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O presente t r a b a l h o pre-

tende d i s c u t i r unia prática


ENTRE O
que vem surgindo recente-
mente em a l g u m a s institui-
ções de ensino p a r t i c u l a r e s :
o a c o m p a n h a m e n t o terapêu-
PEDAGÓGICO E O
tico ( A T ) d e n t r o da esco-
la. Trata-se de escolas regu-
lares (ou seja, para c r i a n ç a s TERAPÊUTICO
"normais") que têm u m a
p r o p o s t a de i n c l u s ã o de
c r i a n ç a s c o m graves distúr-
bios do d e s e n v o l v i m e n t o . A L G U M A S Q U E S T Õ E S S O B R E
Nessa perspectiva da inclu-
são, o a c o m p a n h a n t e tera- O A C O M P A N H A M E N T O
p ê u t i c o teria a í u n ç ã o de
fazer a i n t e g r a ç ã o da crian-
ça c o m o r e s t a n t e d o gru- T E R A P Ê U T I C O D E N T R O D A
po e c o m o p r o f e s s o r ,
c o m o u m a forma de a j u d á - 1

la a se v i n c u l a r a o proces-
E S C O L A
so de a p r e n d i z a g e m . Nota-
se q u e existe, então, u m en¬
trecruzamento entre objeti¬
vos p e d a g ó g i c o s e terapêuti-
cos. Pelo relato de u m a ex-
p e r i ê n c i a de AT d e n t r o da Vendiana Fraguas
escola, nos propomos a
discutir a l g u m a s questões M anoel Tosta Berlinck
r e l a t i v a s à função terapêuti-
ca desse t r a b a l h o .
Pedagogia; psicoterapia;
a c o m p a n h a m e n t o terapêu-
tico; escola; psicanálise

BETWEEN THE EDUCATIONAL


AND THE THERAPEUTICAL-
SOME QUESTION ON THERA-
PEUTIC FOLLOW-UP IN PRI-
MARY SCHOOLS
O acompanhamento terapêutico é uma prá-
The present paper com- tica originalmente pensada como recurso auxiliar no
ments oh the clinical mo-
dality of thev.ipeutic follow- tratamento de pacientes psicóticos, com o objetivo de
up, or therapeutic monito-
ring, recently carried in a inserção destes pacientes no universo social. Constitui
number of private schools u m t r a t a m e n t o i n d i c a d o para p e r í o d o s pós-crise,
thai are basically structured
for "normal" children but com uma proposta de "sair às ruas" com o paciente,
which also propose to in-
clude children with serious ao invés de mantê-lo o tempo todo restrito ao espa-
developmental disturbances.
In these settings, the thera-
ço dos manicômios. O acompanhante terapêutico se-
peutic monitor is responsi- ria o mediador e um elemento facilitador neste pro-
ble for processing the in-
clusion, or integration, ol cesso de reinserção social.
the handicapped child into
his or her class and with Mais recentemente, o acompanhamento terapêu-
his or her teachers, with
the objective of helping the
tico tem sido pensado c o m o recurso a u x i l i a r no
child to fit into and ac- processo educacional de crianças com graves distúr¬
cept the learning process.
There is therefore a combi-
nation of educational and
therapeutic objectives. The Psicóloga, psicanalista e a c o m p a n h a n t e terapêutica; mestranda
article is based on the ac-
count of an experience in p e l o P r o g r a m a d e Estudos P ó s - G r a d u a d o s e m Psicologia Clínica
therapeutic monitoring insi- d a PUC-SP e p e s q u i s a d o r a d o L a b o r a t ó r i o d e P s i c o p a t o l o g i a
de a school, and discusses
issues related to the thera- F u n d a m e n t a l (PUC-SP).
peutic function involved in • Sociólogo, psicanalista, Ph.D. pela Universidade Cornell,
this type of work.
professor d o P r o g r a m a d e Estudos P ó s - G r a d u a d o s e m
Education; therapeutic
monitoring; psychotherapy; Psicologia Clínica d a PUC-SP, d i r i g e o Laboratório d e
school; psychoanalysis Psicopatologia F u n d a m e n t a l (PUC-SP).
