter sido apresentado formalmente o conteúdo
dando-lhes tempo e incentivando a troca de matemático necessário ou mais apropriado à sua
ideias entre eles. resolução que, de acordo com o programa da dis-
 O professor incentiva os alunos ciplina para a série atendida, é pretendido pelo
a utilizar seus conhecimentos prévios professor. Dessa forma, o ensino-aprendizagem
e técnicas operatórias já conhecidas de um tópico matemático começa com um pro-
necessárias à resolução do problema blema que expressa aspectos-chave desse tópico
proposto. Estimula-os a escolher diferentes e técnicas matemáticas devem ser desenvolvidas
caminhos (métodos) a partir dos próprios na busca de respostas razoáveis ao problema
recursos de que dispõem. Entretanto, é dado. A avaliação do crescimento dos alunos
necessário que o professor atenda os alunos é feita, continuamente, durante a resolução do
em suas dificuldades, colocando-se como problema.
interventor e questionador. Acompanha suas
explorações e ajuda-os, quando necessário,
O trabalho com geometria no ensino médio
a resolver problemas secundários, que
podem surgir no decurso da resolução e que
Depois de algum tempo de abandono,
lhes poderão dificultar a continuação do
parece que o ensino de geometria está sendo
trabalho: notação, passagem da linguagem
revitalizado. Apesar disso, os professores se
vernácula para a linguagem matemática,
preocupam com esse tipo trabalho, pois eles o
conceitos relacionados, técnicas operatórias
veem, relacionado com espaço e forma, ainda
e outros.
fortemente ligado às demonstrações de teoremas
6) R egistro das resoluções na lousa –
que garantam a construção e a validação de fór-
Representantes dos grupos são convidados a
mulas. Entretanto, atualmente a geometria está
registrar, na lousa, suas resoluções. Resoluções
certas, erradas ou feitas por diferentes sendo vista como um ramo da matemática pre-
processos devem ser apresentadas para que sente em quase todos os currículos e, na maioria
todos os alunos as analisem e discutam. das vezes, trabalhado, tanto a geometria plana
7) Plenária – Para esta etapa são convidados quanto a espacial, no ensino médio.
todos os alunos para discutirem as diferentes É preciso considerar os objetivos da geo-
resoluções registradas na lousa pelos colegas, metria, em termos de duas estruturas bastante
para defenderem seus pontos de vista e diferentes, mas relacionadas: o raciocínio espa-
esclarecerem suas dúvidas. O professor coloca- cial e seu conteúdo específico. A primeira dessas
se como guia e mediador das discussões, estruturas refere-se ao modo como os estudantes
incentivando a participação ativa e efetiva de pensam e raciocinam sobre forma e espaço; há
todos os alunos. Esse é um momento bastante uma base teórica, bem pesquisada, para organizar
rico para a aprendizagem. o desenvolvimento do pensamento geométrico
8) Busca do consenso – Após serem sanadas as que guia essa estrutura. A segunda estrutura é o
dúvidas e analisadas as resoluções e soluções conteúdo em seu sentido mais tradicional – ter
obtidas para o problema, o professor tenta, conhecimento sobre simetria, triângulos, linhas
com toda a classe, chegar a um consenso paralelas, etc.
sobre o resultado correto. Outro fato a considerar é que a relação
9) Formalização do conteúdo – Nesse momento, entre medida e geometria é mais evidente no
denominado “formalização”, o professor registra desenvolvimento de fórmulas para medidas de
na lousa uma apresentação “formal” – organizada figuras geométricas. As fórmulas nos ajudam
e estruturada em linguagem matemática – a usar medidas mais fáceis para determinar
padronizando os conceitos, os princípios e os indiretamente alguma outra medida que não é
procedimentos construídos através da resolução tão facilmente encontrada. Por exemplo, é fácil
do problema, destacando as diferentes técnicas medir as três dimensões de uma caixa com uma

