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Lager e Formagie Profissioual ua Sociedade rHuat: Repensande ob Limites, 0b Horizoutes ¢ 0d Decafios para a trea Christianne Luce Gomes Werneck! RESUMO: Andlise sobre a formagdo profissional no lazer, assumindo como ponto de partida a discussdo sobre o papel desse fendmeno na sociedade atual, amplamente valorizado nos dias de hoje. Entretanto, essa importdncia do lazer é vinculada, sobretudo, 4 sua descoberta como a esséncia de um fecundo e promissor mercado, capaz de gerar retornos expressivos para aqueles que detém as regras desse jogo social é politico Praticado em nosso contexto. Nesse sentido, a prépria formagao. Profissional no lazer é concebida como uma possibilidade de ascensdo social e financeira, situagdo que reforga ainda mais a visdo alienada desse fenémeno, enquanto um simples produto mercantilizado em nossa Sociedade de consumo. Assim, os cursos e oficinas de atualizagao/ reciclagem no lazer, geralmente, abrangem apenas os aspectos técnico- metodoldgicos da drea, enfatizando 0 consumo a-critico de atividades recreativas baseadas em modelos “tradicionais”, que acabam por reforgar a dicotomia entre a teoria e a prética pedagdégicas. Para mudar esse quadro, é fundamental buscar uma formagdo interdisciplinar no lazer com responsabilidade e autonomia, fazendo desse processo uma verdadeira “bricolage", desafio maior para a reconstrugdo lidica dos papéis sociais dos sujeitos no interior da formagdo profissional aqui almejada. PALAVRAS-CHAVE: Lazer, formagao profissional, “bricolage” ' Professora coordenadora do Centro de Estudos de Lazer e Recteagdo ~ CELAR - da Escola de Educagfo Fisica da UFMG; Mestre em EducagSo Fisica e Especialista em Lazer, ambos pela UFMG. Geere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998, 48 a A temética da formagdo profissional vem ocupando um espago cada vez maior no cendrio educacional, seja no Brasil ou em outros Pafses do mundo. As pesquisas e publicagdes sobre o tema demonstram a necessidade de conhecer melhor os diferentes aspectos que o envolvem, tendo em vista articular propostas para as demandas que este final de século impdem ao profissional do lazer, Assim, eu gostaria de comegar esta reflexio repensando o papel do lazer em nossa modema sociedade, o que considero fundamental para uma andlise mais aprofundada sobre os limites e os horizontes da formagiio profissional nessa d4rea em nossa realidade sociocultural histérica, tendo em vista ressaltar os desafios que vém impulsionando as experiéncias do Centro de Estudos de Lazer e Recreagiio da Escola de Educagio Fisica da UFMG, no gue se refere 4 formagao de Profissionais para atuarem no lazer, “Oo papel do lazer na sociedade atual oe E importante destacar que, ao lado da educagio, da satide, do trabalho social e da informago, dentre outras possibilidades de assisténcia As pessoas, o lazer integra hoje 0 movimento global de “terceirizagio” presente nas sociedades modernas, alcangada por meio do aumento contfnuo e significativo da forga de trabalho relacionada aos servigos, Nos tiltimos anos vem se multipticando, se diversificando e se : sofisticando a oferta de bens e de servicos no setor terciario, provocando mudangas no estilo de vida das pessoas e redimensionando o papel do lazer na sociedade atual, Os investimentos substanciais na chamada “inddstria do lazer e entretenimento”, assim como a busca de qualificagdo profissional nessa 4rea devem-se, em grande parte, As novas demandas que caracterizam hoje a nossa realidade. 2 Dentre os empreendimentos do CELAR voltados para a formagio profissional nessa drea, podemos destacar, dentre outros, a realizado de estudos interdisciplinares que procuram envolver académicos, profissionais ¢ pesquisadores de diferentes reas, preocupados com o avangar do conhecimento tebrico-pratico sobre a recreagdo e 0 lazer; a elaboragSofrealizagio/avaliacio coletiva de projetos de ensino, de pesquisa e de extensio; a oferta regular de disciplinas obrigat6rias (desde 1965) e optativas (desde 1991) a0 Curso de Graduagtio em Educagio Fisica/UFMG, bem como a oferta do Curso de Especializagao em Lazer (Pés-graduagio lato sensu), oferecido regularmente desde 1993, ¢ atualmente em sua terceira versio. A partir do ano de 1999, teremos também a participagio de docentes do CELAR no Curso de Turismo/UFMG, por meio da oferta regular de pelo menos uma disciplina optativa por semestre para os académicos’ deste Curso, Podemos destacar, ainda, a promogiio de eventos € a realizagio de Cursos de extensio sobre 0 lazer em nosso contexto, Gere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. De acordo com as reflexées do sociélogo da Educagiio Phillipe PERRENOUD (1997), as mudangas no estilo de vida verificadas em nosso contexto atendem mais as necessidades dos préprios profissionais do que aos seus utilizadores. Devido as estratégias do marketing de mercado, sao criadas necessidades de consumo e impostos novos padrées de vida, os quais atingem profundamente as dimensées do trabalho e do lazer em nossa sociedade. ° Embora muitas pessoas afirmem que em nosso contexto atual o tempo destinado ao lazer tenha aumentado consideravelmente na vida das pessoas, em conseqiiéncia da redugao da jornada de trabalho — muitas vezes como suposto recurso para solucionar a condigdo crénica de desemprego constatada em todo o mundo — 0 que se verifica, com freqtiéncia, é a busca incessante por novas possibilidades de ampliagio das fontes financeiras, que objetivam 0 atendimento das necessidades bdsicas de sobrevivéncia da maioria das