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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL


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-- Prof. José Çarlos Kõche
}- .
Pré-Rcitom de .(\çiiOComunitária:
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~ I
. /f
7. Pró-Reitor Administrativo: d'iá[ogos com a literatura infantil. ejuuenii
Prof. Nestor Basso
r
Pró-Reitor de Finanças:
Prof. Enestor José Dallegrave

Chefe de Gabinete da Rcitoria., I


Profa. Olga Araujo Pcrâzzoló

Coordenador da Edites:
Rena to Henrichs
I
1
!
2
y 1
J CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS

j Profa. Dra. Heloísa Pedroso de Mor~es FeItes (Presidente)


Prof. Dr. Jayme Paviani
. ~ Profa. Dra. Margarete Axt .
Prof. Dr. Luiz Carlos Bombássáro
-----...... Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza

I
Q)

j EDUCS

.•..
o papel da
ilustração
na leitura do livro infantil'
Flávia Brocchetto Ramos**
Neiv« Senaide Petry Panozzo***

1 INTRODUÇÃO

o conceito de texto ultrapassa os limites do código verbal, e isso


pode ser percebido na literatura infantil. No entanto, embora convivam
no mínimo duas linguagens no suporte livro, geralmente estudamos
apenas a palavra ou a ilustração dissociadas uma da outra. Este artigo
pretende romper com esse paradigma, pois concebe as duas linguagens
como constituintes de um único texto, o qual prima pela subjetividade e
ambigüidade, sendo que a ilustração não pode ser caracterizada apenas
como um complemento para a leitura da obra. As duas linguagens atuam
na sensibilidade e na cognição do leitor para a concretização do livro.
Assim, pretendemos abordar aspectos que auxiliem a construção de
um conceito de ilustração no livro infantil, bem como ressaltar particula-
ridades dessa linguagem e, na seqüência, a partir de diversas obras, esta-
belecer vínculos entre as linguagens do livro infantil, a fim de refletir
sobre o acesso do leitor ao texto .

• As reflexões contidas neste artigo são produto dJ estudos iniciais da pesquisa "Pro-
dução de sentido e' a interação texto-leitor na literatura iMantil", iniciada em março de
2003, na UCS. ~. ':
•• Doutora em Letras - Teoria Literária (PUCRS). Professora no Departamento de Letras
da UC3 e d~ UNISC. i;'
••• Mestre em Educação (UFRGS). Professora no Departamento de Educação e Ciências
Humanas do CARVI - UCS.

.; .

,.A multlplicidade dos signos: diálogos


<,
d?1II a ti/era/lira infanti!. ejuvenil 15
2 ILUSTRAÇÃO: UMA FORMA DE ACESSO À NARRATIVA porte, e, na ilustração, geralmente predomina o figurativo, referindo mo-
delos da natureza ou figuras fantásticas oriundas do imaginário. A natu-
Quem não gosta de ouvir histórias? Tanto crianças, como adultos ou reza figurativa é de reconhecimento rápido e permite ao leitor estabelecer
mesmo idosos apreciam uma b?a história narrada por um contador que sabe conexões com o mundo e elaborar redes interpretativas. .
dar vida <10conflito. A palavra Or<11
adapta o conflito ao ouvinte, e a história A revolução industrial de? século XIX marca o desenvolvimento da
ouvida é o primeiro livro de diversos leitores. Silo livros ouvidos c vividos qualidade grMicn dos livros p~rn crianças, apesar de estes existirem des-
literalmente, Há histórias ouvidas que se transformam dentro do leitor e com de o século Xv. A presença de ilust~açõcs/imagens acompanhando a pa-
ele vão crescendo e o transformam. Porém, elas só acompanham determi- lavra, desde os primórdios de seu aparecimento, tinha a finalidade de li
nado sujeito porque alguém lh~ propiciou o contato inicial. enfeitar ou esclarecer, ilustrar /Informar para educar ou criar e propiciar ~,.

As narrativas chegam às crianças por meio da voz de um adulto que prazer estético. Essa noção ainda ~ explicitada nos dicionários contem-
é o contador de histórias. Cecília Meireles (1979, p. 66) afirma que a litera- porâneos; entretanto, várias outras funções podem surgir, reunindo-se a
tura tradicional, entendida aqui corno a popular, é a primeira a instalar-se estas, predominando ou mesmo anulando-as,
na memória da criança, ela rE;'presenta o primeiro livro, antes mesmo da Assim, esse caráter de apoio destinado à ilustração vai sendo alte-.
alfabetização, e para grupos sociais iletrados, pode até ser o único. Nesse rado. A imagem produzida p~ra aliteratura infantil ganha também es-
caso, o contador realiza a mediação, propiciando ao' infante a interação tatuto de arte pelo aprimoramento de suas qualidades estéticas e como
com os conflitos vividos pelo~ pers,onagens. : manifestação atual de cultura; Alép-t disso, solidifica sua posição como
A figura do narrado r dç carpe e osso vai desaparecendo ou pelo parte integrante das diferentes maI)ifestações da linguagem visual, pos-
menos vai sendo reduzida. Surge q livro, enquanto objeto, com uma aura sui características próprias e instala-se no texto, entendido como um to-
de significados que lhe é parÜcula:~. Trata-se de um bem cultural com o do de sentido. } r:

