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A CONSTRUÇÃO DO EU NA MODERNIDADE
1) INTRODUÇÃO
Quais condições levaram ao surgimento da Psicologia, no final do século XIX?
Como foi se dando a história do pensamento humano e a construção do mundo
psicológico?
Estudaremos as expressões humanas, que traduzem o espírito da época: dos hábitos à
arquitetura, da música à visão de si mesmo.
Quais motivos levaram ao surgimento de um profissional psicólogo, dentro dos moldes da
ciência?
1) O surgimento da noção de subjetividade privada: as pessoas são indivíduos livres,
indivisíveis, independentes uns dos outros e donos de seus destinos.
2) Esta concepção de sujeito entra em crise! Gera um sujeito em crise de identidade. Surge
então a necessidade de um profissional que pudesse lhe restituir a estabilidade, a
identidade perdida.
EXPRESSÕES
HUMANAS
Literatura: absolutamente controlada pela Inquisição
(tribunal eclesiástico destinado a reprimir a heresia).
Tudo que pudesse ser empecilho para a verdade de Deus
e da Igreja, era queimado ou trancafiado. (Corpo Social,
obra que é um ex. clássico da época e, retrata bem a
rigidez de um mundo concebido como hierarquizado por
uma ordem superior. Não cabe ao homem questioná-la
ou pretender escolher ou mudar o lugar que lhe cabe;
pg.18)
Pintura: Criada para exaltar Deus e os santos católicos As obras têm aspecto ornamental, com
formas estilizadas. Predominam temas bíblicos, e a simetria é a base das composições.
O tamanho dos personagens depende de sua importância social ou religiosa. Muitos dos
trabalhos retratam cenas de pecado e tentação, recorrendo à utilização de figuras simbólicas
complexas, originais, imaginativas e caricaturais.
A arte mais desenvolvida na época, foi a arquitetura, com a construção de inúmeras Igrejas.
NOÇÃO DO EU EM TAL PERÍODO: Comparado ao lugar que o “eu” ocupa hoje –
em que o excesso dele é justamente o problema (individualismo) – o “eu” da Idade Média era
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quase inexistente: como não havia a liberdade de se optar pelos rumos de sua vida, o homem
não seria, assim, propriamente sujeito. Percebe-se então que o “eu” nem sempre foi soberano;
a afirmação do “eu” foi construída gradativamente.
A partir dos seguintes acontecimentos, vamos pensar como tais mudanças influenciaram
a vida das pessoas, a visão que tinham do homem e do mundo.
Com a valorização do homem, ele tem que buscar uma formação, se constituir enquanto
humano. Não se pensa mais o destino dos homens enquanto predestinado; ele tem que, agora,
se educar e cuidar de si o melhor possível.
Cessa a interferência da Igreja na ciência e na literatura: agora se podia estudar o corpo
humano a fundo, os astros e a natureza e tudo o mais que o homem se arriscasse a querer
conhecer e dominar.
Ele tenta descobrir, definir o que é bom e mal; assim se cria o campo da moral. O homem
começa a julgar-se como Deus – todo poderoso – e é como se achasse que o mundo estava a
seu dispor: as coisas (inclusive o corpo humano) começam a ser vistas e tratadas como
objetos.
Há uma ambivalência: ao mesmo tempo em que se sente livre para se tornar o que quiser, o
centro de tudo, ele não é nada!! Há uma negatividade rondando, o mundo já não é fechado,
certo, estável. O homem tem que tornar-se, constituir-se, mover-se! Assim, advém a ilusão, o
erro, as incertezas e as suspeitas...
Bom exemplo da diversidade da época são as “feiras de rua”. Elas já existiam na Idade
Média, mas em tal período, não reuniam a diversidade cultural do mundo. Somente no
Renascimento, com o surgimento das rotas de comércio e da expansão marítima que foi
possível o contato com novos mundos e diferentes culturas.
Assim, a feira contém um elemento de festa popular, desordem e gritaria diante de uma
abundância de mercadorias nunca antes vistas!