98 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

régua, mas não é tão fácil medir o volume da Os 8 setores podem ser arranjados numa
mesma caixa. Usando uma fórmula, o volume figura “próxima de um paralelogramo”, assim:
pode ser determinado a partir das medidas dos
comprimentos.
Embora as fórmulas se apresentem como
caminhos eficientes para determinar medidas,
infelizmente elas podem mascarar o que está
sendo medido. Por exemplo: quando a fórmula
do volume refere-se às medidas dos lados de
um objeto tridimensional, os estudantes se con- Figura 2: Figura formada por 8 setores
fundem quanto à forma de unidades lineares
transformarem-se em unidades cúbicas. Se, ao invés de 8, construíssemos 24 seto-
Uma das descobertas mais interessantes res, essa figura ficaria “muito mais próxima de
que as crianças podem fazer é a de buscar a rela- um paralelogramo”:
ção entre o comprimento C da circunferência de
um círculo (a distância que circunda o círculo
ou o perímetro) e o comprimento D do diâmetro
(uma reta que passa pelo centro ligando dois
pontos da circunferência). O comprimento da
circunferência de um círculo é cerca de 3,14
vezes o comprimento do diâmetro. A razão exata
entre C e D é um número irracional próximo de Figura 3: Figura formada por 24 setores
3,14 e é representado pela letra grega π. Assim,
π = C/D, o comprimento da circunferência Como o número de setores pode se tornar
dividido pelo seu diâmetro. Ou, de uma forma bem maior, a figura então se tornará “mais e mais
diferente, C = πD. Como metade do diâmetro próxima de um retângulo”, que é um particular
é o raio r, então a mesma equação pode ser paralelogramo:
escrita C = 2πr.
A busca de uma fórmula para o cálculo
da área A de um círculo pode ser feita de várias
maneiras. Uma delas, utilizando um trabalho
manual com os alunos, poderia ser realizado
tomando-se um círculo e dividindo-o em 8 se-
tores, todos tendo a mesma área:
Figura 4: Área do retângulo

cuja área é dada por A = (πr x r) = πr2.


Observamos que essa abordagem, para
desenvolver a fórmula da área de um círculo,
deveria ser trabalhada pelos próprios alunos,
individualmente ou em grupos, fazendo com que
os alunos descobrissem como arranjar 8, 12 ou
24 setores de um círculo numa figura cada vez
mais parecida com um paralelogramo.
No ensino médio, os alunos já terão traba-
lhado as ideias de área e perímetro. A maioria deles
pode encontrar a área e o perímetro de determinadas
Figura 1: Círculo dividido em 8 setores figuras, e esses alunos podem até estabelecer as fór-
mulas para achar o perímetro e a área de um retân-
gulo. Entretanto, eles ainda, com frequência, ficam
confusos quanto à fórmula que devem utilizar.