2
bios de desenvolvimento. Algumas escolas regulares da rede parti-
cular têm desenvolvido projetos de inclusão de crianças "portadoras
de necessidades educativas especiais" (Assali et al., 1999), e aí se
insere o trabalho do AT enquanto um agente facilitador do pro-
cesso i n c l u s i v o . Através de seu trabalho, o AT cria as condições
para que a criança possa freqüentar a escola, beneficiando-se do
processo educativo.
Esse é um projeto tendo afinidade com a proposta que histo-
r i c a m e n t e deu o r i g e m ao a c o m p a n h a m e n t o t e r a p ê u t i c o , pois o
processo de inclusão promove a inserção destas crianças na escola,
garantindo-lhes, assim, u m lugar na sociedade.
Foi a partir de uma experiência de acompanhamento terapêu-
tico desenvolvido junto a uma criança diagnosticada como autista,
dentro de uma escola regular, que surgiram as questões que serão
abordadas neste texto.
Inicialmente seria importante localizar o leitor a respeito da
proposta da escola em questão. Trata-se de uma pré-escola regular,
da rede particular, em que se trabalha com crianças especiais (en-
tenda-se, crianças com algum tipq de deficiência mental, com para-
lisia cerebral, crianças psicóticas ou autistas), dentro de uma pro-
posta inclusiva. Cada classe de crianças "normais" recebe uma crian-
ça especial, de acordo com critérios como idade, t a m a n h o e está-
gio de d e s e n v o l v i m e n t o c o g n i t i v o / a f e t i v o . No caso de c r i a n ç a s
psicóticas, autistas ou lesionadas cerebrais graves, existe a proposta
de um trabalho de a c o m p a n h a m e n t o terapêutico destas crianças,
por apresentarem maior dificuldade de interação no processo de
aprendizagem.
O trabalho do AT dentro da escola consiste em um acompa-
n h a m e n t o da criança d u r a n t e todo o período escolar, d e n t r o e
fora da sala de aula, procurando integrá-la ao grupo de crianças,
assim como envolvê-la nas atividades propostas pelo professor, sem-
pre levando em conta seus limites e suas potencialidades.
Embora esse trabalho fosse denominado um acompanhamento
terapêutico, a escola não colocava a questão terapêutica como objetivo
principal de sua proposta, e sim a adaptação da criança ao processo
de aprendizagem. No entanto, como foi possível observar, este traba-
lho teve efeitos terapêuticos importantes para a criança em questão.
Pensando na proposta dessa escola pode-se levantar a seguinte
questão: como se entrelaçam os objetivos pedagógicos com os efei-
tos terapêuticos observados a partir da intervenção de um AT?
A apresentação do caso especifica esta questão.
Q u a n d o foi iniciado o trabalho com Pedro ele tinha 5 anos
e quase não falava. Não tomava a iniciativa da fala a não ser quan-
do interpelado por alguém e, mesmo nestes casos, respondia apenas
com u m a palavra. Não apresentava tentativa de compartilhar com o gru-
falas próprias e não usava o prono- po aquele m o m e n t o . A m ú s i c a tor-
me "eu" para referir-se a si mesmo. nou-se, portanto, um elemento de li-
Preferia brincar sozinho a entrar em gação entre Pedro, a AT e o grupo.
contato com outras crianças. Passava Estabelecer u m vínculo com Pe-
muito tempo entretido consigo mes- dro constituía pré-condição para esse
mo, fazendo movimentos repetitivos, trabalho. Não seria possível integrá-lo
como bater as mãos ou algum objeto à proposta p e d a g ó g i c a da escola se
no chão ou na parede. não pudesse inicialmente se vincular à
No e n t a n t o , a p r e s e n t a v a u m AT. A demanda da escola em relação
t i p o de p r o d u ç ã o l i n g u a g e i r a con- ao trabalho de um AT era decorrente
f e r i n d o - l h e certo status d e n t r o da do pouco preparo do professor para
escola: Pedro c a n t a v a m ú s i c a s . Ele lidar com crianças com psicopatolo¬
tinha um vasto repertório e, muitas gias graves. O papel da AT seria sen-
vezes, cantava músicas r e l a c i o n a d a s sibilizar o professor para a singulari-
com determinados contextos. Assim, dade da criança, facilitando uma in-
u m d i a , q u a n d o a professora con- tervenção pedagógica junto a ela. Cui-
versava com as crianças sobre a fal- d a n d o do g r u p o como u m todo, o
ta de verbas do governo para man- professor não podia oferecer à criança
ter os p r o g r a m a s i n f a n t i s da TV especial uma atenção mais individuali-
C u l t u r a , P e d r o c a n t o u : "Ei, você zada, e aí entrava a AT. Como dizia
aí, me dá u m d i n h e i r o aí, me dá a coordenadora da escola, a função
um d i n h e i r o aí..." da AT era ser "a ponte" entre Pedro,
A m ú s i c a foi u m i n s t r u m e n t o o grupo de c r i a n ç a s e o professor.
