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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

FUNDOS DE INVESTIMENTO: um novo tipo de pessoa jurídica

NOVA LIMA-MG
2009
 
 
CLARA GAZZINELLI DE ALMEIDA CRUZ

FUNDOS DE INVESTIMENTO: Um novo tipo de pessoa jurídica

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação Stricto Sensu da Faculdade de
Direito Milton Campos, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Empresarial

Orientador: Prof. Dr. Rodolpho Barreto


Sampaio Júnior.

 
 
 
 
 
 
 
 
NOVA LIMA-MG
2009
 
 

CRUZ, Clara Gazzinelli de Almeida

C957 f Fundos de investimento: um novo tipo de Pessoa Jurídica/Clara Gazzinelli de


Almeida Cruz. – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2009.

000 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. . Rodolpho Barreto Sampaio Júnior.

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área


de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos

Bibliografia: f. 000-000

1. Fundos de Investimento. 2. Natureza Jurídica. 3. Condomínio. 4. Pessoa


Jurídica. I. Sampaio Junior, Rodolpho Barreto. II. Faculdade de Direito Milton
Campos III. Título

CDU 347. 44 (043)

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206


 
 

   Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial


 

Dissertação intitulada Fundos de investimento:


um novo tipo de pessoa jurídica, de autoria da
mestranda Clara Gazzinelli de Almeida Cruz,
para exame da banca constituída pelos
seguintes professores:

Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior.


Orientador

Prof. Dr.

Prof. Dr.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nova Lima, 30 outubro de 2009.
Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
3
 

“Eu vos digo:


é preciso ter ainda caos dentro de si,
para poder dar à luz uma estrela dançarina.”
Friedrich Nietzsche
4
 

Dedico este trabalho


aos meus pais, José Luiz e Rina, pelo carinho com
que sempre acompanham meus passos;
ao meu irmão, Lucas, por compartilhar comigo as
dores do crescimento;
e ao Marco, pelo exemplo de disciplina e pelo
incentivo a ser cada vez melhor.
5
 

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Rodolpho, pela paciência e pela orientação, que me


permitiram transformar pensamentos errantes e dúvidas aparentemente insolúveis
neste trabalho.
Agradeço à equipe do Lima Netto, Campos, Fialho, Canabrava Advogados
pelos estudos e discussões que colaboraram na conclusão deste trabalho.
Agradeço a ajuda do Bruno e da Mariana nas traduções e ao Marco pela
revisão sempre criteriosa.
Agradeço, ainda, a todos os amigos que, mesmo após longo período de
ausência, ainda permanecem ao meu lado e torcem pelo meu sucesso.
6
 

RESUMO

Os fundos de investimento são veículos de financiamento da atividade empresarial


de extrema importância. A possibilidade de mitigação dos riscos em razão da
fragmentação dos recursos investidos aliada à gestão profissional dos ativos
fomentou, e ainda fomenta, a expansão destes fundos, não só em número de
investidores e investimentos, mas em importância para a economia brasileira. O
presente estudo tem como escopo trazer novos elementos ao debate jurídico
travado acerca da natureza jurídica dos Fundos de Investimento na legislação
brasileira. Para tanto, procura estabelecer as características que definem o fundo de
investimento, comparando-as às concepções legais e doutrinárias formuladas paras
as figuras do condomínio e da pessoa jurídica.

Palavras chaves: fundos de investimento; natureza jurídica; condomínio, pessoa


jurídica.
7
 

ABSTRACT

The Investment Funds consist in an extremely important financing vehicle for the
entrepreneur activity. The possibility of mitigating risks due to the diversification of
the portfolio allied to the professional assets management promoted, and still
promotes, the expansion of these funds not only in terms of numbers of investors and
investments, but also in terms of importance for the Brazilian economy. This study
intent to bring new elements to the debate around the legal nature of the Investment
Funds in the Brazilian law. For this purpose, this study seeks to establish the features
that define the Investment Funds, drawing a comparison between the legal and
doctrinaire conceptions developed for both the condominium and the legal entity
institutes.

Key words: Investment Funds; condominium; legal entity.


8
 

SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 6

ABSTRACT ................................................................................................................. 7

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

2 OS FUNDOS DE INVESTIMENTO ............................................................... 12


2.1 Os Fundos de Investimento no Direito Americano ........................................ 12
2.2 Os Fundos de Investimento no Direito Brasileiro .......................................... 17
2.2.1 Histórico ........................................................................................................ 19
2.2.2 Revisão doutrinária e legislativa.................................................................... 31
2.2.3 Estrutura Legal .............................................................................................. 37
2.2.3.1 Conclusões Parciais ...................................................................................... 43

3 O CONDOMÍNIO........................................................................................... 45
3.1 A Natureza Jurídica do Condomínio ............................................................. 47
3.1.1 Teorias da Temporariedade .......................................................................... 48
3.1.2 Teoria da Unidade do Direito de Propriedade ............................................... 49
3.1.2.2 Teoria da Propriedade da Coletividade ......................................................... 51
3.1.2.3 Teoria do Condomínio como Pessoa Jurídica............................................... 52
3.1.3 Teoria da Divisão .......................................................................................... 53
3.1.4 Teoria da Propriedade Plúrima Total ............................................................ 55
3.1.4 Regime Legal do Condomínio ....................................................................... 59

4 A PESSOA JURÍDICA .................................................................................. 61


4.1 A Natureza Jurídica da Pessoa Jurídica ....................................................... 62
4.1.1 Teorias Ficcionistas ...................................................................................... 63
4.1.2 Teorias da Realidade Orgânica ou Objetiva ................................................. 65
4.1.3 Teoria da Realidade Técnica ........................................................................ 66
4.2 Relação entre Pessoa Jurídica e Sujeito de Direitos .................................... 70
4.2.1 A capacidade da Pessoa Jurídica ................................................................. 74
4.3 A Personificação do Condomínio .................................................................. 75
4.4 A Personificação da Sociedade Irregular ...................................................... 80

5 OS FUNDOS DE INVESTIMENTO COMO CONDOMÍNIO


PERSONIFICADO: um novo tipo de Pessoa Jurídica................................... 84

6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 89

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 92
9
 

1 INTRODUÇÃO

Num momento em que ainda não sabemos ao certo os estragos causados


pela crise econômica e financeira que estremeceu1 (e ainda estremece) a
hegemonia do capitalismo fundado na liberdade do mercado, a intervenção estatal
refletida na regulamentação dos agentes mercadológicos é discussão recorrente. No
Brasil, o modelo regulatório em vigor, concretizado, conjuntamente, pelo Banco
Central, pelo Conselho Monetário Nacional e pela Comissão de Valores Mobiliários,
é exemplo aplaudido e exaltado pelos países cujo desenvolvimento econômico, que
se julgava tão superior ao nosso, construiu-se sob as bases (talvez não tão sólidas),
do liberalismo econômico.
Uns dos mais comentados efeitos desta malfadada crise econômica é a
restrição do crédito disponível para a atividade empresária, efeito sentido tanto pelos
países nos quais o mercado é mais regulado, quanto naqueles em que a regulação
é reduzida. Causa e consequência, o estrangulamento do crédito torna recorrente a
preocupação em fomentar os investimentos à atividade empresária, preocupação
que, pela expectativa de tempos mais difíceis, está sempre atrelada à necessidade
de proteção aos recursos que ainda estão disponíveis.
No Brasil, durante longo período, os empresários e sociedades empresárias
que pretendiam obter investimento para a sua atividade buscavam crédito perante
as instituições financeiras. Eram elas as responsáveis pela maioria dos recursos
disponíveis para fomentar a atividade empresária.
Em tempos mais modernos, com a estabilidade econômica experimentada
pelo Brasil, foi possível perceber a expansão dos mecanismos de investimento
direto, sem a efetiva intermediação pela instituição financeira, que vem assumindo
cada vez mais o papel de administrador de ativos, em detrimento do papel de
financiador onipresente da atividade empresária (SCHERER, 1999, p. 81-128).
Nesse sentido, num momento anterior à eclosão da atual crise econômica,
vivenciamos o movimento crescente para a abertura de capital de diversas
sociedades anônimas, bem como a multiplicação dos Fundos de Investimentos para

                                                            
1
A crise econômica começou ainda em 2008, no mercado imobiliário americano, e rapidamente se
espalhou para outros setores da economia, atingindo boa parte dos países do mundo (alguns
como uma onda, outros como uma “marolinha”). Para maiores explicações sobre a crise, ver:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u450226.shtml, acessado em 23 de julho de 2009.
10
 

aplicação em valores mobiliários distribuídos, ou não, no mercado de valores


mobiliários2. Já em um momento imediatamente posterior ao ápice desta malfadada
crise econômica, a retração do crédito para investimentos foi sentida por todos os
lados. Em termos cotidianos, o dinheiro ficou caro e escasso.
A situação não é mesma, contudo, para todos. Enquanto instituições
financeiras ainda contabilizam suas perdas, adotando, normalmente, posições de
extremo conservadorismo, e os investidores, tanto os mais tímidos como os mais
expressivos, guardam seus recursos para enfrentar tempos que ainda podem se
mostrar piores, alguns Fundos de Investimento capitalizados antes da crise não só
têm recursos passíveis de serem livremente investidos, como, em certas hipóteses,
estão obrigados a destiná-los ao fomento da atividade empresarial em prazo
determinado contratualmente3. De mais a mais, a crise também proporciona bons
negócios para os Fundos de Investimento4, o que lhes permite continuar, mesmo na
atualidade, captando recursos. Os Fundos de Investimento, assim, em razão da sua
própria natureza e do regramento legal que lhe diz respeito, experimentam situação
distinta da que vivenciam os demais agentes econômicos.
Mas se de um lado há a expectativa de lucros por parte dos Fundos de
Investimento, os tempos de crise também alarmam os investidores, temerosos
acerca da proteção e a segurança dos recursos disponibilizados.
Não se trata apenas do receio quanto à proteção financeira, a qual é sempre
vinculada à certeza de retribuição econômica dos valores investidos. Não é raro a
preocupação se referir muito mais ao tipo de proteção jurídica a ser conferida aos
vínculos formados, às negociações realizadas e aos recursos aportados pelo
investidor. Nesse sentido, e conforme será demonstrado adiante, a análise da
                                                            
2
Conforme sustenta Gaggini (2001, p. 22).
3
Os Fundos de Investimento em Participação (FIP), criados pela Instrução nº. 309 da Comissão de
Valores Mobiliários – CVM (ICVM 309) refletem bem este cenário. Criados para investir em
sociedades empresárias ainda incipientes, esses Fundos de Investimentos recebem recursos de
investidores que pretendem, por meio dele, fomentar a atividade empresária e participar
efetivamente da gestão social, agregando valor à sociedade para, em momento posterior, auferir
lucro com a alienação da sua participação societária.
Os Fundos de Investimento em Participação têm prazo determinado para recebimento de recursos
e, encerrado este período, devem, também em um prazo pré-estabelecido, investir esses recursos
em sociedades empresárias com grande potencial prospectado e com necessidade de
investimentos que viabilizem este crescimento.
4
À guisa de exemplo, de se notar que não são poucas as sociedades que, diante da escassez de
recursos disponíveis no mercado de valores mobiliários, bem como do aumento do preço do
crédito nas Instituições Financeiras, buscam nos Fundos de Investimento a parceria necessária
para alavancar seus negócios. Aos Fundos é dada, portanto, a possibilidade de adquirir valores
mobiliários a um preço bastante competitivo, aumentando a margem de lucro a ser recebido no
momento de desinvestimento.
11
 

legislação brasileira pertinente aos Fundos de Investimento tem primordial


importância.
Os Fundos de Investimento, como regulados atualmente, contraem direitos e
obrigações em nome próprio, são titulares do seu patrimônio e possuem
responsabilidade pelos atos praticados. Todavia, a escassa legislação sobre o
tema5, bem como as numerosas instruções editadas pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) o enquadram, expressamente, como um condomínio de recursos,
figura jurídica que, segundo também se verá, não goza de todas as prerrogativas
citadas.
Com efeito, a capacidade legalmente concedida aos Fundos de Investimento,
cumulada com a sua classificação como condomínio de recursos, têm deixado
desconfortáveis os doutrinadores de Direto Empresarial no Brasil. Na
impossibilidade de adequação deste ente às disposições sobre condomínio, tais
estudiosos guerreiam a favor da declaração de natureza societária dos Fundos de
Investimento, ainda que despersonalizada.
Em termos de mercado, contudo, o embate teórico acaba por levantar uma
questão: a necessidade do reconhecimento da separação dos patrimônios do fundo
de investimentos e dos investidores que nele aportam seus recursos, pois reflete a
proteção dos investidores e, consequentemente, dos já parcos recursos ainda
disponíveis para investimento.
Os estudos a respeito do tema, todavia, seja qual for o foco que têm
apresentado, ainda são bastante incipientes, consoante já se pontuou. Essa
circunstância, aliada à já inconteste importância econômica dos Fundos de
Investimento (que só foi incrementada pelo atual contexto histórico-econômico),
incita, justifica e requer o debate mais profundo e consistente dessa ainda nova
figura jurídica, com o qual se pretende contribuir.

                                                            
5
Que engloba apenas a Lei nº. 8.668/93, que trata sobre os Fundos de Investimento Imobiliário
(FII), e a Lei nº. 11.478/2007, que dispõe sobre os Fundos de Investimento de Participação em
Infra Estrutura (FIP IE).
12
 

2 OS FUNDOS DE INVESTIMENTO

Os fundos de investimento não são uma criação exclusivamente jurídica. Sua


origem é antes um fato fundado nas necessidades econômicas que um fenômeno
originado na comunidade jurídica e por ela introduzido no Mundo6.
De fato, coube ao próprio mercado organizar-se de modo a criar a figura cujo
estudo ora se pretende. A necessidade de um veículo dotado de flexibilidade e, ao
mesmo tempo, envolto em segurança jurídica, que permitisse a união de recursos
econômicos destinados ao investimento, oferecendo melhores resultados financeiros
em razão de uma maior mitigação de riscos aos investidores, motivou a criação dos
fundos de investimento.
Uma vez existente como fato no Mundo, ao Direito não restou alternativa
senão apropriar-se dos fundos de investimento e revesti-lo de legalidade, tornando-o
um fato jurídico7. E se a análise e estudo dos fatos jurídicos cabem ao mesmo
Direito, a esta apropriação segue-se, necessariamente, a identificação e adequação
desta figura ao sistema jurídico a ele pré-existente. Nesse contexto, ao se pensar
em uma conceituação jurídica do que é um fundo de investimento, a sua origem
exterior ao Mundo do Direito deve ser levada em consideração. Não é possível
identificar um fato e apropriar-se dele se não se conhece, com a maior exatidão
possível, a sua forma e suas características originais.

2.1 Os Fundos de Investimento no Direito Americano

Em perspectiva histórica há certo debate acerca do surgimento dos


investiments trusts. Conforme noticia Freitas, enquanto alguns autores apontam a
                                                            
6
Neste mister, valiosos são os dizeres de Arnaldo Afonso Barbosa (2006, p. 74):
“O Mundo do direito é um Mundo em construção pela ação da Consciência Reflexiva e da
Liberdade, para cuja incessante invenção os seus edificadores se apropriam de coisas disponíveis
no Mundo natural e no Mundo cultural. [...] Tais coisas são apropriadas justamente para que, sob a
nova e superposta legalidade do Mundo Jurídico, realizem-se e orientem-se pelos sentidos
próprios do Mundo do qual foram captadas, mesmo porque os construtores do Mundo Jurídico,
salvo as raras exceções do emprego da ficção normativa, não têm o poder de fazer valer a
afirmação do que a natureza ou a cultura negam, ou a negação do que a natureza ou a cultura
afirmam.”
7
“Todos os fatos jurídicos, objeto do Direito-Ciência e do Direito-Técnica, pois, são fatos do Mundo.
Ou são fatos do Mundo captados pelo Mundo do Direito que, então, enriquece-os de sentidos
novos ou não, ou são fatos criados em todos os seus sentidos pela Comunidade Jurídica” 
13
 

Societé Generale des Pays Bas constituída na Bélgica como precursora dessas
estruturas de investimento, outros indicam ser a Escócia o seu berço. Certo é,
entretanto, que os investiment trust se desenvolvem na Inglaterra do século XIX e se
transferem para os Estados Unidos no começo do século XX, adotando a
nomenclatura de investment companies, tomando um fôlego maior após o crash de
1929. Dos Estados Unidos os investments companies se espalharam pelo mundo
(BARRETO, 1956, p. 86-7).
É pelo impulso conferido aos investment companies em solo americano, pela
consequente importância alcançada por esta figura na economia ianque e pela sua
influência no Direito brasileiro que este estudo se inicia pela investigação de como é
estruturada uma investment companies nos Estados Unidos. Conforme relata
Levinson (2003, p. 9):

os investidores institucionais que mais crescem são as companhias


de investimento, as quais combinam os investimentos de um número
de indivíduos com o objetivo de atingir metas financeiras específicas
de uma maneira eficiente. Fundos mútuos e unit trusts são
companhias de investimentos que tipicamente aceitam número
ilimitado de investimentos individuais. O fundo declara a estratégia
que irá perseguir e, na medida em que os recursos são investidos, os
administradores do fundo adquirem os instrumentos financeiros
apropriados para esta estratégia. Investment trusts, alguns dos quais
conhecidos nos Estados Unidos como fundos close-end, emitem um
número limitado de quotas para investidores no momento em que
são instituídos e utilizam os recursos para adquirir instrumentos
financeiros de acordo com suas estratégias8

Na definição da Securities and Exchange Commission – SEC, autarquia


responsável pela regulação e fiscalização do mercado de capitais americano9, “uma
investment company é um veículo (corporation, business trust, partnership, or limited
liability company) que emite valores mobiliários e sua atividade principal é o

                                                            
8
No original:
“the fastest-growing institucional investors are investment companies, which combine the
investments of a number of individuals with the aim of achieving particular financial goals in a
efficient way. Mutual funds and unit trusts are investment companies that typically accept an
unlimited number of individual investments. The fund declares the strategy it will pursue, and, as
additional money is invested the fund managers purchase financial instruments appropriate to that
strategy. Investment trusts, some of which are known in the United States as close-end funds,
issue a limited number of shares to investors at the time they are established and use the proceeds
to purchase financial instruments in accordance with their strategy”
9
SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Investment Companies. Disponível em
<http://www.sec.gov/answers/mfinvco.htm>. Acesso em: 23 de outubro de 2009.
14
 

investimento em outros valores mobiliários”10. Assim as classifica Fabozzi e


Modigliani (2002, p. 65):

Companhias de investimento são intermediários financeiros que distribuem


quotas ao público e investem os recursos obtidos em um portfólio
diversificado de valores mobiliários. Cada quota subscrita representa uma
participação proporcional no portfólio de valores mobiliários administrado
pela companhia de investimento em nome de seus acionistas. O tipo de
valor mobiliário adquirido depende do objetivo da companhia de
investimento11.

Veja-se que a terminologia usada nos Estados Unidos é, aos olhos


brasileiros, bastante confusa. As investment companies, não significam companhias
de investimento em seu sentido societário como pode parecer, mas antes são
empregadas no significado de veículo de investimento coletivo. Tanto assim que
podem adotar tanto a forma societária, por meio da corporation, partnership e limited
liability company como a forma contratual, por meio do trust.
Asthon (1963, p.168) relata que o Investment Act of 1940, ainda em vigor,
divide as investment companies em:

1)”Face-amount certificate companies” (companhias de investimento


com certificados de valor nominal fixo);
2) “Unit investment trust” (“Trust” de investimentos de unidades);
3) “MANAGEMENT COMPANIES” (Companhias de investimentos e
administração):
a) “Open-end investment company” (companhia de investimento de
administração do tipo capital aberto:
I – diversificadas;
II – não diversificadas;
b)”Closed-end investment company” (Companhia de investimentos
de administração do tipo capital fixo;
I – diversificadas;
II – não diversificadas;
III – do tipo “leverage”;
IV – do tipo “non-leverage”.

Esta classificação diz respeito à estruturação dos próprios investimentos. A


Face-amount certificate company, utilizada em menor proporção, emite certificados
                                                            
10
No original: “an investment company is a company (corporation, business trust, partnership, or
limited liability company) that issues securities and is primarily engaged in the business of investing
in securities”
11
No original: “Investment companies are financial intermediaries that sell shares to the public and
invest the proceeds in a diversified portfolio of securities. Each share sold represents a proportional
interest in the portfolio of securities managed by the investment company on behalf of its
shareholders. The type of securities purchased depends on the company’s investment objective”.
15
 

de investimentos a prestação com um valor nominal, que consubstancia uma


obrigação de pagamento não garantida por parte da investment company, que
prometer pagar ao portador do certificado determinado valor relativo às prestações
por ele pagas, em data futura.
O Unit investment trust (UTI) é uma investment company que se organiza
exclusivamente pela forma de trust e emite “títulos ou ações resgatáveis, cada uma
das quais representa uma parte ideal indivisa numa unidade (bloco) de valores
mobiliários e especificados, mas não inclui um ‘voting trust’” (ASHTON, 1963,
p.170)12.
Para que esta estrutura fique mais clara vale destacar o funcionamento de um
trust, já que esta figura não é reconhecida no Direito brasileiro13.

Basicamente [leciona Stuber] o ‘trust’ pressupõe a transferência


fiduciária da propriedade da coisa ou do direito, daquele que constitui
o ‘trust’, designado ‘grantor’ ou settlor’, para as mãos do ‘trustree’. O
‘trustee’ recebe tal coisa ou direito com a obrigação de administrá-la
em benefício, ou para uso e gozo de um terceiro, chamado ‘cestui
que trust’ (STUBER, 1989, p.103)

Uma vez entendida a relação jurídica tripartida do trust, vale destacar o relato
de Ashton (1963, p. 171) que explica o funcionamento do UIT:

As ações do “trust” são emitidas contra as unidades-bases que


constituem a carteira de títulos do “trust”, e que nada mais são que
blocos de títulos mobiliários especificados de comprovado
estabilidade e segurança. Os blocos, cada um geralmente composto

                                                            
12
Em comparação com os mutual funds e close-end funds Fabozzi e Modigliano:
“A unit trust is similar to a close-end fund in that the number of unit certificates is fixed. Unit trusts
typically invest in bonds. They differ in several ways from both mutual funds and closed-end funds
that specialize in bonds. First, no active trading of the bonds takes place in the portfolio of the unit
trust. Once the unit trust is assembled by the sponsor (usually a brokerage firm or bond
underwriter) and turned over to a trustee, the trustee holds all the bonds until redeemed by the
issuer. Typically, the only time the trustee can sell an issue in the portfolio is when a dramatic
decline occurs in the issuer’s credit quality. As a result, the cost of operating the trust will be
considerably less than costs incurred by either a mutual fund or a closed-end fund. Second, unit
trusts seta fixed termination date, while mutual funds set a fixed termination date, while mutual
funds or a closed-end funds or not. Third, unlike the mutual fund and closed-end fund investor, the
unit trust investor knows that the portfolio consists of a specific portfolio of bonds and has no
concern that the trustee will alter the portfolio”. (2002, p. 67)
13
A figura não é reconhecida no Brasil pela sua incompatibilidade com o caráter exclusivo da
propriedade. Conforme leciona WALD (1995, p. 111):
“No Direito Brasileiro, em virtude da exclusividade da propriedade, se alguém transfere um bem a
outrem, ainda que com cláusula de retransmissão a um terceiro, ou de reversão a ele mesmo, o
direito daí decorrente é pessoal, e não real, e, portanto, resolve-se em perdas e danos, embora
reconheça a nossa legislação a propriedade resolúvel (art. 525 do Código Civil)”.
16
 

de 100 títulos mobiliários, são depositados em custódia de um


fiduciário (“trustee”). Desta forma, o proprietário dos títulos
substituídos (ações do “trust” substituem as ações incorporadas nas
unidades), ou ações do “trust”, tem um interesse ideal indiviso nas
unidades-bases, sem, entretanto, ser proprietário das mesmas

Por fim, as Management Companies emitem securities equity (valores


mobiliários) que se relacionam com o valor flutuante dos ativos do seu portfólio. A
operação é basicamente a de substituição de títulos (a investiment company emite
seus próprios títulos contra aqueles que mantêm em carteira), mitigando o risco
decorrente da aplicação no mercado de capitais. As management companies open-
end (também conhecidas como mutual funds) emitem títulos resgatáveis a qualquer
momento, o que implica dizer, também, que a emissão de novos títulos que
substituem os títulos resgatáveis é constante. As closed-end, por sua vez, emitem
títulos não resgatáveis, e a sua circulação se dá por meio do mercado secundário ou
até mesmo pela negociação privada.
As management companies adotam em regra a forma societária. Podem
constituir-se sob a forma de uma corporation14, de uma limited partnership15, ou
ainda, uma limited liability company16. É mediante o tipo societário adotado que se
identifica, por exemplo, qual a responsabilidade assumida pelo investidor e pelo
administrador em relação às operações da investment company.
Interessa a este estudo o fato de que, em qualquer das estruturas das
investment companies ora apontadas, os recursos dos fundos pertencem sempre a
uma determinada pessoa jurídica. No caso da forma societária, é a legal entity
(pessoa jurídica) que detém a sua titularidade. No caso dos UTI ou das formas
contratuais de investment companies, esta propriedade é conferida ao trustee.

                                                            
14
Que se equipara à sociedade anônima brasileira, mas a quem sempre foi possibilitada a emissão
de títulos resgatáveis e a constituição de um capital autorizado.
15
A Limited Partnership é uma business entity (pessoa jurídica) classificada como partneship
(entidade em que os sócios dividem lucros e perdas) em que alguns dos partners (sócios) têm
responsabilidade ilimitada por dívidas assumidas e não quitadas pela sociedade (General
Partners. O General Partner tem a plena administração dos negócios da sociedade e a representa
perante terceiros, enquanto os Limited Partners são sócios que somente se responsabilizam pelo
capital subscrito e, conseqüentemente, não têm poder de gestão. As regras de convivência entre
os sócios são tratadas em um documento denominado Partnership Agreement. As Limited
Partnerships se assemelham muito às sociedades em comandita simples do Código Civil
brasileiro, reguladas nos artigos 1.045 a 1.051, em que os sócios comanditados têm
responsabilidade ilimitada e gestão e os sócios comanditários têm responsabilidade limitada.
16
Nas Limited Partnership Companies todos os partners (sócios) detêm responsabilidade limitada,
embora nem todos possam participar da gestão. São semelhantes às sociedades limitadas
previstas no artigo 1.052 e seguintes do Código Civil brasileiro Diferem das sociedades anônimas
(Corporations) por razões tributárias.
17
 

Conforme será demonstrado abaixo, a transposição da investment company para o


Brasil acabou por deturpar a estrutura americana, criando-se uma figura
completamente nova, os fundos de investimentos.