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 99


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Uma pergunta que o professor deve fazer, Dado um certo tempo, cada participante
nessa situação, aos alunos seria: O que se entende começou a mostrar o seu cilindro, construído a
por perímetro? Como se mede o perímetro? Depois partir da folha recebida, medindo 20cmx30cm.
de chegar a essas definições, pode-se enfatizar Uns tinham por base um círculo menor (maior)
que as unidades usadas para medir o perímetro e uma altura maior (menor), assim:
são unidimensionais ou lineares, e que o perí-
metro é exatamente a medida do comprimento
da linha que circunda o objeto.
De modo análogo, deve-se perguntar: O
que se entende por área? Como se mede a área?
Aqui é preciso tornar explícito que as unidades
usadas para medir a área são bidimensionais e
que, portanto, cobrem a região.
As relações entre as fórmulas para medir o
volume são completamente análogas àquelas usa- Cilindro C1
das para a área. Note-se que há semelhanças entre
retângulos e prismas retos, entre paralelogramos
e prismas oblíquos e entre triângulos e pirâmides.
Não somente as fórmulas estão relacionadas, mas
também o processo para o desenvolvimento das
fórmulas é semelhante. As unidades usadas para
medir o volume são tridimensionais e preenchem
todo o espaço ocupado pelo sólido. Figura 5: Cilindros de dois tamanhos constru-
ídos com folhas com mesmas dimensões
Uma aplicação da metodologia a um (20cm x 30cm)
problema de geometria
Ao ouvir os alunos, pudemos sentir várias
Os fatos que serão relatados nesta seção ocor- respostas concordando com Jorge, outras com
reram durante um minicurso do qual participaram Ema e outras com Laura.
professores em formação inicial, alunos de licencia- Pedindo que as diferentes respostas fos-
tura em Matemática e professores em exercício nos sem justificadas, pudemos registrar algumas
níveis fundamental, médio e superior de ensino. delas: uns diziam que o volume V1 de C1 é maior
O problema5 a seguir foi proposto aos do que o volume V2 de C2, visto que a altura h1 é
participantes. bem maior que h2; outros, por sua vez, defendiam
que V2 é maior que V1, pois que o círculo da base
A professora Norma entregou a B2 de C2 era maior que B1; mas a que com mais
cada um de seus alunos uma fo- frequência se ouviu foi que V1 é igual a V2, já que
lha de papel, de 20 cm por 30 cm, os cilindros foram construídos a partir da mesma
e fita adesiva. Ela lhes pediu para folha de papel A.
enrolar o papel e fazer um cilindro. Os alunos seguiram as
instruções, mas seus cilindros se mostraram de dois tama- Haveria alguma forma concreta para
nhos diferentes. A professora pediu, então, que determinas- justificar isso?
sem qual desses dois cilindros tinha o maior volume.
Jorge disse: – No meu cabe mais, porque é mais alto. Chamamos alguns participantes à frente e,
Ema disse: – No meu cabe mais, porque é mais largo. numa mesa, pedimos que pusessem de pé o cilin-
Laura disse: – Eles devem conter a mesma quanti- dro mais alto dentro do cilindro mais largo:
dade, porque foram feitos a partir de folhas de papel de
mesmo tamanho.
Quem está certo? Como você sabe?

5
Adaptado de Krulik e Rudnick (2005).

100 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Assim, concretamente, foi possível cons-


tatar que V2 > V1.

Como a matemática poderia mostrar


isso?

Diante das diferentes posições manifesta-


das, pedimos que, agora matematicamente, mos-
trassem de uma forma rigorosa o que já haviam
constatado concretamente.
Como todos os participantes já haviam
feito, pelo menos o terceiro ano do ensino médio,
Figura 6: Cilindro mais alto dentro de cilindro já conheciam a fórmula para o cálculo do volume
mais largo do cilindro V = πr2h, onde r é o raio da base e h
a altura do cilindro.
Demos-lhes um pacote com feijões e dis- Fazendo uso dessa fórmula, e efetuando o
semos: − Preencham o cilindro mais alto com cálculo das medidas necessárias, sabendo que o
feijões, com cuidado e completamente. comprimento da circunferência da base do cilindro
é dada por C = 2π r e que π ≅ 3,14, escreveram:

V1 = π r12 h 1
A = 20 cm x 30 cm
r1 = 3,18 cm
h1 = 30 cm
B1 = π r12 =
= 3,14 . (3,18 cm)2 =
= 31,75 cm2
V1 = B1h 1 =
= 31,75 cm2 . 30 cm =
= 952,5 cm3

Figura 7: Cilindro mais alto cheio de feijões V2 = π r22 h 2


A = 20 cm x 30 cm
Depois dissemos: − Retirem, com cuidado, r2 = 4,78 cm
o cilindro mais alto deixando os feijões caírem no h2 = 20 cm
cilindro mais largo. Surpreendentemente, para B 2 = π r22 =
a maioria deles, o feijão lá dentro deixou uma = 3,14 . (4,78 cm)2 =
parte vazia no cilindro mais largo. = 71,74 cm2
V2 = B 2 h 2 =
= 71,74 cm2 . 20 cm =
= 1434,8 cm3

Logo, V2 > V1 e V2 - V1 = 482,3 cm3

Após esses cálculos realizados pelos par-


ticipantes, nova pergunta surgiu:

- Qual o motivo dessa diferença nos volumes


dos cilindros construídos a partir de uma
Figura 8: O cilindro mais largo com uma
mesma folha de papel?
parte vazia
Quem é o responsável direto por essa diferença?