f u n d a m e n t a l para a c o n s t r u ç ã o do Mas antes de tudo era necessário ter
v í n c u l o entre Pedro e a AT, n u m acesso a esta "ponte"...
primeiro m o m e n t o . Ele cantava u m Nos p r i m e i r o s contatos, Pedro
t r e c h o de a l g u m a m ú s i c a , e a AT parecia m u i t o d e s c o n f i a d o , d i r i g i a
continuava a cantar com ele, ou en- seu o l h a r para a AT, m a s , q u a n d o
tão ensinava uma música nova, e ele percebia que esta também o olhava,
a p r e n d i a r a p i d a m e n t e e passava a desviava o o l h a r . A AT s e m p r e se
c a n t á - l a t a m b é m . A AT p r o c u r a v a sentava a seu lado na roda feita com
pensar em músicas dizendo respeito as crianças no começo da aula. Aos
a a l g u n s temas trabalhados em sal-a p o u c o s , foi p e r d e n d o o r e c e i o no
de aula ou tendo a ver com brinca- contato com ela, a tocava, pegava sua
deiras propostas pela professora ou mão, começava, assim, a conhecê-la.
mesmo pelas crianças. Conquistar Pedro era uma preo-
Além disso, quando a AT perce- cupação da AT, que sempre propu-
bia que a música cantada por Pedro nha brincadeiras contendo aquilo de
tinha alguma ligação com o conversa- que mais gostava, como jogar bola,
do ou com alguma brincadeira, resti¬ por exemplo. Aos poucos surgiu um
tuía a ele o sentido que parecia ter a prazer em b r i n c a r com a AT. M a s ,
sua c a n t o r i a , ou seja, ela lhe d i z i a ao mesmo tempo, havia dificuldades
entender aquela manifestação como na comunicação verbal.
A AT b u s c o u m a n e i r a s de se Neste m o m e n t o eram contados dois
c o m u n i c a r com Pedro, apesar de, meses de trabalho.
n u m p r i m e i r o m o m e n t o , não ob- Nos meses seguintes o c o r r e r a m
ter respostas às suas interpelações. mudanças significativas na fala de Pe-
Por exemplo, todos os dias, duran- dro e com uma rapidez impressionan-
te o período escolar, q u a n d o a AT te. Surgiam a cada dia mais falas es-
se a u s e n t a v a d u r a n t e 15 m i n u t o s p o n t â n e a s , em f o r m a de p e d i d o s ,
para t o m a r café, ela lhe d i z i a : queixas e construção de frases.
"Olha, Pedro, vou tomar café e já As mudanças notadas em Pedro
volto, tá b o m ? " na escola e r a m p e r c e b i d a s t a m b é m
Durante semanas ele nada res- em casa, q u a n d o sua m ã e n a r r a v a ,
pondia, mas a AT insistia e o inter- bastante surpresa, as transformações
pelava da mesma maneira todos os p e r c e b i d a s . Esta surpresa t i n h a um
d i a s , na e s p e r a n ç a de, em a l g u m m i s t o de c o n t e n t a m e n t o e de des-
momento, obter uma resposta. Certo crença q u a n t o às p o s s i b i l i d a d e s de
dia, q u a n d o ela lhe disse "Vou to- Pedro. Embora Pedro apresentasse
m a r café e já volto, tá bom?", ele alterações importantes em sua fala e
respondeu: "Tá". em seu c o m p o r t a m e n t o , h a v i a u m a
A p a r t i r desse e p i s ó d i o , Pe- atitude ambivalente de seus pais em
d r o c o m e ç o u a r e s p o n d e r às per- reconhecer sua m e l h o r a . M e s m o os
guntas da AT. Nestas respostas co- ganhos no r e n d i m e n t o escolar eram
m e ç o u a s u r g i r o uso do p r o n o - subestimados e pouco valorizados.
