Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Negócios Imobiliários
Marcos Catalan
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Marcos Catalan
Edição revisada
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________________
C355p
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3441-3
12-8205.
CDU: 347.23:34:366(81)
De fato, como será apreendido ao longo de cada uma das aulas, eis um ramo do
direito que tem repercussões positivas na práxis administrativa e jurisdicional,
especialmente porque os estudos sobre a matéria passam a ser intensos apenas
após o advento do CDC em 1990.
Salienta-se de início que, neste estudo, o direito consumerista é lido a partir das
regras e princípios positivados no texto constitucional, bem como amparado
nos possíveis diálogos do direito do consumidor com o Código Civil (CC) e outras
leis esparsas, de modo a demonstrar a superação do conceito de microssistema
isolado.
Como não podia deixar de ser, são descritos de modo minucioso os elementos
necessários à caracterização da relação de consumo, bem como demonstradas
as principais teorias que versam sobre a aplicação dos direitos previstos no CDC
às pessoas jurídicas.
Enfim, desejo a todos que tenham contato com este trabalho, ótimo estudo e
maravilhoso aprendizado. Mãos à obra!
Histórico
A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobre-
põe à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre eles
são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos em incontáveis
situações cotidianas.
Entre inúmeras hipóteses, pode-se lembrar que, antes do advento do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), quem fosse vítima de intoxicação alimentar, para ser indenizada, teria o dever de
provar não só que comprou o alimento em determinado estabelecimento comercial, mas também,
que o produto adquirido estava contaminado, pela bactéria salmonela, por exemplo, assumindo,
consequentemente, mesmo diante do quadro patológico apresentado (efeitos causados pela ingestão
de comida estragada), o ônus de pagar todas as despesas para produzir esta prova por meio da perícia
a ser realizada durante o curso do processo judicial, além de muitas vezes, ter que provar a culpa do
causador do dano, fato este que desestimulava a vítima de lutar por seus direitos.
Em linhas gerais, pode ser lembrado ainda, o exemplo da compra de um eletrodoméstico com
defeito, cujo prejuízo seria suportado em regra pelo comprador sob o argumento de que ele deveria ter
olhado melhor o produto e mesmo solicitado que este fosse testado antes da entrega, e, a hipótese da
aquisição de um terreno em longas parcelas mensais sucessivas, que poderiam ser perdidas totalmente,
caso o adquirente não pudesse pagar o preço total do imóvel, por ter perdido o emprego ou porque
alguém da família adoeceu, e não havia dinheiro para pagar os remédios e a prestação do terreno ao
mesmo tempo.
* Doutorando em Direito Civil na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Professor convidado dos cursos de especialização da Escola Paulista de Direito (EPD), do Diex, da UEL e da Universidade Paranaense (Unipar).
1 “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] XXXII - o Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor”. Vale lembrar que a ordem econômica também se encontra fundada na defesa do consumidor, como
se extrai do texto constitucional: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] V - defesa do consumidor”.
a segurança, o acesso ao poder judiciário, entre outros, pois o texto constitucional contém as premissas
necessárias que permitem a construção de uma sociedade justa e solidária.
Entretanto, existe outro problema que merece ser analisado. Ocorre que o CDC, não contém todos os
conceitos necessários para a adequada solução de inúmeros problemas que o legislador determinou que
ele resolva, desse modo será necessário, por meio da técnica conhecida por diálogo das fontes, que sejam
buscadas no CC e, se preciso, em outras leis que se destinam a regulamentar as relações entre os particulares,
as premissas essenciais para a construção de decisões justas no processo de concreção do direito.
Essa corrente de pensamento, desenvolvida na Europa por Erik Jayme, versa acerca da necessidade
do diálogo das fontes existentes em busca de melhores respostas para os problemas surgidos no
cotidiano, comunicação esta necessária em razão do pluralismo de mananciais a regrar um mesmo
fato, de sujeitos hábeis a tutelar os mesmos direitos, e ainda de múltiplas respostas para um mesmo
problema (MARQUES, 2005, p. 13).
Por meio da aludida teoria, o CC e o CDC deverão interagir autorizando, por exemplo, que os
elementos do contrato de compra e venda ou do contrato de prestação de serviços, em ambos os casos
detalhados no CC, sejam utilizados para a solução de problemas surgidos no âmbito das relações de
consumo, ou ainda que a interpretação do contrato de seguro também regrado pelo CC seja feita à luz
das regras elencadas no CDC (TARTUCE, 2006, p. 496), desse modo permitindo-se a proteção de um
consumidor naturalmente vulnerável, por isso mesmo protegido das práticas abusivas do mercado.
Atividades
1. Qual a importância do CDC para a sociedade brasileira?
Para refletir
Se as pessoas tivessem mais acesso ao conteúdo do CDC haveria tantos problemas como os que
ainda incomodam os consumidores?
Dicas de estudo
A primeira das obras a seguir destacadas mostra a crise que paira sobre o direito privado e as
soluções trazidas para infinitos problemas cotidianos; enquanto a última traz inúmeras possibilidades
de diálogos.
LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do Direito Privado. Tradução de: Vera Maria Jacob de Fradera. São
Paulo: RT, 1998.
TARTUCE, Flávio. Diálogos entre o direito civil e o direito do trabalho. In: TARTUCE, Flávio; CASTILHO,
Ricardo (Coord.). Direito Civil: direito patrimonial, direito existencial. São Paulo: Método, 2006.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Booksel-
ler, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, Rui Geraldo
Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal.
São Paulo: RT, 2000.
FACHIN, Luiz Edson. As relações jurídicas entre o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumi-
dor: elementos para uma teoria crítica do direito do consumidor. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando o
Direito do Consumidor. Curitiba: OAB, 2005.
_____. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. Tradução de: Vera Maria Jacob de Fradera.
São Paulo: RT, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Cas-
tellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de
2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
NALIN, Paulo. Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e os contratos. In: CANEZIN,
Claudete Carvalho (Coord.). Arte Jurídica: biblioteca científica de Direito Civil e Processo Civil da Uni-
versidade Estadual de Londrina. Curitiba: Juruá, 2005. v. 2.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas
relações entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no
Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
Gabarito
1. A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobrepõe
à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre
eles são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos, em
incontáveis situações cotidianas.
Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam prolongadamente
no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação criada pouco antes no artigo 5.º,
XXXII, da CF, o CDC foi aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção da parte mais
fraca nas relações de consumo: o consumidor.
É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes elevadas à condição
de fundamentos da República, entre elas as que determinam a redução das desigualdades e a busca
pela erradicação da pobreza e de modo ainda mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder
de contratar, pois nenhuma atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os
ditames da justiça social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não
há como se sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade substancial.
Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da norma jurídica, ainda
que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer dúvida paire sobre ela, já que o
contrato, especialmente os contratos regrados pelo CDC, devem atuar de modo a permitir que
o homem busque sua felicidade plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da
pessoa humana.
Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da proteção dos direitos
fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da premissa de que a assimetria de poder
prejudica as partes mais fracas durante o ato de contratar e seus efeitos, haja vista que quando
o ordenamento deixa livres o forte e o fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do
ponto de vista formal, o comportamento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia
privada (SARMENTO, 2006, p. 273).
Salienta-se ainda que o principal papel da análise do direito do consumidor à luz da CF está no
reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente lesivas a direitos fundamentais,
formar-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, que se limita e se condiciona mutuamente,
autorizando-se ao juiz, por meio da técnica conhecida por ponderação, destacar qual direito
deverá prevalecer no caso concreto (PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito
entre o direito à recusa de transfusão sanguínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o
médico de salvar a vida de seus pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que carrega em seu
ventre um feto que sofre de anencefalia, e que, portanto, está fadado a vir ao mundo sem vida, e
o direito a nascer daquele que cresce dentro do útero materno.
Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deva se amparar principal-
mente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não pode ser visto como um armário
composto por incontáveis gavetas que contém em cada uma delas uma vertente ou um ramo
daquele, que só podem ser abertas uma de cada vez. Ao contrário, o Direito enquanto ciência é
um só, e suas regras e princípios devem ser utilizados como um todo.
Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo concreto e submetido
ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do Direito deverão atuar de modo a
buscar a solução mais justa na solução daquele, possibilitando assim que as partes alcancem a
tão almejada e necessária justiça e, por consequência, que ocorra a pacificação social.
A coletividade de pessoas
A segunda vertente do tema é caracterizada pela coletividade de pessoas, ainda que não possam
ser individualizadas, desde que tenham participado de qualquer forma de uma relação de consumo,
ou seja, das pessoas que de um modo geral são potenciais consumidoras de produtos ou serviços
colocados no mercado, analisadas enquanto grupo ou entre coletivo.
O ponto de partida dessa ampliação da noção de consumidor encontra-se na observação de que
muitas pessoas, mesmo sem ser parte em um contrato regido pelo CDC, podem ser atingidas ou preju-
dicadas pelas atividades desenvolvidas pelo mercado (MARQUES, 1998, p. 154).
A proteção da coletividade se mostra importante quando se imagina a potencialidade dos danos
causados pela ingestão de um medicamento ou alimento nocivo à saúde, ou ainda pela aquisição de um
veículo com graves problemas em seu sistema de freios (GRINOVER, 1998, p. 32), situações que impõe
uma atuação preventiva por parte do Estado, e porque não de outros legitimados como o Ministério
Público (MP), as Associações de Defesa do Consumidor (ADCON) e os Programas de Orientação e
Proteção do Consumidor (Procons), de modo a evitar ou pelo menos minimizar as consequências que
poderão advir de tais situações.
O consumidor by stander
A figura do consumidor by stander foi trazida para o direito brasileiro pelo CDC, cuja noção
encontra-se prevista no artigo 17 da referida lei, ao ditar que “para os efeitos desta seção, equiparam-se
aos consumidores todas as vítimas do evento”.
A expressão é oriunda dos países da common law1, sendo utilizada para referir-se àqueles que,
não sendo partes no contrato, mesmo sem ter qualquer relação com o “adquirente, com o usuário ou
com o próprio produto” (PASQUALOTTO, 1997, p. 79), foram lesados por este (ROCHA, 2000, p. 70).
Desse modo, basta que alguém que não faz parte no negócio seja lesado pelo produto ou serviço
que é objeto de relação de consumo, para que tenha direito a ser tutelado na posição de consumidor
(MARQUES, 1998, p. 156), sendo que não se pode negar que é louvável o surgimento dessa categoria
de consumidores por equiparação, justificada por conta da elevação da quantidade e gravidade dos
acidentes de consumo (NOVAIS, 2001, p. 138).
Como exemplo de consumidor by stander pode-se imaginar a hipótese de choque elétrico sofrido
por quem não comprou o eletrodoméstico que entrou em curto-circuito ou o atropelamento de um
pedestre que caminhava à margem de rodovia pedagiada que tenha sido entregue à administração da
iniciativa privada, em acidente causado pela má conservação da pista de rolamento.
Exemplos concretos de consumidor by stander são colhidos no Superior Tribunal de Justiça (STJ),
que reconheceu como tal a vítima de um acidente ocorrido em uma empresa de fogos de artifício da
qual não era cliente (REsp 181.580/SP) e ainda o proprietário de uma casa que fora destruída por avião
que prestava serviços remunerados (REsp 540.235/TO), cuja ementa merece ser transcrita, ao menos em
parte: “resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava
serviço de transporte de malotes para um destinatário final”.
1 O sistema da common law é aquele que rege o direito norte-americano e o direito inglês, e se caracteriza, em essência, pela
inexistência de leis escritas e pela elevada força que tem os precedentes judiciais.
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”; delimitando ainda as noções de produto, como
“qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e de serviço, como “qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Observa-se, finalmente, que é irrelevante a forma como é desenvolvida a atividade de forneci-
mento, não importando, nem mesmo, se o negócio chegou ou não a ser concluído, bastando, apenas,
que sejam oferecidos produtos ou serviços ou simplesmente elaborado um cadastro visando à atividade
futura, sendo desnecessário mesmo que o fornecedor seja pessoa jurídica, pois até mesmo os entes
despersonalizados deverão obedecer ao conteúdo normativo previsto pelo CDC (GAMA, 1999, p. 22).
dignidade da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover
o livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.
Partindo-se da premissa de que a intervenção apenas será justificada quando os negócios
jurídicos ocuparem “territórios socialmente sensíveis” (LORENZETTI, 1998, p. 540), é que o CDC assume
relevância, haja vista que as desigualdades entre consumidores e fornecedores são patentes. Desse
modo, diante da manifesta assimetria de poder entre os destinatários da lei: de um lado, o fornecedor
com elevado grau de especialização e informação, de outro, o consumidor isolado e vulnerável, é que
resta justificada a proteção desses.
Salienta-se ainda que, em linhas gerais, os consumidores e fornecedores detêm amplo poder de
contratar, por conta do valor e da amplitude garantida pelo sistema à livre manifestação de vontade,
bastando observar, de um modo geral, sob pena de invalidade do negócio ajustado (NALIN, 2001,
p. 236) ou da cláusula abusiva contida naquele, os limites impostos pelo ordenamento jurídico: ordem
pública, bons costumes, função social, boa-fé objetiva, equilíbrio material etc.
Em verdade, por conta dos abusos cometidos no passado, foi necessário criar um sistema
de defesas e garantias de modo a impedir que os fracos sejam explorados pelos fortes, bem como,
para assegurar o predomínio dos interesses sociais sobre os individuais e desse modo, os princípios
tradicionais, severos e individualistas sofreram frequentes derrogações em proveito da justiça contratual
e da interdependência das relações entre os homens (ANDRADE, 1949, p. 111).
Atualmente, a autonomia privada pode ser partida em três esferas de poder (MARQUES, 1998, p. 45):
a) a liberdade de contratar ou abster-se de contratar;
b) a liberdade de escolher o parceiro contratual;
c) o poder de fixar o conteúdo e os limites das obrigações; de exprimir a vontade da forma
que desejar.
Ocorre que nem sempre esse poder poderá ser exercido de modo livre e consciente, e é daí
que surge a necessidade de leis como o CDC, que cria limites para impedir que um dos contratantes
imponha sua vontade sobre a do parceiro negocial, equilibrando assim, o papel das vontades de cada
uma das partes.
No primeiro caso, visualize se é possível eleger com quem contratar o fornecimento de serviços
essenciais como água e energia elétrica, principalmente, quando essa atividade é exercida por apenas
uma empresa, fato bastante comum em território brasileiro. Nesses casos, pode-se até mesmo sustentar
que existe verdadeiro dever de contratar, pois é quase inconcebível que alguém possa ter mínimas
condições de viver com dignidade sem esses serviços essenciais.
Na segunda hipótese, nem sempre é possível escolher o parceiro no contrato ou mesmo que
isso seja possível, todos os produtos ou serviços colocados no mercado são tão semelhantes, que será
indiferente escolher um ou outro. Como exemplo, pode ser lembrado o serviço de telefonia celular,
cujas informações são tão complexas e tão semelhantes como facilmente se observa da análise da
publicidade efetuada pelas diferentes empresas que atuam no ramo, a ponto de se sustentar que
inexiste diferença entre a opção por uma ou outra operadora, ou seja, não há liberdade de escolha
quando o que há para se escolher é igual, ou no mínimo, muito semelhante.
Enfim, quanto ao poder de estabelecer o conteúdo do negócio jurídico, não se nega que a prolife-
ração das condições gerais dos contratos, inseridas em contratos a serem pactuados por adesão, ou seja,
a multiplicação de negócios que são ajustados mediante a imposição da vontade do fornecedor sobre a
do consumidor, por trazer as cláusulas de maneira preestabelecida em uma minuta padrão, como acon-
tece nos contratos de compra e venda de eletrodomésticos, de seguro e de transporte de passageiros,
entre tantos outros, acaba limitando o poder de escolha do polo mais fraco da relação jurídica.
Desse modo, considerando que o contrato é “um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo
como aquele que o cria, mas de outro lado estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser
executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida” (REALE, 1986, p. 10), não se pode negar
a importância de limitar o poder da parte mais forte, de modo a permitir que a vontade manifestada por
pessoas que são naturalmente desiguais, seja sopesada como se elas tivessem o mesmo poder.
Atividades
1. O que é autonomia privada e qual sua importância na sociedade?
3. Quantos são e onde estão localizados os conceitos de consumidor previstos na Lei 8.078/90?
Para refletir
Será que o CDC ao proteger o consumidor viola o princípio constitucional da isonomia, que
determina que todos devam ser tratados como iguais perante a lei?
Dica de estudo
A obra retrata de modo claro os conceitos de consumidor e de fornecedor, exemplificando
inúmeras hipóteses de caracterização da relação de consumo.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao CDC: introdução. São Paulo: RT, 2004.
Referências
AMARAL. Francisco. Direito Civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Aspectos da Evolução da Teoria dos Contratos. São Paulo:
Saraiva, 1949.
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução de: Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. São Paulo: Edipro, 2003.
_____. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília:
UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, Rui Geraldo
Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal.
São Paulo: RT, 2000.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores
do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
dez., 1998.
NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001.
NOVAIS, Aline Arquette Leite. A Teoria Contratual e o Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
RT, 2001.
PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consu-
midor. São Paulo: RT, 1997.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
Gabarito
1. A autonomia privada sintetiza-se no poder dado à pessoa de autorregulamentar seus próprios
interesses (SARMENTO, 2005, p. 188), a ser exercido de modo a não ferir as premissas resguardadas
pela boa-fé objetiva, pelo equilíbrio material e pela função social do contrato, respeitando, desse
modo, os ideais de justiça comutativa abarcados no texto constitucional (DONNINI, 2000, p. 73).
Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que permite aos
indivíduos alcançar a concreção no mundo real dos principais direitos que estão garantidos na CF,
servindo como mecanismo que possibilita a satisfação de interesses individuais, econômicos ou
não, e, por conta disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da dignidade
da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover o
livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.
3. São quatro as formas em que o consumidor aparece perante a Lei e são encontradas no CDC,
artigo 2.º, parágrafo único e artigos 17 e 29.
4. D
Resta claro que o CDC se inspirou na Constituição Federal (CF), de modo dúplice, pois absorveu
valores contidos na Lei Maior, entre eles, a preocupação com a dignidade da pessoa humana e com a
proteção do vulnerável, respeitando, desse modo, os direitos fundamentais assegurados aos indivíduos
e, ao mesmo tempo, utiliza-se da mesma técnica legislativa, ao apresentar-se como um sistema aberto,
recheado por diretrizes de natureza principiológica, previstas na lei sob a forma de cláusulas gerais.
Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em branco, sem expressa
solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a mudança de comportamento dos
membros da sociedade.
É importante neste ponto chamar a atenção para a quebra do paradigma interpretativo. Esse
novo modelo determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 97-108), por conta do espaço
deixado para o exercício de sua criatividade, ditar não apenas a consequência do ato praticado em
desrespeito ao ordenamento, mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes,
por conta da necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que encontra-se desprovida
de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que exista pena prevista de modo
expresso e anterior para a hipótese de sua violação.
A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma menor
distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em efetivo agente político quando lhe outorga
poderes para promover justiça distributiva com fulcro em diretrizes preestabelecidas, o que parece
bastante positivo em um Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à ordem jurídica justa.
Afere-se que o legislador mostrou-se sensível à realidade hoje vivida, optando por conceitos fle-
xíveis como os “usos do lugar”, “circunstâncias do caso”, “equidade”, “desproporção manifesta”, que entre
outras expressões abertas, permitem ao intérprete descer ao plano do concreto (COSTA, 2003, p. 8),
para decidir não mais com base na letra fria da lei, mas, sim, iluminado pelos valores que permeiam as
relações sociais.
É inegável que o Direito do Consumidor, para além de ter sido construído enquanto sistema
aberto se ampara em princípios que auxiliam no processo de interpretação e de concreção da norma
jurídica, sendo relevante destacar, ainda que sucintamente, o que são princípios e qual sua importância
no atual estágio de desenvolvimento da ciência do direito.
Miguel Reale (1977, p. 299) assevera que “princípios são verdades fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas”, ideia ratificada
por Rui Portanova (1997, p. 14), ao afirmar que “princípios não são meros acessórios interpretativos [mas
sim] enunciados que consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na
lei aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos”.
São assim, normas nascidas nas crenças e convicções da sociedade acerca de seus problemas
fundamentais de organização e convivência (DÍEZ-PICAZO; GULLÓN, 1994, p. 145), concebidas como
padrões vinculantes, que por conta de seu elevado grau de vagueza e indeterminação, necessitam de
ações concretizadoras (CANOTILHO, 1999, p. 1086-1087) para que possam dar a melhor solução para
cada caso concreto que seja levado à interpretação do magistrado, por conta do conflito surgido.
Parece claro, a partir dessa noção, que os princípios devam ser vistos como fontes do direito,
aplicáveis em qualquer procedimento interpretativo e, nesse contexto, qualquer reflexão que ignore
ou mitigue a importância dos princípios para a ciência jurídica há de ser afastada, pois, muitas vezes, as
regras (norma fechada dotada de conduta e sanção) têm nos princípios o ente que lhes dão essência e
que lhes transmite a base necessária para sua justa aplicação diante do caso concreto.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 29
Enfim, por meio dos princípios, mormente os consagrados na Constituição, deverá o intérprete,
aferir se o negócio pactuado respeita a “valores existenciais” (LOEWENSTEIN, 1970, p. 390), para somente
em momento posterior, e na necessária presença desse aspecto humanístico, julgar sua eficácia patri-
monial (NALIN, 2001, p. 36).
Fato é que pode até mesmo afirmar-se que a vulnerabilidade do consumidor é sua característica
mais marcante, o que segundo um dos autores do anteprojeto do CDC justifica a existência dessa lei
(BENJAMIN, 1992, p. 8), destacando-se, por fim, que vulnerabilidade não pode ser confundida com o
conceito de hipossuficiência, também importante para as pretensões almejadas pelo microssistema,
salientando-se que esse último conceito se sintetiza pela ampliação da noção do princípio estudado,
por conta de características especiais do destinatário da lei.
A hipossuficiência é assim, a manifestação ampliada da vulnerabilidade, ou uma situação de
exceção que confere ainda mais proteção ao consumidor que se enquadra em tal conceito. Como
exemplo de consumidor hipossuficiente, têm-se as crianças e idosos, esses últimos, muitas vezes, não
resistindo a alguns apelos publicitários, como promoções na venda de medicamentos.
É por ser o consumidor vulnerável que se impõe ao fornecedor uma série de limites no que pertine
ao conteúdo dos contratos de consumo, que se justifica a adoção da responsabilidade objetiva para as
hipóteses de acidentes de consumo, como quer Flávio Tartuce (TARTUCE, 2006, p. 263), ou ainda, que se
explica a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas para tutelar seus interesses.
Inicialmente, a boa-fé objetiva impõe ao juiz, quando se defronta com contradições ou obscuri-
dades nas cláusulas negociais especialmente se estas estiverem inseridas em contratos por adesão, o
dever de utilizá-la como parâmetro hermenêutico, imaginando como agiriam outros sujeitos em igual
posição, aferindo-se qual seria o modelo de comportamento ideal.
O princípio em foco atua também como fator que impõe limites ao exercício de direitos subjetivos
e potestativos, posto que visa preservar a integridade das partes, impedindo assim, abusos que possam
desnaturar o equilíbrio entre as prestações, isso significa a aceitação da intervenção de elementos
externos atuando na intimidade da relação jurídica entabulada, limitando os efeitos da vontade
manifestada por cada uma das partes e o exercício dos direitos subjetivos daí derivados (AGUIAR JUNIOR,
1995, p. 24), sendo que aparentemente é aqui que ingressa o comando previsto no artigo 4.º, III, do CDC
na medida em que impõe limites ao exercício da autonomia privada, bem como o artigo 51 da mesma
lei, quando em seu inciso IV afirma ser nula a cláusula que estabeleça obrigação iníqua, abusiva ou que
seja incompatível com a boa-fé.
Desse modo, enquanto atua como norteadora das relações jurídicas, a boa-fé “limita, em certos
casos, o exercício de direitos” (COSTA, 2002, p. 634), destacando-se que tal função é deveras importante,
pois diante dos fenômenos da funcionalização e da massificação do contrato, instrumentalizados
mediante a estandardização das cláusulas contratuais, fizeram-se necessárias novas formas de controle
das cláusulas negociais que, em princípio, à luz da teoria clássica, não poderiam ser objeto de discussão
pelo aderente (AMARAL JUNIOR, 1993, p. 29-30). Saliente-se que a boa-fé, nesse caso, atua ainda como
fonte da teoria dos atos próprios, por exemplo, proibindo comportamentos contraditórios que ao
frustrar a confiança do consumidor, traga prejuízo a este.
Quanto à tripartição do tema em estudo, mencione-se por fim que a boa-fé atua como fonte
de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio em questão é fonte dos deveres
laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de advertência, de conservação, de proteção e de custódia
(TOMASETTI JUNIOR, 1995, p. 16), e ainda dos deveres de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto
ao adequado uso da coisa, de prestar contas, de colaboração e cooperação e omissão; que também
poderão ser extraídos dos comandos previstos no CDC.
Como exemplos de deveres laterais pode ser pensado o dever do advogado em não divulgar
dados sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com cliente traído pelo cônjuge (sigilo),
o imposto ao fornecedor quanto à adequada informação sobre o uso dos produtos comercializados
(informação), o imposto ao credor no que pertine a não dificultar o adimplemento da obrigação (coo-
peração), o que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de seu estabelecimento
comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus clientes não se tornem vítimas de
eventual acidente de consumo em suas dependências (segurança).
Os tribunais brasileiros têm valorizado dia a dia o papel da boa-fé enquanto fonte de deveres
laterais, como pode ser visto neste julgado bastante didático: o cliente do estabelecimento comercial,
que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa, não celebra um contrato de
depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do
princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano (STJ REsp 107.211).
Como se vê, o dever violado nesse caso foi o dever lateral de cuidado ou proteção, na hipótese,
impondo-se à empresa o dever de reparar os danos suportados pelo consumidor.
Atividades
1. Qual a importância dos princípios para a solução de problemas na sociedade?
4. Como um corretor de imóveis poderia utilizar o dever de informar de modo a evitar riscos nos
contratos com seus clientes?
Para refletir
Será que, atualmente, as partes estão obrigadas a observarem apenas o que foi expressamente
ajustado no contrato pactuado de forma escrita ou verbal?
Será que, atualmente, serão válidas todas as cláusulas estipuladas expressamente entre os
contratantes?