qual a criança precisa aprender a jriteragir, pois carrega em seu bojo as


A ~lustração convi v: e faz p~r~e C}O. contexto da ~ist~ria da arte. Ela é t.!!D.~~
possibilidades de apropriação de sistemas de linguagem diversos, como
objeto de reproduçao e estfi insgrida em uma indústria cultura.),-Iôter-
verbal, visual, gestual e expressiva; principalmente. relaciona-se com outras Iing'~ageljs, transita em um espaço muItifacetado.
No entanto, em princípio, o livro continua prescindindo da figura do Dialoga com o verbal, mas Bode litilizar recursos advindos do cinema, da
adulto. A primeira edição par~ a infância, de que temos notícia na cultura pintura, dos quadrinhos. Pertence a um período em que diferentes mani-
,--- .:
,I ocidental, é Contos de Mamãe Gansa, em 1677, que compila uma série de festações artísticas interagem, se interpenetram. Não há, ou não deveria ter,
histórias populares adaptadas por Perrault, seguidas de moralidades. No mais a divisão preconceituosa em arte maior e menor, nem a divisão rígida
Brasil, Contos da Dona Carochinha, de Figueiredo Pimentel, publicado em de categorias artísticas. Picasso, Matisse ou Miró pintam, produzem car-
1896, segue os mesmos moldes, aprcscntnndo histórias acompanhadas tazes, criam cenários. (MOKARZEL~ 1998).
apenas de uma discreta ilustração em preto-e-branco. Essa obra foi o A prática comum de produção do livro de literatura infantil implica
marco da produção brasileira para a infância. um produtor do texto verbal (escritor) e outro das imagens (ilustrador).
Com a efetivação da escrita e da :trah§posição da oralidade para a Este tam~ém é um autor, que, na seqüência de imagens, cria e recria a
: escritura, ocorre um distanciarncnto entre o texto e o leitor, que antes era história. ~ossível uma analogia com o trabalho do tradutor, que trans-
ouvinte, pois não há mais o contato direto.entre contador e ouvinte. A porta as idéias de uma linguagem para outra ou do cineasta que adapta
situação de mediação propiciada pelo contador é substituída por aspectos uma obra literária. Os elementos figurativos são organizados e articula-
visuais como o planejamento gráfico e; Ínais 'especificamente, a ilustração. dos em sua própria linguagem, traduzindo significados para a visuali-
O texto p<1SS<1 pela instância da mediação d~ olhar. dade e, ao mesmo tempo, sendo um espaço de invenção. Atualmente, há
A ilustração na literatura para a )nfârkia aparece, portanto, como muitos autores que produzem na íntegra s~us textos, congregando a pala-
uma linguagem de acesso mais imediato, auxiliando o leitor mirim a in- vra e a ilustração num trânsito entre lingÚagens diversas, de mesma au-
tcragtr com <1palavra. As duas lingurígcns compartilham o mesmo su- toria, como Reger Mello, Ricardo Azevedô c Âhgela Lago, entre outros.

16 Cecil Jcaninc Albcrt Zinani e Salctc Rosa P~zzi d0S Santos A multipltcidade dos sigilos: diálogo; com literatura infantil ejuvenil 17
o pensamento é concretizado em linguagem, de modo que palavras A ilustração não é privilégio do texto destinado à criança. Ela apa-
ou imagens são sistemas diferenciados escolhidos para traduzi-lo. Assim, rece em diferentes mídias, como na publicidade, visando dar um caráter
o ser humano representa, csqucmatiza o real, no mesmo tempo em que de verdade, auxiliar na recepção da peça ou mesmo na constituição da
mntcriuliza o pensamento em formas significantes e significativas, cria e vaguidadc scmântica.ê caractcrtsticas da linguagem publicitária. Acredi-
atribui sentido, tecendo conexões entre linguagens. Disso resulta a ma- tamos, porém, que a ilustração' não deva somente dar brilho à palavra,
nifestação de sincretismos.' A sincretização resulta da presença de uma pois estaria na condição de apoio. Ela, juntamente com a linguagem ver-
pluralidade de linguagens nUfTI contínuo discursivo, conforme Floch bal, forma um texto, ou seja, o Ienômeno apreendido pelo receptor cons-
(1991, p. 233); portanto, o enunciado não se separa em enunciações de titui-se pelo enlace visual e verbal, .
diferentes naturezas, mas se manifesta acionado pelas várias linguagens. No caso de obra destinada à infância ou mesmo ao jovem, consi-
Elementos heterogêneos organizam o texto sincrético e participam da deramos ilustração não apené;ls ps desenhos que acompanham a palavra,
constituição do plano da expressão (o significante) das obras de literatura mas todo e qualquer recursode produção de imagem, seja uma vinheta
infantil. Apesar de o texto literário estar aparentemente ancorado no sis- (pequena imagem de até um quarto do tamanho da página), a capitular
tema da língua escrita, os efeitos de sentido são constituídos e construídos (letra que inicia um capítulo, g~ral~lente em tamanho maior do que as
por estratégias de enunciação, a partir das articulações entre as diferentes outras e em fonte diferente), figurasou manchas.
unidades dos sistemas de linguagens - as palavras e imagens engendram O projeto gráfico consiste n~ planejamento do impresso, seja um cartaz,
o sentido. Caracteriza-se assim, numa perspectiva serniótica, o livro de folheto, revista, livro e faz parte dele ainda o modo como se constitui a ilus-
literatura infantil. ' tração. Luis Camargo afirma que, no livro, o projeto gráfico consiste no for-
mato, número de páginas, tipo depapel, tamanho das letras.mancha, diagra-
mação, encadernação, tipo de impressão, número de cores da impressão, etc..:'
2.1 Particularidades da ilustração I (1995, p. 16). Tais aspectos devem serconsiderados ao selecionar uma obra
para infância. Enfim, tudo que se.apresenta aos olhos do leitor.
o que é, afinal, ilustração? Há quem a defina como a imagem que Cada modo de ilustrar, desde a t~cnica, o material, o suporte, aliado a
acompanha um texto. Essa definição revela dois problemas. O primeiro, um texto verbal, constrói determinado sentido, como nos revela Camargo
refere-se ao fato de que a ilustração não é considerada um texto, ou seja, (1998), através do estudo de diferentes edições de, Ou isto ou aquilo, as quais
não significa por si só, e o segundo, que ela apenas complementa a organizam significações peculiares, devido às mudanças na ilustração. Limi-
. palavra, sem uma força específica de significado. tamo-nos apenas à edição de 1990, ilustrada por Beatriz Berman, e a atual, de
Entendemos texto como uma unidade mínima de significação, de modo 2002, por ,T,bàisLinhares, para observar como divergem as formas de mediar
que um assobio pode significar, assim como Um piscar de olhos ou mesmo os poemas. r'ara demonstrar, utilizamos o texto "Colar de Carolina".
um "ai" pode ter sentido. E discordamos, de gue a ilustração seja apenas Ao abrir o livro ilustrado por Berrnan, o primeiro poema com O qual
complemento. Ela é constituinte de uma lingl1:',gem própria, cuja função é o leitor se depara é "Colar de Carolina". O olho percebe primeiro a ilus-
produzir sentido, pelo diálogo que provoc~ como leitor, por si mesma, como tração e depois o poema cercado por imagens. A figura humana repre-
também pela interação com a palavra. DJr brilho, sim, c constituir signi- sentando Carolina está centralizada na metade superior da página, e logo
ficados, seja isolada ou em sincretismo com a palavra. Ela pertence ao código abaixo o título do poema. Em relação ao modo de caracterizar a menina e
visual, é linguagem em diálogo com outrns linghagens. as cores seleciona das, evidenciamos um descompasso entre as língua-