m e " e u " e de e x p r e s s õ e s c o m o Era possível notar u m a d i f i c u l d a d e
"eu q u e r o " , a l g o i n é d i t o até en- dos pais em atribuir sentido às pro-
t ã o . V a l e r e s s a l t a r q u e até e n t ã o duções l i n g u a g e i r a s e às i m p o r t a n t e s
P e d r o n ã o era c a p a z de t o m a r a modificações no c o m p o r t a m e n t o de
i n i c i a t i v a da fala, o que o c o r r e u Pedro. A AT r e a l i z o u , e n t ã o , t o d o
n u m m o m e n t o seguinte. u m t r a b a l h o no sentido de sensibi-
Estavam todos no parque, era lizá-los para o significado destas
hora do recreio, e a AT notava Pe- mudanças.
dro bastante entretido consigo mes- Havia momentos, podendo durar
m o , i s o l a d o , fazendo m o v i m e n t o s dias ou até s e m a n a s , em que Pedro
repetitivos. A AT aproximou-se, an- estava mais ensimesmado, falando me-
g u s t i a d a , p e n s a n d o de que forma nos, m u i t o e n t r e t i d o com os movi-
poderia tirá-lo daquele estado... De mentos repetitivos. Durante alguns
repente, ele olhou para ela e disse: períodos ficava m u i t o triste, apresen-
"Eu quero..." Então a AT perguntou, tando crises de choro e bastante an-
c o n t e n d o a surpresa: "O que você gustiado. Em a l g u m a s ocasiões mais
quer, Pedro?" "Quero colo", ele res- específicas era possível identificar o
pondeu. Então ela lhe disse "Vem!", motivo de sua tristeza. Q u a n d o sua
a b r i n d o os braços. Ele sentou em mãe viajava, por exemplo, ele ficava
seu colo, ficou ali por alguns instan- m u i t o t r i s t e , c h o r a v a e, q u a n d o a
tes e, em s e g u i d a , foi b r i n c a r no AT lhe p e r g u n t a v a sobre o m o t i v o
parque, próximo às outras crianças. do choro, ele dizia: " M a m ã e " .
Nesses momentos havia uma preocupação em ajudar Pedro a
n o m e a r o v i v i d o . Houve u m e p i s ó d i o bastante m a r c a n t e neste
sentido:
A mãe de Pedro sempre atrasava cerca de meia hora para vir
buscá-lo na escola, e Pedro ficava m u i t o triste. A AT notou sua
angústia toda vez que se aproximava a hora de ir para casa. Um
dia r e a l i z a v a m u m a atividade física, e, de repente, Pedro parou,
sentou-se e começou a chorar. A AT perguntou o que estava acon-
tecendo, e ele disse: "Eu quero a mamãe". A AT mostrou o relógio
dizendo: "Daqui a pouco a aula vai terminar, e mamãe virá buscá-
lo". Na hora da saída, o tempo foi passando, e a mãe de Pedro
não chegava. Ele começou a chorar, a AT perguntou novamente o
que estava acontecendo, e ele apontou para o relógio. Entendendo
sua tristeza devida ao atraso da mãe, a AT recomendou que não se
preocupasse, ela estava demorando, mas viria buscá-lo. Então ele se
acalmou, e logo sua mãe chegou.
Dias depois, a mãe n a r r o u o e p i s ó d i o c o n t a n d o ter Pedro
dito a seguinte frase, enquanto voltavam para casa: "Você demorou
muito. Eu não quero ficar esperando você".
Q u a n d o Pedro passou a falar o que queria e sentia, m u d o u
a forma como era visto em casa e na escola. Aquela criança silen-
ciosa, passiva, já não era a mesma; tornara-se alguém podendo se
queixar e dizer o que queria. Haviam-se passado, então, seis meses
de trabalho.
