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— Boa noite, sr. Morgan, sou o doutor Groopman, seu novo residente.
— O nome “doutor Groopman” ainda me soava estranho, mas estava impresso
no crachá preso ao meu jaleco.
William Morgan era descrito na ficha como “um afro-americano de 66 anos
de idade”, com hipertensão difícil de controlar com medicamentos. Tinha sido
internado no hospital dois dias antes, com dores no peito. Busquei em minha
enciclopédia mental o fato de que os afro-americanos têm um alto índice de
hipertensão, que pode ser agravada por hipertrofia cardíaca e insuficiência re-
nal. A primeira avaliação na emergência e os exames de sangue e o eletrocardio-
grama posteriores não indicaram angina, dor provocada por obstrução da
artéria coronária. O sr. Morgan apertou minha mão com força e sorriu:
— Primeiro dia, hein?
Fiz que sim.
— Vi em seu prontuário que o senhor é carteiro. Meu avô também traba-
lhou nos Correios — disse.
— Carteiro?
— Não, ele separava correspondência e vendia selos.
William Morgan me disse que tinha começado assim, mas que era um “tipo
inquieto” e se sentia melhor trabalhando do lado de fora que internamente,
mesmo no pior clima.
— Entendo o que quer dizer — respondi, pensando que naquele exato
momento, sozinho, encarregado de um andar cheio de pessoas doentes, eu
também preferiria estar do lado de fora. Informei ao sr. Morgan sobre as ra-
diografias feitas mais cedo naquele dia. As radiografias gastrointestinais não
tinham revelado nenhuma anormalidade no esôfago ou no estômago.
— Bom saber disso.
Eu estava prestes a me despedir quando o sr. Morgan deu um pulo na cama.
Seus olhos se arregalaram. Seu queixo caiu. Seu peito começou a arfar violen-
tamente.
— O que há de errado, sr. Morgan?
Ele sacudiu a cabeça sem conseguir falar, arfando desesperadamente.
DECISÕES DE CARNE E OSSO 41
Senti o peso das fichas no bolso. Apenas conceitos A quando estudante, fingin-
do ser médico. Agora, no mundo real, me dei um F.
Forcei-me a cumprir minhas obrigações durante o resto da noite: conferir o
nível de potássio de um paciente com diarréia; ajustar a dose de insulina para
um diabético com nível de glicose no sangue alto demais; pedir a transfusão de
duas bolsas de sangue para uma mulher idosa com anemia. No intervalo das
tarefas, meu pensamento retornava ao que tinha acontecido com o sr. Morgan.
Nas palestras de fisiologia da faculdade eu tinha aprendido as importantes
fórmulas de desempenho cardíaco e troca de gases nos pulmões; na aula de
farmacologia, a ação de vários medicamentos no músculo cardíaco. Nas rondas
com os pacientes tinha passado horas auscultando os corações. Mas não tive
nenhuma idéia do que estava ouvindo no peito do sr. Morgan, nem do que
fazer com isso. Minhas notas altas eram sem sentido. O comitê de seleção do
MGH tinha cometido um erro me aceitando como residente. Após todos os
anos de preparação, acabei com uma cabeça vazia e meus pés presos no chão.
Felizmente, o restante da noite foi sem incidentes. Três pacientes foram in-
ternados, mas nenhum deles estava muito doente, e a maior parte da avaliação
tinha sido feita na emergência antes da transferência para a ala Baker. Por volta
das 3 horas da manhã telefonei para o centro cirúrgico. Soube que o dr. Mor-
gan tinha sobrevivido a uma cirurgia cardíaca aberta, com uma prótese valvar
firmemente colocada no lugar. Meus ombros despencaram de alívio.
queixando de dor torácica que tem piorado ao longo das semanas. A primeira
avaliação descartou angina. No terceiro dia de internação, ele tem insuficiência
respiratória aguda.” O médico então daria mais detalhes sobre o sr. Morgan
— seus níveis elevados de pressão arterial, os medicamentos que não consegui-
ram controlar o quadro anteriormente — e nos conduziria por uma análise de-
talhada do problema. Primeiramente, a queixa principal, no caso, insuficiência
respiratória aguda. Em segundo lugar, a história da doença, com angina tendo
sido descartada. Em terceiro, a história patológica pregressa, especialmente hi-
pertensão não controlada. Quarto, o exame clínico. Nesse momento, o médico
falaria sobre o que estava sendo ouvido pelo estetoscópio: sons de respiração
descritos como roucos, indicando fluido nos pulmões; outra bulha cardíaca,
um “S3”, indicando insuficiência cardíaca; e o sopro do tipo crescendo-decres-
cendo da insuficiência aórtica — sangue sendo bombeado através do ventrícu-
lo esquerdo para a aorta, mas depois escorrendo novamente para o coração.
