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“ P65-MODERNISMO FOL{TICA Homi Bhabha analisa os processos de subjetificagéo do discurso estereotipico, enquanto Edward Said, num ensaio onde reconsidera as colocagdes de seu cfésSico trabalho Orien- talismo, discute a antropologia e a etnografia européias a partir da critica epistemol6gica das articulagées do desenvolvimento do historicismo tradicional com as priticas atuais do imperia- lismo cultural e econdmico. A emergéncia de um “pensamento diferencial”, marcedo pela preocupaséo em problematizar de forma radical o nexo que mantém ligados identidade e lin- guagem, constitui a perspectiva central das estratégias de lei- tura dos atusis estudos sobre as diferences raciais e sexuais. AAs discussdes propostas por Jane Flax e Henry Louis Gates Jr. evidenciant, neste sentido, em que medida as teorias feministas eos estudos étnicos podem atualmente ser considerados uma intervengo ndo apenas politica mas epistemol6gi Tomase claro, a partir da leitura do conjunto destes en- saios, que a “situagdo de psmodernidade”, como a define Laclau, abre, de forma irreversivel, um espago discursivo onde (© que € desafiado néo é ianto a diferenciagéo de identidades sociais, como ocorria na década de 60, quanto a légica ¢ 0 status de sua construgdo. A realidade pésmodema apresenta- se assim como realidade tdtiea cuja eficécia € diretamente pro- porcional & sua luta contra a linguagem € ao seu compromisso com a desarticulagéo dos varios e sutis sistemas de dominasio ainda hegeménicos. © que parece, sobretudo, estar hoje em questéo (e que demanda, sem divide, uma imaginacio politica ‘nica na his- t6ria) no seria apenas a simples rejeigo do projeto moderno, mas, ainda segundo Laclau, a eficécia de uma modulagio ferente de seus temas ¢ categorias, de uma maior prolifera de seus jogos de linguagem © da ampliacio radical do conteddo © dos valores da modernidade, procurando responder assim & situacdo concreta e desafiadora do quadro politico gerado pelo surgimento de um falacioso pluralismo neoliberal e do exiguo cespaco disponivel para a viabilizagéo de uma cultura demo- crética no contexto de uma cultura e de uma economia mul- tinacionais. MAPEANDO O POS—MODERNO* Andreas Huyssen Uma hist6ria No verio de 1982, visitei a sétima Documenta, em Kassel, na Alemanha Ocidental, uma exposigfo em que se represen- tam as mais recentes tendéncias da arte contemporines a cada quatro ou cinco anos. Meu filho Daniel, entiio com cinco anos de idade, foi comigo ¢ conseguiu, involuntariamente, fazer com que 0 mais recente em matéria de p6smodernismo se tornasse realmente palpével para mim. Ao nos aproximarmos do Fr ricianum, 0 museu que abrigava a exposigo, vimos um grande fe longo muro de pedras, aparentemente empilhadas 20 acaso, 20 Indo do museu. Era um trabalho de Joseph Beuys, uma das principais figuras do cenério pés-moderno hé pelo menos uma década. Chegando mais perto, percebemos que milhares de enormes blocos de basalto haviam sido arrumados em uma formago triangular, cujo Angulo menor apontava para uma rvore recentemente plantada — tudo isso como parte do que Beuys chama escultura social e que, numa terminologia mais tradicional, teria sido considerado uma forma de arte apli- cada. Beuys havia dirigido um apelo aos cidaddos de Kassel, + “Mapping the postmodern” foi publicado em New German Critique, 1. 33, Fall 1984, University of Wisconsin Press. Andreas Huyssen é professor de literatura comparada na Universidade de Colimbia e autor de After the great divide. 16 Pés-MODERNISMO E POLITICA uma triste cidade provinciana reconsttuida em concreto apés (8 pesados bombardeios da tiltima guerra mundial, para que se plantasse uma Srvore com cada uma de suas sete mil “pedras de plantio". © apelo — pelo menos inicialmente — havia sido recebido com entusiasmo por uma populagio geralmente Pouco interessada nas Gltimas gracas do mundo artistico. Da- niel, por sta vez, adorou as pedras. Eu 0 observei escalar © descer, it e vir. “Isso € arte?", perguntou ele de forma pro- saica. Falei-the sobre a politica ecolégica de Beuys e sobre a morte lenta das florestas alemas (Waldsterben) decorrente da chuva dcida. Daniel continuava a brincar em volta das pe- dras, escutando distraidamente os poucos e elementares con- ceilos que eu buscava transmitirlhe sobre como se faz arte, sobre a escultura como monumento ou antimonumento, sobre 4 arte para ser escalada e, finalmente, sobre a arte destinada 20 desaparecimento — as pedras afinal desapareceriam da rea do museu tio logo as pessoas comecassem a plantar as frvores. Mais tarde, dentro do musew, contudo, as coisas tomaram rumo bem diverso. Nas primeiras salas, passamos por uma coluna dourada, na verdade um cilindro metélico inteiramente coberto por folhas douradas (de James Lee Byars) ¢ uma Jarga parede dourada de Kounellis, com um cabide de rou. pas, incluindo chapéu © casaco, colocado a sua frente. Teria © artista, como um Wu Tao-Tse dos dias de hoje, desap: recido dentro. da parede, dentro de seu trabalho, deixando para ‘rs apenas seu chapéu © seu casaco? Nio importa qufo su- gestiva pudéssemos achar a justaposicéo do banal cabide de roupas a preciosidade da brilhante parede sem portas, uma coisa parecia clara: “Am Golde hiihet, zum Golde hingt die Postmodern" (Do ouro depende, para ouro’ tende 0 pés- ‘moderno). Algumas salas adiante, encontramos 2 mesa espiral de Mario Merz, fei ©, 260, madeira e placas de arenito, com galhos projetando-se para fora do pardmetro da forma. so espiral — mais uma vez, assim me parecia, tratava-se fa de cobrit os tipicos materiais duros da era MAPEANDO © P6S-X0DERNO uv modernista, ago ¢ vidro, com outros mais flexiveis ¢ “natu- rais", mo caso 0 arenito e a madeira, Havia conotagées* de Stonehenge ¢ ritual, obviamente’ domesticados ¢ trazidos para as proporgdes de uma sala de visitas. Eu estava tentando asso- cia em minha mente o