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Trajetória migratória e trajetória laboral de trabalhadores imigrantes na produção

de vestuário paulistana: a mobilidade social nos caminhos da precariedade

COUTINHO, Beatriz Isola1

Resumo: A partir da década de 1980, concomitantemente a reestruturação produtiva do setor


têxtil-vestuário, a cidade de São Paulo presenciou o (re)surgimento de pequenas fábricas de
costura aonde os trabalhadores e os empregadores são imigrantes, comumente ilegalizados.
Desde então, o gradual aumento do fenômeno trouxe à tona a precariedade a que estão
sujeitos estes estrangeiros, que constroem suas estratégias de mobilidade social ascendente
entre os meandros da economia informal e do “empreendedorismo étnico”. Considerando as
trajetórias migratórias e laborais dos costureiros e dos donos das pequenas fábricas de
costura, assim como os efeitos da flexibilização vivenciada pelo setor para a organização do
trabalho no setor, pretendemos compreender como se dá a relação entre ambas as categorias
de imigrantes envolvidas nessas empresas étnicas, problematizando aspectos da
subjetividade que delineiam esse fenômeno.
Palavras-chave: Trabalho; migração internacional; confecção; São Paulo; subjetividade.

Introdução

Dentre as questões que emergiram no horizonte de reflexão sobre o mundo do


trabalho com o conjunto de mudanças trazidas pela reestruturação produtiva do capitalismo,
a partir da década de 1970, está a subjetividade. A mesma se tornaria uma categoria central
de análise para a constituição do sujeito do trabalho na contemporaneidade, com a paulatina
substituição da rigidez do fordismo-taylorismo para as novas formas flexíveis de produção
e de gestão do trabalho. Desde então, floresceram os estudos que descrevem as formas de
uso e de apropriação, por parte do capital, da subjetividade dos trabalhadores e, igualmente,
aqueles dedicados à sua contrapartida, ou seja, em entender como os trabalhadores
experimentam e resistem cotidianamente a tais transformações.

Colocava-se em primeiro plano o sujeito e sua margem de ação, retomando a


discussão originalmente esposada pelas ciências sociais, a da relação entre indivíduo e
sociedade, agora sob novos paradigmas teóricos que emanaram da prática e da reivindicação

1
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia de Ciências
Humanas (IFCH) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil. Bolsista
CNPQ. Integrante do Projeto Temático FAPESP “Contradições do trabalho no Brasil atual: formalização,
precariedade, terceirização e regulação.” n°2012/20408-1. E-mail: beatrizisolacoutinho@gmail.com

1
dos mais diversos movimentos sociais. Para além dos estudos do trabalho, esse deslocamento
foi caro a outras áreas e campos do conhecimento, entre os quais, os estudos sobre a migração
internacional. Incorporava-se a dimensão subjetiva na análise do processo migratório,
notadamente por meio: a) rompimento do imigrante como um sujeito genérico e inerte diante
do funcionamento dos mercados, assim como do fenômeno migratório circunscrito
unicamente às leis econômicas; b) incorporação das experiências de gênero, classe,
raça/etnia, sexualidade, geração, entre outras, as quais compõem a totalidade da experiência
migratória e; c) articulação e análise da dimensão macroestrutural em conjunto com as
microestruturas que estão em atividade no fenômeno migratório.

Temos por objeto de estudo as atuais confecções de vestuário paulistanas nas quais
os trabalhadores e os proprietários são imigrantes de primeira geração, de igual ou diferentes
nacionalidades e gêneros. Nessas pequenas unidades produtoras, doravante oficinas de
costura, nas quais o espaço de moradia se confunde com o espaço de trabalho e onde quase
tudo é improvisado e insalubre, as relações entre empregadores e empregados estão não raro
submersas em contextos familiares e de compatrício e, em todos os casos, a exploração
extrema do trabalhador se confunde com a trajetória de vida semelhante daquele que o
emprega, o caminho partilhado de quem deixou sua pátria-mãe, definitivamente ou
provisoriamente, em busca de melhores condições de vida.

O presente trabalho se inscreve no entendimento de que a migração internacional é


um processo social complexo e histórico, cujo entendimento repousa nas desigualdades
econômicas, nas políticas estatais, no imperialismo e seu lastros, assim como nas relações
sociais (re)construídas e mobilizadas pelo ir e vir de migrantes que fazem da migração
internacional, conforme insere Portes (2001), um “processo autossustentável”. Essa leitura
abre espaço para pensarmos acerca de nosso objeto de estudo não somente enquanto uma
consequência local da reestruturação produtiva da cadeia global têxtil-confecção ou da
posição ocupada pelo Brasil no cenário atual das migrações internacionais, mas, também, na
ligação secular entre a produção e a comercialização de artigos de vestuário com diferentes
grupos de imigrantes na cidade de São Paulo e nas dinâmicas migratórias em funcionamento
nesse “vinculo privilegiado”.

A contribuição dos estudos no campo da migração internacional nos fornece


instrumentais teóricos para discorrer sobre a presença dos trabalhadores imigrantes e o
crescimento das oficinas de costura na capital levando em consideração os elementos

2
estruturais e os subjetivos, cujas motivações e efeitos se estendem pelos pontos de partidas
e pelos pontos de chegada dos deslocamentos. Trata-se de uma classe de trabalhadores que
partilha de experiências comuns construídas no deslocamento e no cotidiano como imigrante
na maior metrópole do país, o que enseja explicações da realidade vivida, inclusive laboral,
de maneira bastante própria. Ou seja, pretendemos um olhar para além das condições
materiais de vida e que nos possibilite compreender as representações, os interesses e os
valores que informam às ações dos sujeitos estudados. Como nos lembra Leite (1994) “[...]
o aspecto subjetivo deve ser considerado também como parte integrante das condições
objetivas de trabalho.” (p.34).