Dicas de estudo
As obras a seguir explicam como resolver o problema surgido quando existir a colisão de princí-
pios, analisando ainda de modo detalhado, os preceitos estudados nessa aula.
BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamen-
tais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método,
2006. V.3.
Referências
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, n. 14, abr./jun. , 1995.
ALTERINI, Atilio Anibal. Bases para armar la teoría general del contrato en el derecho moderno. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 19, jul./set., 1996.
AMARAL JUNIOR, Alberto do. A boa-fé e o controle das cláusulas contratuais abusivas nas relações de
consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, abr./jun. , 1993.
BENJAMIN, Antonio Herman et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro:
Forense,1992.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Booksel-
ler, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 35, jul./set., 2000.
_____. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000.
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da responsabilidade civil e o novo Código. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, out./dez., 2002.
COSTA, Judith Martins. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2000.
_____. Comentários ao Novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
2003. v. 5.
_____. Mercado e solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: (Org.).
A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos Princípios, Diretrizes e Direitos Fundamentais Cons-
titucionais no Direito Privado. São Paulo: RT, 2002.
_____. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto de Código
Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de Derecho Civil: introducción, derecho de la persona,
autonomía privada, persona jurídica. Madrid: Tecnos, 1994. v.1.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
KIPER, Claudio Marcelo. La buena fe y el sistema registral inmobiliario. In: Tratado de la Buena Fe en el
Derecho. Buenos Aires: La Ley, 2004.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 36, n. 141, jan. /mar., 1999.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1970.
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Da Boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984.
v.1.
NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.
SICCA, Gerson dos Santos. A interpretação conforme à Constituição – verfassungskonforme auslegung –
no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 36, n. 143, jul.-set., 1999.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
TOMASETTI JUNIOR, Alcides. As relações de consumo em sentido amplo na dogmática das obrigações e
dos contratos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. º 13, jan. /mar., 1995.
ZINN, Rafael Wainstein. O contrato em perspectiva principiológica: novos paradigmas da teoria con-
tratual. In: ARONNE, Ricardo (Org.). Estudos de Direito Civil Constitucional. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004.
Gabarito
1. Não se pode negar que a técnica adotada pelo legislador responsável pelo CDC difere da seguida
até então pelo direito privado brasileiro, posto que propõe a adoção de sistemas abertos,
alcançados mediante a inserção de normas que não se limitam a ditar a exata conduta a ser
seguida pelas partes, mas sim que dirigem por meio de critérios amplos, o comportamento das
partes e a atividade do juiz, criando parâmetros para a valoração de comportamentos (TEPEDINO,
2000, p. 19).
Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em branco, sem expressa
solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a mudança de comportamento dos
membros da sociedade.
É importante chamar a atenção para a quebra do paradigma interpretativo. Esse novo modelo,
determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 97-108), por conta do espaço deixado para
o exercício de sua criatividade, ditar não apenas a consequência do ato praticado em desrespeito
ao ordenamento, mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes, por
conta da necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que se encontra desprovida
de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que exista pena prevista de
modo expresso e anterior para a hipótese de sua violação.
A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma
menor distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em efetivo agente político quando
lhe outorga poderes para promover justiça distributiva com fulcro em diretrizes preestabelecidas,
o que parece bastante positivo em um Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à
ordem jurídica justa.
2. O CDC prevê em seu artigo 4.º, I, que todo consumidor é vulnerável, criando-se, a partir dessa
premissa, uma série de limites que balizam o exercício da autonomia privada, atuando ainda na
busca do reequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes quando necessário, em homenagem
à igualdade material, posto que consumidor e fornecedor são naturalmente desiguais.
3. A boa-fé atua como fonte de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio
em questão é fonte dos deveres laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de advertência, de
conservação, de proteção e de custódia (TOMASETTI JUNIOR, 1995, p. 16), e ainda dos deveres
de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto ao adequado uso da coisa, de prestar contas, de
colaboração e cooperação e omissão; que também poderão ser extraídos dos comandos previstos
no CDC.
Como exemplos de deveres laterais pode ser pensado o dever do advogado em não divulgar dados
sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com cliente traído pelo cônjuge (sigilo), o
imposto ao fornecedor quanto à adequada informação sobre o uso dos produtos comercializados
(informação), o imposto ao credor no que diz respeito a não dificultar o adimplemento da
obrigação (cooperação), o que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de
seu estabelecimento comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus clientes
não se tornem vítimas de eventual acidente de consumo em suas dependências (segurança).
O princípio da transparência
O princípio da transparência encontra-se previsto de modo explícito no Código de Defesa do
Consumidor (CDC), consoante teor do artigo 31, representando uma grande conquista social, que dita que:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
1 Parte desta aula é fruto de duas pesquisas outrora realizadas pelo autor, pendentes de publicação, a primeira, junto à editora RT, na Revista
de Direito do Consumidor, cujo título é: “A hermenêutica contratual no CDC”, e a segunda, também aguardando publicação no segundo volume
da obra Repensando o Direito do Consumidor, organizada pela comissão de defesa do consumidor da OAB/PR, denominada: “Reflexões sobre a
leitura dos contratos no Código de Defesa do Consumidor à luz de seus princípios”.
a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas,
deve imperar na formação do negócio jurídico;
b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser
interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de
habitação, sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade;
c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário, não só decorrente da sua fragibilidade financeira,
mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora,
econômica e financeiramente muitas vezes mais forte. [...]
A transparência nasce, em última análise, no direito que o consumidor tem de ser respeitado,
podendo ser invocada como fundamento que autorize a resolução contratual, bem como, para obrigar
o fornecedor a indenizar o consumidor (REIS, 2005, p. 128), especialmente quando implicar no cumpri-
mento inexato da obrigação, hipótese que se manifesta quando o contrato é cumprido, mas o objeto
ou o serviço prestado encontra-se viciado (CATALAN, 2005), como se pode verificar no caso da venda
de um terreno em que foi enterrado há muito tempo lixo tóxico, ou mesmo, em cuja vizinhança será
instalado um aterro sanitário, sem que o comprador saiba de tal fato.
Muitas vezes, o juiz poderá ter ainda que reconstruir a cláusula declarada nula (MARQUES, 1998,
p. 412), aliás, se possível, deverá por força do princípio do favor negotii, no vernáculo, princípio da
conservação do negócio jurídico, como pode ocorrer no caso de um contrato de locação pactuado com
aluguel indexado ao salário mínimo, o que é proibido pelo artigo 17 da Lei 8.245/91, ou na compra e
venda de um imóvel com pagamento ajustado em moeda estrangeira, o que é vedado pelo artigo 318
do Código Civil (CC), invocado aqui em sede de diálogo de complementaridade, se o negócio jurídico a
ser purgado da cláusula viciada, se apresentar enquanto relação de consumo.
Destaca-se, ainda, sobre o assunto, que o aludido princípio se manifesta diante da impossibilidade
de se obrigar o consumidor a obedecer ao conteúdo de cláusulas contratuais que não teve prévia
oportunidade de ler e entender, como ocorre no caso de ausência de informação quanto aos critérios
de reajuste do prêmio mensal a ser pago pelo consumidor que contrata plano de saúde, ou que, se
limitativas de seu direito, não tenham sido grafadas em destaque.
O princípio da confiança
A ideia de confiança está ligada à necessidade de tutela das legítimas expectativas que nascem
entre os contratantes. Para explicar a influência desse princípio, não se pode negar que os motivos da
contratação, quando razoáveis e circunscritos à boa-fé objetiva, integram a relação contratual, prote-
gendo as legítimas expectativas do consumidor, e desse modo, a fidúcia, de um modo geral, tão neces-
sária nas relações comerciais, aqui também é condição essencial ao regular adimplemento das condi-
ções e cláusulas pactuadas entre as partes, cuja leitura deve ser promovida à luz do que o consumidor
razoavelmente poderia esperar do fornecedor, seja em razão do que foi expressamente ajustado entre
partes ou por conta do comportamento assumido pelas partes durante o cumprimento do contrato.
A título de exemplo, pode-se imaginar que uma vez ajustado o pagamento das prestações
devidas por ocasião da compra e venda de imóvel junto à empresa loteadora na sede do fornecedor,
caso este renuncie a esse direito e passe mensalmente a dirigir-se ao domicílio do consumidor para
receber as prestações diante da confiança depositada, nas novas circunstâncias negociais, o credor não
mais poderá exigir que a obrigação seja cumprida em sua sede.
É ainda, em razão da confiança depositada pelo consumidor na manutenção dos contratos cativos
de longa duração, que se justifica a impossibilidade da empresa de plano de saúde de impor um prazo
final ao mesmo quando não haja justificada razão para esse ato. Explicando essa última ideia, o Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu que (Ac. 70004859146):
[...] é vedado à seguradora a negativa de renovação do contrato de assistência médica pela simples justificativa de
ausência de interesse na sua renovação [sendo] necessário seja demonstrada a modificação da natureza dos riscos
assumidos ou da composição do grupo segurado, ônus do qual não se desincumbiu a seguradora [...].
Além disso, frisa-se que o CDC preocupou-se com o cumprimento do referido princípio a ponto
de determinar que o risco é de quem oferta e não daquele que adquire o produto ou o serviço, sendo
também, nesse princípio, que se encontra o fundamento da obrigatoriedade do cumprimento da oferta,
que deve ser obedecida pelo fornecedor em sua exatidão, como se verifica na leitura do artigo 30 do
citado diploma legal:
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com
relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integrar o contrato que vier a ser celebrado.
A inobservância desse princípio pode disparar a sanção para o caso de existência de vício do
produto ou serviço, autorizando o consumidor a devolver o produto e receber o preço pago devidamente
corrigido, a requerer o abatimento proporcional do preço ou ainda a exigir a substituição do produto
ou a reexecução do serviço, consoante previsto no CDC, sem prejuízo da reparação de eventuais
danos materiais ou extrapatrimoniais, nessa última hipótese, desde que haja violação a direito da
personalidade; destacando-se que todo o conteúdo da mensagem publicitária integra o conteúdo do
contrato, especialmente se seus destinatários forem induzidos a acreditar nela.
Sobre o assunto é imperioso destacar que recentíssima decisão proferida pelo TJRS, fora ampliada
a garantia legal para além dos prazos fixados no CDC, fazendo isso em lei em razão da necessidade
de proteção da confiança depositada no cumprimento do contrato de modo adequado, que no caso
específico, não se encerra com a entrega do bem, mas, sim, na certeza de que este será usufruído por
prazo razoável, pois cada produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade, a ser aferida em
caso concreto (TJRS. Ap. Cível 70014964498).
em razão da oferta e das mensagens sub-reptícias nela contidas, passando por todo o processo que vai
da conclusão à execução do negócio jurídico, expandindo-se até a fase pós-contratual, impondo-se
nesse caso, por exemplo, o dever do fornecedor manter no mercado por prazo razoável peças de repo-
sição para os bens que produz (obsolescência planejada).
Nessa esteira de reflexão, o referido princípio justifica ainda, a inserção de dispositivos no CDC,
como o que impõe a revisão dos contratos por simples onerosidade, autorizando a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Destacando-se que sobre o tema em apreço,
Antônio Carlos Efing (2005, p. 63) leciona que na medida em que o contrato apresenta-se como instru-
mento hábil a promover a circulação de riquezas é evidente que o princípio da força obrigatória dos
contratos na sociedade moderna resta mitigado, haja vista a preponderância do interesse social em
detrimento do individual, sendo hialino que a sociedade não possa aceitar posições que violem o equi-
líbrio que há de imperar nas relações negociais.
Não se nega que também viola o equilíbrio material a cláusula que autoriza a possibilidade de
supressão de cláusulas abusivas (EFING, 2005, p. 63) eventualmente contidas no contrato pactuado, nesse
caso, ampliando a força da boa-fé enquanto limite ao exercício inadmissível de posições jurídicas.
De fato, não se pode negar que é com base no princípio da equidade, também denominado
princípio do equilíbrio ou da equivalência material, que fora construída boa parte do rol das cláusulas
abusivas constantes no artigo 51 do CDC, podendo ser lembradas, como exemplo, as que declaram
como nulas as disposições que impliquem em renúncia a direitos inerentes ao negócio entabulado,
limitem o quantum indenizatório, ou ainda afastem os direitos garantidos pela lei especial.
Por fim, merece análise uma decisão recente proferida pelo STJ, que, tendo promovido um diálogo
de exclusão, decidiu que não se aplicam aos contratos subordinados o CDC as regras inerentes à compra
e venda ad corpus (REsp. 436853/DF):
Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo CDC. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a
área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo.
Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida.
Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva.
– A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquirido na planta regido pelo CDC
não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no
contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser
caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento
proporcional do preço ou a rescisão do contrato.
– A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titu-
laridade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual.
– O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o
objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva.
– Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a
interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, [devendo ser] consideradas
a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC.
– O juiz da equidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento.
– Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso
do poder econômico, restando, assim, ferido o princípio da equidade contratual, deve ele receber uma proteção
compensatória.
– Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória
má-fé em detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para
obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem. [...]
Como se afere, lembrando que salvo melhor juízo, o diálogo de exclusão afastaria a aplicação de
regras que contrariem o sistema, não podem ser aplicadas às relações de consumo, as disposições que
regem a compra e venda ad corpus, pois nos contratos de aquisição de imóveis na planta, notadamente
regrados pelo CDC, a referência à área do imóvel não pode ser considerada como meramente enunciativa,
sob pena de provocar instabilidade na relação contratual, especialmente por conta do elevado valor
praticado pelo mercado na comercialização do metro quadrado de construção.
Atividades
1. Qual a importância do princípio da transparência e quais as consequências de sua violação por
parte do fornecedor?
2. O consumidor tem direito a tudo aquilo que razoavelmente espera do produto adquirido e não
apenas ao que foi expressamente ajustado. Discorra sobre essa afirmação a partir de um contrato
de compra e venda e de um contrato de locação.
3. O princípio da equidade autoriza a revisão dos contratos para corrigir eventual desequilíbrio ou
impera a regra de que o contrato faz lei entre as partes?
4. Se a lei proíbe que um contrato de locação tenha como uma de suas cláusulas o pagamento de
aluguel em moeda estrangeira, como solucionar esse problema mantendo o contrato, já que o
locatário precisa de um teto para morar?
Para refletir
O contrato faz mesmo lei entre as partes?
O consumidor tem direito de exigir o cumprimento da oferta formulada?
Dicas de estudo
As obras a seguir levam o leitor a refletir sobre a necessidade de proteção do polo mais fraco da
relação jurídica, mediante uma análise do direito privado à luz da Constituição.
BRAMBILA, Silvio. O sistema do código civil e do CDC e as limitações impostas à liberdade de contratar.
In: CANEZIN, Claudete Carvalho (Coord.). Arte Jurídica: biblioteca científica de direito civil e processo
civil da Universidade Estadual de Londrina. Curitiba: Juruá, 2005. v. 2.
SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005.
TARTUCE, Flávio. A Função Social dos Contratos: do CDC ao novo código civil. São Paulo: Método,
2005.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
CUNHA, Belinda Pereira da. Antecipação da Tutela no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 1999.
EFING, Antônio Carlos. Revisão contratual no código de defesa do consumidor e no novo Código Civil.
In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO, Marcelo (Org.). Repensando o Direito do Consumidor.
Curitiba: OAB, 2005.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
REIS, Clayton. O dano moral nas relações consumeristas. In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO,
Marcelo (Org.). Repensando o Direito do Consumidor. Curitiba: OAB, 2005.
ROSA, Josimar Santos. Relações de Consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores.
São Paulo: Atlas, 1995.
SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
TOMASETTI JUNIOR, Alcides. O objetivo da transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de
informação nas declarações negociais para consumo. Revista de Direito do Consumidor, n. 4. São
Paulo: RT, 1992.
Gabarito
1. O princípio da transparência encontra-se previsto de modo explícito no CDC, consoante teor do
artigo 31, representando uma grande conquista social.
A transparência nasce, em última análise, no direito que o consumidor tem de ser respeitado,
podendo ser invocada como fundamento que autorize a resolução contratual, bem como para
obrigar o fornecedor a indenizar o consumidor (REIS, 2005, p. 128), especialmente quando implicar
no cumprimento inexato da obrigação, hipótese que se manifesta quando o contrato é cumprido,
mas o objeto ou o serviço prestado encontra-se viciado (CATALAN, 2005), como se pode verificar
no caso da venda de um terreno em que foi enterrado há muito tempo lixo tóxico, ou mesmo, em
cuja vizinhança será instalado um aterro sanitário, sem que o comprador sabia de tal fato.
Muitas vezes, o juiz poderá ter ainda que reconstruir a cláusula declarada nula (MARQUES, 1998,
p. 412), aliás, se possível, deverá, por força do princípio do favor negotii, no vernáculo, princípio da
conservação do negócio jurídico, como pode ocorrer no caso de um contrato de locação pactuado
com aluguel indexado ao salário mínimo, o que é proibido pelo artigo 17 da Lei 8.245/91, ou na
compra e venda de um imóvel com pagamento ajustado em moeda estrangeira, o que é vedado
pelo artigo 318 do CC, invocado aqui em sede de diálogo de complementaridade, se o negócio
jurídico a ser purgado da cláusula viciada, se apresentar enquanto relação de consumo.
Destaca-se ainda, sobre o assunto, que o aludido princípio manifesta-se diante da impossibilidade
de se obrigar o consumidor a obedecer ao conteúdo de cláusulas contratuais que não teve prévia
oportunidade de ler e entender, como ocorre no caso de ausência de informação quanto aos
critérios de reajuste do prêmio mensal a ser pago pelo consumidor que contrata plano de saúde,
ou que, se limitativa de seu direito, não tenham sido grafadas em destaque.
Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que permite aos
indivíduos alcançar a concreção no mundo real dos principais direitos que estão garantidos na CF,
servindo como mecanismo que possibilita a satisfação de interesses individuais, econômicos ou
não, e por conta disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da dignidade
da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover o
livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.
Nessa esteira de reflexão, o referido princípio justifica, ainda, a inserção de dispositivos no CDC,
como o que impõe a revisão dos contratos por simples onerosidade, autorizando a modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão
de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, destacando-se que sobre o
tema em apreço, Antônio Carlos Efing (2005, p. 63) leciona que na medida em que o contrato
apresenta-se como instrumento hábil a promover a circulação de riquezas é evidente que o
princípio da força obrigatória dos contratos na sociedade moderna resta mitigado, haja vista a
preponderância do interesse social em detrimento do individual, sendo hialino que a sociedade
não pode aceitar posições que violem o equilíbrio que há de imperar nas relações negociais.
Não se nega que também viola o equilíbrio material a cláusula que autoriza a possibilidade
de supressão de cláusulas abusivas (EFING, 2005, p. 63), eventualmente contidas no contrato
pactuado, nesse caso, ampliando a força da boa-fé enquanto limite ao exercício inadmissível de
posições jurídicas.
Escoram suas ideias na premissa que dita que a aquisição de um bem ou serviço caracteriza a relação,
sendo irrelevante se o objeto ou a atividade tenham sido contratados pelo particular ou para ser
utilizados em uma atividade econômica ou profissional (ANDRIGHI, 2004, p. 6). Afirma-se desde já que a
adesão a essa linha de pensamento é minoritária, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.
Por sua vez, os finalistas defendem sua tese a partir do destino dado ao objeto da prestação
desempenhada, distinguindo-o de um lado em bem de consumo e do outro como insumo, esse último,
caracterizado por aqueles bens que serão transformados ou que serão necessários à transformação
de outros no processo produtivo, como ocorre no caso de aquisição de tecido por certa empresa, para
confeccionar camisas ou calças, e ainda, da energia elétrica necessária para o funcionamento das suas
máquinas. Tal corrente sustenta que se aplica o CDC quando o bem adquirido não seja transformado ou
incorporado a outro, mas sim seja utilizado instrumentalmente, como é o caso de computadores e de
todo o material de escritório utilizado em uma imobiliária (PASQUALOTTO, 2005, p. 134).
A terceira corrente é ainda mais restritiva, sendo sua precursora a professora Cláudia Lima Marques,
e é conhecida por teoria do finalismo aprofundado, por meio da qual a vulnerabilidade do consumidor
deverá ser analisada em concreto quando este for uma pessoa jurídica (2002, p. 347-353). Nesse condão,
considerando-se que o CDC é uma lei para desiguais, há de se ter cautela para aplicá-lo em uma relação
jurídica negocial existente entre duas empresas, especialmente por conta dos princípios sobre os
quais foram construídas as fundações do Código Civil (CC), que garante tratamento justo e equitativo
a todos os participantes da relação jurídica (MARQUES, 2005, p. 74), mas que não se esquece que é
uma lei para solucionar problemas surgidos no âmbito dos contratos entre iguais. Saliente-se que essa
pesquisa constatou que as últimas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguem essa vertente
doutrinária, como se observa do seguinte julgado:
A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária
excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações
previstas pelos artigos 17 e 29 do CDC. [...]. (AgRg no REsp 687.239 / RJ)
As principais dúvidas ecoam no conflito entre as duas últimas teorias apontadas, não se podendo
afirmar que uma prevalece sobre a outra, mas que a nosso ver ambas se complementam.
Nesse condão, aparentemente alguns autores, a partir da análise teleológica da questão,
sustentam que o Poder Judiciário deverá reconhecer a vulnerabilidade da pequena empresa e dos
profissionais liberais quando esses adquirem produtos ou serviços que fogem da sua esfera de
especialidade, aplicando por consequência o CDC (LIMA, 2003, p. 61), tese essa que em princípio
responde as questões suscitadas no início deste capítulo e que versam sobre a aquisição de um
mesmo produto ou serviço por pessoa natural e jurídica, dando aos mesmos idênticos tratamentos.
Nesse sentido, há um julgado interessante proferido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que
equipara o pequeno agricultor, considerado como empresário pelo CC, a consumidor, na hipótese desse
ter adquirido adubo para preparar o plantio da safra futura, considerando ainda que aquele consumiu
o bem comprado (REsp 208.793).
Uma outra resposta interessante à apontada crise é dada pela professora Heloísa Carpena (2004,
p. 29-48) ao defender que quando o bem adquirido ou o serviço contratado for considerado essencial,
como é o caso de fornecimento de água e de energia elétrica, especialmente se exercidos por meio
de monopólio, o consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica, será sempre vulnerável, em razão da
imprescindibilidade do serviço.
Como se afere do debate trazido à análise, a resposta para a questão, que busca aferir qual a
melhor ideia de destinatário final e o campo de aplicação do CDC, ainda está por ser encontrada.
Ademais, esse dever de informar vai além, impondo ao fornecedor o dever de comunicar
àquele que se propõe a comprar o bem ofertado, se a área em que o apartamento ou a casa estão
localizados é afetada por enchentes ou excessiva criminalidade, obrigando-se ainda, se da publicidade
constar promessa de instalação de rede elétrica, de água, de esgoto etc., mesmo que tais obrigações
não constem expressamente da minuta assinada pelas partes, também conhecida por compromisso
particular de compra e venda, a observar o dever jurídico assumido, que uma vez não cumprido,
autoriza o consumidor a resolver o contrato e a postular, além da devolução de eventual quantia paga,
indenização por eventuais perdas e danos.
Aliás, esse último exemplo poderia ilustrar ainda a hipótese prevista no inciso IV da norma
comentada, pois ao determinar que ao consumidor também é garantida “a proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”, impõe ao fornecedor o dever de honrar
tudo aquilo que prometeu, mesmo que sua intenção seja apenas a captação de clientes.
A respeito dessa regra, salienta-se também que cláusula que determine a perda total da quantia
paga pelo consumidor que não pode quitar o financiamento do imóvel será considerada como não
escrita, posto que se trata de cláusula abusiva.
Por sua vez, o inciso V do artigo analisado dita que o consumidor tem direito “à modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, garantindo àquele o direito de rever os
contratos pactuados sempre que estes lhe obriguem ao pagamento de prestações desproporcionais,
situação bastante comum nos contratos firmados junto ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
De fato, no mercado imobiliário para consumo, não há como se negar a integral aplicação do
CDC, pois é impossível não qualificar como fornecedoras as empresas que trabalham no ramo de incor-
poração imobiliária, de construção, e ainda dos agentes financeiros (LEONARDO, 2003, p. 178). E desse
modo, na medida em que a função social do contrato está intimamente ligada à noção de equilíbrio
entre as prestações assumidas pelas partes, um contrato que onera uma das partes, deve ser revisto
pelo Judiciário (TARTUCE, 2005, p. 96).
Fato é que no Brasil, o CDC rompeu com o dogma da força obrigatória enquanto máxima inquestio-
nável, dispondo que qualquer alteração da base negocial poderá ser utilizada como argumento para a alte-
ração de cláusulas desfavoráveis ao consumidor, sendo necessária apenas a demonstração de que a parte
mais fraca na relação de consumo se viu obrigada a uma prestação desproporcional à vantagem auferida
por conta de fatos ulteriores (TARTUCE, 2003, p. 139) que alteraram a base negocial em seu desfavor.
Por sua vez, os incisos VI e VII são também de elevada importância, pois, o primeiro determina
que o consumidor merece “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos”, e o segundo garante a efetividade desses direitos ao dispor que àquele está garan-
tido “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e
técnica aos necessitados”.
Como se observa, o legislador se preocupou com a promoção de uma tutela preventiva, não
havendo necessidade de que ocorra a violação do direito do consumidor para que esse busque o Poder
Judiciário, bastando a mera possibilidade disso ocorrer. Essas regras, conjugadas, são de grande valia,
por exemplo, autorizando as associações de defesa de consumidores a ajuizar ações visando impedir
propagandas com oferta de venda de lotes em áreas de preservação ambiental, e ainda, buscando a
declaração de nulidade de tais loteamentos, em razão da ofensa ao texto constitucional.
Com amparo no inciso VI, o consumidor teria direito a buscar a exclusão de seu nome dos bancos de
dados restritivos de crédito, que deverão ser tratados pelas empresas a partir do reconhecimento de sua
relevância, visando reabilitar seu crédito e ter divulgados dados condizentes com a mais absoluta verdade
(EFING, 1999, p. 195). Já por meio do citado inciso VII, mais uma vez resta consagrada a tutela conhecida
por inibitória, ou de remoção do ilícito, que visa a atuar sobre a vontade do réu, convencendo-o a praticar
ou a não praticar um ato, para que o ilícito não se verifique, não se repita ou não prossiga (MARINONI,
1998, p. 117), o que aliás, é um dever do juiz e não uma simples faculdade, pois no atual estágio das
garantias constitucionais, as tutelas de urgência possuem relevante papel na promoção da efetividade
da tutela jurisdicional contra toda e qualquer lesão ou ameaça a direito subjetivo (THEODORO JÚNIOR,
2002, p. 46).