ecletismo dos materisis usados por Merz com o ecletismo nostélgico da arquitetura pés-moderna ou o pastiche de expressionismo na pintura dos neuen Wilden, exibida com destaque em outro prédio da mostra. Em outras palavras, estava tentando fiar uma linha vermelha através do Iabirinto do pés-moderno. Entdo, num estalo, o padrio se escla- rece, Quando Daniel tentava sentir as superficies ¢ fissuras do trabalho de Merz, passando os dedos a0 longo das pla- cas de pedra © sobre o vidro, um guarda aproximou-se rapi- damente gritando: “Nicht beriihren! Das ist Kunst!” (“Nao toque! Isso € arte!) Pouco depois, cansado de tanta arte, Daniel sentava-se nos sélidos blocos de cedro de Carl André, apenas para ser expulso dali com a admoestagio de que arte _ nfo servia para sentar. Ali estava ela, de novo, a velha nogio de arte: no to- que, no ultrapasse. © museu como templo, o artista como profeta, a obra como reliquia € objeto de culto, a aura res- taurada. De repente 0 privilégio dado a0 ouro nesta expo- + sigo passou a fazer muito sentido. Os guardas, evidentemente, apenas executavam o que Rudi Fuchs, 0 organizador da Do- cumenta, tio bem informado das tendéncias atuais, tisha em mente o tempo todo: “Desvencilhar a arte das diversas pres- s6es e perversdes sociais que ela tem enfrentado.”' Os debates dos ltimos 15 ou 20 anos sobre 0 modo de ver © experi- mentar a arte contemporinea, sobre imaginagSo e producio de imagens, sobre as ligagbes entre arte de vanguarda, icono- sgrafia dos meios de comunicagéo e publicidade pareciam abo- lidos, deixando 0 quadro limpo para um novo romantismo. ‘Mas isso encaixa perfeitamente bem, por exemplo, com as eelebragses da palavra profética nos escritos mais recentes de’ Catélogo Documenta 7 (Kassel, Paul Dicrichs, sd. (19821, pég. XV). 18 6s: MODERNISMO = POLITICN Peter Handke, com a aura do-“pésmoderno” no cenério artis- tivo de Nova York, com a autoestilizacio do cinegsty como auteur em Burden of dreams, documentério sobre a realizagao de Fitzcarraldo, de Werner Herzog. Basta pensar nas imagens finais do filme, uma pera em um navio no Amazonas. Bateau ivre chegou a sex cogitado pelos organizadores da Documenta ‘como titulo para a exposicio. Mas, enquanto o velho barco 1a vapor de Herzog era realmente um béteau ivre — a Opera na selva, um navio carregado por sobre uma montanha —, 0 bateau ivre de Kassel estava apenas tornando-se mais mode- rado em sua pretensfo. Considere-se este trecho, tirado da introdugfo do catélogo de Fuchs: “Afinal de contas o artista um dos iltimos praticantes da distingo individual.” Ou, novamente segundo Fuchs: “Aqui, entio, comega nossa expo- sicdo; aqui estéo a euforia de Holderlin, a légica serena de ‘T.S. Eliot, 0 sonho inacabado de Coleridge. Quando o via- jante francés que descobriu as Cataratas do Nidgara voltou a Nova York, nenhum de seus sofisticados amigos acreditou em sua fantéstica histéria. Qual € a sua prova, perguntaram. Minha prove, disse ele, € que eu as vi."? Cataratas do Niégara e Documenta 7 — j& vimos tudo isso antes. Arte como natureza, natureza como arte. O halo que Baudelaire certa vez perdeu num movimentado bulevar de Paris esté de volta, a aura restaurada, Baudelaire, Marx € Benjamin esquecidos. O gesto em tudo isso € patentemente antimoderno € antivanguardista. Decerto alguém poderia argu- mentar que, com sua referéncia a Holderlin, Coleridge ¢ Eliot, Fuchs tenta reviver o préprio dogma modernista — ainda outra fiostalgia pés-moderna, outro retomno sentimental a um tempo em que a arte ainda era arte. Mas o que distingue essa nostalgia da prépria coisa, ¢ 0 que a faz em dltima ins- téncia antimodernista, € sua falta de irunia, reflexio © davida em relacfo a si propria, seu entusiasmado abandono de uma consciéncia critica, sua ostensiva autoconfianga ¢ a encena- Ho de sua convieséo (visfvel mesmo nos arranjos espaciais dentro do Fridericianum) de que deve haver um dominio de 2 biden, MAPEANDO © P65 MODERNO 19 Pureza para a arte, um espaco além daquelas infelizes “di- 0 " que a arte tem tido de na trajet6ria do pés-modernismo, corporificads, em minha opinido, na Documenta 7, baseiase numa quase total confuséo de cédigos: ela é antimoderna e altamente eclética, mas se apresenta como um retorno 3 tra- disio modernista; € antivanguarda por simplesmente escolher desqualificar a preocupagao crucial da vanguarda com a cria- ‘so de uma nova arte numa sociedade alternativa, mas finge ser vanguarda na sua apresentacio de tendéncias.atuai lo, € mesmo anti-pésmoderna, jé que aban- dona qualquer reflexo sobre os problemas que a exaustio do alto modernismo originalmente suscitou, problemas que a arte pésmodema, em seus melhores momentos, tem procurado en- frentar esteticamente e, em alguns momentos, mesmo politi- camente. A Documenta 7 pode ser vista como o perfeito simu- lacro estético: ecletismo fécil combinado com amnésia estética € delirios de grandeza, Ela representa o tipo de restauragdo posmodema de um modernismo domesticado que parece estar ganhando terreno na era de Kohl-Thatcher-Reagan e corres- onde sos ataques de movimentos politicos conservadores & cultura dos anos 60 que tém crescido em volume e malicia O problema Se isso fosse tudo 0 que pudesse ser dito sobre 0 pés-moder- nnismo, ndo valeria @ pena retomar o assunto. Eu poderia muito 3 Evidentemente, isso nio tem a intengio de ser ums Ho “Justa” ‘da mostra ou de todos 8 trabalhor nela exibidos. De claro que (© que me interessa aqui é a dramaturgia da mostra, © modo como elt {oi concebida © apresentada so pablico. Para uma discussio mais deta- hada da Documenta 7, consultar Benjamin H. D. Buchloh, “Documenta 7: a Dictionary of Received Ideas” (October n. 22, outono de 1982, gs. 105-126, 20 P6s-MODERNISMO E FOL{riCk bem parar por aqui e me juntar a0 formidével coro daqueles que Iamentam a perda de qualidade ¢ proclamam o declinio das artes desde os anos 60. Meu argumento, contudo, seré