Mãos se ergueriam na sala com alunos apresentando suas idéias sobre o
que havia de errado. Nosso mentor receberia as hipóteses e as escreveria no
quadro, criando um “diagnóstico diferencial”, uma lista de possíveis causas de
falta de ar súbita em um homem com aquela história clínica e aqueles achados
físicos. A partir desse diagnóstico diferencial ele apontaria a resposta certa e
depois relacionaria as medidas adotadas para restaurar as funções respiratória
e cardíaca até o paciente ser submetido a um bypass* cardiopulmonar na sala
de cirurgia.
Nos dois últimos anos de faculdade, quando vimos pacientes em rondas
hospitalares, o médico responsável preparou para nós uma estratégia intelec-
tual semelhante. Ele nos conduzia em uma análise serena, objetiva e linear das
informações clínicas e de como tratar o problema.
Mais à frente iremos estudar como a heurística serve de base para todo o
raciocínio médico amadurecido, como ela pode salvar vidas e como também
pode levar a graves erros na tomada de decisão clínica. Mais importante: os
atalhos corretos precisam ser utilizados na temperatura emocional ideal. O
médico precisa estar consciente de qual heurística está utilizando — e como
seus sentimentos internos podem influenciá-la.
Os efeitos dos sentimentos internos de um médico em seu raciocínio não
merecem atenção na formação médica e nas pesquisas sobre tomada de decisão.
“A maioria das pessoas supõe que a tomada de decisão médica é um processo
objetivo e racional, livre de emoções”, disse-me Pat Croskerry. Na verdade, é o
contrário. O quadro interno do médico, seu nível de tensão, age e influencia
fortemente suas análises clínicas e suas ações. Croskerry falou da lei de Yerkes-
Dodson sobre desempenho de tarefas, desenvolvida por psicólogos estudando
habilidade psicomotora. Ela é representada por uma curva em forma de sino.
O eixo vertical representa o “desempenho” da pessoa, e o eixo horizontal,
seu grau de “estímulo” — ou seja, o nível de tensão determinado por adrenalina
e outras substâncias químicas relacionadas com o estresse. Antes da elevação,
na base do sino, há pouca ou nenhuma tensão. “Você quer estar no auge, onde
você pensa e se comporta da melhor forma”, disse Croskerry. Ele batizou esse
ponto de “ansiedade produtiva”, um nível ideal de tensão e ansiedade que torna
a mente concentrada e provoca reações rápidas.
nuto, Stan parou de respirar. Os alunos pediram ajuda para uma ressuscitação
cardiorrespiratória.
Felizmente, Stan não é um paciente de verdade, a despeito da textura macia
de sua pele, do timbre verdadeiro de sua voz e da pulsação em seus braços. Ele é
um manequim de alta tecnologia. Pode ser programado para apresentar a fisio-
logia normal ou os sinais de diversas doenças, e a responder de forma autêntica
aos tratamentos. A dra. Nancy Oriol, diretora da Faculdade de Medicina de
Harvard, disse que os três alunos daquele dia eram iguais a todos os outros
novatos que tinham cuidado de Stan: nenhum dos grupos conseguiu oferecer
o diagnóstico correto. A pressão arterial de Stan estava caindo porque ele tinha
pancreatite aguda. Os alunos não conseguiram dar a ele o tratamento correto
para essa condição, e não pediram os tipos e os volumes certos de líquidos in-
travenosos para aumentar sua pressão arterial. Em reação aos gritos de dor de
Stan e a seus pedidos de que algo fosse feito, vários estudantes injetaram uma
dose de morfina, provavelmente letal.
— O que aconteceu com você, Jerry, no quarto do sr. Morgan, foi o que
aconteceu aos estudantes com Stan — disse a dra. Oriol. — Foi como se tudo o
que você aprendera na faculdade tivesse sido apagado.
As simulações com Stan são concebidas para funcionar como uma ponte
entre o aprendizado analítico em sala de aula e o reconhecimento de padrão
apresentado no alto da curva de Yerkes-Dodson. Mas, como Oriol e outros
admitem, continuará a chegar o momento em que o aprendiz não poderá mais
ser um aprendiz, quando ele será a pessoa que terá responsabilidade por um
paciente vivo, que respira e tem necessidades.
O estímulo extremo surge não apenas naquele primeiro encontro com um
William Morgan, mas durante todo o período como residente. Durante essa
formação, jovens médicos paulatinamente aprendem como se afastar do limite
da curva de Yerkes-Dodson na direção de pontos de desempenho eficiente.
Meu grupo de residentes fez isso, como os residentes ainda fazem, principal-
mente seguindo a máxima “Veja um, faça um, ensine um”. No pronto-socorro, na
unidade de tratamento intensivo ou nas enfermarias, você viu “um”, que pode
48 COMO OS MÉDICOS PENSAM