I SillCl't'/i~II'() ri,' /i".'\//(/.'\,,", é urna cxprcssã« utiliza,!.{ pela scmiótica para d"sign,1r ,1
~
"
eill';1et,'rfsti.'.1 d,' IIIll onunci.ulo .Iiscursiv». 'lu,'''s,' 111.1I1i(,'sl.1.1tr.l\·,'S d.i 1l111Itil'lieid.ld,· : FIlIl'nd"I11<l~ !'IlS"idlldt' C0l110 ,1 tril('l lin!,iibtk,' que sugere il incerteza no enunciado. A
de sistema», e é trat;1da pelas chamada» s<'/IIicl/i"I'~ ~;;'<'/'('li<'tI~. (GREIMt\S; Ct )URTi',S, 1'.11.1\'1'.1pode insinuar uma significil(ilo e ao ;1í~reg;'\t-se i\ imagem construir outro
sentido, gerilndo il ambigüidnde.
1991, p.233).

i
18 Cccil Jcaninc Albcrt Zinani e Salcte Rosa Pczzi dos Santos A multiplicidade dos signos: diálogos com a literatura infantil ejuvenil 19
gens, pois a ilustração, devido nos traços rústicos da imagem e da tona- diversos li;rros, marcando o .início ou final de um capítulo, por exemplo,
lídade vermelho-terrosa e escura, não consegue recriar a leveza e a em AI'II1I1Zell/ de folclore, de Ricardo Azevedo (2001), a capitular em A casa
brincadeira propostas pela linguagem verbal. O poema sugere a fusão da da madrinha, de Lygia Bojunga Nunes (1998).
menina com a natureza, porque ela' vai assumindo o calor e as cores da Quando objetos, cenários, animais são mostrados mais detalhada-
paisagem, revelando uma simbiose. (RAMOS, 2002). Já na edição ilustra- mente, oc~rre a função descritiva, ~omo se observa em Poemas para brin-
da por Linhares, o formato e :p tamanho do livro são maiores que na car, de Jose Paulo Paes (1991). Essa função é predominante nos livros in-:
edição anterior, e o poema esta disposto numa página em que há mais formativos e didáticos, mas aparece também em obras infantis.
leveza pelas cores, como também pela diagramação, e a imagem da A imagem terá uma função narrativa quando orientada ao seu refe-
menina está no segmento final do percurso do olho na página. O tom rent.e, a fim de situar o repres~ntadp e mostrar transformações ou ações
laranja e a imagem da criança localizada na parte inferior direita propõem realizadas pelos personagens em diferentes graus de narratividade, con-
leveza, acolhendo o olhar do i·eceptor. Carolina, com traços delicados, ta~do .um~ hístóríaIações, cen~s). I~a e uolta; de Juarez Machado (1976),
mostra-se como uma jovem em' harmonia com o meio .. primeiro Iivro de Imagem editado rIO País, exemplifica essa função, pois
O foco na última edição está }10 poema situado no quadrante su- mesmo sem revelar o person~gem{ consegue mostrar a transformação
perior esquerdo, ou seja, no ponto em que o olhar ingressa na página que sofre. " i
e, ao sair, encontra a figura da rjtenína. O leitor literalmente toca a perso- Outra função atribuída à .ilustração, por Camargo, refere-se ao ca-
" ,

nagem, numa aproximação maior, para levá-Ia consigo, ao virar a pági- rát.er simbólico. A imagem pode serinvestida de significados convencio-
na do livro. Na ilustração de perm:an há uma dicotomia entre as ima- nais que representam uma idéia. Nesse caso, ela é orientada ao seu refe-
gens, o que não ocorre na edição mais recente. O ato de interagir com rente, num sentido sobreposto, arbitrariamente, como é o caso das ban-
uma a uma dessas obras, e dessas páginas em particular, é singular, des- d~ira~ d: diferentes países. A i~agejn pode abrigar convenções de domí-
tacando-se ilustração, tamanho da folha, cor do papel, tipo de letra, en- mo pubhco que servem para dar sentido à narrativa, como em Aventuras
tre outros. ~ , do Bonequinha no banheiro, de Ziraldo (2000) em que se evidencia o em-
prego.da ~lnalização de trânsito para contar a história.
A imag'!:?m,com função e~'pres~iva ou ética, mostra emoções, senti-
2.2 Funções da ilustração mentos, valores, através de postura,'gestos, expressões faciais, elementos
plásticos como linha, cor, espaço, luz. É uma função observada no antro-
A presença da ilustração pode ser tratada por diferentes posições poformi~mo freqü~nte em ilustrações para crianças. A ilustração, dentro
teóricas e apoiar-se em referenciais que a explicam. Luís Camargo (1995) da fun~ao expressiva, pode permitir abordagens psicológicas, sociais,
faz um estudo das funções da ilustração fia estrutura do texto, a partir das culturais. Um exemplo dessa função encontra-se em Os meninos verdes de
funções da linguagem propostas por Jitkob~on e que utilizamos neste Cora Coralina (2000) que trata de um "achado" muito curioso num quin-
artigo para, além de categorizar, refletir f.obte a interação entre sistemas e tal, os meninos verdes que causam assombro, admiração, curiosidade,
a conseqüente leitura do texto. .' entre outros sentimentos, e são mostrados através da visualidade.
De acordo com Carnargo (1995, p. 33), seja no livro ilustrado, em que A ilustração ain~a pOd: ter.função estética quando chama a atenção
a visualidade dialoga com n palavra, seja nolivro de imagem, em que a para a forma Ol~conftgu~açao visual, Essa configuração pode ser repre-
ilustração é a única linguagem, várias são <1S funções que ela assume, ao sentada ~'l~' efelto,s plásticos provocadospor linha, cor, gesto, mancha,
descrever, narrar, simbolizar, brincar,~er9u~dir, normatizar e pontuar sobreposição depmceladas, transparência'~, luz, brilho, enquadramento,
pela linguagem plástica. c contrastes. O a~tor ressalta que a função estética não se identifica com a
A ilustração desempenha o papel de pontuação ao destacar um de ,o.rnamentação, seu papel é sensibilizar o .leitor através de efeitos
aspecto da trama ou demarcar o infcio e o término de uma parte do texto, estéticos, como percebemos nas ilustrações de Elvira Vigna em Receitas de
como a vinheta, capitular e cabeção. Tal função pode ser encontrada, em olhar, de Roseana Murrav (1997), que, ao explorar cores e manchas in-

