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Essa monografia foi escrita para o final do 1º ano do Curso de Psicanálise para
Psicoterapeutas do GEP Campinas, no qual estudamos os principais conceitos da obra
de Freud. Gostaria de salientar a dificuldade relativa a essa primeira aproximação do
pensamento freudiano. Pra mim, se trata de algo que se sabe sem saber, algo entre o
familiar e o estrangeiro, como o próprio conceito de inconsciente. Freud nos coloca no
desconfortável lugar das incertezas, nos afirmando que não há afirmações possíveis na
esfera do inconsciente. E que esse mesmo inconsciente nos conduz e determina nossas
ações.
Para ampliar essa questão, gostaria de reproduzir uma afirmação de Lacan: o
sujeito da psicanálise é histérico na medida em que a análise leva o sujeito a se
questionar em relação a sua identidade e seu desejo colocando as seguintes perguntas
em pauta: ‘quem sou eu?’ e ‘o que desejo?‘(André, 1999).
Meu interesse por esse universo me levou a querer pesquisar o tema
feminilidade. Este remete a minha condição feminina, e me faz olhar para minha clínica
de modo a contemplar as diferenças que vão além dos gêneros. Acredito que o conceito
de feminilidade abarca algo que vai além do feminino; a questão da castração
representando a impotência e a morte, o não simbolizado. A castração seria o modo
como o ser humano tenta dizer a falta.
A feminilidade é um conceito que traz consigo a marca da castração, fazendo da
mulher a figura maior desse vazio. Talvez isso explique as razões pelas quais o corpo
feminino é por vezes é cultuado como fetiche e por outro lado, temido, sinônimo de
perigo e pecado. Vemos essas manifestações acontecerem de diversas formas na cultura.
A aproximação com a psicanálise nos faz desacreditar numa verdade absoluta, e
nos aproximar do saber afetado por uma falha central. Lacan nos diz que essa falha não
é da ordem da imperfeição, mas a chave para a estrutura do saber. (André, 2003)
As descobertas de Freud no campo da feminilidade são fundamentais e servem
de referência para outros autores. No entanto, Freud sempre hesitou em face do
problema da feminilidade, salientando assim o caráter inacabado das suas explorações
sobre tema. Em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, de 1905, Freud escreveu
que a vida sexual dos homens :
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“...somente, se tornou acessível à pesquisa. A das mulheres, ainda se encontra
mergulhada em impenetrável obscuridade” (Freud 1905).
Mais tarde, num texto sobre a análise leiga, Freud (1923-25, p. 212) afirma que a
vida sexual das mulheres constitui um “continente obscuro” e que não deu por
encerrada a questão sobre a sexualidade feminina. Na Conferência XXXIII sobre
feminilidade, ressalta que:
É apresentado para esse autor um problema: como este ser bissexual que é
menina se torna uma mulher?
Os autores atuais também se debruçaram sobre o tema e sem chegar conclusões
fechadas, lançaram questões interessantes. Cito-as:
“Ela (a mulher) é um tornar-se, um vir a ser, algo que tem que ser construído sobre
uma realidade anatômica incontornável, que é da ordem de uma ausência”... (d) a essência do
feminino, (que) passa inevitavelmente por algo abissal, tangenciando a morte. ”(Magdaleno,
2002)
Lacan, talvez tenha sido o autor que fez a afirmação mais polêmica sobre o
tema: “a mulher não existe.” Nessa frase está implícita a questão de que a mulher, como
generalização não existe. Não existe uma “fixidez de desejo” imposta a todas as
mulheres. O que existem são mulheres, cada uma com uma individualidade. Por isso
Serge André modifica a pergunta de Freud, “o que quer a mulher?”, artigo indefinido
que se refere a todas as mulheres para “o que quer uma mulher?”
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As críticas a essa tese merecem nossa atenção. A teoria freudiana da sexualidade
fundou-se, sob o postulado de uma masculinidade originária — a sexualidade feminina
e masculina sendo constituída pelo operador fálico —, inserindo-se desse modo uma
hierarquia natural dos sexos. Os homens são aqueles que têm o falo, as mulheres as que
não têm. (Birman, 2001)
Se a mulher se constitui, nesse primeiro momento da obra, como alguém a quem
falta algo, qual seria as conseqüências para ela?