Propomos inserir um debate no qual os elementos subjetivos e as microestruturas que


compõem o fenômeno sejam considerados e aprofundem as discussões sobre a migração
laboral na atualidade. Fazemos uma argumentação guiada, principalmente, pela
problematização dos aspectos da mobilidade social e da precariedade, apoiados em nossa
pesquisa de campo com trabalhadores/as imigrantes no setor e em uma bibliografia
diversificada, na qual transitamos entre os estudos do trabalho, das migrações internacionais
e pesquisas que enfocaram a relação entre a imigração e a confecção de vestuário na cidade
de São Paulo, nos fluxos migratórios históricos e contemporâneos. Igualmente, os autores
estrangeiros que refletiram sobre as sweatshops ou os talleres del sudor nas metrópoles do
norte nos são caros.

O texto que segue divide-se em três partes. Primeiramente, discorremos sobre a


organização da ampla cadeia têxtil-vestuário da qual as oficinas de costura e o trabalho em
domicílio são parte. Faz-se necessário esse percurso para aclararmos o contexto em que os
trabalhadores imigrantes e nacionais se inserem no setor, em um processo de precarização
do trabalho. Em um segundo momento, discorremos brevemente sobre a relação histórica
entre os imigrantes e a produção e a comercialização de vestuário em São Paulo, enfocando
as migrações contemporâneas. Por fim, abordamos pontos fundamentais de reflexão sobre a
migração internacional e a mobilidade social, relacionando as condições objetivas de
trabalho com aspectos da subjetividade dos trabalhadores imigrantes.

Reestruturação produtiva e o trabalho com a costura na indústria da moda

As oficinas de costura dos trabalhadores/as imigrantes, somadas ao trabalho a


domicílio e as micro e pequenas empresas fabricantes de artigos de vestuário, constituem a

3
ponta final e elo mais frágil da ampla cadeia produtiva têxtil-confecção2. Trata-se de uma
cadeia que apresenta níveis muito variados de uso tecnológico e de investimentos em P&D,
recursos desigualmente distribuídos entre os países e os setores envolvidos e que variam de
acordo com o porte das empresas. A indústria de confecção é aquela com um maior uso de
trabalho manual e um menor uso das novas tecnologias, sobretudo em sua etapa final, a
costura3.

Outra característica da cadeia é a segmentação produtiva, algo exacerbado a partir da


reestruturação do setor, ainda nos anos de 1980, levando ao deslocamento de partes da
produção, principalmente indústria de confecção, para países do sul e sudeste asiático, além
do México e América Central. O Brasil sentiria esses efeitos com maior vigor na década
seguinte, a partir da abertura do mercado nacional aos importados têxteis e confeccionados,
ocasionando o deslocamento da indústria de confecção da região sudeste, notadamente de
São Paulo, para as demais regiões do país, com destaque na região nordeste para os estados
de Ceará e Pernambuco e na região sul, o estado de Santa Catarina (ROCHA et al, 2008).

Segundo Gereffi (1994), a reestruturação produtiva tornou-a uma “cadeia global de


commodities dirigida pelos compradores”, sendo esses os detentores de marcas e as
companhias de comércio que ocupam posição central no controle das redes internacionais
de produção e possuem sede nos países economicamente desenvolvidos. Quanto aos
principais efeitos para a indústria de confecção, temos: a) a realocação da produção material
e com uso intensivo de trabalho manual - aquela que contempla os maiores riscos e os
menores lucros agregados - para regiões e países nos quais os custos com o trabalho e o nível
de proteção dos trabalhadores é mais baixo; b) o maior parcelamento das etapas produtivas4;

2
Contempla desde a indústria química (fibras sintéticas e tingimentos), a agropecuária fornecedora das fibras
naturais (origem animal e vegetal), até a indústria de maquinários e de novas tecnologias microeletrônicas, com
o desenvolvimento de maquinário e softwares. Parte central da cadeia é ocupada pela indústria têxtil e pela
indústria de confecção, essa última dividindo-se em linha lar (cama, mesa e banho), produtos técnicos (sacarias,
hospitalares, automotivos) e vestuário (roupas e acessórios).
3
As grandes etapas produtivas da indústria de confecção são: desenho, confecção dos moldes, gradeamento,
encaixe, corte e costura. Temos ao menos 15 tipos de máquinas de costura industriais disponíveis no mercado
brasileiro sem componentes microeletrônicos e com funções específicas. Para as mesmas funções, no entanto,
existem as máquinas com sistema CAD/CAM que apesar de exigirem ainda um costureiro/operador por
máquina, agilizam o tempo e garantem a precisão na costura e nos acabamentos. O alto custo desse
equipamento impede o seu acesso para a grande maioria dos produtores de pequeno porte e para os autônomos.
4
O parcelamento das etapas produtivas no setor encontra sua origem na produção em massa de artigos de
vestuário inaugurada pelas sociedades urbanas e industriais do período fordista, resultando na passagem da alta
costura - onde o trabalho imaterial antecedia o material e o ofício costureiro/a não era esvaziado da esfera
conceptual – para o ready-to-wear ou prêt-a-porter, um evento que não fora universal mas tivera grande
concretude para a produção e o trabalho nas metrópoles ocidentais.