diferente. A recente ret6rica dos meios de comunica¢io sobre ‘© pésmodernismo em arquitetura ¢ nas artes, ao mesmo tempo que tem colocado 0 tema em evidéncia, vem igualmente ten- dendo a obscurecer a longa e complexa histéria da questo. Boa parte de minha anilise bascia-se na premissa de que, © que aparece em um certo nivel como a tiltima tendéncia, auge publicitério e espetéculo vazio, é parte de uma transfor- ‘magio cultural que emerge lentamente nas sociedades ociden- fais, uma mudanga da sensibilidade para a qual o termo “pés- , modernismo* realmente, pelo menos por enquanto, inteira mente adequado. A natureza e a profundidade dessa trans- formago podem até ser discutiveis, mas hé uma transforma: gio. Eu nfo quero ser mal entendido, pois no afirmo que exista uma total modificagio no paradigma das ordens cultu- ral, social e econémica;* qualquer pretensio nesse sentido se- ria’ claramente exagerada. Registra-se, contudo, em importante setor de nossa cultura, uma notével mudanga nas formagées de sensibilidade, das préticas ¢ de discurso que torna um conjunto pés-moderno de posigdes, experiéncias e propostas distinguivel do que marcava um periodo precedente. O que | precisa ser mais amplamente esclarecido € se essa transfor- magdo tem gerado verdadeiramente novas formas estéticas nas Vérias artes ou se ela predominantemente recicla técnicas © estratégias do proprio modernismo, reinscrevendo-as num con- | texto cultural modificado, Evidentemente, hé boas razSes para tamanha resistencia frente a qualquer tentativa de levar a sério o p6s-moderno, fem seus préprios termos. E realmente tentador desqualificar muitas das manifestacSes correntes do pésinodernismo como ‘uma fraude perpetrada contra um ptiblico crédulo pelo mer- © Sobre essa questio, consultar 0 artigo de Frederic Jameson, “Post- modernism or the cultural logic of capitalism” (New Left Review, n. 146, julhoagosto de 1984, pégs. 5592), cuja tentativa de identficar 0 pbs ‘modernismo com um novo estigio na Iégica de desenvolvimento do capital, a meu ver, exagers —_,. MAPEANDO © P6S-MODERNO a cado de arte de Nova York, no qual reputagées sio constru- dase engolidas em menos tempo do que os pintores coi * seguem pintar: testemunho disso sfo as delirantes pinceladas dos novos expressionistas. E também facil argumentar que boa parte da cultura contempordnea de interarts, multimidia € performances, que ja pareceu tio vital, esté agora desaque- ccendo os motores ¢ se banalizando, como se saboreasse a eterna repeticéo do déja vu, Com boa razio, devemos permanecer eéticos em relagio. ao renascimentno da Gesumtkunstwerk wagneriana como espetéculo pésmoderno nos trabalhos de Syberberg ou Robert Wilson. O atual culto a Wagner pode ‘mesmo ser um sintoma de uma afortunada fusio entre a mega- lomenia, do pds-moderno € a do pré-moderno no limiar do modernismo, Parece que a procura do Santo Graal voltou 8 voga. Mas quase fécil demais ridicularizar pés-modernismo do atual cenério artistico'nova-iorquino ou da Documenta 7. Essa rejeigio radical nos deixaré cegos, contudo, para 0 po- fencial critico do pésmodernismo, que, acredito, também existe, embora possa ser dificil identificé-lo3 A nogio de obra de arte como critica realmente constitui uma das mais inte- ligentes condenagdes do pés-modernismo, acusado de ter aban- donado a postura critica caracteristica do modernismo. Con- tudo, em décadas recentes as idéias familiares sobre 0 que constitui uma arte critica (Parteilichkeit e vanguardismo, art engajé, realismo critico, ou a estética da negatividade, a re- cusa da representagio, a abstragio, a reflexio) tém perdido muito de sua forga explicativa e norinativa. Esse precisa. ‘mente dilema da arte numa era p6s-moderna, Em todo caso, no vejo razio para um total abandono da nogéo de arte ~ critica. As presses neste sentido no sio novas; tém sido formidaveis na cultura capitalista desde 0 romantismo, ¢, se nossa pésmodemidade faz com que seja excessivamente’ di- 5 Para uma distinggo entre pésmodernismo eritico € pbemoderismo afirmativo, vejase a introdugdo de Hal Foster para The antiaesthetic (Port Townsend, Washington, Bay Press, 1984). (mais recente. ens de Foster sobre este assunto, entretanto, indica uma mudanga de opinifo fem relagio a0 potencial ertico do péemodernismo. 2 P6s:MODERNISMO E POLITICA ficil mantermo-nos apegados @ uma antiga nogiio de arte como critica, a tarefa que nos espera é a de redefinir as poss dades da critica em termos p6smodemnos e néo a de relegé-lé 0 esquecimento. Se 0 pés-moderno for discutido antes como condigo histérica ¢ no como simples estilo, torna-se_ po vel e mesmo importante descobrir 0 momento critico no pré- prio pés-modernismo ¢ afiar seu gume, mesmo que ele parega ‘cego & primeira vista. O que nfo adianta mais € louvar ou ridicularizar 0 p6s-modernismo em seu conjunto, O pésmo- demo deve ser salvo de seus defensores ¢ de seus detratores. Este ensaio tem por finalidade contribuir para tal projeto. Em quase todo o debate sobre 0 pésmodernismo, um modo de pensar muito convencional tem se afirmado. Ou se diz que o pésmodernismo esté em continuidade com 0 ‘modernismo, caso em que todo debate que oponha os dois + fenémenos passa a ser ilusério, ou se sustenta que hé uma 1, um corte em relagio a0 modernismo, que entio avaliado em termos positives ou negativos. Mas a ques- to da continuidade ou descontinuidade histérica simplesmente no pode ser discutida de modo adequado nos termos de uma tomia de “ou isso ou aquilo”. Ter questionado a vali- dade desse padrio de pensamento dicotémico é, como se sabe, ‘uma das maiores contribuigdes da desconstrucao de Derrida. Mas a nogéo pés-struturalista de textualidade infinita mutila, em diltima andlise, qualquer reflexio hist6rica significativa so- bbre unidades temporais menores do que, digamos, a longa onda metafisica de Plato a Heidegger ou a difusio da mo- dernité de. meados do século passado até 0 