Lacan fala de uma falta de significante do sexo feminino, referindo-se à
“ignorância da vagina” citada por Freud. Vai mais além e formula que a vagina é
ignorada enquanto sexo feminino, mas enquanto falo escondido é bastante conhecido. O
que limita os buracos, ou furos, são as bordas das zonas erógenas. São estas áreas é que
são investidas libidinalmente.
Em “Organização genital infantil da libido”, 1923, Freud fez um adendo a teoria
exposta nos “Três Ensaios” e equiparou a masculinidade a sujeito, atividade e pênis e a
feminilidade objeto e passividade.
“A tese de 1908 dizia que só há um sexo, o pênis, sempre presente, mas não
necessariamente ‘saliente’ desenvolvido no menino e ‘em vias de desenvolvimento’ na menina.
Em 1923, a tese do sexo único é então modificada. Enquanto em 1908 o menino não constatava
absolutamente a falta, como se a percepção não funcionasse, em 1923 ele a constata (pois que a
nega e sente uma contradição), mas vai encobri-la, fazendo da falta um modo de existência do
falo. (...) O que significa que a falta do pênis, se reconhecida, é enquanto falo (a menos) e não
como sexo feminino. ”(André, 1982)
“A castração faz da ausência um resto de presença, ela é um embelezamento... A vagina
é conhecida como órgão, mas não é reconhecido no nível do significante como sexo feminino.”
(André, 1982)
A vagina é a presença de uma ausência. Ela precisa ser amenizada para que não
se veja ali o horror da castração que essa visão suscita.
Já no artigo, “A dissolução do complexo de Édipo” de 1924, Freud se propôs a
estudar as modalidades do complexo de Édipo nos dois sexos, mostrando o percurso
diferente do desenvolvimento da sexualidade por meninos e meninas.
Para o menino, a resolução do complexo de Édipo se realizará sob a ameaça da
castração. Na menina, o complexo de castração a faz se voltar para o pai para tentar
substituir a falta do pênis: o desejo de ter um filho do pai, como substituto do pênis é,
portanto, o que promove o Édipo feminino.
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“A mulher quer ter um pênis, e somente aceitando a impossibilidade desse anseio pode
deslizar para o desejo de ter um filho, que preencha substitutivamente o lugar do pênis, para
sempre perdido.” (Magdaleno, 2001)
Para Freud, o superego feminino seria menos truculento que o masculino porque
ela não viveria a ameaça da castração. Enquanto no menino o superego se forma pela
introjeção da autoridade paterna, na menina são fatores externos que o determinam,
como a educação, a intimidação e o temor de perder o amor dos pais.
Escreve em 1925 “Algumas conseqüências psíquicas da diferença anatômica
entre os sexos”. Neste artigo, Freud disse que a decepção gerada pela ausência do pênis
na menina, leva a afastar-se de sua mãe. Sente-se diminuída e humilhada e por isso
interrompe a masturbação. Na obra freudiana, a atividade masturbatória é ligada à
virilidade. Freud concluiu que o reconhecimento da diferença sexual obriga a menina a
renunciar à masculinidade e a dirigir-se à feminilidade.
Em 1933, Freud escreveu o artigo “Feminilidade”, dentro de suas Conferências
Introdutórias. Neste texto, Freud discorreu sobre as diferenças anatômicas do homem e
da mulher, atentando para o fato de que partes do aparelho sexual masculino aparecem
também na mulher de modo atrofiado e vice versa.
Freud esclareceu que a psicanálise não está em busca de descrever o que é a
mulher, mas sim descobrir como a mulher se forma e como se desenvolve desde
criança. Descreveu a menina como sendo menos agressiva, auto-suficiente e desafiadora
que os meninos, mostrando-se mais dependente pelo fato de sentir mais necessidade de
obter carinho.
Freud destacou que as meninas devem passar por duas tarefas que envolvem
grande energia psíquica. Fazer a mudança de zona erógena, do clitóris para a vagina; e
fazer a troca de objeto de amor sendo que este amor é transferido da mãe para o pai.