4
c) terceirizações e um grande aumento do número de micro e pequenas empresas5, além de
oficinas de costura e trabalho a domicílio e; d) crescimento do trabalho precarizado,
autônomo e informal6 (ARAÚJO e AMORIM, 2002; LEITE, 2004).

Todo o processo se dá por meio de um intenso “ajuste” ou “ordenação espaço-


temporal”, para os quais é fundamental, como nos lembra Harvey (2010; 2012), a
intermediação dos Estados e das instituições financeiras. Permanecem nas regiões
economicamente desenvolvidas e outrora principais polos de produção, o grosso da
comercialização e dos canais de distribuição além das etapas produtivas imateriais ou
“inteligentes” (a exemplo do design), todas essas tarefas mais lucrativas, nas quais se
concentram postos qualificados e que asseguram, ainda, garantias sociais, trabalhistas e
melhor remuneração. (LUPATINI, 2004).

Em outras palavras, o glamour e o status da indústria da moda7 permanecem nos


tradicionais centros produtores e consumidores, enquanto a coxia da produção tende a
espalhar-se e esconder-se. Também Harvey (2010) traz uma substancial contribuição para
pensarmos a indústria da moda, cujo baluarte é o vestuário. Ao refletir sobre a abertura
estética do capitalismo flexível ou sobre a “mercadificação das formas culturais”, cujo início
se deu ainda nos anos de 1960 contra a padronização fordista, originando o que o autor
chamou de “obsolescência planejada do consumo”, reduzia-se tanto do tempo de giro da
produção; por meio das novas tecnologias produtivas e das novas formas organizacionais;
quanto o tempo de giro do consumo, com a menor durabilidade dos produtos e a valorização
da efemeridade da moda. Isso se traduz em uma produção marcada por uma sazonalidade

5
No Brasil, de acordo com o IBGE, na indústria micro empresas correspondem até 19 empregados, pequenas
empresas de 20 a 99 empregados, médias empresas de 100 a 499 empregados e grandes empresas de 500 acima.
Em 2010, 83.30% da produção nacional de confeccionados era realizada em micro empresas, 14.40% em
pequenas empresas, 2.10% em médias empresas e 0.20% em grandes empresas (IEMI/MTE apud CNI/ABIT,
2012).
6
Essa mudança da produção realizada em médias e grandes indústrias de vestuário para micro e pequenas
unidades produtoras e para o trabalho a domicílio e informal pode ser observada na queda do número de
trabalhadores/as sindicalizados/as na capital. Conforme Maria Assis, do Sindicato das Costureiras de São Paulo
e Osasco, hoje a base do sindicato que representa a categoria em São Paulo e Osasco é composta por 80 mil
trabalhadores/as formais, enquanto a quinze anos atrás eram 180 mil. Segundo ela existem no mínimo 80 mil
trabalhadores/as informais no setor, dentre os quais estão os estrangeiros, majoritariamente os bolivianos.
(Entrevista realizada no dia 18 de dezembro de 2012 no Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, São
Paulo/SP). O desemprego e a informalidade atingiram vigorosamente as mulheres.
7
Com o termo indústria da moda abarcamos a produção, a distribuição e a comercialização dos artigos de
vestuário, tanto em seus aspectos materiais quanto em seus aspectos simbólicos, tão bem explorados por
Simmel (1957) ainda na primeira metade do século XX e já no último quartel do mesmo século por Lipovetsky
(1989). A capital paulista continua a ser a maior produtora, distribuidora e consumidora de artigos de vestuário
no Brasil. Possui as maiores concentrações do varejo de luxo, com lojas nacionais e internacionais, de
confecções e lojas atacadistas, além de sediar importantes eventos do setor como o São Paulo Fashion Week e
concentrar 42 cursos superiores de moda/têxtil (COSTA e ROCHA, 2009).

5
extrema, de curtíssimo prazo e de grande competitividade, um conjunto de pressões que
recaem diretamente sobre as oficinas de costura e os/as costureiras em domicílio.

A cidade de São Paulo, local em que a produção têxtil destacava-se desde o início do
século passado puxando a produção de confeccionados (STEIN, 1979), é bastante ilustrativa
de como os efeitos acima descritos. Além da transferência da indústria de confecção para
outros estados do país, houve uma forte dispersão da produção de vestuário dos bairros da
região central, notadamente do Brás e do Bom Retiro8, para bairros da zona norte e da zona
leste e para cidades da região metropolitana (GARCIA e CRUZ-MOREIRA, 2004). Essa
dispersão acompanhou o movimento de terceirização das etapas produtivas, principalmente
da costura, para cooperativas de trabalhadores, oficinas e trabalhadores/as em domicílio que
em muitos casos, eram ex-funcionários/as de indústrias que passaram a subcontratá-las
(FREIRE, 2008).

Tal processo abriu espaço para o crescimento do número de micro e de pequenas


empresas, das oficinas e do trabalho em domicílio que hoje compõem o grosso da produção
no setor também na capital e RMSP, além do aumento da informalidade e do trabalho
precarizado. De acordo com o censo de 2010, 64% dos produtores de confeccionados da
capital possuíam entre 1 e 9 funcionários, dos quais 70,2% eram mão de obra feminina e
88,2% ganhavam entre 1 e 3 salários mínimos. Em um total de 115.922 trabalhadores/as,
39% trabalhavam com carteira assinada, 20.4% sem carteira assinada, 36.4% por conta
própria, 3.4% declararam-se empregadores 0.8% exerciam trabalho não remunerado
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2013). Como podemos observar, os
rendimentos no setor são predominantemente baixos, o percentual de trabalhadores/as a
margem da formalidade é alto e configura-se por uma predominância de mão de obra
feminina.