pessoas, ou mesmo a “elevagdo do padro de vida” por meio da conquista de “sonhos de consumo”, traduzidos na oferta de bens e de servicos, dentre os quais 0 lazer, hoje amplamente divulgado pela mfdia como forma de alcangar realizagao, prazer, diversao e felicidade. Na visio predominante em nossa sociedade, o lazer € entendido como um tempo “livre” oposto as obrigagGes de diversas naturezas (principalmente do trabalho produtivo), é alvo de valores preconceituosos e utilizado com meio alienante de compensar frustragdes e de mascarar as contradigdes sociais, politicas e econémicas que permeiam a vida como um todo, como indicam as teflexSes de MARCELLINO (1987). Apesar de nfo se restringir a um conceito acabado, considero fundamental delinear os significados do lazer, fendmeno que esté em continuo processo de reconstrugo de sentido em nossa realidade sociocultural histérica. Nesse Ambito, enquanto prdtica social dialeticamente vinculada ao trabalho, o lazer é por mim concebido como uma possibilidade de produgdo de cultura, um espaco para a vivéncia lddica de diferentes contetidos que pode propiciar a leitura critica e criativa de nosso contexto, estimulando-nos a lutar pela conquista de autonomia e pela garantia de um viver digno, ultrapassando as barreiras dos discursos ideolégicos opressores € injustos verificados em nosso meio, Baseada na esperanga de revestir o lazer da dimensio educativa, fundamental a trajetéria do ser humano rumo a emancipagiio, € que procuro analisar alguns aspectos que interferem na formacdo profissional na drea, tendo em vista acompreensao a transformagio da nossa dindmica sociocultural, tornando-a mais justa e mais humanizada. Geere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998, , oo: 49 50 Face A realidade com a qual nos deparamos atualmente, as reflexdes/ ag6es sobre a formagao profissional no lazer nos colocam numa encruzilhada: enquanto para alguns as mudangas culturais provocadas no estilo de vida apresentam maiores chances para a vivéncia do lazer, para outros esse contetido , de certa forma, limitado e ofuscado por um desejo intermindvel por trabalho devido, principalmente, a sua condigio social na vida moderna, onde nao hé oportunidades dignas e nem emprego para todos. Se o acesso ao trabalho ¢ a educago em nosso meio ainda se encontra demasiadamente testrito, o acesso ao lazer desenvolvido numa perspectiva critica e criativa fica muito mais limitado ainda, principalmente por ser considerado como algo ainda supérfluo ¢ dispensAvel para muitas pessoas que ndo tém como obter nem mesmo patamares minimos de dignidade, na incansdvel luta pela propria sobrevivéncia. . Nesse sentido, ao repensar a mudanga do papel social do lazer em nosso contexto, nao podemos ficar indiferentes a essas antigas contradicdes, ainda hoje muito vivas em nossa sociedade. Num contexto caracterizado pelo desemprego, pela injusta distribuigdio de renda, pelo analfabetismo, pela exploragio da mio de obra infantil, pela pobreza, pela fome e pela miséria da maioria, fica dificil denunciar a alienagao gerada pelo trabalho estruturado sob os pilares da ideologia capitalista, alienagio também reforgada no lazer, se este for considerado como simples diversio e entretenimento, como fuga dos problemas e como um meio de compensar as frustragdes vividas cotidianamente, - 3 Paralelo ao agravamento desses e outros problemas sociais, o lazer vem ganhando importancia cada vez maior na vida moderna. Essa importancia vincula-se, sobretudo, & descoberta desse fendmeno como a esséncia de um fecundo e promissor mercado, capaz de gerar lucros significativos para aqueles que detém as regras desse jogo de poder social € polftico praticado em nosso contexto, O lazer ocupa hoje a pauta dos Projetos de investidores, seja no setor privado, por parte dos governos ou mesmo dos fundos de pensio. Em todo’o mundo, portanto, a drea de lazer © entretenimento vem atraindo investimentos considerdveis, multiplicando 9 seu publico e abrindo novos horizontes de desenvolvimento para 0 setor, como € 0 caso da industria de viagens e turismo, que representa, atualmente, um dos ramos que mais cresce no mundo. Para concretizar esse projeto, as famosas “indtistrias de lazer e entretenimento” utilizam todas as artimanhas possfveis para destacar o valor do lazer — como prazer e diversio ao alcance cere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. de “todos”- ¢ transform4-lo em uma mercadoria que goza de um altfssimo valor ce troca “. . Aconsolidagiio do lazer como um produto que impulsiona uma promissora industria, capaz de gerar altas taxas de retorno, pode ser verificada por meio dos investimentos maci¢os que vém sendo colocados nesse mercado nos tiltimos anos. Segundo as estatisticas dos investidores, apenas 20% do potencial de mercado & explorado atualmente no Brasil ¢, mesmo com os parcos dados até ent&o dispontveis, hA indicagdes do magnifico pélo mercadolégico que representa a “indtistria de lazer e entretenimento” em nosso Pafs, gerando uma profunda reflexiio sobre o papel do lazer no conjunto de gastos do brasileiro nos préximos anos, A ideologia veiculada pela midia reforga a idéia de que, apés varias décadas voltadas exclusivamente para o trabalho e para a escalada profissional, as pessoas esto concluindo que “viver bem” — ou seja, usufruir do lazer enquanto um produto que é comercializado na forma de shopping centers, parques temiticos, casinos, hotéis-fazenda, resorts, spas, pacotes turfsticos e outras tantas atragdes — alcan¢a mais do que uma busca obsessiva pelo sucesso profissional. Isso € concretizado