A ideia também que impera aqui é a de que ao consumidor é garantida a reparação integral dos
prejuízos que venha a suportar por conta dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo
pelo fornecedor, tenha ele suportado prejuízos materiais ou de ordem extrapatrimonial, como pode
ocorrer no caso de acidente de consumo que o impeça de trabalhar e ainda que lhe cause lesão a inte-
gridade psicofísica.
Outra regra deveras importante está prevista no inciso VIII, do artigo ora estudado, diretriz que
assegura ao consumidor o direito a obter em seu favor, a inversão do ônus da prova quando a tese por ele
sustentada tenha elevada aparência de probabilidade fática ou se ele for considerado hipossuficiente;
não se podendo negar que obrigar o consumidor a produzir algumas provas para ter assegurado seu
direito seria o mesmo que negar-lhe esse direito, como ocorre no caso de intoxicação alimentar, cujos
efeitos são patentes, mas as causas de complexa aferição, daí a importância da regra que autoriza o juiz
a determinar a inversão do ônus probatório, impondo ao fornecedor o dever de provar que o alegado
pelo consumidor não ocorreu, ou não ocorreu da forma relatada.
Texto Complementar
Pessoa jurídica pode ser consumidora segundo
orientação do Superior Tribunal de Justiça
1. No que tange à definição de consumidor, a Segunda Seção desta Corte, ao julgar, aos
10.11.2004, o REsp 541.867/BA, perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, de sorte
que, de regra, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim
de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se
enquadra na definição constante no art. 2.º do CDC. Denota-se, todavia, certo abrandamento na
interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do
CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabi-
lidade técnica, jurídica ou econômica.
2. A recorrida, pessoa jurídica com fins lucrativos, caracteriza-se como consumidora intermediária,
porquanto se utiliza dos serviços de telefonia prestados pela recorrente com intuito único de
viabilizar sua própria atividade produtiva, consistente no fornecimento de acesso à rede mundial
de computadores (internet) e de consultorias e assessoramento na construção de home pages, em
virtude do que se afasta a existência de relação de consumo. Ademais, a eventual hipossuficiência da
empresa em momento algum foi considerada pelas instâncias ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se
a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância.
3. Todavia, in casu, mesmo não configurada a relação de consumo, e tampouco a fragilidade
econômica, técnica ou jurídica da recorrida, tem-se que o reconhecimento da responsabilidade civil
da concessionária de telefonia permanecerá prescindindo totalmente da comprovação de culpa,
vez que incidentes as normas reguladoras da responsabilidade dos entes prestadores de serviços
públicos, a qual, assim como a do fornecedor, possui índole objetiva (art. 37, §6.º, da CF/88), sendo
dotada, portanto, dos mesmos elementos constitutivos. Nesse contexto, importa ressaltar que tais
requisitos, quais sejam, ação ou omissão, dano e nexo causal, restaram indubitavelmente reconhe-
cidos pelas instâncias ordinárias, absolutamente soberanas no exame do acervo fático-probatório.
4. Por fim, com base na análise do conjunto fático-probatório, principalmente das perícias
realizadas, cujo reexame é vedado nesta seara recursal (Súmula 7 da Corte), entenderam as
instâncias ordinárias que o incêndio que acometeu as instalações telefônicas da concessionária
não consubstancia caso fortuito, não havendo que se falar em excludente da responsabilidade civil
objetiva da recorrente.
5. Diante do exposto, a manutenção da condenação da empresa concessionária de telefonia
é medida de rigor, mesmo que por outros fundamentos, alterando-se tão somente a qualificação
jurídica dos fatos delineados pelas instâncias ordinárias, da responsabilidade consumerista para a
dos entes prestadores de serviço público, ante a identidade e comprovação dos elementos configu-
radores da responsabilização civil, ambas de ordem objetiva, a par de restar comprovada a ausência
de qualquer causa excludente da responsabilidade civil.
6. Com efeito, não se mostraria razoável, à luz dos princípios da celeridade na prestação
jurisdicional, da economia processual, da proporcionalidade e da segurança jurídica, anular-se
todo o processo, equivalente a 05 (cinco) anos de prestação de serviço judiciário, no qual restou
exaustivamente discutida e demonstrada a responsabilidade civil da empresa concessionária de
telefonia, sob pena de se privilegiar indevidamente o formalismo exacerbado em total detrimento
do escopo de pacificação social do processo, mantendo-se situação de instabilidade e ignorando-se
por completo a orientação preconizada pelos modernos processualistas.
7. Recurso Especial não conhecido.
(STJ. REsp. 660.026/RJ, 4.ª Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, julgado em 3.5.2005, DJU
27.06.2005, p. 409)
[...] Ressalto, inicialmente, que se colhe dos autos que a empresa recorrida, pessoa jurídica
com fins lucrativos, caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza do serviço
de fornecimento de energia elétrica prestado pela recorrente, com intuito único de viabilizar sua
própria atividade produtiva. Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na
interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, desde que demonstrada,
in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do CDC. Quer
dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como
exceção e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante
seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor. Ora, in casu, a questão da hipossuficiência
da empresa recorrida em momento algum foi considerada pelas instâncias ordinárias, não sendo
lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância [...]
(STJ. REsp. 661.145/ES, 4.ª Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, julgado em 22.2.2005, DJU 28.03.2005, p. 286)
Atividades
1. Diferencie a teoria finalista da teoria finalista aprofundada a partir dos efeitos práticos de cada
uma dessas linhas de pensamento.
2. Quais são os direitos básicos do consumidor e qual a importância de conhecê-los para o adequado
desempenho das atividades no mercado imobiliário?
3. A inversão dos ônus da prova é uma regra no sistema protetivo criado pelo CDC?
4. O que pode ocorrer caso o fornecedor não esclareça, de modo completo e adequado, o consumidor
com quem contrata, mormente, a partir dos direitos previstos no artigo 6.º do CDC?
Para refletir
Como compatibilizar as correntes maximalista e finalista em busca da adequada proteção do
consumidor?
Dica de estudo
Uma leitura fácil e agradável desse assunto pode ser vista na obra a seguir.
FILOMENO, José Geraldo de Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2005.
Referências
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direto e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, maio/ago., 2004.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação
de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CARPENA, Heloísa. Afinal, quem é consumidor? Campo de aplicação do CDC à luz do princípio da vulne-
rabilidade. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 9, jul./set., 2004.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consu-
midor, Biblioteca de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1999.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
LIMA, Rogério Medeiros Garcia de. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT,
2003.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002.
_____. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil de 2002: supera-
ção das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Saraiva: São Paulo,
2000.
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
_____. O Código de Defesa do Consumidor em Face do Código Civil de 2002. In: PFEIFFER, Roberto Au-
gusto Castellanos; (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergên-
cias e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
_____. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As liminares e a tutela de urgência. Revista Jurídica Consulex, Brasília,
ano VI, n. 139, out. 2002.
Gabarito
1. Os finalistas defendem sua tese a partir do destino dado ao objeto da prestação desempenhada,
distinguindo-o de um lado em bem de consumo e do outro como insumo, esse último, caracterizado
por aqueles bens que serão transformados ou que serão necessários à transformação de outros
no processo produtivo, como ocorre no caso de aquisição de tecido por certa empresa, para
confeccionar camisas ou calças, e ainda, da energia elétrica necessária para o funcionamento
das suas máquinas. Tal corrente sustenta que se aplica o CDC quando o bem adquirido não seja
transformado ou incorporado a outro, mas sim seja utilizado instrumentalmente, como é o caso
de computadores e de todo o material de escritório (PASQUALOTTO, 2005, p. 134) utilizado em
uma imobiliária.
3. É exceção. O inciso VIII do artigo 6.º do CDC, assegura ao consumidor o direito a obter em seu
favor a inversão do ônus da prova quando a tese por ele sustentada tenha elevada aparência de
probabilidade fática ou se ele for considerado hipossuficiente; não se podendo negar que obrigar
o consumidor a produzir algumas provas para ter assegurado seu direito seria o mesmo que
negar-lhe esse direito, como ocorre no caso de intoxicação alimentar, cujos efeitos são patentes,
mas as causas de complexa aferição, daí a importância da regra que autoriza o juiz a determinar
a inversão do ônus probatório, impondo ao fornecedor o dever de provar que o alegado pelo
consumidor não ocorreu, ou não ocorreu da forma relatada.
4. Ao dispor o inciso III do artigo 6.º, do CDC, que o consumidor tem direito “à informação adequada
e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, parece
que, por exemplo, a incorporadora ou o empreiteiro que vende um imóvel na planta, obriga-se
a informar o prazo máximo de conclusão da obra, bem como, se for o caso, qual é a taxa de juros
cobrada em razão do financiamento para a aquisição do imóvel na planta.
O dever de informar impõe ainda ao fornecedor o dever de comunicar àquele que se propõe a
comprar o bem ofertado, se a área em que o apartamento ou a casa estão localizados é afetada por
enchentes ou excessiva criminalidade, obrigando-se ainda, se da publicidade constar promessa
de instalação de rede elétrica, de água, de esgoto etc., mesmo que tais obrigações não constem
expressamente da minuta assinada pelas partes, também conhecida por compromisso particular
de compra e venda, a observar o dever jurídico assumido, que uma vez não cumprido, autoriza
o consumidor a resolver o contrato e a postular, além da devolução de eventual quantia paga,
indenização por eventuais perdas e danos.
defeito do produto, mesmo que desconhecido pelo fornecedor, este está obrigado a reparar os prejuízos
suportados pela vítima, mesmo que tenha realizado todos os testes possíveis de periculosidade. Eis que
assume as consequências de sua atividade, não podendo invocar a teoria do risco do desenvolvimento
para eximir-se do dever de indenizar. Ao contrário do que ocorre na Europa, onde tal tese prevalece em
favor da empresa.
Caso típico de conhecimento posterior do problema é notado no ramo de comércio de automóveis
novos, cuja solução é dada normalmente mediante a prática de recall, procedimento que consiste em
anúncios públicos e ostensivos visando à convocação dos consumidores para que compareçam à
empresa a fim de sanar os defeitos aferidos nos produtos ou serviços que colocara no mercado. Salienta-
-se que nesses casos, todas as despesas devem correr por conta do fornecedor.
Imagine ainda, como exemplo dessa assertiva, a comercialização de apartamentos construídos
sob solo infectado por produtos químicos enterrados há muitos anos ou erguidos sob solo em que há
risco de desmoronamento, quando tais fatos venham a ser conhecido pelo vendedor ou pelo comprador
após a entrega das chaves. Parece claro que, nesse caso, o fornecedor se obriga a informar de imediato
os compradores das unidades imobiliárias para que desocupem o imóvel, responsabilizando-se, no
mínimo, pelas despesas com a mudança e com o pagamento dos aluguéis até que o defeito, se possível,
seja reparado. A ideia que aqui impera é que para além de ser obrigado a reparar os prejuízos suportados
pelo consumidor, o fornecedor deve ainda evitá-los, agindo de modo a evitar o ilícito.
considerado defeituoso quando não oferecer a segurança dele legitimamente esperada, respeitando
circunstâncias como sua apresentação, uso e riscos, que razoavelmente dele se esperam, e ainda, a época
em que foi colocado em circulação.
Há o dever de indenizar quando a casa comprada junto à empresa do ramo imobiliário vem a
desabar e ferir a família do consumidor, quando tal fato ocorreu porque o projeto estrutural foi elaborado
sem considerar aspectos específicos do solo naquela região, ou foi desenvolvido pelo engenheiro
responsável sem observar, de modo escorreito, a construção. Também há o dever de indenizar quando
o consumidor não for informado adequadamente sobre o uso do bem, por exemplo, quando o elevador
não possui uma placa indicativa do peso máximo que pode transportar e despenca da cobertura porque
o comprador do imóvel não teve acesso a essa informação e excedeu a lotação do mesmo.
É evidente que nessas hipóteses o consumidor que compra uma casa ou um apartamento não
espera que o mesmo venha abaixo – como descrito no exemplo anterior – e dessa forma, a noção de
defeito “está essencialmente ligada à expectativa do consumidor [e assim] um produto é defeituoso
quando ele é mais perigoso para o consumidor ou usuário do que legitimamente ou razoavelmente se
podia esperar” (ROCHA, 2000, p. 95).
É importante discorrer também sobre quem será o responsável pela indenização dos prejuízos,
destacando-se que a Lei 8.078/90 prevê em seu artigo 12 que o fabricante, o produtor, o construtor e
o importador “responderão pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decor-
rentes do produto”, obrigando, nos casos previstos, mesmo quem não seja parte no contrato, a reparar
a vítima, o que se dá em razão das vantagens indiretamente auferidas. Como se denota, no caso de
acidente de consumo, terá dever de indenizar não apenas quem entregou o produto ao consumidor
por ocasião da compra e venda, mas, sim em regra, qualquer responsável pela circulação do produto no
mercado. Observa-se que o comerciante foi propositalmente excluído do rol dos responsáveis citados,
pois deverá indenizar apenas em situações peculiares, que serão abordadas logo à frente.
Salienta-se ainda que, visando à proteção dos vulneráveis, houve a criação de um sistema de
responsabilidade objetiva, ou seja, que dispensa a presença de culpa na conduta do fornecedor, tese
essa que surge, entre outros fatores, da necessidade de “substituição da ideia de responsabilidade
pela reparação, mediante a socialização dos riscos” (COSTA, 2002, p. 218), bem como, de um maior
estudo da teoria econômica, que impõe a quem lucra com certa atividade o dever de assumir os
riscos inerentes à mesma (CAVALIERI FILHO, 2000). Dessa forma, basta ao consumidor demonstrar
que sofreu o dano e que esse dano teve origem em razão de defeito do produto adquirido ou serviço
contratado junto ao fornecedor.
Em verdade, a responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela lastreada na culpa, há algum tempo não
consegue resolver inúmeros problemas surgidos nas relações cotidianas, tendo sido gradativamente
substituída pela responsabilidade objetiva, ou seja, por aquela que impõe o dever de indenizar sem
a necessidade da presença de culpa, evitando assim que vítimas de danos injustos pereçam sem
indenização por conta da dificuldade de demonstração de que certa conduta é permeada pelo elemento
subjetivo (HIRONAKA, 2005).
Apenas a título de informação, cumpre destacar que existem diversos fatores de atribuição de
responsabilidade que poderão ser utilizados para substituir a culpa, entre eles: o risco criado, a garantia,
o abuso de direito, a equidade etc. (LORENZETTI, 2004, p. 612). Aliás, não só podem como devem, pois,
como anteriormente explicado, a responsabilidade civil lastreada “na imputação culposa se assemelha
a um edifício dotado de portas difíceis de serem abertas” (LORENZETTI, 1998, p. 96), pensamento que
9. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da
pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. Consectariamente, não
há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não
estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. [...] 13. A dignidade
humana violentada, in casu, decorreu do sepultamento do irmão da parte, realizado sem qualquer comunicação à
família ou assentamento do óbito, gerando aflição ao autor e demais familiares, os quais desconheciam o paradeiro
e destino do irmão e filho, gerando suspeitas de que, por motivos políticos, poderia estar sendo torturado revelando
flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais,
absolutos, inalienáveis e imprescritíveis. Inequívoco que a morte do irmão do autor não foi oficialmente informada à
família, nem houve qualquer tipo de registro ou identificação da sepultura. [...]. (REsp 612.108/PR)
Atividades
1. Qual a função da teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço?
3. Em que hipóteses o fornecedor se exime do dever de reparar os danos suportados pelo consumidor
no caso de acidente de consumo?
4. Qual o prazo concedido pelo ordenamento jurídico para que o consumidor que é vítima de
acidente de consumo possa ajuizar ação indenizatória?
Para refletir
Quais as vantagens e desvantagens de não se aceitar o risco do desenvolvimento como hipótese
de exclusão do dever de indenizar os prejuízos das vítimas de acidentes de consumo?
Dica de estudo
A obra recomendada neste momento é uma dissertação de mestrado, bastante completa e com
leitura muito agradável.
ROCHA, Silvio Luíz Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000.
Referências
BESSA, Leonardo Roscoe. O Consumidor e seus Direitos: ao alcance de todos. Brasília: Brasília Jurídica,
2006.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 35, jul./set., 2000.
_____. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000.
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da responsabilidade civil e o novo Código. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, out./dez., 2002.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,
2005.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Civil e Direito do Consumidor: princípios. In: PFEIFFER, Roberto
Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
dez., 1998.
_____. Tratado de los Contratos: parte general. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: _____. (Org.). Princípios do
Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
_____. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
Gabarito
1. A teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, implica a análise dos acidentes de
consumo, ou seja, o estudo das situações em que o consumidor sofre danos ao seu patrimônio, e,
especialmente, à sua integridade psicofísica, bem como das consequências oriundas de tal lesão,
principalmente, o dever de repará-los.
Salienta-se ainda que, visando à proteção dos vulneráveis, houve a criação de um sistema de
responsabilidade objetiva, ou seja, que dispensa a presença de culpa na conduta do fornecedor, tese
essa que surge, entre outros fatores, da necessidade de “substituição da ideia de responsabilidade
pela de reparação, mediante a socialização dos riscos” (COSTA, 2002, p. 218), bem como, de um
maior estudo da teoria econômica, que impõe a quem lucra com certa atividade o dever de
assumir os riscos inerentes à mesma (CAVALIERI FILHO, 2000). Dessa forma, basta ao consumidor
demonstrar que sofreu o dano e que esse dano teve origem em razão de defeito do produto
adquirido ou serviço contratado junto ao fornecedor.
2. De acordo com teor dos artigos 8.º e 9.º do CDC, os produtos e serviços em oferta não poderão
acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, salvo se tais riscos possam ser
considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e do modo de utilização daqueles
bens econômicos, lembrando que o fornecedor se encontra obrigado a informar, de modo claro e
ostensivo, principalmente nesses casos, acerca do adequado uso do produto ou serviço, e ainda,
sobre os potenciais riscos que os mesmos possam oferecer à coletividade.
O fiel cumprimento desses preceitos legais pode ser observado, no plano concreto, na aferição da
publicidade feita pelas empresas de cigarro, atualmente bastante limitada por conta dos efeitos
nocivos desses produtos; nas embalagens de produtos perigosos, como álcool líquido, pesticidas
e agrotóxicos, que advertem o consumidor sobre as necessárias cautelas que deve adotar; nas
bulas que orientam acerca do uso adequado dos medicamentos, seus efeitos colaterais potenciais
e sobre as pessoas a quem não se aconselha consumi-los; nas embalagens de alimentos, que
devem conter o prazo máximo em que o consumo é recomendado.
Não se pode negar que existe um dever geral de segurança, cumprindo informar ainda, que é em
caráter excepcional que se admite a inserção de produtos perigosos no mercado, pois, em regra,
o fornecedor não pode comercializá-los.
3. Desde que exista prévia informação, há de se ter em conta quando da análise da responsabilidade
do fornecedor, se o produto foi utilizado para o fim a que se destina, posto que se o consumidor
der ao produto comprado destinação diversa da esperada ou recomendada, em regra, deverá
suportar os prejuízos que venha a sofrer.
Também estará impedido de alegar que em razão do surgimento de nova tecnologia no sistema
de freios, ou por conta dos air bags instalados em veículos mais novos, o carro antigo que possui,
fabricado na década de oitenta, é defeituoso porque oferece maior risco à sua segurança que os
produzidos atualmente.
Com síntese, se houver um acidente de consumo, de acordo com o CDC, o fabricante e os demais
responsáveis só não serão responsabilizados se demonstrarem que não colocaram o produto no
mercado, que o defeito inexiste ou que o acidente ocorreu por fato exclusivo do consumidor ou
de terceiro, e, ainda, se houver caso fortuito ou força maior.
4. Em princípio, o prazo para exercício da pretensão visando à reparação dos danos oriundos de
acidentes de consumo será de cinco anos, como expressamente prevê o artigo 27 do CDC, prazo
este que se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, momento que em regra,
coincide quando a lesão ocorrida.
Nesses casos, a ausência de prazo se dá por conta da violação de direito da personalidade, que
entre outras características, é tido como absoluto, perpétuo, intransmissível e irrenunciável, e que
uma vez desrespeitado, é fonte dos chamados danos extrapatrimoniais ou morais e tem como
principal sustentáculo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (MORAES,
2006).
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Responsabilidade pelo
vício do produto ou serviço
A insuficiência da figura dos vícios
redibitórios na tutela dos consumidores
O Código Civil (CC) brasileiro, amparado na tradição romana, positivou a figura vícios redibitórios,
expressão oriunda da palavra redibir, querendo significar a possibilidade dada ao adquirente de reaver,
restaurar, retomar, recuperar o preço pago pela coisa (AZEVEDO, 2002, p. 94), solução que está prevista
naquele diploma legislativo ao lado da possibilidade de redução do valor pago pela coisa, quando
estiver seu valor ou sua utilização diminuídos por conta do defeito oculto que a acompanha.
De acordo com aquele diploma legislativo, vício redibitório é defeito oculto que afeta a coisa e
que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudica sensivelmente o valor (PEREIRA, 2004,
p. 123), ideia essa também defendida por José Fernando Simão (2003, p. 62), para quem, consiste no
defeito cuja existência não se revela aos olhos senão mediante exames ou testes, desvalorizando a coisa
ou tornando-a imprestável ao uso pretendido.
Pelo regime instituído pelo CC, os vícios redibitórios se desenvolvem no campo dos contratos
comutativos, ou seja, naqueles contratos que impõem prestações recíprocas e com valores equitativos
a ambas as partes, não se limitando aos negócios translativos de propriedade, como ocorre na compra
e venda, pois é perfeitamente possível admitir que sejam observados também em negócios em que há
a transmissão de posse, como é caso dos contratos de arrendamento rural ou de locação.
Outro requisito necessário à caracterização dessa figura é a necessidade do vício ser oculto, pois
se ostensivo, no regime imposto pelo CC, presume-se aceito pelo credor que recebe a coisa, e dessa
forma não se reputa oculto o defeito não observado ou detectado em razão de negligência do credor,
mas apenas aquele que não poderia ser averiguado no momento do desempenho da prestação, como
poderá ocorrer no caso de compra ou locação pactuada em período de estiagem, de um imóvel que
alaga na época das chuvas.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
70 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço
Ao contrário do que ocorre no CC, cumpre destacar com Paulo Lôbo (1995, p. 37) que mesmo que
o vício seja aparente no momento da entrega do produto ou da execução do serviço, o fornecedor será
responsável pela solução daquele, dever este que se impõe em razão do “caráter impessoal, desigual e
massificado” das relações negociais que se aperfeiçoam sob a égide da lei especial.
Resta claro que os vícios que afetam os bens de consumo, ao contrário daqueles previstos no CC,
não precisam ser ocultos, bastando que existam, e em princípio, o fornecedor tem o direito de substituir o
produto viciado em até 30 dias após a reclamação, sob pena de abrir-se ao consumidor o direito de:
a) pedir a troca do produto por outro da mesma qualidade;
b) a restituição da quantia paga, devidamente corrigida; ou a seu critério;
c) o abatimento proporcional do preço.
Por consequência, não se impõe ao consumidor o ônus de agir de modo diligente no momento
da aquisição do produto, até porque, a velocidade em que as relações comerciais são praticadas impe-
diria a consecução adequada de atos dessa natureza, e ainda porque quando se adquire um produto no
mercado é razoável esperar que este funcione adequadamente e que eventual problema seja exceção.
O prazo de 30 dias previsto em lei para a solução do problema que é dado ao fornecedor pode
ser reduzido pelas partes, não podendo ser inferior a sete, nem superior a 180 dias; salientando-se que
no contrato pactuado por adesão, ou seja, aquele em que o consumidor se limita a aceitar as cláusulas
antecipadamente predispostas pelo fornecedor, que pode ser ajustado verbalmente, pois a lei não exige
forma escrita, a cláusula de ampliação de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de
manifestação expressa do consumidor, sob pena de nulidade.
Em relação à existência do dever do consumidor de notificar o fornecedor, para que, na esfera
privada, solucione o problema, antes de ser compelido a trocar o produto, devolver o dinheiro ou
reduzir o preço do bem viciado, há dúvida se tal procedimento é obrigatório, ou seja, se consiste em um
direito do fornecedor (CINTRA, 1993, p. 124), ou se é facultativo, ou seja, consiste em mais uma via dada
pelo sistema ao consumidor que busca a solução do problema (LÔBO, 1996, p. 75). Aparentemente, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) comunga do primeiro entendimento, como se observa neste julgado:
“não sanado o vício de qualidade, cabe ao consumidor a escolha de uma das alternativas previstas no
art. 18, §1.º, do CDC [condenando-se] a fabricante a substituir o automóvel” (REsp 185.836/SP); linha
esta seguida também por José Fernando Simão (2003, p. 189), ao destacar que no que pertine ao vício
de qualidade do produto o consumidor tem o dever de permitir que o fornecedor solucione o problema
sob pena de não poder exercitar seu direito à garantia.
Ademais, é importante destacar que o consumidor está autorizado a fazer uso imediato do
direito de postular a substituição do produto ou a devolução do dinheiro pago, sempre que, em razão
da extensão do vício, a substituição da parte viciada puder comprometer a qualidade ou característica
do objeto, como na hipótese de automóvel entregue pela concessionária com problema de concepção,
ou da casa cuja construção foi contratada junto a um empreiteiro e que apresenta graves defeitos
estruturais que não serão facilmente sanados.
A mesma solução se impõe quando se tratar de produto essencial, como é o caso de aquisição
de produtos alimentícios comprados com prazo de validade vencido ou que estejam deteriorados, até
porque, tais produtos, nos termos do parágrafo 6.º do artigo 18 do CDC são considerados impróprios ao
consumo, ao lado de produtos que estejam alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,
fraudados, que sejam nocivos à saúde ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares
de fabricação, distribuição ou apresentação.
Mas, efetivamente, o que é vício? Vício, para o CDC, é qualquer alteração das características de
qualidade ou quantidade que:
a) tornem o produto ou serviço impróprio ou inadequado ao fim a que se destina;
b) que lhe diminua o valor; ou que,
c) nasça da disparidade de informação entre a finalidade esperada e a utilidade concreta.
A noção de vício, como se denota, é plurissignificativa, mas que em princípio está atada a uma
característica intrínseca ao produto, que causa um mau funcionamento ou funcionamento inadequado
para o fim a que se destina o objeto.