Nesse cenário é que se encontram as oficinas de costura nas quais os trabalhadores/as


são imigrantes, ainda concentradas no centro de São Paulo - região fortemente atrelada a
presença de variadas nacionalidades de imigrantes desde o século XVIII – embora autores
como Souchaud (2010) e Xavier (2010; 2012) apontem sua dispersão para outras zonas da
cidade e RMSP. Essas oficinas comumente realizam somente a etapa de costura e de
etiquetagem, podendo ser subcontratadas por outras oficinas, por micro e pequenas empresas

8
Brás, Bom Retiro e Mooca ainda são os bairros de maior concentração das empresas formais (38,7%)
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2013).

6
com CNPJ e ainda por intermediários de mão de obra e pequenos distribuidores. A produção
principal é a de artigos de vestuário com tamanho e modelos padronizados, notadamente
roupas e em menor parte bolsas e outros acessórios têxteis que se destinam: a) a
comercialização pelas inúmeras lojas da capital, principal varejista do país; b) por grandes
redes e lojas varejistas multimarcas com ou sem marca própria, entre as quais estão os
hipermercados; c) por importantes grifes nacionais e internacionais que possuem lojas na
capital e; d) diretamente pelos próprios imigrantes, no comércio formal e/ou informal e de
rua.

Observa-se que as oficinas podem escoar sua produção por dois ou mais canais,
inclusive de maneira concomitante, assim como os artigos podem destinar-se ao comércio
popular e ao comércio de luxo, o que todavia não interfere no valor final pago pelas peças
produzidas. Aqui, de igual maneira ao que ocorre com as costureiras brasileiras, conseguir
trabalho requer que se utilizem as redes sociais de pertencimento a um grupo profissional
e/ou étnico-nacional pelas quais circulam as encomendas. Trata-se do regime de trabalho
que vigora nas oficinas e no trabalho a domicílio, costurar um determinado número de peças
em um tempo bastante reduzido pela sazonalidade da moda, assumindo os riscos com a
produção e o rendimento atrelado unicamente a cada peça costurada. Se estabelece um
circuito no qual os responsáveis em produzir determinada encomenda não raro repassam
parte dessa produção para outras oficinas e trabalhadoras em domicílio, mobilizando
familiares, vizinhos e conterrâneos para o trabalho (FREIRE, 2008).

O valor recebido pelos trabalhadores imigrantes pode variar bastante, de acordo com
o tipo de costura e o maquinário utilizado, porém raramente ultrapassam a casa do um real
por peça costurada. Em períodos de pico da produção, as jornadas podem se estender por
mais de 16 horas diárias e ocupar todos os dias da semana, embora os/as trabalhadores/as
com os quais conversamos destaquem a importância do descanso dominical. Ou seja, quanto
mais peças costuradas, mais dinheiro se recebe pela encomenda e quanto mais encomendas,
maior é o rendimento mensal. Segundo os próprios imigrantes, há que se aproveitar quando
a oficina tem encomendas a realizar, pois em épocas de baixa temporada a solução é
comercializar vestuário em locais estratégicos como a Feirinha da Madrugada, no Brás, ou
ainda de “porta em porta” como o faziam os sul-coreanos com o “bendê” e os sírios e
libaneses com a mascateação, décadas passadas (CHOI, 1991; TRUZZI, 2008).

7
Vender diretamente a produção requer, no entanto, um investimento em insumos
produtivos e o domínio de mais etapas produtivas da indústria de confecção, o que nem
sempre é possível. Para complementar a renda ou compô-la em períodos de escassez de
costura, os imigrantes dedicam-se a outras atividades que costumam envolver aspectos e
locais típicos da cultura e da sociabilidade de sua origem étnica-nacional na capital, como
podemos observar em relação aos bolivianos na Feira da Kantuta, por exemplo. No entanto,
vender sua própria produção ao consumidor final, assim como assumir a responsabilidade
por todas as etapas de produção – imateriais e materiais – é uma prática comum entre os
trabalhadores imigrantes no setor, sobretudo aqueles que estão inseridos a mais tempo, o que
torna ainda mais complexo o desenho das posições ocupadas pelos estrangeiros e suas
oficinas nesse mercado que abriga inúmeras possibilidades de trajetórias ocupacionais.

Imigração e confecção na cidade de São Paulo

Diante do acima exposto, vemos que embora não seja um evento universal, o trabalho
com a costura na indústria da moda encontra-se “esvaziado” e que a ocupação costureiro
fora reduzida, por meio do parcelamento das tarefas, a operação de máquinas de costura. Por
se tratar de um trabalho com tais características, mesmo aqueles trabalhadores imigrantes
que chegam a São Paulo com pouco ou nenhum conhecimento prévio da atividade não
encontram grandes dificuldades em trabalharem como costureiros nas oficinas. Quando o
status jurisdicional do imigrante é de ilegalidade, as oficinas clandestinas são fundamentais
para a entrada do trabalhador no setor e no mercado de trabalho nacional, além de
funcionarem como espaço de moradia. Também tornar-se dono da própria oficina de costura,
ou trabalhar por conta própria no setor, não é algo de difícil alcance. Uma vez que o
imigrante adquire o conhecimento sobre o funcionamento desse mercado na capital e
consegue fazer uso dos capitais econômico, social e simbólico que adquiriu com a imigração,
alugar uma casa, comprar as máquinas necessárias e recrutar outros trabalhadores imigrantes
torna-se possível, reproduzindo assim o processo.