por meio da redescoberta do “valor” dos contetidos que compdem o universo cultural do lazer para pessoas de diferentes faixas et4rias e grupos sociais, Essas pessoas buscam, cada vez mais, novas opgdes de prazer e de diversaio para todos os membros de sua famflia, os quais consomem volumes crescentes de bens e de servigos de lazer, exigindo uma variedade de opgdes cada vez maior. Uma sociedade dominada pela Idgica da produgdo e do consumo (alienado) de bens € de servigos é, precisamente, uma sociedade que se apresenta como a tinica habilitada a produzir 0 lazer, enquanto uma de suas valiosas mercadorias ~ ao passo que deveria representar uma condigdo fundamental para a promogao da qualidade de vida dos sujeitos, enquanto cidadios que buscam momentos lidicos, criticos e criativos no seu dia a dia. 3 Segundo uma reportage publicada na Revista ABRAPP, que trata dos investimentos em megaprojetos de turismo ¢ lazer, 0 magnifico potencial dessa Srea ainda € pouco explorado no Brasil, apesar de apresentar caracterfsticas satisfatérias para a instalagio de equipamentos de entretenimento, tais ‘como a sna privilegiada fonte de belezas naturais. HS uma grande demanda (principalmente do Rio de Janeiro € Sio Paulo) que ndo ests sendo atendida, devido a estagnagio do setor nos ditimos anos, Se a tendéncia réalmente se confirmar, os fundos de penstio dispensario uma atengto cada vez maior 0s negécios de turismo e lazer, conciliando-a com a fungdo de atender os compromissos com os seus assistidos, propiciar 0 desenvolvimento da economia e, consequentemente, elevar o nivel de emprego no Pafs. (Turismo decola para v6os mais altos. Revista ABRAPP, n, 233, p. 4-14, margo/abril 1997), elo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. 51 52 Com isso, o lazer se transforma em mais um rentdvel produto da sociedade de consumo, que tem como objetivos primeiros o entretenimento e a distragio alienados, algo para se matar 0 tempo e para escapar do tédio... Nao h4 preocupa¢do com uma anilise mais consistente sobre o seu si; ignificado sociocultural ¢ polftico na vida das pessoas, bem como sobre as. contradigdes que o permeiam em nosso contexto, Nao podemos negar que a demanda pela formagio profissional no lazer sofre influéncias dessa situagio, pois muitos sao atrafdos pelas possibilidades lucrativas que essa 4rea, em pleno processo de expansao na sociedade de hoje, pode proporcionar. Nesse Ambito, a capacitagdo no lazer se transforma em um meio de troca para a obtengio de prestigio e poder e, como nos diz POPKEWITZ (1992), essas vantagens sociais visam, em princfpio, a busca da tentabilidade econémica. Com isso, muitas vezes ¢ ignorada a importincia do lazer enquanto um passo fundamental para a busca de qualidade na vida dos sujeitos e de‘alternativas para o enfrentamento dos limites socioculturais hist6ricos de nossa realidade. Considerando 0 projeto ideolégico de comercializagao do lazer aqui salientado, que limites cerceiam a formagio profissional na érea? Limites da formagio profissional no lazer Dado que a prépria formago profissional no lazer pode ser encarada atualmente como uma possibilidade de ascensio social e financeira, muitas das oportunidades de capacitagdo na 4rea stio comercializadas no sentido de teforcar ainda mais a visio alienada do lazer, enquanto um simples produto da nossa sociedade de consumo. : Visando 0 atendimento desse objetivo, os cursos e oficinas de treinamento, atualizagdo € reciclagem no lazer, amplamente divulgados e oferecidos esporadicamente por diferentes instituigdes em’ nosso Pais, geralmente, abrangem apenas os aspectos técnico-metodolégicos dessa 4rea, enfatizando o consumo a-critico de atividades recreativas. Muitos desses cursos so ministrados por Professores de Educago Fisica e, apesar do lazer ser uma drea interdisciplinar que possibilita o envolvimento de profissionais com diferentes competéncias e visdes de mundo, freqiientemente os tépicos desenvolvidos se resumem a vivéncia dos jogos brincadeiras tradicionais de recreago ¢ lazer. cere, Belo Horizonte, v, 1, n.1, p.47-65, 1998, Isso é fruto do proprio processo hist6rico de identificagiio que as atividades fisicas/recreativas ganharam no Brasil. No contexto da introdugiio da recreaciio, nas primeiras décadas deste nosso século, foram amplamente privilegiadas as atividades fisicas como recuperadoras da forga de trabalho do operariado, e também como um componente da manutengio do estado de satide ~ base para um Pafs que pretendia se “modernizar” (MELO & FONSECA, 1997). Apesar de nao se limitar ao aspecto fisico-esportivo, eu gostaria de destacar a contribuigdo da Educagio Fisica no que diz respeito nao somente & formagio (nos niveis de Graduagio e de Pés-Graduagio) de profissionais para atuarem no lazer, mas também A preocupagao dos professores de Educagao Fisica em realizar estudos, promover cursos e eventos que possam gerar um avanco no entendimento desse fendmeno em nosso meio, enquanto uma drea de intervengio interdisciplinar que possibilita a formag&o profissional em varias perspectivas, . A interdisciplinaridade diz respeito a inter-relagdo de fundamentos de diferentes disciplinas, ampliando a leitura da multiplicidade de aspectos conjunturais no prisma da totalidade concreta que constitui. Busca superar a desarticulagao entre as disciplinas e a fragmentagao do saber, enfocando determinado aspecto do conhecimento especffico, sem perder a visdo do todo no qual este se insere, Analisando a proposta pedagégica dos “cursos técnicos de recreacao e lazer”, nem sempre acessiveis a todos os interessados, devido