A partir dessas premissas, e considerando que a noção de vício de quantidade se explica por si só,
eis que pode ser aferido no plano da proporcionalidade aritmética, em linhas gerais, pode sustentar-se
que os vícios de qualidade e de informação podem ser divididos em três grandes grupos, a saber:
a) vícios de durabilidade;
b) vícios de desempenho;
c) vícios por inadequação.
Na primeira hipótese pode ser enquadrada a aquisição de um computador junto à empresa espe-
cializada e que dura por pouco mais de um ano ou dois, pois se espera que esses produtos funcionem
adequadamente um período certamente maior; na segunda, a contratação de uma viagem de lua de mel
nas ilhas caribenhas, mas que não é usufruída como esperado porque a empresa de turismo se “esqueceu”
de informar que aquele período escolhido pelas partes é o da temporada de furacões; e na terceira, reto-
mando um exemplo na área da informática, a compra de um programa complexo e que somente pode ser
operado por um especialista na área, muito embora, comercializado sem essas ressalvas.
Dessa feita, no vício de durabilidade, o objeto perece ou se deteriora antes do esperado, no de
desempenho, não tem a eficácia esperada, e no vício por inadequação, haverá uma alteração na quanti-
dade, na qualidade, ou que nasce da falta de informação sobre o uso do produto ou serviço, e que acaba
por implicar na frustração do consumidor por não poder usufruir o objeto contratado do modo por ele
esperado (GRASSI NETO, 2007, p. 37).
O fornecimento de informação adequada, como se denota, é deveras importante na análise
da teoria estudada, e desse modo, também serão considerados vícios, os decorrentes da disparidade
existente entre as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem
publicitária, sendo que autores como Cláudia Lima Marques (1998, p. 599-600) sustentam até mesmo a
existência da teoria dos vícios da informação.
Como antecipado, mais simples é a intelecção do artigo 19 da Lei 8.078/90 que versa sobre os
vícios de quantidade, já que, uma vez detectado o fato de ter havido entrega de quantia inferior a
contratada, autoriza-se o consumidor a postular o abatimento proporcional do preço; a complemen-
tação do peso ou medida; a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo,
sem os aludidos vícios ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem
prejuízo de eventuais perdas e danos.
Afere-se de modo explícito a atuação nessa seara dos princípios da transparência e da confiança.
O primeiro é lido a partir da imposição, ao fornecedor, de observar o dever lateral de informação, dever
esse qualificado pela ideia de clareza, que se divide em três esferas: a) a que impõe o uso de termos
acessíveis a todos; b) a que determina a utilização dos canais adequados de informação; e enfim,
Como exemplo dessa afirmação, um recente julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS) ampliou a garantia legal para além dos prazos fixados no CDC, fazendo isso em
razão da necessidade de proteção da confiança depositada no cumprimento do contrato de modo ade-
quado, que no caso específico, não se encerra com a entrega do bem, mas sim na certeza de que esse
será usufruído por prazo razoável, pois cada produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade,
a ser aferida em caso concreto (Ap. Cível 70014964498).
Atividades
1. Por que a figura dos vícios redibitórios não é apta a resolver os problemas ligados à aquisição de
produtos e serviços defeituosos?
2. O fornecedor está obrigado a garantir a qualidade dos produtos que vende. Caso desconheça o
problema, ainda sim assume essa obrigação?
Para refletir
Qual a importância da teoria da durabilidade dentro do sistema de proteção do consumidor?
Dica de estudo
Uma das obras mais completas já publicadas no Brasil discorrendo sobre o assunto:
SIMÃO, José Fernando. Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003.
Referências
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,
2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
CINTRA, Luís Daniel Pereira. Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no código de defesa
do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, p.118-145, n. 8, out./dez., 1993.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 3.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço. Brasília: Brasília Jurí-
dica, 1996.
_____. Responsabilidade por vícios nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor. São
Paulo, n. 14, p.33-40, abr./jun., 1995.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: contratos, declaração unilateral de vontade,
responsabilidade civil. Atualizado por: Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço. São Paulo:
RT, 1998.
_____. Da responsabilidade por vício do produto e do serviço. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, n. 7, p. 37-58, jul./set., 1993.
SIMÃO, José Fernando. Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003.
Gabarito
1. A figura dos vícios redibitórios não foi suficiente para tutelar os consumidores, que diante da
velocidade em que as relações jurídicas se manifestam nessa seara, seriam certamente injustiçados
se tivessem que recorrer à mesma.
Desse modo, visando corrigir distorções nos efeitos das contratações ocorridas no âmbito das
relações de consumo e surgindo a partir da constatação de inúmeros problemas ocorridos em
razão do fenômeno da contratação em massa, a teoria do vício do produto e do serviço dita que os
fornecedores respondem pelos defeitos de qualidade que tornem o objeto adquirido ou serviço
contratado impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina, pelos vícios de quantidade, e
ainda, pelas informações que estejam em disparidade com a destinação e utilidade esperada pelo
consumidor.
2. Resta claro que os vícios que afetam os bens de consumo, ao contrário daqueles previstos no CC,
não precisam ser ocultos, bastando que existam.
Por consequência, não se impõe ao consumidor o ônus de agir de modo diligente no momento
da aquisição do produto, até porque, a velocidade em que as relações comerciais são praticadas
impediria a consecução adequada de atos dessa natureza, e ainda porque quando se adquire
um produto no mercado é razoável esperar que este funcione adequadamente e que eventual
problema é exceção.
Enfim, o fornecedor responde pelos riscos de sua atividade, sendo que a ciência ou não acerca do
problema é irrelevante para a solução do problema.
3. Os prazos de trinta ou de noventa dias serão contados a partir da entrega da coisa como vício
aparente, entretanto, começam a fluir do surgimento quando o vício for oculto, não havendo na
lei momento temporal limitativo da responsabilidade do fornecedor nesses casos, havendo de se
ter em conta a vida útil do produto (CINTRA, 1993, p. 142).
4. Vício, para o CDC, é qualquer alteração das características de qualidade ou quantidade que: a)
tornem o produto ou serviço impróprio ou inadequado ao fim a que se destina; b) que lhe diminua
o valor; ou que, c) nasça da disparidade de informação entre a finalidade esperada e a utilidade
concreta.
A noção de vício, como se denota, é plurissignificativa, mas que em princípio está atada a uma
característica intrínseca ao produto, que causa um mau funcionamento ou funcionamento
inadequado para o fim a que se destina o objeto.
A partir dessas premissas, e considerando que a noção de vício de quantidade se explica por si
só, eis que pode ser aferido no plano da proporcionalidade aritmética, em linhas gerais, pode
sustentar-se que os vícios de qualidade e de informação podem ser divididos em três grandes
grupos, a saber: a) vícios de durabilidade; b) vícios de desempenho; e enfim, c) vícios por
inadequação.
.
Importante destacar agora quais são as condutas impostas ao Estado. Um breve passar de olhos
no artigo 4.º do CDC, que versa sobre a política nacional das relações de consumo, permite ao leitor
aferir que o Poder Público tem um papel relevante na tutela dos destinatários dessa lei especial, pois
é ululante que as necessidades dos consumidores devem ser atendidas, respeitando sua dignidade,
saúde e segurança, e ainda, protegendo seus interesses econômicos, fatores esses que ligados hão de
propiciar uma sensível melhoria da sua qualidade de vida.
Entre as medidas específicas que devem ser adotadas pelo Estado, encontram-se as que visam à
educação e à proteção do consumidor por meio da criação dos Procons, órgãos da administração que
assumem o citado dúplice papel, bem como de Promotorias especializadas; incumbindo-lhe ainda, incen-
tivar a criação de associações representativas; intervir, quando necessário, no mercado de consumo, por
exemplo, combatendo a formação de cartéis, tão conhecidos do povo brasileiro ao lembrar-se dos postos
de combustíveis em algumas cidades tupiniquins. O estado deve atuar ainda quando a lei lhe impõe o
dever de controlar a qualidade dos produtos e serviços colocados à disposição dos consumidores.
Visando instrumentalizar essas diretrizes, o artigo 5.º do CDC sugere a criação e manutenção de:
a) assistência jurídica gratuita para o consumidor comprovadamente carente;
b) “de Delegacias de Polícia Especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações
penais de consumo”;
c) “de Juizados Especiais e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo”, ações que
certamente, uma vez implementadas, permitirão que a lei alcance seus objetivos.
Deve-se ter em conta uma vez mais a importância da aplicação do texto constitucional quando
da análise do direito do consumidor, norma a atuar como diretriz que orienta não só a criação como
também a aplicação da lei especial, já que a pessoa humana merece proteção absoluta do sistema.
Dignidade não é discurso ideológico nem enfeite argumentativo, mas sim um princípio vivo, concreto,
real, palpável e pleno, que deve ser considerado em quaisquer situações (RIZZATTO NUNES, 2002, p. 51);
e desse modo, a aludida premissa acaba por ressaltar a importância de uma postura ativa a ser assumida
pelo Poder Público em suas três esferas de atuação.
É importante destacar que a preocupação com a tutela da pessoa humana foi notada também em
diversas passagens do Código Civil (CC), mormente porque construído sob o pilar da eticidade, como
se detecta na positivação de figuras como a lesão, que tendo sido ignorada pelo CC revogado em 2002,
renasce (POTHIER, 2002, p. 54) e o estado de perigo.
A lesão visa assegurar a comutatividade das obrigações assumidas pelas partes quando da
formação do contrato, pautando-se pela equivalência das prestações (PEREIRA, 2001, p. 159); e o estado
de perigo preocupa-se em limitar os efeitos da vontade externada por alguém que, no clímax de uma
catástrofe, oferece o mundo na tentativa de preservar a si ou aos seus (SOUZA, 2004, p. 48).
Salienta-se que a proteção dos contratantes se dá também quando da análise do momento de
execução do negócio, ou seja, por ocasião do desempenho das prestações assumidas, o que nem sempre
se dá no mesmo lapso temporal da formação do contrato, como facilmente se observa nos contratos
que não exigem pagamento à vista. Essa tutela busca resguardar o interesse do contratante que possa
ser lesado pela alteração da base negocial, ou seja, por um fato não imaginado que desequilibra o
contrato em razão da distorção do valor das prestações reciprocamente assumidas; autorizando-se,
nesse caso, a revisão do negócio ou a resolução do contrato existente entre as partes.
Retomando o contido no CDC, visando à proteção do polo mais fraco da relação jurídica, inúmeras
são as formas de proteção do vulnerável, como, se detecta na figura da inversão do ônus da prova.
Essa situação ganha importância na análise da veracidade das informações publicitárias, que deve
ser patrocinada pelo fornecedor, devendo, portanto, manter organizados os dados técnicos, fáticos e
científicos sobre os quais embasa a publicidade dos bens que comercializa, devendo apresentá-los em
juízo se provocado a tanto (COELHO, 1993, p. 78).
De modo ainda mais específico, a inversão do ônus probatório se apresenta importante também
quando se fizer necessária a prova de certos fatos, como o do consumidor ter ou não consumido
determinado produto. Nessa situação, se o consumidor for considerado hipossuficiente ou se suas
alegações se mostrarem razoáveis a ponto de levar o magistrado a acreditar que realmente são
verdadeiras, podendo determinar que quem deve fazer a prova de que o fato não ocorreu, ou que tendo
ocorrido não se deu do modo narrado pelo consumidor, será o fornecedor.
A inversão do ônus probatório, como ensina Calamandrei (1999, p. 331), é instituída em algumas
situações visando eliminar, no curso do processo, os perigos derivados de desigualdades sociais, alme-
jando assim:
[...] colocar a parte mais fraca em condições de paridade inicial frente à parte mais forte, e em impedir que, por causa da
inferioridade de cultura e de meios econômicos, a igualdade de direito possa se transformar, diante dos juízes, numa
desigualdade de fato.
Da revisão contratual
O princípio da equivalência material dos contratos (BRITO, 2007) é conhecido desde a época de
Aristóteles, portanto, há mais de 2 500 anos (ARISTÓTELES, 2001, p. 96). Entretanto, esteve afastado
dos diplomas legislativos por longa data, especialmente durante o império do liberalismo que via na
vontade livremente manifestada evidente sinônimo de justiça.
não seria apta a preencher sua função, pois implicaria no retorno das partes ao momento anterior ao da
contratação, permite ao juiz rever as cláusulas do contrato para reencontrar o equilíbrio perdido diante
da onerosidade excessiva.
Essa solução se mostra adequada, seja porque mantém o negócio jurídico, o que garante a
estabilidade social que continuará a contratar, seja porque, ao mesmo tempo, afere-se a necessidade de
proteção do vulnerável, posto que contratos pactuados com manifesta desproporção no preço, “conduz
à ideia de que deve ser reprimida a exploração contra os mais fracos” (ALMEIDA, 2005, p. 241).
Como exemplo também bastante comum de contratos sujeitos à revisão pode ser lembrado
o caso dos planos de saúde, como se afere deste julgado extraído do Tribunal de Alçada do Paraná
que determinou a alteração de cláusula contratual embasado na argumentação de que não sendo
possível verificar de forma clara e ostensiva os critérios e índices de reajuste de mensalidade em
caso de deslocamento de faixa etária, e, por consequência, não se permitindo ao usuário que tivesse
conhecimento do gravame que teria de suportar, quando atingisse as “idades limítrofes, não há
como acolher o aumento unilateral em quase 100% da contraprestação pecuniária, ante a flagrante
onerosidade excessiva” (TAPR. Ac. 241751-2).
Quanto ao segundo campo de aplicação da aludida regra jurídica, tem-se que está ligada à noção
de sinalagma funcional, ou seja, deve ser analisada no curso da relação jurídica obrigacional, tendo por
intuito manter o equilíbrio das prestações por meio do tempo; especialmente nas hipóteses em que fatos
futuros alterem as circunstâncias em que o consenso foi manifestado (MORAES, 2001, p. 270-271); pois, a
ausência, mesmo que superveniente, do equilíbrio financeiro na relação obrigacional, desvirtua o objeto
desejado pelos sujeitos e “torna o liame iníquo por fator alheio ao ajuste” (LISBOA, 2000, p. 218).
Para a instrumentalização dessa teoria há de ser analisado se a base do negócio foi atingida, ou
seja, se a economia contratual foi afetada tornando insuportável o adimplemento da obrigação assu-
mida pelo consumidor e se tal fato ocorreu por conta de uma situação de anormalidade, portanto, não
corriqueira (ALMEIDA, 2005, p. 244). Vale lembrar, ainda, que a razão do desequilíbrio não pode ter sido
provocada pelo contratante que pretende rever os termos do contrato (AZEVEDO, 2003, p. 44).
A possibilidade de revisão do contrato acaba por revelar-se como mais uma forma de intervenção
do Estado na proteção do consumidor, posto que resta claro o papel exercido por aquele quando “o juiz
efetua a revisão do contrato, seja porque houve rompimento do equilíbrio contratual ou quando fatores
externos tornam o pacto excessivamente oneroso ou anula cláusulas consideradas abusivas” (SANTOS,
2002, p. 41).
Aliás, é importante destacar que ao prever a possibilidade de revisão dos contratos, o legislador
acaba protegendo toda a sociedade, pois na medida em que:
[...] a nulidade de cláusula contratual não contamina todo o negócio, sendo isso possível, naturalmente [e] em aten-
dimento ao princípio da conservação do contrato, a interpretação das estipulações negociais, o exame das cláusulas
apontadas como abusivas e a análise da presunção de vantagem exagerada devem ser feitas de modo a imprimir
utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não devendo ser empregada solução que tenha por escopo
negar efetividade à convenção negocial de consumo. (GRINOVER, 1998, p. 432)
Atividades
1. Cite pelo menos quatro situações em que se manifesta a preocupação do legislador com a
proteção do consumidor.
4. O consumidor poderá, hoje, buscar a revisão do contrato, alegando que o fenômeno inflacionário
nos dias atuais foi o responsável pelo desequilíbrio do contrato?
Para refletir
É realmente vantajoso para a estabilidade das relações jurídicas a possibilidade dada ao
consumidor de rever os termos do contrato pactuado em razão de fatos supervenientes, ou mesmo,
por conta de cláusulas que imponham prestações desproporcionais?
Dica de estudo
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da Lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
Referências
ALMEIDA, João Batista de. Resolução e revisão dos contratos. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos;
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de: Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 2001.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo Código Civil brasileiro: tramitação; função social do contrato; boa-fé
objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). In: ALVIM, Arruda;
CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira; ROSAS, Roberto (Coord.). Aspectos Controvertidos do Novo
Código Civil. São Paulo: RT, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
BRITO, Rodrigo Toscano de. Equivalência Material dos Contratos: civis, empresariais e de consumo.
São Paulo: Saraiva, 2007.
CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de: Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes
Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, p. 69-78. n. 8, out./dez., 1993.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores
do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002.
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário,
locação, autor. São Paulo: RT, 2000.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
dez., 1998.
Gabarito
1. Educação e proteção do consumidor por meio da criação dos Procons.
Retomando o contido no CDC, visando à proteção do polo mais fraco da relação jurídica, inúmeras
são as formas de proteção do vulnerável, como por exemplo, se detecta na figura da inversão do
ônus da prova.
De modo ainda mais específico, a inversão do ônus probatório se apresenta importante também
quando se fizer necessária a prova de certos fatos, como o do consumidor ter ou não consumido
determinado produto. Nessa situação, se o consumidor for considerado hipossuficiente ou se
suas alegações se mostrarem razoáveis a ponto de levar o magistrado a acreditar que realmente
são verdadeiras, podendo determinar que quem deve fazer a prova de que o fato não ocorreu, ou
que, tendo ocorrido, não se deu do modo narrado pelo consumidor, será o fornecedor.
Nulidade da cláusula de eleição de foro, tendo-se a mesma como inexistente aplicando a regra de
competência estabelecida pelo CDC, prevalecendo a do domicílio do aderente.
O legislador mostra-se ainda preocupado com o consumidor, também, entre outras passagens,
quando impõe a título de cláusula penal moratória o percentual máximo de dois por cento ou
quando permite a desconsideração da personalidade jurídica, portanto, obrigando o patrimônio
pessoal do sócio, na hipótese do patrimônio da empresa que causou danos ao consumidor não
possuir bens suficientes para indenizá-lo.
3. O Código destacou no artigo 6.º, V, que é direito básico do consumidor “a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, sendo manifestas as vantagens
do consumidor que advém desse dispositivo legal.
Pode-se afirmar que essa previsão legal se divide em dois planos, a primeira, atada ao sinalagma
genético, quando permite a revisão do contrato afastando as cláusulas que estabeleçam
originariamente prestações desproporcionais entre si, sendo que sobre esse assunto, Cláudia
Lima Marques (1998, p. 412) lembra que o CDC autoriza, por exemplo, a modificação da cláusula
que fixa o preço de certo produto ou serviço, hipótese em que geralmente não há regra supletiva
para preencher a lacuna, ou seja, não há parâmetro objetivo a ser utilizado, e tendo a lei levado
em conta que a sanção de nulidade não seria apta a preencher sua função, pois implicaria no
retorno das partes ao momento anterior ao da contratação, permite ao juiz rever as cláusulas do
contrato para reencontrar o equilíbrio perdido diante da onerosidade excessiva.
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com
relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integra o contrato que vier a ser celebrado.
Ao comentar essa regra, Valéria Cristina Pereira Furlan (1994, p. 107) destaca que o artigo sob
análise consagra, de maneira hialina, o princípio da veiculação da oferta, instrumento que tende a asse-
gurar maior lealdade e veracidade nas mensagens publicitárias.
Do dispositivo legal analisado podem ser extraídos alguns deveres impostos ao fornecedor, entre
eles merecendo destaque inicialmente o fato de que resta claro que quando aquele utiliza argumentos
publicitários visando alienar um bem ou um serviço, assume a responsabilidade de que as caracterís-
ticas apontadas no comercial levado ao conhecimento do público por meio da televisão ou de outro
meio de comunicação, realmente existe.
Por consequência, obriga-se a assegurar, por exemplo, que o preço divulgado em jornais e
panfletos é realmente o que será cobrado pelo objeto inserido no mercado de consumo, e que as
características destacadas na mensagem publicitária existem de fato e que o produto irá satisfazer a
expectativa depositada pelo consumidor nas informações que lhe foram por aquela forma transmitidas,
responsabilizando-se pela divergência entre a situação de fato e a informação levada ao conhecimento
público, salvo na hipótese de ser tão gritante o erro a ponto de ser percebido por qualquer pessoa.
Extrai-se ainda que a oferta formulada ao público em geral e ao consumidor de modo específico é
irrevogável, muito embora possa ter sua eficácia limitada a certo número de produtos ou a determinado
período no tempo, restrições que também devem ser informadas de modo ostensivo ao consumidor,
sob pena de não produzir o efeito almejado pelo fornecedor comerciante.
O que é prometido deve ser cumprido, como tem constantemente decidido o Superior Tribunal
de Justiça (STJ), como na hipótese em que certo incorporador imobiliário prometeu que as unidades a
serem comercializadas seriam financiadas por determinada empresa e posteriormente aferiu-se que a
situação não era bem essa; valendo a pena transcrever parte da ementa do julgado:
[...] toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos
e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumi-
dores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que
vier a ser celebrado [e] se o fornecedor, através [sic] de publicidade amplamente divulgada, garantiu que os imóveis
comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica Federal, submete-se a assinatura do contrato de compra e
venda nos exatos termos da oferta apresentada [...]. (REsp 341.405)
Dessa feita, se o fornecedor deixar de cumprir o que prometeu no momento em que o contrato
está por se aperfeiçoar com a manifestação de vontade do consumidor, este poderá exigir o adimple-
mento do que foi prometido e se, por acaso, o contrato vier a ser firmado com conteúdo distinto do
prometido, poderá ser resolvido, ou seja, dissolvido motivadamente pelo consumidor, caso o bem ou o
serviço adquirido não tiver as qualidades apresentadas.
Nesse sentido, recentemente decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná destacando que:
[...] aplica-se o Código de Defesa do Consumidor quando, num dos polos da relação jurídica se encontrar pessoa que
oferece, mediante publicidade para o público em geral, número expressivo de bens e disponibiliza serviços vinculados a
esses bens, devendo o adquirente sujeitar-se às normas previamente elaboradas pelo fornecedor, sem poder discuti-las,
caracterizando um típico contrato de adesão [e] comprovado o descumprimento da proposta veiculada por meio
de folders, há o direito do autor rescindir [sic] o negócio e receber os valores despendidos, nos termos da legislação
consumerista [...]. (TJPR. Ap. Cível. 0271871-8)
É importante deixar claro que na hipótese do fornecedor de produtos ou serviços deixar de dar
fiel cumprimento à oferta, analisada aqui, a partir de sua completude, considerando-se o modo de apre-
sentação e a publicidade na divulgação do bem inserido no mercado, o consumidor tem o direito de, à
sua livre escolha:
a) como já visto, exigir o cumprimento da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou
publicidade, se necessário, podendo recorrer aos órgãos administrativos e mesmo ao Poder
Judiciário para exercitar esse direito;
b) aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
c) desistir do contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, além de ter direito a eventuais perdas e danos nascidas em razão
da frustração de sua expectativa.
Vale lembrar que o fornecedor é solidariamente responsável pelos atos praticados por seus
prepostos ou representantes autônomos e, desse modo, o fornecedor responderá pelas promessas
realizadas por seus funcionários ou representantes comerciais e destinadas ao consumidor, mesmo que
aquele não tenha autorizado as mesmas.
Continuando com o desenvolvimento do tema, é importante salientar que inspirado no princípio
da transparência, o artigo 31 da lei consumerista determina que a oferta dos produtos e serviços
inseridos no mercado de consumo deverá trazer informações corretas, precisas, ostensivas, e ainda, ser
promovida em língua portuguesa, informando o consumidor de modo adequado sobre características,
qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados,
bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores, valorizando, assim,
a importância da informação e facilitando a escolha do objeto do desejo do consumidor.
Novamente amparado no citado princípio e visando proteger o consumidor que muitas vezes
compra apenas por conta dos impulsos que lhe são criados pelo, cada vez mais, competente mercado
publicitário, o legislador dita ainda que caso a oferta ou a venda sejam realizadas por telefone, reembolso
postal, ou prática similar, como ocorre nos negócios pactuados por meio da internet, deverá constar o
nome do fabricante e seu endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na
transação comercial.
O legislador não se preocupou apenas com o modo em que a oferta será realizada, determinando
ainda que uma vez criado ou introduzido no mercado um novo bem de consumo, tanto seus fabricantes
como seus importadores, estão obrigados a assegurar a oferta de peças de reposição enquanto esse
produto estiver sendo fabricado ou importado, e mais que isso, impõe o CDC, se cessada a produção ou
importação, a manutenção da oferta de peças de reposição por período razoável, de modo a assegurar
que, durante o prazo de vida útil do bem retirado do mercado por qualquer razão (salvo se por exigência
do poder público, o que pode ocorrer em razão dos riscos que ofereça à saúde ou à segurança), o
consumidor tenha assegurado sua utilidade.
Por sua vez, a segunda é compreendida como a que seja discriminatória, que incite à violência,
que explore o medo ou a superstição, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da
criança, que desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar
de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Afere-se, assim, em linhas gerais, que enquanto a publicidade enganosa ocupa-se com a veraci-
dade das informações contidas na veiculação publicitária, há abusiva busca em proteger alguns valores
vigentes no seio social, entre eles, a manutenção da paz social e o respeito aos bens ambientais.
Salienta-se que é irrelevante se houve ou não intenção do consumidor em violar os aludidos
parâmetros, sendo irrelevante se sua conduta é dolosa ou culposa, pois esse juízo há de ser formulado
objetivamente, bastando que haja o desrespeito aos limites impostos na lei para que a publicidade
seja reconhecida como enganosa ou abusiva. Essa ideia não é pacífica, pois há autores, como Roberto
Grassi Neto (2007, p. 89-90), que entendem que a lei deveria ter trazido a expressão dolo no lugar de
erro, situação que refletiria a intenção do fornecedor em prejudicar o consumidor mediante a prática
de ardis; afirmando ainda que não se pode esperar que em um curto anúncio divulgado pela televisão
contenha todas as informações inerentes a certo produto ou serviço.