Difícil encontrar referencias seguros! O que pensar diante dos relatos dos viajantes sobre
as coisas incríveis que viram? Outros Países? Povos? Culturas? Como distinguir relatos
confiáveis de outros fantasiosos e mentirosos? A descrição de um tamanduá parecerá tão
absurda ou possível quanto a de um dragão do mar!
O AUTO- QUESTIONAMENTO
Caso ele se recuse? Meios mais efetivos poderiam ser usados! (a conquista da América e a
catequização dos índios são bons exemplos do extermínio massivo de culturas.)
Questiona-se a própria verdade, não para substituí-la, mas para tomá-la não mais como
única, mas como uma dentre as possíveis.
Todorov: para ele, tanto os espanhóis quanto os nativos, tinham uma enorme incapacidade
de entrar em contato um com o outro. Cada um tomava o outro de modo auto-referente. Por
exemplo, os Astecas julgavam Cortez sendo um Deus e imperador, cujo retorno estava
previsto. E os espanhóis julgavam os nativos como objeto desumanizado, a ser escravizado
ou morto.
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A vitória dos espanhóis teria se dado por sua maior habilidade em entender o modo de
pensar do outro, tirando proveito disso. O mais importante fator de dominação do europeu
sobre o mundo foi sua capacidade de dissimulação e de mentir.
EXPRESSÕES ARTISTICAS:
Música Polifonia
fragmentação, onde a ordem das coisas não parece mais possível. (pg 29).
Irão surgir mecanismos para o domínio e formação do eu. É justamente na formação destes
novos modos de ser, que poderemos começar a reconhecer os rumos que levarão à Psicologia
(pg. 36). “as experiências subjetivas (... ) que se converteram em objeto de um saber e
intervenção psicológicos, devem sua emergência tanto ás vivências de diversidade e ruptura,
como às tentativas de ordenação e costura”. Ou seja, o individuo surge, “nasce da dispersão e
traz uma cisão interior inscrita em sua natureza” (liberdade/submissão).
Exercícios Espirituais: o homem é livre para ser o que quiser, mas está perdido! Ele precisa
reencontrar o caminho do bem, dirigindo sua livre vontade para ele. Mas ele não sabe como
fazer isso. Então, ele precisa de um manual de instruções, uma técnica para dirigir sua ação.
Escreve os Exercícios Espirituais , em que propõe uma série de procedimentos, com a duração
de 28 dias, cujo cumprimento rigoroso deverá levar o praticante à Iluminação. (Militar antes de
se converter...)
Para Sto Inácio, a liberdade humana é reconhecida enquanto causadora da perdição humana.
Então, a salvação humana só se dará se o homem abrir mão dessa liberdade, transferindo-a a
autoridade religiosa, com toda boa vontade, determinação e disciplina. A submissão do sujeito
deve ser total; esse é o preço a se pagar pelo repouso numa certeza sem conflitos.
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Através dos Exercícios Espirituais, que o praticante realizará durante 28 dias, ele chegará à
salvação. Se ao final do 28º dia, ele não alcançar a iluminação isso não se deve a uma falha nos
métodos, mas sim à pouca fé e à fraqueza da vontade do exercitante.
A crença na liberdade humana absoluta, que diz que podemos atingir qualquer que seja nosso
objetivo, envolve um forte sentimento de culpa. Se somos o que fazemos de nós, a infelicidade
na qual nos encontramos foi produzida por nós, nós a merecemos. Pensemos em um título: “Só
é gordo quem quer”. Nele podemos perceber que, o único determinante que parece ser levado
em conta, é a vontade, o desejo do sujeito. Eles desconsideram todos os outros determinantes,
como o histórico, o social, o genético, etc.
Shakespeare: Em 1600, surge uma das obras mais importantes já escritas: Hamlet. O livro é
recheado de monólogos que expressam uma característica essencial da Modernidade: a
interioridade. A consciência de si traz ao homem a consciência de sua vaidade e um
distanciamento melancólico da experiência imediata. Hamlet coloca-se também em uma
posição alheia ao coletivo, ao que se espera de um príncipe; ele se recusa a ocupar o papel que
lhe é reservado, preferindo ser autor de si mesmo. Temos ao mesmo tempo crítica e
construção do homem da Modernidade.