ao seu alto valor mercadolégico em nossa moderna sociedade, percebemos que ela se baseia, muitas vezes, em modelos tecnocriticos tradicionais, que objetivam reproduzir pacotes de contetidos e padronizar metodologias recreativas a ser desenvol vidos em escolas, clubes, condominios, érgios e setores publicos de esporte e lazer, empresas privadas, parques, igrejas, asilos, associagdes comunitérias, hotéis e outras instituigdes, sem a preocupa¢ao com uma abordagem mais aprofundada dos t6picos abordados. Centrando-se no fazer da atividade, os participantes sao concebidos como meros executores, e a recreacdo se toma um meio valioso para a educagiio desses sujeitos, segundo valores de harmonia, rendimento, equilibrio e controle da alegria, valores indispensdveis 4 manutengao da ordem social vigente (PINTO, 1995). De acordo com essa maneira tradicional de formar, os graves e complexos problemas educacionais, socioculturais ¢ politicos que se manifestam sio reduzidos A condigdio meramente técnica, cabendo aos chamados “especialistas” equacion4-los e definirem a melhor forma de solucion4-los. Os “técnicos de keene, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998, 53 34 recreaco e lazer” aparecem como aqueles que entendem do assunto, detém oconhecimento objetivo, neutro e rigoroso do processo como um todo, Isso é, segundo SAVIANI (1996), proprio da racionalidade capitalista que, em nome da eficiéncia na execugao das tarefas e de maior racionalizacao do trabalho, fragmenta 0 seu processo, separando de um lado os que sabem, planejam e decidem, e de outro os que fazem, executam. Um outro problema que fortemente integra a problemtica da formagio profissional como um todo é a questio da relacdo entre teoriae prdtica, presente ao longo da histéria do pensamento humano ocidental. Para CANDAU & LELIS (1993), essa problematica é particularmente aguda nos campos que incidem mais diretamente sobre a pratica social, tais como Servigo Social, Direito, Pedagogia, Medicina, Educacio Fisica e Lazer, dentre outros. A relagio teoria- pratica constitui, no entanto, uma das questdes bisicas da formagiio do educador eum dos pontos centrais de reflexdo na busca de alternativas para a formagiio profissional, pois, no seio dessa relagdo sao manifestos os problemas e as contradiges da sociedade capitatista em que vivernos, que privilegia a oposigio entre os trabalhos intelectual e manual e, em conseqiiéncia, a teoria ea pratica. A teoria é crucial & medida que se enraiza nas experiéncias de vida, nas questdes e nas praticas reais, e precisa analisar as questdes e eventos que conferem significados & nossa vida cotidiana, Contudo, ao levar em consideragio essa pratica, ndo estamos privilegiando o pragmatico em oposi¢io & teoria, mas vendo a acao cotidiana inspirar-se em consideragdes te6ricas reflexivas e, a0 ™esmo tempo, transformar a teoria. Nas palavras de GIROUX (1995, p.97), “a teoria tem que ser feita, tem que se tornar uma forma de produgao cultural”, .Paradoxalmente, considerando a proposta pedagégica dos cursos tradicionais de recreagdo ¢ lazer, o que vem predominando € um processo de reprodugao cultural, baseado na “pratica pela simples pratica”. Entretanto, a grande énfase nos métodos e nas técnicas reproduzidos nao é de modo algum ingénua, ndo decorre de um conhecimento supostamente objetivo, neutro e desinteressado, ndo é puramente “pratico” e muito menos racional. Pelo contrario, é uma forma sutil de escamotear as relagdes concretamente existentes entre trabalho, lazer, educagao e poder (COELHO, 1982), Quando a formagio no lazer é fundamentada nessa perspectiva, por meio do consumo puramente técnico de um rol de “prdticas recreativas”, da @nfase no conhecimento de um ntimero determinado de jogos e brincadeiras, bem como da compra alienada de bens/servigos de lazer, sao feridos os princfpios Gere, Belo Horizonte, v. pAT-65, 1998. de autonomia dos sujeitos e fica limitado 0 potencial teérico-pratico lidico, etitico, criativo e interdisciplinar que pode ser vivenciado nessas experiéncias. ¥ importante ressaltar que a demanda por esse tipo de proposta, geralmente concretizada em cursos de reduzida carga hordria que podem ser tealizados por qualquer pessoa— mesmo por aqueles que nem pretendem iniciar uma caminhada rumo A formagio profissional universitaria — 6 ainda muito maior do que a procura por disciplinas e cursos oferecidos por Programas de Graduagio e de Pés-Graduagio direcionados para a busca da fundamentagao teGrico-pratica no lazer’. A expectativa cristalizada socialmente, no que concerne aum processo de formagio profissional no lazer, é aquela construida por meio do modelo empirista. Nao raro percebemos a decepgdo das pessoas ao se deparar com propostas mais criticas e desvinculadas dos ditames tradicionais, onde brincar é importante sim, é fundamental, desde que seja atrelado a reflexo sobre o sentido das agées realizadas coletivamente, tendo em vista a reestruturago da nossa realidade, no sentido da emancipagio, Isso nos remete a necessidade de atrelar os princfpios criticos/criativos 4 propria agio, num exercicio dialético de desconstrugao/reconstrugao, pleno de éxitos e de fracassos nesse percurso em busca do avango teérico-pratico. Essas questdes que incidem sobre a relacdo teoria-pritica permearam’ meus didlogos com um docente de um curso de Graduagio em Turismo, que é também aluno do III Curso de Especializagao em Lazer/UFMG>. Segundo as suas reflexes, antes de buscar uma qualificagio mais consistente no lazer, esse profissional se considerava um “prdtico” que desenvolvia com