Com a descoberta de que é castrada e a partir das duas tarefas executadas pela
menina, surgirão três possibilidades. O primeiro seria a inibição sexual ou neurose –
baseado no recalcamento da sexualidade. Outro seria a modificação do caráter;
complexo de masculinidade, base da homossexualidade e finalmente a feminilidade –
alcançada no momento em que a mulher tem um filho homem. Desejo da menina de ter
um filho do pai, este filho será como um substituto do pênis que a mulher não possui.
No artigo “Sexualidade feminina”, Freud enfatizou a intensa e longa duração da
ligação pré-edipiana da menina com a mãe. Considerou que essa relação continha
elemento ativo.
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“O elemento ativo da relação da menina com a mãe, e a importância disso na
estruturação da feminilidade, supera em muito a explicação inicial de Freud, que se ancorava de
modo, poderíamos dizer, muito rígido ao rochedo incontornável da inveja do pênis.”
(Magdaleno, 2000)
Para Serge André, o tornar-se mulher é uma tarefa que não é dada pela situação
biológica. Ora, se não há sexo feminino, a feminilidade não pode ser concebida como
um ser, mas como um se tornar. No pensamento freudiano, a feminilidade parece pouco
natural. É na medida em que ela quer ter aquilo que falta a sua mãe que se torna mulher.
O tornar-se mulher aparece como um impasse, e Freud se resigna a fazer da inveja do
pênis o termo insuperável da análise de uma mulher. O destino da feminilidade em
Freud é problemático.
A questão que se coloca é saber se é possível esse ser faltoso, que é o ser
feminino pode fazer emergir a verdade de ser.
Fica claro que a mulher se constitui a partir de uma série de faltas, as quais ela
tem que lidar. A mais evidente ao observador é a falta do pênis. Depois percebemos
como apontou Lacan, a falta do significante do sexo feminino e por último a falta de
opção em relação à resolução do complexo de Édipo que exemplifico a seguir:
“O menino ao desviar a hostilidade para o pai, que efetivamente pode castrá-lo, tem
assim à sua disposição uma saída que a menina não dispõe. (...) Ela permanece enredada e
aprisionada em seus fantasmas em decorrência da falta do pênis enquanto articulador das
angústias, o que prolonga sua fase pré-edipiana por um período muito mais longo que aquele do
menino.” (Magdaleno)
“O novo não é necessariamente aquilo que não existe, mas o que nunca foi
pensado”. Giovannetti
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satisfatória, porém incompleta, dando, assim, abertura para que outros teóricos
expandissem seu significado. Para Freud esse evento marcou a descoberta do segredo
dos sonhos. Parece que algo foi revelado a Freud, e a partir daí, e novo momento foi
inaugurado.
Transcrevo o sonho conforme relatado por Freud:
“Um grande vestíbulo – numerosos convidados que recebemos – dentre eles, Irma, a
quem eu tomo logo à parte, como se fosse para responder a sua carta e censura-lhe por ela não
ter aceito ‘minha solução’. Eu digo a ela: ‘Se sente ainda dores, não é de fato senão por minha
culpa.’ Ela responde: ‘Se soubesses o que sinto de dores na garganta, estômago, abdome,
sinto-me amarrada.’ Assusto-me e a olho. Ela parece pálida e edemaciada. Penso ter omitido
algo, finalmente, de orgânico. Levo-a até a janela e examino sua garganta. Ela se mostra
recalcitrante como as mulheres que usam dentadura. Digo-me: ela não necessita de uma. Então
ela abre bem a boca e acho à direita uma grande mancha e, além disso, vejo formações
notáveis, crespas, que lembram visivelmente os cornetos do nariz e que apresentam grandes
escaras branco-acinzentadas. Chamo rapidamente o Dr. M., que repete o exame e o confirma…
Dr. M. parecia bem diferente de habitualmente, muito pálido e claudicando, e não tem barba no
queixo… Meu amigo Otto está presente, também, ao lado de Irma e meu amigo Leopold a
percute por cima do espartilho e diz: ‘Ela apresenta uma macicez embaixo, à esquerda’,
indicando uma porção de pele que está infiltrada, no ombro esquerdo (o que percebo como ele,
apesar da roupa). Dr. M. diz: ‘Não há dúvida, é uma infecção, mas isto não é nada; juntar-se á
uma disenteria, ainda e o veneno será eliminado’… Imediatamente, ficamos sabendo também
de onde vem a infecção. Meu amigo Otto tinha lhe aplicado, há pouco tempo, quando ela se
sentiu mal, uma injeção com uma preparação de Propyl, Propylen...ácido propiônico…
trimetilamina (da qual vejo a fórmula impressa em caracteres grossos diante de mim). Não se
aplicam tais injeções descuidadamente “… É provável, igualmente, que a seringa não estivesse
esterilizada” (Freud, 1900, p115)
Serge André toma esse sonho como o primeiro contato de Freud com o tema
feminilidade.