presente. O pro- blema destes mactoesquemas hist6ticos com relagio ao pés- modernismo € que eles sequer permitem que o fenémeno seja enfocado. Tomarei, portanto, um caminho diferente. Nao tentarci definit aqui o que € pésmodernismo. O préprio termo “pés- modernismo” deve prevenir-nos contra: tal abordagem, j& que ‘estabelece o fenémeno como relacional. O modernismo do qual (© pésmodernismo se separa permanece inscrito na_prépria lavra com a qual descrevemos nossa distincia do moder- niismo. Assim, mantendo em mente a natureza relacional do pésmodernismo, partirei simplesmente da Selbstverstindnis MAPEANDO 0 #65:MODERNO 2B do pés-moderno, do modo como ele tem dado forma a vé- ros discursos desde os anos 60. O que espero produzir neste ensaio € algo como um mapa em escala ampla do pés-mo- derno, que cobre varios territérios ¢ no qual as diversas pré- ticas artisticas e criticas pés-modernas possam encontrar seu lugar estético ¢ politico. Distinguirei vérias “fases ¢ diregées na tajetéria do pés-moderno nos Estados Unidos. Meu pri- ‘meiro objetivo serd destacar algumas contingéncias © pressdes historicas que tém dado forma a debates estéticos e cultu- rais recentes, mas que tém sido ignoradas ou sistematicamente bloqueadas na teoria 2 Vaméricaine. Sempre fazendo referén- cia a realizagdes da literatura ¢ das artes visuais, dedicar- ‘me-ci principalmente 20 discurso critico sobre pés-moderno, 80 pésmodernismo em relagio, respectivamente, 20 ‘modernismo, & vanguarda, a0 neoconservadorismo © 20 p6s estruturalismo, Cada uma dessas constelagGes representa uma espécie de camada do pés-moderno ¢ dessa forma seré apre- sentada, Finalmente, clementos centrais da Begriffsgeschichte do termo setdo discutidos em relagdo a um conjunto mais amplo de questées propostas em recentes debates sobre 0 mo- dernismo, a modernidade ¢.a vanguarda histérica’ A meu ver, [Em relagio a uma tentativa anterior de produzic uma Begriffsgeschichte do pésmodernismo na literatura, vejamse os vérios ensaios publicados fem Amerikastudien (22:1, 1977, pgs. 946), que inclul uma valiosa bibliografia. Cf. jgualmente thab Hassan, The dismemberment of Orpheus, fem sun segunda edigio (Madison, University of Wisconsin Press, 1982), sobretudo 0 novo “Postface 1982: toward a concept of postmodernism” (Pégs. 259271), O debate sobre modernidade © modemizagdo ne histria © nas ciéncias sociis € amplo demais para ser documentado aqui; ume ‘excelenie pesquisa da literatura pertinente pode ser encontrada em Har Ulrich Weber, Modernisierungstheorie und Geschichte (Gettingen, Va enhocck & Ruprecht, 1973). Sobre a questao da modernidade eas artes, ver: Matei Calineseu, Faces of modernity (Bloomington, Indiana University Press, 1977); Marshall Berman, Tudo que é slide. desman cha no ar: A aventura da modernidade (Companhia das Letras, 1987); Eugene Lunn, Marxism and modernism (Berkeley ¢ Los Angeles, Uni: versity of California Press, 1982); Peter Burger, Theory of the avantgarde (Minneapolis, University of Minnesota Press, 1984). ‘Também importante bara este date o recente trabalho desenvlvido por historindores tura sobre cidades especificas e sua cultura, como, por exemplo, ho de" Car Schorske © Robert Waisenberger sobre Viena no * PésMODERNISMO E PoLiTICA uma questo fundamental é até que ponto modernismo e van- © sguarda, como formas de uma cultura de oposicao, estiveram, fentretanto, conceitual ¢ praticamente ligadas 4 modernizacio capitalista e/ou a0 vanguardismo comunista, esse irmio gé- meo da moderizagao. Como espero que este ensaio venha ‘a mostrar, a dimensio critica do pés-modernismo reside pre- ccisamente em seu radical questionamento daquelas.pressupo- sigSes que ligaram 0 modernismo e a vanguarda aos propési- tog da modernizacio. A exaustio do movimento modernista Para comecar, alguns breves comentétios sobre a trajetdria © as migragdes do termo “pés-modernismo”. Em critica réria, a expresso remonta, ao fim da década de 50, quando © termo foi usado por Irving Howe © Harry Levin para le- mentar a queda de nivel do movimento modernista. Howe € Levin olhavam nostalgicamente para o que jé parecia um pas- sado mais rico. “Pés-modernismo” foi usado enfaticamente pela primeira ver nos anos 60 por criticos literérios como Leslie sdler hab Hassan, que sustentaram visées amplamente divergentes do que fosse literatura pés-moderna. Foi somente no inicio até meados da década de 70 que o termo ganhou ‘um curso mais geral, aplicando-se primeiramente’ & arquitetura € depois & danca, ao teatro, a pintura, ao cinema ¢ & misic ‘Ao 'passo que a ruptura. pés-moderna com o modernismo clés- sico era razoavelmente vistvel na arquitetura e nas artes vi- suais, © nogio de uma ruptura pés-moderna na literatura tem se mostrado hem mais dificil de determinar. Em algum mo- mento no fim da década de 70, a expressio “p6s-modernismo nfo sem 0 encorajamento norte-americano, migrou para a Eu- fim do séeulo passado, o de Peter Gay e John Willett sobre a Repit ‘de Weimar, c, para uma discuss§o do antimodemnismo norte-americano nna virada do’ século, T. J. Jackson, No place of grace (Nova York, Pantheon, 1981). MAPEANDO © P6S-MODERNO 23 ropa via Paris ¢ Frankfurt. Kristeva e Lyotard a adotaram na Franca; Habermas, na Alemanha, Nesse interim, jé 0s criticos norte-americanos haviam comecado a discutir 0 ter- Feno comum a0 pés-modernismo e a0 pésestruturalismo fran- cés em sua peculiar adaptagdo norte-americana, freqiiente- ‘mente pressupondo que a vanguarda na teoria deve, de al guma maneira, ser homéloga vanguarda na literatura e nas artes, Enquanto 0 ceticismo sobre a viabilidade de uma van- guarda estava em alla nos anos 70, a vitalidade da teoria, apesar de seus muitos inimigos, parece nunca (er sido seria- mente questionada, Para alguns, na verdade, era como se as energias culturais que, nos anos 60, haviam abastecido os mo: vimentos artisticos se dirigissem, na década de 70, para o corpo da