A autora do artigo Clarice Lispector: Odisséia às avessas desenvolve relações
existentes entre a obra da escritora brasileira - Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres -, o canto XII da Odisséia de Homero e o mito de Eros e Psiché. Durante o andamento do artigo, Teresinha V. Zimbrão da Silva recorre a citações de especialistas para aprofundar sua linha de raciocínio que liga a obra de Homero e o mito em questão ao romance contemporâneo de Clarice Lispector. Em um primeiro momento, deparamo-nos com a seguinte questão: Por que é possível uma associação entre a obra de Clarice e dois textos da antiguidade? Esse tipo de questionamento se torna comum, pois as obras citadas anteriormente são extremamente diferenciadas em relação ao tempo. Os nomes dos protagonistas do livro de Clarice Lispector pressupõem de imediato uma relação com as personagens da Odisséia durante o canto XII, isto é, Ulisses sendo professor de filosofia na primeira obra e o guerreiro grego na segunda. Há também Lori, personagem chave do romance da autora ucraniano-brasileira, cujo nome remete as sereias que aparecem na obra de Homero. A ligação presente apenas nos nomes já é um aspecto do artigo que faz sentido e com o qual a autora inicia sua análise. Após o primeiro elemento de ligação entre as obras trabalhadas no artigo, apresenta-se, então, um aspecto mais profundo, ou seja, como os contextos podem ser interligados? A autora, em busca de exemplificar ainda mais suas ideias, usufrui de algumas referências do especialista em mitologia grega: Junito Brandão. A partir de então, temos uma apresentação da definição de sereias. Estas representam o amor não humanizado, carnal e levado ao extremo da fantasia, isto é, o aspecto banal e inconsciente do sentimento amoroso. O que é coerente com o que acontece no canto XII de Homero, quando Ulisses consegue resistir aos cantos afrodisíacos e sensuais das sereias durante sua viagem de volta a Ítaca. O mito de Eros e Psiqué representa a transformação do amor inconsciente naquele consciente, que não possui mais o aspecto divino e utópico. É uma tarefa irrealizável se dois indivíduos não se dispõem de estar sintonizados humanamente, sem interferências de sentimentos apenas carnais e que objetificam a pureza do amor. É nesse instante que reside a lógica comparação entre o processo de humanização do sentimento amoroso com a grande viagem pessoal, sentimental e psicológica que Lori, no romance de Clarice Lispector, realiza sob a influência de Ulisses. Apesar de o professor resistir aos encantos de Lori, ele, consciente de si, desperta nela uma busca de si mesma, isto é, Lori se vê em frente de uma proposta de transformação pessoal, levando-a a ser seduzida pelo filósofo. A autora do artigo se expressa logicamente ao concatenar os textos envolvidos no artigo, e é por essa razão que se pode nomear o romance como “odisseia às avessas”, pois é Lori que, atraida pelo professor, empreende uma caminhada em busca de sentir o amor humano. A presença constante de fragmentos do romance no artigo dá veracidade aos raciocínios desenvolvidos pela professora Teresinha V. Zimbrão da Silva, pois auxiliam no encadeamento das conclusões dela. Em dado momento do artigo, a autora explicita o sofrimento durante a “odisseia às avessas” que Lori percorre. Esse momento crucial para a personagem explica a necessidade de estar separada de Ulisses para que o reconhecimento de sua própria identidade e de seus desejos seja puro e eficaz. Surgi, assim, uma questão: A distância provocada pela odisseia de Lori não parece paradoxal? Ao mesmo tempo que Lori quer encontrar seu amor imediatamente, ela sente que precisa de mais tempo para assegurar de que ela se encontra inteira e consciente de seus próprios sentimentos, levando ao aspecto contraditório. Essa odisséia sentimental e psicológica de Lori representa, assim, um ato contra a vulgarização do sentimento amoroso. O aspecto do contexto moderno, no qual Clarice insere características da obra de Homero, revela a necessidade de se encontrar humanamente para se amar primeiro e, em seguida, poder amar outrem. Essa conclusão nos remete à insistência e força de Ulisses, na Odisséia, para chegar ao seu objetivo: reencontrar em sua terra natal quem ele realmente ama, ou seja, Penélope.