20 Cecil Jcaninc Albcrt Zinnni c Snlctc Rosu Pcz~~i dos Santos , A II/II//il'/iciclacl •. clO.I'sigllos; cliú/ogO.I·h)/1I li literatura it!/im/i1 ejuvenl! 21
tcnsifica a presença poética. Ou na Canção da tarde /10 campo, de Cecília 3 A ILUSTRAÇÃO COMO E~IGryrA
Mcirelcs (2001), ilustrado por Ana Raquel, tratando com co: densa. ou
transparente o espaço de página dupla ou utilizando uma sutil ~ realista Nem sempre a ilustração antecipa significados propostos pela pala-
folha seca num canto inferior de outra página, oferecendo ao leitor uma vra. Ela pode apresentar-se como um desafio que precisa ser vencido pelo
leitor, a fim de relacioná-Ia com a palavra. Para demonstrar a existência
sensível presença plástica, poética e estética. . .
de uma relação desafiante e ambígua entre formas e significados, toma-
Outra finalidade apontada é a lúdica. Nesse caso, a Imagem or~en~
mos a obra Griso, o unicórnio, de Reger Mello (1997). Nesse, o personagem
ta-se para o jogo, incluindo-se a brincadeira ~ o humor. T.al função e
é o último exemplar de sua espéciee percorre o mundo à procura de um
predominante em livros-jogo Tomo Quem cochicha o rabo esplc11~, de Eva
outro igual a ele. O verbo grísar, acinzentar é o eixo gerador e transforma-
Furnari. no qual a representasão lúdica se faz pre.sente_ em dIfer~ntes
se aqui em nome, denomina u!:l'a materialídade que imprime identidade
níveis pela representação, erp relação a novas sItuaço~s atr,av:s da
ao nomeado e um sentido de neutralidade. Há um conflito aparente entre
permuta de imagens. O jogo t~mb~m se manife:ta por :feltos táteis, ""
o nome e a cor. O valor cinza ~stá na palavra, mas não na imagem apre-
noros e cinestésicos em livros çom elementos móveis. feitos de materiais
sentada da capa, um animal todo azul. O leitor depara-se com uma assi- ,
diversos ou que possuem recortes vazados, por exempl? Destacamos
metria caracterizada pela desarticulação entre o que a palavra anuncia e
Feliz Natal, Ninoca, de Lucy Cpusins (2000), em que a criança encontra
aquilo que mostra a imagem. Jnstala-se o conflito, e o destinatário é afe-
ou tras imagens escondidas. . . tado estesicamente. O signo verbal remete a um valor considerado neu-
A ilustração ainda pode gesen'lpenhar uma função meta lingüística, tro, mas'a-s.diferentes formas e.core? que assume o personagem mostram
quando orientada para o código, no caso, código v.isua.l, em que ocorram as múltiplas explicações culturaisdadas a
esse ator, bem como referen-
situações de produção e recepção de mensagens VIsuaIS que remeten:.ao ciam contextos de períodos da História da Arte, que se combinam pa-
universo visual da arte, como po caso do Pintor de lembranças, de Caüizo ra construir a significação. Pa~avra~, cores, formas e cenários misturam-
(2000), quando a ilustração u tiliza a' referência a obr~s de a:te e ao .mesm~ se e participam de um jogo si~táti(;o e semântico que organiza esse tex-
tempo é parte integrante do texto e Fontexto. Também no livro O /IlV~l1tO/ to sincrético.
de brincadeiras, de Leo Cunha (996), cujas poesias nascem como um Jogo A característica marcante dessa obra é a variedade. Há uma manu-
de palavras a partir de outro jVgo ~~iad~ pelo autor CO~1as imagens ori- tenção do paradigma do ser mitológico, porém as diferenças peculiares da
ginais de Giuseppe Arcimboldo. Esse artista contempor.aneo de Leo~ardo aparência participam de uma" cadeia de construção de sentido que se
da Vinci criou retratos de perfis humanos ruunindo objetos, C01110 livros. entrelaça no todo do texto. Cada espnço constituído por legenda e imagem é
em o Bibliotecário, e Cunha dialoga, convidando-nos a admirar: "Você autônomo, mas simultaneamente a unidade é mantida. A aparência plural
quer folhear o meu cabelo?". Uma cor!1bih~ção de legumes mo:t~a"um assumida e o cenário diferenciado por onde Griso se desloca pertencem a
jardineiro que "r...]plantou bananeira-c "i~I o mundo ao contra no . A universos variados que contextualizam diferentes visões de mundo e com
[unção mct"lingüístic", nessa obra, agrt'gi1-(;c ;, lúdica ao instalar o jog{) isso veiculam umjilzcr ser, fornecem elementos de natureza cultural, social e
entre palavras e imagens. ; ~ psicológica, combinados, que articulam as marcas identificadoras do estado
Camargo apresenta funções para r
ilustração a partir do papel de- do personagem. O leitor transita entre formas, cores e palavras, aciona as
scrnpcnhado por elas no livro. Essa cl~ssiriçilÇiio é realizada a parti!: do próprias vivências, as memórias e referêricias extra textuais ancoradas em
pilpclll,ll'strlltllra dn texto c Il,jo dil SII'~~
I'l·l·(:pl..·.io.i\ssi,lll: il 1~'lrtird.l lun- outros tempos e espaços. Nas relações eI{trc ds modos de construção do
ção que ela desempenha no ato da rec~pçl'il>do livro infantil, pensamos discurso, o fazer c o saber do sujeito leitor competente instala-se no texto; os
que ela pode orientar a concretização '00 livro, atuar como um enigma a estados estésicos e estéticos são criados po destinatário. O percurso de
ser decifrado C01110 também revelar " irítl'ri'~:io entre as Iinguagcns. Esses significação vai sendo constituído ao longO:do tçxto sincrético.
são aspectos que implicam a leitura CO~10c~mpreensão e apropriação do Desvelar a ambigüidade depende <ia maior ou menor referencia-
texto para a produção de sentido pelo leito!': lidade por parte de quem lê. No livro aqui focalizado, a falta de conheci-