“...pois ao olhar para a carne crua no fundo de sua garganta aberta, constitui o ponto de
partida para uma via de acesso para a feminilidade.” (André, 1987 pg. 46)
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completude. Portanto a mulher ficaria no lugar paradoxal do tudo e do nada. Lacan
compreende que nesse momento, ao olhar a garganta de Irma, ocorre uma terrível
descoberta, a da carne que nunca se vê o fundo das coisas, o avesso da face, do rosto, os
secretados, o abismo do órgão feminino de onde sai toda vida e também a imagem da
morte onde tudo vem terminar. “(André, 1987, pg. 60) É nesse sentido que Lacan lança
o aforisma que diz que “a mulher não existe”.
Não há outra solução para este problema, que não a palavra. Freud encontra-se
diante do impossível de saber e se dirige então à busca da palavra que mediaria essa
falta do significante. A proposta freudiana na época era a de que o sintoma neurótico
manifestava a presença de representações simbólicas recalcadas e que o caminho para a
cura seria o da verbalização, acreditando-se que assim o sintoma poderia ser eliminado.
A inauguração do inconsciente se dá no encontro com a sexualidade para a qual não há
uma representação suficiente. Inicialmente, o encontro do sujeito com a sexualidade, no
caso, a sexualidade feminina, é marcado apenas por uma ausência de representação.
No entanto, outra possibilidade seria a representando a própria vagina, que pode
ter não só a ideia de falta, furo, abismo; mas ao contrário pode significar uma abertura
para o infinito. (Magdaleno, 2001)
Na obra do Freud existem duas vertentes para responder a questão do feminino:
a do real, que é a do não reconhecível, do mutismo e da morte e o vertente da castração,
primado do falo. Esses dois vértices sempre existiram, mas o primeiro foi sendo
encoberto pelo segundo permanecendo mais conhecido na psicanálise. Com isso se
perdeu muito em aprofundar a significação do feminino, que vai muito além da
problemática fálica. Simplificou-se a questão da mulher a uma realidade anatômica.
(André, 1982)
Anzieu e a concepção da psicanálise
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“A unidade do sonho está na descrição e explicação da sexualidade. O ’hall’ com os
convidados, a ’garganta’ de Irma representam o órgão genital feminino. A boca ’abre-se bem’
permitindo a ’recepção’ ou ’concepção’, imagem de coito genital. Irma ’atada’, ’pálida’ e
‘edemaciada’ com suas ’dores no abdome’ que tem ’finalmente algo orgânico’ lembra,
manifestamente, um diagnóstico de gravidez.’’(Anzieu, 1989, p.45)
“Realiza uma espécie de inventário do corpo no qual configuram como tela de fundo os
cinco sentidos externos e a sensibilidade interna, como também referências à maioria das
grandes funções: respiração, circulação, excreção, reprodução, fonação, sistema nervoso e,
menos claramente, nutrição e onde se destacam os pontos de sensibilidade erógena ou dolorosa:
enunciados funções, pontos que pertencem tanto ao próprio corpo do sonhador como o corpo
que é objeto de seu desejo. Sigmund Freud torna-se, por este sonho, o fundador de uma
linhagem, o pai de todos os psicanalistas e o filho de suas obras. “Anzieu, 1989, p.54)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade [1905]. In: ___. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas.Tradução de Jayme Salomão. Rio de
Janeiro: Imago, 1972. v. VII.