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Outro exemplo, seria Erasmo de Rotterdam, em seu livro O Elogio da Loucura. Nele, o
autor, que é ligado à Igreja, tinha a intenção de fazer um apelo por reformas na burocratização e
hipocrisia da Igreja. Mas ele vai além. O texto arrasa qualquer idealismo sobre a bondade
humana e seu amor pelos demais. Se não conhecêssemos o autor, nós o imaginaríamos como o
1º ateu confesso. (p.50 e 51)
Nosso riso frente à leitura desses velhos manuais nos mostra o quanto o principio que os
rege foi eficaz e age em nós; as normas que nos indicam que as funções corporais devem ser
ocultas são absolutamente automatizadas.
Esta modelagem dos comportamentos ocorreu entre os séculos XVI e XVII, quando se
produziram códigos de inserção social e seu não cumprimento era acompanhado pelas
acusações de “doença”, “crime”, levando à exclusão do convívio social.
Ao eu será atribuída uma posição transcendente ao mundo material; com isso, nascerá o projeto
da produção de um conhecimento objetivo, neutro, independente da subjetividade: a ciência.
Assim como Santo Inácio, Descartes acredita que o caminho para a verdade é acessível a
qualquer pessoa, pois todos são livres para dirigir sua vontade ao caminho correto. A diferença
é que:
Em Santo Inácio: a verdade é Deus e o caminho a meditação.
Em Descartes: ele refere-se à verdade enquanto tal e o caminho encontra-se no uso correto das
leis matemáticas e geométricas.
DESCARTES
- O filósofo mais expressivo e um dos fundadores da Modernidade.
- Seu pensamento associa-se a origem do Iluminismo e, posteriormente, da ciência.
- Há críticos que o tomam como o criador de um racionalismo exagerado.
- Juntamente com Platão, é o maior representante da filosofia da representação, que exclui o
corpo e seus impulsos, pretendendo que o mundo seja totalmente racionalizável, submetido a
séries de causa-efeito.
- Encontra uma solução: inicia um processo de dúvida metódica, ou seja, ele se propôs a
refletir sobre cada coisa que há no mundo, procurando saber se ela lhe poderia fornecer uma
verdade segura. Uma vez encontrado um ponto de referência, tudo mais deveria vir por
dedução. Para distinguir o certo do errado, fez o seguinte: àquilo que fosse falso, ele
consideraria falso; àquilo que fosse incerto, ele consideraria igualmente falso. Apenas algo
realmente seguro poderia passar por seu crivo.
- Queria chegar ao conhecimento verdadeiro! Para isso interrogou tudo e todos: os
especialistas, as leis e regras morais, a si mesmo (seus órgãos do sentido, seus sentimentos, suas
sensações de ter certeza sobre algo) e viu que não podia confiar verdadeiramente em nada.
Quando tudo levava a crer que ele ficaria tão cético quanto Montaigne, ele dá seu “pulo do
gato”. (pg 64)
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- Depois de duvidar de tudo, diz que, todas as coisas que tomou como objeto de seu
pensamento eram de fato, incertas, mas que algo lhe parecia indubitável: enquanto duvidava,
seguramente existia ao menos a atividade de duvidar e se havia esta ação, ela deveria ter um
sujeito, um eu pensante. Assim ele conclui: diante de toda a dúvida do mundo, o único ponto
de segurança e referência que temos é o de um “eu”, não enquanto corpo, pois sua existência
também foi colocada em dúvida, mas um eu puramente pensante, uma alma racional capaz
de produzir representações corretas do mundo. Daí a famosa frase: “EU PENSO, LOGO
EXISTO” (pg.65 e 66).
CONCLUINDO
O eu será a única referência estável e dará origem a todo o projeto científico. O
homem sente-se agora seguro para alcançar um conhecimento objetivo do mundo. A verdade
não será mais procurada nas escrituras sagradas ou em iluminações místicas. O lugar da
verdade é o eu e não mais textos ou representantes do sagrado. A Modernidade se ergue
diante da descrença progressiva da possibilidade de acesso imediato a qualquer transcendência.