Como exemplo de publicidade enganosa pode ser lembrado o caso da:
[...] comparação de cremes dentais, no tocante ao poder de remoção de manchas, de forma global, lastreada em laudo
que considerou somente as manchas causadas por chá e café, sem divulgar ou testar o poder de remoção desses
cremes com relação às manchas causadas pelo fumo, xaropes e outros agentes [...]. (SIQUEIRA; DAL BIANCO, 1998,
p. 114)
Atividades
1. Qual teria sido a razão que levou o legislador do CDC a estabelecer que a oferta é irrevogável?
2. A oferta pode ser formulada em outro idioma que não a língua portuguesa? Explique.
3. O que o conteúdo prometido por meio de comerciais utilizados pelas empresas para a divulgação
de seus produtos e serviços, caso não esteja escrito nas cláusulas do contrato assinado pelas
partes, obriga o fornecedor? Justifique sua resposta.
4. Diferencie publicidade enganosa de abusiva e dê pelo menos um exemplo de cada uma delas.
Para refletir
Qual fundamento teria levado o legislador a tratar a publicidade que desrespeita a valores
ambientais como abusiva, se o escopo da lei é o de proteger o consumidor enquanto parte mais fraca
na relação jurídica obrigacional?
Dica de estudo
Para conhecer mais sobre o tema dessa aula vale a pena acessar o site do Instituto de Defesa do
Consumidor (Idec): <www.idec.org.br>.
Referências
ANDRADE, Christiano Augusto Corrales de. Da Autonomia da Vontade nas Relações de Consumo.
Leme: LED, 2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
FURLAN, Valéria Cristina Pereira. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, n. 10, p. 97-125, abr./jun. , 1994.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil
de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos;
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão do Código de Defesa
do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 10, p. 7-21, abr./jun. , 1994.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SIQUEIRA, Ricardo Lagreca; DAL BIANCO, Dânae. A publicidade comparativa no Brasil e no direito
comparado. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p.111-128, out./dez., 1998.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
98 | Cumprimento da oferta e regramento da publicidade
Gabarito
1. O regime da oferta no sistema criado pelo CDC é bastante peculiar, pois tendo por escopo
primordial proteger a confiança daqueles que venham a ser atingidos pelas mensagens
publicitárias, impõe que deve estar incluída na oferta, toda informação levada ao conhecimento
do consumidor, e, por consequência, determina que o conteúdo da publicidade tem
necessariamente que incorporar os termos do contrato, tenha aquele sido ou não discutido
pelas partes; impedindo ainda que o fornecedor possa se reservar ao direito de não cumpri-
-la (MARQUES, 2005, p. 33). Ao contrário do que pode ocorrer nas propostas formuladas nos
contratos paritários regrados pelo CC, diploma legal que autoriza que reservas dessa natureza
seja formulada, desde que informado o destinatário da proposta.
3. Aquele que utiliza argumentos publicitários visando alienar um bem ou um serviço, assume a
responsabilidade de que as características apontadas no comercial, levado ao conhecimento do
público por meio da televisão ou de outro meio de comunicação, realmente existe.
Por consequência, obriga-se a assegurar, por exemplo, que o preço divulgado em jornais e
panfletos é realmente o que será cobrado pelo objeto inserido no mercado de consumo, e que
as características destacadas na mensagem publicitária existem de fato e que o produto irá
satisfazer a expectativa depositada pelo consumidor nas informações que lhe foram por aquela
forma transmitidas, responsabilizando-se pela divergência entre a situação de fato e a informação
levada ao conhecimento público, salvo na hipótese de ser tão gritante o erro a ponto de ser
percebido por qualquer pessoa.
Dessa feita, se o fornecedor deixar de cumprir o que prometeu no momento em que o contrato
está por se aperfeiçoar com a manifestação de vontade do consumidor, este poderá exigir o
adimplemento do que foi prometido, e se por acaso, o contrato vier a ser firmado com conteúdo
distinto do prometido, poderá ser resolvido, ou seja, dissolvido motivadamente pelo consumidor,
caso o bem ou o serviço adquirido não tiver as qualidades apresentadas.
Por sua vez, a segunda é compreendida como a que seja discriminatória, que incite à violência,
que explore o medo ou a superstição, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência
da criança, que desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Tais premissas são extraídas em solo tupiniquim da dicção do artigo 54 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), que dispõe que “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços,
sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Salienta-se que nesse trabalho é utilizada a expressão contrato por adesão em vez de contrato
de adesão, haja vista que não se trata em verdade de um tipo contratual, de uma espécie determinada de
contrato como é o caso da compra e venda, da locação, da empreitada, do mútuo e do comodato, entre
tantos outros existentes no direito brasileiro, mas sim como é ululante, de uma forma de contratação.
Aliás, em verdade, adere-se mesmo é às condições gerais do contrato como quer Paulo Lôbo (2006,
p. 111), entretanto, não há espaço nessa obra para que a análise científica desse problema seja esmiuçada
e, caso haja interesse do leitor, poderá compreender melhor o assunto lendo a obra aqui destacada.
Ato contínuo, cumpre informar que se pode afirmar sem qualquer dúvida que os contratos por
adesão constituem-se como uma modalidade de formação do contrato que se coloca em oposição à
noção de contrato paritário, ou seja, de negócio minudentemente discutido pelos parceiros negociais,
já que na formação daqueles não existe liberdade de convenção, uma vez que o aderente se limita a
aceitar ou não as cláusulas e condições preestabelecidas pelo proponente (EFING, 2004, p. 232), como
visto, tendo no máximo o poder de discutir a forma de pagamento ou outros aspectos diminutos.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
102 | Contratos por adesão
Tal modalidade de contratação, em verdade, se faz necessária, e se justifica por diversos fatores,
entre eles: a velocidade em que as negociações se desenvolvem na atualidade; a escassez de tempo
causada pelo ritmo da vida moderna; a redução dos custos na fase pré-negocial; a uniformidade de
tratamento das relações, cada vez mais impessoalizadas; forma de contratar essa que, como visto, surge
em oposição ao clássico contrato paritário, que se sintetiza como aquele em que as partes negociam as
cláusulas detalhadamente.
Aliás, fato é que a maior parte dos contratos pactuados no âmbito das relações de consumo se
aperfeiçoa por adesão, que se de um lado é capaz de, como visto, agilizar o aperfeiçoamento dos negó-
cios jurídicos, de certo modo, possibilitando que um maior número de contratantes tenha acesso aos
bens, por outro lado, acaba “democratizando” e “socializando” as injustiças e os abusos, eis que a mesma
minuta carregada de preceitos particulares viciados na concepção, será imposta a milhares, às vezes,
milhões de consumidores, sem que estes possam previamente se insurgir contra esses abusos.
Exatamente por conta desses problemas, como bem ensina Federico de Castro y Bravo (1987,
p. 20), mais precisamente, visando evitar que uma classe fortaleça seu poder (os fornecedores) aprovei-
tando-se e usurpando a liberdade e as garantias dos membros de outra, que aos olhos deste trabalho
seriam os consumidores é que o legislador acabou determinando que alguns limites sejam observados
quando se contrata desse modo.
Interessante destacar aqui com Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2005, p. 598), na medida em que
nessa modalidade de contratação não se pode falar em livre manifestação de vontade, tambem há de
se pensar na extensão dos efeitos do princípio da pacta sunt servanda, no vernáculo, força obrigatória
dos contratos, sendo ululante que se ela existir, encontrar-se-á bastante mitigada, se comparada aos
efeitos dos contratos pactuados após a existência de uma fase em que tenha ocorrido negociação das
cláusulas contratuais.
No intuito de sistematizar a matéria, é interessante destacar que um contrato por adesão pode
ser concebido a partir de algumas das suas características, entre elas: a bilateralidade, a generalidade,
a uniformidade e a abstração das cláusulas (RESTIFFE NETO; RESTIFFE, 2004, p. 63) e, ainda, a relativa
inalterabilidade e a eficácia concreta dependente de integração.
Uma rápida explicação do que seja cada uma dessas características se faz necessária:
a) bilateralidade – implica na necessidade de que para a formação de um contrato, impõe-se a
presença de pelo menos duas declarações de vontade;
b) generalidade – quer dizer que as cláusulas não são elaboradas tendo em conta a pessoa do
consumidor, mas sim um sem número de pessoas na mesma situação fática;
c) uniformidade – significa que analisando várias minutas, será observado que seguem um
mesmo padrão, se é que não se pode afirmar que são idênticas;
d) abstração das cláusulas – implica na existência das condições gerais do contrato,
independentemente da existência de um parceiro negocial concreto;
e) relativa inalterabilidade – traduz a ideia do pequeno poder dado ao aderente de alterar o
conteúdo das cláusula contratuais;
f) eficácia concreta dependente de integração – consiste no fato de que o contrato só produzirá
efeitos a partir do momento em que o aderente externa sua vontade de contratar.
Mas será efetivamente que o consumidor, dentro desse quadro que se apresenta, tem alguma
vantagem nessa forma de contratação, especialmente quando se analisa sua situação sob o prisma da
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Contratos por adesão | 103
necessidade de contratar, à qual muito bem alude em suas aulas o professor Flávio Tartuce, quando
lembra as situações de prestacão de serviços essenciais como água, energia elétrica, fornecimento de
gás, e mesmo hipóteses como as ligadas à alimentação, ao vestuário, à moradia e à saúde, mormente
porque a saúde pública no Brasil é, com a devida vênia, um caso de polícia.
Diante do quadro que se apresenta, resta evidente, como quer Teresa Negreiros (2002, p. 370),
que a manifesta desigualdade entre os contratantes legitima a imposição de medidas que tutelem
o aderente que não pôde negociar os termos do contrato pactuado, e por conta disso, a cada dia,
observa-se o nascimento de novas regras que buscam o reequilíbrio das relações externadas por tal
forma de contratação.
Muito embora os contratos por adesão sejam mais frequentes no âmbito das relações de
consumo, não se confundem com esses, daí que também poderão surgir na esfera das relações civis,
como em regra ocorre no caso dos contratos de locação, de leasing e como também pode ocorrer nos
casos de compromisso de compra e venda de imóveis pactuado entre particulares, e ainda, em todos
os demais em que as condições negociais sejam preestabelecidas por uma das partes.
Um belo exemplo da situação destacada observa-se nos contratos de aquisição de safra
pactuados entre agricultores e fecularias no estado do Paraná, haja vista que as empresas elaboram
as minutas de modo detalhado e posteriormente colhe a assinatura dos pequenos agricultores,
alterando-se apenas, em cada instrumento, a quantidade esperada do produto comprado em razão
da extensão das áreas cultivadas, aproveitando-se ainda, para além da vasta experiência e do quadro
de profissionais que desenvolvem a atividade mercantil e conhecem os segredos de sua área, no mais
das vezes, da necessidade dos pequenos agricultores em comercializarem a safra a ser colhida no
futuro para que possam alimentar seus rebentos.
Cumpre destacar que o legislador não fechou os olhos para o problema, e ainda que timidamente,
positivou a matéria nos artigos 423 e 424 do vigente Código Civil (CC), tratando o primeiro da
interpretação mais favorável ao aderente e o segundo vedando a renúncia antecipada a direito inerente
ao contrato e nesse condão, quando o intérprete vier a se defrontar com contradições ou obscuridades
nas cláusulas negociais ou mesmo quando vier a se deparar com flagrante desequilíbrio, com amparo
nas aludidas regras e, especialmente, tendo como fonte o texto constitucional e princípios como o da
função social, equilíbrio das prestações e boa-fé objetiva, deverá executar sua missão em busca da
solução mais justa, remediando a patologia existente; restando evidente que os contratos regrados
pelo CC também poderão ser infectados por cláusulas abusivas.
Também no CDC se afere a preocupação do legislador quando a construção de soluções para
o caso de problemas surgidos no âmbito hermenêutico, ditando, por exemplo, no artigo 47, que “as
cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Trazendo o problema para o campo da práxis, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TR-RS) que:
[...] havendo dissonância entre a proposta (pré-contrato) e o contrato de promessa de compra e venda em efetivo
prejuízo ao consumidor, restam feridos os princípios da informação e da força cogente da proposta inscritos no CDC
[e] é dever de todo o fornecedor prestar as informações claras e precisas dos produtos e serviços postos à disposição
dos consumidores, [pois] as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos, pré-contratos relativos
às relações de consumo vinculam o fornecedor [e dessa forma], o estabelecimento de reajustamento de parcela de
contrato de forma diversa do estatuído no pré-contrato traduz-se em evidente lesão aos direitos do consumidor. [...]
(Ap. Cível 70018566604)
Como se afere desse julgado, a contradição se deu não na minuta contratual, mas sim entre o
conteúdo dessa e o das propostas preliminares, e mesmo assim, tutelando-se a boa-fé do consumidor,
vulnerável, como amplamente demonstrado ao longo de trabalho, promovendo-se a interpretação que
pôde ser mais favorável a ele.
Ademais, no que pertine às cláusulas que limitam direitos do consumidor, há de se destacar que
sua interpretação deve ser promovida sistematicamente e nunca literalmente ou de modo isolado,
posto que uma vez eleito esse caminho, dificilmente será possível demonstrar que tais cláusulas foram
redigidas de modo ininteligível, posto que lidas uma a uma, em regra, é possível aferir a clareza de seu
conteúdo e, por consequência, poderiam aparentar uma pseudovalidade (EFING, 2004, p. 235).
Vale lembrar ainda que, consoante o artigo 46 do CDC “os contratos que regulam as relações de
consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance” e, por consequência, se qualquer das cláusulas que compõe o
contrato não for apresentada ao aderente e seu conteúdo adequadamente esclarecido, o consumidor
não estará obrigado a respeitá-la.
Merece destacar nesse contexto que os contratos por adesão devem ser escritos em termos claros
e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor e que
as cláusulas que limitem direitos devem ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil
compreensão.
Em verdade, cumpre afirmar que o fornecedor não só está obrigado a redigir suas minutas de
modo claro e em linguagem acessível, mas também, no que tange às cláusulas que limitam ou restrigem
direitos do consumidor, tem o dever de destacá-las, seja utilizando negrito ou itálico, seja grafando-as
com uma letra maior que o padrão na minuta, seja, enfim, utilizando outra cor em tais cláusulas quando
do processo de impressão, sob pena de tais cláusulas, ainda que não possam ser caracterizadas como
abusivas e, portanto, nulas, não obrigarem o consumidor. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratifica
essa tese, dando razão ao consumidor não informado do conteúdo do clausulado limitativo de seus
direitos, como se observa no julgado agora transcrito:
[...] nos contratos de adesão as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com
destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão [pois] se assim não está redigida a cláusula limitativa, não tem
força para alcançar o consumidor, presente flagrante violação, que merece reconhecida. [...]. (REsp 255064 / SP)
O mesmo tribunal deu razão ao fornecedor que informou o consumidor de modo expresso
sobre uma limitação lícita no contrato que pactuavam, esclarecendo que os contratos de adesão são
permitidos em lei [e deste modo] o CDC impõe, tão somente, que:
[...] as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo
sua imediata e fácil compreensão [e] ainda que se deva, em princípio, dar interpretação favorável ao adquirente de
plano de saúde, não há como impor-se responsabilidade por cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação,
tenha sido excluída do contrato. [...] (REsp 319707 / SP)
Assim, como quer Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2005, p. 592) ”é o contexto que dirá do destaque
[e assim] se todo o texto estiver impresso num tipo gráfico corpo 8 e nele surgir uma palavra no tipo
gráfico corpo 20 em negrito, então o vocábulo estará destacado [entretanto] se todo o texto estiver
escrito no tipo 20 negrito, não haverá destaque algum, pois tudo se mistura”.
Ratificando essa tese, recentemente o TJ-RS decidiu que:
[...] a inscrição, em letras miudíssimas, na primeira página do vultoso encarte publicitário, de que o consumidor deveria
consultar os produtos disponíveis para a condição de pagamento noticiada, não tem o condão de escusar a fornecedora
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Contratos por adesão | 105
que no mesmo encarte, anuncia três produtos (dois dos quais adquiridos pela autora) em grupo separado e destacado
por uma mesma cor de fundo (laranja), constando à direita a inscrição de que o 1.º pagamento seria somente em
agosto. [...] (Ap. Cível 71001043942)
Desse modo, como se afere, impôs-se ao fornecedor o dever de conceder prazo maior que o
pretendido pelo credor para pagamento.
Quando se pensa em contrato por adesão, vale lembrar que “a inserção de cláusula no formulário,
por exemplo, sobre o preço, condições, data de entrega e outras, não desfigura a natureza de adesão
do contrato” (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 714) e, desse modo, o fato de em um contrato
de compromisso de compra e venda de imóvel loteado haver discussão sobre o preço e o prazo para
pagamento não desfigura a forma em que tais negócios jurídicos são pactuados, assertiva essa que é
ratificada pelo conteúdo do parágrafo 1.º do artigo 54 do CDC.
Salienta-se, enfim, que eventual inserção de cláusula resolutiva expressa somente pode ser aposta
nos contratos por adesão, caso beneficie exclusivamente o consumidor, ou seja, a cláusula que dita que
no caso de não cumprimento da obrigação, autoriza-se a parte lesada a pôr fim ao contrato, exigindo
o retorno ao estado anterior ao da contratação, bem como a ser ressarcida dos prejuízos que possa ter
sofrido, só poderá ser pactuada em benefício do consumidor.
Atividades
1. Como se identifica um contrato por adesão?
3. Quais os efeitos da contratação pela via de adesão de um contrato que contenha cláusulas
limitativas de direito não destacadas na minuta?
4. Como interpretar cláusulas ambíguas inseridas em um mesmo contrato pactuado entre fornecedor
e consumidor?
Para refletir
Seria possível à sociedade retornar ao modo de contratação que implicava na discussão, cláusula
a cláusula, do conteúdo de cada contrato a ser pactuado?
Dica de estudo
Não posso deixar de indicar pelo menos um autor clássico, especialmente porque são apenas 94
páginas, cuja leitura é extremamente agradável.
CASTRO Y BRAVO. Federico de. Las Condiciones Generales de los Contratos y la Eficacia de las Leyes.
Madrid: Civitas, 1987.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CASTRO Y BRAVO, Federico de. Las Condiciones Generales de los Contratos y la Eficacia de las Leyes.
Madrid: Civitas, 1987.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. Curitiba: Juruá, 2004.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e o novo código civil brasileiro. Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 27, p.103-116, jul./set., 2006.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Contratos de adesão no novo Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor. In: PASCHOAL, Frederico; SIMÃO, José Fernando (Org.). Contribuições ao
Estudo do Novo Direito Civil. Campinas: Millennium, 2004.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005.
Gabarito
1. O contrato por adesão, normalmente denominado de contrato de adesão, deve ser entendido
como o negócio cuja minuta ou clausulado vem previamente estipulado por um dos contratantes,
conteúdo ao qual se tem a opção de aderir ou não.
Tais premissas são extraídas em solo tupiniquim da dicção do artigo 54 do CDC, que dispõe
que “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que
o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Generalidade: quer dizer que as cláusulas não são elaboradas tendo em conta a pessoa do
consumidor, mas sim um sem número de pessoas na mesma situação fática.
Uniformidade: significa que analisando várias minutas, será observado que seguem um mesmo
padrão, se é que não se pode afirmar que são idênticas.
Abstração das cláusulas: implica na existência das condições gerais do contrato, independen-
temente da existência de um parceiro negocial concreto.
Relativa inalterabilidade: traduz a ideia do pequeno poder dado ao aderente de alterar o conteúdo
das cláusula contratuais.
3. Ademais, no que diz respeito às cláusulas que limitam direitos do consumidor, destaca-se que sua
interpretação deve ser promovida sistematicamente e nunca literalmente ou de modo isolado,
posto que uma vez eleito esse caminho, dificilmente será possível demonstrar que tais cláusulas
foram redigidas de modo ininteligível, posto que lidas uma a uma, em regra, é possível aferir a
clareza de seu conteúdo e, por consequência, poderiam aparentar uma pseudovalidade (EFING,
2004, p. 235).
Vale lembrar ainda que, consoante o artigo 46 do CDC “os contratos que regulam as relações
de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar
conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de
modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”, e por consequência, se qualquer das
cláusulas que compõe o contrato não for apresentada ao aderente e seu conteúdo adequadamente
esclarecido, o consumidor não estará obrigado a respeitá-la.
Inicialmente, deve ser lembrado que ao se considerar que os escopos das práticas empresariais
visam colocar à disposição do consumidor bens ou serviços de qualquer natureza, ao fornecedor,
por exemplo, não será permitido criar uma nova necessidade de consumo em razão dos avanços
tecnológicos, e logo após retirá-lo do mercado de consumo de, quando este, passa a ser consumido em
grande escala (SAYEG, 1993, p. 45).
Ademais, à matéria é dada especial atenção por meio do rol de situações previstas no artigo 39
do CDC, que proíbe o fornecedor de bens ou serviços, entre outros comportamentos, a “condicionar
o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem
justa causa, a limites quantitativos”.
O inciso I do citado artigo veda, por exemplo, a prática conhecida por venda casada que, apesar
do nome, não se restringe a situações de venda e compra, mas também a outros negócios, como no
caso da locação de um imóvel negociada por uma imobiliária, que somente se aperfeiçoa, ou seja, cujo
contrato será pactuado se também for locada a garagem, ou se forem locados os móveis que guarnecem
o apartamento, mobiliário esse removível facilmente, e por cujas locações se cobra um preço maior que
o da exclusiva locação do local destinado à moradia do consumidor.
O inciso II do comentado dispositivo legal, por sua vez, dispõe que é vedado ao fornecedor
recusar-se a atender às demandas dos consumidores, uma vez tendo o produto em estoque e dessa
forma, no caso das conhecidas promoções que limitam a aquisição de produtos nos supermercados,
como normalmente ocorre com leite condensado, latas de cerveja, entre outros, a restrição imposta
pelo fornecedor viola a lei.
Por sua vez, a próxima vedação imposta pelo legislador visando à tutela do consumidor exposto
às práticas empresariais diz respeito ao envio ou entrega ao consumidor, sem solicitação prévia, de bem
ou fornecimento de qualquer serviço, hipótese em que, salvo exceções, o consumidor deverá entender
que recebeu uma amostra grátis.
Veja bem que, nesse caso, ocorre uma espécie de dicotomia quanto aos exemplos possíveis, pois
se o leitor receber em casa uma revista ou um alimento qualquer e abrir seus invólucros, visando ler a
revista ou consumir o alimento, não poderá, pelo que foi afirmado no parágrafo anterior, ser compelido
ao pagamento dos aludidos bens, entretanto, no caso de receber um cartão de crédito não solicitado,
desbloqueá-lo e utilizá-lo para compras das mais distintas, terá que pagar a fatura, pois, nesse caso,
além do ordenamento vedar o enriquecimento sem causa, há de se ter em conta que o produto foi
utilizado como um meio para a aquisição de outros bens.
Também é considerada abusiva, de acordo com o inciso IV do artigo sob análise, qualquer ato
que permita ao fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua
idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”, podendo
ser destacado aqui, enquanto exemplo a ilustrar o dispositivo legal sob análise, em uma farmácia que
divulga perante uma comunidade de idosos a venda de bens milagrosos que ampliarão suas vidas em
vários anos.
A seu turno, o inciso V do artigo 39 nem mesmo precisaria estar descrito, porque resta claro em
todos os momentos do CDC a proibição ao fornecedor de “exigir do consumidor vantagem manifesta-
mente excessiva”; como é o caso de juros que refogem aos parâmetros de razoabilidade e a situação,
infelizmente ao que parece mais comum do que aparente, de contratos de honorários advocatícios
pactuados ajustando que o profissional terá direito a receber 50% daquilo que o cliente vier a receber
no futuro, transformando advogado e cliente em verdadeiros sócios. Saliente-se que essas situações
também podem ser tratadas como hipóteses de cláusulas abusivas, como logo adiante será analisado.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 113
Tem-se ainda que pelo inciso VI, do artigo 39 do CDC, o fornecedor também está proibido de
“executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor,
ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes” e, desse modo, salvo a existência de
relação de confiança entre os contratantes, uma vez mais o consumidor não será obrigado a pagar
qualquer valor pela atividade desenvolvida pelo fornecedor que, no máximo, e se possível, poderá
reaver as peças destacáveis eventualmente utilizadas no serviço executado.
Frisa-se ainda ser expressamente vedada a criação de listas restritivas de consumidores, ou seja, é
ilícita a atividade que se caracteriza pelo repasse de informação depreciativa, referente a ato praticado
pelo consumidor no exercício de seus direitos e, dessa maneira, se em tese o fornecedor tem o direito
de inserir o nome do consumidor que não honra seus compromissos em bancos de dados como os dos
serviços de proteção ao crédito, por outro, não pode estar criando listas visando a não atender às expec-
tativas daqueles consumidores que usualmente reivindicam seus direitos.
Ato contínuo, cumpre destacar que o fornecedor tem o dever de, ao comercializar seus bens,
observar as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou por aqueles que ditam os parâmetros
a serem observados e que a infração a esse dispositivo legal se observa nos placebos, também conhecidos
por pílulas de farinha.
Destaca-se que o fornecedor se encontra em oferta permanente, sendo-lhe vedado, consoante
dita o inciso IX do artigo 39 do CDC “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a
quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.
Também são consideradas abusivas práticas como a que se consubstancia no aumento, sem
justa causa, do preço de produto ou serviço, na aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do
legal ou do contratualmente estabelecido pelas partes e, ainda, a que deixa a fixação do momento de
cumprimento do contrato unicamente a critério a ser eleito pelo fornecedor.
da lealdade, sem que haja necessidade de perquirir as razões que levaram o proponente a formular as
cláusulas contratuais e, por consequência, aferindo-se apenas se há ou não comutatividade, equilíbrio
ou razoabilidade entre as prestações reciprocamente assumidas (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM,
2003, p. 624), sendo a última linha de pensamento destacada aquela que, certamente, melhor resolve
os problemas surgidos nesse âmbito.
É importante que o consumidor, ao ler as cláusulas do contrato que pretende pactuar, efetiva-
mente, tome conhecimento de seu conteúdo, entretanto, não basta que tenha cognoscibilidade das
disposições predispostas pelo fornecedor, pois, visando à proteção do vulnerável, o legislador incumbiu
o fornecedor de certificar-se que consumidor compreendeu o conteúdo das disposições contratuais,
até porque, em muitas situações, o aderente só toma conhecimento dos problemas que irá enfrentar
quando a relação obrigacional já estiver em curso, como pode ocorrer no contrato de hospedagem, em
que o hóspede só descobre o custo de certos serviços na hora de pagar a conta e, ainda, no contrato de
locação, já que algumas imobiliárias continuam a cobrar a taxa de administração, prática vedada pela
Lei 8.245/91 (GALDINO, 2001, p. 42).