teorie, abandonando 0 empreendimento artist Mesmo que, na melhor das hipéteses, esta observagio tenha © valor estritamente de uma, impressio © nfo faga justica as artes, parece razoavel afirmar que, uma vez irreversivel a su- méria légica de expansio do pés-modernismo, 0 labirinto do ésmoderno tomou-se ainda mais impenetravel. No inicio dos anos 80, 2 constelagio modernismo/pés-modernismo nas artes © a constelagio modernidade/pés-modernidade na teoria so- cial tinham jé se transformado em um dos mais disputados campos da vida intelectual das sociedades ocidentais. E 0 campo € disputado precisamente porque hé muito mais em questo do que a existéncia ou ndo de um novo estilo artistico, e bem mais do que simplesmente a “correta” linha te6ric: Em nenhum outro lugar a ruptura com 0 modernismo parece mais bvia do que na recente arquitetura norte-ameri- cana, Nada pode estar mais distante do funcionalismo das paredes de vidro de Mies van der Rohe do que 0 gesto de aleatéria citagio histérica que prevalece em tuntas fachadas pés-modernas. Tome-se, por exemplo, o arranhacéu de Philip Johnson para a AT&T, adequadamente rompido por uma me- tade neoclissica, com colunatas romanas no térreo © um fron- ‘Go triangular de estilo Chippendale no topo. Na verdade, uma’ crescente nostalgia pelas varias formas de vida do passado parece ser uma forte tendéncia subjacente cultura dos anos 70 © 80. E € temtador desqualificar esse ecletismo histérico, pat G2MODERNISMO £ POLITICA encontrado nfo somente na arquitetura como também nas ar- tes, no cinema, na literatura ¢ na cultura de massas dos dl- times anos, como equivalente cultural da nostalgia neoconser- vadora dos velhos bons tempos ¢ como um sinal manifesto do decadente indice de smo tardio. Mas essa nostalgia pelo passado, 2 busca muitas vezes delirante ¢ abusiva de tradigées recuperdveis, € a crescente fascinacao pelas culturas prémodernas ¢ primitivas — seré tudo isso unicamente fruto da perpétua necessidade de espetéculo de frivolidade caracteristica dis instituigées culturais, , nesse sentido, perfeitamente compativel com o status quo? Ou seré que talver expresse igualmente uma insatisfacdo genuina © legitima com a modernidade ¢ 0 inquestiondvel credo na per- pétua modernizagao da ane? Se, como creio, a segunda alter nativa for a mais adequada, como pode a busca de tradigdes alternativas, sejam elas emergent: ou residuais, tomnarse cul- turalmente produtiva sem fazer concessdes as presses do con- servadorismo que se aferra com unhas e dentes 20 proprio eonceito de tradigo? No estou argumentando que todas as manifestag6es da recuperacio pés-moderna do passado devam ser bem-vindas por estarem de certa forma em sintonia com © Zeitgeist. Tampouco quero ser mal entendido, como se afitmasse que 0.tio atual reptdio pésmodernista da estética do alto modernismo ¢ seu enfado com as proposigies de Marx ¢ Freud, Picasso ¢ Brecht, Kafka e Joyce, Schinberg © Stra- vinsky sio de algum modo sintomas de um grande avango cultural. Onde 0 pos-modernismo simplesmente descarta 0 ‘modernismo, ele est apenas cedendo a demanda do aparelho cultural para que se legitime como algo radicalmente novo ¢, com isso, fazendo reviver os preconceitos filisteus enfrentados pelo modernismo na sua propria época. ‘Mas, mesmo se as propostas do pés-modernismo — cor- porificadas, por exemplo, nos edificios de Philip Johnson, Michael Graves e outros — no parecem convincentes, isso no significa que uma continuidade na adesio a um conjunto mais antigo de propostas modernistas gatantiria 0 surgimento de edificios ou obras de atte mais convincentes. A recente tentativa neoconservadora de reafirmar uma versto domesti- cada do modernismo como Gnica verdade vélida da cultura MAPEANDO © P6S:MODERNO a deste século — manifesta, por exemplo, na exposigio re zada em 1984 por Beckmann em Berlim e em rauitos dos artigos reunidos no New criterion, de Hilton Kramer — & uma estratégia destinada a enterrar as criticas politicas ¢ estéticas de certas formas de modernismo que ganharam terreno desde ‘0s anos 60. Mas o problema do modernismo no se restringe & possibilidade de sua integragdo a uma ideologia conserv: dora da atte. Afinal, isso jé aconteceu antes, ¢ em larga es- cala, mos anos 50? A meu ver, 0 problema maior que po- ‘demos reconhecer atualmente & a proximidade, em seu préprio tempo, das varias formas de modernismo com 0s propésitos da modernizagio, em versio capitalista ou comunista. Eviden- temente, 0 modernismo nunca foi um fendmeno monolitico: continha tanto 2 euforia da modernizagéo, com o futurismo, © construtivismo © 0 Newe Sachlichkeit, quanto algumas das mais duras criticas & modernizagdo, nas vérias formas mo- dernas do “anticapitalismo roméntico”* A questéo de que lato neste ensaio néo se refere ao que o modernismo real- ‘mente era, mas a como ele que saber € valores dor cionou ideolégica e culturalmente apés a Segunda Guerra Mun- dial. Foi uma imagem especifica do modernismo que se con- yerteu no pomo da discérdia para os pés-modernos, ¢ esta imagem deve ser reconstruida se pretendemos entender a pro- blemética relagéo do pés-modernismo com a tradigio moder nista, bem como sua reivindicagdo de diferenca. A arquitetura nos dé 0 mais palpével exemplo das ques- es em discussie. A utopia modernista corporificada nos pro- gramas de construgdo da Bauhaus, de Mies, Gropius e Le cf. Jost Hermand, “Modernism restored: West German painting in the 1950s" (New German Critique, n. 32, primavera e verio de 1984) € Serge Guilbaut, How New York stole the idea of modern art (Chicago, ‘Chicago University Press, 1985). ©” Para uma discusséo deste conceito, ef. Robert Sayre & Michacl Lowy, Figures of romantic anticapitalism” (New German Critigue, n. 32, primavera e verdo de 1984). 