"
22 Cecil Jcuninc Albcrt Zinani e Salctc Rosa l'~zzi dli~ Santos A multiplicidade dos signos: diá/og~s COII/ a literatura infanti] ejuvenil 23
mentos sobre a arte universal é um fator limitador às possibilidades de na última página que sabemos quem é o amigo que falta, ou seja, de quem'
compreensão do leitor. . era o cartão entregue pelo carteiro na primeira página, cornotambém que
Evidencia-se, no entanto, que o acesso à literatura infantil contem- presente é recebido pelos convidados indiretamente ao brindar o Natal.
porânea tem na imagem um primeiro elemento mediador e orientador, Outro dado de interação entre as linguagens, como também de
através da utilização do pensapento concreto e dependente das próprias orientação para o infante, refere-se ao momento em que Ninoca vai
experiências com o mundo. E ~s crianças são evidentemente espontâneas colocar a estrela na árvore. É a ilustração que explicita o procedimentoda
e tratam a imagem como seu p~~ncipal ponto de apoio para desencadear o ratinha, que usa uma cadeira pa~a alcançar o topo da árvore, solução
processo de leitura. ' também utilizada pela criança, '
A ilustração, como elemento lúdico de interação física, ajuda a criança
1na construção do sentido, já que ~)leitor pode ir mexendo, alterando a
configuração da imagem através, por exemplo, do ato de puxar o tronco da
4 A LEITURA DO LIVRO: RF;LAÇÕES
ENTRE A ILUSTRAÇÃO E P L~ITOR árvore, ikitninando-a. O leitorassume um papel ativo na constituição dos
sentidos do texto, uma vez q\}e esses sentidos dependem da sua atuação,
A ilustração, a partir da relação que ela estabelece com a palavra e sobre o livro. Os significados constituem-se por meio da oralização do texto
com o leitor, pode orientá-lo ria concretização do livro, através da inte- verbal pelo adulto e pela ação qa criança sobre as imagens. Portanto, consta
ração entre as linguagens. A ilustração, assim, é vista em confluência com que o livro possui em sua es~utur~ elementos demodalização do sujeito
\1 a linguagem verbal, ampliando as .ROssibilidades semântic~s. , leitor, que é provocado para u1}lfazer transformador, tanto do texto como
Ao pensar um livro para p criança que começa a manipular o objeto do leitor. Nesse caso, a criançaapreende a obra pela visualidade, pela me-
artístico, é importante observar o tipo de suporte utilizado. Para refletir diação dos elementos materiais, ínstígadores da atuação e/ou do adulto,
sobre essa questão, tomamos como ~eferência Feliz Natal, Ninoca!, de Lucy que traduz os sinais gráficos para o leitor iniciante.
Cousins (2000). A encadernação é Iesistente aos impulsos dos leitores o
Para a criança que já estáfamiliarizada com objeto livro, a proposta
iniciantes que ainda têm dificuldadede segurar o livro, porque sua motri- de sentido da ilustração não implica apenas a interferência nas imagens,
cidade fina está pouco desenvolvida. O tipo de papel e a utilização do mas a apreensão visual das mesmas. Para demonstrar isso, enfocamos A
plastificado da capa dão à obra mais durabilidade e, principalmente, mais casa sonolenta, de Audrey Wood, texto ilustrado por Don Wood (2003) e
firmeza ao infante que precisa segurá-Ia para efetuar a interação. O papel Tanto, tanto!, de Trish Cooke, ilustrado por Helen Oxenbury.ê (2000).
utilizado nas páginas, assim como a ausência da folha de rosto, pressupõe Em A casa sonolenta, a contribuição da ilustração vai além dos seres
um leitor principiante que, além de ter dificuldade de virá-Ias, precisa representados, dá-se pela tonalidade e
pelo anúncio do personagem que
entrar imediatamente em contato com a história. vai se agregar aos dorminhocos na cama. À medida que o tempo vai pas-
O modo como os desenhos são efetuados também prevê a identifi- sando e que as pessoas vão se acordando," o cenário vai clareando, como
cação do leitor infantil, porque os traços s50 simplificados, ou seja, a percebemos pela tonalidade das páginas.ou-seja, a chuva e o cinzento vão
ilustração não se fixa no detalhe, mnsno cnnjunto da cena e, curiosa- cedendo espaço para o dia amarelado, simbolizando a luz do sol. Outra
mente, antecipa informações que somente 5e1'ãoconfirmadas no decorrer contribuição da ilustração para o enredorefere-se ao fato de que no mo-
da narrativa. Assim, por exemplo, nas duas primeiras páginas vimos Ni- mento em que o texto verbal aponta que determinado personagem se dei-
noca com três cartões de Natal e recebendo o carteiro. O leitor (alfabe- ta, a ilustração já antecipa qual será o próximo personagem que irá de-
tizado ou não) pode abrir os cartões já ~eccb\dos e ficar sabendo que em sempenhar a mesma ação, ao mostrá-Ia ,em J~novimento. As linguagens
cada um deles está representado um ariimaf galinha, urso e jacaré. Não sugerem ainda que o próximo animal será sempre menor do que o ante-
sabemos se o carteiro já entregou todos os cartões ou se falta algum. Mais
adiante, observa-se que Ninoca compra :quatfo presentes, então a idéia de
que o carteiro estaria trazendo outro cartão aparece, É, no entanto, apenas J A primeira edição das obras é de 1994 e 1984, respectivamente.