Um belo exemplo de cláusula abusiva, assim reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
é a que isenta de responsabilidade supermercados e shopping centers pelos furtos ocorridos em seus
estacionamentos, situação que pode ser ampliada para qualquer empresa, entre elas empreiteiras, imo-
biliárias, incorporadoras, como se pode observar do julgado transcrito a seguir:
[...] o cliente do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa,
não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção,
derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano. [...]. (REsp 107.211)
Uma vez de modo meramente exemplificativo (BARROSO, 2005, p. 198), a lei traz um rol de
cláusulas que são consideradas abusivas, matéria que se encontra prevista no artigo 51 do CDC, ditando
seu caput que as disposições contratuais assim caracterizadas “são nulas de pleno direito”.
Vale a pena analisar alguns dos incisos do artigo mencionado, mormente, pela frequência com
que tais situações se apresentam cotidianamente no mundo dos fatos, destacando-se desde já que
em seu inciso I o artigo 51 do CDC dita que são nulas as que “impossibilitem, exonerem ou atenuem
a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos”; e, dessa forma, havendo um acidente de consumo ou
mesmo detectado um simples vício no produto adquirido, o consumidor sempre terá direito a optar
pelas alternativas previstas em lei, não prevalecendo qualquer ajuste que tenha por escopo eximir o
fornecedor de responsabilidade ou mesmo limitá-la.
Lembra-se de que a nulidade de cláusula isentando de responsabilidade a construtora que atrasa
a entrega do imóvel, como bem analisou o STJ ao decidir pela:
[...] Não prevalência de cláusula imposta em termo de entrega de unidade imobiliária isentando a construtora de qual-
quer ressarcimento pelo expressivo atraso na conclusão da unidade, quando o adquirente, desde antes, insurgindo-se
contra tal condicionante para a sua imissão na posse, já notificara a construtora para ressalvar seu direito à indenização
pelo fato. [...]. (REsp 197622)
Por sua vez, também não será recebida pelo sistema qualquer cláusula contratual que retire do
consumidor a possibilidade de optar pelo reembolso da quantia paga, tanto no caso do bem adquirido
conter vício que não seja sanado pelo fornecedor no prazo legal, como na hipótese prevista no artigo
49 do CDC, que permite ao consumidor desistir do contrato pactuado fora do estabelecimento empre-
sarial desde que o faça no prazo de sete dias que se inicia com o recebimento do bem, sem que lhe seja
exigida qualquer justificativa. Essa segunda situação pode ser visualizada tanto nas vendas realizadas
de porta em porta, como nas compras feitas pela internet, reembolso postal ou telefone.
Também será considerada nula cláusula que transfira responsabilidades a terceiros e, desse modo,
caso o empreiteiro insira entre as disposições contratuais pactuadas com o consumidor, obrigação
deste em acionar diretamente a seguradora, no caso da obra, depois de entregue, vir a desabar, esse
ajuste não obriga o consumidor, e deve ser considerado como não escrito. Por sua vez, se o consumidor
quiser acionar aquele (empreiteiro), visando ser ressarcido nos prejuízos que sofreu, poderá fazê-lo sem
quaisquer problemas.
Frisa-se que será considerada como não escrita qualquer disposição que estabeleça obrigação
considerada iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada ou, enfim, que
seja incompatível com a boa-fé e a equidade, frisando-se desde logo que a lei presume ser exagerada
a vantagem que viole os princípios orientadores do CDC; restrinja direitos ou obrigações fundamentais
inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu equilíbrio ou, por fim, quando se mostra excessiva-
mente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Um bom exemplo de cláusula nula em razão de exagerada desvantagem imposta a uma das
partes se afere de problemas ligados a furto de cartão de crédito e distribuição de responsabilidades,
como decidiu o STJ ao destacar que:
[...] são nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade absoluta por compras realizadas
com cartão de crédito furtado até o momento (data e hora) da comunicação do furto [pois] tais avenças de adesão
colocam o consumidor em desvantagem exagerada e militam contra a boa-fé e a equidade, pois as administradoras e
os vendedores têm o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões. [...]. (REsp 348343)
Salienta-se que também deverão ser afastadas as cláusulas que “estabeleçam inversão do ônus
da prova em prejuízo do consumidor” (CDC, art. 51, VI) e que “determinem a utilização compulsória
de arbitragem” (CDC, art. 51, VII), situações que podem trazer prejuízos aos consumidores. A primeira,
porque lhe transfere a responsabilidade de fazer a prova de uma situação que a lei impõe ao fornecedor,
e a segunda, por afastar o caso da apreciação do Poder Judiciário. Vale a pena lembrar, uma vez mais,
que a vontade do consumidor na formação dos contratos é quase inexistente e, desse modo, não pode
ser hábil a produzir consequências nocivas, nascidas do ajuste de cláusulas desfavoráveis.
Ainda seguindo o rol de cláusulas abusivas previsto na lei, assim serão reconhecidas as cláusulas
que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor” (CDC,
art. 51, VIII), situação frequente no passado, quando em razão de contrato de cheque especial, o usuário
deste autoriza terceira pessoa, normalmente funcionário do banco, a sacar em seu nome nota promis-
sória ou outro documento reconhecendo a dívida; que “deixem ao fornecedor a opção de concluir ou
não o contrato, embora obrigando o consumidor” (CDC, art. 51, IX); que “permitam ao fornecedor, direta
ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral” (CDC, art. 51, X); e que “autorizem o forne-
cedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor” (CDC,
art. 51, XI), abusos que falam por si só, dispensando maiores comentários.
Também não prevalece perante o direito qualquer acordo que obrigue o consumidor a ressarcir
os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor,
situação bastante frequente em cobranças terceirizadas. Assim, caso o credor resolva contratar terceiro
para receber seus créditos, será ele que deverá arcar com as despesas desse contrato, não podendo
transferi-las ao consumidor.
Existem várias outras cláusulas abusivas, pois como visto, o elenco destas previsto na lei não é
exauriente, entretanto, não há espaço aqui para analisá-las, uma a uma.
É importante salientar enfim que, em regra, a nulidade de uma cláusula abusiva não conduzirá à
invalidação completa do contrato, e sempre que possível este será mantido pelo juiz em homenagem
ao princípio da conservação do negócio jurídico.
Atividades
1. O que são práticas abusivas?
3. Caso o consumidor concorde expressamente com a cláusula abusiva, apostando sua assinatura
ao lado do local em que esta esteja escrita na minuta contratual, e desde que esta esteja redigida
com destaque, a cláusula nessas condições poderá ser considerada válida?
Dicas de estudo
O primeiro livro destacado a seguir, nascido de estudo acadêmico, muito bem orientado pela
professora Cláudia Lima Marques, traz aspectos interessantes e bons questionamentos sobre as cláusulas
abusivas, enquanto o segundo, me permito trazer à análise, pois nele tento resolver o problema de
como reconstruir um contrato que tem uma cláusula afastada pelo Poder Judiciário, e o site traz as
diversas portarias editadas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor contento uma
infinidade de cláusulas abusivas.
SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo. São Paulo: RT, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge. Uma leitura inicial da redução do negócio jurídico e sua importância no processo
hermenêutico. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Org.). Questões Controvertidas. São
Paulo: Método, 2007, p. 481-503.
<www.mj.gov.br/dpdc>. – clique em legislação.
Referências
BARROSO, Lucas Abreu. O contrato de seguro e o direito das relações de consumo. Revista de Direito
Privado, São Paulo, n. 22, abr./jun. , 2005.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação
de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
_____. Uma leitura inicial da redução do negócio jurídico e sua importância no processo hermenêutico.
In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueired (Org.). Questões Controvertidas: parte geral do Códi-
go Civil. São Paulo: Método, 2007. v.6.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de código civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. Curitiba: Juruá, 2004.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SAYEG, Ricardo Hasson. Práticas comerciais abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
n. 7, p. 37-58, jul./set., 1993.
Gabarito
1. A noção de prática abusiva está atada à ideia de restrição da conduta do fornecedor em seu
cotidiano, pois nas hipóteses previstas pelo legislador, e porque não em outras não destacadas
expressamente no texto legal, tendo em vista que o rol trazido pela lei não é taxativo, mas sim,
meramente exemplificativo, o comportamento externado pelo fornecedor deve ser reprimido
em prol da comutatividade do contrato.
2. Uma cláusula contratual será considerada abusiva quando derivar do exercício anormal do poder
de predisposição das condições contratuais, ou seja, de elaboração unilateral dessas, como pode
ocorrer quando aquele que estipula as cláusulas do negócio aproveita-se de seu poder para impor
cláusulas que prejudicarão aquele que está aderindo ao contrato, em razão do desequilíbrio das
prestações que estão sendo reciprocamente assumidas (GALDINO, 2001, p. 14).
3. Não, pois a lei dita que a cláusula abusiva é nula no artigo 51 (CDC). Valendo lembrar que o CDC é
de ordem pública, portanto, inderrogável pela vontade das partes.
Uma dúvida que pode surgir neste momento: o que fazer se por acaso as partes, sem a orientação
necessária, pactuarem a compra e venda de um imóvel por meio de um documento particular? O CC
traz a solução desse problema em seu artigo 170 (BUSSATTA, 2006), sendo que, no caso, ocorrerá a
conversão do negócio nulo em outro válido e o contrato nulo será recepcionado pelo direito na forma
de contrato preliminar ou compromisso particular de compra e venda, tipo contratual que exige os
mesmos requisitos da compra e venda, com exceção da forma, que aqui não precisa ser pública.
Outra questão merece ser analisada: como solucionar o problema da ausência de cláusula de preço
na escritura pública de venda e compra? A situação, embora não seja frequente, pode ocorrer, e precisa de
uma resposta, mormente porque o agente imobiliário que assessora uma das partes, diante do que prevê
o CDC, poderá ser responsabilizado por eventuais prejuízos que seu cliente venha a suportar.
Parece que, nesse caso, o primeiro passo será buscar em documentos que antecederam o contrato,
se não houver acordo entre as partes (pois se houver, basta a ambas assinarem um aditamento à escritura
pública), qual seria o preço que os contratantes ajustaram e, se tais documentos não existirem, as partes
podem de comum acordo nomear um terceiro para arbitrá-lo, consoante prevê o artigo 485 do CC, que
pode ou não aceitar o encargo, sendo que, no último caso, não havendo outra solução – como pode
ocorrer quando unidades imobiliárias idênticas àquela vendida sem estipulação de um preço estão
à venda por um preço único ou por um valor bastante parecido, ocasião em que esse valor deve ser
utilizado para preencher a lacuna deixada pelas partes – o contrato será considerado desfeito (SIMÃO,
2005, p. 87).
Acerca do preço é interessante destacar ainda que este pode ser fixado tanto em dinheiro como
indexado a certos parâmetros, como é o caso de contratos de venda e compra cujo pagamento deva ser
feito em sacas de soja ou milho.
Nesses casos, as partes deverão ser orientadas pelo gestor imobiliário de que o preço do cereal
poderá variar, trazendo vantagem ou prejuízo para uma delas, sem que em regra o contrato possa ser
revisto, como têm decidido os tribunais pátrios:
[...] constando do contrato o preço da soja como indexador monetário, este livremente convencionado pelas partes,
inviável sua substituição por outro, com base na teoria da imprevisão, vez que a elevação na cotação da soja não pode
ser tomada como fato extraordinário e anormal, em especial em região em que habitualmente a soja é utilizada como
forma de pagamento, ou mesmo como fator de correção monetária na contratação. (TJRS. Ap. Cível 70007899974)
Uma última reflexão sobre o preço no contrato de compra e venda se faz necessária: é importante
destacar que nulo será o negócio quando deixar o preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes, já que
a bilateralidade na formação é pressuposto de qualquer contrato e o direito não admite a presença de
condições potestativas puras.
O gestor deverá informar ainda a seu cliente que, em regra, as despesas de escritura e do registro
desta junto ao Registro Imobiliário correrão por conta do comprador, entretanto, as partes poderão
ajustar o contrário, ou mesmo, dividir tais despesas.
É importante lembrar que a compra de ascendente a descendente é anulável, portanto, viciada,
caso os outros descendentes e também o cônjuge do vendedor – a vênia conjugal é dispensada se o
casamento foi realizado sob o regime da separação voluntária de bens – não consentirem aos termos do
negócio, manifestação esta que deve constar da escritura pública ou, ao menos, do contrato preliminar
que eventualmente preceda a compra e venda.
Quando se versa sobre a compra e venda de imóveis, não se pode deixar de analisar o contrato
sob o prisma da compra e venda ad corpus e da ad mensuram.
A primeira ocorre quando se compra um lote certo, um imóvel específico, como é o caso da aqui-
sição de uma fazenda com a “porteira fechada”.
Por sua vez, a última ocorre quando se estipula o preço por medida de extensão e, se após a
lavratura da escritura aferir-se que a área real não corresponde a adquirida, o comprador terá o direito de
exigir o complemento da área, e se isso não for possível, poderá resolver o contrato ou pedir abatimento
proporcional ao preço. É importante lembrar ainda que nessa modalidade de compra e venda, admite-
-se que haja uma diferença de até 1/20 (um vinte avos) entre a área descrita na escritura e a existente no
plano real (VENOSA, 2003, p. 61-62).
Salienta-se que essas regras se aplicam apenas no caso de compra e venda realizada sob a proteção
do CC e desde que discutidas as cláusulas, pois, se o contrato for pactuado por adesão ou se houver
uma relação de consumo, como no caso de imóvel vendido por empresa do ramo da incorporação
imobiliária, a metragem prometida deve ser fielmente observada, sendo considerada como abusiva, na
lição de Flávio Tartuce (2007, p. 262), qualquer cláusula que ilida a responsabilidade do fornecedor por
variação de área.
Acerca do assunto o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento conduzido pelo voto da
ministra Nancy Andrighi, recentemente decidiu que:
[...] a referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquirido na planta regido pelo CDC
não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no
contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser
caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento
proporcional do preço ou a rescisão [sic] do contrato [especialmente porque] a disparidade entre a descrição do imóvel
objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade
na relação contratual [e assim] o Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do
poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva [bastando]
a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação
mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indis-
ponibilidade das normas do CDC. [...]. (REsp 436853)
Acerca da compra e venda é importante analisar ainda duas de suas cláusulas especiais: a retro-
venda e o pacto de preempção ou preferência.
Pela primeira delas, o vendedor do imóvel pode reservar-se ao direito de comprá-la novamente
no prazo máximo de três anos, desde que restitua o preço recebido e reembolse as despesas do
comprador, e, caso este se recuse a pactuar o negócio, o vendedor poderá depositar tais verbas
judicialmente e reaver o bem vendido. Infelizmente, essa cláusula tem sido usada para encobrir outros
negócios, especialmente, como forma de garantia de pagamento de mútuo usuário (agiotagem),
existindo legislação que impõe severas penas caso seja detectado o problema.
Por sua vez, pela cláusula de preempção, ou preferência, o comprador se obriga a oferecer
inicialmente ao vendedor o imóvel junto a este adquirido, se desejar vendê-lo, pelo mesmo preço que
venderia a coisa a terceiros (CATALAN, 2006).
Se a compra e venda vier a ser caracterizada como uma relação de consumo, parece que no
primeiro caso, ter-se-á uma cláusula abusiva, e, portanto, nula, enquanto, na segunda hipótese, a
cláusula deverá ser redigida com destaque, sob pena de não produzir efeitos perante o adquirente, eis
que é restritiva de direito.
Enfim, no que diz respeito aos contratos de compra e venda de imóveis regidos pelo CDC e cujo
pagamento será feito em prestações, considerar-se-á nula a cláusula que estabeleça a perda total das
prestações pagas em benefício do credor que, em razão da ausência de pagamento, pleitear a resolução
do contrato e a retomada do produto alienado, permitindo-se, entretanto, que seja descontada, além
da vantagem econômica auferida com a fruição do imóvel cujo pagamento foi paralisado, eventual
deterioração suportada pelo imóvel.
eventualmente alienado também a terceiro, deverá demonstrar que este tinha como ter acesso à
informação de que o bem fora antes prometido a outrem.
Assim, se de um lado os terceiros estão obrigados a respeitar as relações negociais entabuladas
pelas partes, por outro se impõe que para tanto os mesmos tenham ciência da existência das mesmas,
estado que se prova por meio da inscrição da minuta do contrato preliminar junto à matrícula do imóvel
no Cartório de Registro de Imóveis, como prevê o CC.
Desse modo, a obrigatoriedade do registro do compromisso preliminar de compra e venda
“representa instrumento inibitório à prática de negócios jurídicos sucessivos sobre o mesmo bem, com
lesão ao direito do primeiro adquirente ou de terceiros que venham a adquirir o bem já negociado” (ALVES;
DELGADO, 2005, p. 240), atuando como mecanismo de garantia para o pretenso comprador já que frustrará
as tentativas de fraude, sendo o registro requisito indispensável para que tenha efeito erga omnes2.
Indaga-se, nesse contexto, se bastaria ao terceiro aferir apenas junto às citadas escrivanias
extrajudiciais a existência de negócios pendentes acerca do domínio do bem que pretende adquirir ou
deveria ele praticar outros atos?
No atual contexto social em que o trânsito de informações tornou-se mais acessível, impõe-se a
quem se alega terceiro de boa-fé o dever de prová-lo mediante a demonstração de uma conduta dili-
gente e proba e, dessa forma, deve o pretenso adquirente de um imóvel, pelo menos, visitar o imóvel
para aferir, por exemplo, se está cercado ou se há alguém exercendo sua posse.
Um outro problema pode surgir: como agir no caso de morte de quem prometeu vender o imóvel,
assinando a escritura pública de compra e venda quando do recebimento do preço? Não ha dúvida que
seus sucessores devem assinar a escritura e o procedimento a ser observado na recusa da outorga da
escritura pública pelo devedor ou de seus herdeiros é o elencado no Código de Processo Civil.
Outra situação que há de ser analisada está em eventual incumprimento por parte do devedor,
quanto à obrigação de quitar o preço ou as parcelas ajustadas e, nessa hipótese, a faculdade conferida
ao credor de resolver o negócio jurídico nos moldes do artigo 475 do CC.
Nesse caso, se o credor buscar a resolução do negócio jurídico, esta não poderá estar acompanhada
de cláusula de decaimento, por expressa violação do princípio da função social do contrato (TARTUCE,
2005), que dirige o senso ético que deve balizar a conduta dos contratantes.
Mais razoável ainda é pensar que, para que exercite esse direito, se faz necessária constituição
do devedor em mora e a concessão de prazo razoável para que o mesmo possa purgá-la, posto que
em conformidade com a regra que regulamenta a venda e compra de imóveis loteados, a pretensão
resolutória condiciona-se a essas providências preliminares, ao menos no que diz respeito aos negócios
regulados pela Lei 6.766/79, tendo-se ainda que as benfeitorias deverão ser indenizadas, invocando-se
aqui a teoria do diálogo das fontes.
Ratificando a tese sustentada, vale a pena destacar o teor de dois artigos da Lei 6.766/79: o de
número 32 dispondo que ”vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30
dias depois de constituído em mora o devedor” e o de número 34, versando que “em qualquer caso
de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas
a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual
em contrário”.
Mas e se o imóvel urbano não estiver sendo alienado por empresa loteadora, ou se tratar
de imóvel rural, permanecerá tal disposição? Imagina-se a hipótese em que um particular resolve,
por meio de pré-contrato, pactuar a alienação futura do imóvel em que reside, com cláusula de
arrependimento, por conta de provável necessidade de mudar seu domicílio em razão da relação de
trabalho que possui?
Parece que não, pois o contrato é paritário, o que afasta a necessidade do dirigismo contratual,
sendo então lícito às partes inserir cláusula de arrependimento no contrato preliminar, pois na hipótese
pensada, seria um contrassenso obrigar o promitente vendedor a desfazer-se do imóvel em que reside
se a mudança esperada não vier a se concretizar, ressaltando que aquele que promete vender deverá
ressarcir o preço recebido devidamente corrigido.
Em princípio parece ainda que haverá necessidade de vênia conjugal quando um dos contratantes
for casado, pois o artigo 1647, I, do CC a impõe, e parece que não existem argumentos que autorizem
a dispensa da anuência do cônjuge (LOUREIRO, 2002, p. 194), excepcionados os regimes que não a
exigem, até porque se o compromisso de compra e venda de imóveis loteados é irrevogável, podendo
o comprador conseguir a transferência de propriedade por meio de decisão judicial se preciso, seria
incoerente sustentar que a autorização do cônjuge é dispensada por se tratar de contrato preliminar.
Mas o que ocorre se o cônjuge que negociou com outrem a alienação de bem imóvel houvesse
prometido a outorga do parceiro, especialmente porque em regra aquele que promete fato de outrem,
se responsabiliza pela anuência do terceiro aos termos do contrato?
A situação se resolve à luz da figura da promessa de fato de terceiro e não haverá qualquer
pretensão reparatória em favor do que acreditou na promessa, posto que o parágrafo único do artigo
439 do CC é explícito ao frisar que nesse caso não caberia indenização, excepcionada logicamente a
hipótese de dolo de quem prometeu fato de outrem e ainda a ofensa ao dever lateral de lealdade.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
O CDC e os contratos imobiliários: | 127
compra e venda e compromisso de compra e venda
Atividades
1. É possível manter-se os efeitos de um contrato de compra e venda ajustado sem preço?
2. Seria lícita uma cláusula em um compromisso de compra e venda prevendo a perda total das
prestações pagas no caso de inadimplemento do devedor?
Dicas de estudo
Àqueles que pretendem aprofundar seus estudos sobre o compromisso de compra e venda
me permito indicar duas obras: a primeira, certamente a mais completa sobre o assunto em território
nacional; a segunda, um estudo sobre os principais problemas que podem ocorrer no dia a dia daqueles
que lidam com esses contratos.
AZEVEDO JUNIOR, José Osório de. Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Malheiros, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge; CANEZIN, Thays Cristina Carvalho. Reflexões acerca do compromisso de
compra e venda. In: Claudete Carvalho Canezin (Org.). Arte Jurídica: Biblioteca Científica de Direito
Civil e Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2006. vol.3.
Referências
ALVES, Jones Figueiredo; DELGADO, Mario Luiz. Código Civil Anotado: inovações comentadas artigo
por artigo. São Paulo: Método, 2005.
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direto e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, maio/ago., 2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Conversão substancial do negócio jurídico. Revista de Direito Privado, São
Paulo, n. 26, abr./jun. 2006.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Do pacto de preferência no contrato de compra e venda: direito pessoal ou
obrigação com eficácia real? In: Lucas Abreu Barroso (Org.). Introdução Crítica ao Código Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 3.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2004.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método,
2002.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
ROSENVALD, Nelson. A Promessa de Compra e Venda no Código Civil de 2002. Disponível em: <www.
flaviotartuce.adv.br/secoes/artigo/ROSENVALD_COMPRA.doc>. Acesso em: 10 out. 2005.
SIMÃO, José Fernando. Aspectos controvertidos da prescrição e decadência na teoria geral dos
contratos e contratos em espécie. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Questões
Controvertidas: no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005, v. 4.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 2. ed. São Paulo:
Método, 2007, v. 3.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2003, v. 3.
Gabarito
1. A situação, embora não seja frequente, pode ocorrer, e precisa de uma resposta, mormente
porque o agente imobiliário que assessora uma das partes, diante do que prevê o CDC, poderá
ser responsabilizado por eventuais prejuízos que seu cliente venha a suportar.
Parece que nesse caso, o primeiro passo será buscar em documentos que antecederam o contrato,
se não houver acordo entre as partes (pois se houver, basta a ambas assinar um aditamento à
escritura pública), qual seria o preço que os contratantes ajustaram, e se tais documentos não
existirem, as partes podem de comum acordo, nomear um terceiro para arbitrá-lo, consoante prevê
o artigo 485 do CC, que pode ou não aceitar o encargo, sendo que no último caso, não havendo
outra solução – como pode ocorrer quando unidades imobiliárias idênticas àquela vendida sem
estipulação de um preço estão à venda por um preço único ou por um valor bastante parecido,
ocasião em que esse valor deve ser utilizado para preencher a lacuna deixada pelas partes – o
contrato será considerado desfeito (SIMÃO, 2005, p. 87).
Acerca do preço é interessante destacar ainda que este pode ser fixado tanto em dinheiro como
indexado a certos parâmetros, como é o caso de contratos de venda e compra cujo pagamento
deva ser feito em sacas de soja ou milho.
2. Não, porque é vedada a cláusula de decaimento por força do contido no artigo 51, IV, do CDC.
4. Parece que haverá necessidade de vênia conjugal quando um dos contratantes for casado,
pois o artigo 1647, I, do CC a impõe, e parece que não existem argumentos que autorizem
a dispensa da anuência do cônjuge (LOUREIRO, 2002, p. 194), excepcionados os regimes
que não a exigem, até porque se o compromisso de compra e venda de imóveis loteados
é irrevogável, podendo o comprador conseguir a transferência de propriedade por meio
de decisão judicial, se preciso. Seria incoerente sustentar que a autorização do cônjuge é
dispensada por se tratar de contrato preliminar.
Locação de imóveis
Em princípio, no que diz respeito à locação predial urbana, não haverá incidência do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), e isso se dá porque o locador, em regra, não pode ser qualificado como
fornecedor, por não desenvolver sua atividade com habitualidade, e sobre o assunto tem se manifes-
tado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se afere da decisão que reconheceu que “é pacífica e
remansosa a jurisprudência, nessa Corte, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não
é aplicável aos contratos locatícios, que são reguladas por legislação própria”, desse modo, “restam
ausentes às relações locatícias as características delineadoras da relação de consumo apontadas na Lei
8.078/90” (REsp. 689266/SC).
Cumpre informar, nesse contexto, que as locações prediais urbanas são regidas pela Lei 8.245/91,
entretanto, na hipótese do contrato de locação de imóvel residencial ser intermediado por empresa do
ramo imobiliário, aparentemente haverá a atração do CDC, norma que deverá dialogar com a lei que
rege as locações a fim de que os problemas surgidos no âmbito dessas relações jurídicas encontrem
soluções que respeitem o sistema.
Essa ideia é ratificada por Cláudia Lima Marques (2003, p. 90), ao destacar que se a locação for
intermediada por empresa especializada, mormente nas locações urbanas não comerciais, considerando
a vasta gama de cláusulas abusivas que recheiam esses contratos, aparentemente, não há óbices para
a aplicação do CDC.