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 101


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Houve várias colocações dos alunos, mas Estendendo o problema


alguns não conseguiam perceber que, na fórmula
do volume, a presença do quadrado do raio na Muitos livros-texto definem cilindros
área da base era a responsável. No entanto, uma estritamente como cilindros circulares. Esses
das alunas, quase que prontamente, disse que livros não têm nomes especiais para outros tipos
o responsável era o quadrado do raio, que fazia de cilindro. Sob essa definição, o prisma não é
com que a área da base crescesse mais rapida- um caso especial de cilindro. Isso aponta para o
mente e, consequentemente, apesar da altura me- fato de que as definições são convenções, e nem
nor que aparece multiplicativamente na fórmula todas as convenções são universalmente aceitas.
do volume, fazia com que ele aumentasse. Se olharmos para o desenvolvimento das
fórmulas do volume, é possível ver que a definição
A generalização feita por uma das mais inclusiva de cilindros e cones permite uma
participantes fórmula para qualquer tipo de cilindro – portanto
prismas – com uma afirmação semelhante
Entusiasmada com o resultado, enquanto que é verdadeira para cones e pirâmides. Um
os colegas do minicurso calculavam o volume cilindro é um sólido com duas bases paralelas
dos cilindros com os dados numéricos, uma par- congruentes e lados com elementos paralelos que
ticipante6 resolveu o problema de forma genérica, ligam pontos correspondentes das bases. Desse
fazendo uso do seguinte raciocínio, reproduzido modo, o raciocínio desenvolvido pela professora,
por nós, abaixo. mostrado anteriormente, aplica-se a outras
Considerando a folha com lados medindo classes especiais de cilindros, como os prismas
a e b, com 0 < a < b, construímos dois cilindros: retos, prismas retangulares e cubos. Prismas
um enrolando a folha ao longo de a com altura estão para os cilindros assim como pirâmides
b, chamado cilindro CA e o outro, enrolando estão para cones. Conhecer essas relações ajuda
ao longo de b com altura a, chamado cilindro na aprendizagem das fórmulas de volume.
CB. Sendo a o perímetro da base de CA, tem-se O volume V de um cilindro é dado por V
a = área da base x altura. Mas, quando a base do
RA = como raio de sua base e, portanto, seu cilindro é um círculo, cuja área é dada por A =
2π a 2b
volume será VA = . De modo análogo, o vo- πr2 e a altura é h, então o volume V do cilindro
4π é dado por V = π r2h .
lume do cilindro CB será . A razão entre Estendendo esse problema poder-se-ia,
os volumes será, então, ainda, trabalhar a relação funcional do volume
do cilindro em relação às suas variáveis, raio da
base e altura do cilindro. Assim V =V(r, h), uma
, pois 0 < a < b. função de duas variáveis. Conforme o nível das
turmas, vários problemas novos poderiam ser
explorados: a construção do gráfico; a expressão
Assim VA < VB e a razão entre os volumes é analítica para V em função de suas variáveis r e h;
a mesma razão existente entre os lados da folha, e, até, ir em busca, matematicamente, do cilindro
ou seja, o volume do cilindro construído com de maior volume construído com a folha dada.
maior altura será inferior ao volume do cilindro
com menor altura. Considerações finais

Em um contato posterior que essa parti- Ao apresentar essa metodologia de ensino-


cipante fez conosco, por escrito, ela registrou: aprendizagem-avaliação de Matemática através
“Apresentei este resultado aos outros partici- da resolução de problemas a professores do ensi-
pantes e foi uma experiência interessante, pois no médio, estamos convencidas de que ela pode
o resultado não era o esperado”. ser assumida como um caminho capaz de fazer
os alunos se entusiasmarem com o aprendizado
6
Agradecemos à professora Sabrina Zancan Peripolli, CES- da matemática, realizando-o com compreensão
NORS da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que
desenvolveu esta resolução. e significado. Também estamos convencidas de