2.2 Os Fundos de Investimento no Direito Brasileiro

Antes mesmo de se as traçar bases históricas acerca das soluções jurídicas


brasileiras para abarcar investimentos coletivos em títulos e valores mobiliários com
diversificação de riscos (das quais exsurgiu o objeto da presente monografia), faz-se
necessário esclarecer o significado em que alguns vocábulos serão utilizados ao
longo deste trabalho. Tal esclarecimento tem fundamento, pois os conceitos de
fundo, companhia de investimento, sociedade de investimento e fundo de
investimento podem ser facilmente mal entendidos.
Conforme analisado na seção anterior, os investment trusts americanos
podem constituir-se sob a forma jurídica (i) societária, por meio da criação de uma
sociedade anônima que providenciará a substituição dos títulos por ela adquiridos
pelos títulos de sua própria emissão; ou (ii) contratual, operando como business
trusts comuns. Assim, os classifica Barreto Filho (1956, p. 92):

Sob o ponto de vista da forma jurídica adotada, podem distinguir-se


dois grupos principais de investment trusts, nos Estados Unidos:
a) As sociedades do tipo direto ou legal (statutory, conforme diz
LELAND ROBINSON), que se apresentam sob a forma de
corporations e correspondem às sociedades inglesas submetidas ao
Companies Act. [...].
b) Os organismos do tipo contratual, que se constituem segundo a
fórmula clássica do trust agreeement ou trust indenture, [...].

Não obstante o fato de as investment companies não adotarem,


necessariamente, a forma societária, ao traduzir essa expressão inglesa para o
vernáculo, os doutrinadores o fizeram como companhias de investimento. A título
exemplificativo, ao comentar o Investment Company Act americano de 1940, Ashton
(1963, p. 173) noticia que “a grande maioria das companhias de investimento de
administração opera nos Estados Unidos sob a forma jurídica de uma sociedade
anônima, embora haja as que operem como business trust comuns”. [grifou-se]
18
 

Assim, para fins deste estudo, ao se fazer referência à companhia de


investimento, à Investment company ou ainda ao investment trust, independente da
forma jurídica adotada, entender-se-ão estas estruturas como a

reunião de capitais ou meios financeiros de diversas pessoas em


unidade econômica, superintendida e gerida por empresa que se
proponha aplicá-los no maneio de títulos e papéis valores, a fim de
lhes ministrar rendimento auspicioso, com a diminuição de riscos,
mercê de organização racional de exploração (ASHTON, 1963, p.
09).

Em todas as estruturas jurídicas utilizadas na constituição de uma companhia


de investimentos há a constituição de fundos, vocábulo que, aplicado em seu
significado jurídico, significa os “haveres, recursos financeiros, de que se podem
dispor de momento ou postos para determinado fim, feita abstração a outras
espécies de bens” (SILVA, 1989, p.333). Também assim os conceitua Wald (1990, p.
80) para quem “o fundo é um patrimônio com destino específico, abrangendo
elementos ativos e passivos vinculados a um certo regime que os une mediante a
afetação dos bens a determinadas finalidades, que justifiquem a adoção de um
regime jurídico próprio”.
Os recursos aportados pelos investidores nas companhias de investimento
constituem, assim, um fundo, já que há a formação de um patrimônio afetado em
razão da sua destinação, qual seja, a aplicação em títulos e valores mobiliários com
diversificação dos riscos. Na forma norte-americana de companhias de investimento
os fundos estão sempre contidos em uma estrutura personalizada, quer seja a
própria sociedade em que é constituído, quer seja na sociedade que administra
(trustee) o business trust que o originou.
Esta situação, todavia, não é a verificada no Brasil. Aqui, conforme será
demonstrado ao longo deste capítulo, as companhias de investimento se organizam
por meio da constituição de (i) sociedade de investimento, que nada mais é que uma
sociedade por ações cujo objeto social se reveste na aplicação de seus recursos em
valores mobiliários de forma a diversificar o risco dos investidores; (ii) sociedade em
conta de participação, hoje regulamentada pelo Código Civil, na qual os recursos
dos investidores são entregues à administradora, que os têm em seu próprio
patrimônio; ou, e principalmente, (iii) de um fundo de investimento.
19
 

Os fundos de investimentos brasileiros são constituídos por recursos de


investidores que formam um patrimônio distinto do patrimônio da sociedade que o
administra. A princípio, estes fundos de investimento são classificados como entes
sem personalidade jurídica, razão pela qual os fundos ali formados são entendidos
como de propriedade dos próprios investidores, que os teriam em condomínio. Esta
fórmula, apesar de bem sucedida no seu objetivo de angariar recursos e fomentar a
atividade econômica no Brasil, conduz a dilemas jurídico-teóricos que se refletem
em questões práticas e cotidianas, para cuja solução espera-se contribuir com o
presente estudo.
Definindo-se os termos usados neste trabalho, segue-se a uma resenha
histórica, necessária à compreensão de como as companhias de investimento norte-
americanas deram origem, mesmo que como fonte inspiradora, aos fundos de
investimento brasileiros.

2.2.1 Histórico

Se nos Estados Unidos as companhias de investimento surgem ainda no


século XIX, no Brasil estas estruturas só são verificadas por volta de 1940
(ASHTON, 1963, p. 14). O mercado de capitais brasileiro, entretanto, somente se
torna mais propício para a expansão deste tipo de investimento por volta da década
de 1960, conforme noticia Asthon. (ASHTON, 1963, p. 30).
Ainda assim, o primeiro diploma legal sobre a matéria é o Decreto-Lei nº.
7.583, de 25 de maio de 1945, editado sob a influência do Investment Company Act
norte-americano, promulgado em 1940. O aludido diploma legal nada mais é que
uma curta referência à sociedade de investimento, juntamente com as sociedades
de crédito e de financiamento, deixando a título do Ministério da Fazenda a edição
de normas para regulamentá-las17.
As sociedades de financiamento e de investimento, como esclarece Barreto
Filho (1956, p. 27), “não constituem um tipo societário diferenciado; não se
distinguem das demais sociedades por uma forma jurídica peculiar, e sim, tão
                                                            
17
Estipulou, todavia, que as disposições previstas na legislação referente à Caixa de Mobilização e
Fiscalização Bancária, tais como a determinação de capital mínimo para constituição de bancos,
não fossem a ela aplicáveis (ASHTON, 1963, p. 35)
20
 

somente, por seu objeto social”. Assim, caracterizam-se como sociedades de


financiamento e investimento aquelas sociedades cujo objeto social se configura
pela substituição de títulos encontrados no mercado por títulos de sua própria
emissão.
Sociedades de investimento e de financiamento eram, portanto, sociedades
de participação, ou sociedades cujo objetivo consiste em deter títulos de outras
sociedades. Barreto Filho (1963) ainda indica como sociedades de participação as
holding companies, distinguindo-as das primeiras, pois estas adquiririam títulos
emitidos por terceiras sociedades com o objetivo de controle ou predomínio sobre
elas, características não encontradas nas sociedades de investimento e de
financiamento18.
Diferenciavam-se as sociedades de investimento e as sociedades de
financiamento, pois, em cada uma delas o processo de substituição de títulos
conduz a realidades diferentes, conforme lição de Barreto Filho (1963, p. 37):

Embora usando o mesmo processo da substituição de títulos, elas


[as sociedades de financiamento] se estremam das sociedades de
investimento, em virtude do motivo pelo qual se faz a substituição:
enquanto a sociedade de financiamento adquire grandes
quantidades (ou a totalidade) de títulos de uma ou de algumas
empresas, que não encontram saída no mercado, movida
principalmente pelo fito de obter recursos indispensáveis ao seu
financiamento, a sociedade de investimentos adquire pequenas
quantidades dos melhores títulos disponíveis, de numerosas
empresas já consolidadas no crédito público, procurando antes de
tudo realizar uma boa aplicação de capitais, no interesse de seus
sócios.

A idéia central das sociedades de investimento consiste, portanto, na


diversificação de riscos mediante a substituição dos mais rentáveis e melhores
                                                            
18
Em resumo:
“De acordo com a corrente mais generalizada, JANIN e ROSSET admitem três categorias
principais de sociedades detentoras de títulos de outras sociedades:
1º) As sociedades que possuem títulos com o fito de colocação ou aplicação de capitais,
procurando a repartição do risco financeiro e a obtenção de um rendimento satisfatório, de que
são tipo os investiment trusts anglo americanos, os omniums e as sociétés d’investissements
francesas;
2º) As sociedades que detêm títulos com o objetivo de controle ou predomínio de outras
empresas, a que correspondem as holding companies;
3º) As sociedades que detêm títulos com o objetivo de financiamento de empresas novas ou já
existentes, equivalentes às promoting companies norte-americanas.
É óbvio que essa classificação não é rígida, e visa, principalmente, a atender a fins metodológicos,
pois a realidade econômica é mais complexa e rica do que a teoria”. (BARRETO FILHO, 1963, p.
30)
21
 

títulos emitidos por terceira companhia por outros por ela emitidos e adquiridos pelos
investidores19. O Decreto-Lei nº. 7.583/45, assim, não criou um instituto novo, mas
tão somente reconheceu a possibilidade de uma sociedade por ações20 ser utilizada
como veículo para arregimentação de recursos destinados ao fim específico de
aplicação em títulos de outras companhias.
A expressa autorização legal para a constituição das sociedades de
investimento não ocasionou, entretanto, a expansão da sua utilização, nem mesmo
fomentou o desenvolvimento do ainda incipiente mercado de capitais brasileiro.
James Wright Ladd e Richmond Miles Wright (1961) elencam empecilhos culturais,
jurídicos e econômicos que tornavam o investimento por meio das sociedades de
investimento caro e moroso e, portanto, extremamente desvantajoso ao investidor.
Entre os obstáculos jurídicos citados por Ladd e Wrigth (1961) sobressai a
dificuldade de emissão de novas ações pelas sociedades de investimento, em razão
da inexistência do instituto do capital autorizado21 e da necessidade de respeitar o
direito de preferência dos acionistas quando da emissão de novas ações previstas
no Decreto-Lei nº. 2.627, de 29 de setembro de 1940:

A legislação atual exige unanimidade para os efeitos de desistência


quanto aos direitos de preferência, e também que 10% do valor das
ações adquiridas sejam pagos por ocasião da “subscrição”
estabelecida pela assembléia extraordinária que tenha autorizado o
aumento do capital; a sociedade tem cinco dias para depositar esta
quantia num banco. A unanimidade dos acionistas exigida pela lei
torna quase impraticável para companhias com mais de alguns
poucos acionistas a obtenção desta desistência; e os 10% de
pagamento tornam o conceito de “capital autorizado mas não
subscrito” complicado e dispendioso quando são considerados
longos períodos de tempo. (LADD E WRIGTH, 1961, p. 14)

                                                            
19
“Sociedade de colocação de capitais, ou de investimentos, é a que tem por objeto a aplicação dos
fundos sociais na compra de valores mobiliários, selecionados de acordo com os critérios de
limitação do risco financeiro, para dividir entre os sócios os rendimentos e os lucros decorrentes
de sua gestão” (BARRETO FILHO, 1963, p. 56).
20
Apesar de sempre ter sido recomendada, a adoção pelas sociedades de investimento da forma de
sociedades por ações somente se tornou obrigatória com a edição da Lei nº. 4.595 de 31 de
dezembro de 1964.
21
Na vigência do antigo Decreto-Lei nº. 2.627, de 26 de setembro de 1940 a deliberação sobre o
aumento de capital era competência exclusiva da Assembleia Geral de Acionistas. A Lei nº. 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, em seu art. 168, prevê a possibilidade de aumento de capital até o
limite autorizado pelo Estatuto por decisão de um dos seus órgãos, inclusive por deliberação do
Conselho de Administração, o que é chamado de regime de capital autorizado (ULHÔA, 2008, p.
199)
22
 

Esta dificuldade também é apontada por Barreto Filho (1963, p. 114) em seu
estudo sobre as sociedades de investimento, acrescentando às incompatibilidades
entre a forma de sociedade anônima por elas adotadas e o objetivo para o qual se
constituem (especialmente naquelas sociedades em que há a pretensão de entrada
e saída constante de recursos – open ended) a impossibilidade de resgate e
reembolso dos portadores dos seus títulos, operação que se configurava comum nas
estruturas de investimento coletivo anglo-americanas.
Também Ashton cita tais obstáculos como causadores da inaplicabilidade da
estrutura de sociedade anônima às companhias (fundos) de investimento de
administração do tipo capital aberto:

Destarte, parece que além do princípio do capital fixo e da tributação,


o único verdadeiro obstáculo à adoção da forma anônima por uma
companhia de capital aberto, seriam as restrições contidas na lei
brasileira relativamente à retirada de acionista de uma sociedade
anônima e o resgate ou reembolso de suas ações, restrições essas
que de fato seriamente entravariam o resgate contínuo de ações
emitidas por companhias de investimentos de administração do tipo
capital aberto. (1963, p. 112)

A título de exemplo dos obstáculos experimentados no Brasil pelas


sociedades de investimentos, Ladd e Wrigth (1961) analisam brevemente o caso
Valérias, companhias de investimento constituídas entre as décadas de 1950 e
1960. A sociedade de investimentos Valéria S/A foi constituída pela Deltec S/A para
aplicação de recursos em títulos com diversidade de riscos. A primeira emissão de
ações foi pequena e, depois de totalmente subscrita, fez-se necessária a emissão de
novas ações com o intuito de agregar mais investidores e recursos aos seus fundos
sociais.
A segunda emissão de ações pela Valéria S/A consubstanciou-se num
processo lento e caro, graças aos obstáculos jurídicos anteriormente mencionados.
A Deltec S/A acabou optando pela constituição de uma nova companhia, processo
que se repetiu por mais três vezes, chegando a existir cinco Valérias em operação,
todas geridas pelo mesmo administrador e como o mesmo portfólio, ou seja,
investindo nas mesmas ações (já que eram poucas as opções de títulos no
mercado).
A situação exposta com a experiência das Valérias e outras sociedades de
investimento implicou na tentativa do Mercado de Capitais em se sobrepor aos
23
 

obstáculos que ali se apresentaram. Assim, surgiu a engenhosa estrutura do fundo


em condomínio que alia a idéia do fundo formado na sociedade em conta de
participação acrescida da separação patrimonial entre sociedade de investimentos
(administradora) e investidores (condôminos do patrimônio detido em comum),
conforme será melhor detalhado nas seções posteriores.
O Fundo Crescinco, constituído em 18 de janeiro de 1957 sob a
administração da “Companhia de Empreendimentos e Administração”, subsidiária
brasileira da International Basic Economic Corporation (Ibec), de Nova York, braço
latino americano do Grupo Rockefeller, como primeiro fundo em condomínio
constituído no Brasil.
Ao não adotar a fórmula rígida das sociedades de investimento, a Companhia
de Empreendimentos e Administração possibilitou aos investidores a adesão ao
Fundo Crescinco, bem como seu desligamento dele sem a necessidade de
procedimentos burocráticos e morosos de emissão e regaste ou reembolso de
ações. A flexibilidade atraiu os investidores e, atrelada a uma política fiscal vantajosa
(FREITAS, 2006, p. 87), foi responsável pelo sucesso do aludido Fundo, que, em
1963, representava “cinco vezes o total do valor das transações mensais das ações
mais negociadas em todo o Brasil” (LADD, WRIGHT, 1961, p. 26).
A estrutura adotada pelo Fundo Crescinco não tem divergências
consubstanciais no que diz respeito à forma jurídica adotada para sua constituição e
a utilizada pelos fundos de investimento atuais. E os inconvenientes jurídicos
decorrentes desta fórmula também não são muito diferentes e até hoje permanecem
sem resposta22.
A experiência com o Fundo Crescinco acabou por incitar a edição, pelo
Ministério da Fazenda, da Portaria nº. 309 de novembro de 1959, considerada o
instrumento básico das sociedades de financiamento e investimento23. Este diploma
legal, ainda que viciado em sua origem24, autorizou expressamente a constituição de
fundos em conta de participação ou em condomínio pelas sociedades de
investimento, bem como pelas sociedades de crédito e financiamento25.

                                                            
22
Já em 1963, Ashton se perguntava como “registrar os títulos em nome do fundo”, se o mesmo não
tem personalidade jurídica? (ASHTON, 1963, p. 96)
23
Não obstante seus vícios de origem, conforme noticia Pontes (1982, p. 29)
24
Editada pelo Ministério da Fazenda, esta Portaria foi abertamente criticada por usurpar a
competência constitucionalmente conferida ao Congresso Nacional (FREITAS, 2006, p.80).
25
Esta permissão, inclusive, foi extremamente criticada por Asthon (1963, p. 93-4):
24
 

A constituição de companhias de investimento originadas da associação entre


sociedade de investimento e terceiros investidores por meio de uma sociedade em
conta de participação, regulada, à época, pela Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850,
não era uma experiência nova no Brasil. Neste caso, os investidores depositavam os
seus recursos na sociedade de investimentos, constituindo um fundo específico a
ser administrado e gerido por esta sociedade, que adotava a posição de sócia
ostensiva, obrigando-se em nome próprio perante os terceiros com quem
contratava26.
Com a contratação de uma sociedade em conta de participação, formava-se
um “fundo composto das contribuições dos associados para o benefício comum”
(ASHTON, 1963, p. 105), fundo este que, apesar de entregue ao sócio ostensivo
que dele se utilizava como se proprietário fosse, era detido em condomínio pelos
investidores, que possuíam apenas uma quota parte representativa deste patrimônio
(BARRETO FILHO, 1963, p. 188), mantendo, assim a titularidade ao menos parcial
sobre o fundo comum.
No entanto, a flexibilização da estrutura rígida a ser adotada pela sociedade
de investimento não foi capaz de tornar esta uma opção atrativa às companhias de
investimentos brasileiras principalmente em razão da possibilidade de confusão
entre o patrimônio da administradora, sócia ostensiva, e o fundo de recursos
aportados pelos investidores.
Já os fundos em condomínio como o Fundo Crescinco permitiam a formação
do mesmo fundo de contribuição detido pelos investidores, sem, contudo, implicar a
responsabilização pessoal da sociedade de investimento que os administrava, pois
esta não figurava como sócia ostensiva, como responsável por uma sociedade em
conta de participação. Ter-se-ia, portanto, três diferentes figuras nesta estrutura, os
investidores, a administradora e o fundo de investimentos independente das demais.

                                                                                                                                                                                          
“alterando características essenciais de uma forma societária, tal como se fez no Brasil com as
companhias de investimentos, deixa de existir a forma societária, como evoluiu lentamente, na
Inglaterra, Estados Unidos e na Europa, não podendo mais servir ao fim a que inicialmente foi
destinada. As companhias de investimentos de organização alterada, como existem no Brasil, não
são companhias de investimento e podem, nas mãos de inescrupulosos, prejudicar imensamente
os pequenos e médios economizadores e também a economia nacional se, após atingirem grande
vulto vierem a entrar em colapso. Por outro lado, não distinguir entre companhias de
financiamento e crédito e companhias de investimento, é permitir a confusão e anarquia”.
26
“em nosso direito, a doutrina geralmente seguida é a de que, não havendo patrimônio social, as
contribuições dos sócios passam à propriedade do sócio gerente. Este responsabiliza todos os
fundos sociais, ainda mesmo que seja por obrigações pessoais, se o terceiro com quem tratou
ignorava a existência das sociedades (BARRETO FILHO, p. 181-182)”.
25
 

Não obstante a regulamentação legal, a estrutura de fundos em condomínio


ensejou extensa crítica de Ashton. Segundo ele, a dicotomia entre fundo em
condomínio e administradora não é própria das companhias de investimento norte-
americanas. Naquele país, em qualquer forma jurídica, societária ou contratual, os
fundos decorrentes das contribuições dos investidores estavam sempre contidos na
estrutura da administradora, realidade que não se reproduzia no Brasil27. Concluiu o
Autor que esta dicotomia patrimonial entre fundo de investimentos e administradora
levaria, inexoravelmente, à necessidade de encontrar uma teoria que possa explicar
a conexão entre as duas entidades independentes (ASHTON, 1963, p. 99).
Na busca por esta teoria, demonstrou este Autor a insuficiência dos preceitos
do Código Civil relativos ao condomínio, à comissão mercantil e ao mandato para
explicar a conexão entre fundos de investimento e administradora. Sem indicar qual
seria a solução para o dilema encontrado, limita-se a concluir que o fundo de
investimento deveria ser considerado como uma esperança de condomínio:

Pode, pois concluir-se que, embora os fundos de investimento


brasileiros, do tipo capital aberto em regime de condomínio
devessem seguir e orientar-se pelas disposições do instituto do
condomínio, regulada pelo Código Civil Brasileiro, tal não ocorre. Não
são os fundos em condomínio aberto, aqui no Brasil, verdadeiros
condomínios, apenas representam eles no máximo a “expectativa de
um condomínio por ocasião da liquidação do fundo” (ASHTON, 1963,
p. 63).

As críticas doutrinárias não impediram o mercado de reproduzir a bem


sucedida fórmula do fundo em condomínio, como o fez a Deltec S/A, que,
abandonando a experiência com a Valéria S/A, criou, em 1961, o Condomínio Deltec
(LADD, WRIGHT, 1961), inspirado no Fundo Crescinco da Companhia de
Empreendimento e Administração. Assim, o fundo em condomínio foi incorporado ao
Mercado de Capitais brasileiro, passando a figurar como forma jurídica a ser
adotada por companhias de investimento ao lado das sociedades de investimento e
da sociedade em conta de participação.

                                                            
27
Conforme conclui Ashton (1963, p. 94):
“A conclusão a que se é forçado a chegar, é de que em vista de uma separação tão profunda
entre administrador e fundo – acrescido do elemento perturbador que as companhias com
objetivos completamente diversos, como as de financiamento e crédito, podem organizar seus
próprios fundos de investimentos, não existe no Brasil uma companhia de investimentos típica, do
tipo evoluído nos Estados Unidos e Inglaterra, nem é ela favorecida pela legislação brasileira”.
26
 

Lentamente, as atividades ligadas ao investimento privado começam a ganhar


impulsão no Brasil e em meados da década de 1960 tem-se a reforma do Mercado
Financeiro e de Capitais no Brasil, consubstanciada nas Leis nº. 4.595, de 31 de
dezembro de 1964 e nº. 4.728, de 14 de junho de 1965, a primeira com vistas a
regular as instituições monetárias, bancárias e creditícias, criando o Banco Central e
o Conselho Monetário Nacional e, a segunda, o Mercado de Capitais Brasileiro.
A Lei nº. 4.595/64 incluiu no conceito de instituições financeiras privadas as
sociedades de crédito, financiamento e investimento, e incumbiu o Conselho
Monetário Nacional, recém criado, de regulamentar estas sociedades. Já a Lei nº.
4.728/65 tem tratamento específico para as sociedades de investimento, bem como
para os fundos em condomínio por ela administrados.
No que tange às sociedades de investimento, a Lei nº. 4.728/65 deslocou
para o Banco Central a competência para autorizar o seu funcionamento, desde que
tivessem como objeto exclusivamente a aplicação de capital em carteira
diversificada ou a administração de fundos em condomínio ou de terceiros que
tivessem essa mesma finalidade (art. 49).
Esta Lei ainda traz importante inovação, pois, permite a criação de
sociedades anônimas de capital autorizado, abandonando a exigência do capital
fixo, indicado como um dos empecilhos para o desenvolvimento do Mercado de
Capitais no Brasil28. Esperando ter adequado a sociedade de investimentos aos
interesses do mercado, a Lei nº. 4.728/65 previu, em seu art. 50, ainda que com
certa impropriedade29, que os fundos em condomínio já constituídos poderiam se
“transformar” em sociedades de investimento com capital autorizado, com isenção
de encargos referentes a esta operação.
A previsão de capital autorizado para as sociedades anônimas não as tornou,
todavia, totalmente adequadas às necessidades das companhias de investimento no

                                                            
28
Conforme ensina Pontes: “Dentre as inovações introduzidas na legislação sobre as sociedades
anônimas, pela Lei nº. 4.728, numa tentativa de transposição dos institutos do direito anglo-
americano, no pressuposto de sua necessidade para ensejar e implantar o desenvolvimento do
mercado de capitais, figura a do sistema dói capital autorizado, ou seja, um capital subscrito
inferior ao declarado nos estatutos sociais, em lugar do sistema de capital fixo, tradicional no
direito dos países da Europa continental, em quase todos da América Latina e no Brasil”.
(PONTES, 1982, p. 51-52)
29
Nos termos expostos por Freitas (2006, p. 520), “tão importante pareceu ao governo criar
mecanismo que permitisse que os negócios passassem a se orientar sob a forma de sociedade de
capital autorizado, que atropelou raciocínio jurídico elementar: o de que operação de
transformação não é procedimento legal apto a converter condomínio em uma sociedade”
27
 

Brasil, especialmente àquelas em que é permitido aos investidores o resgate de


suas cotas a qualquer tempo, conhecidas como open end. 30
Segundo Vaz Tomé (1997, p. 149), em estudo acerca dos Fundos de
Investimentos Mobiliários Abertos formados em Portugal, a obrigação de resgatar, a
todo tempo, as unidades de participação mediante pedido do titular, constitui uma
característica essencial dos fundos comuns de investimento abertos (p. 149). O
regaste a qualquer tempo garantiria ao investidor a mobilidade do capital investido
sem que houvesse o risco de a cotação de valor das cotas dos fundos de
investimento abertos se distanciar do valor real do patrimônio constitutivo do fundo,
o que poderia acontecer caso as cotas fossem submetidas ao regime de alienação
no mercado secundário. O resgate das cotas é, portanto, essencial às companhias
de investimento do tipo open end e, apenas colateralmente, completando a
variabilidade do patrimônio do fundo, implica a emissão contínua de cotas. Nesse
sentido, vale destacar a lição de Vaz Tomé (1997, p.151-152):

O caráter aberto (isto é, a permanente mutabilidade do capital


através de uma sempre livre emissão e resgate de unidades de
participação) não se limita a constituir uma peculiaridade do capital,
mas desenha a característica essencial dos fundos comuns de
investimento mobiliários abertos, aquela que atinge e informa seus
aspectos estruturais e funcionais. [...]
Assim, uma vez que não são admitidas sociedades anônimas com
capital variável, dado que não é possível a permanente mutabilidade
do seu capital através da contínua e em ilimitada emissão e resgate
de títulos, resulta a impossibilidade de configurar os fundos comuns
de investimento de capital variável como sociedades.

No caso das companhias de investimento closed end o resgate somente é


permitido ao final do seu prazo de duração, que deve ser determinado. A estrutura
societária, assim, poderia acomodá-lo, sem problema.
Mas a possibilidade de constituição de uma sociedade anônima de capital
autorizado prevista na Lei nº. 4.728/65 afastou o empecilho apenas colateral das
companhias de investimento do tipo open end. A lei brasileira continuou, como
continua, vedando o resgate incondicional das ações das sociedades anônimas de
capital variável, que só pode ser realizado quando se tratar de todas as ações de
                                                            
30
Conforme ensina Barreto Filho (1963, p. 114) as companhias de investimento são classificadas
como (i) open end, ou em condomínio aberto, quando é permitida aos investidores a solicitação do
resgate de suas cotas a qualquer tempo; e (ii) closed end quando há a previsão para resgate de
cotas somente ao término do seu prazo de duração. Esta classificação é utilizada pela ICVM 409
em seu artigo 5º.
28
 

uma mesma classe ou por meio de sorteio, permanecendo a impossibilidade de uma


companhia de investimento organizar-se como uma sociedade anônima.
Ainda em resposta às críticas referentes às companhias de investimento
brasileiras31, o Banco Central editou, por fim, a Resolução nº. 103, de 10 de
dezembro de 1968, que proibiu as sociedades de crédito, de financiamento e do tipo
misto de constituírem fundos em condomínio ou em conta de participação.
Com esta norma, que vinha revogar o disposto na Portaria nº. 309 do
Ministério da Fazenda, somente poderiam constituir tais fundos as sociedades de
investimento. Caberia, assim, às sociedades de crédito e financiamento que
pretendessem atuar por meio da aplicação de recursos de terceiros em carteira de
títulos e valores mobiliários a constituição de uma sociedade de investimento, que
poderia optar pela atuação direta no Mercado ou pela constituição de um fundo em
condomínio.
Importa notar que a aludida Resolução não proíbe a constituição de fundos
em condomínio, mas simplesmente proíbe a sua administração pelas sociedades de
crédito e financiamento, que estavam submetidas a regulamentos específicos
editados pelo Banco Central, aos quais não se submetiam as sociedades de
investimento. Com as medidas tomadas pela Lei nº. 4.728/65 e a Resolução nº. 103,
o legislador esperava fomentar a aplicação em carteira de títulos e valores
mobiliários diretamente pelas sociedades de investimento, e não mais por fundo por
ela administrado.
Todavia, o inconformismo acerca da vedação às sociedades de crédito e
financiamento de continuar a administrar fundos de investimento foi imediato e,
conforme noticia Freitas (2006, p. 55), a associação destas entidades enviou
solicitação ao Governo visando à restauração da legalidade do exercício desta
atividade pelas sociedades de financiamento e crédito, ressaltando a característica
de separação patrimonial existentes entre o fundo em condomínio e a sociedade que
o administra, o que eliminaria qualquer risco de contaminação nas instituições
financeiras pelos débitos dos fundos de investimento por ela administrados.
                                                            
31
Esta era, inclusive, uma das principais sugestões da doutrina para que se propiciasse um correto
desenvolvimento do Mercado de Capitais Brasileiro. Nesse sentido, vale destacar a conclusão
Ashton (1963, p. 129) em sua obra dedicada ao estudo das companhias de investimento
brasileiras:
“Diante dessas exigências propõe-se:
[...] Quarto: as companhias de financiamento e crédito deveriam ser proibidas de organizar e
operar fundos de investimento de ambos os tipos correntes no Brasil, pois estas companhias não
podem ser qualificadas como companhias de investimentos; [...]”
29
 

Convencido pelos argumentos trazidos, menos de dois anos após a edição da


aludida norma, o Banco Central do Brasil editou nova Resolução para regulamentar
de forma pormenorizada os fundos mútuos de investimento incluindo a permissão
legal de sua constituição não só por sociedades de investimento, mas também por
sociedades de crédito, financiamento, desde que atendidas determinadas
exigências32.
Apesar de tratar apenas dos fundos de investimento sob a forma de
condomínio aberto, a Resolução nº. 145, de 14 de abril de 1970 é o marco legislativo
para os fundos de investimento na sua conformação jurídica atual, pois regulamenta
pontos importantes para sua conceituação.
Com um histórico de sucesso e regulação que permitia certa segurança
jurídica aos investidores, agora denominados cotistas, e à administradora dos
recursos, os fundos de investimentos conheceram um desenvolvimento considerável
nas décadas de 1970 e 1980. Passaram a ter papel importante no desenvolvimento
econômico e na arrecadação de poupança popular para fins de investimento, pois
seriam mais vantajosos que as demais companhias de investimentos, conforme lição
de Lopes Pontes (1982, p. 123-124):

Dadas as características dos fundos de investimento, advém destes


os seguintes benefícios para seus investidores: a) nenhum vínculo
associativo, inclusive devido à ausência de personalidade jurídica do
Fundo, donde nenhum encargo decorrente da qualidade de sócio ou
acionista; b) considerável fracionamento dos riscos do investimento,
decorrente da diversificação ou emprego dos recursos em inúmeros
títulos de diversas companhias dos mais variados ramos de
atividade; c) garantia de renda periódica; d) participação nos lucros
decorrentes do desenvolvimento de numerosas empresas; e)
proteção contra a desvalorização monetária; f) tranquilidade quanto à
situação econômico-financeira do investimento pela atuação de
técnicos e especialistas na aplicação deste; g) conversibilidade
imediata, normalmente com apreciáveis ganhos; h) inexistência dos
encargos decorrentes da propriedade de ações e debôntures [sic]
(recebimento de juros, dividendos, bonificações, subscrição de

                                                            
32
Nos termos da Resolução nº. 145, de 14 de abril de 1970:
“Art. 4º A administração dos FUNDOS MÚTUOS DE INVESTIMENTO será exercida por Bancos
de Investimento, Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento e Sociedades Corretoras,
ressalvado o disposto no artigo seguinte.
Art. 5º A partir desta data fica vedada a constituição de FUNDOS MÚTUOS DE INVESTIMENTO
por Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento e Sociedades Corretoras cujo capital
integralizado seja inferior a uma vez e meia (1,5) o capital mínimo a que estejam obrigadas pelas
normas em vigor, capital aquele que, em nenhuma hipótese, será inferior a NCr$500.000,00
(quinhentos mil cruzeiros novos)”.
30
 

títulos, etc.); i) lucro decorrente das reduções de taxas de corretagem


pelas quantias elevadas das transações.

Estabelecidas as bases para a criação de um fundo de investimento, à


Resolução nº. 145/70 seguiram-se diversos outros normativos do Banco Central e,
posteriormente, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, mas apenas em 1993
foi promulgada lei ordinária para tratar de matéria afeita aos fundos de
investimentos. E, conforme será demonstrado adiante, a Lei nº. 8.668, de 25 de
junho de 1993, resulta, justamente, de um ajuste decorrente das incorreções
jurídicas existentes no modelo adotado para o correto funcionamento dos fundos de
investimento imobiliário.
No curso dos anos, outras leis ordinárias foram promulgadas com relação ao
tratamento tributário concedido aos fundos de investimento, não trazendo qualquer
novo elemento para solucionar as questões relativas ao instituto jurídico mais
adequado à sua conformação.
Nos dias atuais, após a promulgação da Lei nº. 10.301, de 31 de outubro de
2001, é da Comissão de Valores Mobiliários – CVM a competência para disciplinar e
fiscalizar as atividades relacionadas aos fundos de investimento e à sua
administração, conforme disposto no art. 2º da Lei nº. 6.385, de 07 de dezembro de
1976. A estabilização da moeda, o equilíbrio financeiro e o maior nível de confiança
e desenvolvimento do Mercado de Capitais na década de 90 consolidou a expansão
dos fundos de investimento, que em 2008 refletia um patrimônio líquido de US$
661,146 bilhões (ADMINISTRADORES, 2009).
A opção pela utilização dos fundos de investimento como veículo de
agrupamento de recursos destinados à aplicação em carteira de títulos e valores
mobiliários, mesmo depois de atendidas as exigências doutrinárias para tornar mais
atrativa a constituição das sociedades de investimento, foi realizada pelo próprio
mercado. As sociedades de crédito, investimento e financiamento são hoje
estudadas como um único conjunto, partes integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, conforme lhes conceitua Fortuna (2002, p. 33):

Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento – Financeiras


Sua função é financiar bens de consumo duráveis por meio do
popularmente conhecido “crediário” ou crédito direto ao consumidor.
[...]
31
 

Na esfera das financeiras, giram as chamadas promotoras de


vendas, constituídas, em geral, sob a forma de sociedades civis (sic)
servindo de elo entre o consumidor final, o lojista e a financeira, por
meio de contratos específicos, em que figuram poderes especiais,
inclusive para sacar letras de câmbio na qualidade de procuradores
dos financiados e, também, prestando garantia del credere dos
contratos intermediados. Tais promotoras têm suas atividades
disciplinadas pela Resolução nº. 562, de 30/9/79 do CMN.

Não é fácil indicar com precisão os motivos que levaram a esta escolha. São
de ordem tributária, de ordem econômica e até mesmo cultural. Fato é que, se
surgiram como remédio aos empecilhos vislumbrados nos primórdios do Mercado de
Capitais brasileiro, hoje têm existência predominante no cenário econômico do país,
figurando como grandes protagonistas na arrecadação da poupança popular e no
financiamento da atividade empresarial.
Contextualizada a origem dos fundos de investimento atuais, passa-se à
análise de sua estrutura e conformação jurídica, objeto específico deste estudo.

2.2.2 Revisão doutrinária e legislativa

Nos termos expostos na seção anterior, a Resolução nº. 145/70 do Banco


Central lançou as bases dos fundos de investimento no Brasil, regulamentando a
sua constituição, o seu funcionamento, a sua administração e a responsabilidade
pelos seus atos. O fundo de investimento passou a ser entendido como “uma
comunhão de recursos oriundos da poupança popular, destinados à aplicação de
títulos e valores mobiliários”.
A aludida Resolução determinou a constituição dos fundos de investimento
por escritura pública (art. 1º) e sua administração por meio de mandato concedido
pelos condôminos à administradora, que possuía, assim, poderes para “exercer
todos os direitos inerentes aos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira do
FUNDO, inclusive o de ação e o de comparecer e votar em Assembléias Gerais ou
Especiais. Poderá, igualmente, abrir e movimentar contas bancárias, adquirir e
alienar livremente títulos e valores mobiliários, transigir, praticar, enfim, todos os atos
necessários à administração da carteira, observadas as limitações do presente
Regulamento” (art. 7º). Prevê, ainda, a existência de uma assembleia de
32
 

condomínio, que tem legitimidade para aprovar, dentre outras matérias, mudanças
no Regulamento dos fundos de investimentos ou a alteração da sua administração
(art. 10º).
Atendo-se à classificação dos fundos de investimentos como condomínio de
recursos, a Resolução nº. 145/70 determina, ainda, que “as quotas de FUNDO
MÚTUO DE INVESTIMENTO correspondem a frações ideais do mesmo FUNDO”
(art. 16). Todavia, já nesta Resolução percebe-se o intuito do legislador de conceder
ao Fundo certa capacidade, conferindo-lhe uma contabilidade própria e,
principalmente, a propriedade dos recursos dos investidores e dos ativos com eles
adquiridos (art. 29).
Após a edição desta norma, o Brasil conheceu rápido crescimento econômico
e quase duas décadas se passaram sem que, aparentemente, a doutrina se
ocupasse com as incorreções teóricas encontradas na estrutura dos fundos de
investimento, a despeito de todas as críticas a ele direcionadas nas décadas de
1950 e 1960. A inexistência de discussão doutrinária a esse respeito não significa a
resolução dos problemas encontrados. Muito antes, aparenta uma espécie de
situação cômoda, já que apesar destas incorreções, os fundos de investimentos
parecem ter operado perfeitamente em termos econômicos e financeiros durante
este período33.
A constituição de fundos de investimento que possuíam em sua carteira bens
imóveis trouxe à tona as imperfeições do modelo fundos em condomínio. A prática
comum em que o Fundo adquiria, em nome próprio, os ativos, em sua maioria títulos
e valores mobiliários, que compunham a sua carteira não parecia perturbar a
doutrina. Não há registros, após 1970, de questionamentos mais contundentes dos
estudiosos do Direito acerca do fato deste ente despersonalizado possuir patrimônio
em nome próprio. Mas a partir do momento que tais ativos passam a ser constituídos
por bens imóveis, obrigando-se o seu registro perante o Registro Civil de Bens
Imóveis, o legislador, bem como os estudiosos do Direito, deparam-se com um
dilema.
O registro dos bens imóveis de “propriedade” do condomínio não podia ser
realizado em seu nome, já que ente sem personalidade jurídica. Também não o
poderiam ser em nome da administradora, pois não eram de sua propriedade.
                                                            
33
Conforme noticia Freitas (2006, p. 255): “Em 1999, tivemos a oportunidade de referir que
praticamente não existiam, no Brasil, disputas judiciais envolvendo fundos de investimento”.
33
 

Deveriam, em tese, ser registrados em nome de todos os condôminos – cotistas dos


Fundos que os possuíam em condomínio, mas tal fato teria implicações práticas
desagradáveis, tornaria o processo de investimento lento e burocrático e ainda
implicaria em responsabilidade pessoal dos investidores pelas obrigações propter
rem.
Esta parece ser a primeira vez que as implicações práticas decorrentes dos
equívocos teóricos existentes na formula fundo em condomínio foram enfrentadas
pelo legislador. Assim, em 25 de junho de 1993, foi editada a Lei nº. 8.668, que
instituiu fundos de investimentos “sem personalidade jurídica, caracterizados pela
comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores
Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, destinados a
aplicação em empreendimentos imobiliários”. Seu objetivo era, portanto, a
securitização da propriedade imobiliária (SZTAJN, 1994).
Mas, perdendo uma boa oportunidade para estudar e corrigir as vicissitudes
da fórmula adotada desde 1970, o legislador preferiu tentar contorná-los. Assim
determinou que os bens adquiridos com os recursos dos investidores fossem
mantidos, como patrimônio separado e em propriedade fiduciária, no nome da
administradora. Confiram-se as disposições legais sobre esta questão:

Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos


adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de


Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a
propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus
frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta,
observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições:
I - não integrem o ativo da administradora;
II - não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da
instituição administradora;
III - não componham a lista de bens e direitos da administradora,
para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;
IV - não possam ser dados em garantia de débito de operação da
instituição administradora;
V - não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da
administradora, por mais privilegiados que possam ser;
VI - não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os
imóveis.
1º No título aquisitivo, a instituição administradora fará constar as
restrições enumeradas nos incisos I a VI e destacará que o bem
adquirido constitui patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.
2º No registro de imóveis serão averbadas as restrições e o destaque
referido no parágrafo anterior.
34
 

3º A instituição administradora fica dispensada da apresentação de


certidão negativa de débitos, expedida pelo Instituto Nacional da
Seguridade Social, e da Certidão Negativa de Tributos e
Contribuições, administrada pela Secretaria da Receita Federal,
quando alienar imóveis integrantes do patrimônio do Fundo de
Investimento Imobiliário.

Art. 8º O fiduciário administrará os bens adquiridos em fidúcia e deles


disporá na forma e para os fins estabelecidos no regulamento do
fundo ou em assembléia de quotistas, respondendo em caso de má
gestão, gestão temerária, conflito de interesses, descumprimento do
regulamento do fundo ou de determinação da assembléia de
quotistas.

Art. 9º A alienação dos imóveis pertencentes ao patrimônio do fundo


será efetivada diretamente pela instituição administradora,
constituindo o instrumento de alienação documento hábil para
cancelamento, perante o Cartório de Registro de Imóveis, das
averbações pertinentes às restrições e destaque de que tratam os §
1º e 2º do art. 7º.
Parágrafo único. Os recursos resultantes da alienação constituirão
patrimônio do fundo.

A aludida Lei ainda exclui a responsabilidade dos condôminos pelas dívidas


contraídas em favor dos imóveis de “propriedade” do Fundo, retirando-lhes, ainda, a
prerrogativa de exercer qualquer direito real sobre os aludidos imóveis, instituindo
uma espécie de regime especial de condomínio, contrário ao disposto na regra geral
do Código Civil.
As disposições da Lei nº. 8.668/93 resolveram os problemas de ordem prática
enfrentados pelos fundos de investimento imobiliário, mas apenas deixaram mais
complexa a estrutura já cheia de equívocos utilizada pelos fundos de investimento.
De qualquer forma, os debates decorrentes desta Lei serviram, ao menos, para
chamar a atenção dos doutrinadores às intricadas questões decorrentes da
utilização dos fundos de investimento.
No que tange à administração dos fundos de investimento imobiliário, Sztajn
(1994, p. 106) entende que o legislador teria buscado inspiração nas companhias de
investimento americanas organizadas na forma de business trusts para estipular a
existência de uma espécie de negócio fiduciário entre investidores e administradora
no qual esta, “age como proprietária dos bens, podendo, exercendo, [sic] além disso,
poderes iguais aos dos administradores da companhia”. Assim, esta Lei teria
incluindo outro tipo de negócio fiduciário reconhecido pela legislação brasileira, além
do fideicomisso e da alienação fiduciária em garantia.
35
 

Sob outra perspectiva, mais ainda em razão da Lei nº. 8.668/93, Arnoldo Wald
(1990, p.22), em artigo publicado antes mesmo da edição do aludido diploma legal,
tenta explicar a possibilidade de existência de um patrimônio de “propriedade” do
fundo de investimento, pois

reconhece-se aos fundos uma quase-personalidade ou um regime


sui generis que lhes atribui a propriedade fiduciária dos bens dos
condôminos, caracterizando-se a sua autonomia pela existência de
seu patrimônio, de sua contabilidade, de capacidade processual
própria e de uma gestão baseada em princípios fiduciários.

Assim, este Autor aproxima o fundo de investimento imobiliário do trust norte-


americano e, sem reconhecer-lhe personalidade jurídica34, conclui que “não há,
assim, qualquer dúvida quanto a possibilidade do Fundo Imobiliário ser titular em
nome próprio de direitos e obrigações” (WALD, 1990, p. 23)
Interessante ressaltar que ambos os autores que se dispuseram à árdua
tarefa de discutir a forma jurídica dos fundos de investimento imobiliário
reconheceram a existência de patrimônio “do Fundo”, mas, baseando-se na
afirmação legal de que se tratam de condomínios despersonalizados, acabaram por,
como também o fez o legislador, socorrer-se na figura do trust norte-americano para
explicar a relação existente entre administradora, fundo e investidor.
Conforme esclarecido na seção anterior, não há dúvidas de que o trust
americano inspirou a criação dos fundos de investimento no Brasil. Mas eles não se
confundem. Enquanto no trust os recursos dos investidores são entregues em
fidúcia à sociedade administradora, formando um patrimônio de titularidade desta,
mas separado do seu patrimônio pessoal, o fundo de investimento constitui um
patrimônio diferente do patrimônio do administrador, mas, a princípio, de titularidade
dos investidores, que, muito embora os entreguem para administração, nunca
perderam a propriedade sobre ele.
E a prática demonstra, referendada na legislação, que os investidores só
possuem em condomínio os recursos por eles aportados, já que o patrimônio
formado pelos ativos adquiridos por estes recursos pertencem, em verdade ao
                                                            
34
“Os fundos do Mercado de Capitais não têm personalidade jurídica e os de Direito Público podem
tê-la ou não conforme determinar o diploma legal que os constituiu. Mas já existe ampla
regulamentação que, nos últimos vinte e cinco anos, admitiu, tanto no Brasil, como no Exterior,
que os fundos do mercado de capitais tivessem patrimônio e capacidade processual, sem atribuir-
lhe, todavia, personalidade jurídica, constituindo, assim, uma forma especial de condomínio,
diferente do comum previsto pelo Código Civil”. (WALD, 1990, p. 15)
36
 

próprio fundo de investimentos, que, apesar de possuir um patrimônio em nome


próprio, ainda é classificado como entre despersonalizado.
Não obstante a contribuição para a discussão, nenhum dos Autores ora
citados combate frontalmente a forma do condomínio despersonalizado adotado
desde 1970, mas a complicam ao vinculá-la a uma figura estrangeira ao Direito
pátrio, sem, contudo responder às perguntas latentes desde a origem dos fundos de
investimento brasileiros, para citar apenas três: (i) a quem pertence os recursos dos
investidores reunidos em um fundo de investimento; (ii) qual a natureza jurídica entre
a relação administrador – fundo – investidor; e (iii) seria o fundo de investimento, a
despeito da classificação legal, um ente personalizado?
Sem respostas a estas perguntas e ultrapassados os problemas práticos
decorrentes dos fundos de investimento imobiliário com a promulgação da Lei nº.
8.668/93, a fórmula dos fundos de investimento continuou sendo reproduzida no
Brasil.
Se, entretanto, durante alguns anos a doutrina deixou esta questão de lado, o
crescimento impressionante destas companhias de investimento iniciado na década
de 1994 e impulsionado pela onda de confiança no mercado de capitais brasileiro,
atrelado ao fato de que cada vez mais há a participação dos fundos de pensão
privados como investidores – cotistas, proporcionaram um novo foco de atenção
nesta estrutura jurídica adotada pelos fundos de investimentos, passando a doutrina
a atuar, novamente, de forma crítica ao tratar sobre a matéria.
Assim é que nesta década diversos autores passaram a ocupar-se com as
questões ora levantadas, perquirindo a real natureza jurídica do fundo de
investimento, trazendo novos argumentos para aproximá-los ora de um regime
especial de condomínio, como o faz Gaggini35, ora da sociedade despersonificada,
como fazem Sztajn36, Freitas37 e Novaes França38.

                                                            
35
Isto posto, e sem prejuízo do acima demonstrado, concluímos ser o fundo de investimento,
perante o direito brasileiro, uma forma de “condomínio” de natureza especial, com regras próprias
e específicas, distintas das descritas no Código Civil (GAGGINI, 2001, p. 53).
36
Pergunta-se, ao invés de definir o fundo como “condomínio fechado” não teria sido mais próprio
defini-lo como uma sociedade aberta, não personificada, com organização igual a das
companhias.[...] Embora o fundo constitua patrimônio separado, a ele já se impõem algumas das
regras próprias das sociedades anônimas. Terá sido criada uma sociedade atípica, com limitação
de responsabilidade patrimonial dos sócios em sociedade não personificada, mas cuja
administração, diversamente do que prevêem as normas legais para tais tipos, se faz de acordo
com as regras do hetero-organicismo (SZTAJN, 1990, p. 93).
37
Nesse sentido, FREITAS (2006, p. 218), após destacar a diferenciação teórica entre sociedade e
condomínio, reconhece nos “fundos de investimento que o sentido jurídico de sua representação
37
 

Este debate vem sendo aprofundado, e tem grande importância,


39
especialmente em tempos de crise econômica e financeira , nos quais a
preocupação em fomentar os investimentos à atividade empresária torna ainda mais
relevante a existência de institutos jurídicos seguros para proteção aos recursos que
ainda estão disponíveis.

2.2.3 Estrutura Legal

A idéia central dos fundos de investimento é similar à das sociedades de


investimento: uma união de recursos de diversos investidores para a aplicação em
determinados ativos. Com o volume de recursos aumentado, é possível diversificar
os riscos, pela aplicação em maior variedade de ativos, bem como aumentar os
resultados obtidos. Nestes termos esclarece Gaggini (2001, p. 18):

Os fundos de investimento partem da premissa de que a junção de


patrimônio de diversas pessoas permite a obtenção de melhores
resultados, para todo, em relação aos que seriam obtidos
isoladamente, ao mesmo tempo em que representam um novo canal
de investimento, em especial para pequenos investidores, que
podem assim ter acesso aos mais variados produtos financeiros, que
de outra forma seriam inacessíveis.

Assumindo serem, os fundos de investimento entes despersonalizados de


agregação de poupanças de diversos investidores, sem qualquer propósito
associativo, Lopes Pontes (1982, p. 123) transcreve conceituação de Jean Patrice
Senn, para quem os fundos de investimento são organismos financeiros que
concentram recursos de terceiros, garantindo-lhes, mediante a gestão técnica de
ativos financeiros e a distribuição de riscos, resultados superiores à da gestão direta
por eles implementada.

                                                                                                                                                                                          
global subsume-se perfeitamente ao conceito abstrato de sociedade, tal qual estatuído no artigo
981 do Código Civil, não hesitaremos, então, em concluir que estamos diante de uma sociedade”.
38
A natureza do Fundo “X” é a de uma sociedade não personificada. O Fundo “X” é regido pelos
arts. 49 e 50 da Lei nº. 4.728/1965 e pela Instrução CVM-302/1999, sendo subsidiariamente a ele
aplicáveis as normas do Código Civil relativas ao direito societário, particularmente as normas
sobre sociedade em comum e sobre a sociedade simples, e, analogicamente, as disposições da
Lei das S/A. No caso de conflito, prevalece, naturalmente, a Lex specialis (Lei nº. 4.728/1965 e
Instrução CVM-302/1999). (FRANÇA, 2009, p.212)
39
Apesar da recuperação das bolsas, ainda existem indícios que a “marola” ainda não acabou.
38
 

Eizirik também parte do pressuposto de serem os fundos de investimento um


condomínio sem personalidade jurídica, constituindo uma comunhão de recursos
que se destinam a aplicação de ativos financeiros com a finalidade de mitigação de
riscos. Seguindo o mesmo raciocínio de Lopes Pontes, esclarece que:

os fundos de investimento, ao contrário do que ocorre com as


companhias de investimento, apresentam uma feição contratual e
não societária, uma vez que não há entre os investidores relação
interpessoal associativa – a affectio. Ao contrário, a relação dos
investidores entre si é irrelevante para a constituição e
funcionamento de um fundo, uma vez que, ao aderirem ao fundo,
estes vinculam-se ao administrador, que lhes presta serviços de
administração e de gestão de seus recursos. (EIZIRIK, 2008, p. 79)

As instruções normativas editadas pela CVM, autarquia que detém, desde


2001, competência para regulamentar a sua constituição e funcionamento40, também
definem os fundos de investimento como condomínio ou comunhão de recursos
destinados à aplicação específica, cuja administração é outorgada à terceira
pessoa41. Nesse sentido dispõe o art. 2º da Instrução Normativa nº. 409, de 18 de

                                                            
40
Sobre a competência da CVM para regular os fundos de investimentos vale conferir: Cantidiano,
2005; Delgado, 1998; Grau, 2005; Moreira, Egon Bockmann, 1999; Moreira, Ricardo Guimarães,
2003; Rocha, 1986.
41
As demais Instruções Normativas editadas pela CVM acerca dos fundos de investimento também
os classifica como comunhão de recursos, valendo lembrar que, no caso, para fins de
regulamentação, os fundos são divididos, pela CVM, de acordo com os ativos mantidos em sua
carteira. Confira-se as mais relevantes:
Instrução Normativa nº. 141, de 16 de abril de 1991 (ICVM 141), que trata sobre Fundo de
Privatização - Certificados de Privatização (CP) constituído[s] sob a forma de condomínio fechado,
que terão seu patrimônio integralizado com certificados de privatização, destinados a adquirir
valores mobiliários emitidos por empresas que vierem a ser desestatizadas na forma da Lei nº
8.031, de 12 de abril de 1990. (art. 1º);
Instrução Normativa nº. 153, de 24 de julho de 1991 (ICVM 153), que trata dos Fundos Mútuos de
Ações Incentivadas, constituído[s] sob a forma de condomínio fechado, são uma comunhão de
recursos destinados à aplicação em carteira diversificada de títulos e valores mobiliários (art. 1º);
Instrução Normativa nº. 186, de 17 de março de 1992 (ICVM 186), que trata dos Fundos de
Investimento Cultural e Artístico, constituído[s] sob a forma aberta - quando admitir o resgate de
quotas -, ou fechada - quando não admitir o resgate de quotas - são uma comunhão de recursos
destinados à aplicação em projetos culturais e artísticos(art. 1º);
Instrução Normativa nº. 209, de 25 de março de 1994 (ICVM 209), que trata dos Fundos Mútuos
de Investimento em Empresas Emergentes – FMIEE, constituído[s] sob a forma de condomínio
fechado, é uma comunhão de recursos destinados à aplicação em carteira diversificada de valores
mobiliários de emissão de empresas emergentes (art. 1º);
Instrução Normativa nº. 278, de 08 de maio de 1998 (ICVM 278), que trata dos Fundos de
Investimento em Empresas Emergentes – Capital Estrangeiro – FIEE Capital Estrangeiro,
constituído[s] sob a forma de condomínio fechado, isto é, sem resgate de cotas, de que participem
exclusivamente pessoas físicas ou jurídicas, residentes, domiciliadas ou com sede no exterior,
fundos ou outras entidades estrangeiras de investimento coletivo, é uma comunhão de recursos
destinada à aplicação em carteira diversificada de valores mobiliários de emissão de empresas
emergentes (art. 1º);
39
 

agosto de 200742 (ICVM 409): “Art. 2º. O fundo de investimento é uma comunhão de
recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos
financeiros, observadas as disposições desta Instrução.”
                                                                                                                                                                                          
Instrução Normativa nº. 279, de 14 de maio de 1998 (ICVM 279), que trata dos (i) Fundos Mútuos
de Privatização – FGTS; e (ii) dos Fundos Mútuos de Privatização – FGTS Carteira Livre,
constituído[s] sob a forma de condomínio aberto, é uma comunhão de recursos destinados à
aquisição de valores mobiliários no âmbito do Programa Nacional de Desestatização, instituído
pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e de Programas Estaduais de Desestatização, mediante
aprovação prévia, em ambos os casos, do Conselho Nacional de Desestatização – CND (art. 1º);
Instrução Normativa nº. 356, de 17 de dezembro de 2001 (ICVM 356), que trata dos (i) Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, comunhão de recursos que destina parcela
preponderante do respectivo patrimônio líqüido para a aplicação em direitos creditórios; e (ii)
Fundos de Investimento em Cotas dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC,
comunhão de recursos que destina no mínimo 95% (noventa e cinco por cento) do respectivo
patrimônio líquido para a aplicação em cotas de FIDC (art. 1º);
Instrução Normativa nº. 359, de 22 de fevereiro de 2002 (ICVM 359), que trata dos Fundos de
Investimento em Índice de Mercado – Fundos de Índice, que, conforme esclarece a ICVM 359, são
uma comunhão de recursos destinado à aplicação em carteira de títulos e valores mobiliários que
vise refletir as variações e rentabilidade de um índice de referência, por prazo indeterminado (art.
2º);
Instrução Normativa nº. 391, de 16 de julho de 2003 (ICVM 391), que trata dos (i) Fundos de
Investimento em Participação – FIP; e (ii) Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de
Investimento em Participação – FIP, constituído[s] sob a forma de condomínio fechado, é uma
comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou
outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de
companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da companhia investida,
com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente
através da indicação de membros do Conselho de Administração;
Instrução Normativa nº. 398, de 28 de outubro de 2003 (ICVM 398), que trata dos Fundos de
Investimento de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – FUNCINE, comunhão de
recursos, constituído sob a forma de condomínio fechado, sem personalidade jurídica, destinado à
aplicação em projetos aprovados pela Agência Nacional de Cinema – ANCINE (art. 3º);
42
Apesar de versar acerca de fundos de investimento específicos, quais sejam, os (i) Fundos de
Curto Prazo, que deverão aplicar seus recursos exclusivamente em títulos públicos federais ou
privados pré-fixados ou indexados à taxa SELIC ou a outra taxa de juros, ou títulos indexados a
índices de preços, com prazo máximo a decorrer de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias, e prazo
médio da carteira do fundo inferior a 60 (sessenta) dias, sendo permitida a utilização de derivativos
somente para proteção da carteira e a realização de operações compromissadas lastreadas em
títulos públicos federais; (ii) Fundos Referenciados, que deverão identificar em sua denominação o
seu indicador de desempenho, em função da estrutura dos ativos financeiros integrantes das
respectivas carteiras detalhadas no art. 94 da ICVM 409; (iii) Fundos de Renda Fixa, deverão ter
como principal fator de risco de sua carteira a variação da taxa de juros doméstica ou de índice de
preços, ou ambos; (iv) Fundos Cambiais, deverão ter como principal fator de risco de sua carteira
a variação de preços de moeda estrangeira, ou a variação do cupom cambial; (v) Fundos de
Ações, deverão ter como principal fator de risco a variação de preços de ações admitidas à
negociação no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade do mercado de balcão
organizado, respeitando o disposto no art. 95-B da ICVM 409; e (vi) Fundos de Dívida Externa,
que deverão aplicar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de seu patrimônio líquido em títulos
representativos da dívida externa de responsabilidade da União, sendo permitida a aplicação de
até 20% (vinte por cento) do patrimônio líquido em outros títulos de crédito transacionados no
mercado internacional; (vii) Fundos Multimercados que devem possuir políticas de investimento
que envolvam vários fatores de risco, sem o compromisso de concentração em nenhum fator em
especial ou em fatores diferentes das demais classes previstas no art. 92, as disposições gerais
da ICVM 409 aplicam-se, também aos demais fundos naquilo que não contrariar às normas
específicas, nos termos do art. 119-A:
Art. 119-A. Esta Instrução aplica-se a todo e qualquer fundo de investimento registrado junto à
CVM, no que não contrariar as disposições das normas específicas aplicáveis a estes fundos.
40
 

Conceituando o fundo de investimento como uma comunhão de recursos,


assume-se que estes, bem como o patrimônio com eles adquirido, seriam de
propriedade de todos os investidores, em condomínio, o que significaria que cada
condômino seria seu proprietário, considerados como uma coisa indivisa43.
A ICVM 409, todavia, institui regime diverso quando determina, em seu art.
10, que “as cotas do fundo correspondem a frações ideais de seu patrimônio, e
serão escriturais e nominativas”. Esta determinação assume que os investidores são
proprietários de cotas do fundo de investimento, valor mobiliário, enquanto o
patrimônio adquirido com os recursos por eles aportados é de propriedade do
próprio fundo de investimento. Outras disposições da mesma ICVM 409 respaldam
esta conclusão, que se referem ao patrimônio do fundo, lhe concedem a garantia de
uma denominação própria, bem como o direito de fundir ou incorporar o seu
patrimônio com o patrimônio de outros fundos, confira-se:

Art. 4° Da denominação do fundo constará a expressão "Fundo de


Investimento", acrescida da referência à classe de fundo, segundo a
classificação estabelecida na seção II.

Art. 42. O administrador pode destinar diretamente aos cotistas as


quantias que forem atribuídas ao fundo a título de dividendos,
juros sobre capital próprio ou outros rendimentos advindos de ativos
que integrem sua carteira, desde expressamente autorizado pelo
regulamento”.

Art. 47. Compete privativamente à assembléia geral de cotistas


deliberar sobre:
I – as demonstrações contábeis apresentadas pelo administrador;
II – a substituição do administrador, do gestor ou do custodiante
do fundo;
III – a fusão, a incorporação, a cisão, a transformação ou a liquidação
do fundo;

Art. 56. A administração do fundo compreende o conjunto de serviços


relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à
manutenção do fundo, que podem ser prestados pelo próprio
administrador ou por terceiros por ele contratados, por escrito, em
nome do fundo.
§1º O administrador poderá contratar, em nome do fundo, com
terceiros devidamente habilitados e autorizados, os seguintes
serviços, com a exclusão de quaisquer outros não listados: [...].
[grifos nossos]
                                                                                                                                                                                          
Assim, para fins deste trabalho, serão analisadas as normas gerais da ICVM 409 acerca da
estrutura padrão adotada pelos fundos de investimento.
43
Para que não se antecipe conclusões, os aspectos da compropriedade e do condomínio serão
examinados em capítulo separado.
41
 

A titularidade do patrimônio pertencente aos fundos de investimento, além de


explícita na legislação e efetivada na prática, também é reconhecida pelos
doutrinadores. Assim já o faziam Barreto Filho e Ashton e o fazem, em tempos mais
recentes, Gaggini, Sztjan, Freitas e Lopes Pontes. Nas palavras de Wald (1990, p.
18):

Há numerosos outros exemplos, mas os já citados evidenciam a


existência de fundamento legal e entendimento administrativo
consolidado, inclusive no Conselho Monetário Nacional, no Banco
Central e na Comissão de Valores Mobiliários, no sentido de
reconhecer a natureza jurídica do Fundo como um condomínio de
natureza especialíssima que tem patrimônio próprio, escrita
específica, auditoria nas suas contas, representação em Juízo e
administração por uma espécie de trustee. A propriedade dos bens
pertence ao Fundo e às quotas é que são da propriedade dos
condôminos.

Se o patrimônio é reconhecidamente de titularidade do fundo, a ele não cabe,


entretanto, a sua gestão e administração, que são delegados a um administrador
externo, a quem compete praticar todos os atos necessários para a sua constituição
e seu funcionamento, representando-o para contrair direitos e obrigações em seu
nome44, conforme esclarece a ICVM 409:

Art. 56. A administração do fundo compreende o conjunto de serviços


relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à
manutenção do fundo, que podem ser prestados pelo próprio
administrador ou por terceiros por ele contratados, por escrito, em
nome do fundo.

Ao analisar o papel do administrador/gestor num fundo de investimento, Vaz


Tomé conclui que é firmado entre as partes um contrato de administração ou de

                                                            
44
Art. 57. A contratação de terceiros devidamente habilitados ou autorizados para a prestação dos
serviços de administração, conforme mencionado no art. 56, é faculdade do fundo, sendo
obrigatória a contratação dos serviços de auditoria independente (art. 84) e, quando não estiver o
administrador devidamente autorizado ou credenciado para a sua prestação, os serviços previstos
nos incisos III, IV, V e VI.
§1º Compete ao administrador, na qualidade de representante do fundo, efetuar as
contratações dos prestadores de serviços, mediante prévia e criteriosa análise e seleção do
contratado, devendo, ainda, figurar no contrato como interveniente anuente”. (grifou-se)
Art. 58. O administrador, observadas as limitações legais e as previstas nesta Instrução, tem
poderes para praticar todos os atos necessários ao funcionamento do fundo de investimento,
sendo responsável pela constituição do fundo e pela prestação de informações à CVM, na forma
desta Instrução e quando solicitada.
42
 

investimento, que, apesar de contar com determinados elementos do contrato de


mandato, não vincula o administrador a quaisquer eventuais instruções específicas
dos investidores, mas no máximo regras gerais por eles estabelecidas na política de
investimentos. Esclarece a autora portuguesa:

O contrato de administração tem como conseqüência uma


autonomização entre a posição do proprietário dos bens e a do
administrador. Nesta perspectiva, o instituto dos fundos comuns de
investimento permite a obtenção de uma ampla dissociação entre a
propriedade e o contrôlo da riqueza, entre a propriedade e a
legitimação. Na verdade, a propriedade dos participantes traduz-se
numa propriedade total e absolutamente inerte, desprovida de
qualquer faculdade de administração e de disposição. O controlo da
riqueza é, pelo contrário, totalmente atribuído a um sujeito que não é,
legalmente, considerado proprietário. (TOMÉ, 1997, p.119)

Nesse mesmo sentido, Gaggini (2001, p. 40) destaca:

A instituição administradora se obriga a realizar investimentos de


acordo com a lei e com o regulamento do fundo, a administrar o
patrimônio com perícia e buscar rentabilidade e segurança para o
investimento do cotista, recebendo em troca determinada
remuneração por seus serviços. O cotista, por sua vez, paga essa
taxa de administração ao administrador e, em troca, recebe a
prestação de serviços e gestão do fundo.

Convém ressaltar que o administrador do fundo de investimento não é um


órgão administrativo interno como o são o Conselho de Administração e a Diretoria
na sociedade anônima. Ele não presentifica a sociedade e a vontade social45, ao
contrário, é terceiro autônomo com patrimônio e personalidade jurídica próprios e
que presta serviços de gestão e administração dos recursos de titularidade do fundo.
Esta também é a conclusão de Sztajn (1994, p. 93):

Terá sido criada uma sociedade atípica, com limitação de


responsabilidade patrimonial dos sócios em sociedade não
personificada, mas cuja administração, diversamente do que

                                                            
45
Na lição de Ascarelli (1947. p. 163):
“Los administradores tienem um doble carácter: los mismos ponen a disposición de la sociedad la
propia capacidad administrativa, y representan a la sociedad; esto es, dicho con otras palabras,
manifiestan a los terceros la voluntad social expresada em los acuerdos de las asambleas y
forman y manjifiestan la voluntad de la sociedad em el ámbito discrecional de administración
ordinária y extraordinaria dejado a ellos por el estatuto, dado el objeto social, y por los acuerdos de
la asemblea”.
43
 

prevêem as normas legais para tais tipos, se faz de acordo com as


regras do hetero-organicismo.

Alves da Silva (2004, p. 237), ao defender a aplicação da Lei nº. 8.078, de 11


de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor - aos Fundos de
Investimento, explica que “o cotista não fornece instruções para o administrador
quanto ao objeto de execução do contrato, uma vez que a ele, cotista, nem sequer é
facultado influir na administração do fundo, função exclusiva de administrador, que
deve, para tanto, pautar-se na política de investimentos estabelecida no regulamento
do fundo”.
Aqui, cumpre destacar que não se trata de administração realizada por não
sócio, que também é considerada intra-orgânica. Trata-se de uma “terceirização” da
administração, não sendo a administração um órgão de presentificação dos fundos
de investimento, mas antes um representante, com poderes mais parecidos com o
de um mandatário, mas que com ele não se identifica, haja vista o caráter atípico do
contrato de administração firmado por ele com o Fundo.
Ao órgão interno dos fundos de investimento, cuja constituição é prevista nas
legislações referentes aos fundos de investimento46, resta apenas uma competência
residual para deliberar acerca de matérias que não envolvem a direta administração
dos bens, incluindo a substituição do administrador. Apesar de não ser uma
competência mínima, “não é, evidentemente, um poder equivalente ao da
assembléia de acionistas numa sociedade anônima” (FREITAS, 2009, p. 222).

2.2.3.1 Conclusões Parciais

Diante do exposto nesta seção, pode-se concluir que (i) a legislação


pertinente aos fundos de investimento no Brasil o classifica como condomínio de
                                                            
46
A título de exemplo, transcreve-se a disposição da ICVM 409:
“Art. 47. Compete privativamente à assembléia geral de cotistas deliberar sobre:
I – as demonstrações contábeis apresentadas pelo administrador;
II – a substituição do administrador, do gestor ou do custodiante do fundo;
III – a fusão, a incorporação, a cisão, a transformação ou a liquidação do fundo;
IV – o aumento da taxa de administração;
V – a alteração da política de investimento do fundo;
VI – a emissão de novas cotas, no fundo fechado;
VII – a amortização de cotas, caso não esteja prevista no regulamento; e
VIII – a alteração do regulamento”.
44
 

recursos sem personalidade jurídica; (ii) no entanto, esta mesma legislação confere
aos fundos de investimento a titularidade de diversos direitos, incluindo o direito de
propriedade sobre o patrimônio constituído a partir dos recursos aportados pelos
quotistas; (iii) no regime exposto, aos quotistas apenas é conferido o direito sobre a
quota, valor mobiliário emitido pelo fundo de investimento que possui determinado
valor pecuniário; e, por fim, que (iv) apesar de proprietário do patrimônio, ao fundo é
vedada a sua administração direta, devendo ela ser realizada por terceira pessoa,
mediante um contrato de prestação de serviços.
45
 

3 O CONDOMÍNIO

Considerando-se que este estudo busca perquirir a real natureza jurídica dos
fundos de investimento, e sendo eles conceituados na legislação brasileira como
condomínios de recursos, faz-se necessária a análise deste instituto jurídico.
Se “situação jurídica de concorrência de direitos iguais na mesma coisa tem o
nome genérico de comunhão” (GOMES, 1969, p. 263), a concorrência de direitos de
propriedade, espécie de comunhão, dá-se o nome de condomínio ou copropriedade.
Assim, a relação existente entre comunhão e condomínio é de gênero e espécie, já
que enquanto a primeira conceitua a situação ampla em que o sujeito de direito é
constituído por várias pessoas, o condomínio se caracteriza quando a comunhão
tem por objeto o exclusivo direito de propriedade (TATAY, p. 15).
Clóvis Bevilaqua (1941, p. 127) define juridicamente a propriedade “como o
poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida physica e moral”.
Além do poder conferido ao seu titular sobre determinada coisa, proprietas, o direito
de propriedade também configura uma relação de sujeição desta coisa ao seu titular,
dominium. Segundo José Tavares (1922, p. 605), “o verdadeiro conceito do direito
de propriedade é o resultante dos três elementos: a) o poder de dispor duma cousa;
b) a pertença da cousa ao titular do poder, isto é, a exclusão dos poderes de
terceiro; c) o fim jurídico ou lícito do exercício do poder”.
O Código Civil Brasileiro não conceitua abstratamente o direito de
propriedade, mas opta pelo critério concreto mais ou menos descritivo de seu
conteúdo. Assim, esclarece que o direito de propriedade garante ao seu titular “a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha” (art. 1.228), em termos imortalizados
da doutrina romanista clássica ius utendi, ius fruendi e ius disponendi (TAVARES,
1922, p. 606).
Ao declarar os direitos garantidos ao proprietário, o Código Civil destaca o
poder exclusivo conferido ao sujeito sobre a coisa que lhe pertence (ESPÍNOLA,
1956, p. 127)47. Segundo Gomes (1969, p. 108), “o aspecto pessoal do direto de
propriedade revela-se no jus prohibendi, que consiste no poder de proibir que
                                                            
47
Apesar de reconhecer a sua existência, não se pretende aqui trazer à baila a discussão acerca
das limitações ao direito de propriedade, em especial a sua função social, já que a limitação à
exclusividade do domínio trazida pelo condomínio não perpassa este debate.
46
 

terceiros exerçam sôbre a coisa qualquer dominação”. A propriedade é, assim, um


direito exclusivo48, já que o domínio exercido pelo proprietário sobre uma coisa
exclui qualquer outro domínio que sobre ela recaia. (BESSONE, 1988)49.
Apesar do caráter reconhecidamente exclusivo da propriedade, o Direito
deparou-se com a realidade concreta em que várias pessoas detêm direito de
propriedade sobre uma única coisa, indivisa50. A existência de comunhão relativa ao
direito de propriedade remonta o direito romano51 e é alvo, ainda hoje, de discussões
sobre seus aspectos52. Bonfante, em citação realizada por Heredia Y Castaño (1954,
p.137) afirma que o condomínio (ou copropriedade) é “a instituição mais trabalhada
de toda a teoria dos direitos reais, tanto em seu regime positivo, quando em seu
conceito53”.
O debate acerca do condomínio é facilmente explicado já que sua estrutura
parece por em xeque a idéia de direito subjetivo exclusivo da propriedade, pois num
mesmo momento, reconhece a existência de vários domínios sobre uma só coisa.
Como será discutido nas seções posteriores, se existe um só direito de propriedade,
este deveria ser dividido entre vários titulares, se são vários os direitos de
propriedade, deve-se aceitar que estes direitos limitem-se entre si.

                                                            
48
Bessone (1988, p. 46-49) classifica a propriedade como um direito (i) geral, pois o proprietário
pode tudo sobre a coisa; (ii) coletivo, pois abrange uma série enorme de direitos sobre a coisa; (iii)
unitário, pois estes vários direitos se fundem no direito de propriedade plena; (iv) perpétuo, já que
não se extingue pelo não-uso; (v) absoluto, pois oponível a todos e; (v) exclusivo, conforme
conceituado acima.
49
Nas palavras de Barassi (1951, p. 44):
Dunque niente sdoppiamento, ma solo limitazione; non è possibile che due persone com diverse
facoltà (ordinariamente spettanti ad un solo proprietario ) siano tutte e due proprietari sulla
medesinma cosa. In fondo, questo è vero anche per i pochi casi cosidetto domínio eminente o
direto, e domínio utile sopravvissuti nel códice austriaco.
50
Sobre o conceito de coisa indivisa Pontes de Miranda (1955, p.48 ) copiando o art. 52 do Código
Civil de 1916 esclarece que “coisas indivisas são as que se podem partir em porções reais e
distintas, formando todo perfeito”.
51
Em lição sobre o direito português, mas que também é válida para o caso tupiniquim, ASCENSÃO
saliente que “toda a estrutura fundamental do nosso sistema do direito das coisas é herança
romana. O sistema germânico, muito mais complexo, só tem entre nós escassas recepções
pontuais. Nomeadamente, a clareza que ao sistema é dado por uma noção central muito clara de
propriedade continua a ser – mesmo que sujeita a crítica e rejeitada nalgumas das suas
implicações – um dos méritos do sistema (1993, 135)”
52
Nesse sentido, esclarece Bonfante, citado por Tatay (1933, p.35), que “es problabe que la
propiedad plúrima integral nos represente la construción originária del condomínio en una época,
si no prehistórica, ciertamente anterior a la jurispridencia clássica”.
53
No original:
“la institución mas trabajada de toda la teoria de los derechos reales, tanto em su régimen positivo
como en su concepto”.
47
 

3.1 Natureza Jurídica do Condomínio

A concepção romana do condomínio é indicada por Ulpiano, citado por


Bevilaqua (1941, p. 251), para quem o:

condomínio, ou compropriedade, é o direito de propriedade, exercido,


por mais de uma pessoa, conjuntamente, sobre uma coisa, cabendo
a cada uma o mesmo poder jurídico, idealmente na totalidade e nas
mínimas partes da coisa: communis omnium est non qusi singulorum
totus, sed pro partibus utique indivisis, ut intellectu magis partes
habeant, quam corpore

Apesar de reconhecer a existência do condomínio, os Romanos careciam de


uma terminologia própria sobre o tema54, uma das dificuldades para formular de
forma científica a teoria romana sobre o condomínio. Este obstáculo, aliado a
freqüente contradição dos textos romanos sobre a matéria, impediu a construção de
uma teoria basilar sobre o condomínio, permitindo, assim, a proliferação das teorias
que pretendem esclarecer o tipo de relação jurídica existente entre os condôminos e
a coisa detida em comum.
Esta situação ainda é sentida atualmente. Com base nos textos romanos são
várias as teorias que analisam a situação concreta do condomínio e tentam explicar
as suas bases, driblando a existência de contradições intrínsecas a este instituto. A
título expositivo, e sem embargo de outras classificações porventura existentes55,
adotaremos a organização proposta por Heredia Y Castaño para demonstrar a
produção doutrinária acerca da matéria.

                                                            
54
Conforme relata Tatay (1933, p. 33), o termo communio que aparece em diversos textos tem
significado genérico e indicada comunhão de quaisquer direitos, inclusive o de propriedade. A
terminologia usada para determinar a quota e o sujeito de direito do condomínio também são
imprecisos. A quota ora é chamada de pars rei, pars dominii e, mais precisamente, pars pro
indiviso e os titulares do direito de propriedade são chamados de domini e socii, casos tinham a
intenção de expressar a relação sobre a coisa indivisa ou entre os condôminos entre si.
55
Tatay (1933), por exemplo, adota a seguinte divisão das Teorias acerca do condomínio: (a) Direito
Romano, em que estão englobadas (i) a Teoria da Propriedade Plúrima Integral; (ii) a Teoria da
Propriedade Plúrima Parcial; (iii) e a Teoria Negativa da Propriedade; e (b) as Teorias do Direito
Moderno, que se subdivide nas opiniões de (i) Bonelli; (ii)Luzzatto; (iii) Carneluuti; e (iv) Ferrara.
48
 

3.1.1 Teorias da Temporariedade

As formulações decorrentes desta Teoria fundam-se na concepção de que “a


propriedade, durante o tempo da comunidade, deixa de existir, apresentando-se
como uma situação interina que dura até o momento da sua divisão56” (Heredia Y
Castaño, 1954, p. 138). Defendem os doutrinadores que na coletividade nenhum dos
condôminos pode se considerar proprietário da coisa, já que, à exceção do ius
proibiendi, todos os demais direitos e faculdades decorrentes do direito de
propriedade estão temporariamente afastados durante a existência do condomínio.
Resta aos condôminos apenas direitos de natureza pessoal que, em soma,
correspondem à quota de que são titulares. Assim, durante a comunhão, restaria
aos condôminos apenas a expectativa de propriedade, que se consolidaria apenas
na divisão da coisa.
Assim, na concepção de condomínio formulada por Bonelli, durante a sua
existência a propriedade da coisa indivisa encontra-se suspensa. A sociedade,
segundo seus ensinamentos, também seria copropriedade, mas personificada, a
quem se conferiria o direito de propriedade, enquanto na copropriedade simples ou
“usando suas próprias palavras, acéfala, a propriedade das coisas está em
suspenso57” (TATAY, 1933, p. 56).
Outras formulações decorrentes desta Teoria são citadas por Heredia Y
Castaño (1954), como a de Perozzi, e a de Coviello. Todas elas guardam a mesma
estrutura, a existência de uma mera expectativa de direito de propriedade por parte
dos condôminos, enquanto inexiste propriedade inteira no condomínio.
Comentando a Teoria da Temporariedade, Heredia Y Castaño (1954, p. 141)
refuta a sua aplicação no Direito espanhol (crítica válida para todos os demais
ordenamentos jurídicos de base romana, como o nosso). Se a Teoria explica o tipo
de relação entre o condômino e a quota, deixa de esclarecer qual o direito recai
sobre a coisa em si, já que exclui a propriedade sobre ela. Assim, afirma que
“hipoteticamente, poderia se conceber esta opinião em algum ordenamento jurídico
que admitisse a possibilidade de uma coisa gravada com direitos especiais e

                                                            
56
No original: “ la propiedad, durante el tiempo de la comunidad, deja de existir, presentándose em
uma situación interina que dura hasta que se produce el momento de la división”
57
No original: “sua propias palabras, comunidad acéfala, la propiedad de las cosas está em
suspenso”
49
 

desprovida de propriedade58”, o que, por certo, não é o caso do Direito Espanhol,


nem mesmo do Direito Brasileiro.

3.1.2 Teoria da Unidade do Direito de Propriedade

Diferentemente da Teoria da Temporariedade, os defensores da Teoria da


Unidade do Direito de Propriedade reconhecem que, sobre a coisa em comum deve
recair um só direito de propriedade. Afirmam que este direito é único, ainda que se
esteja diante de um titular coletivo. Obedecendo a disposição organizativa de
Heredia Y Castaño (1954) sobre as Teorias que explicam a natureza jurídica do
condomínio, a Teoria da Unidade do Direito de Propriedade subdivide-se na (i)
Teoria da Propriedade Única Total; (ii) Teoria da Propriedade da Coletividade; e (iii)
Teoria da Copropriedade como Pessoa Jurídica.

3.1.2.1 A Teoria da Propriedade Única Total

Esta formulação teórica reconhece a impossibilidade de, sobre a mesma


coisa, co-existirem direitos de propriedade distintos, dado o caráter exclusivo deste
direito em si considerado: duorum vel plurium, in solidum dominium, esse non potest.
Todavia, acredita que a existência de um só direito de propriedade não impede que
seu titular seja uma pluralidade de sujeitos, individualmente considerados.
Nas palavras de Windscheid, defensor desta Teoria:

o direito de propriedade não pode ser dividido nem de modo que todo
co-proprietário tenha a propriedade só em uma parte nem de modo
que as faculdades singulares da propriedade estejam divididas entre
cada um dos titulares, porque, então, nem todos juntos, nem cada
59
um deles teria a propriedade (TATAY, 1933, p. 46).
                                                            
58
No original: “hipotéticamente, podría concebirse esta opinión em algún ordenamiento jurídico
especial, que admitiese la possibilidad de una cosa gravada com derechos especiales y
desprovista totalmente de propiedad”
59
No original: “este derecho de propriedad no puede ser dividido ni en modo que todo copropietario
tenga la propriedad solo para uma parte, ni en modo que las facultades singulares de la
propriedad están divididas entre cada uno de los titulares, porque entonces ni todos juntos ni cada
uno de ellos tendría la propiedad”
50
 

Quando, todavia o mesmo direito de propriedade, sobre uma mesma coisa, é


detido por várias pessoas, não está dividido nem o direito, nem a coisa, mas o
quanto da coisa, o valor, que corresponde a cada condômino.
Por ser o direito de propriedade que recai sobre a coisa único e indiviso, os
condôminos não podem agir livre e independentemente sobre a coisa indivisa. Para
usá-la, dela fruir ou dispor, bem como para exercitar todas as demais faculdades
conglobadas no direito de propriedades ‘ dependerá do consentimento dos demais
condôminos. A quota, nesta concepção, passa a ser a medida de valor pela qual se
verifica quanto da coisa corresponde ao titular e com quanto deve ele contribuir na
sua preservação.
Barassi (1951) critica a Teoria criada por Windschedi pois acredita ser
inconciliável a idéia de um só direito partilhado por vários sujeitos de direito
diferentes. Sendo o direito subjetivo individual, a cada direito deve corresponder um
único sujeito individualmente considerado, o que não é refletido na Teoria ora
analisada.
Nem mesmo a idéia de valor consubstanciada na quota em que participa o
condômino apazigua as críticas de Barassi, haja vista que, conforme explica, é
impossível verificar-se o conceito jurídico de valor para qualificá-lo como direito
subjetivo de cada condômino. Em suas palavras (1951, p. 113):

E o mesmo WINDSCHEID observa nas suas Pandette: que coisa é o


valor? É valor a usabilidade da coisa ou o juízo acerca da sua
usabilidade? Ainda se entende por valor a usabilidade da coisa, o
direito, por outro lado, atribui ao titular não já uma cota da
usabilidade da coisa, mas antes aquilo que em virtude da sua
utilidade pode ser percebido das coisas60.

Além disso, Heredia Y Castaño (1954, p. 145) também combate este Teoria,
porque acredita que a necessidade de consenso entre os condôminos para que a
propriedade adquira um caráter dinâmico, verificando-se o exercício das faculdades
conferidas a seus titulares, é pouco prática e não aplicável à regulamentação do

                                                            
60
No original: E lo stesso WINDSCHEID osservava nelle sue Pandette: che cosa è il valore? È
valore l’utilizzabilità della cosa o il giudizio circa la sua utilizabilità? Anche se si intende per valore
l’utilizzabilità della cosa, il diritto però attribuisce al titolare non già uma quota dell’utilizzabilità della
cosa, ma piuttosto cio Che in virtù della sua utilità puo essere perceptio delle cose.
51
 

condomínio. Estaria ela mais próxima da idéia de Gesammten Hand, ou condomínio


germânico61, do que do condomínio por quotas que pretendia explicar.
Apesar de duramente criticada, esta teoria serviu de fundamento para a
concepção da Teoria da Propriedade Plúrima Total, aceita por muitos como a melhor
concepção já formulada sobre o condomínio e que será objeto de estudo em seção
posterior.

3.1.2.2 Teoria da Propriedade da Coletividade

Se a crítica à Teoria da Propriedade Única Integral residia no fato de que a


um só direito correspondiam vários sujeitos, os defensores da Teoria da Propriedade
da Coletividade reconheceram a coletividade dos condôminos como titular do direito
de propriedade. Entendem, assim, que o direito de propriedade não pertence, de
forma unificada, a cada um dos condôminos, mas à coletividade em si. (LUZZATO,
1908, p. 17)
A identificação de uma coletividade titular de um direito de propriedade não
conduz, todavia, ao reconhecimento de uma pessoa coletiva ou jurídica. Acreditam
os partidários desta Teoria que apenas a coletividade poderá decidir pela
dinamização do direito de propriedade, ou seja, depende do consentimento de todos
o exercício das faculdades e direitos decorrentes da propriedade. Apesar de
combater a existência de múltiplos sujeitos do direito de propriedade, o resultado
prático desta Teoria é igual ao alcançado pela Teoria da Propriedade Única Total.
Assim, Heredia Y Castaño (1954, p. 148) a critica, como o faz com esta última
Teoria, citando os artigos do Código Civil Espanhol que, assim como o nosso,
indicam os direitos e faculdades que podem ser exercidos pelos condôminos sem
que seja necessária a expressão de uma vontade unânime e coletiva.

                                                            
61
Por condomínio germânico ou comunhão em mão comum, entende-se a situação na qual a coisa
pertence à uma coletividade e não a pessoas individualizadas. Enquanto os condôminos no
regime romano são reconhecidamente proprietários, ainda que seu direito de propriedade seja
limitado quantitativamente, os condôminos no regime germânico nada possuem, pois a coisa é da
coletividade, cabendo a ela os direitos de usar, gozar e dispor da coisa tida em condomínio
(BESSONE, 1988, p. 51)
52
 

3.1.2.3 Teoria do Condomínio como Pessoa Jurídica

Esta Teoria reconhece o direito único de propriedade de que é titular a


coletividade dos condôminos que, diferentemente da Teoria exposta anteriormente,
conforma-se em uma pessoa coletiva ou jurídica. Assim, o sujeito do direito de
propriedade é uma terceira pessoa, cabendo aos condôminos direitos apenas sobre
a quota, que, segundo esta disposição, nada mais é que um bem incorpóreo, como
um crédito, uma ação, que não se confunde com o próprio direito de propriedade, de
que é titular a pessoa jurídica (HEREDIA Y CASTAÑO, 1954, p.151).
Luzzatto (1908, p. 25), em estudo sobre a copropriedade no direito italiano,
ainda no início do séc. XX, afirma que “todo o exposto autoriza o princípio que na
copropriedade da coisa cabe à coletividade dos participantes”62. Desenvolvendo a
idéia de Luzzatto, Carnelutti também defende a existência de coletividade
personificada que seria, em última instância, o titular do direito de propriedade da
coisa indivisa, como explica Tatay (1933), em seu estudo sobre a compropriedade.
Ferrara (1985, p. 67), em resposta à opinião de Luzzatto e Carnelutti, entende
que o direito do condômino é qualitativamente da mesma natureza jurídica do direito
de propriedade, mas quantitativamente menor, porque corresponde à porção de um
todo. Para este autor, entre condomínio e pessoa jurídica existe um verdadeiro
antagonismo, já que a personificação implica na exclusão dos direitos diretos dos
condôminos sobre o bem. Assim, a cristalização, pela lei, do núcleo econômico do
condomínio em uma pessoa jurídica, necessariamente, o transformaria em estrutura
jurídica diversa do condomínio.
Ascensão (2000, p. 271) também entende que

os defensores deste ponto de vista, como Carnelutti, baseiam-se


numa pretensa autonomia patrimonial da comunhão. Partem,
portanto, de uma concepção heterodoxa, que não aceitamos, sobre a
natureza e os limites da personalidade colectiva, centrada,
justamente, nessa autonomia patrimonial.

                                                            
62
No original:
“tutto l’esposto autorizza il principio che nella comproprietà la proprietà della cosa spetta alla
colletività dei partecipanti”.
53
 

Nesse mesmo sentido, Bessone (1988, p. 53) refuta a identidade entre


condomínio e pessoa jurídica justificando a sua posição no fato de que caberia à lei
indicar os entes personificados. Assim, considerando-se que o Código Civil não
inclui a coletividade do condomínio no rol de pessoas jurídicas, não poderia ela ser
titular do direito de propriedade da coisa em comum. Conclui, assim, que “por
exclusão, a titularidade cabe aos condôminos”.
Para Heredia Y Castaño (1954, p.154) a simples atribuição de uma relação
jurídica a uma coletividade não implica no nascimento de uma pessoa jurídica. Este
nascimento, continua, “só se produz quando se dão como prévios os outros
requisitos, é dizer, a existência de um fim a perseguir, distinto dos indivíduos que a
integram e de um patrimônio distinto destes mesmos sócios63”. Conclui este Autor
que nenhum destes dois requisitos está representado no condomínio, razão pela
qual a coletividade dos condôminos não poderia configurar-se em um ente
personalizado.
Em suma, dois são os argumentos levantados para contrapor a idéia de
coletividade de condôminos como pessoa jurídica, (i) a existência de um direito
direto de propriedade a cada condômino, o que implicaria na inexistência de um
terceiro sujeito de direito personificado na relação; e (ii) a inexistência de
determinação legal que concedesse ao condomínio o atributo da personalidade.

3.1.3 Teoria da Divisão

As Teorias aqui englobadas defendem a necessidade da divisão de algum


elemento entre os sujeitos do direito de propriedade, que se apresentam
naturalmente divididos. Noutras palavras, se há mais de um sujeito ou direito, ou a
coisa, deve ser repartido.
Assim, ou o condomínio se explica pela existência de vários direitos de
propriedade correspondentes a vários sujeitos distintos sobre uma mesma coisa ou
pela existência de um único direito de propriedade sobre uma coisa do qual eram
titulares vários sujeitos. Conforme explica Tatay (1933, p. 37), “no primeiro caso,
                                                            
63
No original: “sólo se produce cuando se dan, como previos, los otros dos requisitos, es decir, la
existencia de un fin a perseguir, distinto de los individuos que la integran, y de um patrimonio
distinto del de éstos”
54
 

cada condômino teria a propriedade integral da coisa; no segundo, cada condômino


tem um direito sobre a coisa (totius rei); porém, estes direitos não se consideram
como partes, como frações de um direito único64”.
A Teoria da Divisão da Coisa baseia-se na afirmação de que sobre a mesma
coisa recaem vários direitos de propriedade, frente aos quais a coisa se dá como
que dividida, ainda que de forma ideal. Assim “na comunhão [da qual é espécie o
condomínio] o direito de cada consorte recai verdadeiramente sobre a quota, objecto
ideal” (ASCENSÃO, 2000, p. 270). A quota ideal em que se divide a coisa é o objeto
do direito de propriedade de cada sujeito que exerce o domínio comum, pars rei
(TATAY, 1933, p. 38).
Esta Teoria, apesar de muito difundida, tem sido modernamente abandonada,
pois, tem-se, em verdade, um direito de propriedade sobre quota que representa a
coisa indivisa, sobre um direito, e não sobre uma coisa corpórea (HEREDIA Y
CASTAÑO, 1954, p. 158). Esta Teoria não explica, portanto, qual o direito recairá
sobre a coisa em si. Conforme explica Ascensão (2000, p. 270): “Basta pensar que
assim se cria um imaginário objecto do direito real – uma quota e não uma coisa –
mas não se explica que espécie de direito recairá, afinal de contas, sobre a coisa.
Esta não pode, como evidente, ser considerada nullius.”
Se a coisa não poderia ser dividida, deveria o ser, portanto, o direito de
propriedade, idéia defendida por Ferrara, entre outros, que consubstancia a
concepção do condomínio na Teoria da Divisão do Direito. Nessa concepção, a cada
condômino seria reconhecido o direito sobre a totalidade da coisa, mas seu direito
seria apenas parte de um direito inteiro de propriedade (HEREDIA Y CASTAÑO,
1954, p. 160). As faculdades que derivam do direito de propriedade são divididas pro
parte entre os condôminos. A quota, neste caso, corresponderia à pars dominii,
parte do direito, e não à parte da coisa em si (TATAY, 1933, p. 41).
Esta construção exige, todavia, o fracionamento do direito subjetivo de
propriedade, situação jurídica pacificamente concebida na nossa civilização como de
natureza individual (ASCENSÃO, 2000, p. 270). Tanto Windscheid e Perozzi
afastam esta concepção “entendendo que também o direito não pode ser parcial: ou

                                                            
64
No original: “en el primer caso, cada condómino ténia la propiedad integral de la cosa; en el
segundo, cada condómino tiene um derecho sobre toda la cosa (totius rei); pero estos derechos se
consideran como partes, como fracciones de um derecho único”
55
 

o contêm todas as faculdades que lhe são próprias, ou não é direito” (BESSONE,
1988, p. 53).
Nem a divisão ideal da coisa nem a do direito foi capaz de explicar
satisfatoriamente a existência do condomínio. Não se tem, conforme visto, um direito
de propriedade sobre parte ideal da coisa, nem mesmo uma parte ideal de um direito
de propriedade.

3.1.4 A Teoria da Propriedade Plúrima Total

A Teoria mais aceita acerca da natureza jurídica do condomínio foi chamada


por Bonfante de Teoria da Propriedade Plúrima Total. Formulada por Scialoja
(HEREDIA Y CASTAÑO, 1954, p. 170). Segundo esta Teoria, no condomínio os
direitos dos condôminos são autônomos, mas têm um objeto comum, o que
ocasiona a concorrência entre eles, razão pela qual se limitam uns aos outros.
(BESSONE, 1988, p.54). Nas palavras de Pontes de Miranda (1955, p. 8), ao citar o
Direito romano:

CELSO, levou em conta que a coisa, juridicamente, é unidade, e não


poderia ter o veículo até o meio, nem o fundo, desde o limite do lado
esquerdo até a terça parte da área retangular. Porque seria dividir a
coisa, fazê-la duas ou mais coisas, o que seria contra a hipótese, que
á a da unidade da coisa. Tão pouco seria possível pela invencível
contradição, que cada um dos condôminos ou compossuidores fora
dono único, total, a coisa – in solidum, disse ele. De modo que a
coisa é um só objeto do direito, porém, pro parte: “dominium totis
corporis”, mas com a explicitação de haver outras relações jurídicas
semelhantes, que seriam incompatíveis ente si, se não fossem pro
parte. Sendo indivisa, pela convergência parcial e a unidade da
coisa, a comunhão, cada um tem o seu direito de propriedade –
parcialmente – sobre toda a coisa: “totius corporis pro indiviso pro
parte dominium”. Não se partem as pretensões, nem as ações, nem
as faculdades: o conteúdo continua intacto; tudo se passa no
quantitativo, na extensão, que a lei permitiu ser diferente de 1
(unidade).

A quota, neste caso, não se caracteriza como parte ideal da coisa ou do


direito, nem mesmo ao valor pelo qual cada condômino participa do condomínio,
mas tão somente a proporção em que se harmonizarão os múltiplos direitos de
propriedades detidos sobre a mesma coisa indivisa. Segundo Heredia Y Castaño
(1954, p. 172-173):
56
 

Esta co-existência se faz possível na co-propriedade, em virtude da


característica que esta apresenta, como uma relação de “igualdade
que reciprocamente se limitam”, ou como dizia SCIALOJA, “uma
relação de equilíbrio, que possibilita aquela co-existência de vários
direitos qualitativamente iguais. Daqui, a importância do conceito de
quota, que, inclusive, dá nome a este tipo de comunidade e não é,
portanto, suscetível de ser o objeto de propriedade. A quota é,
simplesmente, a proporção, medida, ou razão, em virtude da qual se
limitam e se harmonizam reciprocamente os distintos direitos de
propriedade65.

Para a maioria dos doutrinadores latinos66, não podendo ser o direito de


propriedade fracionado entre os condôminos67, cada um deles é titular de um único
direito sobre a coisa, que são qualitativamente iguais entre eles, mas
quantitativamente diferentes. Assim, “a compropriedade, por exemplo, tem na base
uma pluralidade de autênticas propriedades que, por terem o mesmo objecto,
mutuamente se limitam no exercício” (ASCENSÃO, 2000, p. 271).
O reconhecimento de vários direitos de propriedade ultrapassa o
inconveniente de ver um só direito fragmentado entre vários sujeitos de direito
diferentes entre si. Aceitou-se, portanto, esta Teoria como a mais próxima da
realidade concreta do condomínio. Não, entretanto, sem levantar críticas, já que a
pluralidade de direitos de propriedade sobre a mesma coisa é, decerto, uma
contradição enfrentada pelos ordenamentos jurídicos com base romana.
Em estudo sobre o condomínio, Barassi (1951) afirma a existência de duas
exceções acerca do caráter exclusivo da propriedade. A primeira, de caráter público
e constitucional, já que a propriedade pode ser limitada pela lei ou pela autoridade
governamental68. A segunda consiste, justamente, no condomínio, confira-se:

                                                            
65
“Esta coexistencia se hace posible em la copropiedad, em virtud de la característica que ésta
presenta, como una relación de “igualdades que recíprocamente se limitan”, o, como décia
SCIALOJA, “uma relación de equilibrio” que possibilita aquella coexistencia de los vários derechos
cualitativamente iguales. De aqui, la importancia del concepto de cuota, que, incluso, dá nombre a
este tipo de comunidad. Y no es, por tanto, suscetiple de ser objeto de propiedad. La cuota es,
simplesmente, la proporción, medida o razón, em virtude de la cual se limitan y armonizan
recíprocamente, los distintos derechos de propiedad [...]”.
66
Aqui citados Ascensão, Pontes De Miranda, Clóvis Bevilaqua, Heredia Y Castaño, Ruggiero e
Barassi, além de Cáio Mário.
67
Apesar de reconhecer vários direitos de propriedade, esta formulação teórica tem estreito
relacionamento com a Teoria da Propriedade Única Integral, da qual se originou (HEREDIA Y
CASTAÑO, p. 143).
68
Hoje em dia, esta limitação tem sido ainda mais debatida haja vista o reconhecimento da função
social da propriedade, que também a limita.
57
 

Além disso, é possível a ingerência de uma terceira pessoa


determinada. Essa é enquanto isso, a hipótese mais grave, que é
aquela da copropriedade: a hipótese que fere a qualidade da
exclusividade de modo tão sensível/preciso que determina grave
dificuldade na doutrina acerca da posição jurídica de quem se limita a
ter a copropriedade69 (BARASSI, 1951, p. 59).

Espínola (1956, p. 324) transcreve comentário de Colin e La Morandière que


também identificam a existência de contradição entre o aspecto exclusivo do direito
de propriedade e a copropriedade entendida como a concorrência de direitos de
propriedade sobre uma mesma coisa indivisa:

Cumpre, todavia, observar que, a fim de conciliar êsse


reconhecimento de propriedades coletivas com a concepção
individualista que se tinha do direito de propriedade, se procurou
mascarar por meio de processos de técnica jurídica, o caráter
coletivo da apropriação comum. [...] Entretanto, fôrça é reconhecer
que a realidade e as tradições são muito mais fortes que as
concepções a priori do legislador sendo por isso nosso direito levado
a reconhecer, embora a título secundário, formas de propriedade
coletivas que escapam às regras ordinárias da indivisão ou da
personalidade moral.

Também Heredia Y Castaño (1954, p. 21) aponta esta contradição:

Este aspecto objetivo da relação de comunidade [o objeto é comum]


está, portanto, aludindo simplesmente ao domínio do objeto pelo seu
titular. Dentro do campo dos direitos reais, e mais concretamente o
direito de propriedade, resultará que o objeto, em vez de pertencer a
um só, pertence a vários, o que significa que o conceito de meu,
fundamental para o direito de propriedade, será substituído pelo
conceito de nosso, ou seja, meu e seu, há um tempo, o que não
deixa de ser um contra-senso, porque resultará que é meu e não é
meu, é seu, e não é seu70.

Esta mesma perplexidade sobre o tema é partilhada no Brasil. O próprio


Espínola (1956) reconhece a contingência em que se deparou o legislador ao admitir
                                                            
69
No original: “Inoltre è possibile l’ingerenza di uma terza determinada persona. Vi è intanto l’ipotesi
più grave, che è quella della comproprietà: l’ipotesi Che ferisce la qualità dell’sclusività in modo
cosi sensibile da determinare gravi difficoltà nella dottrina circa la posizione giuridica di chi si limita
ad avere la comproprietà”.
70
No original: “Este aspecto objetivo de la relación de comunidad [el objeto és común] está, por
tanto, aludiendo simplesmente a la pertencia del objeto com respecto a su titular. Dentro del
campo de los derechos reales y más concretamente del derecho de propiedad, resultará que el
objeto, em vez de pertencer a uno solo, pertence a varios, lo que significa que el concepto de lo
mío, fundamental para el derecho de propriedad, será sustituído por el concepto de lo nuestro; o
sea, mío y tuyo, a um tiempo, lo cual no deja de ser um contrasentido, porque resultará que es mío
y no es mío; y que es tuyo y no es tuyo”.
58
 

e regular uma situação contraditória com o regime do direito de propriedade por ele
mesmo implantado. Ao tratar desta mesma contradição, Bessone (1988, p. 49)
afirma que a exclusividade da propriedade, compreendida sob o aspecto de que um
domínio sobre a coisa exclui qualquer outro domínio, somente poderia ser
contestada pela existência do condomínio.
Em tentativa de solucionar esta contradição, Barassi (1951, p.44) justifica a
existência do condomínio:

Aí se oporá que o nosso código reconhece a co-propriedade. Mas é


coisa bem diversa. A co-propriedade não é a divisão do conteúdo da
propriedade entre dois titulares diversos, em suma, o
desdobramento; mas o reconhecimento a cada um dos co-
proprietários de total propriedade sobre todas as coisas em comum71.

Também o faz Heredia Y Castaño (1954, p. 172) que defende que a Teoria
Plúrima Integral poderia conciliar este contrassenso, pois,

o poder que forma o elemento peculiar do direito de propriedade, é


exclusivo a todo outro poder idêntico e ilimitado que tenha por objeto
a mesma coisa. Porém deve se dizer que, do mesmo modo que se
permite a concorrência do direito de propriedade com um direito real
limitado, sem que desapareça o conceito daquele direito de
propriedade, igualmente pode concorrer com outro direito de
72
propriedade sobre a mesma coisa

Entretanto, os doutrinadores que apontam a contradição existente na


aceitação do condomínio como pluralidade de domínios sobre a mesma coisa pelo
mesmo ordenamento que tem como um dos seus fundamentos o caráter exclusivo
deste mesmo direito a justificam por se tratar, o condomínio, de situação eventual e
transitória cujo fim deveria ser sempre encorajado pelo Direito. Algo como uma
imperfeição do sistema, que deveria ser sempre extinta o mais depressa possível73.
                                                            
71
No original: Ci si opporà che il nostro códice conosce la comproprietà. Ma è cosa ben diversa. La
comproprietà non è la divisione del contenuto della proprietà tra due diversi titolari, lo
sdoppiamento insomma; ma il riconoscimento ad ognuno dei comproprietari di tuttal proprietà su
tutte le cose in comune.
72
No original: “el poder que forma el elemento peculiar del derecho de propiedad, es exclusivo a
todo outro poder idêntico e ilimitado que tenga por objeto la misma cosa. Pero debe decirse que,
del mismo modo que se permite la concurrencia del derecho de propiedad com um derecho real
limitado, sin que desaparezca el concepto de aquel derecho de propiedad, igualmente puede
concurrir com outro derecho de propiedad sobre la misma cosa”.
73
“Ordinariamente, vale dizer, em regra, o condomínio é de caráter transitório, porque produz
anomalias e dificuldades quanto ao exercício do direito de propriedade. São fáceis e freqüentes os
conflitos, quando duas ou mais pessoas são proprietárias de uma só e mesma coisa. Convém que
59
 

O problema existe quando, nas relações concretas do dia a dia, cada vez mais se
tem condomínios consolidados como situações permanentes no tempo

3.1.4 Regime Legal do Condomínio

O regime jurídico do condomínio estabelecido pelo Código Civil relaciona-se


com a sua concepção como existência de diversos direitos de propriedade de que
são titulares todos os condôminos em estado de concorrência.
Como cada condômino é titular de um direito de propriedade qualitativamente
igual aos demais direitos de propriedade exclusivos, os direitos do condômino se
assemelham aos do proprietário. O Código Civil, em seu artigo 1.314 determina que
“cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer
todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a
sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.
Dado o caráter transitório do condomínio, também é conferido a todos os
condôminos exigir a divisão da coisa, a qualquer tempo. Bessone (1988, p. 58)
justifica esse direito, pois “deve cessar quanto antes [o condomínio], a fim de que
cesse também o estado anormal e inorgânico, que é próprio da coexistência de
vários direitos incidentes de uma só coisa indivisa”.
Os deveres dos condôminos são restritivos ao exercício do seu próprio direito
de propriedade, já que são eles quantitativamente limitados pela concorrência
verificada entre eles. Assim, não podem os condôminos alterar a coisa em comum
ou dar posse, uso ou gozo a terceiro sem o prévio consentimento dos demais74.

                                                                                                                                                                                          
o condomínio cesse o mais cedo possível. Por isso é que se proíbe o pacto de indivisão ilimitado
no tempo e se declara imprescritível o direito à divisão” (BESSONE,1988, p. 55).
Para Beliváqua (1941, p. 255), “em regra, o condomínio é estado anormal da propriedade”.
“Em essência, o condomínio é transitório, tanto em razão de sua própria natureza oposta à
qualidade exclusiva como porque milenarmente tem sido fonte permanente de constantes litígios,
que o legislador quer reprimir e cercear, instituindo a regra da sua cessação por iniciativa de
qualquer consorte, a qualquer tempo” (PEREIRA, 1999, p. 76)
74
“Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer
todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e
alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar
posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”.
60
 

Presente o condomínio por quotas, deve ele, portanto, reger-se pelo disposto
no Código Civil, que privilegia a divisão da coisa em detrimento do estado de
comunhão e estabelece regras gerais de convívio durante a existência do
condomínio.
61
 

4 A PESSOA JURÍDICA

A personalidade em seu sentido jurídico configura-se como uma aptidão


conferida a certos entes para que possam atuar como “personagens da cena
jurídica”, para figurarem como sujeitos de direitos75 nas relações jurídicas. Nos
dizeres de Bevilaqua (1941, p. 42), a personalidade é “a aptidão reconhecida pela
ordem jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações”. Nesse mesmo
sentido, Caio Mário (1999, p. 213), conceitua a personalidade como “a aptidão
genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”
Os conceitos ora indicados perdem apuro técnico, conforme demonstra
Eberle (2006, p. 42), pois fazem pequena confusão entre personalidade e
capacidade. A idéia de exercício de direitos indicada por Beviláqua e a de medida da
personalidade, indicada por Caio Mário (que faz referência à suposta aptidão
genérica de adquirir direitos) dizem respeito à capacidade de direito. A
personalidade deve ser entendida como a aptidão para adquirir direitos e contrair
obrigações, sendo este o conceito a ser utilizado neste trabalho.
A despeito da conceituação aparentemente clara, o tema é um dos mais
controversos e discutidos na Teoria Geral do Direito, explorado pelos mais diversos
e criativos prismas. Se a personalidade conferida a uma pessoa física, palpável, é
tema juridicamente intrincado, a existência dela em um ente que não se vê, não se
toca, é tema ainda mais espinhoso76.
Interessa a este estudo a personificação destes entes incorpóreos, diferentes
das pessoas físicas, a quem se convencionou chamar “pessoas jurídicas”, já que,
conforme vimos em seção anterior, dentre as várias teorias que buscam qualificar ou
explicar o condomínio, uma delas se baseia, justamente, na possibilidade de se

                                                            
75
Na lição de Eberle (2006, p. 28), “concebido o sujeito de direito como o ‘portador de direitos e
deveres em uma relação jurídica’; ‘um centro de decisão e de ação’, tem-se necessariamente um
conceito vazio, um invólucro sem conteúdo, que pode ser preenchido por qualquer ente que, a
convite do legislador, venha a ocupar a posição de destinatário das normas jurídica.
Basta, portanto, que o legislador aponte determinado ente como foco de uma relação jurídica
outorgando-lhe um direito que seja, para que ele possa galgar ao posto de sujeito de direito ou
mesmo deixando o limiar da mais completa irrelevância jurídica”.
76
Nas palavras de Monteiro (1989, p. 95) “já se disse algures tratar-se-ia [a pessoa jurídica] de tema
tormentoso, fascinante e sempre novo devido às suas múltiplas, variadas e modernas aplicações.
Cada dia que passa, novos e imprevistos horizontes se descortinam nesse proteiforme instituto
jurídico”.
62
 

conferir à coletividade dos condôminos a qualificação de pessoa jurídica, ou seja,


reconhecer nela a sua aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações.

4.1 A Natureza Jurídica da Pessoa Jurídica

Em princípio, os romanos chamavam de persona apenas o indivíduo.


Conforme relata Pontes de Miranda (2000, p.348), “o antigo direito romano
desconhecia o conceito de pessoa jurídica: o ius provatum (ius civile) só tocava às
pessoas físicas, aos civis” A existência de grupos formados por indivíduos, grupos
sociais, passou a ser reconhecida em Roma durante o Império, mas apenas como
técnica destinada possibilitar a tais grupos determinada vida jurídica, sendo esta a
sua única relevância. Nesse sentido, não há em Roma uma teoria bem desenvolvida
acerca da natureza dos, assim chamados, grupos sociais, se entes artificiais ou
reais. Conforme relata Monteiro (1989, p.96) “os romanos sempre se mostraram
muito sóbrios, muito parcimoniosos nesse tema e jamais tiveram a menor idéia a
respeito das vastas abstrações metafísicas que os escritores alemães iriam formular
séculos mais tarde”.
A concepção do grupo social como pessoa (persona) é conquista da Idade
Média, sobretudo da doutrina de inspiração canônica (CHAMOUN, 1962, p. 70).
Chamada a princípio de “pessoa mística” ou “pessoa moral”, recebeu de Savigny a
denominação pela qual hoje é conhecida, “pessoa jurídica” (MIRANDA, 2000, p.
349), e pela qual a trataremos neste estudo. A pessoa jurídica é, portanto, fruto de
lenta evolução do Direito, que ainda não se pode considerar finda.
O conceito moderno de pessoa jurídica nasce do movimento sistematizador
do Pandectismo Alemão e da sua ânsia de expor racional e organizadamente a
massa de ius civile amealhada até começo do sec. XIX. Partindo-se do pressuposto
de que a todo direito subjetivo corresponde um sujeito de direito, conceito abstrato a
ser concretizado mediante a personalidade, os Pandectistas encontraram-se perante
o seguinte dilema: ou restringiam a personalidade às figuras romanas de corpora
abcd
63
 

e universitas77, aceitando, assim, a existência de direitos subjetivos sem sujeitos


determinados; ou ampliavam o conceito de pessoa jurídica, renegando-se as
características que entendiam necessárias à sua formação, concedendo-a a todo
aquele a quem se atribuísse um direito subjetivo (CASTRO Y BRAVO, 1984, p. 170).
Conforme será visto adiante, as diversas Teorias sobre a natureza jurídica da
Pessoa Jurídica tentam extinguir este dilema, mas ele ainda é vislumbrado até os
dias de hoje, sendo o causador, inclusive, do que vem se delineando como crise da
Pessoa Jurídica, matéria analisada no Brasil por J. Lamartine Corrêa.

4.1.1 Teorias Ficcionistas

Foi Savigny quem primeiro propôs uma solução para o dilema acerca do
conceito da pessoa jurídica. Conhecida como a Teoria da Ficção, defendeu que os
entes titulares de direitos deveriam ser denominados “pessoas jurídicas”, pois este é
o termo que melhor os qualifica porque “manifesta que esta não existe senão para
fins jurídicos das relações jurídicas78” (CASTRO Y BRAVO, 1964, p. 170). Para
Savigny, as pessoas jurídicas de direito privado tem uma condição artificial e
contingente, cuja vida depende da vontade de um ou muitos indivíduos,
necessitando de aprovação estatal para existirem, pois descansa sobre um interesse
público e permanente, sua existência se limita ao Direito. “Seria, a pessoa jurídica,
mero artifício criado pela vontade soberana da lei para possibilitar que certos grupos
seja titulares de direitos subjetivos” (ALVES, 1998, p. 33). É, assim, criação artificial
da lei, “pessoa puramente pensada, mas não realmente existente” (MONTEIRO,
1989, p. 98).
Ao tratar da teoria formulada por Savigny, Caio Mário (1999, p. 302)
esclarece:
                                                            
77
Conforme explica De Castro Y Bravo (1984, p. 143), “las masas de bienes independientes y los
grupos de hombres considerados de modo unitario eran denominados com los calificativos
especiales de universitas y corpus. Se utilizan em muchos pasaje, y con estos dos calificativos las
fuentes se refieren a las figuras que después se consideran personas jurídicas. De las universitas
se dice que tiene SUS proprias deudas, de las que ella responde y no los miembros individuales.
La condición de corpus habere ténia por consecuencia, se indica, caracterpisticas semejantes a
las de la misma República, tener cosas comunes, un arca común y la facultad de actuar por su
próprio representante”.
78
No original: “porque manifesta que ésta no existe sino para fines jurídicos y que así aparece al
lado del hombre como sujeito de las relaciones jurídicas”.
64
 

Segundo esta concepção doutrinária, a qualidade de sujeito da


relação jurídica é prerrogativa exclusiva do homem e, fora dele, como
ser do mundo real, o direito concebe a pessoa jurídica como uma
criação artificial, engendrada pela mente humana, e cuja existência,
por isso mesmo, é simplesmente uma ficção.

Teixeira de Freitas, citado por Pontes de Miranda (2000, p. 383) também se


insurgiu contra esta teoria, afirmando que “admira que a ciência já não a tenha
expurgado”. Na sua crítica, conclui que a Teoria da Ficção não explica a figura do
Estado, pois não há como defender que o Estado, pessoa fundamental do Direito
público à sombra da qual existem todas as outras, seja apenas uma criação jurídica.
De Castro Y Bravo (1984, p. 173), ao defender esta teoria, elucida, entretanto, que
Savigny reconhecia duas classes diversas de pessoa jurídica. As de tinham
existência natural e necessária, como o Estado e aquelas que dependem da vontade
do homem para se constituir, sendo estas, as que demandam aprovação estatal.
Ainda nos passos da Teoria da Ficção de Savigny, que nega a existência real
da pessoa jurídica, vale destacar a formulação de Ihering, que defende a concepção
de que a pessoa jurídica não é sujeito da relação jurídica, mas apenas um meio
técnico pelo qual os seus componentes exercem o direito subjetivo a eles garantido.
“Daí se conclui êle que os destinatários dos direitos, isto é, as pessoas naturais, são
os verdadeiros titulares desses mesmos direitos” (FRAZEN DE LIMA, 1960, p.168).
Esta Teoria não explica, conforme crítica realizada por Caio Mário (1999, p. 304), as
situações de conflito entre um sócio e uma sociedade personificada, por exemplo, já
que “analisando a situação em suas últimas consequencias, atinge-se um invencível
paradoxo: a pessoa natural, como efetivo sujeito de direito, de que a pessoa jurídica
seria sujeito aparente, encontrar-se-ia numa condição de estar exercendo direitos
contra si mesma”.
A crítica mais contundente acerca da Teoria da Ficção, e que se aplica a
todas as demais Teorias que negam a existência da pessoa jurídica, repousa no fato
de que para ela a personalidade jurídica não é concedida a uma determinada
realidade própria, dotada de aptidão inata para ser sujeito de direito, mas antes para
um ser ficto, cuja existência não se reconhece. Esta é a posição de Ferrara (1985, p.
602), que conclui que “a insuficiência repousa não apenas na falsidade da premissa,
mas no vazio do conteúdo, porque a ficção não explica nada e um sujeito ficto é uma
65
 

larva de sujeito79”. “Se o fictício é o nada, como poderia o Direito fazer efetivamente
nascer um sujeito aí onde, de fato, inexiste qualquer sujeito?” (ALVES, 1998, p.33).
Por vislumbrar apenas no ser humano a aptidão para ser titular de direitos e,
consequentemente, não reconhecer a existência de um centro de imputações de
direitos e deveres, esta solução antropomórfica não é mais aceita modernamente80.

4.1.2 Teorias da Realidade Orgânica ou Objetiva

Contra a solução ficcionista de Savigny, Otto Von Gierke (apud MIRANDA,


2000) elaborou a sua Teoria da Realidade Objetiva ou Orgânica da pessoa jurídica,
pela qual afirma que as pessoas jurídicas são entidades tão reais como as pessoas
naturais. Partindo do pressuposto de que cada pessoa jurídica é um verdadeiro
organismo vivo, seria ela, ao lado do homem, capaz de vida autônoma. Não se
estaria, portanto, diante de uma entidade abstrata criada por lei, mas de “realidade
viva que a lei apenas constata, definindo direitos que decorrem do fenômeno natural
de sua personalidade”.
Esta teoria ultrapassa o simples do simples reconhecimento da realidade da
pessoa jurídica como centro de direitos e obrigações, pois reconhece nela uma
vontade consciente, ainda que coletiva. A pessoa jurídica é, assim, pessoa
completa, efetiva, similar ao ser vivo, já que, conforme transcreve De Castro Y Bravo
(1984, p. 264), “sua alma está na vontade comum, seu corpo no organismo
associativo81”.
Pontes de Miranda (2000) critica tal teoria, pois acredita que o conceito de
organismo é estranho e, mais ainda, supérfluo ao Direito. Ferrara (1985) também
critica a solução de Von Gierke82, levantando o argumento de que o ato volitivo

                                                            
79
No original: “la sua insuficienza riposa non solo nella falsità della premesa, ma nella vuotezza di
contenuto, perchè la finzione non spiega niente ed um soggetto finto è uma larva di soggetto”.
80
Conforme relata Monteiro,(1989, p. 98) a Teoria da Ficção constitui a Teoria tradicional, mas “hoje,
encontra-se em franco descrédito”.
81
No original: “su alma está em la voluntad común, su cuerpo em el organismo asociativo”
82
Questa dottrina Che há avuto um sucesso clamoroso, appoggiantesi su metafore brillanti di
sociologi e nebulosità astratte di filosofi non è che il fruto d’una immaginazione fantastica. Il
concetto d’organismo sociale come d’un super-organismo composto de brani di personalità umane,
che há una propria vita corporea spirituale non regge ad una seria critica: è uma concezione
mistica e transcendentale”. (FERRARA, 1985, p. 603).
66
 

depende de uma consciência sobre si e seus próprios anseios, um atributo que,


segundo Alves (1998, p. 38) “é um apanágio exclusivo da pessoa física”. Nos
dizeres de Frazen de Lima (1960, p.175):

A teoria da realidade objetiva, se bem que seja sedutora pela


percepção clara com que se nos apresentam as pessoas jurídicas na
vida do direito, todavia não e aceitável inteiramente, porque as
pessoas jurídicas não são organismos reais da vida sensível, de
maneira que as possamos equiparar, na realidade das coisas, às
pessoas naturais. São organismos reais da vida jurídica, são
realidades jurídicas, são realidades técnicas.

Apesar de criticado, tem grande influência o pensamento de Von Gierke,


especialmente na chamada teoria organicista que adotou a idéia de órgãos da
pessoa física que possibilitam o funcionamento do corpo para explicar a relação
existente entre pessoa jurídica e os órgãos que a representam (ou presentificam)83.

4.1.3 Teoria da Realidade Técnica

Após criticar as Teorias da Ficção e da Realidade Objetiva, Ferrara (1985)84


situa-se entre elas formulando a Teoria da Realidade Técnica. A pessoa jurídica é
vista, aqui, como uma realidade jurídica. É real porque, antes mesmo do seu
ingresso no sistema jurídico, é possível vislumbrar um ente merecedor de

                                                            
83
Assim leciona Brunetti (1960, p. 334):“Pero el concepto de órgano está ligado al de personalidad.
Um ente creado por la ley no puede actuar si no es por medio de personas físicas; de ahí el
problema de si estas personas son representantes o la misma persona agente.
La Idea de la representación em sentido técnico se há tenido que dejar aparte oir la consideración
de que aquí falta la relación entre dos sujetos: el representante e el representado. Entre el sujeito
y el órgano hay uma relación funcional que se concreta em el cargo, es decir, em el campo de
actividad que proporciona la esfera de sus naturales atribuiciones.
[...]
La teoria orgánica encuentra em la sociedad por acciones el más fértil campo de aplicación. El
órgano es complejo, componiendose de distintos pero interdependientes grupos de personas
físicas, cada umo com competencia circunscrita, por cuanto ni la asamblea de accionistas, ni el
Consejo de Administración, ni el Colegio de los síndicos, separadamente considerados, son la
sociedad, cuando em su conjunto concurren a formarla, por el caráter complementario de sus
repectivas funciones”.
84
Também defendem a Teoria da Realidade Técnica Michoud, Geny e Saleilles, confome enumera
Gomes (2000, p. 187).
67
 

personalidade85. É técnica porque cabe apenas ao sistema jurídico reconhecer nela


a personalidade, conferindo-lhe direitos e obrigações. Conforme leciona Pontes de
Miranda (2000, p. 345):

As pessoas jurídicas, como as pessoas físicas, são criações do


direito; é o sistema jurídico que atribui direitos, deveres, pretensões,
obrigações, ações e exceções a entes humanos ou a entidades
criadas por esses, bilateral, plurilateral (sociedade, associações) ou
unilateralmente (fundações). Em todas há o suporte fático; e não há
qualquer ficção em se ver pessoa nas sociedades e associações
(personificadas) e nas fundações: não se diz que são entes
humanos; caracterizam-se mesmo, em definição e em regras
jurídicas diferentes, a distinção entre pessoas físicas e pessoas
jurídicas. Nem sempre todos os homens foram sujeitos de direito,
nem só eles o foram e são. A discussão sobre serem reais, ou não,
as pessoas jurídicas é em torno de falsa questão: realidade, em tal
sentido, é conceito do mundo fático; pessoa jurídica é conceito do
mundo jurídico. O que importa é assentar-se que o direito não as cria
ex nihilo; traz, para as criar, algo do mundo fático. Se há realidades
espirituais (E.I. Berker, Was sind geistiige Realitäten?, Archiv für
Rechts – und Wirtschaftsphilosophie, I, 185-193), ou não as há,
constitui problema que se há de ser resolvido, ou dado como
resolvido, antes de se entrar no mundo jurídico.

A Teoria da Realidade Técnica baseia-se, sem dúvida, na concepção jus


positivista de Kelsen, para quem a personificação, bem como os resultados dela
86
decorrentes, é o produto da ciência que descreve o Direito . Para Kelsen (1995,
p.192),

‘Ser pessoa’, ou ‘ter personalidade jurídica’ é o mesmo que ter


deveres jurídicos e direitos subjetivos. [...] A pessoa física ou jurídica
que ‘tem’ – como sua portadora – deveres jurídicos e direitos
subjetivos é estes deveres e direitos subjetivos, é um complexo de
deveres jurídicos e direitos subjetivos cuja unidade é figurativamente

                                                            
85
Ressalte-se a explicação de Gomes (2000, p. 188):
“Dúvida não pode haver de que o agrupamento dos seres humanos para a realização de um fim
comum, reunindo esforços e capitais, é imperativo da própria organização social [...].
Consequentemente, esse fato, que a sociedade gera, não é uma abstração, mas, sim, evidente
realidade. O Direito apercebe-se de sua existência, e, por processo técnico, possibilita a atividade
social dos que se agrupam para exercê-la. Esse processo técnico é a personificação. Consiste,
precisamente, em atribuir personalidade [que, ressalta-se, é a aptidão para adquirir direitos e
contrair obrigações] ao grupo, para que possa exercer a atividade jurídica como uma unidade, tal
como se fosse uma pessoa natural”.
86
Note-se que a personalidade não é criação do Direito em si, já que “o Direito cria deveres e
direitos que têm por conteúdo a conduta humana, mas não cria pessoas. Assim como não é lícito
reconhecer à ciência jurídica uma função própria do direito, assim também se não pode
reconhecer ao Direito função própria da ciência jurídica” (KELSEN, 1995, p. 211-2).
68
 

expressa no conceito de pessoa. A pessoa é tão somente a


87
personificação desta unidade .

Para esta Teoria, a personalidade é uma atribuição concedida pelo Estado a


determinados entes aptos a recebê-lo para que se tornem atores na cena jurídica,
quer sejam eles pessoas naturais ou pessoas jurídicas. Assim explica Ferrara (1985,
p. 611):

As pessoas jurídicas resultam de dois elementos, um material e outro


formal, isto é, a saber, a existência de um substrato e a concessão
de personalidade. A constituição se desenvolve, portanto, em duas
fases distintas, em um processo de formação do ente social, seja
associativo ou institucional, e uma segunda etapa que sela (ou
confirma) juridicamente o ente formado e o acolhe no campo do
direito. A rigor, a pessoa jurídica não nasce na segunda fase, com a
intervenção do direito objetivo, mas para que não caia no vazio,
pressupõe já a formação de um substrato88.

Assim, é forçoso reconhecer, como o faz Monteiro (1989, p. 100), que “o


Estado não outorga tal predicado [personalidade] de maneira arbitrária e sim tendo
em vista determinada situação, que já se encontra devidamente concretizada”. Não
se trata, portanto, a pessoa jurídica de mera ficção legal89.
Esta “situação concreta” pré-existente a que se refere Barros é chamada por
Ascensão de substrato social. Segundo este autor, “a atribuição de personalidade
jurídica é precedida da conjugação dos meios pessoais e/ou patrimoniais

                                                            
87
Note-se que Kelsen não partilha a Teoria da Realidade Técnica, mas sua concepção acerca da
pessoa jurídica inspirou esta Teoria. Sobre a opinião de Kelsen, Ascensão (2000, p. 230)
esclarece que “Na prossecução desta via encontramos as teorias normativistas. Toda pessoa
seria apenas um centro de imputação de regras jurídicas, diz KELSEN. Mas isto é tautológico. Não
está em causa que haja normas que refiram pessoas, quase toda as referem; mas omite-se
qualquer esclarecimento da realidade pessoa. Além disso, reduz-se a pessoa a norma, quando a
pessoa é ente valorado, não é norma, ela própria”
88
No original:
Le persone giuridiche risultano da due elementi, uno materiale, l’altro formale, cioè l’esistenza di
um substrato e la concessione di personalità. La contituzione si svolge quindi in due fasi distinte, in
un proceso di formazione dell’ente sociale, sia associativo od istituzionale, ed in um secondo
stadio che sugella giuridicamente l’ente formato e lo accoglie nel campo del diritto. La persona
giuridica anzi a rigore non nasce che nella seconda fase, com l’intervento del diritto obbiettivo, ma
poiché questo non cadê nel vuoto, presupone già la formazione d’un substrato.
89
Aqui, vale transcrever advertência realizada por Caio Mário (1999, p. 310):
“Atentamos, entretanto, em que, encarando a natureza jurídica da pessoa jurídica como realidade
técnica, aceitamo-la e à sua personalidade sem qualquer artifício. E nem se poderá objetar que
esta personalidade e capacidade são fictícias em razão de provirem da lei, porque ainda neste
passo é de salientar-se que a própria personalidade jurídica do homem é uma criação do direito e
não da natureza, reconhecida quando a ordem legal a concede, e negada quando (escravos) o
ordenamento legal o recusa”
69
 

necessários e do mínimo de organização necessário para o funcionamento”.


(ASCENSÃO, 2000, p. 222)
Mota Pinto também menciona a necessidade de um substrato anterior ao
reconhecimento, pela lei, da personalidade jurídica. Leciona este autor que este
substrato seria composto por três elementos, (i) um elemento pessoal ou patrimonial;
assim indicado como uma conjugação de pessoas ou patrimônio; (ii) um elemento
teleológico, pois toda pessoa jurídica deve perseguir determinado fim; e, por fim, (iii)
um elemento organizatório, destinado a introduzir na pluralidade de pessoas ou de
bens existente uma ordenação unificadora (2000, p. 277). Verificado, portanto, este
aspecto concreto, estaria a lei autorizada a reconhecer a personalidade jurídica
destes entes.
A aceitação desta Teoria acerca da pessoa jurídica não é unânime. A cada
dia novas concepções acerca da matéria são trazidas à discussão no Direito Civil.
Vale menção aquela defendida por J. Lamartine Corrêa (1979, p. 14), em que se faz
presente uma realidade ontológica pré-existente em todo ente cuja personalidade
deva ser reconhecida pelo Estado, de tal sorte que “o reconhecimento de sua
personalidade pelo Direito Positivo tem valor declarativo e não atributivo de
personalidade”. Pretende o autor introduzir no conceito de pessoa jurídica um
substrato pré-existente e comum a todos os demais entes personalizados, inclusive
a pessoa natural, cuja personalidade não é idêntica, mas análoga à da pessoa
jurídica (CORRÊA, 1979, p. 18).
Todavia, a Teoria da Realidade Técnica é, sem dúvida, a mais aceita pelos
doutrinadores modernos, pois livra (ou tenta livrar) a pessoa jurídica de
questionamentos incertos e extremamente filosóficos, aproximando-a da realidade
prática enfrentada pelos operadores de Direito. Conforme noticia Caio Mário (1999,
p. 310):

o jurista moderno é levado, naturalmente, à aceitação da teoria da


realidade técnica, reconhecendo a existência dos entes criados pela
vontade do homem, os quais operam no mundo jurídico, adquirindo
direitos, exercendo-os, contraindo obrigações, seja pela declaração
de vontade, seja por imposição da lei. Sua vontade é distinta da
vontade individual dos seus componentes; seu patrimônio,
constituído pela afetação de bens, ou pelos esforços dos criadores
ou associados, é diverso do patrimônio de uns e de outros; sua
capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo fenômeno da
especialização, é admitida pelo direito positivo. E, diante de todos os
fatores de autonomização, o jurista e o ordenamento legal não
70
 

podem fugir da verdade inafastável: as pessoas jurídicas existem no


mundo do direito e existem como seres dotados de vida própria, de
uma vida real.

E, sem embargo do brilhantismo da concepção de Lamartine Corrêa (1979) e


outras tantas teorias que buscam a “essência” do fenômeno pessoa jurídica, por ser
a Teoria da Realidade Técnica a mais adotada no Brasil, bem como, a nosso
entender, a que melhor se adéqua ao nosso tempo, é a partir dela que se pretende
construir a ligação entre a pessoa jurídica, o condomínio e os fundos de
investimento.

4.2 Relação entre Pessoa jurídica e Sujeito de Direitos

Em resumo de tudo o que se disse até agora sobre as pessoas jurídicas,


pode-se concluir que (i) a personalidade é a aptidão para ser sujeito de direitos, ou
seja, adquirir direitos e contrair obrigações; (ii) a personalidade é atributo conferido
pelo sistema jurídico a entes que a merecem, pessoas físicas ou jurídicas; e (ii)
apenas algumas determinados situações concretas são reconhecidas pelo sistema
jurídico como pessoas jurídicas.
Conforme destacado anteriormente, a doutrina indica como elementos do
substrato pré-existente da pessoa jurídica uma união de pessoas ou patrimonial
organizada, destinado a um fim específico. Em verdade, entendemos que o
substrato pré-existente autorizador do reconhecimento pelo Estado da personalidade
a determinado ente se consubstancia na verificação de uma unidade volitiva.
Se cabe ao sistema jurídico o reconhecimento da pessoa jurídica em entes
com unidade de vontade, é forçoso descobrir se ele o faz mediante a indicação
taxativa das pessoas a que confere personalidade ou se é possível que as
reconheça ainda que de modo não expresso. Melhor dizendo, é necessário
investigar se a Teoria da Realidade Técnica implica na adoção de um sistema
numerus clausus acerca de quem o sistema jurídico reconhece como pessoa ou se
este reconhecimento pode ser realizado de maneira não expressa.
O Princípio da Tipicidade, cuja melhor denominação seria Princípio da
Especificação Conceitual, diz respeito ao princípio da legalidade, materialmente
71
 

considerado, como conteúdo imposto pelo legislador e indelegável. Por definição,


ensina Derzi (1998) que o tipo é uma forma de ordenação lógica do conhecimento
que admite, por comparação, as transições fluidas e contínuas. Ainda segundo a
autora:

O tipo, por isso, permite maior aproximação com a realidade jurídica,


por se tratar de uma abstração rica de conteúdo, uma descrição
plena de dados referenciais do objeto. A aproximação do tipo com a
realidade e sua riqueza de características descritivas colocam-no
entre o individual e a abstração conceitual. Ao mesmo tempo, sua
integridade de sentido e totalidade situam-no em posição
intermediária, vale dizer, como abstração seletiva e valorativa. O tipo
é, pois, uma unidade dotada de sentido, ao mesmo tempo, uma
abstração mais concreta do que o conceito abstrato classificatório,
estruturada de forma flexível, aberta e graduável (DERZI, 1998, p.
641).

Essa abertura do tipo às flutuações da realidade propicia um evoluir mais


contínuo do tipo do que do conceito classificatório, que, de forma imprópria, chama-
se tipo fechado90. Nesse sentido, o Princípio da Tipicidade conforma-se em um
sistema elástico de características, não limitadas, renunciáveis, características que
podem até faltar em certos objetos, os quais apesar disso, são dados como típicos.
Esse caráter aberto do Princípio da Tipicidade é evocado por Ascensão, para
afirmar que a disciplina da Pessoa Jurídica está sujeita á idéia de tipo, mão não ao
conceito classificatório consubstanciado no sistema numerus clausus. Nos dizeres
de Ascensão (2000, p. 224):

É necessário não confundir tipicidade e enumeração. O facto de


haver uma tipicidade taxativa de pessoas colectivas não equivale à
verificação de que a lei estabeleceu uma enumeração taxativa.
Não cabe à lei qualificar, mas disciplinar. Há pessoa colectiva
sempre que a lei estabelecer um regime que implique a
personalização. Mas pouco interessa que a lei o tenha declarado, ou
não tenha dito nada. O que é vinculativo é o que está efectivamente
regulado.
Em rigor, não é até decisivo que a lei tenha qualificado
negativamente. Mesmo onde o legislador tenha declarado que não

                                                            
90
Derzi (1998, p. 639), esclarece que “LARENZ até a segunda edição de sua obra, Methodenlehre
der Rechtswissenschaft, da qual há tradução para o português, admitia os tipos fechados. A partir
da terceira edição, refez o seu ponto de vista, aliás mantido na quarta, de 1979, afirmando que os
tipos, por definição , são sempre abertos. No entanto, como nova metodologia jurídica, em sentido
próprio, os tipos são abertos, necessariamente abertos, com as características que apontamos.
Quando o Direito "fecha " o tipo, o que se dá é a sua cristalização em um conceito de classe.
Neste contexto, a expressão "tipo fechado" será uma contradição e uma impropriedade”.
72
 

há personalidade jurídica, o intérprete pode chegar à conclusão


contrária, se do regime legal assim se inferir.
O princípio da tipicidade ou numerus clausus significa assim que os
tipos de pessoas colectivas só podem ser criados por lei. Mas a
qualificação das figuras legais cabe ao intérprete.

De fato, se assim não for analisado o tema, estar-se-ia afirmando que o “ser
pessoa” não passa de uma questão terminológica, decorrente da simples indicação,
pelo legislador, de que determinado ser particular seria pessoa jurídica. Não é esta,
entretanto, a posição adotada pela Teoria da Realidade Técnica. Conforme
demonstrado acima, ao Estado cabe apenas o reconhecimento da personalidade de
determinadas situações concretas. A indicação de determinado ente como pessoa
jurídica é precedida pela verificação de um centro de imputações jurídicas, de um
mínimo de organização que caracteriza a sua relevância jurídica. Conforme elucida
Eberle (2006, p. 52-53): “A realidade jurídica da pessoa é vislumbrável muito mais
pela atuação de determinados seres no mundo jurídico, como autênticos
destinatários e, quiçá, também criadores das normas jurídicas de Direito, do que por
uma certa legenda”.
O Princípio da Tipicidade a ser aplicado para concessão da personalidade
pelo sistema jurídico não implica, portanto, na exposição taxativa das pessoas
jurídicas. Assim, é possível entender que não só aos entes numerados nos artigos
2º, 41 e 44 do Código Civil é conferida a personalidade jurídica (EBERLE, 2006, p.
87), ou seja, o reconhecimento do atributo personalidade não se restringe a um
sistema numerus clasus, sendo possível reconhecê-lo em outros entes senão os
enumerados nos já citados artigos do Código Civil.
Se não é por meio de um rol taxativo, como se dá o reconhecimento, pela lei,
de determinada pessoa jurídica? Para se responder a esta pergunta, é necessário
recordar que a cada direito subjetivo vincula-se um sujeito de direito, cuja posição
somente pode ser ocupada por uma pessoa (PINTO, 2005, p. 193). Em outras
palavras, apenas a pessoa, física ou jurídica, é convidada a assumir a posição de
sujeito de direito na relação jurídica. Nesse sentido, a atribuição pelo legislador de
titularidade de direitos a determinado ente indicaria o seu pré-reconhecimento como
pessoa jurídica. Estaria aí conferida a personalidade jurídica.
Assim, para que reste clara a atribuição de personalidade jurídica a um
determinado ente é necessário perquirir se a “a situação jurídica lhes confere o
73
 

status de pessoa” (EBERLE, 2006, p. 53). Ascensão (2000, p. 232) também conclui
nesta maneira:

Nesses casos [verificação da personalidade jurídica], haverá que


recorrer à noção de susceptibilidade de direitos e obrigações e
verificar se a lei atribui a essas entidades a titularidade de situações
jurídicas, ou não. Se atribuir são pessoas; se não, não o são. Assim
procederemos em relação à família, ou à propriedade horizontal, por
exemplo, sabendo que basta serem-lhe reconhecidos direitos para
que devam ser considerados pessoas.

Se esta subjetividade é suficiente para fazer fluir as posições e atributos


decorrentes da posição “sujeito de direito” estar-se-á diante de um ente dotado de
personalidade. Nas palavras esclarecedoras de Eberle (2006, p. 74/82):

Todos os argumentos reforçam a teoria de que os critérios para


aferição da presença ou não da personalidade relacionam-se muito
mais à atribuição de determinada titularidade ou de uma posição
jurídica a um ser pelo ordenamento do que à aposição de uma
designação típica ou ao cumprimento deste ou daquele requisito
formal. Tal circunstância é facilmente perceptível, à medida que se
torna insustentável afirmar-se que um ente seja pessoa por força de
um mero cumprimento de uma formalidade – como o registro –
mesmo que não lhe seja atribuído qualquer direito.
[...]
Relacionando-se tal evidência ao fato de que ser pessoa equivale,
necessariamente, à atribuição ao menos de um mínimo de
subjetividade jurídica pelo ordenamento, não se pode deixar de
concluir que onde há titularidade, pressupõe-se, por certo, a
coexistência de personalidade e, por via de conseqüência, de
capacidade de direito.

As pessoas jurídicas expressamente indicadas têm reconhecida a posição de


titularidade de direitos e deveres, são centros de imputações jurídicas. O que lhes
confere personalidade, entretanto, não é o fato de figurarem em um rol taxativo, mas
a existência de um substrato jurídico, a ocupação da posição de sujeito de direito na
relação jurídica. Dizer isso é dizer também que outros entes a quem a lei reconhece
esse mesmo substrato jurídico, mas que não estão expressamente arrolados como
pessoas jurídicas também podem ser considerados como tais.
74
 

4.2.1 A capacidade da Pessoa Jurídica

As personalidades concedidas pela lei são idênticas, quer sejam


reconhecidas como pessoas a pessoa física ou a pessoa jurídica. O que os
diferencia, conforme será exposto adiante é a quantidade de direitos a eles
conferida. Não têm, portanto, todas as pessoas, a mesma capacidade de direito.
Personalidade e Capacidade são duas categorias intrinsecamente
interligadas, mas não idênticas. “Enquanto a personalidade designa a suscetibilidade
de ser titular de direitos e de ser sujeito a obrigações considerada em si mesma, a
capacidade jurídica representa a medida desta aptidão” (EBERLE, 2006, p. 46). A
esse respeito, personalidade e capacidade mantém relação de qualidade e
quantidade entre si. Enquanto a personalidade é aptidão para adquirir direitos e
contrair obrigações, qualidade conferida pelo sistema jurídico, a capacidade é a
medida desta personalidade, é ela quem “nos vai dizer que direitos pode [a pessoa]
ter” (ASCENSÃO, 2000, p. 120)91.
Se o substrato ontológico das pessoas pouco contribui para a concessão de
sua personalidade, influenciam sobremaneira na extensão dos direitos que lhe são
conferidos. Assim é que os direitos de personalidade, por constituírem “direitos
informados por valores inerentes à pessoa humana”, só são aplicados à pessoa
jurídica, “por empréstimo, da técnica da tutela do direito da personalidade, apenas
no que couber” (TEPEDINO, 2002, p. XXVI) 92. A capacidade plena, assim concebida
como a capacidade para exercício de todos os direitos subjetivos, é aquela
concebida no bojo da pessoa física.
É na capacidade, portanto, que se diferenciam as pessoas. É possível indicar
a existência de gradação de capacidades de direito, que na pessoa física é plena, e
nas pessoas jurídicas é sempre limitada, quer seja pela sua atividade-fim, como no

                                                            
91
Em outras palavras:
“Fala-se, pois, de personalidade para exprimir a qualidade ou condição jurídica do ente em causa
– ente que pode ter ou não ter personalidade (‘tertium non datur’). Fala-se de capacidade jurídica
para exprimir a aptidão para ser titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações
jurídicas – pode por isso ter-se uma medida maior ou menor de capacidade, segundo certas
condições ou situações, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade” (PINTO,
2000, p. 194)
Ou ainda:
“Afastado, pois, esse elemento intruso do conceito, a personalidade revele-se em sua
genuinidade, de forma singela e concisa, como ‘a potencialidade de adquirir direitos ou de contrair
obrigações’. A capacidade, a seu turno, gozando assim, de autonomia conceitual, passa a
consubstanciar meramente a ‘medida da personalidade em concreto” (EBERLE, 2006, p. 50).
92
Conforme prevê o art. 52 do Código Civil Brasileiro.
75
 

caso das sociedades, pela inexistência de registro, como nas sociedades


irregulares, ou mesmo pela própria lei, que permite à pessoa o exercício de apenas
certos direitos a ela conferidos. Esta é a conclusão de Eberle (2006, p. 83), em obra
dedicada à apreciação da capacidade das pessoas jurídicas:

É certo, porém, que a imagem de pessoa vai-se tornando cada vez


mais nítida à medida que se vai ampliando o teor da capacidade de
direito desses entes. Essa aproximação ocorre não pela
personalidade, que em todos é idêntica, mas pelo teor da capacidade
jurídica. [...]
Quanto mais similar for o conteúdo da capacidade de direito de um
ser ao da pessoa natural, mais claramente se patenteará sua
personalidade. [...].
Mas também esses últimos [entes atípicos] se pode aferir que a
amplitude do espectro de direitos que titularizam e das obrigações a
que estão sujeitos pode evidenciar mais claramente aos nossos
olhos sua real natureza jurídica: destarte, é inegável que muito mais
límpida é a imagem da personalidade jurídica da sociedade irregular
e do condomínio edilício do que a dos demais entes atípicos.

Diante de todo o exposto e completando-se a sumarização apresentada no


começo desta seção, pode-se concluir que (i) o reconhecimento, pela lei, de
personalidade para determinados entes repousa no fato de conferir lhes certa
titularidade ou posição jurídica; (ii) se esta posição jurídica é suficiente para retirar
deles a característica de objeto de direito para transformá-los em sujeito de direito,
tem-se uma pessoa jurídica; (iii) as personalidades jurídicas conferidas pela lei são
idênticas entre si, sendo certo, todavia, que cada ser possui a sua capacidade de
direito, medida acerca de quais direitos a lei lhe confere.

4.3 A Personificação do Condomínio

Conforme tratado em tópico anterior, alguns doutrinadores pretenderam


conferir personalidade jurídica ao condomínio, reconhecendo à coletividade dos
condomínios a assunção de determinada posição jurídica, a titularidade do direito de
propriedade sobre a coisa indivisa. Em que pese o brilhantismo da argumentação
não é possível verificar o reconhecimento pela lei de personalidade para o
condomínio.
76
 

Sem embargos de posições contrárias, a exemplo de Tatay (1933)93, e por


mais contraditório que o condomínio possa parecer, já que concilia a idéia de
exclusividade do direito de propriedade com a real existência de múltiplos direitos de
propriedade concorrentes entre si, essa é mesmo a lição que pode ser extraída das
disposições legais sobre o tema.
Conforme explicitado anteriormente, no condomínio por quotas tradicional,
regulado no Código Civil pelos artigos 1.314 e seguintes, o direito de propriedade
não é conferido à coletividade dos condôminos, mas antes a cada condômino em si.
Tanto é assim que cabe a cada um deles exercer o direito de propriedade sobre a
coisa, como se exclusivo fosse, atentando apenas para os limites legais decorrentes
da concorrência de direitos existente internamente.
Somente esta concepção permite explicar a existência de direitos subjetivos
diretos dos condôminos perante a coisa indivisa, como, por exemplo, o direito de
possuí-la diretamente ou reivindicá-la de terceiros. Esta, inclusive, é a objeção mais
consistente realizada por Ferrara acerca da teoria levantada por Carnelutti.
Nesse sentido, se a lei não confere nenhuma titularidade de direitos
subjetivos ao condomínio, à coletividade dos condôminos não reconhece nele status
de pessoa jurídica. Por isso mesmo, a Teoria da Propriedade Plúrima Total é a mais
adotada para explicar a existência do condomínio em sua forma clássica. Conferir
personalidade jurídica ao condomínio significaria retirar dos condomínios o seu
direito de propriedade94.

                                                            
93
Tatay (1933, p. 83) acredita não ser mais sustentável a figura do condomínio romano por quotas
na atualidade. Entende que todo condomínio é organizado o suficiente para aproximar-se da figura
da sociedade, que, em última análise, não passaria de uma comunhão personalidade. Em
conclusão:
“porque, a decir verdad, cuando se habla de que existen muchas clases de sociedade, sería más
exacto decir que existen muchas clases de comunidades; que es infinitamente mayor la diferencia
que existe entre uma sociedad anónima y uma sociedad civil de la entre esta última y la más
rudimentar comunidad de bienes. La comunidad simple es la célula, si se quiere, de toda
sociedad; toda sociedad no és más que una comunidad más compleja o sencillamente organizada,
más o menos desarollada; pero donde hay organización hay unidad jurídica de fin, y pues que el
Derecho moderno va dotando de organización a la comunidad simple, forzoso es reconecer su
personalidade”.
Vale destacar que a conclusão de Tatay não se afasta completamente daquela que se verá neste
estudo. A nosso ver, todavia, apenas os condomínios com grande organização, a quem a própria
lei confere status de sujeito de direito, merecem o reconhecimento de sua personalidade. Os
demais, portanto, permanecem como condomínio por quotas.
94
Nesse sentido, concorda-se com a conclusão de Gomes (1999, p. 263) de que “não há indivisão
quando o titular de um patrimônio é uma pessoa jurídica. As coisas que o integram são
propriedade de um sujeito singular, por isso que a pessoa jurídica, embora constituída por
diversas pessoas naturais, têm personalidade jurídica distinta.”
77
 

Esta situação é diferente, por exemplo, quando se trata do condomínio


edilício. Conforme defendido por alguns doutrinadores o raciocínio ora desenvolvido
aplicado ao condomínio horizontal ou edilício implica, necessariamente, em
reconhecer nele personalidade. Não se trata, entretanto, em conferir à coletividade
dos condôminos a titularidade do direito de propriedade95, que, nesse caso, ainda
continua sujeito aos condôminos individualmente, mas sim em reconhecer a
existência de diversas outras posições jurídicas em que o condomínio toma parte.
Aparte do direito de propriedade, o condomínio edilício ocupa, via de regra, a
posição de sujeito de direitos em diversas outras relações jurídicas, podendo emitir
faturas, manter contrato de conta-corrente e, até mesmo, adquirir uma unidade do
edifício, em condições especiais96. Estas atribuições deixam claro o status de
pessoa conferido pela Lei ao condomínio edilício. Esta também é a conclusão de
Eberle (2006, p. 81):

Somente uma pessoa poderia titularizar tantos e tão variados


direitos. Tal conclusão é, de resto, irrefutável. E, fundada que está
nos sólidos argumentos antes apresentados, acaba por,
reflexamente, obviar certas construções artificiosas como a de Caio
Mário da Silva Pereira, que mesmo diante desse extenso leque de
prerrogativas, assevera que o legislador não concedeu
personificação ao condomínio horizontal, não obstante o trate como
se dotado fosse de personalidade.

A despeito, entretanto, do reconhecimento da personalidade jurídica do


condomínio edilício, a capacidade de direito a ele conferida é limitada ou, como
conclui Eberle (2006, p. 84), reduzida, pois “concede-se o gozo de um mínimo de
poderes suficientes a elevá-los, em certas situações, ao posto de sujeitos de
direitos”. Diferencia-se, portanto, o condomínio e as pessoas jurídicas elencadas no
art. 44 do Código Civil, justamente em razão da sua capacidade limitada, conforme
já explanado em seção anterior deste trabalho.

                                                            
95
Conforme adverte J. Lamartine Corrêa (1979, p. 216):
“Grande parte da discussão sobre a hipotética personalidade jurídica do condomínio por unidades
autônomas foi prejudicada por deficiente colocação do problema colocado em termos de
titularidade do direito de propriedade, sob forma de teoria da personalidade do condomínio como
titular verdadeiro dos direitos reais supostamente pertencentes aos condôminos. Nesse sentido, a
refutação de Serpa Lopes, que salienta que ‘essa personalidade jurídica teria como conseqüência
o desparecimento do direito de propriedade de cada condômino”
96
Conforme dispõe os artigos 58, I e II, bem como o art. 63 da Lei 4.591, de 16 de dezembro de
1964
78
 

A personificação do condomínio é posição aceita incidentalmente na


jurisprudência97. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.


PENHORA DE MÃO PRÓPRIA. EQUIPARAÇÃO A DEPÓSITO EM
DINHEIRO. PENHORA SOBRE ARRECADAÇÃO MENSAL DE
CONDOMÍNIO.
- Embora a lei não trate expressamente da penhora de mão própria,
consistente na possibilidade da constrição recair sobre crédito que o
executado possui frente ao próprio exequente, tal modalidade de
penhora encontra viabilidade na dicção do art. 671, II, do CPC,
apenas com a peculiaridade de que o terceiro devedor, nesta
hipótese, é o próprio exequente.
- A penhora de mão própria só é possível se ambos os créditos forem
certos, líquidos e exigíveis, hipótese em que, mais do que a garantia
do juízo, haverá a compensação “ope legis”, até o limite do crédito do
executado frente ao exequente.
- Considerando que o crédito objeto de penhora de mão própria terá
como resultado final sua compensação automática com o débito em
execução, não há como deixar de incluí-lo em primeiro lugar,
juntamente com o depósito em dinheiro, na ordem de gradação do
art. 655 do CPC, visto que esta segue o critério da liquidez, isto é, da
maior facilidade do bem ser utilizado para quitação da dívida. Se a
compensação opera-se automaticamente, dispensando até mesmo a
necessidade de conversão em moeda, conclui-se que essa forma de
garantia do juízo é a mais eficaz e célere, indo ao encontro dos

                                                            
97
Nesse sentido, seguem algumas decisões:
MEDIDA CAUTELAR. RECURSO ESPECIAL. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO.
URGÊNCIA. VIABILIDADE DO APELO. JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA. LIMINAR DEFERIDA
1. Em situações excepcionais, o Superior Tribunal de Justiça admite a concessão de efeito
suspensivo a recurso especial, desde que efetivamente demonstradas: (a) a plausibilidade do
direito alegado; (b) a urgência da prestação jurisdicional; e (c) a viabilidade do apelo nesta Corte.
2. Considera-se plausível o direito alegado quando as Turmas que integram a eg. Primeira Seção
do STJ já se pronunciaram no mesmo sentido, no caso, da qualificação do condomínio edilício
como pessoa jurídica para fins de pagamento de contribuição previdenciária.
3. Reputa-se urgente a prestação jurisdicional quando demonstrada a proximidade da data
aprazada para se realizar o leilão de bem penhorado nos autos de execução fiscal. 4. Medida
liminar deferida. (STJ, MC 15.422/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
14/04/2009, DJe 04/05/2009).

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O PRÓ-LABORE E SOBRE A ISENÇÃO DA


QUOTA CONDOMINIAL DOS SÍNDICOS. ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 84/96.
CONDOMÍNIO. CARACTERIZAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. LEI Nº 9.876/99. INCIDÊNCIA.
I - É devida a contribuição social sobre o pagamento do pró-labore aos síndicos de condomínios
imobiliários, assim como sobre a isenção da taxa condominial devida a eles, na vigência da Lei
Complementar nº 84/96, porquanto a Instrução Normativa do INSS nº 06/96 não ampliou os seus
conceitos, caracterizando-se o condomínio como pessoa jurídica, à semelhança das cooperativas,
mormente não objetivar o lucro e não realizar exploração de atividade econômica.
II - A partir da promulgação da Lei nº 9.876/99, a qual alterou a redação do art. 12, inciso V, alínea
"f", da Lei nº 8.212/91, com as posteriores modificações advindas da MP nº 83/2002, transformada
na Lei nº 10.666/2003, previu-se expressamente tal exação, confirmando a legalidade da cobrança
da contribuição previdenciária.
III - Recurso especial improvido. (REsp 411.832/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira
Turma, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005 p. 211) 
79
 

princípios constitucionais da economia processual e da razoável


duração do processo, bem como de realização da execução pelo
modo menos gravoso para o devedor.
- A despeito da sua personalidade restrita, é inegável que o
condomínio tem aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair
obrigações. Ainda que não vise ao lucro, não pode ser tratado como
simples estado de indivisão de bens. O condomínio, enquanto ente
constituído para gerir um patrimônio comum, deve realizar o seu
mister com eficiência, objetivando sempre a preservação e o
cumprimento dos direitos e deveres de condôminos e terceiros.
Diante disso, conclui-se pela possibilidade de penhora sobre a
arrecadação mensal do condomínio. A medida, porém, além de ter
de respeitar a gradação legal do art. 655 do CPC, deve obedecer a
outro requisito, que já era jurisprudencialmente exigido por este STJ
e que agora se encontra no art. 655-A, § 3º, do CPC, qual seja, a
nomeação de “depositário, com a atribuição de submeter à
aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de
prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias
recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida”. Na
hipótese específica do condomínio, nomeia-se um depositário, a
quem incumbirá apresentar, para aprovação do Juiz, a forma de
levantamento dos recursos e o esquema de pagamento do débito,
cuidando inclusive para que o percentual fixado sobre a arrecadação
mensal do condomínio não inviabilize o próprio funcionamento deste.
Recurso especial parcialmente provido. (REsp 829.583/RJ, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03/09/2009,
DJe 30/09/2009).

A conclusão a que chegou o Superior Tribunal de Justiça corrobora o exposto


neste trabalho. Para que não restem dúvida, vale destacar trecho do acórdão
relatado pela Ministra Nancy Andrighi:

Outrossim, a despeito da sua personalidade restrita, é inegável que o


condomínio tem aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair
obrigações. Ainda que não vise ao lucro, não pode ser tratado como
simples estado de indivisão de bens. O condomínio, enquanto ente
constituído para gerir um patrimônio comum, deve realizar o seu
mister com eficiência, objetivando sempre a preservação e o
cumprimento dos direitos e deveres de condôminos e terceiros.
Nesse contexto, a arrecadação do condomínio deve fazer frente a
todas as suas obrigações, ainda que, para tanto, seja necessária a
instituição de contribuições extraordinárias por parte dos
condôminos.

Esta matéria também foi objeto de discussão na I Jornada de Direito Civil


realizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Centro de Estudos
Judiciários, tendo sido editado o Enunciado nº. 90, que dispõe que “deve ser
reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício” (Enunciado 90 alterado
80
 

pelo Enunciado 246 da III Jornada de Direito Civil) (CONSELHO DA JUSTIÇA


FEDERAL, 2002-2004).
Ante ao exposto, é possível perceber que, se ao condomínio por quotas em
sua concepção mais tradicionalista é impossível reconhecer a personalidade
jurídica, a lei concede tal status ao condomínio edilício, a despeito da denominação
conferida pela lei.