28 POSMODERNISMO E FOLITICA wastada segundo a imagem do novo ¢ de fazer da construgio Ye “edificios uma parte vital da sonhada renovacdo da so Gade. Um novo Iluminismo exigia um projeto racional para {ama sociedade racionsl, mas a nova racionalidade foi tomada wr um fervor ut6pico que, por fim, levow-a a desviarse em Firegio a0 mito — 0 mito da modernizagio. A recuse im dosa do passado era um componente tio essencial do movi gmento moderno quanto seu apelo & modernizagéo através da jadronizacio ¢ da racionalizagio. E sabido que a utopia mo- Mernista naufragou em suas préprias contradigdes internas ©, ‘© que é mais importante, na politica ¢ na hist6ria.’ Gropius, Mies ¢ outros foram forgados a se exilar, Albert Speer tomou seu lugar na Alemanha. Depois de 1945, a arquitetura mo- dernista foi privada de sua visio social ¢ tomouse cada vez mais wma erquitetura de poder ¢ representagio. Em vez de representarem prenéncios ¢ promessas da nova vida, os pro- jetos habitacionais modernistas tornaram-se_simbolos de alie- ‘ago desumanizacdo, um destino compartilhado com a jinha de montagem, outro agente do novo saudado com exu- perante entusiasmo nos anos 20 tanto pelos leninistas quanto clos fordistas. Charles Jencks, um dos mais conhecidos cronistas ¢ ‘yulgadores da agonia do movimento modetno ¢ portavoz da Grquitetura pésmoderna, data a morte simbélica da arquite- qura moderna de 15 de julho de 1972 as 15:32h. Naquele momento, foram implodidos vérios blocos de sustentagio do Eonjunto habitacional Pruitt-Igoe de St. Louis (construido por notu Yamasaki nos anos 50), € 0 evento foi dramatica- mente exibido pelos telejornais. A moderna méquina de viver, fomo Le Corbusier, com a euforia tecnolégica to tipica dos ‘nos 20, havia denominado estas construcdes, tinha se tor- jnado Inabitavel; a experiencia modernista, vbvoleta, ow a 7 Para uma excelente discussio da politica arquitenica na Repablica Weimar, vejese 0 catilogo da exposicio Wem gehart die Welt: Kunst und’ Geselschaft in der Weimarer Republik (Berlim, Newe Gesellschaft fr bildende Kunst, 1977, pigs. 58157). Cf. igualmente Robert Hughes, “Trouble in Utopia”, in R. Hughes, The shock of the Hew (Nova York, Alfred A. Knopf, 1981, pags. 164211). MAPEANDO © P6S-MODERNO a parecia. Jencks mostra certa dificuldade para distinguir a vi sio inicial do movimento modernista dos pecados posterior- mente cometidos em seu nome, No entanto, ele concorda com aqueles que, desde os anos 60, tém criticado a velada depen- déncia do modernismo para com a metéfora maquinica e 0 paradigma da producio, bem como 0 fat’ de 0 movimento ter tomado a fabrica como modelo bésico para todos os edi- ficios. Vem se tornando lugar-comum, em cfrculos pés-moder- nistas, a defesa da reintrodugdo de dimensées simbslicas poli- valentes na arquitetura, a mistura de cédigos, a apropriagao de vernéculos locais e de tradiges regionais.” Assim, Jencks ~ sugere que 0s arquitetos olhem simultaneamente “na diregéo dos cédigos tradicionais de lenta mutagio e dos significados étnicos particulares a uma comunidade e na dirego dos cé- digos rapidamente mutéveis da moda arquiteténica ¢ do pro- fissionalismo"." Tal esquizofrenia, sustenta Jencks, 6 sinto- mitica do momento pés-moderno na arquitetura; e se pode- ria muito bem perguntar se issp nao se aplica a cultura con- femporénea como um todo, que cada vez mais parece pri legiar 0 que Bloch chamou de Ungleichzeitigkeiten (dissincro- nias),”* em vez de favorecer somente que Adorno, o te6rico do modemnismo por exceléncia, descreveu como der foriges- chrittenste Materialstand der Kunst (0 mais avangado estado do material artistico). Onde tal esquizofrenia pés-moderna é ‘uma tensio criativa que resulta em edificios ambiciosos e bem- sucedidos e onde, pelo contrério, ela se desvia em diregdo a ‘uma incoerente ¢ arbitréria mistura de estilo, fica como questo para debate, Nao devemos esquecer de que a mistura de o6- digos, a apropriagdo de tradiges regionais e os usos de di- © © Taio de que tals estratéglas possam levar a diferentes caminhos politicos ¢ demonstrado por Kenneth Frampton em seu ensaio “Towards 4 critical regionalism”, publicado em The antiaesthetic (pigs. 2528). N Charles A. Jencks, The language of postmodern architecture (Nova York, Rizzoli, 1977, pég. 97). 42 Em relagdo ao conceito de Ungleifieeitigheit, ef. 0 texto de Emest * Bloch, “Nonsyncronism and the obligation to its dialectics", bem como © artigo’ de Anson Rabinbach, “Ernest Bloch’s Heritage of our times ‘and fascism”, ambos publicados em New German Critique, n. 11, prt mavera de 1977. Fal -POs.monennisMo E POLfTICk ‘mensdes simbélicas outras que néo a da méquina sio orien- tagdes que nunca foram inteiramente desconhecidas pelos at- quitetos do Estilo Internacional. Para chegar a seu pés-moder- rnismo, Jencks ironicamente teve de exacerbar a propria visio da arquitetura modernista que ele persistentemente ataca. Um dos mais reveladores documentos da ruptura do pés- modernismo com o dogma modernista € um livro de Robert Venturi, Denise: Scott-Brown e Steven Izenour intitulado Learn- ing from Las Vegas. Quando se relé esse livro junto com outros textos que Venturi escreveu entre os anos 60! e os dias de hoje, fica patente 0 quanto as estratégias © solugdes de Venturi esto préximas da sensibilidade pop daqueles anos. Com freqiiéncia, os autores de Learning from Las Vegas se inspiram na ruptura da arte pop com os austeros cénones da Pintura do alto modernismo ¢ na apropriago acritica do ver- néculo comercial da cultura de consumo pela arte pop. A pai- sagem de Las Vegas foi para Venturi e seu grupo o mesmo que a Madison Avenue foi: para Andy Warhol, ou o que as hist6rias em quadrinhos ¢ os filmes de faroeste foram para Leslie Fiedler. A retérica de Learning from Las Vegas & ba- seada na glorificagio dos painéis luminosos e do mau gosto da cultura dos cassinos. Nas irdnicas palavras de Kenneth Frampton, o livro propée uma leitura de Las Vegas como “uma auténtica explosio de fantasia popular”." Atualmente, acho que seria gratuito ridicularizar estas singulares