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

que, quando um aluno entende o que está fa- NATIONAL Council of Teachers of Mathematics.
zendo ao resolver um problema, ele se vê como Curriculum and Evaluation Standards for School
alguém capaz de raciocinar por si mesmo e de Mathematics. Reston, V. A.: National Council of
Teachers of Mathematics, 1989.
buscar descobrir caminhos para a sua resolução.
Entretanto, é necessário, para isso, que o pro- ______. Principles and Standards for School
Mathematics. Reston, V. A.: National Council of
fessor, como guia e orientador, esteja preparado Teachers of Mathematics, 2000.
para ser o veículo que conduz os alunos nesse
empreendimento. ONUCHIC, L. R. Ensino-aprendizagem de Ma-
temática através da resolução de problemas. In:
BICUDO, M. A. V. Pesquisa em Educação Mate-
Referências mática. São Paulo: Editora UNESP, 1999. cap.12,
p.199-220.
ALLEVATO, N. S. G.; ONUCHIC, L. R. O ensino ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Novas
de números racionais e proporcionalidade atra- reflexões sobre o ensino-aprendizagem de ma-
vés da resolução de problemas. In: Conferência temática através da resolução de problemas. In:
Interamericana de Educação Matemática, 12., Bicudo, M. A. V.; Borba, M. C. (orgs). Educação
2007. Anais... Santiago de Querétaro: Benemérita Matemática – pesquisa em movimento. 2.ed. São
Escuela Normal de Querétaro, 2007. 1 CD-ROM. Paulo: Cortez, 2005. p.213-231.
p.1-12.
ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Formação
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacio- de Professores – Mudanças urgentes na licencia-
nais: Matemática – 1o e 2o ciclos (1997). Brasília, tura em Matemática. In: FROTA, M. C. R.; NASSE,
DF. l. (orgs). Educação Matemática no Ensino Su-
______. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: perior: pesquisas e debates. Recife: SBEM, 2009.
Matemática – 3o e 4o ciclos (1998). Brasília, DF. p.169-187.
______. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Van de Walle, J. A. Elementary and Middle
Matemática – Ensino médio (1999). Brasília, DF. School Mathematics. New York: Longman, ed.4,
2001. 478p.
KRULIK, S.; Rudnick, J. A. Problem-Driven
Math: Applying the Mathematics Beyond Solu- Van de Walle, J. A.; LOVIN, H. L. Teaching
tions. Chicago, IL: Wright Group/McGrawHill, Student-Centered Mathematics. Grades 5–8. New
2005. York: Pearson, 2006.

Lourdes de la Rosa Onuchic – Professora aposentada pelo ICMC – USP – São Carlos/SP. Docente voluntária, orientadora e
pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – UNESP – Rio Claro/SP.
Norma Suely Gomes Allevato – Doutora em Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro/SP. Professora e pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo/SP.

Artigo encomendado.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

MODALIDADES DE PUBLICAÇÃO
Trabalhos científicos na área de Educação Matemática e suas tendências, constituídos de pes-
quisas ou relatos de experiências em sala de aula.