maestria atividades recreativas em escolas, clubes, acampamentos ¢ hotéis. O que mais 1 4 Com essa observagiio, niio quero dizer que discordo das iniciativas comunitarias que desejam desenvolver lazer na realidade em que vivem, mesmo que os seus integrantes nao possuam uma formag3o académica e sistematizada para atuar nessa 4rea. Afinal, as liderangas comunitérias conhecem de perto e mais profundamente a realidade em que vivem, assim como os interesses © anseios de seus membros, 0 que pode contribuir significativamente para o desenvolvimento do lazer num dado contexto social. Contudo, lembro que, para acabar com as propostas paternalistas, é fundamental realizar parcerias que possam envolver instituiges preocupadas com o desenvolvimento de projetos sociais, profissionais com formagio critica/criativa na drea do lazer, assim como os componentes da propria comunidade. Essa parceria pode propiciar o desenvolvimento de uma ago mais lidica, Iicida © cocrente com a realidade vivida pelos sujeitos, por meio da vivencia do lazer na perspectiva da auto- sestio, capaz de contribuir com a formagio de outros sujeits da prépria comunidade que possam duc continuidade as propostas por eles construfdas, 5 Esse Curso de Pés-graduagio lato sensu é oferecido regularmente na Escota de Educagiio Fisica da UFMG desde 1993, ¢ desenvolvido em médulos compactos nos meses de jutho dezembro 20 longo de dois anos consecutivos, totalizando 375 horas/aula. Atualmente, encontra-se em andamento a terceira versio desse Curso (1997/1998), que ser conclufda em dezembro do corrente ano. tcere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. 55 56 chamava a sua atengao era a alegria e o prazer estampados na face das pessoas ao final de cada “pritica” desenvolvidacom harmonia, sem conflitos e contradigoes. Contudo, a medida que seus conhecimentos no lazer foram sendo ampliados, mudou também a sua maneira de lidar com os contetidos culturais desenvol vidos, sobretudo pela compreensdo de que por tr4s de toda pratica h4 sempre uma teoria que a fundamenta, mesmo quando esta parece ser “neutra” ou inexistente, “ou seja, quando seus principios ideol6gicos se encontram dissimulados. As questdes mais profundas que permeiam o lazer, enquanto uma possibilidade de vivéncia critica e criativa indispens4vel & qualidade de vida dos sujeitos e 4 construgdo de uma nova sociedade mais justa e humanizada, passaram a integrar a sua praxis, constituida por aspectos politicos, sociais, histéricos, econémicos e culturais, dentre. outros. Entretanto, esse mesmo profissional enuncia uma preocupagio, dizendo que hoje nio consegue ver o mesmo brilho, a mesma alegria e a mesma espontaneidade saboreados anteriormente pelos sujeitos, na “simples pratica tecreativa” —alienada em seus principios —, quando apreocupa¢do com o potencial tevoluciondrio do lazer nao fazia parte do seu cotidiano. - Precisamos aprender a lidar com essas questées desde os nossos Primeiros passos rumo A formagio profissional, pois, como disse ao meu colega naquela ocasido, prefiro a lucidez, mesmo cruel, do que atividades de lazer alienantes. Afinal, como enfatiza CERTEAU (1995, p.28), “a ilusio nao levard a veracidade”, e em nada poder4 contribuir com a busca de uma sociedade mais digna para todos. Por isso, é preciso repensar a énfase na regulamentacio, na certificago e na padroniza¢do do comportamento verificadas em algumas propostas de lazer, as quais limitam a criago de condigées para o exercicio dos sens{veis papéis politicos e éticos que os profissionais em formagio precisam assumir, em busca de uma cidadania responsdvel e critica. Assim sendo, é fundamental que a formagio profissional no lazer busque superar esses limites e possibilite a aquisi¢ao de diferentes competéncias, pois as sociedades modernas exigem praticas de ensino que valorizem o pensamento critico, a flexibilidade ¢ a capacidade de questionar padrées sociais, ou seja, Tequisitos culturais que tem implicagSes nao‘somente na autonomia, mas também na responsabilidade dos sujeitos (POPKEWITZ, 1992). " Trata-se, portanto, de tentar buscar alternativas que tentem romper com a perspectiva puramente técnica de formagdo, perspectiva essa que apresenta f6rmulas ¢ solugdes desenvolvidas fora do contexte dos sujeitos, desconectadas de sua experiéncia social e voltadas para a reprodugdo cultural, ao invés do permanente processo de constru¢do e reconstrucaio dos conhecimentos. cere, Belo Horizonte, v, 1, n.1, p.47-65, 1998. Esse quadro delineia para a formagio profissional no lazer muitos desafios, € traz a tona a necessidade de repensé-la nao como uma forma de reforgar as contradicgdes vividas no cotidiano. Assim, como nos diz Rubem ALVES (1987), é importante encontrar novas arestas hidicas, criticas e criativas para enfrentar esses limites, pré-condigio da integridade humana e do renascimento social, base dos horizontes da formagio profissional no lazer aqui almejada. Horizontes da formacio profissional no lazer Visando contribuir com o repensar desses limites, bem como destacar a necessidade de estimular 0 avanco qualitativo do saber construfdo na drea do lazer, ressalto que 0 ato de formar é aqui concebido como um ato social, pois envolve diferentes aspectos culturais, politicos, sociais, histéricos, cientificos, éticos e estéticos. Nao representa a criagdo de discfpulos 4 “imagem e semelhanga” dos formadores, mas intenciona contribuir com a constituigao de sujeitos criticos, criativos e que possam realizar trocas na relagio com os outros, com oconhecimento e com os demais componentes que integram a globalidade