As trajetórias imigratórias são indissociáveis do entendimento das trajetórias laborais


dos trabalhadores imigrantes, assim como das trajetórias das próprias oficinas de costura e
das condições objetivas de trabalho que nelas existem. Embora o crescimento das oficinas
de costura dos trabalhadores imigrantes na capital, nas duas últimas décadas, e sua expansão
para as cidades da região metropolitana estejam relacionados a reestruturação produtiva do
setor e delimitadas por esse processo, também as dinâmicas migratórias estabelecidas na

8
capital e mobilizadas pelos sujeitos do fenômeno explicam esse crescimento e nos
possibilitam compreender os sentidos que a mobilidade social assume para os mesmos.

É impossível excluirmos os imigrantes e suas diversas nacionalidades, da história da


cidade de São Paulo e da formação e consolidação da indústria da moda na capital paulista.
Desde as migrações históricas até as contemporâneas, a cidade se tornou principal local de
destino das migrações internacionais para o Brasil, assim como a produção e a
comercialização de artigos de vestuário, um nicho econômico para imigrantes de variadas
origens étnico-nacionais, a exemplo dos italianos, dos judeus do leste europeu, dos sírios e
libaneses, dos sul coreanos, dos bolivianos e dos paraguaios. As imigrações do século XIX
e início do século seguinte se deram em contextos políticos, econômicos e sociais
completamente distintos daqueles do último quartel do século XX até os dias de hoje. Apesar
disso, a presença dos imigrantes foi fundamental para a proeminência da indústria têxtil e de
confecção na capital, a partir do centro, atribuindo-lhe o caráter popular em bairros como o
Brás e o Bom Retiro. Enquanto nicho econômico, possibilitou a consolidação dos projetos
imigratórios, a fixação e a mobilidade social ascendente para imigrantes de primeira geração
e descendentes.

Entre os fluxos imigratórios históricos e os contemporâneos, a produção de artigos


de vestuário paulistana viu crescer, desde os anos de 1950, a participação de migrantes
nacionais, sobretudo mulheres vindas dos estados nordestinos, além de Minas Gerais e
Paraná (SOUCHAUD, 2010). Não obstante componham ainda a maior parte da mão de obra
empregada no setor, este sempre se conservou enquanto um espaço privilegiado para a
inserção e a manutenção de uma classe de trabalhadores imigrantes, mesmo no casos em que
a origem dos fluxos não atrelava-se diretamente ao mesmo.

Um caso bastante ilustrativo é o dos imigrantes sul coreanos, que aqui chegaram após
a assinatura de um acordo de cooperação entre estados não comunistas, assinado entre Brasil
e Coréia do Sul, em 1963 (CHOI, 1991). Até 1966, o Brasil recebeu cinco levas de imigrantes
da Coréia do Sul, ano em que a emigração oficial daquele país para cá foi finalizada. A partir
daí, os influxos eram mantidos pelos anteriormente estabelecidos, dando início ao fenômeno
da imigração ilegal da Coréia do Sul para o Brasil, algo que fora significativo até 1974,
sobretudo na cidade de São Paulo (YANG, 2011). Os bairros de maior presença da
nacionalidade na virada dos anos de 1960 para 1970 eram o Brás, o Bom Retiro, a Liberdade
e a Mooca. Nos dois primeiros, destaca-se a atividade no ramo do vestuário, tanto com a

9
comercialização quanto com a produção das roupas. Igualmente a outros imigrantes que
fizeram parte do setor têxtil-vestuário na capital, o comércio foi porta de entrada, pois com
pouco conhecimento do idioma e baixo investimento de capital econômico podia-se
acumular dinheiro com certa facilidade. Vendiam produtos trazidos da Coréia, com
qualidade superior e preços inferiores aos nacionais.

Por meio da venda de roupas, aviamentos e tecidos de casa em casa, efetuou-se a


passagem para o ramo da costura, já no final dos anos 60. O pioneirismo coube a Kim Su-
san, Kim Seok-jo e Kim In-bae, donos das primeiras confecções que tiveram início com
intenso trabalho familiar e domiciliar, com poucas máquinas de costura compradas a
prestações. Seus passos foram seguidos por outros imigrantes coreanos que conforme
aumentavam os rendimentos, passavam a alugar diminutos espaços nas ruas do centro e
empregar compatriotas em suas pequenas fábricas de roupas que serviam de local de moradia
dos trabalhadores e, por vezes, dos próprios empregadores.

Alguns fatores explicativos da boa ventura desse grupo no setor foram os baixos
custos com o trabalho, uma vez que se apoiavam na mão-de-obra familiar e compatriota; a
grande procura por seus produtos que apesar de comercializados a baixos preços, eram de
qualidade superior aos populares nacionais e atendiam as demandas de curto prazo, como
afirmou Kontic (2007); o conhecimento prévio do ramo trazido pelos imigrantes de regiões
industrializadas da Coréia do Sul, como Seul, foi apontado por Yang (2011) e, por fim,
Garcia e Cruz-Moreira (2004) atribuem aos coreanos uma capacidade especial para captar e
reproduzir as demandas da moda para o gosto e poder aquisitivo do consumidor de baixa
renda.

Os sul coreanos não somente vivenciaram os impactos da reestruturação produtiva


para o setor na capital como adotaram, antecipadamente, medidas de flexibilização que
possibilitariam sua permanência e uma posterior ascensão para outras ocupações dentro e
fora da indústria da moda, algo válido, sobretudo, para os descendentes. Os mesmo teriam
sido determinantes, segundo Souchaud (2012), para a inserção dos bolivianos e dos
paraguaios no setor, empregando-os nas oficinas de sua propriedade; subcontratando as
oficinas de sul-americanos uma vez que paulatinamente abandonaram a produção para
centrarem-se na criação e na comercialização e; fornecendo os meios para que bolivianos e
paraguaios conseguissem um local de trabalho, crédito e equipamentos para a produção, a
fim de se tornarem donos de oficinas.