nogées de populismo cultural. Embora haja algo patentemente absurdo nnestas propostas, devemos reconhecer @ forga que elas reuni- ram para derrubar 05 reificados dogmas do modernismo ¢ rea brir um conjunto de questées que 0 evangelho modemnista dos anos 40 € 50 havia posto de lado: as questdes do omamento © da metéfora na arquitetura, da figuragdo © do realismo na pintura, da histéria e da representacao no cinema, do corpo 4 Robert Venturi, Denise ScottBrown & Steven Izenour, Learning Jrom Las Vegas (Cambridge, Mass., MIT Press, 1972). CF. igualmente 0 estudo anterior de Venturi, Complexity and contradiction in architecture (Nova York, Museum of Modern Art, 1966), ™ Kenifeth’ Frampton, Modern architecture: a ertical history (Nova York © Toronto, Oxford University Press, 1980, pig. 290), re MAPEANDO 0 P6s-MODERNO a ‘na misica ¢ no teatro, A arte pop, em seu sentido mais amplo, foi 0 contexto em que primeiro ganhou forma uma no;o do pésmoderno, e, desde seu inicio, as tendéncias mais si cativas do pés-modernismo tém desafiado a constante host dade do modernismo para com a cultura de massas. P6s-modernismo nos anos 60: uma vanguarda norte-americana? apresentar uma distingao histérica entre o pés- ‘modemismo dos anos 60 ¢ 0 dos anos 70 e do inicio dos 80, Em linhas gerais, meu argumento € o seguinte: tanto o pés- ‘modernismo dos anos 60 quanto o dos anos 70 rejeitaram ou criticaram uma certa versio do modernismo. Contra 0 codi- ficado alto modernismo das décadas precedentes, 0 pésmo- dernismo dos anos 60 tentou revitalizar a heranga da van- ‘guarda européia ¢ darthe uma forma norte-americana a0 longo do que pode ser resumidamente chamado de eixo Duchamp- Cage-Warhol. Na década de 70, esse pés-modernismo van- guardista dos anos 60 havia esgotado seu potencial, embora algumas de suas manifestagdes tenham sobrevivido na nova década. O que havia de novo nos anos 70 era, de um lado, ‘8 emergéncia de uma cultura do ecletismo, um pés-modernismo amplamente afirmativo que abandonara qualquer reivindicago de critica, transgressio ou negaclo; e, por outro, um pés-mo- demnismo alternativo em que resisténcia, critica e negagio do status quo foram redefinidas em tcrmos nfo-vanguardistus © ndio-mmodemistas, que se adequavam mais efetivamente aos avan- sg0s politicos da cultura contemporénea do que as antigas teo- rias do modernismo, Permitam-me desenvolver 0 raciocinio. Quais eram as conotagées do termo pés-modernismo nos anos 60? Em termos gerais, desde meados dos anos 50, a lite- ratura ¢ as artes assistiram & rebelio de uma nova geracio de artistas, como Rauschenberg ¢ Jasper Johns, Kerouac, Gins- 2 P6S:MODERNISMO E POLITICA berg ¢ os beats, Burroughs ¢ Barthelme, contra o predominio do expressionismo abstrato, da miisica serial e do modernismo literdrio classico.® A rebeliéo dos artistas logo aderiram criti- cos como Susan Sontag, Leslie Fiedler ¢ Ihab Hassan, que vvigorosamente, embora de modos e em niveis diversos, toma- ram a bandeira do pés-moderno. Sontag defendeu o camp € ‘uma nova sensibilidade. Fiedler louvou a literatura popular € © iluminismo genital. Mais préximo dos modernos do que ‘65 outros, Hassan propés uma literatura do siléncio, tentando estabelecer uma mediago entre a “tradicdo do novo” e os desenvolvimentos literérios do pés-guerra. Por essa época, evi- dentemente © modernismo tinha sido convertido em cénon na academia, nos museus ¢ nas redes de galerias. Neste a escola nova-iorquina do expressionismo abstrato representava fa sintese da longa trajetéria do modemo que, iniciada em Paris entre 1850 © 1860, havia inexoravelmente conduzido a‘Nova York — a.vitéria cultural norte-americana sucedia 1 vitbria nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 60, artistas ¢ etiticos compartilhavam a viséo de uma situaggo fundamentalmente nova. A pretendida rup- tura p6s-moderna com o passado era sentida como perda: as pretens6es da arte ¢ da literatura em relagéo & verdade € aos valores humanos pareciam esgotadas, e a crenca na forca cons- titutiva da imaginagéo moderna era apenas outra iluséo, ou se fazia sentir como um atalho para uma liberacdo definitiva do instinto e da consciéncia, na aldeia global de McLuhan, © novo Eden da perversidade polimérfica, Paradise now como © Living Theater proclamou no palco. Assim, os criticos do pés-modernismo, como Gerald Graff, tém identificado correta- mente: duas vertentes da cultura pés-moderna dos anos 60: a vvertents apocaliptica desesperada ¢ a vertente visionéria fes- 5 Estou preocupado aqui sobretudo com o que se denomina Selbstver- stindnis dos artistas e nfo com saber se seus trabalhos realmente foram além do modernismo ou se, quando foram, isto era, em todos 0s casos, politicamente “progressista". Sobre a politica da rebelifo beat, cf. Bar bara Ehrenreich, The hearts of men (Nova York, Doubleday, 1984, ‘especialmente pigs. 52467). — MAPEANDO © P65:MODERNO 3 tiva, as quais, diz Graff, j4 existiam, ambas, no modernismo."* Embora isso seja certaménte verdade, esquece-se um aspecto importante. A ira dos pés-modernistas no era dirigida contra ‘© modérnismo como tal, mas sobretudo contra uma certa ima- gem austera do “alto modernismo”, como a lancada pelos ‘New Critics e'pot outros guardides da cultiira modernista. Esta visio, que evita a falsa dicotomia da opcdo entre continuidade © descontinuidade, encontra apoio em um ensaio retrospectivo de John Barth. Em uma matéria de 1980, publicada em The Atlantic ¢ intitulada “The literature of replenishment”, Barth critica seu proprio ensaio de 1968, “The literature of exhaus- tion”, que naquela época parecia esbogar um resumo consis- tente da linha apocaliptica. Em 1980, Barth sugeria que seu trabalho anterior na verdade versava sobre “a efetiva ‘exaus- ‘Ho’ ndo da linguagem ou da literatura, mas da estética do alto modernismo”.” E prosseguia definindo Stories and texts for nothing, de Beckett, e Pale fire, de Nabokov, como