24 Cccil Jcaninc Albcrt Zinani c Saletc Rosa Pc~zi dos Santos A multlpiicidade dos signos: diálogos COIII a literatura infantil ejuvenil 25
rior no processo de adorrnecimento, já ao acordar-se ocorre o contrário, ridas pela palavra. No primeiro par de páginas da história, a linguagem'
ou seja, o menor vai acordando outro maior e assim sucessivamente. verbal indica o espaço da narrativa como um quarto, mas é a ilustração
A ilustração inicia o espaço amplo, em que mostra o ambiente exter- que o caracteriza, a partir do cenárioapresentado. .
no da casa, depois a sua fachada, para foca r-se no quarto e na cama. Na A visualidade ajuda o leitor na percepção da dieotomia que há entre
seqüência, volta a ampliar o espaço, mostrando a casa toda novamente, os espaços, através da altemância entre o ambiente interno do quarto da
mas agora com brilho e sem o véu da cerração. criança,e do externo em que apresenta, em princípio, os arredores da casa.
Tanto, tanto! inova por dois motivos em particular. Primeiro porque
~ - .
Tal proposta'é rompida num pa~ de páginas que mostra o pai, no quarto,
'

mostra uma família negra, dado' esse não revelado pela palavra. Segundo, lendo para a filha um livro ilustrado; Quando a protagonista adormece,
pela constituição das imagens, observando a alternância de cenas está- os personagens da ilustração do texto contado pelo pai entram no seu
ticas em cor sépia-e-outras dinâmicas em que há multiplicidade de cores. sonho. Nesse momento, rompe-se a alternância, e os dois pares de pági-
As imagens em (épia apresentam as pessoas esperando, paradas, e o texto nas mostram o espaço externo e depois volta-se à mesma proposta em
\ verbal também aponta essa espera: após a chegada decada visitante as
cenas ganham cor. Assim, as iíjlage\ls coloridas sucedem as estáticas e
que se sucedem o interno e o externo, Os elementos da narrativa primeira,
aquela que estamos lendo, e da segunda, aquela que é contada pelo pai, se,
representam, seja pela cor, seja pelos movimentos sugeridos pelas perso- fundem através da ilustração.' ,
nagens, o alvoroço provocado Ffela visita recém-chegada. A história verbal parece cÇ!nstit,uir-sepor dois narradores que, em
A repetição em sépia nas imagens e no material lingüística que sina- princípio, têm focos distintos. O primeiro centra-se no quarto da menina e
liza a espera da família é intercalada pelas imagens coloridas e pelo alvo- o segundo é porta-voz do que ~~Lua" diria, se falasse, mostrando o am-
roço da chegada de alguém, revelado lingüisticamente. A onomatopéia biente externo. Essas vozes narram fom uma certa sincronia, pois en-
trrrim é o fator desencadeador, ~)anunciador da chegada de alguém. q
quanto o primeiro narrador sali~nta "derradeiro clarão" que ilumina o
;\ estrutura lingüfstica dos i:iois livros pauta-se na repetição do cnun- quarto, il Lua "contaria do entárdecer que cai sobre a floresta ...", Na
ciado verbal, ou seja, em !\ m:;l\ :;(lll(~kll/a,.há sempre a retomada de um próxima seqüência, o primeiro !Jarra'por enfoca a luz que se acende no
conjunto de informações, acompanhada da introdução de um novo ele- quarto, já a Lua "contaria das estrelasque aparecem" e da fogueira. Mais
mento. "Era uma vez uma casa ~onofenta, onde todos viviam dormindo. adiante, o primeiro narrador mostra (Iue há "um copo, um barco de ma-
Nessa casa tinha urna cama, ur1,lacama aconchegante, numa casa sono- deira e uma estrela-da-mar" enquanro a Lua "contaria das ondas arre-
I
, lenta, onde todos viviam dorrnindo.v ja em Tanto, tuntol, a entrada de um \. bentando na praia". Essa equivalência se mantém na obra, porque a Lua
personagem implica a repetição de um ritual lingüística que anuncia sua tende a mostrar lá {ora algo semelhante ao percebido lá dentro, seja em
chegada: "Eles não estavam fazendo nada, Mamãe e o bebê. Nada mes- termos de cenário ou de atores. Apenas quando a criança adormece, os
mo. E então ... Trirrim! Trrrirnl - Olaaaaaá!". elementos do quarto e da história ouvida pela protagonista se fundem.
Em Se a lua pudesse falar, de Katc Bans ~ Ccorg Hallcnsclcbcrr' está Nesse momento, a Lua também entra no quarto da menina e "contaria da
presente o figurMivo através da pintura (. tatubérn um jogo complexo de criança que dorme a sono solto em sua caminha fofa. E bem baixinho,
vozes no texto verbal e diálogo entre a visunlidadc e a palavra. O reco- sussurraria em seu ouvido: Boa-noite ..."
nhecimento de formas e de ambientes, inicialmente, propicia ao leitor O livro surpreende quando os dois códigos mostram o pai lendo a
infantil urna certa tranqüilidade, porque f<1dlmente identifica os seres história para a filha, mas a ilustração, na s~qüê~cia, sugere que a trama
apresentados, A identificação também }lcolltece pela co-relação entre sai do livro contado, ou seja, o camelo e o deserto, presentes na narrativa
pnlavra e ilustração de modo que esta se oellpa de detalhes anunciados contada pelo pai (percebemos isso pela ilustração do livro que o pai lê),
no texto verbal, como também amplia as possibilidades semânticas suge- passam a constituir o cenário da obra que estarnos lendo. Aqui também
ocorre um rompimento na proposta do livro, porque o quarto e o am-
biente externo onde a casa está situada são substituídos por uma nova
4 A prirneira edição é de 1997. paisagem onde são inseridos animais como o camelo e o leão juntamente