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Esse processo que teve início ainda nos anos de 1980 se intensificou nos anos
seguintes para firmar bolivianos e paraguaios como os principais imigrantes que atualmente
estão envolvidos com a produção de vestuário. Quanto a ligação desses novos movimentos
migratórios intrarregionais para São Paulo e para o setor, autores como Silva (1997; 2003) e
Freitas (2009) argumentaram sobre a existência de um circuito migratório entre Brasil e
Bolívia que se relaciona diretamente a oferta de trabalho na indústria de confecção
paulistana, em um processo que guarda muitas semelhanças ao que ocorre entre Brasil e
Paraguai (FREIRE e CÔRTES, 2014).

São muitas as formas de entrada no Brasil, na cidade de São Paulo e nas oficinas de
costura e em todas essas, as trajetórias migratórias estão diretamente relacionadas as
trajetórias laborais. Existem aqueles que partem de seu país de origem já “empregados” nas
oficinas de costura da capital, recrutados por empreiteiras de mão de obra - algo muito
comum na Bolívia, como mostrou Silva (2005) em sua pesquisa nas cidades de La Paz, Santa
Cruz de La Sierra e Cochabamba - onde se vinculam propagandas enganosas nas rádios e
jornais locais. Sem dúvidas, esse tipo de trajetória migratória e laboral é quase sempre a mais
incerta e arriscada para o imigrante e costuma ser o pano de fundo para os casos de servidão
por dívida9. Os imigrantes que chegam na capital sob essas condições costumam ser do sexo
masculino, jovens que não possuem contatos pré-estabelecidos em São Paulo e que deixaram
suas comunidades rurais indígenas em um processo anterior de migração interna. No caso
das mulheres, é comum que membros da família que já estejam estabelecidos em uma
oficina, principalmente homens, atuem como os responsáveis pela viagem e pela estadia, em
um processo migratório “tutelado”. O Gênero atua como um marcador determinante das
trajetórias migratórias e laborais, sobretudo, em novos circuitos migratórios e naqueles em
que comunidades tradicionais são a sociedade de origem.

Um vez consolidado um circuito migratório entre um local de origem e um local de


destino, constituído pela alta mobilidade de pessoas, bens, dinheiro, remessas e informações
no interior do mesmo, os condicionantes da migração internacional e de inserção
ocupacional começam a se alterar (BESSERER, 1999; LIMA et al., 2007). Em muitos casos,
emigrar torna possível uma reunificação familiar e em tantos outros, tornar-se dono da

9
A servidão por dívida caracteriza-se pelo impedimento da vítima em deixar o seu local trabalho até que sua
dívida seja quitada. Ou seja, trabalhadores/as são privados de sua liberdade em razão de dívidas contraídas nos
locais de origem com adiantamentos por agentes de recrutamento e transporte, muitas vezes empreiteiros de
mão-de-obra para proprietários de terra ou para outros setores (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO – OIT, apud CACCIAMALI e AZEVEDO, 2006, p.4).

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própria oficina significa a chance de trazer para São Paulo parentes e amigos. Por meio dos
deslocamentos e das trocas geográficas, materiais e simbólicas, se consolidam as redes
transnacionais constantemente mobilizadas pelos sujeitos do processo, mesmo quando as
condições originais de recrutamento de trabalhadores não mais existem. A migração
internacional é entendida pelos estudiosos do campo como um mecanismo de construção e
ativação de redes transnacionais, realizada por aqueles que permaneceram e por aqueles que
partiram, interligando regiões de origem e de destino, os circuitos migratórios.

Explorar o terreno fértil das migrações internacionais e enfatizar as micro estruturas


mobilizadas no processo nos possibilita compreender como e porque determinados grupos
de imigrantes participam do setor e quais os significados que esta participação adquire.

Caminhos da mobilidade social na migração internacional

A migração laboral internacional na contemporaneidade evidencia, tantos por seus


aspectos qualitativos quanto pelos quantitativos, a importância assumida pela circulação de
mão de obra por entre as fronteiras nacionais para o entendimento do atual conflito entre
capital e trabalho, em nível global. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas
(ONU), no ano de 2013, existiam 232 milhões de migrantes internacionais10, somando pouco
mais de 3% da população mundial. Contrariando as políticas migratórias restritivas e o
recrudescimento do controle de fronteiras geográficas e simbólicas levados a cabo por
muitos países de destino dos movimentos, esses continuam a crescer. Entre os anos de 1990
e 2000, aproximadamente 2 milhões de pessoas deixaram seus países de origem, número que
na década seguinte mais que dobraria, alcançando 4,6 milhões. Embora os países
economicamente desenvolvidos do norte continuem a ser os principais “receptores” dos
novos fluxos, enquanto os países em desenvolvimento do sul os principais “expulsores”, o
cenário das migrações internacionais tornou-se muito mais complexo, mantendo antigas
trajetórias reconfiguradas e abrindo novos caminhos de deslocamento.