NORMAS PARA A FORMATAÇÃO FINAL DO ARTIGO


ACEITO PELA REVISTA DA SBEM – RS

O artigo deve ser escrito no editor Word, formato “doc”, com as seguintes especificações:
a) folha A4, com margens esquerda e superior de 3cm, direita e inferior de 2cm;
b) fonte Times New Roman, tamanho 12, parágrafo com recuo de 1,5cm da margem esquerda;
c) título centralizado, em caixa-alta, negrito, fonte 14;
d) um espaço abaixo, título em inglês, centralizado, negrito, fonte 12;
e) um espaço abaixo, nome do(s) autor(es), em fonte 10, alinhamento à direita, com nota ao final
do texto indicando sua(s) função(ões) e instituição a que pertence;
f) um espaço abaixo, escreva “Resumo”, em negrito, alinhado à esquerda;
g) um espaço abaixo, o texto do resumo (até 250 palavras);
h) um espaço abaixo, escreva “Palavras-chave:” e em seguida indique de três a cinco palavras-
chave, separadas por ponto;
i) um espaço abaixo, escreva “Abstract”, em negrito, alinhado à esquerda;
j) um espaço abaixo, o texto do abstract;
k) um espaço abaixo, escreva “Keywords:” e em seguida indique as mesmas palavras-chave, agora
em inglês;
l) um espaço abaixo, inicie o texto do artigo;
m) os subtítulos devem ser alinhados à esquerda, destacados em negrito, separados do texto que
os precede por um espaço;
n) a identificação das ilustrações (desenhos, esquemas, gráficos, quadros e outros) deve aparecer
na parte inferior das mesmas, precedida da palavra designativa, seguida de seu número de
ocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título ou legenda explicativa. A
ilustração deve ser centralizada e inserida o mais próximo possível do trecho a que se refere;
o) as tabelas têm normas específicas: sua identificação deve aparecer na parte superior, precedida
da palavra designativa, seguida de seu número de ocorrência no texto, em algarismos arábicos,
do respectivo título ou legenda explicativa;
p) as notas de rodapé devem ser numeradas sequencialmente, em algarismos arábicos, fonte 10,
espaço simples;
q) as referências, ao final do trabalho, devem estar em espaço simples, fonte 12, separadas entre
si por dois espaços simples e seguindo a Norma 6023 da ABNT, disponível, por exemplo, em
http://biblioteca.fop.unicamp.br/ManualSimplificado1.pdf;
r) recomenda-se que o texto não ultrapasse 20 laudas.

PUBLICAÇÃO
Os trabalhos remetidos para publicação serão submetidos à apreciação de membros do Conselho
Consultivo, de acordo com as especificidades do tema, ou a consultor ad hoc, sendo o(s) autor(es)

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 105


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comunicado(s), por meio de correspondência, da aceitação ou recusa dos artigos. O artigo pode ser
encaminhado por meio eletrônico acompanhado de uma declaração de que o texto terá exclusivida-
de para a revista. Havendo necessidade de alterações de conteúdo do texto, será sugerido ao autor
que as faça e devolva no prazo estabelecido. O conteúdo e a correção gramatical dos originais são de
inteira responsabilidade dos autores. O Conselho Consultivo não se responsabiliza pela devolução
dos originais remetidos.

Toda correspondência deve ser dirigida à Diretoria da SBEM – RS ou ao editor responsável.

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - RS


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..........................................................................................................................................

CIDADE: ................................................................................................ ESTADO: RS

CEP*:......................- .............. TELEFONE: (0 ) ( )................................................

CPF*: ....................................... E-mail: ........................................

DATA DE NASCIMENTO: ...../ ...../ ..... DATA DE FILIAÇÃO: ...../ ...../ .....

Categoria: Anuidade referente às categorias

( ) estudante de graduação R$ 16,00

( ) professor do Ensino Fundamental/Médio R$ 30,00

( ) professor do Ensino Superior R$ 50,00

( ) pessoa jurídica ou outra atividade R$ 100,00

........./ ........./ ......... .............................................................................


Data Assinatura

* Prenchimento obrigatório

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EVENTOS

V Encontro Estadual de Educação Matemática do Rio de Janeiro – ENEM


3 a 6 de fevereiro de 2010
Rio de Janeiro – www.sbemrj.com.br/eema

III Jornada Nacional de Educação Matemática e XVI Jornada Regional de Educação Matemática
4 a 7 de maio de 2010
UPF – Passo Fundo – RS – Brasil – Home page: http://www.upf.br/jem
E-mail: jem@upf.br – Telefones: (54) 316 8345 ou (54) 316 8353

X Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM


7 a 9 de julho de 2010
Salvador – Bahia – Home page: www.sbem.com.br

V Congresso Internacional de Ensino da Matemática


20, 21, 22 e 23 de outubro de 2010
ULBRA Canoas/RS – Brasil – Home page: www.ulbra.br/ciem2010
E-mail: dirmatematica@ulbra.br

XVI Encontro Regional de Estudantes de Matemática do Sul – EREMATSUL


3 a 6 de junho de 2010 – PUCRS – Porto Alegre
http://www.pucrs.br/eventos/erematsul/?p=apresentacao

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