do processo formativo no lazer. Em termos gerais, & importante destacar que a formagao é ampla e auténoma em relagdo a universidade, indo desde a incorporagao dos valores € sentimentos que estruturam a comunidade na qual vivemos, até a andlise técnico-metodoldgica e sociopolitica da agao realizada profissionalmente: suas” fronteiras diluem-se e transformam-se, pois nao se restringem ao universo académico, Essa tendéncia parece acentuar e conferir um papel cultural paralelo a universidade em relagio 4 formagio profissional no lazer. Ela nao € mais 0 centro da cultura, mas um espago plural que se complementa & cultura produzida na familia, na igreja, na comunidade e nos meios de comunicagio de massa. Segundo SAVIANI (1996), aqueles que consideram a universidade como sendo uma institui¢io educativa que tem como fungées bdsicas transmitir, conservar, criar e transformar a cultura a enxergam de modo abstrato, como algo jd constitufdo, existente em si e por si. Enquanto institui¢aio dinamica, comprometida com o didlogo e com a construgao coletiva do conhecimento na formagao profissional, ela é produzida da mesma forma como a realidade humana em seu conjunto, englobando diferentes aspectos que constituem as malhas do seu tecido histérico. Assim, a universidade € construfda simultaneamente e em aco reciproca com a produgio das cere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. po . . f 37 58 condigdes materiais e demais formas da realidade, pois é um espaco de investimentos ideolégicos, produzido como expressio do grau de desenvolvimento da sociedade como um todo. Por essa razao, a formagao profissional no lazer precisa envolver um vinculo entre a universidade e demais espagos sociais que compdem a nossa Tealidade e cultura, para que 0 acesso a reflexo tedrico-pratica e a saberes cientfficos, tecnolégicos e/ou juridicos construidos pela humanidade possa atingir seu propésito, que é desenvolver nossa capacidade de orientagdo em relacao a diferentes objetivos e a problemas interdisciplinares, complexos e variados, Considerando 0 papel da universidade na formagao de profissionais para atuarem com 0 lazer, os horizontes delineados fundamentam-se no prisma cultural, tal como propde CERTEAU (1995). Essa visio busca contribuicdes principalmente nas Ciéncias Humanas e Sociais, tendo em vista explorar campos de interesse dos sujeitos sociais envolvidos no processo formativo; procurar elementos para a reflexao/ac4o que respeitem a diversidade cultural € sejam coerentes com a realidade vivida; bem como descobrir novas fontes de pesquisa, fazendo da formagio uma inesgotavel fonte de curiosidade. Formar 6, assim, fecundar novas idéias e pensamentos, criar diividas que nos retirem de posigdes acomodadas, mobilizando 0 outro de alguma maneira. E uma maneira de nos colocarmos avessos As certezas cristalizadas, com curiosidade e desejo de saber, permitindo o aflorar do desejo do outro, para juntos construirmos o conhecimento. Com isso, mais do que difundir Tespostas e solugées, a formagio no lazer aqui almejada busca preparar 0 profissional (muitas vezes j4 imerso no mercado de trabalho) para interrogar sobre o significado de sua ago e resolver problemas coletivamente, refletindo, assim, sobre a diversidade de prticas cotidianamente construfdas e sobre as contradigGes que as influenciam. Afinal, “a expansio das possibilidades humanas encerra sempre contradigdes” (POPKEWITZ, 1992, p. 46). Por outro lado, sao as contradi¢Ges que colocam em evidéncia a tradigio dominante em nosso meio, que insiste em favorecer a conten¢ao/padronizagao das diferentes culturas, ao invés de tratar os sujeitos que participam do processo de formagio como portadores de memérias sociais diversificadas, como direito de falar e de representar a si mesmos na busca de aprendizagem, de auto- determinacao e de autonomia, uma vez que ainda “existem poucos exemplos de sensibilidade curricular 4 multiplicidade de fatores econémicos, sociais e culturais presentes na vida educacional de um/uma estudante” (GIROUX, 1995, p.98). cere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. Outro aspecto a ser considerado relaciona-se ao conhecimento profundo da realidade em que os profissionais do lazer atuam, o que demanda uma sélida fundamentagao teérico-pratica e uma consistente instrumentalizagao técnica, politica e pedagégica, que permitam o empreendimento de agGes coerentes no contexto em questio, Ou seja, sujeitos que questionem a realidade, que perguntem pelo sentido de seu exercfcio profissional, que assumam uma atitude teflexiva face aos processos sociais e as contradigdes de nosso meio, fazendo do lazer n3o um mero produto a ser consumido, mas uma possibilidade lidica, critica, criativa e significativa a ser vivenciada com autonomia e muita responsabilidade. Nesse sentido, € preciso lutar pela formacdo de profissionais que estejam na linha de frente de um trabalho interdisciplinar, que estejam criticamente engajados, avidos por mudanga e pela participagao de todos na transformacao das vivéncias de lazer desenvolvidas em nosso meio. Para isso, nao basta concebé-los como simples agentes de mudanga: os sujeitos tém de ser atores sociais, capazes de refletir sobre os limites e as possibilidades da situagdo na qual se encontram; analisar as contradi¢Ges; identificar horizontes de manobras; suportar determinados conflitos e incertezas; correr riscos. Enfim, experimentar a possibilidade de jogar com as regras e com as imposi¢Ges socioculturais mais amplas, tal como foi analisado anteriormente®, A formagio critica e criativa no lazer