Uma leitura detalhada das questões que se apresentam no dia a dia dessas relações mostra ser
hialino que tal diálogo será possível em diversos momentos, especialmente quando os contratos de
locação forem pactuados por adesão e, ainda, quando os negócios dispuserem sobre cláusulas que
desequilibrem a relação negocial.
Portanto, ratifica-se com Cláudia Lima Marques (2005, p. 49), que a legislação consumerista será
aplicável aos contratos de locação de imóveis, desde que presente a figura de terceiro responsável pela
organização desses negócios jurídicos, seja na fase de formação, seja na de execução, terceiro esse que
no mais das vezes se apresenta sob a forma de uma imobiliária.
Como se afere, na medida em que há intervenção de terceiro, como é o caso das administradoras
de imóveis, estará caracterizada a relação de consumo, como se extrai de outro julgado do STJ que
decidiu que “questão referente a contrato de locação, formulado como contrato de adesão pelas
empresas locadoras, com exigência da taxa imobiliária para inquilinos, é de interesse público pela
repercussão das locações na sociedade” (EREsp. 114908/SP) e, desse modo, o Ministério Público estaria
autorizado a tutelar a coletividade, considerada consumidor por equiparação por força do contido no
artigo 2.º, parágrafo único, da Lei 8.078/90.
E mesmo aqueles que não aceitem o diálogo proposto, entre a Lei de Locações e o CDC, não
poderão negar a influência que o Código Civil (CC) exerce sobre a solução das questões surgidas nesse
âmbito, até porque, esse último diploma legislativo possui regras sobre a interpretação de cláusulas
restritivas de direito, de contratos por adesão e, especialmente, por conta da principiologia social que
informa o direito privado no atual momento histórico.
A partir deste momento, serão analisadas algumas regras da Lei de Locações que poderão inte-
ressar ao gestor imobiliário, descartando-se a leitura em detalhes da aludida lei, até porque sua análise
permitiria que fossem escritos vários volumes sobre o assunto.
Inicialmente, destaca-se que de acordo com o artigo 3.º da Lei 8.245/91, muito embora o contrato
de locação possa ser ajustado por qualquer prazo, dependerá de vênia conjugal (autorização do côn-
juge) se o lapso temporal ajustado para a vigência do contrato for superior a dez anos e, nesse caso, o
prazo que exceder ao limite imposto na lei não obriga o cônjuge que não anuiu a respeitá-lo.
Merece destaque também que durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá
o locador reaver o imóvel alugado sob qualquer argumento, podendo o locatário, por outro lado, devolvê-
-lo, desde que pague a multa ajustada e, na sua falta, a que for judicialmente arbitrada. Salienta-se aqui que
caso a cláusula penal1 (no caso terá natureza compensatória) tenha sido pactuada em valor ou percentual
muito elevado, se provocado, o juiz tem o dever de reduzi-la, nos moldes do artigo 413 do CC.
Mesmo sem alusão expressa ao diálogo das fontes, alguns Tribunais têm determinado a redução
da cláusula penal (agora com natureza moratória, devida por ocasião de atraso no pagamento do valor
do aluguel) ao percentual previsto no CDC (TJMG, Ac. 234.006-1 e Ac. 252.441-8), solução esta em que
pese não ser uníssona, mostra-se razoável, até porque, normalmente, em um contrato de locação entre
particulares, em regra, discute-se o preço do aluguel e o prazo do contrato.
Sobre o tema frisa-se ainda que o locatário será dispensado da multa se a devolução do bem
decorrer da necessidade de prestar serviços em localidade diversa do local em que antes trabalhava, e
tal fato se der por determinação do empregador, desde que o locatário notifique o locador com pelo
menos 30 dias antes de restituir o imóvel, prazo esse a ser observado também quando pretender deixar
o imóvel nos casos de locação por prazo indeterminado.
Ao locador, por outro lado, que pretenda reaver o imóvel locado para fins residenciais com prazo
indeterminado, são dadas duas alternativas: se ainda não decorreu o prazo de 30 meses do início da
locação, deverá justificar porque pretende reaver o bem, por exemplo, provando que o mesmo será
necessário para uso próprio ou do cônjuge ou filho; e tendo transcorrido esse prazo, poderá promover a
denúncia vazia, ou seja, despida de qualquer justificativa, em ambos os casos, concedendo ao locatário
prazo de no mínimo 30 dias para a desocupação do bem.
Uma questão interessante extrai-se no caso de alienação do imóvel locado pois, nesses casos, o
comprador poderá denunciar o contrato, no prazo máximo de 90 dias, contados a partir da transferência
de propriedade, concedendo igual prazo ao locatário para que desocupe o imóvel, a não ser que estejam
presentes, concomitantemente, três requisitos:
a) a locação tenha sido ajustada por tempo determinado;
b) o contrato tenha cláusula de vigência2;
c) a minuta esteja averbada junto à matrícula do imóvel.
Aliás, caso o locador pretenda alienar o imóvel, cumpre destacar que deverá observar o direito de
preferência assegurado por lei ao locatário, que concorrerá com terceiro em igualdade de condições,
devendo o locador notificar o locatário do inteiro teor da proposta de venda, devendo o locatário, se
quiser adquirir o imóvel, informar seu interesse ao locador no prazo máximo de 30 dias.
Caso o direito de preferência do locatário não seja respeitado, ele poderá reclamar do alienante as
perdas e danos, ou depositando o preço pago pelo comprador e as demais despesas do ato de transfe-
rência, haver para si o imóvel locado, desde que o faça no prazo de seis meses, contados da transcrição
da escritura pública junto ao Registro Imobiliário. Salienta-se que para que possa exigir o imóvel de
terceiro, se faz necessário que o contrato de locação esteja averbado pelo menos 30 dias antes da venda
junto à matrícula do imóvel.
Também é importante salientar que a locação não se encerra pela morte do locador ou do
locatário, pois, no primeiro caso, a locação transmite-se a seus herdeiros, e, no segundo, transfere-se
ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro e, sucessivamente, aos herdeiros necessários e às pessoas
que viviam na dependência econômica do de cujus, desde que residam no imóvel locado.
Outro aspecto que merece ser destacado consiste no fato de que muito embora a convenção
do valor do aluguel possa ser livremente convencionada pelas partes, é proibida sua estipulação em
moeda estrangeira, bem como sua vinculação ao salário mínimo. Frisa-se ainda que o reajuste do
aluguel somente pode se dar anualmente.
A Lei 8.245/91 traz ainda os deveres impostos ao locador e ao locatário, sendo importante destacá-
-los neste momento, mormente para que o gestor informe acerca da existência destas obrigações
àqueles com quem contratar.
Dessa forma, consoante dita o artigo 22 da Lei de Locações, o locador é obrigado a:
I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;
2 Cláusula que faz alusão ao fato de que, em caso de venda do imóvel, o comprador se obriga a respeitar o prazo contratual estipulado entre
o vendedor e o locatário para a vigência da locação.
Vale lembrar que o artigo 35 da Lei 8.245/91 é fonte de polêmicas. Da sua redação consta que
“salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo
locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão
indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção”.
Ocorre que nos contratos pactuados por meio de imobiliárias, o que como visto, impõe a atração
do CDC, a cláusula de renúncia a benfeitorias será considerada nula, posto que abusiva, pois aparente-
mente traz direitos e obrigações manifestamente desproporcionais.
Além disso, também nos contratos pactuados por adesão, mesmo que sem a interferência da
lei consumerista, parece que tal cláusula não pode imperar, pois violaria a regra do artigo 424 do CC,
que dispõe ser nula a estipulação contratual inserida em contratos padronizados, quando desrespeite a
um efeito que normalmente nasce de certo comportamento ocorrido no mundo dos fatos e protegido
pelo direito, ou seja, fulmina de nulidade a cláusula que importe em renúncia antecipada do aderente
a direito resultante da natureza do negócio, o que denota a preocupação do legislador em promover
o controle do conteúdo contratual (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2006, p. 30); e salvo melhor juízo,
benfeitoria necessária ou útil que tenha sido erigida pelo locatário deverá, nesses casos, ser indenizada
junto àquele que a realizou.
Um outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às garantias que podem ser exigidas
pelo locador, sendo que segundo a lei especial, este poderá solicitar junto ao locatário, uma, e apenas
uma, entre as diversas modalidades previstas na lei: caução, fiança, seguro-fiança ou cessão fiduciária
de quotas de fundo de investimento.
Sobre o tema afirma-se ainda que, excepcionalmente, caso a locação não esteja garantida,
o locador poderá exigir do locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do mês
vincendo, ou seja, de modo antecipado, mês a mês, como visto, comportamento que foge à regra que
impõe que o aluguel deve ser pago após a utilização do imóvel.
Empreitada
Consoante o magistério de Flávio Tartuce (2007, p. 433), o contrato de empreitada é aquele pelo
qual uma das partes (empreiteiro ou prestador) obriga-se a fazer ou a mandar fazer alguma obra, mediante
uma determinada remuneração, a favor de outrem, denominado dono da obra ou tomador, conceito
esse ratificado por Eduardo Espínola (2002, p. 436) ao frisar que é “o contrato por meio do qual uma das
partes – o empreiteiro – que pode ser uma pessoa física ou jurídica, se obriga a executar determinada
obra ou trabalho, [...], com material próprio ou fornecido pela outra parte, sem subordinação”.
Ao contrário do que ocorre no contrato de locação imobiliária, aqui não pairam dúvidas acerca
da aplicação do CDC aos contratos que possuam esta natureza (ao menos no que diz respeito à maioria
desses contratos), e em razão disso, é imperiosa a análise dos artigos mais importantes sobre o tema no
CC e sua aplicação a partir da teoria do diálogo das fontes.
Inicialmente, cumpre ressaltar que as partes poderão contratar apenas o trabalho do empreiteiro
(regra – empreitada de lavor), ou, se desejarem, a responsabilidade desse último pela aquisição dos
materiais (exceção – empreitada mista), sendo que nesse momento pode surgir um primeiro problema.
Ocorre que, se de um lado o parágrafo primeiro do artigo 610 do CC dita que “a obrigação de
fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”, de outro, a ausência
da informação adequada sobre a duplicidade de formas em que a empreitada pode ser contratada,
aliada a omissão de ajuste da modalidade eleita, mormente quando as condições negociais sejam
predispostas pelo empreiteiro e o preço estipulado possa fazer o dono da obra acreditar que
aquele será também responsável pelos materiais, salvo melhor juízo, implicará na inversão da regra,
promovendo-se a interpretação contra o estipulante, no caso, impondo-se ao empreiteiro o dever de
arcar também com os custos do material.
Vale lembrar que visando à proteção do polo mais fraco da relação negocial, o CC prevê ainda
que, quando o empreiteiro se incumbir de fornecer os materiais, correrão por sua conta os riscos até a
entrega da obra, mas, se o empreiteiro fornecer apenas mão de obra, todos os riscos em que não tiver
culpa correrão por conta do dono, a não ser que nasçam da violação do dever de informar, que pode
ser desrespeitado quando deixa de solicitar a aquisição de material de qualidade ou quando afere que
o material comprado pelo dono da obra acarretará riscos à obra que está sendo erigida.
Merece destaque que uma vez concluída a obra de acordo com o ajuste ou com o costume do
lugar, o dono é obrigado a recebê-la, entretanto, está autorizado a rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou
das instruções recebidas, dos planos dados ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza, podendo
ainda o dono da obra em vez de deixar de receber a coisa, postular abatimento no preço em razão da
inobservância aos termos do contrato.
Esse direito não poderá ser exercido se o dono da obra acompanhou de modo minudente a
construção e pôde detectar o desvio aos termos do projeto arquitetônico ou à utilização de materiais
com qualidade inferior à contratada, pois, nesse caso, o dever lateral de cooperação que recai sobre o
mesmo, obriga-o a aceitar a obra, pois teve inúmeras oportunidades de se manifestar.
Aliás, nesse sentido, merece destaque o teor do artigo 619 do CC, ao dispor que salvo ajuste
em sentido contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo o projeto
preestabelecido, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações
no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra; que por sua vez, nos
moldes do parágrafo único do aludido artigo, será obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e
acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia
ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.
É importante lembrar ainda que o empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que inutilizar, salvo
se a deterioração (estrago) ou o perecimento (desaparecimento) se derem em razão de caso fortuito ou
força maior.
Regra de suma importância na tutela do dono da obra se encontra prevista no artigo 618 do CC,
que dispõe em seu caput que “nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consi-
deráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos,
pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
Observa-se que essa responsabilidade é relativa à solidez e segurança da obra e faz alusão:
[...] ao que foi incorporado ao terreno e feito acima ou abaixo da superfície, incorporado permanentemente ao solo, de
modo que não se possam retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano [e] quando se faz menção à segurança
da obra, esta abrange não somente a eventualidade de desabamento do prédio, mas também as perfeitas condições
de habitabilidade e de salubridade da edificação. (BRITO, 2003, p. 116)
É importante frisar que o prazo previsto na lei é de garantia, autorizando o dono da obra, durante
seu curso, a reclamar acerca do surgimento de vícios no imóvel cuja construção foi contratada junto ao
empreiteiro, prazo esse bem maior que aquele que consta no CDC, que é de 90 dias.
Salienta-se, ainda, acerca do tema que muito embora o parágrafo único do artigo 618 do CC,
disponha que decai do direito previsto nesse artigo o proprietário que não propuser a ação contra
o empreiteiro, nos 180 dias seguintes ao aparecimento do vício, em verdade, tal prazo precisa ser
observado apenas nos casos em que se exija a reforma do defeito surgido, pois, no caso de lesão ao
patrimônio ou a integridade psicofísica do consumidor, terá ele o prazo de cinco anos para ajuizamento
da ação cabível, e se por acaso o dano surgir em um contrato regido pelo CC, esse prazo será de três
anos, como ensina de modo muito claro José Fernando Simão (2005, p. 381).
Merece destaque ainda a regra que dispõe que se houver diminuição no preço do material ou da
mão de obra em percentual superior a dez por cento do preço total ajustado entre as partes, o contrato
poderá ser revisto a pedido do dono da obra, visando à restituição ou à liberação de pagamento da
diferença apurada, regra que não prevalece em relação ao dono da obra, que somente terá direito à
revisão do contrato para mais, em hipóteses excepcionais (RODRIGUES JUNIOR, 2006), que fogem ao
objeto deste estudo.
Enfim, cumpre destacar que o empreiteiro poderá suspender a obra apenas nas seguintes situa-
ções, consoante se extrai do artigo 625 do CC:
a) por culpa do dono [como no caso de ausência de pagamento ou de aquisição de materiais fora dos padrões reco-
mendados];
b) de caso fortuito ou de força maior [chuvas inesperadas, neve, terremotos];
c) quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas
geológicas ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se
oponha ao reajuste do preço;
d) se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto
aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.
Atividades
1. Quando o CDC poderá ser aplicado aos contratos de locação de imóveis?
2. No caso da multa estipulada para a devolução antecipada do imóvel pelo locatário ter sido fixada
em parâmetros excessivamente onerosos, o juiz tem o poder ou o dever de reduzi-la?
3. Será lícita a cláusula ajustada entre locador e locatário que versa sobre a renúncia a benfeitorias
úteis e voluptuárias em contrato de locação residencial?
4. O dono da obra tem direito de buscar a revisão judicial do contrato de empreitada a seu favor em
que condições?
Dicas de estudo
A obra a seguir descrita resolve incontáveis problemas surgidos no âmbito das relações jurídicas
envolvendo a locação de imóveis, sendo indispensável para quem atua no ramo. Posteriormente, os três
primeiros links se referem a uma detalhada análise do professor José Fernando Simão sobre a interação
entre o CC e a Lei de Locações, e o último se refere à análise do mesmo professor, doutor em direito pela
Faculdade do Largo do São Francisco, sobre o contrato de empreitada.
RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Locação: questões processuais. São Paulo: RT, 2000.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_01.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_02.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_03.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_aspectos_da_empreitada.htm>.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 139
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
BRITO, Rodrigo Toscano de. Responsabilidade civil do construtor. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO,
Mário Luiz (Coord.). Questões Controvertidas no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
ESPÍNOLA, Eduardo. Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro. Atualizado por: Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2002.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.
_____. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o código civil de 2002: superação
das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO,
Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e
assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SIMÃO, José Fernando. Aspectos controvertidos da prescrição e decadência na teoria geral dos contratos e
contratos em espécie. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Questões Controvertidas:
no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005, v. 4.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 2. ed. São Paulo:
Método, 2007, v. 3.
TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpre-
tado: conforme a constituição da república. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2.
Gabarito
1. Em princípio, no que diz respeito à locação predial urbana, não haverá incidência do CDC, e isso
se dá porque o locador, em regra, não pode ser qualificado como fornecedor, por não desenvolver
sua atividade com habitualidade. Sobre o assunto, tem se manifestado o STJ como se afere da
decisão que reconheceu que “é pacífica e remansosa a jurisprudência, nessa Corte, no sentido
de que o CDC não é aplicável aos contratos locatícios, que são regulados por legislação própria”,
desse modo, “restam ausentes às relações locatícias as características delineadoras da relação de
consumo apontadas na Lei 8.078/90” (REsp 689266/SC).
Cumpre informar, nesse contexto, que as locações prediais urbanas são regidas pela Lei 8.245/91,
entretanto, na hipótese do contrato de locação de imóvel residencial ser intermediado por
empresa do ramo imobiliário, aparentemente haverá a atração do CDC, norma que deverá
dialogar com a lei que rege as locações a fim de que os problemas surgidos no âmbito dessas
relações jurídicas encontrem soluções que respeitem o sistema.
Essa ideia é ratificada por Cláudia Lima Marques (2003, p. 90) ao destacar que, se a locação for
intermediada por empresa especializada, mormente nas locações urbanas não comerciais,
considerando a vasta gama de cláusulas abusivas que recheiam esses contratos, aparentemente,
não há óbices para a aplicação do CDC.
2. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel
alugado sob qualquer argumento, podendo o locatário, por outro lado, devolvê-lo, desde que
pague a multa ajustada, e na sua falta, a que for judicialmente arbitrada. Salienta-se aqui que
caso a cláusula penal3 (no caso terá natureza compensatória) tenha sido pactuada em valor ou
percentual muito elevado, se provocado, o juiz tem o dever de reduzi-la, nos moldes do artigo
413 do CC.
3. Vale lembrar que o artigo 35 da Lei 8.245/91 é fonte de polêmicas. Da sua redação consta que
“salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo
locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas,
serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção”.
Ocorre que, nos contratos pactuados por meio de imobiliárias, o que, como visto, impõe a atração
do CDC, a cláusula de renúncia a benfeitorias será considerada nula, posto que abusiva, pois
aparentemente traz direitos e obrigações manifestamente desproporcionais.
Além disso, também nos contratos pactuados por adesão, mesmo que sem a interferência da lei
consumerista, parece que tal cláusula não pode imperar, pois violaria a regra do artigo 424 do
CC, que dispõe ser nula a estipulação contratual inserida em contratos padronizados, quando
desrespeite a um efeito que normalmente nasce de certo comportamento ocorrido no mundo dos
fatos e protegido pelo direito, ou seja, fulmina de nulidade a cláusula que importe em renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, o que denota a preocupação
do legislador em promover o controle do conteúdo contratual (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES,
2006, p. 30 e ss); e salvo melhor juízo, benfeitoria necessária ou útil que tenha sido erigida pelo
locatário deverá, nesses casos, ser indenizada junto àquele que a realizou.
4. Se houver diminuição no preço do material ou da mão de obra em percentual superior a dez por
cento do preço total ajustado entre as partes, o contrato poderá ser revisto a pedido do dono
da obra, visando à restituição ou à liberação de pagamento da diferença apurada, regra que não
prevalece em relação ao empreiteiro, que somente terá direito à revisão do contrato para mais,
em hipóteses excepcionais.
Corretagem
Está autorizado a desempenhar a função de corretor, nos moldes do artigo 2.º da Lei 6.530/78,
aquele que seja “possuidor de título de técnico em transações imobiliárias”, salientando-se, entretanto,
que os tribunais brasileiros não exigem tal habilitação, como se afere do posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir que “a despeito de não inscrito no ‘Conselho Regional de Corretores
de Imóveis’, o intermediador faz jus ao recebimento da comissão de corretagem” (REsp 87918/PR), e
ainda que, em ação de cobrança de comissão de corretagem a ausência de inscrição no órgão de classe
é irrelevante (REsp 251676/GO).
Ocorre que, nesses casos, a remuneração devida pode ser diminuída pelo juiz, caso esse entenda
que a ausência de habilitação interfira na qualidade do trabalho executado, aplicando no caso o
artigo 606 do Código Civil (CC), que dita que se “o serviço for prestado por quem não possua título
de habilitação”, ou não satisfaça a outros requisitos estabelecidos na lei, “não poderá quem os prestou
cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado [entretanto] se deste resultar
benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que
tenha agido com boa-fé”.
É importante destacar que muito embora ignorado pelo CC de 1916, o contrato de corretagem
recebeu roupagem própria na vigente codificação de direito privado, sendo-lhe reservado lugar de
destaque entre os contratos em espécie, mormente porque, como quer Gustavo Tepedino (2001,
p. 113-114):
[...] o estudo do contrato de corretagem, inteiramente esquecido na sociedade rural em que nasceu o Código Civil
Brasileiro, torna-se cada vez mais relevante, [pois], no contexto industrial e urbano, aumentam-se as distâncias entre as
pessoas e já não mais se consegue vender ou comprar objetos através [sic] do contato direto entre comprador e vendedor,
[e assim] a insegurança dos grandes centros urbanos, aliada ao isolamento natural que o quotidiano profissional a todos
impõe, invariável, inexorável e indistintamente intensifica a importância do intermediador de negócios cuja reputação
e confiabilidade se apresentam mais e mais indispensáveis, na exata proporção em que se distanciam as pessoas e se
desfaz a possibilidade de selecionar, com as cautelas desejáveis, os próprios parceiros comerciais.
Vale lembrar ainda a lição de Antônio Carlos Mathias Coltro (2001) ao afirmar que:
[...] não se afasta também a possibilidade de o contrato de corretagem conter cláusula em que se estipule estar o
pagamento da comissão condicionado à efetiva consolidação do negócio, [entretanto,], inexistente tal disposição,
deverá ser a retribuição paga ao mediador, ainda que posteriormente haja desistência, por algumas das partes, se já
havia ele logrado êxito na aproximação de ambas.
Outro problema frequente consiste em como saber que o corretor foi autorizado a contatar
terceiro que se interesse pela proposta de venda ou compra. Normalmente, essa prova é feita por
meio de um documento denominado opção. A partir dessa afirmação, cumpre destacar que opção
é a autorização, por escrito, que se dá ao corretor para que ele passe a desenvolver atividades no
interesse das partes que pretendam firmar um determinado contrato.
De acordo com a lição de Antonio Carlos Neto (apud CHAVES, 1977, p. 14), a opção:
[...] é o instrumento e a prova da mediação, [sendo que] por meio dela, o dono do negócio expõe as suas pretensões,
expressa as condições do mesmo, fixa o seu valor, determina o seu prazo etc. de modo a habilitar o corretor a atrair os
interessados a realizá-lo, pela demonstração de suas vantagens [e ainda] autentica a atividade do corretor, evitando
que terceiros de boa-fé percam seu tempo com quem não está autorizado a propor qualquer operação.
Por sua vez, a doutrina de Antonio Chaves (1977, p. 14) frisa que a opção, para atingir os objetivos
para os quais ela é feita, deve conter os elementos essenciais do negócio, tais como o preço, as condi-
ções da negociação e a delimitação do objeto a ser transacionado, sob pena de carecerem de qualquer
valor jurídico, e na opção de venda de certo bem, por exemplo, deverão constar no mínimo o preço
e sua descrição, além da intenção, manifestada por seu proprietário, de aliená-lo onerosamente, essa
última ainda que implicitamente.
Ademais, uma vez contratado o corretor para intermediar o negócio desejado pelo pretenso
comprador ou vendedor, se àquele for concedido, por escrito, direito de exclusividade na intermediação
do contrato, mesmo que o negócio seja iniciado e concluído diretamente entre contratante e terceiro,
terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua intervenção, a
não ser que se prove a inércia ou ociosidade daquele.
Outro aspecto importante no contrato de corretagem consiste na análise da forma em que sua
resilição poderá ocorrer, cuja noção está atada à possibilidade dada a qualquer das partes, em um
contrato de trato sucessivo1, ajustado sem prazo determinado, de desobrigar-se mediante a denúncia
do fim do contrato pactuado. No caso da corretagem assim ajustada, pode o contratante dispensar o
corretor a qualquer tempo, entretanto, caso o negócio se realize ulteriormente em razão dos contatos
realizados pelo profissional, terá esse direito à sua remuneração, salientando-se que a mesma solução
será adotada caso o negócio entre contratante e terceiro venha a se realizar após a decorrência do prazo
contratual, desde que isso ocorra em razão do trabalho exercido pelo corretor.
Incorporação imobiliária
As incorporações imobiliárias são regidas pela Lei 4.591/64, norma que traz as diretrizes essen-
ciais a essa modalidade contratual, que deve ser entendida como a atividade exercida com o intuito de
promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edifica-
ções compostas de unidades autônomas, ou como quer Leandro Leal Ghezzi (2007, p. 62), “é o negócio
jurídico por meio do qual o incorporador promove e realiza a edificação de um prédio, vendendo a uma
ou mais pessoas, frações ideais do terreno que ficam vinculadas a unidades autônomas em construção
ou que serão construídas”. Vale lembrar que tais contratos, como se extrai da leitura conjunta das Leis
4.591/64 e 6.766/79, são irrevogáveis e irretratáveis.
Perante a lei, consoante dita seu artigo 29, é considerado incorporador tanto a pessoa natural
como a jurídica que, mesmo não tendo efetuado a construção, se obrigue a vender partes ideais de
1 Estes contratos somente podem ser cumpridos por meio do tempo, elemento essencial para justificar a existência dos mesmos, como é o
caso da locação e do leasing.
terreno que serão fracionadas em unidades autônomas por conta das edificações que serão construídas;
devendo ser salientado desde já que deve ser proprietário do terreno, promitente comprador, cessionário
do imóvel, construtor, ou corretor imobiliário devidamente matriculado (GHEZZI, 2007, p. 72-73), e ao
que vier exercer essas duas últimas atividades terá o dever de informar os potenciais adquirentes das
unidades autônomas acerca de tal fato.
O contrato de incorporação imobiliária consiste em um complexo de ações a serem adotadas
pelas partes, sendo importante destacar as fases que normalmente estão presentes:
::: primeiro promove-se o estudo da viabilidade econômica do empreendimento após a escolha
do local em que o condomínio horizontal será erigido;
::: depois afere-se a possibilidade de restrições ao direito de construir e ainda a situação jurídica
do imóvel;
::: em seguida, realiza-se o registro da incorporação junto ao cartório competente.
Vale lembrar que, consoante dispõe o artigo 32 da Lei 4.591/64, o incorporador somente está
autorizado a negociar as unidades autônomas após ter arquivado, no Registro de Imóveis competente,
uma série de documentos, entre os quais, merecem destaque os seguintes:
a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de
direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel [...];
b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais
e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;
c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos
respectivos registros;
d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;
e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando cada tipo de
unidade a respectiva metragem de área construída;
f ) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for respon-
sável pela arrecadação das respectivas contribuições;
g) memorial descritivo das especificações da obra projetada [...];
h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, [...], discriminando-se, também, o custo de
construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;
i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;
j) minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações; [...]
k) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência;
l) atestado de idoneidade financeira [...];
m) declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais
destinados à guarda dos mesmos.
Salienta-se que, de acordo com o artigo 33 da lei analisada, “o registro da incorporação será válido
[sic, eficaz] pelo prazo de 180 dias, findo o qual, se ela ainda não se houver concretizado, o incorporador
só poderá negociar unidades depois de atualizar a documentação a que se refere o artigo anterior,
revalidando o registro por igual prazo”.
Destaca-se também que de acordo com o artigo 39 da lei em foco:
Art. 39.
Nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem cons-
truídas, deverão ser discriminadas em todos os documentos de ajuste:
I - a parcela que, se houver, será paga em dinheiro;
II - a quota-parte da área das unidades a serem entregues em pagamento do terreno que corresponderá a cada uma
das unidades, a qual deverá ser expressa em metros quadrados.
Afere-se aqui que o dever de informar oriundo da lei especial acaba por inspirar as regras sobre o
assunto previstas no CDC.
Outros deveres podem ser encontrados no artigo 43 da lei especial, ditando esse que:
Art. 43.
Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis,
mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:
I – informar obrigatoriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra;
II – responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos
prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão
das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for o caso e se a este couber a culpa;
[...]
IV – é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes
comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados
ou exigência legal;
V – não poderá modificar as condições de pagamento nem reajustar o preço das unidades, ainda no caso de elevação
dos preços dos materiais e da mão de obra, salvo se tiver sido expressamente ajustada a faculdade de reajustamento,
procedendo-se, então, nas condições estipuladas;
VI – se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-
-lhes excessivamente o andamento, poderá o juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne
a dar-lhes o andamento normal.
Destaca-se, diante da importância do assunto, que consoante prevê o artigo 65 da lei especial, é
crime promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público
ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do
terreno ou sobre a construção das edificações, conduta essa sancionada com “reclusão de um a quatro
anos e multa de cinco a cinquenta vezes o maior salário mínimo legal vigente no país”.
Uma vez concluída a obra, o incorporador deve ainda observar os seguintes passos: averbar a
construção perante o Registro Imobiliário; providenciar o “habite-se”; outorgar a escritura pública de
compra e venda aos adquirentes das unidades imobiliárias desde que o preço tenha sido pago e, por
fim, imitir os adquirentes na posse dos imóveis (GHEZZI, 2007, p. 84-100).
Salienta-se que consoante dispõe o artigo 48 da lei analisada, a construção dos imóveis que
são objeto de incorporação poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração
e poderá estar incluída no contrato com o incorporador ou ser contratada diretamente entre os
adquirentes e o construtor.
É importante destacar que os adquirentes dos imóveis em construção serão representados por
uma comissão de representantes, a ser composta por pelo menos três membros escolhidos entre
aqueles, comissão essa que deve agir de modo a preservar o que interessar ao bom andamento da
incorporação (art. 61). Assevera-se que a incorporação imobiliária é realizada normalmente sob duas
modalidades distintas.
Pelo regime de empreitada, que poderá ser ajustada por preço fixo ou reajustável, desde que os
índices sejam previamente informados, tanto nas minutas contratuais, como em qualquer publicidade
sobre a incorporação. Aqui, merecem ser destacados três pontos:
a) caso não sejam alienadas todas as unidades imobiliárias, o incorporador responde pelo
pagamento das unidades que não foram comercializadas (TOSCANO DE BRITO, 2002, p. 191);
b) havendo atraso na entrega da obra por fato imputável ao incorporador ou ao construtor,
ambos responderão solidariamente pelos danos causados aos adquirentes dos imóveis
(GHEZZI, 2007, p. 96);
c) as minutas dos contratos e toda a publicidade deverá conter o preço da fração ideal do terreno
e o preço da construção (Lei 4.591/64, art. 56).
Pelo regime de administração, também conhecida por incorporação a preço de custo, a respon-
sabilidade pelo pagamento do custo integral de obra recai nos proprietários e nos adquirentes das
unidades imobiliárias (TOSCANO DE BRITO, 2002, p. 215). Por esse regime, consoante dispõe o artigo
58 da Lei 4.591/64, as faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos referentes às transações ou
aquisições para construção serão emitidos em nome do condomínio dos contratantes da construção e
as contribuições dos condôminos para qualquer fim relacionado com a construção serão depositadas
em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos bancários, as quais
serão movimentadas pela forma que for fixada no contrato.
No que tange ao preço a ser pago nessa modalidade de incorporação, destaca-se que consoante
dispõe o artigo 60 da lei, as revisões da estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos
semestralmente, pela comissão de representantes e o construtor, salientando-se que o contrato
pode estipular que em razão de necessidades da obra sejam alteráveis os esquemas de contribuições
quanto ao total, ao número, ao valor e à distribuição no tempo das prestações. Aqui, como tem se
manifestado o STJ:
a responsabilidade pelo andamento, recebimento das prestações e administração da obra é dos adquirentes, condô-
minos, por intermédio da comissão de representantes, e não da incorporadora, parte ilegítima para figurar no polo
passivo de ação que visa à devolução de valores pagos por adquirente inadimplente. (REsp 679627/ES)
Em qualquer das modalidades de construção, destaca-se a doutrina que mister se faz à revisão dos
contratos que contenham cláusula prevendo “a cobrança de juros de acordo com a tabela price após a
conclusão das obras, pactuando-se, quando muito e de forma clara, apenas juros simples, transparência
essa que deve abranger, inclusive, o valor das parcelas futuras já acrescidas, além do preço total do
imóvel com o referido acréscimo” (SCAVONE JUNIOR, 1998, p. 136), sendo vedada a cobrança de juros
antes da imissão dos adquirentes na posse do imóvel cuja construção foi concluída.
É importante destacar ainda que os adquirentes das unidades imobiliárias também têm deveres,
entre eles, em especial, a obrigação de pagar as prestações devidas, haja vista que só serão imitidos na
posse de suas unidades se não estiverem em mora (art. 52).
Frisa-se, ainda, que o CDC revogou o artigo 63 da lei que rege as incorporações, pois não
é lícita a estipulação de cláusula resolutória expressa em detrimento do direito do consumidor.
Importante lembrar que a teoria do adimplemento substancial tem também importante papel
nessa modalidade contratual.
Por sua vez, caso o incorporador ajuíze ação visando à resolução dos contratos por falta de paga-
mento, além de ser assegurada a purgação da mora até o momento de contestar a ação (aqui incide o
princípio da conservação do negócio jurídico), o adquirente terá direito a ser reembolsado no valor que
pagou, descontadas apenas despesas administrativas, não prevalecera cláusula contratual dispondo
que a devolução dos valores pagos pelo compromissário comprador serão pagos de modo parcelado,
como tem decidido o STJ (AgRg, no Ag 774216), até porque tal cláusula configura-se como abusiva,
violando o disposto no artigo 51 inciso IV do CDC.
Por sua vez, parece que o disposto no artigo 67 da Lei 4.591/64 e que dita que os contratos
poderão consignar exclusivamente às cláusulas, termo ou condições variáveis ou específicas e que as
cláusulas comuns a todos os adquirentes não precisam figurar nos respectivos contratos, desde que as
minutas informem onde as cláusulas gerais estão transcritas, não prevalece diante dos princípios da
transparência e da boa-fé objetiva, expressamente consagrados no CDC, cuja aplicação aos contratos
de incorporação imobiliária não pode ser questionada, como tem decidido constantemente o STJ:
[...] os contratos de promessa de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades
imobiliárias, mediante financiamento, enseja relação de consumo sujeita ao CDC, porquanto a empresa enquadra-
-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da
incorporação imobiliária). (REsp 334829/DF)
Enfim, vale a pena destacar que importante inovação trazida para o direito brasileiro pela Lei
10.931/2004 trata do patrimônio de afetação, por meio do qual “o terreno e as acessões objeto de
incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apar-
tados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução
da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”
(Lei 4.591/64, art. 31–A), bens esses que só respondem por dívidas e obrigações vinculadas à incor-
poração respectiva.
Atividades
1. O corretor, para fazer jus à remuneração, precisa estar habilitado?
2. Em regra, quando o corretor cumpre sua obrigação e passa a ter direito a receber a remuneração
ajustada?
3. Se não for ajustado o valor do pagamento do corretor, como se resolve esse problema?
Para refletir
Por que teria sido criado o patrimônio de afetação?
Dicas de estudo
Os livros a seguir são referências obrigatórias para a adequada compreensão do assunto, princi-
palmente para quem trabalha no ramo imobiliário.
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do CDC e do Código Civil. São Paulo: RT,
2007.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CASES, José Maria Trepat. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. 8.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004
CHAVES, Antonio. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.
COLTRO, Antonio Carlos Mathias. Contrato de Corretagem Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2001.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do
Código Civil. São Paulo: RT, 2007.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o código
civil de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Cas-
tellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de
2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Os contratos imobiliários e a previsão de aplicação da tabela price: ana-
tocismo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 129-136, out./dez. 1998.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
TOSCANO DE BRITO, Rodrigo Azevedo. Incorporação Imobiliária à Luz do CDC. São Paulo: Saraiva,
2002.
Gabarito
1. Está autorizado a desempenhar a função de corretor, nos moldes do artigo 2.º da Lei 6.530/78,
aquele que seja “possuidor de título de técnico em transações imobiliárias”, salientando-
-se, entretanto, que os tribunais brasileiros não exigem tal habilitação, como se afere do
posicionamento do STJ, ao decidir que “a despeito de não inscrito no ‘Conselho Regional de
Corretores de Imóveis’, o intermediador faz jus ao recebimento da comissão de corretagem”
(REsp 87918/PR), e ainda que, em ação de cobrança de comissão de corretagem a ausência de
inscrição no órgão de classe é irrelevante (REsp 251676/GO).
2. Uma das grandes polêmicas que envolvem esse contrato encontra-se atada à questão da ulterior
desistência de uma ou de ambas as partes quanto à conclusão do contrato para o qual o corretor foi
incumbido de encontrar um interessado, ou mesmo, quando quem houver contratado o corretor
revogue a oferta após a aceitação do terceiro, situação que hodiernamente encontra solução no
artigo 725 do CC: “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado
previsto no contrato de mediação, ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento
das partes”.
Sobre o assunto, ensina José Maria Trepat Cases (2003, p. 116) que a comissão é devida com a
aproximação das partes, sendo inadmissível que no caso da venda de um imóvel, por exemplo,
o pagamento da remuneração ao corretor seja condicionado à assinatura da escritura definitiva,
uma vez que as partes já acordaram quanto aos pontos relevantes da alienação.
Ademais, “ainda que haja posterior arrependimento entre as partes ou não seja o acordo entre
elas levado a efeito, terá o corretor direito ao recebimento integral da remuneração” (CASES, 2003,
p. 116). Na mesma esteira, ao discorrer sobre o contrato de corretagem, Flávio Tartuce (2003,
p. 464) destaca que “o que se remunera é a utilidade da atuação do corretor ao aproximar as
partes e o respeito aos deveres que lhe são inerentes”.
Dessa forma, considerando-se que nos moldes do artigo 434 do CC, em regra, o contrato aperfei-
çoa-se no momento da aceitação, desde que haja a manifestação de aquiescência da parte que
teve ciência da proposta por meio do corretor. A missão deste estará cumprida e, consequente-
mente, deverá ser remunerado.
Enfim, aprovadas as propostas em cada uma das comissões de trabalho, normalmente por maioria
qualificada, essas se transformavam em Enunciados, que a nosso ver, devem ser entendidos como fonte
do direito enquanto doutrina coletiva, haja vista consubstanciarem-se na síntese do pensamento de
boa parte dos diversos civilistas presentes em cada um dos eventos.
É imperioso informar que em cada uma das Jornadas realizadas estiveram presentes juristas com
elevado conhecimento jurídico, especialmente por conta do valor atribuído ao evento por professores
de várias das melhores universidades do país, além de juízes, promotores e advogados com vasta expe-
riência, e que ademais, boa parte dos principais grupos de pesquisa em direito civil existentes no Brasil
se fez representar.
Por fim, ressalta-se que os Enunciados do CJF não podem ser confundidos nem com a lei, que
em regra emana de atos do Poder Legislativo, nem com a jurisprudência, fruto de decisões reiteradas
dos Tribunais, mas que nem por isso perdem sua importância, diante dos caminhos que pretendem dar
para os problemas que se apresentam quando da leitura do CC (Lei 10.406/02) e de suas conexões com
outros diplomas normativos, como é o caso do CDC (Lei 8.078/90) e da Lei de Locações (Lei 8.245/91).
O Enunciado aprovado sob o número 18 também merece ser destacado, haja vista que ao ditar que:
A quitação regular referida no artigo 319 do novo Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por
quaisquer formas de comunicação a distância, assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e praticar
atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes.
Essa diretriz hermenêutica atribui valor jurídico positivo aos comportamentos normalmente
adotados pelos parceiros negociais em suas relações cotidianas, bem como, respeita a confiança nascida
naquele que efetua pagamento por meio de depósito bancário ou outro meio similar de comunicação
a distância, que muitas vezes dificulta o ato de exigir quitação expressa do credor, liberando, por
consequência, o devedor que cumpre seu dever jurídico por qualquer das formas destacadas, das
obrigações outrora assumidas.
Outro Enunciado que tem papel importantíssimo é o de número 20, pois visa acabar com a polê-
mica sobre qual a taxa de juros que pode ser utilizada como parâmetro nos contratos pactuados entre
particulares.
Seu teor é o seguinte:
A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do art. 161, §1.º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1%
(um por cento) ao mês [e] a utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente
segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que
se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do artigo 591 do novo CC,
que permite apenas a capitalização anual dos juros.
Já o Enunciado 22, ao ditar que “a função social do contrato prevista no artigo do novo Código
Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas
úteis e justas”, acaba reforçando a ideia de que os contratos não podem impor obrigações despropor-
cionais para as partes que nele figuram e, desse modo, ratifica a possibilidade de revisão dos deveres
assumidos pelos contratantes quando for necessário reequilibrar os direitos e obrigações de cada uma
das partes na relação negocial.
Por sua vez, o Enunciado 23, ao determinar que “a função social do contrato [...] não elimina o
princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes
interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”, reafirma que
o poder outrora concedido como quase absoluto aos sujeitos de direito de regrar juridicamente seus
destinos a cada dia encontra-se mais limitado.
Interesse metaindividual deve ser compreendido como os interesses da coletividade, e pode ser
desrespeitado no caso de um contrato pactuado entre um fabricante de calçados e uma empresa de
publicidade, cujo resultado acabe estimulando comportamento antissocial a ser seguido por uma classe
etária ou econômica, como seria a hipótese de um comercial que estimula as crianças a queimarem os
calçados velhos, como também assim estaria enquadrada publicidade que valore positivamente o ócio,
a violência ou o excesso de velocidade ao volante.
A seu turno, a dignidade da pessoa humana é um valor recepcionado como mais importante pelo
ordenamento jurídico brasileiro, e seu desrespeito poderia ser detectado quando do desrespeito ao
pacote básico de direitos a que todo ser humano faz jus, são que os homens são diferentes, mas todos
têm dignidade e, desse modo, como em princípio todos deveriam ter direito à moradia, à alimentação,
à educação, a vestuário, a respeito à integridade psicofísica e a contratos que desrespeitem tais valores
devem ser analisados com muita cautela.
Também o de número 24 merece ser transcrito, pois ao ditar que “em virtude do princípio da boa-
-fé, positivado no artigo 422 do novo CC, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimple-
mento, independentemente de culpa”, reforça a importância de que sejam observados deveres como o
de informação, de segurança e de sigilo, sem que seja necessário, em muitas situações, que os mesmos
tenham sido expressamente ajustados pelas partes.
Belo exemplo de inobservância de dever lateral de conduta pode ser visto no julgamento do
caso em que certo empregador incidiu em comportamento contraditório, violando o dever lateral de
informação, na medida em que, ao criar plano de demissão voluntária, declarou também que outros não
serão efetuados, e que logo após, não tendo atingido o percentual de adesões esperado com o plano
antigo, lança nova proposta, com os mesmos requisitos da anterior, só que com maiores incentivos,
prejudicando o interesse de funcionário que, nesse contexto, não teria aderido ao primeiro plano
(TRT 4. RO 073.893.820.060.906-6).
Outra situação ilustrativa, buscada agora no Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS), está no caso em que
o comprador de um aparelho de ar-condicionado recebeu-o com defeito, tendo sido detectada falha na
operação das resistências e aquecimento da unidade vaporizadora, problemas esses que redundaram na
inundação do local em que fora instalado (Ap. Cível 70014928063). Nessa situação, os danos nasceram por
conta do bem ter sido entregue sem que funcionasse adequadamente, restando violado o dever lateral
de colaboração, no caso em tela, fonte do dever imposto ao fornecedor de entregar o objeto adquirido
em condições de uso e de assim mantê-lo durante o decurso da garantia, dever que uma vez cumprido de
forma apropriada, não ensejaria a inundação do local em que o eletrodoméstico fora instalado.
A seu turno, o Enunciado 25, ao dispor que “artigo 422 do CC não inviabiliza a aplicação, pelo
julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”, ratifica a importância de observância
de um comportamento leal não apenas durante o contrato, mas também quando da sua formação,
momento conhecido por fase de puntuação ou de tratativas, e mesmo após sua conclusão, cujo exemplo
no âmbito do CDC pode ser extraído no dever imposto ao fornecedor de manter peças de reposição
no mercado durante a produção dos bens que delas necessitam e, ainda, por prazo razoável após esse
mesmo bem deixar de ser produzido.
Vale a pena transcrever também o teor do Enunciado 26 que, ao determinar que “a cláusula
geral contida no artigo 422 do novo CC impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir
o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos
contratantes”, uma vez mais autoriza o juiz, quando provocado, a rever o conteúdo do contrato de modo
a reequilibrá--lo, ainda que para tanto precise preencher a lacuna deixada pelas partes.
Ato contínuo vale lembrar que por meio do Enunciado 27, ao ditar que o hermeneuta, no processo
de concreção da norma jurídica, “deve levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com
outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”, permite-se aferir que a tese do diálogo das fontes
é conhecida pelos estudiosos do direito privado, haja vista que como se afere, ao se interpretar o CC, o
operador do direito deve ter em conta os valores vigentes na sociedade e as regras contidas em outros
diplomas legislativos.
Ademais, ao se analisar o teor do Enunciado 30: “a disposição do parágrafo único do artigo 463
do novo CC deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros” constata-se que mais uma
dúvida que por muito tempo incomodou o direito pátrio acabou por ser suprimida, posto que o aludido
Enunciado dá a solução para o caso de desrespeito a regra do parágrafo único do artigo 463 do CC que
dita que “o contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente”.
Ocorre que em princípio, a eficácia de um negócio jurídico está limitada às partes contratantes,
porém, poderá estender-se vindo a atingir terceiros estranhos ao negócio, normalmente mediante a
observância à publicidade do ato (BETTI, 2003, p. 77).
No atual estágio do direito civil há de se refletir acerca da doutrina da tutela externa ou tutela
delitual o crédito (NORONHA, 2004, p. 464), que traz ao direito obrigacional a possibilidade de oponi-
bilidade erga omnes, ou seja, em relacão à qualquer pessoa, impondo-se a terceiros o dever jurídico de
não colaborar com a inexecução das obrigações pactuadas entre as partes (MENEZES CORDEIRO, 1986,
p. 263).
Assim, se de um lado os terceiros estão obrigados a respeitar as relações negociais entabuladas
pelas partes, por outro, se impõe que para tanto os mesmos devam ter ciência da existência das mesmas,
estado que se prova por meio da inscrição da minuta do contrato preliminar perante o Cartório de
Títulos e Documentos, ou se tratar de bem imóvel, perante o Cartório de Registro de Imóveis.
Por consequência, na hipótese dos contratantes deixarem de observar a devida inscrição da minuta
que instrumentaliza o pré-contrato, que é uma faculdade e não um dever como a leitura superficial da
aludida regra induz a pensar (VENOSA, 2002, p. 423), haverá ineficácia relativa, posto que o negócio
não produzirá efeitos em relação a terceiros, como ocorre também nas hipóteses da não notificação do
cedido na cessão de crédito ou na venda a non domino (AZEVEDO, 2002, p. 60).
princípios comuns, como se afere da análise do Enunciado citado que dita que “com o advento do CC de
2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o CDC no que respeita à regulação
contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.
Em verdade, o ideal não é mais perguntar somente qual o campo de aplicação do CC, quais são
seus limites e qual o campo de atuação do CDC e suas cercanias, mas visualizar que a relação de consumo
é ao mesmo tempo civil e especial (relação jurídica negocial de direito privado) e que, por conta disso,
é regida por uma lei geral a ser aplicada subsidiariamente e ao mesmo tempo por uma ou mais normas
especiais que tem por escopo a tutela do vulnerável enquanto titular de direitos fundamentais e, sob
esse prisma, ambos os diplomas legislativos citados serão invocados quando da criação da norma
jurídica que busca solucionar o caso concreto, dialogando, caminhando de mãos dadas em busca da
fiel observância dos mandamentos constitucionais (MARQUES, 2002).
O Enunciado 171, por sua vez, dirime outra dúvida, pois ao dispor que “o contrato de adesão,
mencionado nos artigos 423 e 424 do novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo”
atesta a possibilidade da existência de contratos por adesão no âmbito das relações jurídicas regradas
pelo CC e, por outro lado, admite que existam contratos de consumo que não sejam pactuados por
adesão.
Logo após, o Enunciado 172 ao ditar que “as cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas
relações jurídicas de consumo” acaba por reconhecer que tais cláusulas podem estar presentes também
nos contratos regidos pelo CC, haja vista que muito embora essa lei tenha sido elaborada para regrar
relações entre iguais, em inúmeras situações poderá ocorrer que um dos parceiros negociais esteja em
condição de inferioridade e venha a ser prejudicado por uma cláusula que lhe traga obrigação excessi-
vamente onerosa quando comparada com os deveres da outra parte na relação negocial.
O Enunciado 180 também é importante quando faz alusão à questão do aluguel sanção ou
aluguel pena, figura bastante conhecida no mercado de locação de bens móveis e a qual pode recorrer
o proprietário no caso de não devolução do bem no fim do prazo ajustado pelas partes na relação
locatícia, notificando o locatário acerca de novo valor a ser pago, quantia essa que é composta em parte
pelo valor do uso da coisa e parte como sanção pelo desrespeito ao contrato.
Vale destacar que o teor do Enunciado é o seguinte: “a regra do parágrafo único do artigo 575
do CC que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao
aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo artigo 582, 2.ª parte, do CC”.
imóvel locado antes do término do prazo entabulado pelas partes, dispondo que “o artigo 413 do CC é
o que complementa o artigo 4.º da Lei 8.245/91”.
Esse Enunciado deve ser complementado pelo Enunciado 359, que ao dispor que “a redação do
artigo 413 do CC não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percen-
tual adimplido”, autoriza o juiz a trabalhar de modo equitativo e não meramente matemático, promo-
vendo a justiça em cada caso concreto que seja submetido a sua apreciação.
Também merece ser destacado o teor do Enunciado 361, pois ao determinar que “o adimplemento
substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do
contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do artigo 475” acaba demonstrando a
recepção da teoria do adimplemento substancial pelo direito brasileiro, reforçando a necessidade de
sua observância e aplicação por todos os operadores do direito.
Enfim, o Enunciado 364 ao reconhecer que “no contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia
antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão”, tem por escopo a tutela do
aderente, normalmente vulnerável e, só por isso, já é merecedor de aplausos.
Atividades
1. Qual a importância dos Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil organizadas
pelo CJF?
2. De todos os Enunciados a que você teve acesso, qual deles lhe chamou mais atenção? Justifique
sua resposta.
4. Analisando seu cotidiano de trabalho, suas relações diuturnas com seus clientes e suas atividades
comerciais e pessoais preponderantes, é importante conhecer os Enunciados do CJF?
Dicas de estudo
Vale a pena analisar cada um dos enunciados do CJF:
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/Ijornada.pdf>.
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIjornada.pdf>.
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IVjornada.pdf>.
<http://mjcatalan.blogspot.com>.
Referências
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,
2002.
BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tomo II. Campinas: LZN, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002.
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil português: parte geral.
Coimbra: Almedina, 2000. MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Direito das Obrigações.
Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986. v. 1.
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São
Paulo: Atlas, 2002. v. 2.
Gabarito
1. Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal não podem ser confundidos nem com a lei, que
em regra emana de atos do Poder Legislativo, nem com a jurisprudência, fruto de decisões
reiteradas dos tribunais, mas que nem por isso perdem sua importância, diante dos caminhos que
pretendem dar para os problemas que se apresentam quando da leitura do CC (Lei 10.406/02) e
de suas conexões com outros diplomas normativos, como é o caso do CDC (Lei 8.078/90) e da Lei
de Locações (Lei 8.245/91).
3. O Enunciado 361, ao determinar que “o adimplemento substancial decorre dos princípios gerais
contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé
objetiva, balizando a aplicação do artigo 475” acaba demonstrando a recepção da teoria do
adimplemento substancial pelo direito brasileiro, reforçando a necessidade de sua observância e
aplicação por todos os operadores do direito.
Tem por principal efeito permitir a manutenção do contrato, vedando sua resolução.
Negócios Imobiliários
Marcos Catalan
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br