26 Ceeil Jcanine Albcrt Zinani c Salctc Rosa Pczzi dos Santos A multiplicidade dos signos.' diálogos C~11/ a tueroturo infantil ejuvenil 27
com os bichos que vivem no quarto da criança. Quando a menina dorme, gens e objetçs que brincam. Instaura-se um jogo, no qual palavras são
acontece a fusão de universos sinalizada pela ilustração, porque é esta imagens, na medida em que se transformam, pela cor, forma' e matéria,
que revela o que ocorre depois de adormecer. O texto verbal assinala: "Os integrando-se às brincadeiras referenciais mostradas visualmente. E, ao
olhos se fecham. O silêncio abre lentamente suas asas. A noite escura é mesmo tempo, a imagem é a palavra. O enunciador faz ver signos verbais
um sonho colorido". A ilustração, entretanto, sugere o sonho colorido, que assumem a brincadeira, ou joga com as formas plásticas, passando de
efetuando a junção entre o mundo concreto e o fictício mostrado pelo letras a personagens. Quebram-se os limites entre ser apenas palavra ou
livro que o pai manuseava com a filha; ou seja, no sonho da criança estão apenas imagem. As formas e a palavra transgridem suas categorias pa-
os bichos com os quais ela convive no quarto e aqueles da ficção. Esses ra brincar e saltar, levando o leitor ora para o universo da visualidade,
dados, no entanto, são mostrados' apenas pela ilustração. ora para o universo da verbalização, pu mesclando tudo na interação
A novidade da integração c,te códigos aparece pela sincronia das das linguagens. ' .
linguagens em que uma atua corno rnote para desenvolver a outra e Na estrutura do texto de literatura infantil percebe-se que, em deter-
também pela fusão das mesmas, pois 9S dados da ilustração de um livro minados momentos, a imagem antecipa sentidos revelados pela palavra;
lido pela personagem passam a ir!tegr~r a palavra e a visualidade da se- em outros, mostra sentidos paralelamente, tratando de aspectos não explí-
gunda narrativa. citados pelo sistema escrito; por vezes, 'apenas confirma as palavras, por
outras, orienta a leitura. Portanto, a
significação vai se constituindo pela
, J;elaçãode pressuposição recíproca de elementos do significante (o plano da
5 A COMPLEXIDADE TEXTUA~: expressão) e do significado (o plano do çonteúdo). Participam tanto as di-
mcnsõcs da cor, da forma, da localização e até dos materiais e suportes
A visualidade é relevante ni.1caracterização do texto de literatura utilizados, como as combinações das unidades da língua escrita, a seleção e
infantil, devido às condições de p~odução e circulação do objetivo livro, o t]rganização vocabular nas estruturas sintática e semântica. Cria-se um to-
que implica uma visibilidade. O te~'~otorna-se visível ao convocar para si o 1..10 articulado por diferentes unidades de significação, para engendrar
olhar, no impor-se no leitor, no conquistar sua atenção e sua adesão, Para ~entido, Esse que se constitui pelo alo gerador de significar, supera a recep-
tanto, são utllizados recursos do ji)go plástico e criam-se efeitos cstésicos'' ção e a percepção e instala um sujeito semiótico, resultante da organização
e estéticos. O tratamento particular dos traços constituintes das ilustra- (~liscursiva do texto. A análise serniótica tenta, pois, dar conta dos fenôme-
ções e o projeto gráfico conferem plasticidadc no texto q~le pode ser obser- t. nos de produção e apreensão de sentido na manifestação do objeto, seja ele
vada, ocorrendo o mesmo nos enunciados lingüísticas. (FLOCH, 1985). constituído por apenas um ou por vários sistemas de linguagens.
Na obra Exercícios de ser criança, de Manoel de Barros (1999), o jogo plás-
tico chama a atenção pnrn as imagens criadas originalmente por meio de
bordados, e o texto verbal, poético e plástico, cria ritmo e movimento na 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
medida em que alterna páginas com frases dispostas linearmente e, em
outras, acompanha o movimento ondulado dct vento, roubado da ima- Saber é uma palavra de origem latina, sapere, que significa ter gosto.
gem; o redemoinho da água carregada 'i1n peneira escorregn ladeira Diante de um objeto qualquer, de uma obra de arte ou de um livro, apren-
abaixo na tarde que chove, também através das palavras. A palavra peral- demos os seus atributos pelo crivo da percepção e da espontaneidade
tagens é mostrada através de ponto de bordado; cujas letras são persona- inicial, de adesão ou descaso, de um gostar ou não. Mas à medida que a
compreensão avança, que a freqüência e o aprofundamento com as ima-
gens ocorrem, olhar e gostar são modificados, porque esse é um saber que
5 O efeito estésico é resultante da ativação da percepç~o,õda sensibilidade, causado por
se amplia. O contato e o diálogo com a vísualidade em suas múltiplas
determinado fenômeno e resulta em reação corporal e emocional do sujeito. A visão de
algo comove e emociona, o toque sobre determinada superfície arrepia e sensibiliza. formas e manifestações criam e transformam estruturas internas e pro-
s50 exemplos de modificações de estado do sujeito, movem o refinamento das abstrações. I
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28 Cecil Jcanine Albert Zinani e Salctc Rosa Pczzi dos Santos A multiplicidade dos signos: diálogos com a literatura infantil ejuvenil 29