assume, assim, uma certa responsabilidade nas priticas pedag6gicas construfdas coletivamente. Ninguém diz que basta formar os profissionais para mudar a realidade, mas a formagdo parece ser, conforme nos lembra PERRENOUD (1997), um meio privilegiado de ago. Ao transformar nossas préprias priticas pedagégicas no lazer, podemos contribuir para mudar as instituigGes, ¢ talvez até o ser humano ea sociedade. Sem nos esquecermos, contudo, que a formagiio e o exercicio profissional nio sio um meio milagroso capaz de solucionar os limites eas contradig6es sociais mais amplas. A formagiio profissional no lazer precisa, ainda, permitir a integragao de todos os tipos de saberes, numa praxis profissional que represente um meio de transformagio das atividades de lazer alienantes. Como lembra GIROUX (1995), € fundamental a essa abordagem uma série de temas identificadores, que podem servir para organizar grupos de estudo interdisciplinares, semin4rios, projetos de pesquisa, de ensino e/ou extensio, programas académicos tedrico-priticos ¢ 6 TOURAINE (1995) complementa, dizendo que a nogia de ator social ni ¢ separivel da idéia de sujeito, pois ambos resistem conjuntamente ao individualismo exacerbado praticado na Modemidade, deere, Belo Horizonte, v.1, n.1, p.47-65, 1998. [ 59 60 trabalhos cooperativos entre docentes/discentes. Nessa perspectiva, a formagiio no lazer no se reduz ao dominio de habilidades ou técnicas Tecreativas, mas & definida como uma aco cultural que precisa “ser responsabilizada ética e politicamente pelas estérias que produz, pelas assergGes que faz sobre as memérias sociais e pelas imagens do futuro que considera legitimas” (p. 100). Com isso, o formar assume um sentido construtivo, que busca levar 0 profissional a encontrar o seu préprio caminho, a transformar-se, a evoluir, a tefletir, a relacionar-se com trocas interdisciplinares enriquecedoras e significativas. Mas também existem angiistias no que se refere ao inesperado € ao desconhecido, o que requer uma habilidade no manejo das diferengas ¢ das divergéncias presentes nao somente no lazer, mas no Ambito de todas as relagdes humanas. Se por um lado a formagiio requer autonomia, que representa uma faculdade de auto-governo, com possibilidade de fazer livremente as préprias escolhas, por outro demanda também mais responsabilidade e riscos assumidos coletivamente e, portanto, um cédigo de ética’. . Orientado por um cédigo de ética, o processo de formacgao profissional demanda uma capacidade para reconstruir e negociar uma proposta flexfvel com outros profissionais e, consequentemente, uma disponibilidade para trabalhar sobretudo em equipe. Para isso, é preciso passar pela constante atualizagao dos saberes terico-praticos e construir uma identidade profissional clara, alimentada por uma cultura intelectual comum (PERRENOUD, 1997). A identidade profissional define-se, em parte, por caracterfsticas mais amplas, fruto da produgao social historicamente construida, mas 6 também uma forma de representar 0 exercfcio profissional, as suas responsabilidades, as suas metas, os seus desafios € a importancia da sua continua formagdo, sem deixar de lado a relagdo com os outros profissionais, numa busca constante pela partilha interdisciplinar dos conhecimentos e da constante superagdo de desafios. 7 A Gtica, segundo TUGENDHAT (1997), representa uma reflexio erftica sobre os princfpios, numa - incessante busca pela apreensio dos porqués, dos significados implicitos nas idéias, nos sentimentos € nas agdes realizadas socialmente pelos sujeitos. A ética indaga pelo fundamento primeiro dos nossos juizos, constituindo um exerefcio diatético da critica que anseia por consisténcia e pela construgio coletiva de nossa reflexio/agio social, Geere, Belo Horizonte, v. 1, 0.1, p.47-65, 1998. Consideragées finais: desafios 4 formagio profissional ‘ auténoma e responsdvel Sabemos que a simples dentincia ¢ a mera critica dos problemas que interferem na forma¢ao profissional no lazer nao garantem a transformagio da sociedade. Somente a luta politica e 0 avango qualitative nas discussdes sobre o lazer podem ser capazes de transpor esse territ6rio. Se por um lado 0 lazer reproduz a ideologia social capitalista, por outro pode tornar-se valioso recurso para construgao de um novo bloco histérico. Para isso, € imprescindivel adquirir uma compreensao mais Ittcida e profunda das possibilidades ¢ dos limites da formagao profissional no lazer, ou seja, o saber genuinamente transformador, porque brotado na prdxis (COELHO, 1982). ‘Uma das fundamentais finalidades da formagio auténoma ¢ responsdvel no lazer é preparar os sujeitos para serem cidaddos criticos/criativos, membros solidérios e democraticos de uma sociedade também solidaria e democritica. Uma meta como essa exige, segundo SANTOME (1995), que a selecio dos contetidos do currfculo, os recursos e as cotidianas experiéncias de ensino e aprendizagem que caracterizam a formagio, as estratégias de avaliac3o e os modelos organizativos possibilitem a construgdo de novos conhecimentos, atitudes, normas e valores necess4rios ao exercfcio consciente da cidadania, O desenvolvimento dessa responsabilidade coletiva requer que os estudantes empreendam agGes capazes de prepar4-los para vivere participar em sua propria comunidade tendo clareza quanto & importancia da aquisigdo e diversificagdo de seu acesso aos bens culturais. Uma instituicao que trabalha na direg’o da formagio0 cultural do préprio profissional necessita incentivar a elaborago/realizagdo de Projetos nos quais todos se sintam impelidos a tomar decisdes, a