Só poderá ser considerado verdadeiro aquilo que passou pelo crivo da observação e razão
humanas.
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CAPÍTULO 8: O EU E O NÃO EU
Estudaremos aqui, o surgimento de uma zona de exclusão representável pela loucura ou
pela natureza animal do homem.
séc. XVII
Surge nossa forma atual de relação com a loucura: é como se a loucura tivesse surgido a
partir de tal século. Isso não significa que, antes disso, não houvesse pessoas que alucinavam ou
que fossem descontroladamente violentas; a questão é que antes do séc. XVII, a forma de se
compreender o que se passava com essas pessoas, era diferente.
Antes do
Séc. XVII
Não havia o medo que temos hoje do louco. Não havia a ideia de que isso fosse doença e,
principalmente, não existia a ideia de que ele devesse ser afastado do convívio social e isolado
em um hospício.
Em determinadas culturas, o louco foi tomado como um visionário: como aquele que
transcende a experiência imediata e entra em contato com outras dimensões da verdade,
comunicando-a aos demais. Foi ainda considerado possuído pelo demônio ou simplesmente
como alguém bobo.
O principal é observar que, até o séc. XVII, a perda da razão por um homem não produzia o
efeito de medo que passou a gerar nas pessoas a partir de então.
Parece que o seguinte aconteceu: no mundo medieval, a garantia sobre a ordem do mundo e de
todas as coisas, era dada por Deus. Se o homem perdia a razão, via coisas que ninguém mais
via, ou pensava o que ninguém mais pensava este era um problema dele e somente dele; isto
não afetava as outras pessoas! Achavam que ele poderia ter sido possuído pelo demônio. As
pessoas tinham medo de ser possuídas também, mas a loucura não afetava a crença em Deus e
as verdades sustentadas na época.
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Depois de
A situação mudou completamente: Ele introduz a ideia
Descartes de que, a única garantia e referência do homem, é a sua crença
em um “eu pensante”, objetivo e consciente. A partir desse
momento, qualquer coisa que pudesse pôr em questão a estabilidade
e a lucidez do eu, era considerada altamente ameaçadora.
Toda a estabilidade do mundo morava na identidade do eu. Era preciso criar mecanismos para
afirmá-lo e defendê-lo de qualquer coisa que pudesse ameaçá-lo em sua estabilidade.
A partir do
A sociedade vai afastar o louco do convívio social; este afastamento
séc. XVII
parece servir mais aos outros, ditos normais, do que aos loucos. Não há
qualquer perspectiva de tratamento: eles eram isolados por medo da loucura ser contagiosa.
No livro “Do cidadão”, ele traça um perfil do que seria o homem fora da sociedade, em um
virtual estado de natureza. Neste estado “puro”, ou seja, na ausência de um poder ou de
compromissos entre os homens que determinassem o que pertence a quem, todo homem teria
direito de fazer e de ter tudo o que bem quisesse, pois a natureza “deu a cada um o direito a
tudo”. E o que o homem naturalmente buscaria?
Ele procuraria o que é bom para ele, evitando o que fosse mau. (pg. 70).
A busca não é pelo bem comum. Com a progressiva importância atribuída ao eu, a busca
agora é a do bem para si. Para Hobbes, o homem é egoísta e é movido pela busca do prazer e
pela fuga dos perigos da morte. Isto faz com que ele seja violento e promova guerras,
impondo-se sobre os demais.
Alguns homens se contentariam em ter apenas o que lhes fosse necessário, permitindo aos
outros o mesmo. Mas, outros, movidos pela vanglória e ganância, procurariam sobrepor-se aos
demais, provocando inevitavelmente o conflito e a vontade de ferir.
Acredita que o homem teria eternamente, inclinação para aumentar o seu poder:
- No 1º homem, esta inclinação serviria à sua auto-defesa, à qual todos tem direito.
- No 2º homem, serviria à sua vanglória.
Assim, ele conclui que por esses motivos, teríamos sempre, uma eterna guerra de todos contra
todos.