C o m isso, as crianças começaram a se interessar mais por Pe-
dro. Buscavam aproximar-se dele, mas cabe observar que, quando
queriam falar com ele, primeiro procuravam a AT. Esta os estimu-
lava a se dirigirem diretamente a ele.
Lentamente, Pedro começava a investir u m pouco m a i s no
contato com as crianças e com outros adultos. Delicadamente, se
aproximava das crianças, tocava-as, pedia a elas parte do lanche, ou
um b r i n q u e d o pelo qual se sentia a t r a í d o . C o m e ç a v a t a m b é m a
pedir coisas a outros adultos dentro e fora da escola.
As pessoas a sua volta começaram a perceber que Pedro não
só podia cantar, como também podia falar!
A música continuou a ser um meio pelo qual Pedro podia se
expressar. E foi com ela que pôde falar de sua tristeza a respeito
da separação da AT, quando esta deixava o trabalho naquela escola.
Na véspera do último dia de trabalho da AT na escola, Pedro
brincava com um c a m i n h ã o de b r i n q u e d o e cantava assim: "Eu
hoje fui na praça e encontrei um caminhão..." Pela melodia, foi pos-
sível identificar a música que ele cantava: era uma "versão" de A pra-
ça. Na verdade, cantava o trecho que na música corresponde ao ver-
so "Hoje eu acordei com saudades de você". Cantava apenas aquele
trecho repetidas vezes. Tendo se personalidade. Refere-se aqui a pacien-
d a d o c o n t a d i s s o , a AT d e c i d i u tes psicóticos tendo seu primeiro surto
continuar a canção e então chegou- n u m a idade adulta.
se ao trecho mais significativo: No caso de crianças com distúrbios
"A m e s m a p r a ç a , o m e s m o como autismo ou esquizofrenia infantil,
banco, as mesmas flores, o mesmo o trabalho seria criar condições para a
j a r d i m , t u d o é i g u a l , m a s estou ocorrência de uma estruturação da per-
triste, porque não tenho você per- sonalidade.
to de m i m " . No trabalho com Pedro, a ênfase
Nesse dia, u m a outra profis- era na c o n s t r u ç ã o de algo que a i n d a
s i o n a l que i r i a s u b s t i t u i r a AT não estava lá, e não n u m trabalho de
atual estava presente (isso faz parte recuperar algo já conquistado e perdi-
do p r o c e d i m e n t o de " p a s s a g e m " do posteriormente.
de um AT para outro). A AT atual Uma outra peculiaridade desse tra-
foi embora mais cedo e Pedro fi- balho, apontada pelo mesmo autor, se-
cou em c o m p a n h i a de sua futura ria que no caso do a c o m p a n h a m e n t o
AT. No dia s e g u i n t e a nova AT terapêutico com crianças "se faz necessá-
conta que, n u m determinado mo- rio lançar mão não só de expedientes
mento, Pedro começou a chorar. terapêuticos como t a m b é m pedagógi-
Então ela perguntou a ele: cos" (Antonucci, 1994, p. 551). Ele en-
AT: "O que foi, Pedro?" tende como "conduta terapêutica" do
Pedro: "Tô triste". AT toda c o n d u t a tendo c o m o conse-
AT: "Por que está triste?" qüência modificações no funcionamen-
Pedro: "A tia Ven foi embora". to mental do paciente, e como "con-
Pela primeira vez Pedro falou duta pedagógica" toda conduta visando
o nome da AT, justamente quando a adaptação ao contexto social.
se deu conta de sua a u s ê n c i a . E As intervenções junto a Pedro se-
assim se fazia presente a tristeza riam então condutas "terapêuticas" ou
pela sua saída... "pedagógicas"? Que funções foram cum-
Gostaríamos de retomar neste pridas pela AT, e quais seus efeitos?
momento a questão apontada anteri- U s a n d o as formulações de Anto-
ormente a respeito da relação entre nucci, a p r o p o s t a da escola era bem
os objetivos pedagógicos e os efeitos clara: a conduta da AT deveria ser "pe-
terapêuticos decorrentes do trabalho dagógica", pois visava uma adaptação
de acompanhamento terapêutico. de Pedro a sua rotina, assim como a
Antonucci (1994) refere-se ao sua proposta de ensino.