solicitar a colaboragao de todos, a debater e criticar sem medo de sangdes negativas por opinar e defender posturas diferentes das comumentes aceitas em nossa cultura, num exercicio intenso de (re)interpretago da vida social. A formagao profissional no lazer que busca autonomia e responsabilidade nao est4, pois, comprometida com o simples processo de transmissdo de saberes, mas de nossa prépria constituigdo enquanto sujeitos, e de nosso posicionamento no seio das diversas divisdes socioculturais inscritas em nossa realidade, Além disso, as miltiplas narrativas que compdem a formagiio (a Racionalidade, a Moral, a Ciéncia, a Histéria, dentre outras), explicita ou implicitamente, corporificam nogGes e tecem uma trama sobre o mundo social, seus atores € personagens, bem como sobre 0 conhecimento legitimo‘a ser difundido. Por Geere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. 61 62 outro lado, as narrativas podem também ser vistas como textos abertos, “como historias que podem ser invertidas, subvertidas, parodiadas, para contar historias diferentes, plurais, miltiplas, histérias que se abram para a produc3o de identidades e subjetividades contra-hegem6nicas, de oposigao”, de resisténcia . €de reconstrugao de nossos papéis sociais (SILVA, 1995, p.206). Com isso, face 4s consideragdes sobre os limites e sobre os horizontes da formagao profissional no lazer empreendidas nesta reflexao, eu gostaria de finalizar trazendo mais um componente para esse didlogo: o sentido da palavra bricolage, enquanto desafio para a reconstrugio ltidica dos papéis sociais no interior do processo formativo aqui almejado. Segundo as andlises de CERTEAU (1995), bricolage é um termo usado principalmente na Antropologia, e significa uma ado cuja técnica nao é padronizada, uma vez adaptada aos recursos materiais disponiveis e as circunstancias do contexto. Representa um trabalho minucioso, cotidiano; uma fonte ilimitada de enriquecimento para aqueles que no se contentam com o simples dominio de contetidos, uma vez que se busca despertar a criatividade no processo e também no produto construido. O bricoleur nio age apressadamente, nao se satisfaz com a padronizacao dos gestos e com a uniformizagao cultural, que visa apenas 9 consumo alienado dos bens produzidos e dos servicos ofertados, Meera, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998. O que se torna crucial na bricolage, acrescenta CERTEAU (1995), é0 ato cultural préprio 4 “colagem”, a invengdo de formas e de combinagdes, assim como os procedimentos que possibilitam a multiplicidade de composigdes. Como podemos utilizar o bricolage na formacio profissional no lazer? Quando nos esforgarmos por combinar, adaptar e criar situagdes pedagégicas em nossa prdxis. Quando levarmos em conta a diversidade cultural presente na formagao; quando formos capazes de escutar e olhar com mais atengio; quando passarmos a ver 0 oculto, 0 nio dito, o dissimulado; quando tivermos um conhecimento mais profundo da realidade; quando soubermos relativizar as evidéncias do senso comum. Afinal, uma prdxis saboreada e desenvolvida desde a formagio profissional exige mais do que dom{nio e contetidos e de técnicas preestabelecidas que assegurem a transmissdo do saber. Seria isso um sonho, uma utopia? Paulo FREIRE (1982) nos diz que & muito importante sonhar “sonhos possfveis”. O sonho possivel exige que pensemos cotidianamente a nossa prdtica pedagégica, que descubramos os limites hist6ricos da nossa propria praxis, ou seja, percebamos e demarquemos espagos livres a serem preenchidos e que lutemos por uma formagio libertadora nio domesticadora. Segundo suas reflexées, “o critério da possibilidade ou impossibilidade dos sonhos é um critério hist6rico-social e nao individual” (p. 99). As utopias si0 sonhos sociais, e seu segredo consiste na realidade da qual sio provenientes. Sua forma e sua substéncia no ocorrem em um campo independente da vida social. Por isso, € fundamental inventar o possfvel e preencher um espago de movimentagio onde possa brotar a liberdade (MANNHEIM, 1982). Uma formagio profissional no lazer que assume a liberdade como um de seus pressupostos é um exercicio utépico que busca viver a unidade dialética, dinamica e interdisciplinar entre a dentincia e o antincio, Isso demanda visitar oamanh, o futuro, por meio do profundo engajamento auténomo e responsAvel com o hoje, com o aqui e com o agora que fazemos presentes. Referéncias Bibliograficas ALVES, Rubem. A gestagdo do futuro. 2.ed, Campinas, SP:Papirus, 1987. CANDAU, Vera M. & LELIS, Isabel A. A relagio teoria-pratica na formagiio do educador. In: CANDAU, Vera M. (Org.). Rumo a uma nova diddtica. 5.ed. Petr6polis: Vozes, 1993. p. 49-63. Ueere, Belo Horizonte, ¥. 1, n.1, p.47-65, 1998, 63 aa CERTEAU, Michel de. A cultura no plural, Campinas: Papirus, 1995. COELHO, Ildeu, A questo politica do trabalho pedagégico. In: BRANDAO, Carlos R. (Org.). O educador; vida e morte. Rio de Janeiro: Edigdes Graal, 1982. p. 29-50, 1982, FREIRE, Paulo. Educagio; 0 sonho posstvel In: BRANDAO, Carlos R. 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It's necessary a development of a interdisciplinary leisure formation with responsability and autonomy, in order to modify this conception, making this process a genuine “bricolage”, a bigger challenge for the amusing construction of social functions, inside of a desided professional formation. . KEY WORDS: Leisure, professional formation, “bricolage”, cere, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p.47-65, 1998, 65

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