tardias maravilhas modernistas, distintas de escritos pésmodernistas como 0s de Italo Calvino e Gabriel Garcia Marquez. Criticos da cultura como Daniel Bell, por outro lado, teriam afirmado simplesmente que 0 pésmodernismo dos anos 60 era a “cul- minagio Iégica das intengdes modernistas”,* uma visio que reelabora a desesperangada observacdo de Lionel Trilling de ‘que 05 ativistas dos anos 60 estevam pondo o modernismo em prética nas ruas, Mas a minha questio aqui é precisamente a de que, em primeiro lugar, o alto: modernismo nao foi feito para ir as russ, que seu inegivel papel contestatério anterior foi suplantado, nos anos 60, por uma cultura de confrontagao absolutamente diversa, nas ruas ¢ nas obras de arte, e que essa cultura de confrontagdo transformou as nodes ideolégicas her- dadas sobre estilo, forma e criatividade, autonomia artistica € % Gerald Graff, “The myth of the postmodern breakthrough”, in G. Graff, Literature against itsel] (Chicago, Chicago University Press, 1979, pags. 31-62) 1 John Barth, “The literature of replenishment: postmodernist fiction” (Atlantic Monthly, vol. 245, n. 1, janeiro de 1980, pags. 65-71). ‘Daniel Bell, The cultural contradictions of capitalism (Nova York, Basic Books, 1976, pég. 51). ao POSMODERNISMO E POLITICA imaginagio, 8s quais 0 modernismo jé havia aquela altura sucumbido..Criticos como Bell ¢ Graff viram a rebeliio do final dos anos 50 e dos anos 60 em continuidade com a niilis- ta e anérquica tendéncia modernista anterior; em vez. de a per- ceberem como uma revolta pésmoderna contra 0 modernismo cléssico, interpretaramna como uma irrupgio de impulsos modernistas na vida cotidiana, E, de certo modo, estavam ab- solutamente certos, a ndo ser pelo fato de que esse “sucesso” do modernismo alterava fundamentalmente os termos através dos quais a ciltura modernista vinha sendo percebida. Nova ‘mente, meu argumento € que a revolta dos anos 60 nunca foi uma rejeigio do modernismo per se, mas uma revolta contra 1 versio do.modernismo que havi domesticada nos anos 50, incorporada pelo consenso liberal-conservador da época e transformada em arma de propaganda no arsenal cultural e politico da guerra fria anticomunista. O modernismo contra 0 qual os artistas se rebelaram jd ndo era mais percebido como uma cultura de oposigo. Néo mais se opunha a uma classe dominante e a sua visio de mundo, nem havia preservado sta pureza programitica, livre da contaminagio da indistria cul- tural. Em outras palavras, a revolta surgiu precisamente a par- tir do sucesso do modernismo, do fato de nos Estados Uni- dos, como na Alemanha Ocidental e na Franga, 0 modernismo ter sido pervertido, convertendo-se em uma forma de cultura afirmativa. Nesse sentido, levo adiante meu argumento afirmando que visio global que trata os anos 60 como parte de um movi- mento moderno que sc estende desde Manet e Baudelaire, se- fio do romantismo, & atualidade nao é capaz de dar conta do carter especificamente norte-americano do pés-modernismo. Afinal, o termo acumulou suas enféticas conotagdes nos Es- tados Unidos ¢ no na Europa, Sustento mesmo que ele nio poderia ter sido inventado na Europa naquela época. Por varias raz6es, ele no teria feito qualquer sentido 16. A Alemanha Oci- dental estava sinda ocupada com a redescoberta de seus pré- pris modernos que haviam sido queimados ¢ banidos durante do que qualquer outra coisa, os anos 60 na Alemanha Ocidental produziram uma grande reorienta- slo em termos de valorizagio ¢ de interesse, que tenderam a assar de um grupo de modernos para outro: de Benn, Kafka MAPEANDO © P6S-MODERNO 3 ¢ Thomas Mann para Brecht, para os expressionistas de esquer- da e para os escritores politicos dos anos 20, de Heidegger e Jaspers para Adorno ¢ Benjamin, de Schénberg e Webern para Eisler, de Kirchner ¢ Beckmann para Grosz e Heartfield. Era uma procura de tradigdes culturais alternativas dentro da mo- dernidade ¢, como tal, dirigida contra a politica de uma versio despolitizada do modernismo, que havia proporcionado 2 res- taurago de Adenauer a muito necesséria legitimago cultural. Durante os anos 50, os mitos dos “dourados anos 20”, a “re- volugdo conservadora” © a universal Angst existencialista, aju- daram bastante a bloquear ou a suprimir as realidades do pas- sado fascista. Das profundezas da barbérie e dos destrocos de suas cidades, a Alemanha Ocidental tentava reivindicar uma modernidade civilizada encontrar uma identidade cultural sintonizada com 0 modernismo internacional que levasse os demais a esquecer 0 pasado da Alemanha como predadora e patia do mundo moderno. Nesse contexto, nem as variagdes sobre 0 modernismo dos anos 50 nem a luta dos anos 60 por tradigdes culturais alternativas democréticas € socialistas pode- iam ter sido construidas como pés-modernas. A propria nogio de pésmodernismo s6 apareceu na Alemanha no fim da dé-, cada de 1970 €, mesmo entio, nfo em relacéo a cultura dos ‘anos 60, mas estritamente em relago aos entdo recentes avan- 508 arquiteténicos e, de forma mais importante talvez, no contexto dos novos movimentos sociais e de sua critica radical da modernidade.” As conotapies especificas que a nogéo de pésmodemidade vem assumindo nos movimentos pacifistas e antinucleares alemies bem como dentro do Partido Verde no seréo di aqui, j& que este ensaio trata primordialmente do debate norte-americano. Na vide intelectual © trabalho de Peter Sloterdijk é extre nfo use a palava “pésmodemo”; Peter Sloter der zynischen Vernunfi, 2 yols. (Frankfurt am Ms TIgualmente pertinente é a peculiar absorgéo slemi da tor especialmente de Foucault, Baudrillard © Lyotard; cf., por exemplo,’ Der Tod der Moderne. Eine Diskussion (Tubingen, Konkursbuchverlag, 1985). Cf. ainda, sobre 0 pés-moderno na Alemanhe, @ obra de Ultich Horstmann Das Untier. Konturen einer Philosophie der Menschenflucht (Viena e Berlim, Medusa, 1983).

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