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Gostar de ver e gostar de ler são duas dimensões da apropriação do mente a atribuir sentido para o que lê. É preciso superar essa postura,
objeto livro e do texto ali contido. O instante mágico, momento único e aprofundando e qualificando o conhecimento dos sistemas de iinguagem
pessoal de prazer deve iniciar na infância, quando o leitor é seduzido ini- construídos pela humanidade. Paulo Freire (1992) aponta a primeira lei-
cialmente pela visual idade, pelo reconhecimento figurativo movido pela tura como aquela que se dá diretamente como explicação para o m~ndo
curiosidade, pela alegria da descoberta e pela ativação da fantasia. Evi- que se apresenta, como um diálogo abrangente com a natureza e em.
dencia-se que o ingresso ao texto de literatura infantil tem na imagem um todas as possibilidades de relação entre sujeitos e seus produtos culturais ..
primeiro elemento mediador e oricntador, através da utilização do pensa- O ato de ler inicia pelo contato visual e físico em que o sujeito olha e
mento concreto e dependente das próprias experiências com o mundo. As é "traíd~ ou não pelo que vê e, na seqüência, toca na capa e passa a manu-
crianças são evidentemente espontâneas e tratam a imagem como seu s~ar o livro. Nos processos de apreensão do livro, as significações são
principal ponto de apoio para desencadear o processo de leitura. ~tribuídas pelo leitor, a partir da interação entre visualidade e palavra. As
As ilustrações presentes nas obras de literatura infantil concorrem Illlguagens presentes no objeto cultural s~ oferecem como portas de acesso
para "alfabetizar" na linguagem visual, aquela que compreende o uni- ",0 sentido ali constituído e cuja escolha inicial do leitor recai na ilustração,
verso das imagens, e cuja leitura permite que se amplie o instante fugidio s~d~tora" r:'as con:ple:a em ~uas articulações ao dialogar com a palavra.
do prazer da admiração, para compreender o sentido de que se reveste o Por ISSO,e imprescindível retirar a ilustração de uma condição secundária
texto e que o leitor atribui. Esse (um processo que ocorre inicialmente ou de ~n:isi~ilidade e compreendê-Ia cO,mo linguagem cujos significados
pelo contato. a ver imagens, e pel~) acesso. aprender a olhar critcriosa- potenciais ativam a palavra e vicc-vcrsa I}" constituição do texto.
mente, ir ,,115mdo gostar ou não gostai:, dialogar com o objeto visual e
atribuir-lhe significado. .
Descobrir" apnrência figurativa das Iormns é um primeiro passo. é REFERÊNCIAS
literal; em seguida é necessário decifrarseus códigos e símbolos, abstrair
sl'nlído através lh~ rl'jaçl-H's I' con;l'xiH'~ l'nITI' formas, entre palavras I' f3ANKS, K.;'HALLENSLEI3EN, G. SI' 11 11/11 plldessc [alar. São Paulo: Cosac & Naify
20(H). . . , ,
essas entre si que se articulam no texto. Como tuda escrit.i. piHa que pOSS.1
ser lida, o observador n,10 pode "penas contemplar. precisa adcntrar-se BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança. Dernóstenes, Rio de Janeiro:
Su laruaridrn,1999. il.
nas linguagens do texto, num todo. Assim, desde a infância se educa o
olhar do leitor para compreender, tanto verbal como visualmente. CAMARGO, Luís. Ilustração lia livro infantil, Belo Horizonte: Lê, 1995.
CAr;t.ARG?, Luís. Poesia infanti! c ilustração. estudo sobre 011 isto 011 nquilo de
. Cada indivíduo possui diferenciadas percepções, advindas de suas
Cecília Mcirclcs, 1998. Dissertação (Mestra do) - Instituto de Letras
vivências pessoais e culturais, influenciando o desenvolvimento da com-
Uni~ersidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998. '
preensão dos diferentes textos disponíveis em seu meio. Olhar uma obra de CANIZO, José A. DeI. O pintor de lembranças. [esús Gabán. Porto Alegre: Projeto
arte ou um" imagem da mídia pode passar pelo gosto individual, conside- 2000. il. '
rá-Ia bonita ou feia, gostar ou não. Essa é uma apreciação perceptiva, co- CORALlNA, Corno Os meninos verdes. Cláudia Scatamacchia.5ão Paulo: Global
mum a qualquer pessoa. Educar o olhar é capacitar para a crítica, processo 2000. il. '
complexo e que requer acesso e diálogo com a visualidade. Essa capaci- COOKE, Trish. Tanto, tonto; Helen Oxenbury. 3. ed. São Paulo: Ática, 2000. il.
dade de criticar ocorre através de aquisições culturais e escolares, que se COUSINS, Lucy. Feliz Natal, Ninoca! São Paulo: Ática, 2000.
manifestam diante de objetos de natureza artística, através de um caminho CUNHA, Leo. O inventor de brincadcims: Arcimboldo. Belo Horizonte: Dimensão
1996. . I ,

próprio da recepção do objeto estético, traduzido em seus códigos, inter-


pretado em seu universo de sentido, como urn saber especial. ~~OCH, J: M. Pe!ites mythologies de l'ocit et de l'sprit: pour une sémiotique plas-
tique. ParIS: Hades: Amsterdarn: Benjamins, 1985.
O leitor, que até há bem pouco tempo foi tl'at"do como um aprendiz
F~ElRE, Paulo. A intportãncin do ato de ler: em três artigos que se complementam.
da linguagem verbal, hoje se defronta com a complexidade do enlace de São Paulo: Cor tez: Autores Associados, 1992.
linguagens num mesmo suporte de leitura e àinda aprende intuitiva- GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de scntiôtica, São Paulo: Cultrix, 1983.

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