Ele nos mostra um paradoxo fundamental entre as duas máximas da natureza humana:
sobreviver
X
o desejo de apropriar-se de tudo por vanglória
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Explica que a sociabilidade não faz parte da natureza humana. E que os motivos que levam
o homem ao convívio social, seriam os seguintes:
1) Através deste convívio é almejada a obtenção de algo proveitoso para si (ou seja, por
interesse em algo que o outro tenha ou possa propiciar a quem se une a ele)
2) E pelo medo recíproco que sentem uns dos outros.
Por isso, para Hobbes, uma paz duradoura só pode ser conquistada por um esforço metódico
da razão – que teria de ser mais forte do que as paixões – e, a constituição de um poder
centralizado e coercitivo que pudesse reprimir as inclinações individuais.
Para isso, é preciso uma lei clara: que os homens renunciem ou transfiram seus direitos a
todas as coisas, para que se possa chegar à paz. Mesmo que não haja um Estado constituído,
é possível a realização de acordos entre indivíduos. Transferir significa declarar a outro que
não se vai mais resistir a ele naquilo de que se trate.
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Isto pode estabelecer a paz entre algumas pessoas, mas é insuficiente para a garantia de uma paz
generalizada. Por isso é necessária a constituição de um
ESTADO CIVIL
observação rigorosa.
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No que diz respeito ao controle do comportamento, que mantém alguma relação com os
procedimentos de controle a que nos referimos através de Santo Inácio e aos manuais de boas
maneiras criados no século XVI.
Vamos exemplificá-los, através de dois moralistas que eram bastante diferentes entre si:
É bastante visível o tom de crítica irônica presente nas fábulas, mas La Fontaine é cuidadoso,
não denuncia frontalmente ninguém; bem diferente do próximo moralista...
20
LA
Leva suas críticas a pontos cruciais. Ele escrevia em forma
ROCHEFOUCAULD de “máxima”, um texto pequeno, em geral de um único
parágrafo, que funciona como um provérbio. Escreve centenas
delas, mas suas ideias acabam todas retornando a um mesmo tópico: a vaidade humana –
considerada por ele, o motor da vida de todos os homens. Em outras palavras, o amor a seu
próprio eu. Neste sentido, o eu não seria neutro, como pretende Descartes, mas sempre
interessado e desejante, o que colocaria em cheque o projeto científico.
Ele segue a mesma linha de Rotterdam e Shakespeare; alguém que denuncia com humor
irônico, o quanto o eu é pretensioso e iludido sobre si. Suas denúncias são arrasadoras,
mas altamente divertidas. Sua principal obra, “Máximas e reflexões diversas”, era uma das
leituras favoritas de Nietzsche. (pg. 79, 80).
Em conclusão:
Séc. XVIII o eu deixa de ser tomado como totalidade e, cada vez mais, tomará o
aspecto de uma apresentação social, uma auto-imagem cultivada e civilizada
que encobre, no entanto, algo mais que habita e constitui as pessoas, mas que elas
procuram manter em segredo.
Ou seja, este será o espaço da privacidade, (possível quando termina a crença no Deus
onipresente e onisciente).
Na História da vida privada, há exemplos hilariantes de como se pode pagar um preço alto,
quando a esfera privada vem à tona, tornando-se pública. (Asouade: festa popular de
execração pública destinada aqueles que deixaram vazar sua privacidade em público.)
Sade (Marquês de Sade) expressa bem o espírito da época, com uma obra que revela o fim
da possibilidade de se buscar uma fundamentação para a moral apoiando-se na fé ou na
crença em um Deus transcendente. “De sua sexualidade ele fez uma ética, esta ética ele
manifestou em uma obra literária (...)” (Definição de Simone de Beauvoir – pg 85).
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Sade viveu no séc XVIII O séc das luzes – no qual a razão, livre de
qualquer influência moral ou religiosa, estendeu-se sobre todo e
qualquer objeto, inclusive sobre si mesma.
Um homem de seu tempo, mas, que em certo sentido, foi além: questionou a moral a tal
ponto, que se projetou nos séculos seguintes como um pensador ainda original.