4.4 A Personificação da sociedade irregular

Os Romanos reconheciam que uma mesma coisa, impossível de ser dividida,


poderia pertencer, ao mesmo tempo, a várias e diferentes pessoas. Entretanto, não
possuíam uma teoria única e consolidada acerca do condomínio, nem mesmo
desenvolveram uma terminologia clara sobre o instituto, utilizando-se indistintamente
do vocábulo communio para exprimir qualquer relação de comunhão de direitos, de
forma genérica.
A communio constituída por bens também podia ser conhecida como
societas. Em seu sentido primitivo, a societas nada mais é que uma situação de
compropriedade. Consoante esclarece Heredia Y Castaño (1954, p. 118),

de todos os recursos que perfilham a primitiva sociedade romana,


nos interessa exclusivamente destacar que, nela, em princípio tudo é
comunidade. Se utilizam-se nesta societas a palavra sociedade, não
98
é senão para designar uma verdade comunidade de bens

Assim, o é, inclusive, que, ainda em Roma, o condômino era denominado


tanto dominii como socii, sócio.
A identidade entre condomínio e societas não subsistiu à evolução dos
institutos. A societas inspirou a introdução da figura da sociedade no nosso direito,
cuja evolução organizacional levou ao reconhecimento da sua personalidade
jurídica. A organização, neste sentido, faz nascer um titular da vontade considerada
em sua unidade, propicia a personificação. Conforme leciona Brunetti (1960, p. 6/8):
                                                            
98
No original: “de todos los rasgos que perfilan la primitiva sociedad romana, nos interessa
exclusivamente destacar que, en ella, em principio, todo era comunidad. Si se utilizan en esta
primitiva “societas” la palabra sociedad, no es sino para designar a uma verdadera comunidad de
bienes”
81
 

A organização conduz a uma unificação da vontade e da ação, nela


se manifesta a expressão da vontade coletiva e com ela se assegura
a aplicação dos meios comuns a consecução do objeto, subtraindo-
se a livre disposição de cada um dos sócios.
[...]
A sociedade é titular da vontade que vem assim a alcançar a
natureza de organização autônoma, e precisamente porque a
vontade unitária que, através da colaboração declarativa e volitiva
dos sócios, se vem formando, é dirigida a disposição dos direitos
sociais, se chega a existência de um sujeito abstrato de direitos, ou
seja, de uma pessoa99.

As sociedades, portanto, são figuras jurídicas dotadas de tal nível de


organização, com uma unidade de vontade capaz de torná-las sujeito de direitos, de
possibilitar que a lei reconheça nelas a personalidade. Como conciliar, então, a
existência de uma sociedade, sem que haja nela o reconhecimento da
personalidade?
Primeiramente, importa destacar que na Alemanha, onde surgiram os
primeiros esforços para qualificar e estudar a pessoa jurídica, apenas às
corporações é reconhecida a personalidade, assim consideradas como as
“entidades ontologicamente caracterizadas por total separação entre sua vida
jurídico-patrimonial e a de seus associados, diretores, sócios” (CORRÊA, 1979, p.
58/103). À situação anterior à personalidade dá-se o nome de Gesamthand e são
assim conhecidas as sociedades “de pessoas”, aí se incluindo a sociedade civil, a
sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples.
Diz-se, portanto, que o regime jurídico acerca da pessoa jurídica na Alemanha
é Maximista, pois só reconhece a personalidade jurídica a número restrito de entes
cujo substrato ontológico julga conveniente. É, ainda, dualista, pois equaciona a
existência de entes coletivos não personalizados por meio da figura da Gesamthand.
Este não é, entretanto, o regime adotado no Brasil. Aqui, assim como na
França e na Espanha, adota-se um regime Monista, pois os entes coletivos ou são
pessoas, ou estão sujeitas ao campo cinzento existente entre objetividade e
                                                            
99
No original: “La organización conduce a la unificación de la voluntad y de la acción em ella se
manifiesta la expresión de la voluntad colectiva y co ella se asegura la aplicación de los médios
comunes a la consecución del objecto, sustrayéndolos e la libre disposición de cada uno de los
socios. [...] La sociedad es la titular de la voluntad que viene así a alcanzar la naturaleza de una
organización autónoma; y precisamente porque la voluntad unitária que, a través de la
colaboración declarativa y volitiva de los sócios, se viene formando, va dirigida a la disposición de
los derechos sociales, se lhega a la existência de um sujeiro abastracto de derechos, o sea, de
una persona”
82
 

subjetividade. Não havendo uma figura de transição entre objeto e sujeito de direito
(como no caso Alemão) este regime adota uma posição minimalista para reconhecer
a personalidade, não adotando o rigor ontológico acima indicado (CORRÊA, 1979, p.
201). Tem-se, portanto, a coexistência de dois tipos de pessoas jurídicas: as
perfeitas, assim entendidas aquelas em que a sua existência é hermeticamente
separada da de seus criadores100 e as imperfeitas, em que a existência de seus
criadores se mistura à sua própria, por meio, por exemplo, da inexistência de
limitação de responsabilidade entre eles (DE CASTRO Y BRAVO, 1984).
Nos sistemas como o brasileiro, em que a existência de titularidade de direitos
é suficiente para indicar determinado ente coletivo como pessoa jurídica, a indicação
de uma sociedade, que pressupõe determinado nível organizacional, sem
personalidade jurídica, é contraditória. Lecionando sobre a situação italiana, que
também é a brasileira, Ferrara (apud BRUNETTI, 1960, p. 7) já apontava a
inexistência de argumentação jurídica para distanciar as sociedades com e sem
personalidade jurídica:

Até as associações não reconhecidas apresentam a mesma


estrutura que as corporações: são coletividades de indivíduos
mutáveis que se mantêm as mesmas, não obstante a troca de seus
componentes; surgem por um ato coletivo voluntário e se dão seus
próprios estatutos; há uma organização que distribui as funções da
atividade social; uma direção, um conselho de administração, a
assembleia geral e os associados, vigência do princípio das decisões
por maioria, existência de um poder da associação sobre cada um de
seus membros, que chega, inclusive, até a forma disciplinadora; em
suma, na estrutura íntima (ainda quanto pode ser diversa a
estipulação jurídica), não se observa diferença entre a constituição
de uma associação reconhecida ou com reconhecimento101.

                                                            
100
“La figura de la persona jurídica perfecta, se construye tomándola como pareja de la persona
humana. Se le ha concebido teniendo propia y separada existência, y com próprio y separado
patrimonio; uma y outro desligadas de modo tajante y total de la vida de sus miembros y órganos.
Estabeleciendo una completa incomunicación entre los patrimonios de cada uno de éstos y el
patrimonio de la persona jurídica. [...] esta construcción dogmática de la persona jurídica, acuñada
por la doctrina alemana, es la que más conviene a la nueva sociedad industrial [...]” (DE CASTRO
Y BRAVO, 1991, p. 268)
101
No original: “Incluso las asociaciones no reconecidas presentan la misma estructura que las
corporaciones: son colectividades de individuos mutables que se mantienen las mismas no
obstante el cambio de sus componentes; surgen por um acto colectivo voluntario y se dan sus
propios estatutos; hay uma organización que distribuye las funciones de la atividad social; uma
dirección, um consejo de administración, la asamblea geral e los asociados, vigência del principio
de las decisiones por mayoría, existência potestad de la asociación sobre cada uno de los
miembros, que lhega incluso hasta la forma disciplinaria; em suma, em la estructura íntima (aun
cuando pueda ser diversa la estimación jurídica) no se observa diferencia entre la constitución de
una asociación reconocida o con reconocimento”
83
 

De outra forma não poderia ser. A sociedade despersonificada102 regulada


nos artigos 986 e seguintes do Código Civil é titular de direitos e obrigações de
acordo com o próprio regime legal. A sua aptidão para figurar como sujeito de
direitos na relação jurídica é patente103. Apoiando-se nesta premissa, Corrêa (1979,
p.241) entende “ser a sociedade irregular verdadeira pessoa jurídica, embora com
restrições à sua capacidade de direito”
Na conclusão de Corrêa reside a verdadeira diferença entre as sociedades
que o Código Civil chama de “personificadas” e as “despersonificadas”. Apesar de
idêntica personalidade, já que a ambas é reconhecida a aptidão para adquirir direitos
e contrair obrigações, têm elas capacidades de direito diferentes. Conforme
demonstra Eberle (2006, p. 75), “embora as sociedades irregulares também sejam
pessoas, sua personalidade e capacidade de direito, como se demonstrou, são
detectadas pela atribuição expressa e punctual de direitos pelo legislador”.
Concluindo seu raciocínio, Eberle (2006, p. 74-77) esclarece que a função do
registro da sociedade conforme previsto no art. 45 do Código Civil não tem o condão
de conferir personalidade à sociedade, mas tão somente de dilatar a sua capacidade
de direito. Assim, as sociedades “personificadas” ou seja, aquelas já registradas,
possuem ampla capacidade de direito, enquanto as despersonificadas somente
podem exercer os direitos que lhe são expressamente permitidos em lei.
O sistema adotado no Brasil acerca das pessoas jurídicas não autoriza excluir
de seu rol uma sociedade, ainda que não formalmente registrada, pois a
organização que lhe é intrínseca implica na assunção por ela de diversas posições
jurídicas. A partir deste raciocínio é possível concluir, portanto, que as sociedades,
ainda que irregulares, são pessoas jurídicas.

                                                            
102
Entendemos que a sociedade em conta de participação não se vincula a este estudo, pois é
reconhecido pela doutrina o seu caráter de contrato e não de sociedade em sua essência.
103
A título de exemplo vale destacar o disposto no art. 990 do Código Civil, que faz menção às
obrigações sociais, o que permite concluir que a sociedade poderá contrair obrigações em nome
próprio.
84
 

5 OS FUNDOS DE INVESTIMENTO COMO CONDOMÍNIO PERSONIFICADO: UM


NOVO TIPO DE PESSOA JURÍDICA

Conforme explanado na primeira parte deste trabalho, os fundos de


investimento são identificados no direito brasileiro como condomínios de recurso
sem personalidade jurídica. Definidos os conceitos de condomínio e pessoa jurídica,
o próximo passo é concluir, a despeito da qualificação legal, qual a sua verdadeira
natureza jurídica.
A existência de um condomínio por quotas pressupõe uma pluralidade de
direitos de propriedade sobre uma coisa indivisa, conforme explanado na seção que
trata acerca da Teoria da Propriedade Plúrima Total. O direito de propriedade é
concedido diretamente ao condômino considerado de forma isolada, e não à
coletividade. Tanto é assim que é garantido a cada condômino o exercício de
direitos inerentes ao direito de propriedade sobre a coisa, como, por exemplo, o
direito de reivindicá-la de terceiro.
Esta realidade, todavia, não é vislumbrada nos fundos de investimento. O
direito de propriedade acerca do patrimônio constituído com os recursos aportados
pelos investidores é conferido ao próprio fundo e não aos seus quotistas. A estes é
garantido apenas o direito sobre a quota representativa do patrimônio do fundo. Esta
conclusão foi devidamente exposta e fundamentada na primeira parte deste
trabalho.
Justamente porque não é conferido ao quotista o direito de propriedade sobre
o patrimônio (que pertence, conforme já demonstrado, ao fundo de investimento),
também não lhe é conferido o poder de sobre ele exercer todos os direitos
compatíveis com a indivisão, usá-lo conforme sua destinação, reivindicá-lo de
terceiro ou defender a sua posse. Esta também é a conclusão de Freitas (2006, p.
162-163):

Ademais, ao aportar recursos em um fundo de investimento, o investidor


tornar-se-ia, para os que apóiam esta tese, co-proprietário dos bens que o
integram. Contudo, mesmo nos ordenamentos que qualificam o fundo como
condomínio, o que se depreende do conjunto de regras que o disciplinam é
que ao investidor não são atribuídos os direitos garantidos a um condômino
na acepção legal. Tanto se lhe tolhe que a expressão condômino perde o
sentido. Em verdade, os ordenamentos legais, de forma geral, explicitam
claramente que ao ‘condômino’ é atribuído tão somente o direito a uma
‘cota’, que representa uma fração ideal do fundo. Se assim é, o próprio
85
 

legislador retira do investidor a condição de condômino, restando-lhe


apenas o nomen iuris.

Se não há direito de propriedade conferido individualmente a cada condômino


é impossível imaginar a situação de concorrência desses direitos sobre uma coisa
indivisa, situação configuradora do condomínio por quotas. A primeira conclusão a
que se chega, portanto, é a de que, a despeito da classificação legal, o fundo de
investimento não se configura como um simples condomínio por quotas.
Negar a aplicação do condomínio aos fundos de investimento não é mérito
exclusivo deste trabalho. Esta classificação incomoda os doutrinadores, tendo sido
objeto de crítica intensa desde a citada obra de Barreto Filho até o trabalho mais
recente de Freitas. Mas dizer o que o fundo não é, implica necessariamente, em
dizer o que ele vem a ser, e é neste ponto que este trabalho e os demais aqui
citados se divergem.
Após concluir que o fundo de investimento não é condomínio, Freitas (2006,
p. 217) aproxima-o da sociedade, investigando quais seriam os elementos que julga
essenciais para a configuração deste último. Acredita serem eles (i) a contribuição
com bens; (ii) o exercício de atividade econômica; (iii) a repartição de resultados
entre os sócios. Após examiná-los à luz da legislação sobre fundos de investimento,
assim conclui:

Examinados os três primeiros elementos que, segundo nosso


convencimento, estabelecem o núcleo facti specie, verifica-se serem
eles exatamente idênticos àqueles erigidos pelo legislador brasileiro
como essenciais à definição de sociedade dada pelo artigo 981 do
Código Civil.

Chega, todavia, à conclusão de que o fundo de investimento é sociedade


despersonificada. Esta também é a conclusão a que chega Novaes França (2009, p.
194), que aproxima o fundo de investimento, por ele denominado de “Fundo X” da
sociedade em comum, para afirmar que o patrimônio do Fundo, é de titularidade em
comum dos quotistas, nos termos do art. 988 do Código Civil. Confira-se:

É exatamente a hipótese versada na consulta: os sócios são titulares


em comum do patrimônio do Fundo “X”, eis que a sociedade em
questão – o Fundo “X” – não tem personalidade jurídica e, portanto,
não pode ser titular de um patrimônio separado, como ocorre com as
sociedades personificadas.
86
 

O debate nestes casos restringe-se ao campo do direito comercial.


Entendemos, todavia, que a investigação acerca da real natureza jurídica dos fundos
de investimentos merece ser levada até os limites da Teoria Geral do Direito
Privado. Afinal, num regime jurídico como o nosso, de caráter monista e
minimalista104, dizer que determinada figura é sociedade despersonificada é
classificá-la de forma apressada, atropelando fases que julgamos imprescindíveis à
investigação que se propõe.
Esta é a razão pela qual se preferiu estudar o fundo de investimento pelo
prisma da personalidade jurídica. E, neste aspecto, a conclusão deste trabalho é
realmente distante da conclusão dos demais autores. Antes mesmo de qualificá-lo,
ou não, como sociedade, entende-se que ele é pessoa jurídica.
Ao estudar os fundos de investimento, concluiu-se que o direito de
propriedade do patrimônio constituído pelos aportes dos quotistas não é a eles
conferido e também não o é à sua administradora. O patrimônio é do fundo. A lei,
portanto, confere ao fundo de investimento a titularidade do direito de propriedade. E
este não é o único direito conferido ao fundo de investimento, que também tem
direito a uma denominação e pode figurar em diversas relações contratuais,
inclusive aquela firmada com o administrador de seu patrimônio.
A situação deparada se encaixa na noção de pessoa jurídica estudada acima.
Tem-se uma situação concreta à qual a própria legislação reconhece o status de
pessoa, pois confere a ela a posição jurídica de direitos e deveres. A segunda
conclusão possível é que, outra vez, a despeito da classificação da lei, o fundo de
investimento é pessoa, tem personalidade, pois é a própria lei que reconhece nele
este status.
Note-se, portanto, que, ao se vislumbrar um fundo de investimento, não se
está diante de um condomínio na sua concepção clássica, de estado transitório de
concorrência do direito exclusivo da propriedade, mas sim de ente organizado, com
unidade de vontade, situação concreta a quem a própria legislação conferiu
personalidade jurídica. E se há personalidade jurídica, não há co-titularidade de
direitos, razão pela qual é o fundo, e não os quotistas, que detém os direitos

                                                            
104
Conforme classificação de J. Lamartine Corrêa (1979, p. 201), o regime jurídico da pessoa jurídica
no Brasil é monista, haja vista a “ausência de figura análoga à Gesamthand no elenco de
institutos: há pessoas jurídicas e o que não é pessoa fica atirado no limbo da não subjetividade” e
minimalista, pois “as sociedades de pessoas são pessoas jurídicas, havendo portanto, limiar
mínimo de requisitos ontológicos para que se possa falar em pessoa jurídica.
87
 

decorrentes da propriedade (como o de reivindicá-lo de terceiro), o que apenas


corrobora a conclusão que ora se apresenta. O fundo de investimento é, sem
dúvida, pessoa jurídica.
Respondida a pergunta acerca da personalidade jurídica do fundo de
investimento é possível responder a qual classe de pessoa jurídica ele se adéqua.
Seria uma fundação, associação ou sociedade, entes arrolados no artigo 44 do
Código Civil, ou estaria ele em outra classificação? Seria ele um novo tipo de pessoa
jurídica?
Aqui, acreditamos que a pesquisa acerca dos elementos necessários à
configuração de uma sociedade seria bastante interessante. Todavia, esta
investigação deverá ser realizada posteriormente, haja vista que, novamente,
entendemos que a resposta a esta pergunta demanda, em primeiro lugar, um estudo
no âmbito da Teoria Geral do Direito Privado. Afinal, conforme já demonstrado
acima, se a todos os entes personificados é conferida idêntica personalidade, o que
os diferencia é a sua capacidade.
A pergunta, portanto, se torna mais clara, pois se faz necessário perquirir se a
capacidade de direito conferida pela lei aos fundos de investimento é igual, maior ou
menor que aquela conferida às demais pessoas jurídicas.
A capacidade de direito dos entes arrolados no art. 44 do Código Civil é
bastante parecida e, consoante já exposto em oportunidade anterior, é a que mais
se assemelha à capacidade plena da pessoa humana. Estas pessoas têm ampla
capacidade para tomar a posição de sujeito de direitos. Podem contratar, ser
titulares de direito real e respondem pelos atos praticados. Sua capacidade está
limitada apenas pela sua atividade fim, pois seus atos não podem afastar-se da sua
destinação essencial.
Ao fundo de investimento, todavia, a lei não conferiu a mesma capacidade
dos entes arrolados no art. 44 do Código Civil. Isto porque apesar da identidade de
personalidade jurídica, no caso do fundo de investimento estar-se-ia diante de uma
capacidade de direito reduzida, porque, apesar de titular do direito de propriedade
sobre determinado patrimônio, lhe é subtraído pela própria lei, o direito de
administrá-lo.
De fato, demonstrou-se neste trabalho que o direito de administrar o
patrimônio do fundo é conferido a uma terceira pessoa jurídica, contratada, por
imperativo legal, para prestar serviços de gestão e administração. A conclusão de
88
 

Eberle acerca do condomínio edilício e de outros entes atípicos, também se adéqua


à situação dos fundos de investimento. Está-se diante de uma capacidade limitada,
reduzida, pois lhe é conferido menos direitos do que se confere à sociedade, por
exemplo.
Nesse sentido, o fundo de investimento é pessoa jurídica diferente da
sociedade, da fundação e da associação. Não se quer dizer com isso que não seja
constituído por meio da contribuição com bens; que não tenha como fim o exercício
de atividade econômica, nem mesmo que não haja na sua estrutura a repartição de
resultados entre os sócios. Estes, de fato, são elementos presentes em sua
estrutura. Seria possível dizer, assim, que os Fundos de investimento e a sociedade
têm um mesmo substrato fático que autoriza a lei a conferir-lhes personalidade
jurídica.
Mas diante de limitação tão significante da capacidade de direito do fundo de
investimento, a diferenciação entre ele e a sociedade não pode ser negligenciada.
São pessoas, mas não pertencem ao mesmo grupo de pessoa.
Se esta diferenciação é grande o suficiente para impedir a afirmação de que
se tratam de duas figuras idênticas, ela não é tão significativa, contudo, a ponto de
coibir a aplicação subsidiária das legislações acerca da sociedade aos fundos de
investimento.
É nesta percepção que acreditamos ser mais importante a aproximação dos
fundos de investimento e das sociedades, mediante o estudo das características
essenciais a estas duas figuras. Já se demonstrou neste trabalho que a figura do
condomínio é estranha aos fundos de investimento. Acreditamos que as obras aqui
citadas, por outro lado, deixam claro que entre os fundos de investimentos e as
sociedades, há muitos pontos em comum. Não é contraditório, portanto, dizer que,
na falta de disposição específica acerca dos fundos de investimento, é na legislação
societária que se deve socorrer o intérprete, não nas disposições acerca do
condomínio.
Mas esta aplicação subsidiária da lei societária não afasta a conclusão obtida
por meio desta monografia: de que o fundo de investimento é pessoa jurídica, em
verdade, um novo tipo de pessoa jurídica, com capacidade limitada pela
regulamentação própria.
89
 

6 CONCLUSÃO

Os fundos de investimento foram responsáveis por uma movimentação de


mais de 600 bilhões de Reais em 2008. Em meio a uma avassaladora crise
econômica, e a despeito da restrição de crédito por ela gerado, estes veículos de
investimento coletivos continuam capitalizados e com recursos para investir na
atividade empresarial.
A importância econômica do fundo de investimento é mesmo inquestionável.
Admira-se, neste viés, que se adote uma estrutura jurídica tão controversa, que gera
incômodos e debates desde a sua primeira constituição. Estas discussões tendem a
aumentar neste período em que os recursos aportados nestes veículos coletivos de
investimento se tornam tão precisos à economia, para que se torne possível cercá-
los de todas as proteções jurídicas possíveis.
Considerando-se que os fundos de investimento no Brasil sofreram influência
direta da maneira como eram estruturados os investimentos coletivos nos Estados
Unidos, este trabalho explicou, em linhas gerais, os mecanismos pelos quais são
constituídas as investment companies naquele país. Demonstrou-se que elas podem
adotar a figura societária, corporation, limited liability company ou limited partnership,
ou mesmo a figura contratual, por meio do trust.
No Brasil, mediante uma retrospectiva histórica, relatou-se que a
impossibilidade de adoção da forma societária das investment companies (as
sociedades de investimento), já que a legislação sobre as sociedades impedia a
emissão contínua de títulos mobiliários, bem como o seu resgate a qualquer tempo.
Além disso, outros expedientes conhecidos no Brasil, como a figura do capital social
fixo e o direito de preferência dos acionistas da sociedade em razão da emissão de
novas ações, tornavam a estrutura societária de investimento coletiva cara e
morosa.
Como no Brasil não se reconhece o instituto jurídico do trust, para tornar
viável a constituição de investment company do tipo contratual, recorreu-se a outra
estrutura, formando-se um fundo de investimento por meio de um condomínio de
recursos de propriedade dos investidores, que era administrado por uma terceira
pessoa, com cujo patrimônio estes recursos não se misturavam.
90
 

Essa estrutura sofreu pequenas mudanças após a sua primeira aparição, mas
ainda hoje tem características semelhantes. Forma-se um fundo, a quem a lei
conceitua como condomínio de recursos despersonalizado e, no entanto, reconhece
a ele a titularidade do patrimônio constituído pelos recursos aportados pelos
investidores. A estes últimos é conferido apenas um direito sobre a quota ideal
representativa do patrimônio do Fundo que, por sua vez, é administrado por terceiro
com quem é firmado um contrato atípico de prestação de serviços de administração
e gestão.
Estabelecidos os conceitos básicos acerca dos fundos de investimento,
passou-se ao estudo da figura jurídica do condomínio, cuja existência é em si uma
contradição no caráter de exclusividade do direito de propriedade. Restou
estabelecido que o condomínio tem caráter transitório e se configura pela
concorrência de direitos de propriedade qualitativamente iguais, mas
quantitativamente diferentes, sobre a mesma coisa indivisa.
Ainda em busca dos conceitos importantes para a conclusão desta
monografia, procurou-se esclarecer a natureza jurídica da pessoa jurídica.
Demonstrou-se como a personalidade reproduz uma técnica jurídica e é concedida
àqueles entes merecedores da aptidão para contrair direitos e obrigações. Além das
pessoas naturais, a lei também reconhece personalidade a determinados entes a
quem são atribuídas posições jurídicas subjetivas. Por caber à lei apenas o
reconhecimento da personalidade destes entes, concluiu-se ser impossível
considerar que o rol previsto no art. 44 do Código Civil fosse um enunciado taxativo
acerca dos entes que poderiam ser personalizados.
Assim, restou claro que a lei adotou o Princípio da Tipicidade para
personificar todos os entes que, de alguma forma, tomam a posição subjetiva na
relação jurídica. Assim é com a pessoa humana, com as pessoas jurídicas arroladas
no art. 44 do Código Civil, mas também com relação à outros entes cuja situação
jurídica se encontra no limbo entre a objetividade e a subjetividade, como no caso do
condomínio edilício e da sociedade irregular.
Reconhecido o substrato jurídico da personalidade, passou-se a diferenciação
entre as diversas pessoas. Apesar de serem idênticas as personalidades
reconhecidas na lei, foi possível perceber do estudo realizado que as pessoas se
distinguem pela quantidade de direitos que a elas é permitido o exercício. A
capacidade, assim, mede a personalidade e a diferencia. Considerando-se como
91
 

plena a capacidade da pessoa humana, demonstrou-se que a capacidade das


pessoas jurídicas elencadas no art. 44 do Código Civil é limitada pelo seu substrato
ontológico, bem como pela sua atividade fim. Com relação aos entes cuja
personalidade é reconhecida por via incidental pela legislação, a capacidade de
direito é ainda mais restrita. Tem-se, portanto, uma espécie de gradação da
capacidade, entre (i) a pessoa humana, (ii) a fundação, a associação e a sociedade;
(iii) os demais entes personalizados, sendo certo que quanto mais direitos lhes é
conferidos, mais ampla é sua capacidade e mais nítida a personalidade reconhecida
pela lei.
Estabelecidos estes conceitos, demonstrou-se que os fundos de investimento
não se consubstanciam em um condomínio na sua acepção clássica. De fato, a
própria lei retira dos quotistas o direito de propriedade sobre os ativos componentes
da carteira do fundo, não existindo, em nenhuma hipótese, a concorrência de
direitos de propriedade que o caracteriza. Em seguida, demonstrou-se que este
direito de propriedade é, em verdade, concedido ao próprio fundo, a quem também é
conferido a titularidade de inúmeros outros direitos e obrigações.
Diante da efetiva posição de sujeito de direitos dos fundos de investimentos,
conclui-se ser ele uma pessoa jurídica. Não uma fundação, associação ou
sociedade, conforme previsto no rol do art. 44 do Código Civil, mas antes um novo
tipo de pessoa jurídica, haja vista que sua capacidade de direito sofre limitações
legais.
Apesar da existência de semelhanças entre fundo de investimento e
sociedade, conforme já acentuado pela doutrina, a vedação legal ao fundo de que
administre seu próprio patrimônio, o que reduz de maneira significante a sua
capacidade de direito, impossibilita dizer que esta figura se trata de uma sociedade,
que possui, por definição, uma ampla capacidade de direito.
Os pontos comuns entre eles servem, entretanto, podem ser considerados
para que se admita que o intérprete se utilize de forma subsidiária da legislação
societária para tratar as lacunas legais em relação ao fundo de investimento,
deixando para trás a incômoda aplicação das disposições legais acerca do
condomínio.
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