Como explicar as mudanças de padrão e de volume das migrações internacionais? A


percepção comum é a de que a globalização e seus efeitos, tais como a aceleração dos meios
de transporte e de comunicação, serviriam como pano de fundo para o crescimento e a
diversificação dos fluxos migratórios, diminuindo as distâncias entre quem partiu e quem
permaneceu, ou como insere Sassen (2010), criando as “condições materiais” que tornam a

10
O relatório da ONU considera migrantes internacionais aqueles que residem fora de seus países de
nascimento ou cidadania, por motivos laborais, de refúgio, reunificação familiar, entre outros.

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mobilidade geográfica possível para determinadas pessoas e grupos, engendrando os “novos
tipos de imaginário” que fazem da emigração uma opção.

Também a financeirização do capitalismo aprofundaria as desigualdades econômicas


entre as nações de origem e de destino dos migrantes, algo reforçado pela formação de blocos
econômicos e de acordos políticos que recuperam laços de colonialismo e do imperialismo
econômico. As relações de dependência econômica são diretamente aprofundadas com o
deslocamento de parcelas significativas da população economicamente ativa de
determinadas regiões de origem para os mercados de trabalho no exterior. Surgem, assim, as
remessas da migração internacional, dinheiro enviado formal ou informalmente por quem
emigrou para aqueles que permaneceram e que no caso de países como o Haiti, Honduras e
El Salvador, chegam a compor 20% de seu Produto Interno Bruto (PIB) (MIGRATION
POLICE INSTITUTE, 2011).

Autores como Braverman (1981), Gaudemar (1977) e Luxemburgo (1985)


observaram a capacidade do capital - em muitas ocasiões com o apoio e o incentivo dos
Estados de origem e de destino, a exemplo dos programas e vistos de trabalhos temporários
- em mobilizar mão de obra nos países economicamente subdesenvolvidos a fim de suprir a
demanda dos mercados dos países ricos e/ou reduzirem os seus custos com o trabalho. Os
imigrantes comporiam, como bem observou Castel (2010) a respeito da sociedade francesa,
os trabalhadores “residuais” e “periféricos” que estiveram à margem da estabilidade fordista
e outras garantias do bem estar social, em “ocupações instáveis, sazonais e intermitentes”.
Nas grandes metrópoles estudadas por Sassen (1991), Nova Iorque, Londres e Tóquio,
estariam os imigrantes inseridos nos setores manufatureiros altamente degradados. Atribuía-
se ainda a imigração, segundo Castells e Portes (1989), uma relação causal e direta do
(res)surgimento da economia informal em contextos altamente regulados, como o dos países
de capitalismo central dos anos de 1980.

Há que se considerar essa bipolaridade territorial, portanto, para refletirmos sobre a


precarização e precariedade do trabalho dos imigrantes inseridos no setor em São Paulo e
aqui o fazemos com base na distinção de Leite (2011) entre os conceitos. Para a autora, a
precarização “[...] é um processo relacional, que só pode ser pensado levando-se em
consideração um período histórico [...]” enquanto a precariedade diz respeito “[...] a
determinadas formas de inserção ocupacional que ficam aquém dos direitos historicamente
conquistados pela classe trabalhadora.” (p. 31). O que a pesquisa de campo tem demonstrado

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é que os trabalhadores e as trabalhadoras imigrantes quase sempre enfrentavam em seus
países de origem o desemprego e ocupações variadas todas essas imersas na informalidade.
De fato, esses trabalhadores vivenciam a precarização do trabalho na indústria de confecção
paulistana, porém, não realizaram atividades laborais anteriores que não marcadas pela
precariedade.

A migração laboral envolve a expectativa de conquistar melhores condições de vida


para quem partiu e quem ficou, tendo como parâmetro a sociedade de origem e a sociedade
de destino e o imaginário partilhado de que isso só acontece por meio do trabalho árduo que
garante o sucesso da imigração. Nesse sentido torna-se possível falarmos em uma
mobilidade social nos caminhos da precariedade, assim como é necessário que pensemos a
mesma em termos de projetos migratórios guiados por expectativas e subjetividades. Em
nossas entrevistas com os costureiros imigrantes observamos que tornar-se proprietário/a de
uma oficina de costura é aspecto central na concepção de mobilidade social ascendente entre
os trabalhadores e as trabalhadoras imigrantes, o que justificaria e reforçaria determinadas
normas e condutas. Outro ponto crucial é a obtenção de vistos de trabalho.

A condição de imigrante irregular é um ponto de coerção que por vezes é utilizado


por determinados empregadores de todas as nacionalidades, sobretudo, com os/as recém
chegados e que pouco dominam de um novo idioma. Isso ocorre porque há um grande
desconhecimento por parte dos costureiros com relação a política migratória brasileira e aos
direitos dos imigrantes laborais, algo que com o passar do tempo é desmitificado dentro dos
grupos de convívio, embora não seja ainda claramente entendido. Como nos disse um jovem
costureiro de origem boliviana que está ilegalizado na cidade desde 2013 e no momento
trabalhava para um empregador brasileiro, após ter trabalhado em oficinas de empregadores
coreanos e bolivianos, com o tempo perde-se o medo da deportação. Existe uma alta
rotatividade dos trabalhadores entre as oficinas, por vezes decorrentes de problemas no
universo do trabalho e em outras ocasiões, por problemas em morar em uma casa
compartilhada.

A concomitância entre o local de trabalho e de moradia é algo recorrente e em muitos


casos não há uma divisão clara do espaço da casa e do espaço da oficina no cotidiano -
sobretudo quando não se mora com membros da sua própria família - assim como as
condições de existência laboral e domiciliar são quase sempre improvisadas. Os
empregadores costumam fornecer os imóveis e o valor das contas (água, luz, aluguel,

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alimentação, internet) são mensalmente descontados dos rendimentos de cada trabalhador.
No entanto, esse quadro se altera de acordo com o grau e a forma em que se dá a relação
entre empregadores e costureiros, assim como se essa relação antecede ao deslocamento
desde o país de origem ou aqui foi construída. Trazer a família e/ou dividir a mesma casa
com os parentes é melhorar as condições de vida na capital, algo possível para quem trabalha
por conta própria ou possui uma oficina.