acompanhamento terapêutico com No entanto, a pré-condição para
crianças, apontando algumas pecu- responder a esse objetivo "pedagógico"
liaridades distinguindo-o do seria a possibilidade de estabelecer um
a c o m p a n h a m e n t o com pacientes v í n c u l o com Pedro. P r o p o r c i o n a r as
p s i c ó t i c o s a d u l t o s . C o m estes, a condições necessárias para que Pedro se
proposta seria u m a "ressocializa¬ vinculasse à AT pode ser considerada
ção" do paciente, buscando recu- u m a c o n d u t a do t i p o " t e r a p ê u t i c a " ,
p e r a r a s p e c t o s p e r d i d o s de sua pois, no caso desta criança, a possibili¬
dade de se vincular a alguém representa uma modificação importan-
te em seu modo de funcionamento mental.
Desse modo, essa distinção entre condutas terapêuticas e peda-
gógicas serve apenas para fins didáticos, pois há momentos em que
estas duas condutas parecem ser indissociáveis.
Kupfer (1997) formula importantes considerações a respeito da
relação existente entre o pedagógico e o terapêutico, lançando uma
luz sobre esta questão quando afirma que a primeira proposta de
tratamento de uma criança psicótica pode ser considerada educati-
va. Ela se refere ao caso de Victor, menino encontrado n u m bos-
que na França, sendo, hoje, provavelmente d i a g n o s t i c a d o como
psicótico. Ele foi submetido ao chamado "tratamento moral", que
consistia em educar a criança. O tratamento era qualificado com o
termo moral porque i n c i d i a sobre as faculdades m e n t a i s , e não
sobre o corpo. Afirma Kupfer:
"Tratamento e educação nasceram juntos para cuidar de crian-
ças com problemas graves, e agora se enlaçam novamente para cui-
dar dos fracassos escolares. Parece não ser mesmo possível desenlaçá¬
los, já que a criança moderna é, por definição, escolar" (Kupfer,
1997, p. 56).
A i n c l u s ã o escolar é um dos eixos de sua proposta de u m a
educação terapêutica, definida como "um conjunto de práticas que
aliam educação e tratamento para crianças com graves distúrbios
do desenvolvimento" (Kupfer, 1997, p. 57).
Kupfer pergunta-se por que a inclusão escolar, enquanto pos-
s i b i l i d a d e de circulação social, pode ser terapêutica. Responde a
isso introduzindo a hipótese de que ao dar à criança um lugar na
escola se faz uma "atribuição imaginária de lugar social".
Ao indicar à criança um lugar social, atribui-se a ela um lugar
de sujeito. Neste tipo de intervenção existe uma aposta imaginária
do adulto nas possibilidades da criança, que, por sua vez, pode ou
não responder a este investimento, de acordo com seus recursos.
Mas há ainda u m outro eixo dessa proposta trabalhando so-
bre as falhas que estas crianças (com quadros de psicose, autismo
e alguns tipos de deficiência) apresentam no registro s i m b ó l i c o .
U m a educação terapêutica, nesse sentido, deveria oferecer a elas
"(...) palavras e produções da cultura, para permitir que daí adve¬
nha algo de significante, de simbólico. Para que um sujeito possa
vir a se dizer, precisará de palavras, ou da m ú s i c a , ou do gesto
na dança e no teatro" (Kupfer, 1997, p. 59).
As formulações de Kupfer remetem-nos a uma determinada con-
duta adotada pela AT no caso relatado: o investimento na possibili-
dade de Pedro vir a falar, com o objetivo de tornar possível para
ele comunicar-se com as pessoas por meio de um código comparti¬
lhado. Por um lado, esta conduta vi- m e n t o t e r a p ê u t i c o . Q u a i s os seus
sava u m a a d a p t a ç ã o da c r i a n ç a ao objetivos, quais as suas funções, qual
ambiente escolar, mas, por outro, não a eficácia t e r a p ê u t i c a deste tipo de
é possível subestimar o alcance tera- intervenção?