Apenas duas de suas obras serão analisadas: “A Filosofia na Alcova” e “Os infortúnios da
virtude”. (Pg 86)
Todo principio moral universal é uma grande bobagem, pois como não acredita em Deus, não
há para ele ninguém que sustente uma conduta necessária. Se a virtude se apoia na religião,
então ela não se apoia em nada, uma vez que não há Deus.
Ele acredita que só podemos nos basear na natureza, à qual o homem pertence, exatamente
como todos os outros animais e a nada além disso.
Acredita que o homem só pode ser feliz seguindo sua imaginação. Realiza uma clara distinção
entre fantasia (sinônimo para ele, de imaginação) e o objeto em que ela se realiza. A fantasia
ocupa um lugar privilegiado na obtenção de prazer. É na fantasia que a particularidade dos
apetites se apresenta, ela é a “natureza” de cada um. É a fantasia tornada ato que produz o gozo.
(pg. 88)
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A partir disso tudo, poderíamos pensar que Sade pregasse uma revolução nos costumes, já
que não haveria mais qualquer fundamento legítimo para a moral. Mas não é isso que vai
acontecer; Sade diz que:
Se saíssemos por aí mostrando todos os nossos íntimos desejos para o mundo, seríamos
presos ou mortos, o que seria uma grande estupidez. Assim, ele prega uma hipocrisia
social: quando estamos em público, devemos jogar o jogo social, manter as aparências;
pagar impostos, cumprir com as obrigações civis e mantermos um comportamento
adequado aos padrões de nossa cultura: porém, quando retirados à vida privada, aí sim
poderíamos fazer o que bem entendêssemos, realizando todos as nossas fantasias.
O pensamento de Sade é amoral (não possui nenhum critério moral), pois desqualifica toda
tentativa de fundamentar um critério absoluto de moral. Depois dele, a moral passou a ser
fundamentada em valores propriamente ligados à convivência humana (e não mais nos
indivíduos).
Monzani, n vestudioso de Sade, busca retirar o estigma que ronda a obra de Sade,
demonstrando que ele fez parte de uma outra corrente da Modernidade, que não a
cartesiana. Monzani diz que “o homem da Modernidade é dominado por seu desejo”. O
homem sempre buscou o bem para si: na Idade Média, o bem era identificado com os
ideais religiosos, únicos para todos. Com a perda destes valores, a busca do bem perde seu
objeto absoluto e passa a ser a procura de um bem para si e ela toma a forma de busca pelo
prazer. Esta seria outra via para entender o nascimento do individualismo e da valorização
absoluta do “eu”.
Para ilustrar musicalmente a oposição entre mundo público e mundo privado, pensemos
em MOZART
Boa parte de suas obras é composta por peças leves, gostosas, facilmente recordáveis; ele
compunha para a corte e devia fazer músicas agradáveis. Por outro lado (e Mozart tem vários),
sua obra possui também momentos de inspiração profunda e densa, quase romântica. Peças
essas que exigiam maior concentração do público e não se prestam a concertos em parque.
Nelas, está contida a vida mais íntima, privada, de Mozart.
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Em sua principal obra, Crítica da razão pura, chega a conclusão de que o pensar é organizado
por categorias, estruturas que organizam tudo o que nos chega do mundo. Exemplo: a
categoria da relação “causa e efeito”, leva o pensamento a crer que, quando um evento é
seguido por outro, o 1º é a causa do 2º, mesmo que eles sejam independentes.
Neste sentido, todo o nosso conhecimento sobre o mundo seria condicionado e “formatado”
por nossas estruturas cognitivas; pelo que somos capazes de aprender. Assim, ele conclui
que nunca temos acesso à coisa em si, mas apenas a fenômenos.
Isso não significa que a razão é inútil ou que se deva deixar de procurar compreender o
mundo. Mas sim, que a razão deve aprender a manter-se em seus limites, dentro dos
quais poderá produzir um conhecimento confiável. A razão deve abster-se de questões
transcendentais, como a existência de Deus e da alma; deve manter sua área de ação no
limite dos fenômenos, àquilo de que temos uma apreensão direta.
