A certeza de que o Gengibre estava fora, para além da Universidade, é a única que o tempo não

varreu de minha memória, afinal, foi pedalando para São José do Triunfo, ao lado de Hiroshi, que
este “bom encontro” se deu. Digo se tratar de um “bom encontro”, pois ali a diferença, entre cada
um dos membros, o congado, e entre todos estes e eu, era vivida em seus próprios, inteira e
produtiva. Era na diferença que nos arranjávamos feito rizoma. Se na época pouco compreendi do
conceito, creio que o apreendi nas práticas do grupo: não se tratava de uma professora (um tipo de
sujeito) e seus alunos (sujeitos menores) a “investigar” um objeto (o povo do Congado). Tratavam-
se de sujeitos enredados uns aos outros agindo e pensando juntos no mundo. Raízes, ramos e brotos
entrelaçados, sem fora, nem dentro. E esse modo associativo específico é uma das lembranças mais
ativas daquele tempo.

O que também não posso esquecer é a completude que sentia ao ver aqueles homens e mulheres
negras, esbanjando em cores, em afetos, reverências, movimentos. Eu que nem me sabia uma
mulher negra, à época, diante daquela ancestralidade, não era ao passado que eu voltava, sentia
mesmo que o presente se fazia pleno. A sabedoria e toda a beleza do povo negro, outrora
sequestrado de suas terras, encontrava na tradição do Congado, e no encontro com os Gengibreiros,
outra maneira de ser e estar no mundo. Num mundo que é sempre do outro, eles sabem, mas onde se
deve viver com alegria, eles nos ensinam.

Eu que me via às voltas em tanto desencanto, encontrei no Gengibre alguma espécie de felicidade –
desconhecida, inesperada, e talvez, por isso mesmo, tão intensa. E embora, ainda não houvesse
formulado assim, penso que o caminho que segui desde então, na antropologia, e na busca
incessante pela alteridade, possa ser pensando como uma atualização desse devir gengibreiro, tecido
no bom encontro com o outro e a diferença. Mais que aos fatos e às palavras, ligo-me àquele tempo
pela força de seus afetos, ideias e movimentos. Gengibre: pura potência.

Com gratidão e carinho,

Ellen