pêutico deste tipo de investimento. Fernandes (1991) e C e n a m o et
Ao m e s m o t e m p o , o t r a b a l h o al. (1991) fazem um relato sobre suas
com a música - produção da cultura experiências enquanto ATs no Hospi-
- fornecia a Pedro material simbólico tal-Dia A Casa. Os autores i n d a g a m
para que pudesse vir a falar de seus sobre quais seriam as funções do AT,
sentimentos, como aconteceu no epi- tentam sistematizá-las e se perguntam
sódio da saída da AT da escola. a respeito do caráter terapêutico das
O texto de Laznik-Penot (1997) mesmas.
traz alguns apontamentos semelhantes Em C e n a m o et al., por exem-
aos de Kupfer. A autora relata sua plo, encontramos a seguinte coloca-
experiência clínica com três crianças ção:
autistas, e aponta como algo funda- "Seguindo a linha de pensamen-
mental neste trabalho a escuta atenta to de R e n a t o M e z a n , pode-se con-
aos enunciados desses pequenos sujei- c l u i r que a f i n a l i d a d e do a c o m p a -
tos. Se tomarmos como mensagem as n h a m e n t o t e r a p ê u t i c o está m u i t o
produções linguageiras destas crianças, mais p r ó x i m a do que ele c h a m a de
isso terá como efeito, a posteriori, o psicoterapia, do que de p s i c a n á l i s e "
reconhecimento, pela criança, de que (Cenamo et al., 1991, p. 190).
ela é o agente dessa fala. Mas, para se Tomando como referência o
atribuir sentido a estas produções, é texto de M e z a n ( 1 9 8 8 ) i n t i t u l a d o
necessário supor que existe diante de "Psicanálise e psicoterapia", C e n a m o
nós u m sujeito, ou seja, é necessária et al. a p o n t a m q u e a p s i c a n á l i s e
uma aposta imaginária. apóia-se sobre três elementos: a abs-
Nos relatos de Laznik, o trata- tinência, a interpretação e a transfe-
m e n t o dessas c r i a n ç a s t i n h a c o m o rência. Os autores tentam transpor
foco o processo visando a entrada da estes elementos para o a c o m p a n h a -
criança no universo da linguagem e, mento terapêutico.
c o n c o m i t a n t e m e n t e , sua entrada no Para eles, nessa prática, a absti-
circuito das trocas afetivas com ou- n ê n c i a n ã o seria n e m da s u g e s t ã o
tros seres humanos. nem da ação, mas do desejo pessoal
Portanto, o fato de Pedro con- do AT. Q u a n t o à transferência, esta
seguir fazer uso de uma fala própria, não é interpretada, mas sim manejada,
expressando seus quereres, suas quei- ou seja, utilizada para tornar possível
xas e seus sentimentos pode ser con- o cumprimento da tarefa do AT.
siderado um efeito terapêutico muito Q u a n t o à i n t e r p r e t a ç ã o , argu-
p r ó x i m o do v i s a d o por L a z n i k no m e n t a m não caber ao AT interpre-
tratamento de suas crianças. tar o d i s c u r s o ou os j o g o s do pa-
Q u a n d o avançamos nessas ques- ciente. O AT se u t i l i z a r i a de atitu-
tões surgem algumas interrogações a des interpretativas, ou seja, atitudes
respeito da prática do a c o m p a n h a - ou c o m p o r t a m e n t o s a j u d a n d o o
p a c i e n t e a d i s c r i m i n a r algo de seu com os fundamentos do tratamento
mundo interno. p s i c a n a l í t i c o , mas com certeza tor-
C o m base nessas afirmações, é nam o trabalho do analista mais di-
possível refletir sobre o trabalho de- fícil...
senvolvido junto a Pedro dentro da Pode-se dizer, então: o acompa-
escola. Nos momentos em que a AT nhamento terapêutico é uma psicaná-
restituía a Pedro o sentido c o n t i d o lise complicada. Complicada porque,
nas m ú s i c a s cantadas, pode-se falar neste t r a b a l h o , o l u g a r do a n a l i s t a
n u m a atitude interpretativa. Pode-se está sempre em questão e precisa ser
ir u m p o u c o além e falar de inter- constantemente reinventado.
venções constitutivas de subjetividade. Terapéia, em grego, significa o
Duas observações podem ser fei- cuidado exercido sobre Eros doente.