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Sua tarefa deve ser mais humilde; ao invés de chegar à verdade absoluta, ela deve procurar
produzir hipóteses, modelos teóricos através dos quais seja possível organizar e dar
sentido aos fenômenos.
Os princípios a que se chega não possuem o caráter de absoluto. Eles são relativos, ou
melhor, provisórios, e apontam para um limite circunstancial da razão, que poderão ser
abandonados e ultrapassados. O eu encontra-se em Kant, com uma visão positiva de suas
possibilidades, mas já não onipotente.
ILUMINISMO
Reconhece na razão a essência do homem e na cultura a sua maior realização.
X
ROMANTISMO
A natureza passional seria a essência humana; percebemos assim, a ânsia pelo retorno ao
mundo natural.
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Neste sentido,
NO ROMANTISMO
Assim:
O EU DO ROMANTISMO:
Ele não se revelou um gênio desde cedo. Foi só quando adulto que sua obra floresceu.
Revelado seu talento, sua obra passou a ser o centro de sua existência. Um fato trágico marcou
sua vida: ele perdeu gradativamente sua audição. No fim de sua vida, percebe-se através de
suas correspondências que a ideia do suicídio lhe ocorreu; porém, esta foi afastada com a
justificativa de que ele tinha uma obra a realizar. Assim, como de praxe no Romantismo
percebemos através do ocorrido com ele, que o sofrimento do eu é menos importante do
que a realização de uma causa, desse dom que ele possuía.
Consta que foi ele quem criou o mito do maestro atormentado, autoritário e totalmente
mergulhado na música. É a partir dele que as luzes nos teatros são apagadas e que se exige o
mais absoluto silêncio na platéia. O fato dele, um dos maiores compositores já existentes, ter
perdido a audição, chega a uma tragicidade patética, acentuada pelo fato dele ter continuado a
compor e de forma ainda mais intensa. Suas peças mudam bruscamente de andamento,
revezando temas perturbados com melodias suaves; tem-se uma profunda melancolia, de
beleza e profundidade incríveis.
O título deste capítulo é também referencia ao movimento cultural e artístico do final do Séc.
XVIII – tempestade e ímpeto – do qual Goethe fazia parte e que retratava o que já dissemos
acerca do Romantismo: o de seu aspecto introspectivo, passional, amargo, trágico, sofrido,
tão bem expressos em sua obra Werther.(p.93)
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Aspectos “anti-
o eu aparece reduzido diante de um elemento maior, como a paixão,
humanistas”: uma causa, uma nação, etc. Ao mesmo tempo, o romantismo foi essencial
no desenvolvimento do sentido de interioridade e profundidade da alma
humana, constituindo-se em uma das bases do que poderíamos chamar de
individualismo.
ELEMENTO
ANTI-
HUMANISTA
O homem, que acreditava ser a obra prima da criação, centro do universo e dono de uma
vontade consciente, livre para se tornar o que bem quisesse, vê-se diante de um despojamento
total de sua importância: ele não seria mais do que um invólucro que porta a vontade e que
pode ser, sem maiores problemas, substituído. Esta essência do mundo escapa totalmente à sua
percepção consciente. Teríamos apenas acesso aos fenômenos que a expressam. A existência
humana ganha o aspecto de relativa gratuidade, o que faz Schopenhauer ser considerado
pessimista. (pg.113)
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ÓPERA
O melhor exemplo de como a música era utilizada como forma de ação política. Em sua
busca por mobilizar o povo alemão, ele não utilizou o discurso político ou filosófico, mas
sim o de um espetáculo denominado por ele como uma “obra de arte total”: a ópera! Nela,
unem-se recursos literários, musicais, dramáticos e mitológicos para produzir um efeito de
envolvimento e sedução que possa atingir profundamente a platéia. Ele utilizava temas
mitológicos germânicos, buscando no fundo da alma de cada homem o apelo do originário.
Outro compositor a expressar o nacionalismo e o amor em sua
CHOPIN
música, com suas polonaises e noturnos. Nele, encontramos ainda
Literatura: