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A FUNÇÃO MORALIZADORA DO

ROMANCE EM PREFÁCIOS DE
ROMANCES NACIONAIS (1867-1877)
MARIA GABRIELLA FLORES SEVERO INTRODUÇÃO
(UFPA) 1
LORENA MENA BARRETO RODRI-
GUES (UFPA)2 Sabe-se que o surgimento do romance moderno costuma ser datado a partir de meados
do século XVIII. Sua ascensão ocorre primeiramente na Inglaterra, devido ao sucesso
de romancistas como Samuel Richardson, Daniel Defoee Henry Fielding. Muito em-
RESUMO
bora o romance fosse um gênero de significativa aceitação entre o público leitor há
No século XIX, os romances cum- muito, a partir do surgimento desses escritores, concomitantemente aos processos de
priam de forma mais eficaz o papel alfabetização em massa que se iniciam na Europa, um aumento do público leitor desse
de propagadores dos bons costumes gênero, impulsionado também pelo surgimento dos gabinetes de leitura que tornavam
se comparados aos guias de condu-
ta, uma vez que possibilitavam uma as obras acessíveis àqueles que não podiam comprar. Este acréscimo é discutido por
proximidade entre a realidade dos Ian Watt (2010), em sua obra A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson
leitores com as “vidas” dos persona- e Fielding:
gens. Ao se analisar os prefácios das
Depois de Richardson e Fielding o romance passou a
obras Lucíola (1862) e Diva (1864) de
José de Alencar; O culto do de- ter um papel de crescente importância no mundo lite-
ver (1865) e A misteriosa (1872) de rário. A produção anual de obras de ficção, que entre
Joaquim Manuel de Macedo; Marába: 1700 e 1740 girava em torno de sete, subiu para uma
romance brasileiro (1877) de Salva-
dor de Mendonça, percebe-se que os média de cerca de vinte nas três décadas posteriores a
autores buscavam atribuir uma função 1740 e esse número duplicou-se no período compreen-
moralizadora para seus romances, dido entre 1770 a 1800. (WATT, 2010, p. 310)
acreditando que isso valorizaria as
obras e atenderia a exigência da
crítica especializada, que considerava O sucesso crescente do romance moderno se deve a sua proximidade à vida do leitor
de fundamental importância que o gê- comum. Esse gênero, diferente daqueles prescritos pela poética clássica (tragédia, epo-
nero tivesse alguma utilidade para os peia e comédia) e da ficção antiga, propunha-se tratar das vivências de personagens
leitores. A partir da análise dos prefá-
cios apresentados buscou-se compre- comuns, que possuíam nomes próprios, viviam em ambientes conhecidos pelo leitor,
ender como os autores apresentavam em um período determinado da história. Todos esses elementos remetem a um termo
suas obras segundo os moldes da cunhado por Rembrant, e retomado por Ian Wat, o realismo.
moralidade, e como eles dialogavam
com a crítica e o público acerca dessa
Os historiadores do romance (...) consideraram o ‘re-
importante função. alismo’ a diferença essencial entre a obra dos roman-
cistas do inicio do século XVIII e a ficção anterior. (...)
PALAVRAS-CHAVE: Moralizadora; Como definição estética a palavra ‘réalisme’ foi usada
Romance; Prefácio
pela primeira vez em 1835 para denotar a ‘veritéhu-
1 - Bolsista PIBIC/FAPESPA do maine’ de Rembrant em oposição à ‘idéalitépoétique’
projeto O Grêmio Literário Portu- da pintura neoclássica (WATT, 2010, p. 10).
guês do Pará e os livreiros portugue-
ses(1867/1890),coordenadopelaprofa.
Dra.ValériaAugusti.gabriellafloress@ Porém, é importante assinalar que o termo realismo nada tem a ver com a escola li-
hotmail.com terária realista-naturalista, pois não se trata de retratar um lado obscuro da vida, mas
2 - lorena_brr@hotmail.com
apresentá-la de modo geral.
(...) Se este [romance] fosse realista só por ver a vida
pelo lado mais feio não passaria de uma espécie de ro-
mantismo às avessas; na verdade, porém, certamente
procura retratar todo tipo de experiência humana e não
só as que se prestam a determinada perspectiva literá-
ria: seu realismo não está na espécie de vida apresen-
tada, e sim na maneira como apresenta (WATT, 2010,
p. 11).

A proximidade do romance com a vida do leitor é decorrente do tipo de estruturação

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do enredo produzida por esse tipo de pro- e na literatura modernas (WATT, lo antes; eles também afirmaram
dução literária, pois enquanto os antigos 2010, p. 145). sua filiação épica em declarações
gêneros criavam personagens que re- introdutórias que eram não tanto
presentavam tipos humanos genéricos e Por essa e outras razões, leituras como análises acuradas de seu traba-
atuavam em cenários determinados pela essas passaram a ser consideradas “pe- lho como tentativas de aliviar a
convenção literária o romance moderno rigosas”, sobretudo se realizadas por própria ansiedade e a dos leito-
oferecia ao leitor personagens cujo des- mulheres, que segundo estudiosos com- res com relação à natureza não
tino era determinado não por interven- poriam a maioria do público leitor desse sacramentada do que se seguiria
ções do acaso, mas sim por uma relação gênero. Por azar daqueles que o temiam, no texto (WATT, 2010, p. 275).
de causalidade, fazendo desta última o o crescimento do público leitor feminino
motor do enredo. O romance moderno ocorreu de modo ainda mais abrangente Essa estratégia, utilizada por muitos au-
envolvia pessoas específicas, que possu- no século XIX, período em que iniciou- tores de romance, continuou a ser lar-
íam personalidades diversas e atuavam -se aquilo que costumamos chamar de gamente empregada até que se iniciasse
em situações e tempos peculiares, bem escola romântica. um discurso enobrecedor desse gênero,
delimitados pelo narrador: “Essa mu- Mulheres e estudantes formavam isto porque os escritores não queriam ser
dança na literatura foi análoga à rejeição a grande maioria do público dos malvistos por publicarem obras conside-
dos universais e à ênfase nos particulares escritores românticos. Mulheres radas de menor valor literário.
que caracterizam o realismo filosófico.” jovens e sonhadoras ainda tirani-
(WATT, 2010, p. 16) zadas pela mão de ferro do pater A segunda problemática enfrentada pelos
famílias, mas já vivendo as pri- romancistas modernos refere-se à função
Assim, é possível entender porque o meiras aventuras da libertação que o romance deveria ter para o seu pú-
romance moderno agradava grande par- – como a grande aventura espi- blico. Do ponto de vista dos homens de
te do público leitor desse período, pois ritual de ler. (...) A maioria das letras certamente não servia para formar
esse gênero permitia a identificação com leitoras, porém, identificava-se o estilo, tal qual ocorria com os gêneros
os personagens e o ambiente em que à personagem literária feminina clássicos, e tão pouco como caminho
viviam, de forma que os leitores reco- apenas como catarse: fuga da para a erudição. Por esse motivo, a fina-
nheciam nas histórias, características de realidade, sonho, evasão (MA- lidade da existência do romance passou
sua própria vida: “(...) o romance não CHADO, 2001, p. 39). a ser considerada a partir de sua capaci-
continha os elementos que restringiam a dade de servir como instrumento para a
identificação, e esse poder mais absolu- Os autores dos romances, então, se en- edificação da moral e os bons costumes,
to sobre a consciência do leitor tem uma contravam em uma situação adversa, associado á capacidade de deleitar.
relação com os triunfos e as degradações pois havia dois problemas de primordial Ainda que tenham escrito muito
do gênero.” (WATT, 2010, p. 213) importância em relação ao seu prestígio: sobre a forma de romance, os de-
seu total afastamento dos gêneros canô- fensores do gênero sabiam que a
Essa identificação do publico leitor com nicos, e seus conteúdos considerados im- principal objeção a que tinham
os romances nem sempre era bem vis- próprios para um público leitor cada vez de fazer frente vinha do campo
ta pela sociedade, pois essas narrativas mais ávido pelo gênero. moral. Uma das estratégias en-
muitas vezes apresentavam enredos que contradas foi recorrer ao prin-
tratavam das relações emocionais entre No que se refere à primeira problemá- cípio horaciano da mistura entre
homens e mulheres, dando ênfase à vida tica, os romancistas tentaram resolvê-la deleite e utilidade (miscuit útil
erótica dos personagens. aproximando ao máximo suas produções edulci). (ABREU, s.d, p. 5).