tas a respeito do texto de Cenamo et A função do terapeuta - ou seja, da-
al A primeira, em relação à questão quele que tem a responsabilidade pela
da abstinência do desejo do AT nes- terapéia - é dedicar uma atenção deli-
te trabalho. Quando falam em absti- cada ao paciente c o m o se ele fosse
n ê n c i a , os a u t o r e s estão t o m a n d o um instrumento musical precisando
como p a r â m e t r o o trabalho com reencontrar sua h a r m o n i a . Assim, é
uma criança neurótica. Pensando no possível pensar a função do AT.
trabalho com Pedro, se o desejo da Para c o n c l u i r , g o s t a r í a m o s de
AT não estivesse em jogo, ou seja, se citar uma passagem do texto de Ma-
não houvesse uma aposta de que Pe- ria Helena Fernandes:
dro seria capaz de se comunicar, di- "Não podemos negar as nossas
ficilmente seriam observados os efei- pretensões de sermos t e r a p ê u t i c o s "
tos t e r a p ê u t i c o s r e l a t a d o s . A o u t r a (Fernandes, 1991, p. 152).
diz respeito à a p r o x i m a ç ã o entre o C o m o a AT não p o d i a se des-
t r a b a l h o de a c o m p a n h a m e n t o tera- vencilhar de sua formação profissio-
pêutico e a psicoterapia, e o afasta- nal (psicóloga e psicanalista), era ine-
mento em relação à psicanálse. vitável ter, mesmo trabalhando den-
Para F é d i d a , a psicoterapia seria tro da escola, u m a escuta a respeito
uma "especificação e u m a complica- do sofrimento psíquico de Pedro, ou
ção técnica da análise" (Fédida, 1988, seja, de seu "Eros doente", e isso ine-
p. 38). Ele refere-se a situações em vitavelmente despertou suas "preten-
que não é possível trabalhar apenas sões terapêuticas" em relação a ele. •
c o m a regra f u n d a m e n t a l da livre
associação, casos que d e m a n d a m ou-
tros tipos de intervenção para além REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
da palavra. F é d i d a cita situações clí-
nicas em que, se não houvesse u m a
e l a s t i c i d a d e da técnica, não seriam A n t o n u c c i , R. ( 1 9 9 4 ) . T e r a p i a s r e s s o c i a l i z a n ¬
g a r a n t i d a s as c o n d i ç õ e s necessárias tes: o acompanhante t e r a p ê u t i c o . In As-
para a c o n t i n u i d a d e do tratamento. s u n ç ã o J r . , F. B. ( o r g . ) . Psiquiatria da
O autor não considera que esta elas- infância e da adolescência. São Paulo,
ticidade da técnica seja contraditória SP: Santos.
Assali, A. M.; R i z z o , C ; A b b a m o n t e , R. M. & A m â n c i o , V. ( 1 9 9 9 ) . O acompa-
nhamento t e r a p ê u t i c o ha i n c l u s ã o de c r i a n ç a s com d i s t ú r b i o s g l o b a i s do
d e s e n v o l v i m e n t o . In A psicanálise e os impasses da educação. Anais do I
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C e n a m o , A. C. V.; Prates e Silva, A. L. B. & Barretto, C. D. ( 1 9 9 1 ) . O setting
e as funções no a c o m p a n h a m e n t o t e r a p ê u t i c o . O caso J ú l i a . In E q u i p e de
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SP: B r a s i l i e n s e .

NOTAS

1
Este t r a b a l h o foi e s c r i t o no â m b i t o cio L a b o r a t ó r i o de P s i c o p a t o l o g i a Fun-
damental do P r o g r a m a de E s t u d o s Pós-Graduados em P s i c o l o g i a C l í n i c a da
P U C - S P ; foi lido e comentado pelos pesquisadores, a quem a g r a d e c e m o s as
contribuições.

2
O termo " r e g u l a r " é d i g n o de n o t a , p o i s c a r r e g a em si a p o s s i b i l i d a d e de
e x c l u s ã o de t u d o a q u i l o q u e n ã o age c o n f o r m e as r e g r a s , as n o r m a s , as l e i s
e as p r a x e s (ver no Dicionário Aurélio, o verbete "Regular").

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