As formas de se fazer a travessia variam de acordo com diversos fatores e são


legitimadas ou não pelo Estado-nação receptor11, um conhecimento e experiência partilhados
por determinados grupos e sujeitos, homens e mulheres que se colocam, com ou sem ajuda,
a sós ou acompanhados, a cruzar fronteiras geográficas. A forma como se cruza é
fundamental para determinar a chegada e quase sempre o tempo e as condições de
permanência. Não em vão a viagem faz parte do imaginário de todos os fluxos migratórios,
narrativas e testemunhos que unem e separam histórias de fronteiras em todo o mundo.

Também na viagem esses sujeitos estão vulneráveis, ao tráfico humano coordenado


por redes organizadas transnacionalmente e a violência de diversos agentes, inclusive
institucionais. Há que se considerar uma especificidade das oficinas de trabalhadores
imigrantes: existem muitos casos em que o trajeto migratório e/ou a permanência no local
de trabalho são marcados por práticas espúrias, coerção, retenção de documentos como o
passaporte, servidão por dívida, entre outras violações dos direitos humanos. São esses os
casos de trabalho em condições análogas ao escravo que nos últimos anos foram denunciados
e desmanchados pelas equipes de fiscalização e ocasionaram a aplicação de multas, por parte
do Ministério Público do Trabalho, aos donos da oficina fiscalizada e as empresas varejistas
que estavam no topo das subcontratações.

As fiscalizações e a situação a que estavam submetidos os costureiros são largamente


divulgados pela mídia nacional, principalmente naquelas oficinas em que os empregadores
são igualmente imigrantes. Longe de negar a existência desses casos, devemos diferenciá-

11
Não nos cabe aqui aprofundarmos sobre o funcionamento e as contradições do “Estatuto do Estrangeiro” e
o conjunto de resoluções normativas posteriores ao mesmo que amparam legalmente a entrada e a permanência
de estrangeiros no Brasil. Apenas para ilustrar aquilo que até o presente momento nos é necessário aclarar e
em matéria de movimento laboral, as autorizações de trabalho concedidas podem ser temporárias ou
permanentes, para trabalhadores e empresários. Quanto a entrada ou a estadia irregular no país, ilegal é aquele
que cruzou legalmente a fronteira mas aqui permaneceu após o vencimento do visto (de turista, de estudante,
de trabalho, etc.). Clandestino é aquele que entrou no país sem a autorização dos órgãos competentes, alheio
as fiscalizações de fronteira. Todavia, o MERCOSUL e outros acordos bilaterais a exemplo dos existentes
entre Brasil-Bolívia e Brasil-Haiti ampliam as possibilidades de circulação e estadia para os cidadãos dos países
membros.

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los da regra e colocar em discussão como se constroem os discursos que reforçam estigmas
sociais de exclusão. No caso da população boliviana, isso se traduz pelo binômio
escravizador/escravizado e quase sempre quando por nós questionados a respeito da questão,
os/as imigrantes abordam outros aspectos de suas experiências cotidianas de indígenas e
estrangeiros na capital, como o racismo e a xenofobia.

A precarização e a extrema exploração são indissociáveis do trabalho flexibilizado


da indústria de confecção, seja ele exercido pelos nacionais ou pelos estrangeiros, em
domicílio ou nas oficinas de costura. Antes de remeter a práticas de escravidão moderna e
urbana, trata-se de uma característica endêmica do setor tanto quanto o é a ligação entre a
migração internacional e a cidade de São Paulo. O que as oficinas de costura dos
trabalhadores imigrantes trazem à tona não é, tão somente, o fato de que não superamos
ainda formas de escravidão que se desenrolam à luz do dia e no seio da principal metrópole
nacional, mas também, a necessidade de que discutamos a presença de trabalhadores/as
imigrantes e suas formas de inserção no mercado de trabalho nacional. Isso nos leva a
questionamentos de ordem econômica, política e social sobre o lugar dos imigrantes no
Brasil e o lugar do Brasil no cenário das migrações internacionais na contemporaneidade.

Considerações Finais

Sabemos que não é possível discutir a mobilidade social dos imigrantes descolando-
a do contexto estrutural e social em que a mesma se encaixa (globalização, política externa
brasileira, cambio e remessas, ilegalidade jurisdicional, flexibilização do capitalismo,
desigualdade de gênero e de raça e etnia). Todavia, também não é possível compreender o
(re)florescimento dessas oficinas de costura sem pensar nos significados que a mobilidade
social assume para esses imigrantes, já que as motivações migratórias são múltiplas e
atrelam-se a diferentes projetos e expectativas, calculadas com relação a origem e ao destino
daqueles/as que se deslocaram.

Nos próximos anos poderão realizar-se estudos longitudinais com os grupos de


imigrantes no setor, em que se ampliem as análises sobre a mobilidade social, por exemplo,
com interesses geracionais. Acreditamos que com o crescimento do interesse acadêmico
sobre a questão e a expansão dos estudos sobre migração internacional do terreno
frutiferamente semeado pelos historiados e demógrafos, as lacunas sobre os processos de
trabalho e sobre a articulação entre as esferas macro e microestruturais tenderão a serem
preenchidas.

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