Madame de Staël associou a dos gêneros clássicos, principalmente da
ausência do romance entre os epopeia. Nesse sentido, Ian Watt observa Considerava-se, pois, que o romance
antigos ao fato de que o mundo que Fielding utilizou-se dessa estratégia, era capaz de moralizar divertindo o lei-
clássico, em grande parte por assim como muitos novelistas franceses tor, pois “teria a vantagem de ensinar
causa da posição social inferior do século anterior. sem que o leitor sequer se a percebesse”
das mulheres, deu relativamente Em 1742 o romance era um gê- (ABREU, s.d, p. 5). Por meio da identifi-
pouca importância às relações nero mal visto, e provavelmente cação do leitor com os personagens cujo
emocionais entre homens e mu- Fielding pensou que evocar o caráter moral considerava-se aceitável,
lheres. Certamente é verdade prestígio da epopeia o ajudaria a os leitores podiam se deixar conduzir
que a Antiguidade greco-romana conquistar para seu primeiro en- pelo caminho da virtude.
tinha pouca experiência do amor saio no gênero um interesse me- O romance seria uma espécie de
romântico tal como o concebe- nos preconceituoso por parte dos laboratório de existência, onde
mos e a vida erótica em geral litterati. Quanto a isso estava na o leitor veria explicitamente do
não possuía a importância e a verdade seguindo o exemplo dos que são feitas as pessoas, estuda-
aprovação que recebeu na vida novelistas franceses de um sécu- ria seu modo de agir, aprenderia

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quais são as atitudes recompen- ideais moralizadores era muito comum quim Manuel de Macedo uma grande
sadas e quais as punidas (...). Ao entre os romancistas ingleses, segundo ênfase à moral, demonstrando, inclusi-
sair da leitura, só lhe restaria as considerações de Ian Watt e Sandra ve, que mesmo a crítica especializada da
transpor esse aprendizado ao Vasconcelos, respectivamente, nas obras época atribuía valor às suas obras em vir-
mundo real (ABREU s.d, p. 6). A ascensão do romance: estudos sobre tude da preocupação pedagógica-moral
Defoe, Richardson e Fielding e Dez li- desse autor.
Dessa forma, o romance ocuparia uma ções sobre o romance inglês do século
função pedagógica, principalmente no XVIII, é possível buscar compreender se A presença do discurso de natureza mora-
que se refere às mulheres que não tinham essa prática era também comum entre os lizante não se dá apenas no texto literário
acesso à educação formal, mas não so- autores brasileiros do século XIX. tal qual, mas também nos prefácios das
mente; acreditava-se, pois, que os ideais obras, pois esse tipo de paratexto5 serviu
de moralidade poderiam ser atingidos O DISCURSO MORALIZADOR DO a funções diversas no que tange à discus-
por meio de suas leituras preferidas: os ROMANCE NA LITERATURA BRA- são teórica acerca do romance moderno.
romances. SILEIRA DE OITOCENTOS Esses prefácios (...) que discu-
Articulando e propagando um tem o novo gênero ocupam-se de
novo ideal de feminilidade e a Segundo Abreu (s.d), era possível ler ro- questões fundamentais como: a
ideologia da domesticidade, o mances no Brasil desde o inicio de oito- definição do gênero; os proble-
romance assume um papel edu- centos, pois a Impressão Régia, do Rio mas de forma e técnica; a dis-
cativo, nem sempre aceito e de Janeiro, já publicava romances estran- cussão sobre o conteúdo próprio
compreendido por aqueles que geiros editados no Brasil. Desse modo, ao romance; os problemas éticos
condenaram e detrataram pelos pode-se afirmar que o gênero já era pro- suscitados pelos enredos; a figu-
efeitos nocivos que imaginavam pagado em terras brasileiras, ainda que o ra do leitor; o papel do romancis-
que as histórias podiam ter sobre primeiro romance nacional date, segundo ta; a relação do romance com ou-
as mulheres (VASCONCELOS, a historiografia literária brasileira, do ano tros gêneros (ABREU, s.d, p. 2).
2002, p. 141 e 142). de 18434.
Nos prefácios, segundo o estruturalista
Pensadores como Madame Stael e Di- Logo, os leitores brasileiros passaram a francês Gérard Gennette (2009) em sua
derot atribuíam um caráter pedagógico- se identificar com os romancistas da ter- obra Paratextos Editoriais, vários podem
-moral ao romance moderno, porém de ra, e o sucesso desses autores tornou-se ser os destinadores, podendo ser o pró-
maneira diversa das obras de “literatura cada vez maior. prio autor do texto o mesmo do prefá-
prescritiva”3. Para ambos, o romance ti- A partir de meados da década cio, um personagem da narrativa ou uma
nha a capacidade de instruir de maneira de 1840 (...) concederam espaço terceira pessoa. No entanto, no que diz
dinâmica, de emocionar, de envolver o crescente ao ficcionista da terra, respeito ao presente artigo utilizar-se-á a
leitor na trama, já que os personagens cuja receptividade aumentou à nomenclatura autor para os ditos escrito-
desse tipo de narrativa mantinham estrei- medida que o público passou a res dos prefácios.
ta ligação com o real, a ponto de o leitor se interessar mais pelas coisas
identificar-se com aqueles de bom cará- do país e identificar-se com elas Em primeiro lugar é preciso observar que
ter e condenar aqueles de comportamento (MACHADO, 2001, p. 44 e 45). os autores costumavam dirigir-se expli-
vicioso. citamente ao público leitor nos prefácios
Ao ler alguns dos primeiros romances de suas obras, possivelmente prevendo a
Entendendo que a prática de inserção de brasileiros é possível perceber que eles simpatia que essa atitude poderia ocasio-
dão grande ênfase à moralidade, tratando nar. Além disso, nesses paratextos os au-
3 - Textos que circulavam no século geralmente de temas leves que traziam tores refletiam sobre sua prática de escri-
XIX que manifestavam a intenção alguma lição prescritiva em termos de ta e discutiam temas a respeito do gênero
de prescrever valores e padrões de valores e comportamentos. Provavel- romance. Em alguns desses prefácios do
conduta.
mente esse procedimento se dava por- século XIX também é possível encontrar
4 - A moreninha, do autor Joaquim
Manuel de Macedo. que os autores não desejavam angariar a discussões sobre a finalidade moralizado-
5 - Segundo o estruturalista francês antipatia da crítica, ao mesmo tempo em ra do gênero.
Gérard Gennette (2009) em sua obra que desejavam alcançar um número sig-
Paratextos Editoriais, esse tipo de
paratexto pode ser definido, segundo nificativo de leitores, de forma que não Ao ler alguns prefácios de romances bra-
sua estrutura, como: qualquer texto seria desejável desviar-se dos ideais de sileiros escritos no século XIX percebe-
que antecede a obra. Caso se localize romance propagados na época. -se a presença constante de um discurso
ao final dela, pode-se defini-lo como
de natureza pedagógica. Porém, talvez
posfácio. A despeito dessa diferença,
ambos pertencem à mesma categoria: Augusti (1998), em O romance como seja possível delimitar alguns autores que
a de paratexto. O prefácio, geralmen- guia de conduta: A moreninha e Os dois mais se identificaram com essa concep-
te, serve para tratar do texto que virá amores, percebe nos romances de Joa- ção segundo a qual a validade literária do
a seguir.

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gênero estava diretamente associada ao narrativa provavelmente escapasse aos ce, por possuir um caráter extremamente
seu caráter moralizante. Também é possí- padrões da boa moral, como o leitor o moralizador, não permite que o amor da
vel demarcar um período dos oitocentos confirmará ao lê-la, uma vez que se trata moça pelo rapaz fique evidente na obra.
em que esta reflexão tornou-se mais fre- da história de uma cortesã. Pode-se di- Esse fato faria dessa obra, na opinião de
quente na literatura brasileira. zer que o autor do prefácio preocupou- Machado de Assis, “um mau livro”.
-se com quem poderá ler a obra e com O dever é a primeira e a última
A pesquisa e leitura de prefácios de ro- o modo como será lida, pois se desculpa palavra do romance; é o seu pon-
mances brasileiros publicados entre 1862 com a senhora “se a fizer corar sob seus to de partida, é o seu alvo; cum-
a 1877, período em que o romance já cabelos brancos, pura e santa coroa de prir o dever, à custa de tudo, eis a
começa a ser considerado um gênero de uma virtude que eu respeito”(ALENCAR lição do livro. Estamos de acordo
maior valor, e, portanto, sua escrita não é apud SALES, 2003, p. 271), alertando-a com o autor nos seus intuitos mo-
mais tão menosprezada, tornou possível sobre o conteúdo do romance. rais. Como os realiza ele? Sacri-
perceber que importantes autores como ficando a felicidade de uma moça
Joaquim Manuel de Macedo e José de No prefácio AG.M. do romance Diva, o no altar da pátria; uma noiva que
Alencar se valiam com frequência do autor do prefácio afirma que a mesma se- manda o noivo para o campo de
discurso moralizador nos prefácios de nhora do prefácio de Lucíola “pode sem honra; o traço é lacedemônio, a
suas obras. escrúpulo permitir a leitura [da obra] a ação é antiga (ASSIS, 1886, p. 2).
sua neta”, (ALENCAR apud SALES,
Tendo isto em vista, foram analisados os 2003, p. 277). Essa declaração possivel- No prefácio A modo de prólogo, da obra
seguintes prefácios que serviram de fon- mente é decorrente do entendimento do A misteriosa é apresentada a história de
te de pesquisa para a escrita deste artigo: autor de que a obra está de acordo com um jovem que pede ao autor para que
I de Lucíola (1862) e A G.M. de Diva a moralidade, pois o romance narra a escreva um romance contando a sua
(1864) de José de Alencar; Prólogo de O história de uma jovem que inicialmente aventura amorosa como forma de peni-
culto do dever (1865) e A modo de pró- despreza o amor de um rapaz, mas no tência. A obra narra história de um rapaz
logo de A misteriosa (1872) de Joaquim final arrepende-se, e aceita o seu amor. que compete com outro, orgulhosamen-
Manuel de Macedo; e Ao leitor de Mará- Ao se estabelecer uma relação entre te, pelo amor de uma mulher misteriosa,
ba: romance brasileiro (1877) de Salva- esse prefácio e o de Lucíola, como o faz mas que ao final descobre que essa com-
dor de Mendonça. o autor, percebe-se que o tema de Diva petição fora em vão, pois a mulher era
não escandalizaria a senhora ou a moça, uma idosa de setenta anos. Desse modo,
A partir de bases teóricas a respeito da assim como ocorreria no primeiro caso, o próprio Macedo atesta que mesmo “dos
presença do discurso moralizador acer- razão pela qual não merece advertência mais simples casos se pode recolher li-
ca do romance, foram estudados os pre- do autor quanto aos possíveis perigos ou ção” (MACEDO apud SALES, 2003, p.
fácios, com o intuito de perceber como restrições a sua leitura. 329), pois nessa situação entende-se que
os autores se utilizavam de argumentos não se deve guiar-se pelo orgulho, pois
retóricos para convencer seus leitores de No prefácio da obra O culto do dever, costumeiramente os que assim agem não
que sua obra tinha uma função pedagógi- denominado Prólogo, o autor afirma que obtêm bons resultados.
ca. Assim sendo, a seguir será realizada acredita ser possível encontrar na narra-
a análise dos prefácios6 acima referidos, tiva uma sublime lição: a lição do dever. No prefácio Ao leitor, da obra Marába:
assinalando sua dimensão moralizadora. Também afirma que “ninguém espera romance brasileiro, percebe-se um dis-
encontrar nela nem o delírio das paixões, curso oposto aos prefácios anteriores,
O autor do prefácio I de Lucíola se di- nem fatos extraordinários e sucessos sur- pois o próprio autor afirma: “não tem em
rige a uma senhora de idade avançada e preendentes que arrebatam a imagina- mira propagar, reformar, emendar, nem
explica-lhe porque não lhe havia contado ção ou enredam o espírito” (MACEDO ao menos discutir [...]. Aspira, quando
pessoalmente a história que será narrada apud SALES, 2003, p. 279). Percebe-se, muito, a que o leiam com deleite e nobre
a seguir. Ele justifica sua decisão a esse portanto, que o autor tem a intenção de emoção” (ibdem, p. 367). Assim, presu-
respeito alegando que na ocasião havia enfatizar o fato de a obra não represen- me-se que o autor considera que outras
uma moça no salão, neta da senhora, de tar perigo algum ao leitor no sentido de questões, que não sejam a emoção, são
forma que seu relato poderia profanar escapar à abordagem do domínio das estranhas à arte, inclusive as questões de
a inocência da jovem. Ao afirmar isso, paixões. Segundo crítica de Machado de ordem moral.
o autor dá a entender que a temática da Assis, intitulada J.M. de Macedo: O culto Ainda nesse prefácio, encontra-se a car-
do dever, a obra teria por enredo “o nobre ta de seu amigo, José de Alencar, que o
sacrifício de uma moça que antepõe o in- felicita pelo romance e também o alerta
teresse de todo ao seu próprio interesse, para o fato de que receberia críticas da-
6 - Os prefácios presentes neste arti-
go foram extraídos da tese A palavra o coração da pátria ao seu próprio cora- queles que consideram “que o autor não
e sedução: uma leitura dos prefácios ção”. (ASSIS, 1866, p. 2). Machado de seja o próprio, mas um títere do censor”
oitocentistas (1866-1881) da Profª. Drª. Assis assinala também que esse roman- (ibdem, p. 368). José de Alencar critica a
Germana Maria Araújo Sales.

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postura daqueles que ele chama de peda- material de destino escolar (AU- dar do vulgo lhe ditará a norma
gogos, pois considera que “a inspiração é GUSTI, 2006, p. 61). de escrever (MENDONÇA apud
também uma natureza; e carece de toda SALES, 2003, p. 368).
espontaneidade” (ibdem, p. 368). Porém,
percebe-se que José de Alencar também Ao estudar a recepção crítica contem- Portanto, o autor abstém-se de escrever
tem um discurso favorável a moral, quan- porânea a esses autores, Augusti (2006) um romance segundo os moldes concebi-
do diz que há um episódio do romance percebe que a função moralizadora foi dos como aceitáveis o que, por consequ-
em que há um belo desenho de costumes, um dos elementos que promoveram a ência, pode ter-lhe dificultado o sucesso
neste caso o da personagem d. Florinda. aceitação de Joaquim Manuel de Macedo junto aos leitores. Salvador de Mendonça
Contudo, afirma que o autor não desen- e José de Alencar junto à crítica especia- afirma, no prefácio de sua obra, que não
volveu bem a situação, diferente do que lizada, que os promoveu à condição de deve se curvar a um gosto popular para
ele faria se tivesse igual oportunidade. autores de excelência, passíveis de figu- agradá-lo, pois pretende agradar a outro
Tal consideração parece evidenciar o fato rar no cânone da literatura brasileira. tipo de público, a seu ver muito mais re-
de José de Alencar conhecer a fórmula Ao contrário de Fernandes Pi- finado.
do romance, sabendo como agradar ao nheiro, que havia feito do aspec-
público e à crítica, motivo pelo qual vê to moral o principal critério de É possível que Salvador de Mendonça
na poucaênfase à moral um insucesso. avaliação das obras, Wolf fizera adote essa postura porque a essa época,
Talvez por isso afirme logo em seguida da nacionalidade a principal por volta de 1870, já havia emergido um
“aperto-lhe, pois cordialmente a mão. In- chave de construção do corpus novo discurso acerca das obras de natu-
felizmente o tempo é de indústria e não canônico ficcional. Contudo, tan- reza literária, segundo o qual, se o autor
de arte.” (ibdem, p. 368). to um quanto outro consideraram quisesse somente agradar ao público lei-
os aspectos formais da narra- tor, a fim de que suas obras fossem alta-
É interessante notar que José de Alencar, tiva pouco importantes para o mente vendidas, ele seria um mau escri-
apesar de atribuir certo mérito ao roman- processo de seleção das obras: tor. Passava-se a acreditar, portanto, que
ce de Salvador de Mendonça, considera para ambos a dimensão estéti- a intenção do autor ao escrever uma obra
que a função moralizadora poderia tornar ca da produção ficcional desses deveria ser puramente artística e não co-
sua obra mais agradável ao público e à autores foi submetida, em ordem mercial.
crítica. Desse modo, é possível notar que de importância, a critérios que
os autores, de modo geral, costumavam tinham suas raízes em dimensões Augusti (2006) salienta que José de
procurar atender a um discurso propaga- externas à narrativa, quais se- Alencar, porém, discorda desse tipo de
do pela crítica especializada, a fim de ter jam: a moralidade da narrativa e opinião. Isto fica evidente no prefácio
sucesso em suas obras, para que as mo- a representação da realidade na- do romance Sonhos d’ouro, denomina-
ças pudessem ler e não lhes ruborizar a cional (AUGUSTI, 2006, p. 59). do Benção paterna, no qual ele defende
fronte. a valorização da profissão de escritor e a
Portanto, percebe-se que o caráter mo- legitimidade de obter ganhos pecuniários
CONSIDERAÇÕES FINAIS ralizador de um romance era de suma com a escrita.
importância nesse período histórico para
Dos autores aqui estudados pode-se afir- que determinado autor agradasse ao pú- Parece evidente que os autores Joaquim
mar que dois deles alcançaram grande blico e à crítica. E tanto Joaquim Manuel Manuel de Macedo e José de Alencar
sucesso junto ao público leitor de sua de Macedo e José de Alencar se adequa- conseguiram aliar duas competências
época, e costumavam receber boas críti- vam a esse discurso. Por isso, ao se esta- primordiais para o alcance do sucesso:
cas dos leitores especializados: Joaquim belecer a relação entre esses dois roman- uma boa escrita, e a adequação aos mol-
Manuel de Macedo e José de Alencar. Va- cistas de sucesso e o escritor Salvador des de feitura do romance romântico de
léria Augusti (2006), em sua tese de dou- de Mendonça, é possível supor o porquê seu período, uma vez que suas narrativas
toramento Trajetórias de consagração: deste último não ter conseguido ser um combinavam os elementos característi-
discurso da crítica sobre o Romance no romancista aclamado. Segundo Augus- cos do romance inglês e os adequavam
Brasil oitocentista, afirma que Joaquim ti (2006), o autor em sua obra Marába: à sua realidade brasileira. Em suma, am-
Manuel de Macedo e José de Alencar, em romance brasileiro(1877) estava preo- bientavam suas obras em solo brasileiro,
1870, já haviam se consagrado entre o cupado em alcançar um tipo de publico criavam personagens em grande medida
público e a crítica literária. restrito: os homens de letras. passíveis de provocarem identificação
Joaquim Manoel de Macedo e Não repetirá aqui a palavra de entre parcelas da população brasileira,
José de Alencar haviam publica- um bom espirito: “o direito do e atentavam para a moralidade de suas
do vários romances, em virtude público vai quando muito até ao narrativas.
dos quais tinham se consagrado ponto de ler-nos”; mas acrescen-
entre o público leitor e a crítica tará por conta própria que em É claro que houve muitos outros roman-
literária, figurando, inclusive, em tempo algum o depravado pala- cistas nos oitocentos que tentaram “beber

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REFERÊNCIAS da mesma fonte”, mas é sabido que muitos não obtiveram o mesmo sucesso. Essa é
uma discussão que talvez esteja longe de terminar: como um determinado escritor que
ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, vive em um mesmo período histórico, partilhando de uma mesma estética consegue
Nelson; VASCONCELOS, Sandra; participar do cânone da literatura, enquanto outros permanecem no anonimato?
VILLALTA. Luiz Carlos. Caminhos
do romance no Brasil: séculos XVIII
O que é possível perceber é que por vezes o sucesso de um escritor entre o público
e XIX. Disponível em: <http://www.
caminhosdoromance.iel.unicamp.br/>. leitor de sua época nem sempre coincide com o seu sucesso entre os litterati. Ainda
Acesso em: 20/10/2012. que esses autores tenham sido de grande importância para grandes parcelas do público
leitor no período em que viveram nem sempre conseguem ser consagrados pela crítica
ALENCAR, José de. Lucíola. I In:
SALES, Germana Araújo. Palavra e especializada.
sedução: uma leitura dos prefácios (...) há um sem-número de escritores marginalizados,
oitocentistas (1826-1881). Tese de ou simplesmente esquecidos, cujo esforço e contribui-
Doutorado. Campinas, SP:[sn], 2003.
______. Diva. A.G.M. In: SALES, Ger-
ção foram fundamentais para consolidar e transmitir a
mana Araújo. Palavra e sedução: uma nova forma, seja pela renovação, seja pela repetição.
leitura dos prefácios oitocentistas Esses romancistas de “segundo time” (...) têm impor-
(1826-1881). Tese de Doutorado. Cam- tância porque permitem entender melhor o processo de
pinas, SP:[sn], 2003.
constituição do gênero (ABREU, s.d, p. 21).
ASSIS, Machado de. J.M. de Mace-
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E CULTURA - UNAMA N. 1 2013 ISSN 1517-199x


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